Revista Psicopedagogia Edição 99
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Revista Psicopedagogia Edição 99
PSICOPEDAGOGIA REVISTA DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOPEDAGOGIA • Nº 99 • 2015 • ISSN 0103-8486 EDITORIAL / EDITORIAL....................................................................................................283 ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES • Autoeficácia de cuidadores de crianças com o transtorno do espectro autista..............285 • Há relação entre desenvolvimento psicomotor e dificuldade de aprendizagem? Estudo comparativo de crianças com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, dificuldade escolar e transtorno de aprendizagem..........................................................293 • Avaliação da memória em crianças e adolescentes com capacidade intelectual limítrofe e deficiência intelectual leve.............................................................................. 302 • Análise de itens da versão brasileira do Ages and Stages Questionnaires para creches públicas da cidade do Rio de Janeiro.......................................................... 314 RELATO DE EXPERIÊNCIA / EXPERIENCE REPORT • Avaliação psicopedagógica de criança com alterações no desenvolvimento: relato de experiência......................................................................................................... 326 ARTIGO ESPECIAL / SPECIAL ARTICLE • Estratégia de inclusão: resgate da corporeidade no interior das escolas........................336 ARTIGOS DE REVISÃO / REVIEW ARTICLES • A dupla-excepcionalidade: relações entre altas habilidades/superdotação com a síndrome de Asperger, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade e transtornos de aprendizagem........................................................................................ 346 • O brincar na clínica psicopedagógica............................................................................... 361 • Educação Superior: vicissitudes da ação psicopedagógica..............................................366 VOLUME 32 Sede: Rua Teodoro Sampaio, 417 - Conj. 11 - CEP: 05405-000 - São Paulo - SP Pabx: (11) 3085-2716 - 3085-7567 - www.abpp.com.br - [email protected] SEÇÕES E NÚCLEOS Triênio 2014/2016 SEÇÃO BAHIA Diretora Geral: Nilzan Gomes Santos Av. 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Alpha Center São Braz – Belém – PA – CEP: 66060-600 Tel: (91) 3229-0565 / 9981-2076 E-mail: [email protected] / [email protected] Vice-Diretora: Eliane Souza de Deus Neto Almeida SEÇÃO PARANÁ NORTE Diretora Geral: Rosa Maria Junqueira Sccichitano (interina) Rua Antonio Amado Noivo, 440 – Vila Ipiranga Londrina – PR– CEP 86010-640 Tel: (43) 9131-8016 E-mail: [email protected] SEÇÃO PARANÁ SUL Diretora Geral: Loriane Ferreira Rua Fernando Amaro, 431, Alto da XV Curitiba – PR – CEP: 80045-080 Tel: (41) 3363-8006 / 3282-9357 / 9106-9645 E-mail: [email protected] / [email protected] Vice-Diretora: Heloisa Monte Serrat Barbosa SEÇÃO PIAUÍ Diretora Geral: Maria Alice de Santana Resende Rua Arlindo Nogueira, 333, SI 05 Edif. Luiz Fortes, Centro Teresina – PI – CEP: 64000-290 Telefone: (86) 9992-0817 E-mail: [email protected] / [email protected] Vice-Diretora: Benilde Ferreira de Assunção Farias SEÇÃO RIO DE JANEIRO Diretora Geral: Maria Katiana Veluk Gutierrez Av. 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Portilho Gláucia Maria de Menezes Ferreira Heloisa Beatriz Alice Rubman Iara Caierão Leda M. Codeço Barone Margarida Azevedo Dupas Maria Auxiliadora de Azevedo Rabello Maria Cecília Castro Gasparian Conselho Editorial Internacional Carmen Pastorino César Coll Isabel Solé Maria Cristina Rojas Neva Milicic Vitor da Fonseca - - - - - - Uruguai Espanha Espanha Argentina Chile Portugal Consultores ad hoc Ana Maria Maaz Acosta Alvarez Jaime Zorzi Lino de Macedo Lívia Elkis Luiza Helena Ribeiro do Valle Saul Cypel Sylvia Maria Ciasca SP SP SP BA SP SP SP PR CE RJ RS SP SP BA SP Maria Célia Malta Campos Maria Cristina Natel Maria Lúcia de Almeida Melo Maria Silvia Bacila Winkeler Marisa Irene Siqueira Castanho Mônica H. Mendes Nádia Bossa Neide de Aquino Noffs Nívea M.de Carvalho Fabrício Regina Rosa dos Santos Leal Rosa M. Junqueira Scicchitano Sônia Maria Colli de Souza Sônia Maria Pallaoro Moojen Vânia Carvalho Bueno de Souza SP SP SP PR SP SP SP SP SP MG PR SP RS SP Rua Teodoro Sampaio, 417 - Conj. 11 - Cep: 05405-000 São Paulo - SP - Pabx: (11) 3085-2716 - 3085-7567 www.abpp.com.br [email protected] PSICOPEDAGOGIA – Órgão oficial de divulgação da Associação Brasileira de Psicopedagogia – ABPp é indexada nos seguintes órgãos: 1) LILACS - Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde BIREME 2) Clase - Citas Latinoamericanas en Ciencias Sociales y Humanidades. Universidad Nacional Autónoma de Mexico 3) Edubase - Faculdade de Educação, Unicamp 4) Bibliografia Brasileira de Educação - BBE CIBEC / INEP / MEC 5) Latindex - Sistema Regional de Información en Línea para Revistas Científicas de América Latina, El Caribe, España y Portugal 6) Catálogo Coletivo Nacional – Instituto Brasileiro em Ciência e Tecnologia – IBICT 7) INDEX PSI – Periódicos – Conselho Federal de Psicologia 8) DBFCC – Descrição Bibliográfica Fundação Carlos Chagas 9) PEPSIC – Periódicos Eletrônicos em Psicologia Editora Responsável: Maria Irene Maluf Revisão e Assessoria Editorial: Rosângela Monteiro Editoração Eletrônica: Rudolf Serviços Gráficos O conteúdo dos artigos aqui publicados é de inteira responsabilidade de seus autores, não expressando, necessariamente, o pensamento do corpo editorial. É expressamente proibida qualquer modalidade de reprodução desta revista, seja total ou parcial, sob penas da lei. Psicopedagogia: Revista da Associação Brasileira de Psicopedagogia / Associação Brasileira de Psicopedagogia. - Vol. 10, nº 21 (1991). São Paulo: ABPp, 1991Quadrimestral ISSN 0103-8486 Continuação, a partir de 1991, vol. 10, nº 21 de Boletim da Associação Brasileira de Psicopedagogia. 1. Psicopedagogia. I. Associação Brasileira de Psicopedagogia. CDD 370.15 Acesse a revista na íntegra: www.revistapsicopedagogia.com.br Diretoria da Associação Brasileira de Psicopedagogia TRIÊNIO 2014/2016 Presidente Luciana Barros de Almeida (GO) 1ª Secretária Administrativa Maria Teresa Messeder Andion (SP) Vice-Presidente Edimara de Lima (SP) 2ª Secretária Administrativa Heloísa Beatriz Alice Rubman (RJ) 1ª Tesoureira Quézia Bombonatto (SP) 1ª Assessora Científica Marisa Irene Siqueira Castanho (SP) 2ª Tesoureira Ana Paula Loureiro e Costa (RJ) 2ª Assessora Científica Evelise Maria Labatut Portilho (PR) Assessorias Assessora de Publicações Científicas Maria Irene Maluf (SP) Assessoras de Relações Públicas Débora Silva de Castro Pereira (Ba) Galeára Matos de França Silva (Ce) Marilene Ribeiro de Azevedo (Go) Assessoras de Comunicação e Divulgação Iara Caierão (Rs) Maria José Weyne Melo de Castro (Ce) Maria Katiana Veluk Gutierres (Rj) Conselheiras Vitalícias Beatriz Judith Lima Scoz Edith Rubinstein Leda Maria Codeço Barone Maria Cecília Castro Gasparian Maria Célia Malta Campos Sp Sp Sp SP Sp Assessora de Formação e Regulamentação Neide De Aquino Noffs (SP) Maria Irene Maluf Sp Mônica H. Mendes Sp Neide de Aquino Noffs Sp Nívea Maria de Carvalho Fabrício Sp Quézia BombonattoSP Conselheiras Eleitas – Gestão 2014/2016 Ana Paula Loureiro e Costa Clarissa Farinha Candiota Débora S. de Castro Pereira Evelise Maria Labatut Portilho Fabiani Ortiz Portella Francisca Francineide Cândido Galeára Matos de França Silva Iara Caierão Joyce Maria Barbosa de Pádua Luciana Barros de Almeida Luciana Queiroz Bem Portela RJ RS BA PR RS CE CE RS PI GO CE Márcia Alves Simões Maria Cristina Natel Maria José Weyne M. de Castro Maria Teresa Messeder Andion Marisa Irene Siqueira Castanho SP SP CE SP SP Suplentes Edimara de Lima Heloisa Beatriz Alice Rubman Jozélia de Abreu Testagrossa Márcia Alves Affonso SP RJ BA SP sumário EDITORIAL / EDITORIAL Irene Maluf....................................................................................................................................283 ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES • Autoeficácia de cuidadores de crianças com o transtorno do espectro autista Self-efficacy of caregivers of children with autism spectrum disorder Maria de Lourdes Merighi Tabaquim; Roberta Gelain de Souza Vieira; Ana Paula Ribeiro Razera; Sylvia Maria Ciasca..........................................................................285 • Há relação entre desenvolvimento psicomotor e dificuldade de aprendizagem? Estudo comparativo de crianças com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, dificuldade escolar e transtorno de aprendizagem There is relationship between psychomotor development and learning disability? Comparative study in children with attention deficit hyperactivity disorder, school difficulties and learning disorder Mariana Coelho Carvalho; Sylvia Maria Ciasca; Sônia das Dores Rodrigues..........................293 • A valiação da memória em crianças e adolescentes com capacidade intelectual limítrofe e deficiência intelectual leve Memory evaluation in children and adolescents with limitrophe intellectual capacity and mild intellectual disability Amanda Morão Pereira; Carolina Rabelo Araújo; Sylvia Maria Ciasca; Sônia das Dores Rodrigues ..........................................................................................................302 • Análise de itens da versão brasileira do Ages and Stages Questionnaires para creches públicas da cidade do Rio de Janeiro Item analysis of the Ages and Stages Questionnaires Brazilian version for public day care centers in Rio de Janeiro Luis Filipe F.A. Tavares; Daniel C. Mograbi; Jesus Landeira-Fernandez..................................314 RELATO DE EXPERIÊNCIA / EXPERIENCE REPORT • Avaliação psicopedagógica de criança com alterações no desenvolvimento: relato de experiência Psychopedagogical evaluation of one child with developmental abnormalities: experience report Leila Santos Batista; Bárbara Gonçalves; Márcia Siqueira de Andrade....................................326 ARTIGO ESPECIAL / SPECIAL ARTICLE • Estratégia de inclusão: resgate da corporeidade no interior das escolas Inclusion strategy: rescue of embodiment within schools Sandra Maria Correa Miller; Maira Miller Ferrari.....................................................................336 ARTIGOS DE REVISÃO / REVIEW ARTICLES • A dupla-excepcionalidade: relações entre altas habilidades/superdotação com a síndrome de Asperger, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade e transtornos de aprendizagem The twice-exceptionality: relations between giftedness with Asperger’s syndrome, attention deficit hyperactivity disorder and learning disorders Rauni Jandé Roama Alves; Tatiana de Cássia Nakano...............................................................346 • O brincar na clínica psicopedagógica The play in clinic psychopedagogical Rosanita Moschini; Iara Caierão..................................................................................................361 • Educação Superior: vicissitudes da ação psicopedagógica Higher education: vicissitudes of psycho-pedagogical action Sílvia Maria de Oliveira Pavão; Amanda do Prado Ferreira Cezar............................................366 EDITORIAL N esta 99ª edição, a revista Psicopedagogia oferece aos seus leitores artigos de alta qualidade acadêmica, que abordam questões envolvidas na aprendizagem, na Psicopedagogia, na Educação, fundamentando-se em autores diversos, embasados em experiências bem distintas, o que confere a este número uma característica muito interessante. Iniciamos com a apresentação aos leitores de quatro excelentes artigos de pesquisa. O primeiro dentre eles, “Autoeficácia de cuidadores de crianças com o transtorno do espectro autista”, de autoria de Maria de Lourdes Merighi Tabaquim; Roberta Gelain de Souza Vieira; Ana Paula Ribeiro Razera e Sylvia Maria Ciasca, discorre sobre um estudo que teve como objetivo identificar a relação do padrão de independência da criança com transtorno do espectro autista e o nível de autoeficácia do seu cuidador. “Há relação entre desenvolvimento psicomotor e dificuldade de aprendizagem?” é um trabalho comparativo entre crianças com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, dificuldade escolar e transtorno de aprendizagem, de interesse especial para educadores e especialistas em Psicopedagogia, que foi escrito por Mariana Coelho Carvalho; Sylvia Maria Ciasca e Sônia das Dores Rodrigues. A avaliação do desempenho psicomotor de crianças com transtorno de aprendizagem, dificuldade escolar e transtorno do déficit de atenção e hiperatividade foi o primordial objetivo das autoras, que ressaltam a necessidade de se inserir a educação psicomotora na escola, com o objetivo se prevenir e minimizar problemas acadêmicos. Não menos interessante e produtivo é o artigo que segue, “Avaliação da memória em crianças e adolescentes com capacidade intelectual limítrofe e deficiência intelectual leve”, uma contribuição de Amanda Morão Pereira, Carolina Rabelo Araújo, Sylvia Maria Ciasca e Sônia das Dores Rodrigues, que teve como objetivo avaliar e comparar a memória de crianças e adolescentes classificados como intelectualmente deficientes (grau leve), inteligência limítrofe e sem comprometimento intelectual. Especificamente, foram analisadas a memória operacional, memória de curto prazo imediata e memória de longo prazo (episódica e semântica), nos três grupos mencionados, e o resultado desse trabalho reveste-se de maior importância, pois remete à ideia de que estratégias de ensino embasadas nos resultados de tais estudos podem favorecer a aprendizagem dessas crianças. Ao lado desses trabalhos figura ainda neste número o artigo original “Análise de itens da versão brasileira do Ages and Stages Questionnaires para creches públicas da cidade do Rio de Janeiro”, um teste de rastreamento usado para avaliar o desenvolvimento de crianças na idade pré-escolar (8 a 60 meses), utilizado pela Secretaria de Educação da Prefeitura do Rio de Janeiro como instrumento para avaliar a qualidade do atendimento em creches municipais, que nos foi encaminhado por Luis Filipe F. A. Tavares; Daniel C. Mograbi e Jesus Landeira-Fernandez. Na atualidade, a concepção de avaliação psicopedagógica vem ganhando novas abrangências e, como exemplo, trazemos a público o interessante artigo de Leila Santos Batista; Bárbara Gonçalves e Márcia Siqueira de Andrade, Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 283-4 283 EDITORIAL “Avaliação psicopedagógica de criança com alterações no desenvolvimento: relato de experiência”. “Estratégia de inclusão: resgate da corporeidade no interior das escolas” é o artigo especial da 99ª edição desta Revista. Associando duas questões de relevância para reflexão do leitor, as autoras Sandra Maria Correa Miller e Maira Miller Ferrari realizam um contraponto entre educação e corporeidade no contexto do sistema oficial de ensino, enfatizando a importância de resgatar o ato motor e o significado da corporeidade em diferentes etapas da educação básica. “A dupla-excepcionalidade: relações entre altas habilidades/superdotação com a síndrome de Asperger, transtorno de déficit de atenção de hiperatividade e transtornos de aprendizagem”, de Rauni Jandé Roama Alves e Tatiana de Cássia Nakano, é o primeiro entre três artigos de revisão desta edição e, certamente, nos remete a um complexo tema que decorre de uma condição onde a presença de capacidades superiores em uma ou mais áreas ocorre conjuntamente a deficiências ou condições tidas como incompatíveis a essas capacidades. Vemos emergir em seguida um outro tema de grande importância, “O brincar na clínica psicopedagógica”, escrito por Rosanita Moschini e Iara Caierão, um trabalho elaborado a partir da revisão de literatura acerca da temática, em complementaridade com a prática psicopedagógica. Segue-se a este o último artigo deste número, “Educação Superior: vicissitudes da ação psicopedagógica”, de Sílvia Maria de Oliveira Pavão e Amanda do Prado Ferreira Cezar, um trabalho centrado nas discussões sobre as opções da intervenção psicopedagógica direcionada aos estudantes da Educação Superior, um campo ainda pouco estudado entre nós. Findo o segundo ano da gestão de Luciana Almeida e após o X Congresso Brasileiro de Psicopedagogia, eis-nos agora organizando com imensa alegria o 100º número da revista Psicopedagogia, uma edição comemorativa para a qual estamos desde já convidando nossos leitores a aguardarem. Agradecendo a colaboração generosa dos autores, desejamos a todos excelentes momentos de leitura, de compreensão intensa sobre tantos e profundos temas que envolvem a aprendizagem humana e que compõem este número. Irene Maluf Editora Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 283-4 284 Autoeficácia de cuidadores de crianças com o transtorno do espectro autista ARTIGO ORIGINAL Autoeficácia de cuidadores de crianças com o transtorno do espectro autista Maria de Lourdes Merighi Tabaquim; Roberta Gelain de Souza Vieira; Ana Paula Ribeiro Razera; Sylvia Maria Ciasca RESUMO – O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é considerado um transtorno global do desenvolvimento, com características graves e comprometedoras. A sobrecarga materna é apontada por diversos autores como sendo uma consequência da própria condição da criança, a qual implica em uma dependência intensa e constante do portador em relação à sua mãe. O objetivo deste estudo foi identificar a relação do padrão de independência da criança com TEA e o nível de autoeficácia do seu cuidador. Participaram do estudo 13 cuidadores, sendo 15,4% do sexo masculino e 84,6% do sexo feminino. Para a coleta de dados foram utilizados dois protocolos: Escala de Percepção de Autoeficácia e Índice de Katz de Atividades de Vida Diária. Os resultados demonstraram que os cuidadores possuíam um bom índice de Autoeficácia, com ausência de sobrecarga do cuidador (M=40,3). As pontuações no Índice de Katz (M=11,3) evidenciaram 3 crianças dependentes, 4 que necessitavam de ajuda e 6 independentes. O estudo apontou para a ausência de correlação do nível de dependência da criança com TEA e da percepção de autoeficácia do cuidador, sugerindo Correspondência Maria de Lourdes Merighi Tabaquim Rua Bandeirantes, 9-60 – apto 61 – Centro – Bauru, SP, Brasil – CEP 17015-012 E-mail: [email protected] Maria de Lourdes Merighi Tabaquim – Neuropsicóloga, Doutora em Ciências Médicas, Docente do Departa mento de Fonoaudiologia da Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo (FOB/USP) e da Pós-Graduação do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo (HRAC/USP). Bauru, SP, Brasil. Roberta Gelain de Souza Vieira – Psicóloga, Especialista em Neuropsicologia aplicada à Neurologia Infantil pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Es tadual de Campinas (FCM/Unicamp), Campinas, SP, Brasil. Ana Paula Ribeiro Razera – Enfermeira, Doutoranda em Ciências da Reabilitação pelo Programa de PósGraduação do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo (HRAC/ USP), Bauru, SP, Brasil. Sylvia Maria Ciasca – Neuropsicóloga, Doutora em Neurociências e Livre-docente em Neurologia Infantil, Professora Associada da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas, SP, Brasil. Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 285-92 285 Tabaquim MLM et al. limitação e particularidade da amostra, cujos cuidadores se manifestaram com disponibilidade prática e afetiva, para atender às demandas da criança, minimizando o impacto decorrente. UNITERMOS: Eficácia. Cuidadores. Criança. Transtorno autístico. pirações e o envolvimento com metas estabeleci das, o nível de motivação, a perseverança diante das dificuldades, a resiliência às adversidades, relacionando-se com a qualidade de pensamento analítico, a atribuição causal para o sucesso ou fracasso e a vulnerabilidade para o estresse e depressão9. Esse conceito tem sido transposto para o campo das relações familiares e sugerido que o senso de autoeficácia para o desempenho de atividades de cuidados gerais, prestados por pais a seus filhos, está relacionado ao quanto esses pais se sentem capazes de realizar as tarefas com sucesso10. Um estudo demonstrou que a autoeficácia parental é negativamente relacionada aos problemas comportamentais de crianças11. Outros autores complementam essa noção, demonstrando que baixos níveis de autoeficácia estão associados a pouca persistência, depressão e diminuição da satisfação quanto ao papel parental12. Diante deste contexto, o objetivo deste estudo foi identificar a relação do padrão de independência da criança com TEA e o nível de percepção de autoeficácia do seu cuidador. INTRODUÇÃO O transtorno autista ou autismo infantil faz parte de um grupo de transtornos do neurodesenvolvimento denominados Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGDs), Transtornos Invasi vos do Desenvolvimento (TIDs) ou Transtornos do Espectro do Autismo (TEAs). Esse grupo de transtornos compartilha sintomas centrais no comprometimento em duas áreas específicas do desenvolvimento: déficits sociais e de comunicação e presença de comportamentos repetitivos e restritivos1. A incidência de casos do Transtorno do Espectro Autista (TEA) tem crescido de forma significativa em todo o mundo, especialmente durante as últimas décadas, atingindo a média de 40 e 60 casos a cada 10.000 nascimentos2-4. Atualmente, não há uma estimativa oficial que indique o número de portadores do transtorno, sendo utilizados dados de pesquisas internacionais como referência5. A presença de uma criança com TEA tende a modificar as relações familiares e, em alguns casos, o rompimento de vínculos6. As dificuldades pertinentes ao transtorno devido à sua cronicidade, condições físicas e mentais resultam em uma maior dependência em relação às suas mães, sendo elas a principal cuidadora dos portadores de autismo e, por isso, está mais propensa ao desenvolvimento de altos níveis de estresse, resultando em sobrecarga, agravos à saúde física e psicológica7. A partir da perspectiva da aprendizagem social, a autoeficácia é definida como o julgamento do sujeito sobre sua habilidade para desempenhar com sucesso um padrão específico de comportamento. Este envolve o julgamento sobre as capacidades para mobilizar recursos cognitivos e ações de controle sobre eventos e demandas do meio8. Tais crenças podem influenciar as as- MÉTODO Participaram deste estudo 13 cuidadores de crianças diagnosticadas com TEA, de ambos os sexos, na faixa etária de 3 a 12 anos, matriculadas em um centro de equoterapia localizado em uma cidade do interior do Estado de São Paulo. O critério para inclusão no estudo foi o diagnóstico clínico realizado pela equipe interdisciplinar da instituição participante e a adesão por meio do consentimento formal dos responsáveis com a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Após os procedimentos éticos da pesquisa sob o protocolo no 903.528, foi realizado o convite Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 285-92 286 Autoeficácia de cuidadores de crianças com o transtorno do espectro autista para a participação espontânea na pesquisa. Aos interessados, foi apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para a devida formalização da autorização. Durante o período de permanência na instituição onde os pais aguardam o tempo de terapia dos filhos, um horário foi agendado para a coleta de dados em um único encontro de aproximadamente 50 minutos, visando à aplicação dos instrumentos Escala de Percepção de Autoeficácia13 e o Índice de Katz de Atividades de Vida Diária14, de acordo com as normas estabelecidas em cada protocolo, com o cuidador. O ambiente foi programado na instituição participante, em sala adequada para os devidos procedimentos, e foi realizada a devolutiva aos cuidadores. A Escala de Percepção de Autoeficácia tem o objetivo de identificar a percepção do cuidador sobre a sobrecarga do trabalho e relação com a pessoa sob seus cuidados. É um instrumento composto por 22 itens que avaliam os comportamentos mais apresentados por indivíduos com autismo e o quanto os pais e cuidadores acreditam serem capazes de manejá-los. É formada por três categorias: autoeficácia para obtenção de uma pausa; autoeficácia para responder a comportamentos inadequados da pessoa cuidada; autoeficácia para controlar pensamentos negativos sobre o ato de cuidar. A pontuação é obtida por meio de uma escala Likert de seis pontos, que varia de “Nenhuma confiança” (0) até “Completamente confiante” (4)13. Já o Índice de Katz de Atividades de Vida Diária é um instrumento que tem o objetivo de identificar o nível de independência de pessoas com deficiência ou necessidades especiais, por meio da avaliação do impacto da doença/deficiência, com ênfase na limitação imposta pelas condições crônicas. É constituído de seis atividades de rotina, tais como: tomar banho, vestir-se, controlar os esfíncteres, usar o banheiro, locomoção e alimentação. Apresenta a pontuação de 1 a 3, representando o nível de dependência, dependência parcial e independência, sendo: 1 – Dependente; 2 – Necessidade de ajuda; 3 – Independente. Cada participante pode ter a pontuação com um mínimo de 6 até um máximo de 18 pontos, onde resulta a seguinte classificação: ≤6 – Dependente; 7-12 – Dependência parcial; 13-18 – Independente14. Os dados foram pontuados de acordo com os critérios normativos de cada instrumento utilizado na pesquisa e descritos visando à análise do desempenho e a correlação com a sobrecarga dos cuidadores. Tabelas descritivas das variáveis observadas foram elaboradas, analisadas e comparadas em relação ao grau de percepção de autoeficácia e independência da criança, tendo como referência a classificação proposta pelo instrumento utilizado, utilizando como base o software de análise estatística Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), sendo adotado nível de 5% para que as diferenças fossem consideradas estatisticamente significantes. Na análise dos dados foi também considerado o estudo estatístico sobre a média e desvio padrão, para obtenção dos escores brutos e transformados. RESULTADOS Os resultados foram apresentados por meio da caracterização da amostra, seguido dos dados obtidos com os instrumentos previstos na metodologia. Foram consideradas as ponderações e os percentuais resultantes das informações analisadas. Os dados sociodemográficos dos cuidadores, submetidos aos instrumentos requeridos, indicaram que 84,6% dos cuidadores eram do gênero feminino e 15,4% do gênero masculino. Em relação à escolaridade, 15,4% dos cuidadores possuíam o ensino fundamental, 61,5% o ensino médio e 23,1% o ensino superior. No que concerne à atividade laboral, 46,2% dos cuidadores declararam trabalhar fora e 53,8% colocaram-se como “do lar”, ou seja, dono(a) de casa ou aposentado (Tabela 1). A média de idade dos participantes foi de 42 ± 7,49 anos, sendo o máximo 62 anos e o mínimo 34 anos. Quanto ao gênero da criança cuidada, constatou-se que predominou o masculino (76,92%) e média de idade de 7 anos, sendo a máxima de 12 anos e a mínima de 3 anos. Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 285-92 287 Tabaquim MLM et al. (M=40,30 ± 12,09). As pontuações no Índice de Katz (M=11,31 ± 4,40) evidenciaram que 3 crianças eram dependentes, 4 necessitavam de ajuda e 6 eram independentes. A Tabela 3 apresenta o intervalo de confiança, a média e o desvio padrão, conforme a Escala de Autoeficácia aplicada. Quanto às categorias, os dados apontaram que houve um nível baixo de autoeficácia para “obtenção de uma pausa” (M=11,84 ± 8,53), um nível moderado em relação à “autoeficácia para responder a Para identificar o grau de independência da criança e o nível de percepção de autoeficácia do cuidador, foram administrados os instrumentos, conforme descrito na metodologia. A Tabela 2 demonstra as medidas da avaliação de autoeficácia do cuidador e as características de independência da criança com TEA. Os resultados demonstraram que, de modo geral, os cuidadores possuíam um bom índice de Autoeficácia, já que os resultados apontaram que não houve sobrecarga do cuidador Tabela 1 – Representação dos dados sociodemográficos dos cuidadores e das crianças com TEA. Gênero do Cuidador Idade do Cuidador Escolaridade Gênero da Criança Trabalha Fora Idade da Criança Feminino 45 Ensino médio Sim Feminino 6 Feminino 62 Ensino fundamental Não Masculino 12 Feminino 35 Ensino médio Não Masculino 8 Feminino 40 Superior Sim Masculino 3 Feminino 42 Ensino fundamental Não Feminino 7 Feminino 40 Ensino médio Sim Masculino 12 Feminino 38 Superior Sim Feminino 6 Feminino 34 Ensino médio Sim Masculino 3 Feminino 39 Ensino médio Não Masculino 10 Feminino 39 Ensino médio Não Masculino 11 Feminino 43 Ensino médio Não Masculino 7 Masculino 39 Superior Sim Masculino 3 Masculino 52 Ensino médio Não Masculino 12 Tabela 2 – Avaliação de autoeficácia do cuidador e nível de independência da criança. Instrumentos n Mínimo Máximo Média Desvio padrão Escala de Autoeficácia 13 27,00 64,00 40,30 12,09 Índice de Katz 13 6,00 18,00 11,31 4,40 Tabela 3 – Representação das categorias da Escala de Percepção de Autoeficácia. Categorias N Mínimo Máximo Média Desvio padrão 1) Autoeficácia para obtenção de uma pausa 13 0,00 25,00 11,84 8,53 2) Autoeficácia para responder a comportamentos inadequados da pessoa cuidada 13 10,00 24,00 15,23 4,30 3) Autoeficácia para controlar pensamentos negativos sobre o ato de cuidar 13 8,00 24,00 13,15 5,06 Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 285-92 288 Autoeficácia de cuidadores de crianças com o transtorno do espectro autista comportamentos inadequados da pessoa cuidada” (M=15,23 ± 4,30), e um nível moderado no que se refere à “autoeficácia para controlar pensamentos negativos sobre o ato de cuidar” (M=13,15 ± 5,06). Observando o grau de parentesco na amostra, constatou-se que 70% dos participantes eram mães, 16% pais, 7% avó e 7% tia. Dentre as mães, 5 exerciam atividades profissionais fora de casa (Tabela 4). A caracterização da amostra do estudo quanto à relação parental com a criança está representada na Figura 1, onde se observa que as mães se apresentam em maior número como cuidadoras e, portanto, como participantes. Para análise de correlação entre os fatores da escala foi utilizado o teste de Spearman (Tabela 4). Os escores obtidos na escala Katz possuem correlação negativa com os escores da escala de Autoeficácia (rs=-0,042; p=0,893), indicando que são variáveis que se movem em sentido contrário, ou seja, há uma tendência de que quando há mais pontos na escala Katz, menos ocorre na escala de Autoeficácia e vice-versa. No entanto, é uma correlação muito fraca e não significativa. DISCUSSÃO A motivação de todos os cuidadores para participar da pesquisa foi surpreendente, todos se mostraram disponíveis ao agendamento e compareceram como solicitado. À medida que as perguntas foram feitas, houve reflexão, por parte do cuidador, antes da resposta. Em alguns momentos, houve manifestação de sentimentos relacionados à sobrecarga e preocupação com o futuro, manifestada com choro e, em outros momentos, demonstraram autocontrole em situações exigidas pela criança. A distribuição dos cuidadores em relação ao gênero apontou para o padrão tradicional familiar do Brasil, onde o papel de cuidar dos filhos, sobretudo aqueles portadores de cuidados especiais, é delegado às mães ou às mulheres, que constituem 84,6% da nossa amostra7. Os resultados indicaram um percentual significativo de cuidadoras que não exercem atividades laborais fora do domicílio. Esse dado sugere que, diante das necessidades e fragilidade da criança, possam ter se mobilizado a proteger cada vez mais o filho, muitas vezes, dificultando a convivência da criança com outras pessoas além do círculo familiar, como amigos, por exemplo. Durante a aplicação dos testes foi possível observar que a maior parte dos cuidadores demonstrava sentir-se incapaz de obter uma pausa no ato de cuidar, evidenciando culpa ao pensar em ter um tempo para si próprio e ter que pedir a um amigo ou familiar para cuidar da criança. No que diz respeito à avaliação de Autoeficácia do cuidador e as características de Inde- Tabela 4 – Correlações dos tipos de Autoeficácia. Índice de Katz Valor de Correlação Escala de Autoeficácia rs -0,042 p 0,893 Autoeficácia para obtenção de uma pausa rs 0,124 p 0,687 Autoeficácia para responder a comportamentos inadequados da pessoa cuidada rs 0,017 p 0,956 Autoeficácia para controlar pensamentos negativos sobre o ato de cuidar rs -0,243 p 0,424 Figura 1 – Demonstrativo da condição parenteral dos participantes. Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 285-92 289 Tabaquim MLM et al. pendência da criança com TEA, os resultados demonstraram que, de modo geral, os cuidadores possuíam um bom índice de Autoeficácia. As pontuações no Índice de Katz demonstraram que poucas crianças eram dependentes, a maioria com necessidades de assistência, ou mesmo, independente. Os escores obtidos na escala Katz tiveram correlação negativa com os escores da escala de Autoeficácia, porém trata-se de uma correlação frágil e não significante. Por isso, esses dados devem ser analisados com cautela, haja vista o tamanho limitado da amostra, assim como os desvios padrão. Considerando que a autoeficácia consiste no julgamento da pessoa sobre a sua habilidade para desempenhar com sucesso um padrão específico de comportamento, no caso, de cuidador, um dos participantes do estudo, na figura do pai, teve o índice de impacto “intenso” na escala aplicada. Este dado remete à compreensão sobre as dificuldades de ordem prática, uma vez que essa expectativa interfere e regula o pensamento (reações afetivas) e as ações (desempenho com a criança) realizadas intencionalmente, podendo inclusive gerar ansiedade e desmotivação. Os sucessos obtidos contribuem para a construção de uma forte crença na eficácia pessoal. Por outro lado, as falhas podem comprometê-la, especialmente se estas ocorrerem antes que um sentimento de eficácia esteja firmemente estabelecido15. Os cuidadores que conseguem trocar informações e falar sobre suas dificuldades apresentaram o índice de impacto “ausente”. As crenças de eficácia podem ser desenvolvidas por meio de fontes de informação, uma delas é constituída pelas experiências vicárias, fornecidas por modelos sociais. Ver pessoas parecidas a si mesmo, sendo bem-sucedidas por esforços mantidos, aumenta a crença dos observadores de que eles possuem as capacidades e habilidades para dominar atividades comparáveis de forma bem sucedida15. Na experiência vicária, o impacto da modelagem na percepção de autoeficácia é influenciado pela semelhança percebida em relação aos mo- delos, o que pode encorajar e empoderar. Neste estudo, os cuidadores tinham a oportunidade de vivenciar a troca de experiências pela proximidade na instituição participante, o que pode ter contribuído para a minimização das situações impactantes e estressoras advindas da sobrecarga no cuidado com a criança com necessidades especiais, como no caso da criança com TEA. No que diz respeito à variável emprego, do total de 6 participantes que trabalham fora, 4 apresentaram índice de impacto “ausente” de sobrecarga. Sugere-se que, além desse ofício complementar à renda familiar, exista a possibilidade compensatória de redirecionar os interesses e as responsabilidades, tornam-se mais disponíveis, oferecendo mais oportunidades para uma relação mais prazerosa com a criança, sentindo-se eficazes no papel de cuidadores. Enquanto alguns estudos apresentam discordâncias sobre as fontes do estresse familiar como típicas ou não da sintomatologia do autismo16-18, outros estudos não levam em conta fatores importantes nesse processo, tal como o apoio social disponível a essas famílias ou a gravidade dos sintomas presentes na criança19-21. Depreende-se disso que essa questão permanece controversa. Contudo, os resultados parecem apontar para uma sobrecarga maior nas mulheres, pelo menos em termos de cuidado direto da criança. De qualquer modo, a relação entre autoeficácia em cuidadores de indivíduos com o espectro autista tem sido pouco investigada na literatura. O conhecimento gerado neste estudo objetivou, nesse sentido, contribuir com dados empíricos, para uma maior compreensão da situação atual dos cuidadores de crianças com TEA. Os dados encontrados são importantes, portanto, pois possibilitam uma melhor compreensão da sobrecarga dos cuidadores dessas crianças, fornecendo suporte para uma proposta de intervenção. CONCLUSÃO O estudo apontou para a ausência de correlação do nível de dependência da criança com TEA e da percepção de autoeficácia do cuidador, sugerindo limitação e particularidade da amostra, cujos cuidadores se manifestaram com Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 285-92 290 Autoeficácia de cuidadores de crianças com o transtorno do espectro autista mesmo, independente. No que diz respeito à avaliação de Autoeficácia do Cuidador e às características de Independência da criança com TEA, os resultados demonstraram que, de modo geral, os cuidadores possuíam um bom índice de Autoeficácia. disponibilidade, prática e afetiva, para atender às demandas da criança, minimizando o impacto decorrente. As pontuações no Índice de Katz demonstraram que poucas crianças eram dependentes, a maioria com necessidades de assistência, ou SUMMARY Self-efficacy of caregivers of children with autism spectrum disorder Disorder Autism Spectrum (TEA) is considered a global development disorder with serious and compromising features. Maternal overhead is mentioned by several authors as a consequence of their own child’s condition, which implies an intense and constant dependence carrier in relation to his mother. The objective of this study was to identify the child’s independence pattern of relationship with TEA and the self-efficacy level of your caregiver. This study was attended by 13 caregivers, 15.4% male and 84.6% female. To collect data we used two protocols: Perception Scale Self-efficacy and Katz Index of Activities of Daily Living. The results showed that the caregivers had a good Self-efficacy rate with no caregiver burden (M=40.3). Scores on Katz Index (M=11.3) showed three dependent children, 4 needed help and 6 independent. The study pointed to the lack of correlation of the child’s level of dependency with ASD and perception of caregiver self-efficacy, suggesting limitation and particularity of the sample, whose caregivers demonstrated with practical and emotional availability, to meet the demands of the child, minimizing the impact. KEY WORDS: Efficacy. Caregivers. Child. Autistic disorder. REFERÊNCIAS 4. Schechter R, Grether JK. Continuing increases in autism reported to California’s develop mental services system: mercury in retrograde. Arch Gen Psychiatry. 2008;65(1): 19-24. 5. Fraga I. Autismo: ainda um enigma. Rev Ciên cia Hoje. 2010; 45(270):20-5. 6. Barbosa MRP, Fernandes FDM. Qualidade de vida dos cuidadores de crianças com transtorno do espectro autístico. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2009;14(3):482-6. 7. Schmidt C, Bosa C. Estresse e auto-eficácia em mães de pessoas com autismo. Arq Bras Psicol. 2007;59(2):179-91. 1. American Psychiatric Association (APA). Ma nual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais – DSM-5. Porto Alegre: Artmed; 2014. 2. Gernsbacher MA, Dawson MH, Goldsmith H. Three reasons not to believe in an autism epidemic. Curr Dir Psychol Sci. 2005;14(2):55-8. 3. Fombonne E, Zakarian R, Bennett A, Meng L, McLean-Heywood D. Pervasive developmental disorders in Montreal, Quebec, Canada: Prevalence and links with immunizations. Pediatrics. 2006;118(1):e139-50. Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 285-92 291 Tabaquim MLM et al. 8. Bandura A. Regulation of cognitive processes through perceived self-efficacy. Dev Psychol. 1989;25:729-35. 9 .Medeiros PC, Loureiro SR, Linhares MBM, Marturano EM. A auto-eficácia e os aspectos comportamentais de crianças com dificuldade de aprendizagem. Psicol Reflex Crit. 2000;13(3):327-36. 10. Hastings RP, Brown T. Behavior problems of children with autism, parental self-efficacy and mental health. 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Assessing child symptom severity and stress in parents of autistic children. J Child Psychol Psychiatry. 1989;30(3):459-70. 1 8. Koegel RL, Schreibman L, Loos LM, Dirlich-Wilhelm H, Dunlap G, Robbins FR, et al. Consistent stress profiles in mothers of children with autism. J Autism Dev Disord. 1992;22(2): 205-16. 19. Factor DC, Perry A, Freeman N. Stress, social support, and respite care use in families with autistic children. J Autism Dev Disord. 1990; 20(1):139-46. 20. Gill MJ, Harris SL. Hardiness and social support as predictors of psychological discomfort in mothers of children with autism. J Autism Dev Disord. 1991;21(4):407-16. 21. Konstantareas MM, Plowright CM. Assessing resources and stress in parents of seve rely dysfunctional children through the Clar ke Modification of Holroyd’s Questionnaire on Resources and Stress. J Autism Dev Disord. 1992;22(2):217-34. Trabalho realizado na Faculdade de Ciências Médi cas da Universidade Estadual de Campinas (FCM/ Unicamp), Campinas, SP, Brasil. Artigo recebido: 22/8/2015 Aprovado: 4/11/2015 Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 285-92 292 Desenvolvimento psicomotor e problemas de aprendizagem ARTIGO ORIGINAL Há relação entre desenvolvimento psicomotor e dificuldade de aprendizagem? Estudo comparativo de crianças com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, dificuldade escolar e transtorno de aprendizagem Mariana Coelho Carvalho; Sylvia Maria Ciasca; Sônia das Dores Rodrigues RESUMO – Introdução: O objetivo deste estudo foi avaliar o desempenho psicomotor de crianças com transtorno de aprendizagem (TA), dificuldade escolar (DE) e transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). Especificamente, foi identificada a relação entre habilidades psicomotoras nos diferentes tipos de problemas com a aprendizagem. Método: Foram avaliadas 25 crianças, de ambos os gêneros, com idade entre 7 e 11 anos de idade, com diagnóstico de TDAH (n=8), TA (n=6) e DE (n=11), avaliadas no DISAPRE/FCM/UNICAMP. A Escala de Desenvolvimento Motor (Rosa Neto, 2002) foi utilizada para avaliar motricidade fina, motricidade global, equilíbrio, esquema corporal, organização espacial e organização temporal. Resultados e Conclusões: Todas as crianças tiveram idade motora inferior à idade cronológica. Comparando as habilidades psicomotoras, constatou-se que Correspondência Sônia das Dores Rodrigues Rua Heitor Ernesto Sartori, 730, apto 204 – bloco 9 – Praça dos Profetas – Santa Genebra – Campinas, SP, Brasil – CEP: 13080-657. E-mail: [email protected] [email protected] Mariana Coelho Carvalho – Graduação em Psicologia (Universidade de Ribeirão Preto - UNAERP), Aprimora mento em Psicopedagogia aplicada à Neurologia Infantil (UNICAMP), Especialização em Neuropsicologia apli cada à Neurologia Infantil (UNICAMP), Mestrado em Ciências Médicas (UNICAMP), Campinas, SP, Brasil. Sylvia Maria Ciasca – Graduação em Psicologia (PUC – Campinas), Mestrado em Psicologia (Neurociências e Comportamento) (USP), Doutorado em Neurociências (UNICAMP), Livre-docência em Neurologia Infantil, Campinas, SP, Brasil. Sônia das Dores Rodrigues – Graduação em Pedagogia (UNICAMP), Especialização em Psicopedagogia (PUCCampinas), Especialização em Psicomotrocidade (ISPEGAE/FMABC), Mestrado e Doutorado em Ciências Médicas (FCM-UNICAMP), Campinas, SP, Brasil. Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 293-301 293 Carvalho MC et al o grupo com TDAH teve pior desempenho, porém diferença estatisticamente significativa foi encontrada apenas em esquema corporal (quando se com parou o grupo TDAH com o grupo com TA). As autoras chamam a atenção para a relação entre baixo desempenho em habilidades psicomotoras com problema de aprendizagem e ressaltam a necessidade de se inserir a educação psicomotora na escola, com o objetivo de se prevenir e minimizar problemas acadêmicos. UNITERMOS: Desempenho psicomotor. Transtornos de aprendizagem. Transtorno do déficit de atenção com hiperatividade TDAH é um termo utilizado para se referir a um transtorno mental crônico, cujas manifestações essenciais são moduladas pelos estágios evolutivos por que passam os indivíduos. Caracteristicamente, portadores de TDAH têm dificuldade de prestar atenção e de mantê-la, de adaptar o nível de atividade e de moderar as ações impulsivas. Como resultado, condutas inadaptadas que não correspondem à idade e nem ao nível de desenvolvimento do sujeito são observadas2-4. Dados da literatura demonstram que o TDAH é mais frequente em meninos (três a quatro vezes mais), porém também há relatos de que as meninas não são devidamente encaminhadas para diagnóstico e, além disso, na adolescência a diferença entre os gêneros é menos pronunciada5. Com relação à prevalência, estima-se que 3% a 6% da população escolar tenha TDAH6. Entretanto, dependendo da metodologia utiliza da, bem como do local de realização da pesquisa (Centros de Atenção Primária ou Centros de Referência de Transtornos Psiquiátricos), os índices podem ser superiores ao mencionado. Do ponto de vista etiológico, ainda não é possível definir e estabelecer uma etiologia específica responsável pelo TDAH. Sabe-se, porém, que: a) se trata de um transtorno hereditário, com índices que variam de 80% a 90%5-7; b) não existe um único gene responsável pelo TDAH, já que vários genes associados e de pequenos efeitos levam à propensão do desenvolvimento do quadro8; c) estudos com neuroimagem demonstram INTRODUÇÃO No momento em que nasce, a criança se vê num mundo extremamente complexo, repleto de estímulos visuais, auditivos e táteis, principalmente. Nessa etapa, o bebê é dotado basica mente de reflexos e suas estruturas nervosas ainda não estão devidamente mielinizadas. Como consequência, dependerá do cuidado de terceiros para sobreviver e se desenvolver adequadamente. Tais cuidados incluem não só alimentação, higiene e homeostasia, mas também suporte afetivo e emocional. Gradativamente, a criança se torna um ser cada vez mais independente e, à medida que isso ocorre, alterações comportamentais são observadas. Esse processo evolutivo, no entanto, requer a intersecção de uma série de fatores, que envolvem o desenvolvimento constitucional (in tegridade e maturação do sistema nervoso, constituição física, capacidade intelectual, etc.), psicomotor, intelectual, afetivo-social e as expe riências transmitidas pelos agentes sociais (fa mília, escola, sociedade)1. Falha em qualquer um desses fatores pode resultar em atrasos, disfunções ou transtornos neuropsiquiátricos diversos e, como consequência, comprometimento na aprendizagem. Dentre os transtornos resultantes de fatores intrínsecos à criança que podem interferir no desenvolvimento e na aprendizagem infantil, destacam-se o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e o transtornos de apren dizagem (TA), a seguir sintetizados. Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 293-301 294 Desenvolvimento psicomotor e problemas de aprendizagem que há evidências de alterações em determinadas áreas cerebrais, sendo essas significativas nas regiões do córtex pré-frontal dorsolateral, regiões do gânglio da base e cerebelo5. Em relação ao último aspecto, o fato da região frontal do cérebro estar mais comprometida nos indivíduos com TDAH resulta em dificuldades acentuadas nas funções executivas. Tal termo engloba várias funções que são essenciais para o funcionamento normal dos indivíduos, tais como: elaboração do raciocínio abstrato, alternância de tarefas, planejamento e organização das atividades, elaboração de objetivos, geração de hipóteses, fluência e memória operacional; resolução de problemas; formação de conceitos; inibição de comportamentos, automonitoramento; iniciativa; autocontrole; flexibilidade mental; controle da atenção; manutenção do esforço sustentado; antecipação; regulação de comportamentos e criatividade. No referente ao transtorno de aprendizagem, as evidências mostram que se trata de um distúrbio do desenvolvimento, que afeta em torno de 5% a 15% da população escolar. Caracteristi camente, o TA está presente desde a fase precoce, persiste na vida adulta e é evidente a discrepância entre o potencial cognitivo e desempenho acadêmico. Sinais neurológicos leves (soft signs) e/ou outras comorbidades (como o TDAH) podem (ou não) estar presentes9-11. Tanto no que se refere ao TDAH, quanto ao TA, é importante que se faça a distinção destes com um problema bastante comum em nosso meio, ou seja, com a dificuldade de aprendizagem secundária a fatores ambientais (pedagógico, por exemplo). Nesse caso, preferimos nos referir a estes como tendo quadro de dificuldade escolar (DE). Como o ato de aprender é extremamente com plexo, há necessidade de abordagem interdisciplinar, com o objetivo de se investigar todos os fatores envolvidos (cognitivo, acadêmico, familiar, comportamental, psicomotor) com a problemática e se realizar o diagnóstico diferencial. No referente ao aspecto psicomotor, a literatura demonstra que há íntima relação entre este com dificuldades no contexto acadêmico (leitura, escrita, matemática). A questão que se coloca, então, é se há relação entre etiologia da dificuldade de aprendizagem com desenvolvimento psicomotor. Nesse sentido, o presente estudo teve como objetivo geral avaliar o desempenho psicomotor de crianças com TA, DE e TDAH. Especificamente, pretendeu-se identificar se haveria diferenças nas habilidades psicomotoras dos grupos estudados e, com isso, verificar a possibilidade de se estabelecer processo interven tivo adequado. MÉTODO Contexto geral Trata-se de um estudo descritivo, que avaliou as habilidades psicomotoras de crianças com dificuldade de aprendizagem decorrente de dis função do sistema nervoso central (transtorno de aprendizagem - TA), de ordem pedagógica (dificuldade escolar - DE) e de transtornos de atenção (TDAH). Fizeram parte do estudo 25 sujeitos, com idade entre 7 e 11 anos, sendo a maioria (19/25) do gênero masculino. Os sujeitos avaliados foram selecionados no Laboratório de Distúrbio, Dificuldade de Apren dizagem e Transtorno Atenção (DISAPRE), da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), da Universidade Estadual de Campinas. Rotineira mente, as crianças chegam a esse laboratório com queixa de dificuldade de aprendizagem para avaliação diagnóstica, de modo a identificar se a dificuldade de aprendizagem tem origem funcional (transtorno de aprendizagem, atencional (relacionada ao transtorno de déficit de atenção e hiperatividade), pedagógica (dificuldade escolar), ou decorrente de outros fatores neuropsiquiátricos. Inicialmente, as crianças passaram por protocolo do Serviço, que inclui avaliação neuropsicológica de base, constituída por dados objetivos e subjetivos (tais como anamnese, entrevista com a família, contato com a escola e observação clínica durante o processo de avaliação e discus são do caso). Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 293-301 295 Carvalho MC et al Aquelas que receberam hipótese diagnóstica de TA, DE e TDAH foram selecionadas para o estudo. Os pais foram informados sobre o teor da pesquisa e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. cronológica à idade motora, foi observado que todos tiveram idade negativa. Com relação à classificação final, apenas 5/25 sujeitos foram classificados como normal médio. Os demais foram classificados como normal baixo (9/25), inferior (10/25) e muito inferior (1/25). Nenhum sujeito foi classificado como normal alto, superior ou muito superior. Na Tabela 2, é apresentado o desempenho de todos os sujeitos, segundo as áreas motoras avaliadas. Como se nota, a organização espacial, seguida de equilíbrio, organização temporal e esquema corporal, foram as áreas mais comprometidas. Considerando-se o desempenho motor em função da etiologia da dificuldade de aprendizagem (DE, TA ou TDAH), verifica-se na Tabela 3 que: a) O grupo TDAH teve pior desempenho que o grupo TA em todas as habilidades motoras avaliadas (motricidade final, motricidade global, equilíbrio, esquema corporal, orientação espacial e orientação temporal), porém a diferença foi estatisticamente significativa apenas em uma habilidade motora (esquema corporal); b) Comparando-se os grupos DE e TA, nota-se que o primeiro obteve pior desempenho em todas as habilidades motoras avaliadas (motricidade final, motricidade global, equilíbrio, esquema corporal, orientação espacial e orientação temporal), porém a diferença não foi estatisticamente significativa; c) Comparando-se os grupos DE e TDAH, nota-se que o segundo obteve pior desempenho, uma vez que ficou abaixo em 4/6 funções avaliadas (motricidade global, esquema corporal, orientação espacial e orientação temporal), porém a diferença não foi estatisticamente significativa; Instrumento de avaliação Uma vez selecionadas, as crianças foram submetidas à avaliação motora complementar, por meio da Escala de Desenvolvimento Motor (EDM) de Rosa Neto12. Esta compreende um conjunto de provas diversificadas e de dificuldade graduada, conduzindo a uma exploração minuciosa das seguintes áreas do desenvolvimento: motricidade fina (óculo manual); motricidade global (coordenação); equilíbrio (postura estática); esquema corporal (imitação de postura, rapidez); organização espacial (percepção do espaço); organização temporal (linguagem, estruturas temporais) e lateralidade (mãos, olhos e pés). A Escala de Desenvolvimento Motor (EDM) é de aplicação individual, com duração média de 30 a 45 minutos, permitindo a classificação do desenvolvimento motor, desde o nível “Muito Inferior” até “Muito Superior”, traçando um perfil motor que abrange todas as áreas avaliadas. Análise dos dados Os dados obtidos foram avaliados quantitativamente e qualitativamente. A análise estatística foi feita por meio do programa SAS System for Windows (versão 8.02) e SPSS for Windows (versão 10.0.5) e a escolha do teste para a avaliação dos resultados foi realizada segundo o tipo de variável analisada. Foi considerado significativo valor de p > 0, 05. RESULTADOS Por meio da Escala de Desenvolvimento Motor (EDM)12, constatou-se que todos os sujeitos apresentaram idade motora inferior à idade cronológica. Conforme se observa na Tabela 1, a maioria dos sujeitos teve desempenho motor abaixo do esperado, já que quando se comparou a idade DISCUSSÃO Conforme se pôde observar na exposição dos resultados, a maioria das crianças avaliadas era do gênero masculino. Tal dado está de acordo com a literatura, que tem indicado que os meninos Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 293-301 296 Desenvolvimento psicomotor e problemas de aprendizagem Tabela 1 – Apresentação do resultado na Escala de Desenvolvimento Motor (Rosa Neto, 2002), em função da idade cronológica, idade motora, quociente motor geral, idade negativa e classificação geral. Idade cronológica (meses) Idade motora (meses) Idade negativa 1 127 91 -36 I 2 108 98 -10 NB 3 127 100 -27 I 4 108 78 -30 I 5 132 118 -14 NB 6 95 77 -18 NB 7 120 101 -19 NB 8 96 81 -15 NB 9 102 80 -22 I 10 127 91 -36 I 11 120 107 -13 NB 12 132 100 -32 I 13 108 102 -6 NM 14 120 84 -36 I 15 132 121 -11 NM 16 132 119 -13 NM 17 132 116 -16 NB Sujeito Classificação 18 92 73 -19 I 19 120 110 -10 NM 20 108 80 -28 I 21 108 100 -8 NM 22 108 87 -21 NB 23 132 113 -19 NB 24 132 98 -34 I 25 108 74 -34 MI Legenda: MI = muito inferior, I = inferior, NB = normal baixo, NM = normal médio. Tabela 2 – Síntese da classificação dos sujeitos na EDM, em função das áreas motoras avaliadas. Áreas avaliadas Motricidade fina Classificação/no. de sujeitos MI I NB NM NA S MS 3 2 10 10 0 0 0 Motricidade global 5 3 6 11 0 0 0 Equilíbrio 5 5 8 7 0 0 0 Esquema corporal/Rapidez 3 6 10 6 0 0 0 Organização espacial 9 6 3 7 0 0 0 Linguagem/Organização temporal 3 7 7 8 0 0 0 Legenda: I = inferior, MI = muito inferior, NB = normal baixo, NM = normal médio, NA = normal alto, S = superior, MS = muito superior. Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 293-301 297 Carvalho MC et al Tabela 3 – Comparação do desempenho motor, em função da etiologia da dificuldade de aprendizagem. Funções motoras avaliadas Grupos Motricidade Fina Motricidade Global Equilíbrio Esquema corporal Orientação Espacial Orientação Temporal DE (n=11) TA (n=6) 97,6 105,0 p=0,36 105,2 106,0 p=0,44 91,6 104,0 p=0,20 96,5 109,0 p=0,16 91,6 94,0 p=0,95 95,4 109,0 p=0,18 DE (n=11) TDAH (n=8) 97,6 103;5 p=0,55 105,2 94.5 p=0,58 91,6 93,0 p=0,93 96,5 86,2 p=0,25 91,6 84,0 p=0,25 95,4 90,7 p=0,58 105,0 103.5 0,84 106,0 94,5 0,17 104,0 93,0 0,29 109,0 86,2 0,05 94,0 84,0 0,28 109,0 90,7 0,08 TA (n=6) TDAH (n=8) Valor de p: Teste de Mann-Whitney costumam ter mais transtornos de aprendizagem e da atenção do que as meninas13. Ciasca11,14 descreve a prevalência de meninos com dificuldades de aprendizagem quando comparados às meninas, numa proporção de 6:1. Este predomínio do sexo masculino tem sido explicado por hipóteses genéticas, anatômicas, de especialização hemisférica e devido a causas sociais, dependendo da população estudada. No referente à idade cronológica no momento da avaliação, observa-se que a média do grupo foi de 10 anos. A esse respeito é interessante destacar que, anteriormente, as crianças eram encaminhadas mais precocemente13. Possivelmente, a progressão continuada explica esse fato, pois é mais comum se proceder à reprovação no 5º ano, quando as crianças têm em torno de 10 anos de idade. Assim, essas são encaminhadas nesse momento crítico, quando se constata que a aprendizagem está aquém daquilo que é esperado. No presente estudo, foi constatado que a idade motora de todos os sujeitos foi inferior à idade cronológica. Tal dado reforça o que é mencionado por Fonseca15, de que a motricidade organiza as sensações e percepções que dão origem a aprendizagens cada vez mais complexas. Depreende-se, então, que a desorganização psicomotora resulta em alterações na aprendizagem infantil. A esse respeito vale mencionar o trabalho desenvolvimento por Moreira et al.16. Ao comparar escolares da 2ª e 3ª série do primeiro grau (com dificuldade de aprendizagem e com rendimento escolar normal), por meio do teste de proficiência motora de Bruininks-Oseretsky, os autores encontraram que as crianças sem histórico de fracasso escolar tiveram desempenho motor superior, quando comparado àquelas que tinham dificuldade de aprendizagem. No que se refere às funções psicomotoras mais comprometidas, é importante citar o trabalho desenvolvido por Rosa Neto12. Crianças de 4 a 12 anos com dificuldades de aprendizagem, apresentaram perfil motor geral classificado como “inferior”, com maior comprometimento no equilíbrio, esquema corporal, organização espacial e temporal. Os mesmos resultados foram encontrados em estudo realizado com escolares de 5 a 14 anos com problemas na aprendizagem, tendo a organização temporal, o equilíbrio e a organização espacial como áreas de maiores déficits. De fato, Fonseca15 menciona que as crianças com dificuldades de aprendizagem costumam ter mais deficiência na noção de corpo, orientação, adaptação e exploração espacial. No presente estudo, tais dados são comprovados, já que as funções psicomotoras mais deficitárias foram organização espacial, equilíbrio, organização temporal e esquema corporal. No que se refere à relação entre funções psi comotoras e TDAH, Bardy et al.17, utilizando a EDM12, encontraram que a defasagem mais Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 293-301 298 Desenvolvimento psicomotor e problemas de aprendizagem considerável foi em esquema corporal, seguida da função de equilíbrio e organização espacial. No nosso estudo, encontramos mais defasagem em orientação espacial, seguida de esquema corporal e orientação temporal. Após realização da pesquisa, foi possível avaliar o desempenho psicomotor de crianças com transtorno de aprendizagem (TA), dificuldade escolar (DE) e transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). A análise dos dados demonstrou que todas as crianças apresentaram idade motora inferior à idade cronológica. Comparando-se as habilidades psicomotoras em função da etiologia da dificuldade de aprendizagem, constatou-se que o grupo TDAH teve o pior desempenho que o grupo DE em algumas habilidades (motricidade global, es quema corporal e orientação espaço temporal). Quando comparado ao grupo TA, o grupo TDAH apresentou pior desempenho em todas as habilidades, sendo estatisticamente significativo em esquema corporal. Surpreendentemente, embora não tenha havido diferença estatisticamente significativa, o grupo DE teve pior desempenho que o grupo TA, em todas as habilidades motoras. Apesar do tamanho da amostra analisada, tais dados reforçam a ideia de que há relação entre desenvolvimento de habilidades psicomotoras com problemas de aprendizagem, independente da etiologia da mesma. Nesse sentido, chama-se a atenção para o papel da escola (notadamente educadores/professores) no que diz à necessidade de inserir no seu planejamento pedagógico educação psicomotora, principalmente no ensino infantil e séries iniciais do ensino fundamental. Pelo fato da abordagem psicomotora integrar funções cognitivas, socioemocionais, simbólicas, psicolinguísticas e motoras, esta pode promover o desenvolvimento global do individuo e, ainda, minimizar a dificuldade de aprendizagem das crianças. CONCLUSÕES Neste estudo, foram avaliadas e comparadas as habilidades psicomotoras de indivíduos com transtorno do déficit de atenção e hiperatividade, transtorno de aprendizagem e dificuldade escolar. Os dados demonstraram que todos os sujeitos apresentaram idade motora inferior à idade cronológica. Quando se comparou o desempenho em função dos diferentes diagnósticos (TDAH, TA e DE), verificou-se que o grupo com TDAH teve pior desempenho que o DE e o TA, porém diferença estatisticamente significativa só foi identificada em esquema corporal (em comparação ao grupo DE). As autoras chamam a atenção para a relação entre desenvolvimento psicomotor e aprendizagem e ressaltam a importância da educação psicomotora na escola desde o ensino infantil, com o objetivo de se minimizar a dificuldade acadêmica das crianças. Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 293-301 299 Carvalho MC et al SUMMARY There is relationship between psychomotor development and learning disability? Comparative study in children with attention deficit hyperactivity disorder, school difficulties and learning disorder Introduction: The study aimed to evaluate psychomotor performance of children with learning disabilities, learning difficulties and attention deficit hyperactivity disorder (ADHD). The specific objective was to evaluate psychomotor skills in different types of learning disability. Methods: 25 children both genders were evaluated. The age at evaluation was 7-11 years. After evaluation at the DISAPRE/FCM/ UNICAMP the children received the following diagnoses: ADHD (8), learning disabilities (6) and learning difficulties (11). Motor Development Scale (Rosa Neto, 2002) was used to assess fine motor skills, gross motor skills, equilibration, body perception, spatial organization and temporal organization. Results and Conclusions: All children had lower motor age than expected for their chronological age. Children with ADHD had worst performance than children with learning disabilities and learning difficulties, but result statistically significant was found only in body perception This study show that there is relationship between poor performance on psychomotor skills in all children with different types of learning problem. So, it is important introduce psychomotor education at school in order to prevent and minimize academic problems. KEY WORDS: Psychomotor performance. Learning disorders. Attention deficit disorder with hyperactivity. de atenção e hiperatividade. São Paulo: Revinter; 2010. p.67-75. 5. Kuntcher S. Declaración de consenso inter nacional sobre el trastorno de atención/hiperactividad (TDAH) y los trastornos de conducta disruptiva (TCD): implicaciones clinicas y sugerencias de tratamiento. Eur Neuropsy chopharmacol. 2004;(14):11-28. 6. Rohde LA, Miguel Filho EC, Benetti L, Gallois C, Kieling C. Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade na infância e na adolescência: considerações clínicas e terapêuticas. Rev Bras Psiq Clin 31(3): 124-131, 2004. 7. Simão ANP, Toledo MM, Ciasca SM. Transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. In: Ciasca SM, Rodrigues SD, Salgado CA, eds. Transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. São Paulo: Revinter; 2010. p.23-36. 8. Children and Adult with Attention /Hyperactivity Disorder (CHADD). CHADD Educator’s REFERÊNCIAS 1. Barrigüete C. Afetividade: aspectos evoluti vos e educacionais. In: Gonzáles E et al. Necessidades educacionais específicas. Intervenção psicoeducacional. Porto Alegre: Artmed; 2007. 2. Miranda-Casas A, Uribe LH, Gil-Llario MD, Jarque S. Evaluacion intervención em niños preescolares com manifestaciones de trastorno por déficit de atención com hiperatividad y conducta disruptiva. Rev Neurol. 2003; 38(51):585-94. 3. Rappley MD. Clinical practice. Attention déficit-hiperactivity disorder. N Engl J Med. 2005;353(2):165-73. 4. Rodrigues SD, Salgado CA. Transtorno de déficit de atenção e hiperatividade nas crianças pré-escolares. In: Ciasca SM, Rodrigues SD, Salgado CA, eds. Transtorno de déficit Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 293-301 300 Desenvolvimento psicomotor e problemas de aprendizagem 9. 10. 11. 12. 13. Manual on Attention-Deficit/Hyperactivity di sorder (AD/HD). An in-depth look from an educational perspective. Lynchburg: Progress Printing; 2006. 136p. Schulte-Körne G. Specific learning disabilities – from DSM-IV to DSM-5. Z Kinder Jungendpsychiatric Psychother. 2014;42(5):369-72. American Psychiatric Association (APA). Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5). Porto Alegre: Artmed; 2014. Ciasca SM. Transtornos de aprendizagem. In: Ciasca SM, Rodrigues SD, Azoni SCS, Lima RF, eds. Transtornos de aprendizagem: neurociência e interdisciplinaridade. São Paulo: BookToy; 2015. Rosa Neto F. Manual de avaliação motora. 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In: IV Congresso Brasileiro Multidisciplinar de Educação Especial. Londrina –PR, de 29 a 31 de outubro de 2007, Anais em CD-ROM. Artigo recebido: 5/9/2015 Aprovado: 12/11/2015 Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 293-301 301 Pereira AM et al. ARTIGO ORIGINAL Avaliação da memória em crianças e adolescentes com capacidade intelectual limítrofe e deficiência intelectual leve Amanda Morão Pereira; Carolina Rabelo Araújo; Sylvia Maria Ciasca; Sônia das Dores Rodrigues RESUMO – O presente estudo teve como objetivo avaliar e comparar a memória de crianças e adolescentes classificados como intelectualmente deficiente (grau leve), inteligência limítrofe e sem comprometimento intelectual. Especificamente, foram analisadas a memória operacional, memória de curto prazo imediata e memória de longo prazo (episódica e semântica) nos três grupos mencionados. Participaram deste estudo 38 sujeitos divididos em três grupos: deficientes intelectuais de grau leve (GDI), limítrofes (GL) e controle (GC), constituído por crianças com quociente de inteligência dentro da normalidade. Para avaliação dos diferentes tipos de memória foram utilizados os instrumentos: Figura Complexa de Rey, Teste de Aprendizagem Auditivo-Verbal de Rey (RAVLT), Blocos de Corsi (TBC) e os subtestes da WISC-IV dígitos, sequência de números e letras e vocabulário. Os dados obtidos demonstram que, quando comparado ao GC, o GDI apresentou prejuízo significativo na memória operacional e na memória de longo prazo semântica, mas não na memória episódica. Em teste que utiliza a repetição de informações, as crianças do GDI tiveram melhor desempenho. Tal dado é importante, pois remete à ideia de que estratégias de ensino embasadas nessa abordagem podem favorecer a aprendizagem dessas crianças. Quanto ao GL, constatou-se prejuízo significativo em todos Correspondência Amanda Morão Pereira Rua Padre Teixeira, 2670 – bloco Roma – apto. 153 – Vila Nery – São Carlos, SP, Brasil – CEP: 13560-210 E-mail: [email protected] Amanda Morão Pereira – Psicóloga, São Carlos, SP, Brasil. Carolina Rabelo Araújo – Neuropsicóloga, mestre em Ciências Médicas pela FCM/UNICAMP, Campinas, SP, Brasil. Sylvia Maria Ciasca – Professora Livre-Docente do Departamento de Neurologia e Coordenadora do DISAPRE – Laboratório de Pesquisa em Distúrbios de Aprendizagem, Dificuldades de Aprendizagem e Trans torno de Atenção – FCM/UNICAMP, Campinas, SP, Brasil. Sônia das Dores Rodrigues – Pedagoga, Psicopedagoga e Psicomotricista, Mestre e Doutora em Ciências Médi cas pela FCM/UNICAMP, Campinas, SP, Brasil. Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 302-13 302 Avaliação da memória em crianças e adolescentes com capacidade intelectual limítrofe e deficiência intelectual leve os tipos de memória avaliados, quando comparado ao GC. A comparação entre o GL e o GDI demonstrou que os primeiros tiveram melhor desempenho (estatisticamente significativo) apenas na memória semântica. Diante disso, considera-se importante que se discuta a necessidade de crianças com inteligência limítrofe receberem na escola o mesmo suporte educacional especializado oferecido às crianças intelectualmente deficientes. UNITERMOS: Memória. Aprendizagem. Inteligência. Deficiência in telectual. até 3 a 6 horas, o que representa o tempo de efeti vação da MLP. O papel da MCP é permanecer tempo suficiente para que o indivíduo possa dar continuidade a alguma tarefa por meio de uma “cópia” momentânea da memória principal, que será gradativamente substituída pela MLP1. A MLP armazena grande quantidade de informações e permanece por muitas horas, dias ou até anos e, neste ultimo caso, tem o que se denomina de memória remota4. Quanto ao conteúdo, a memória costuma ser dividida em declarativas, que registram fatos, eventos ou acontecimentos, e procedimentais, que estão relacionadas com procedimentos automáticos (motores) e com informações adquiridas por condicionamento e habituação4,6. A memória declarativa se subdivide ainda em função do tipo de conteúdo, ou seja, denominam-se de memória episódica os eventos aos quais assistimos ou dos quais participamos e de memória semântica àquelas relacionadas a conhecimentos gerais, fatos, conceitos e vocabulário. É a memória operacional que define o que será guardado na memória declarativa ou procedimental e que memória deverá ser evocada em cada caso1. A memória operacional é um forte preditor da capacidade de raciocínio, ou seja, quanto maior o nível de agregação da memória operacional, maior a capacidade de raciocínio e inteligência geral. Nesse sentido, a memória operacional tem papel essencial na realização de tarefas complexas7. A literatura indica que o treinamento da memória operacional pode melhorar a inteligência, já INTRODUÇÃO O aprendizado pode ser definido como a mo dificação de comportamentos em resposta ao meio, cuja principal característica é aquisição de informações. A base do aprendizado é composta por diversas funções cognitivas, como atenção, percepção, gnosias, memória, linguagem, praxia, inteligência e funções executivas, além de adequado aparato neuropsicológico. Interessa-nos, neste estudo, abordar a memória, função cogni tiva responsável pela aquisição, formação, conservação e evocação de informações1-3. Existem diferentes tipos e classificações de memória. No que se refere ao tempo, esta função é normalmente dividida em memória operacional, memória de curto prazo (MCP), memória de longo prazo (MLP) e memória remota1,4. A memória operacional mantém a informação durante alguns segundos, no máximo poucos minutos, até que seja utilizada para solucionar alguma tarefa. Tem também como característica a possibilidade de atualizar as informações necessárias para a concretização de uma atividade, ou para realizar outra tarefa. Quatro componentes compõem a memória operacional: a alça fonológica, que armazena as informações auditivas; o esboço visuoespacial, que sustenta as informações espaciais e visuais; o buffer episódico, que integra as informações auditivas, visuais e espaciais provenientes dos outros subsistemas; e o executivo central, que gerencia e controla o fluxo de informações e tem a capacidade de acessar a informação, manipulá-la e modificá-la5. Quanto à MCP, esta se estende dos primeiros segundos ou minutos seguintes ao aprendizado Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 302-13 303 Pereira AM et al. que as tarefas desse tipo de memória necessitam de processos de execução variados, intimamente associados à inteligência fluida8. A titulo de esclarecimento, entende-se por in teligência a capacidade mental geral, que inclui raciocínio, planejamento, resolução de problemas, pensamento abstrato, compreensão de ideias complexas e aprendizagem. Inteligência fluida e cristalizada são subtipos desse conceito mais amplo. Enquanto a primeira se refere às operações mentais utilizadas pelo indivíduo em tarefas novas que não podem ser executadas de forma automática, a segunda refere-se à habilidade de aplicar definições, métodos e procedimentos aprendidos previamente, para lidar com situações-problema8-10. Um dos modos de medir a inteligência é a quantificação, o que pode ser realizado com o uso de instrumentos psicológicos variados. Dentre estes instrumentos, destaca-se a Escala Wechsler de Inteligência para crianças (WISC- IV), que utiliza a seguinte classificação em termos de Quociente de Inteligência (QI): muito superior (QI de 130 ou mais), superior (QI de 120 a 129), médio superior (QI de 110 a 119), médio (QI de 90 a 109), médio inferior (QI de 80 a 89), limítrofe (QI de 70 a 79) e intelectualmente deficiente (QI abaixo de 69)11. No presente estudo, atentamo-nos para deficiência intelectual e para inteligência limítrofe. A deficiência intelectual é definida pela American Association on Mental Retardation (AAMR) como incapacidade que se caracteriza por limitações consideráveis principalmente no funcionamento intelectual e também na capacidade adaptativa, competências práticas, sociais e emocionais. Desenvolve-se antes dos 18 anos e resulta em prejuízos no funcionamento social do indivíduo. Aprendizagem, raciocínio e resolução de problemas são capacidades cognitivas que também são prejudicadas nesse quadro9. A deficiência intelectual subdivide-se em leve (QI na faixa de 50 a 69), moderada (QI na faixa de 35 a 49), grave (QI na faixa de 20 a 34) e profunda (QI abaixo de 20). Na deficiência intelectual leve, ocorrem dificuldades na apren- dizagem, porém há facilidade na adaptação; quando adultos, podem conseguir trabalhar e manter relacionamentos sociais9,12. Indivíduos classificados com inteligência limítrofe apresentam capacidade suficiente para, com apoio, alcançar bom grau de autonomia nas atividades de vida diária. Quanto às características dessa população, destacam-se: ausência de traços físicos aparentes; defasagem entre a idade cronológica e a idade mental; carecem de iniciativa; tem dificuldade para generalizar mecanismos racionais que lhes permitam desenvolver-se com autonomia em situações cotidianas; dificuldade na tomada de decisões e na resolução de conflitos; dificuldade para adaptar-se com êxito em situações difíceis; baixo desempenho escolar; dificuldade para estabelecer e manter relações interpessoais, bem como em organizar o tempo livre; baixa autoestima e baixa tolerância ao fra casso e à frustração13. Em se tratando da relação entre aprendiza gem e memória, chama-se a atenção para a memória operacional, pois há relatos de que dificuldade nessa habilidade pode impactar de forma negativa o aprendizado. No caso de crianças e adolescentes com deficiência intelectual, estudos referem que estes apresentam estrutura de memória operacional semelhante à de indivíduos com desenvolvimento cognitivo dentro do esperado. Considera-se que, possivelmente isto ocorre porque tais sujeitos se apoiam em conhecimentos armazenados na memória de longo prazo, ou nas habilidades executivas centrais, o que maximiza o seu desempenho nessa habilidade. Assim, quando se compara a memória operacional de deficientes intelectuais com aqueles que têm desenvolvimento cognitivo dentro do esperado, pode não haver diferença significativa entre ambos14. Há estudos, no entanto, que sugerem o contrário, ou seja, que há diferenças significativas entre os dois grupos mencionados, no que diz respeito a vários elementos da memória operacional. Essa diferença estaria relacionada, principalmente, ao comprometimento na alça fonológica, região responsável pelo armazenamento Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 302-13 304 Avaliação da memória em crianças e adolescentes com capacidade intelectual limítrofe e deficiência intelectual leve MÉTODO O presente estudo foi realizado no Labora tório de Pesquisa em Distúrbios de Aprendizagem, Dificuldades de Aprendizagem e Transtorno de Atenção (DISAPRE/FCM/UNICAMP) e em duas escolas públicas dos municípios de Campinas e Limeira, após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa (Parecer: 923.066). Contou com a participação de 38 sujeitos, de ambos os gêneros, com idade entre 7 e 15 anos. Os sujeitos foram divididos em três grupos: onze indivíduos no grupo experimental 1, com deficiência intelectual (GDI); 10 no grupo expe rimental 2, com inteligência limítrofe (GL) e 17 no grupo controle, sem comprometimento cognitivo (GC). Os sujeitos dos grupos experimentais (GDI e GL) foram avaliados no referido laboratório, enquanto que as crianças do grupo controle (GC) foram avaliados na própria escola que frequentavam. Os seguintes critérios foram defi nidos para inclusão nos grupos experimentais: 1) os sujeitos do GDI deveriam ter QI entre 50 e 69, segundo a Escala Wechsler de Inteligência para crianças (WISC-IV)9 e, assim, serem classificadas como deficientes intelectuais de grau leve; 2) os sujeitos do GL deveriam ter QI entre 70 e 79, segundo a mesma escala e, assim, serem classificadas como inteligência limítrofe; 3) Ambos os grupos (GDI e GL) não poderiam apresentar nenhuma síndrome ou patologia de base que justificasse tal quadro; 4) Os pais ou responsáveis deveriam assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), após esclarecimento sobre o teor da pesquisa; 5) As crianças/adolescentes deveriam ser informadas sobre a pesquisa e concordarem em participar da mesma, assinando o Termo de Assentimento para Menores. Os sujeitos do grupo controle (GC) foram es colhidos aleatoriamente em duas escolas públicas dos municípios de Campinas/SP e Limeira/ SP, tendo sido estabelecidos como critérios de inclusão: 1) crianças/adolescentes sem alteração neurológica ou queixas de dificuldade de aprendizagem, de acordo com seus professores; 2) de informações auditivas. Nesse caso, haveria redução da capacidade de armazenamento, e não na precisão de processamento. Supõe-se, ainda, que esse prejuízo seria fator causal na deficiência intelectual, cujos efeitos ocorrem desde o início do desenvolvimento cognitivo15,16. Estudo comparando o desempenho de defi cientes intelectuais e sujeitos classificados como limítrofes com crianças de grupo controle constatou que somente crianças com deficiência intelectual tiveram defasagem em atividades processadas pela alça fonológica; sujeitos com inteligência limítrofe obtiveram o mesmo desem penho que o grupo com desenvolvimento cognitivo dentro do esperado15. Em relação à recuperação de informações complexas, dados sugerem que crianças e adolescentes com deficiência intelectual apresentam melhor desempenho quando estas são aprendidas de forma implícita, e não explícita, enquanto os sujeitos com desenvolvimento cognitivo dentro da normalidade apresentam desempenho eficiente, independente da forma que são dadas as instruções17. Diante do até então exposto, a questão que se coloca é se crianças e adolescentes com deficiência intelectual leve e com inteligência limítrofe se diferenciam em termos de funcionamento nos diferentes tipos de memória. O conhecimento de tal dado é importante, pois a partir disso se pode direcionar e elaborar estratégias eficazes que possam favorecer positivamente o aprendizado de tais crianças. Nesse sentido, o presente estudo teve como objetivo principal avaliar e comparar a memó ria de crianças/adolescentes classificados como intelectualmente deficiente de grau leve e crianças/adolescentes com inteligência classifi cada como limítrofe. Especificamente, foram avaliadas e comparadas a memória de curto prazo (imediata e operacional) e de longo prazo (episódica e semântica) de crianças com deficiência intelectual leve, inteligência limítrofe e com desenvolvimento cognitivo dentro da normalidade. Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 302-13 305 Pereira AM et al. foram analisados de forma qualitativa e quantitativa. A análise estatística foi feita por meio de programas SAS System for Windows (versão 16.0). Foi considerado significativo valor de p igual ou menor que 0,05. deveriam estar regularmente matriculados na série correspondente à sua idade cronológica; 3) deveriam ter QI acima de 80, segundo a WISC- IV e, assim, serem classificadas no mínimo com inteligência dentro dos padrões de normalidade; 4) os pais ou responsáveis deveriam assinar o TCLE, após esclarecimento sobre o teor da pesquisa; 5) as crianças/adolescentes deveriam ser informadas sobre a pesquisa e concordarem em participar da mesma, assinando o Termo de Assentimento para Menores. Para avaliação da memória foram utilizados os seguintes instrumentos: WISC-IV, Figura Complexa de Rey, Teste de Aprendizagem Auditivo-Verbal de Rey (RAVLT) e Blocos de Corsi (TBC). A memória de curto prazo imediata foi avaliada pelo subteste dígitos ordem direta da WISC-IV e Blocos de Corsi (ordem direta). A memória operacional foi avaliada pelo teste Blocos de Corsi (ordem inversa) e pelos subtestes dígitos ordem inversa e sequência de números e letras da WISC-IV. A memória de longo prazo episódica verbal foi avaliada pela evocação tardia (RAVLT – A7) e aprendizagem verbal (RAVLT – A1-A5); a memória de longo prazo episódica visual pelo teste Figura Complexa de Rey (reprodução); a memória de longo prazo semântica foi avaliada pelo subteste vocabulário da WISC-IV. Foram realizadas duas sessões com duração de aproximadamente uma hora com cada participante para aplicação dos testes neuropsicológicos citados. Após coleta de dados, os mesmos RESULTADOS Dos 38 sujeitos que constituíram a presente casuística, 23 eram do gênero masculino. A idade variou de 7 a 15 anos (média de 10 anos). Conforme mencionado anteriormente, a WISC-IV foi o instrumento utilizado para classificar as crianças dos grupos experimentais (GDI e GL) e controle. Em relação a este último, foram obtidas as seguintes classificações: superior (2 sujeitos), médio superior (3 sujeitos), médio (7 sujeitos) e médio inferior (5 sujeitos). Nos tópicos seguintes serão apresentados os dados relativos à comparação dos três grupos analisados, nos diferentes tipos de memória. Desempenho e comparação dos grupos nos testes de memória operacional Nos subtestes dígitos ordem inversa e se quência de números e letras da WISC-IV, GDI e GL apresentaram desempenho significativamente inferior quando comparados ao GC. Entretanto, não houve diferença estatisticamente significativa entre o GDI e GL nos referidos subtestes (Tabela 1). No Teste Blocos de Corsi (ordem inversa), é possível observar que GDI e GL apresentaram Tabela 1 – Comparação do desempenho dos grupos nos testes de memória operacional da WISC-IV – dígitos ordem inversa (DOI) e sequência de números e letras (SNL). Grupo “mean rank” DOI GDI GC 8,00 18,71 GL GC 7,25 17,97 GDI GL 10,41 11,65 Valor de “p” (*) “mean rank” SNL Valor de “p” (*) 0,000 8,27 18,53 0,000 0,019 9,35 16,74 0,000 0,336 9,77 12,35 0,636 Legenda: (*)Teste de Mann-Whitney, GDI = Deficiente Intelectual, GL = Limítrofe, GC = Controle. Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 302-13 306 Avaliação da memória em crianças e adolescentes com capacidade intelectual limítrofe e deficiência intelectual leve desempenho significativamente inferior ao GC. Porém, o mesmo não foi observado quando se comparou o desempenho entre GDI e GL (Tabela 2). Desempenho e comparação dos grupos nos testes de memória de longo prazo No subteste vocabulário da WISC-IV, GDI e GL apresentaram desempenho significativamente inferior quando comparado ao GC; também houve diferença estatisticamente significativa na comparação do GDI e GL, com melhor desempenho do GL (Tabela 4). Na avaliação da aprendizagem verbal (A1-A5 do RAVLT), observa-se que apenas GL apresentou desempenho significativamente inferior, quando comparado ao GC. GDI obteve resulta dos inferiores ao GC, mas superiores ao GL, porém, em ambos os casos, não houve diferença estatisticamente significativa. Já a avaliação da evocação tardia (A7 do RAVLT), GDI teve desem penho inferior ao GC e superior ao GL, mas ambos sem diferença estatisticamente significativa. GL teve desempenho significativamente inferior, quando comparados ao GC (Tabela 5). Na cópia da Figura Complexa de Rey, GDI e GL apresentaram desempenho inferior, estatisticamente significativo, quando comparados ao GC. Entre GDI e GL, GDI obteve melhores resultados na cópia, mas não foi significativo do ponto de vista estatístico. Em relação à reprodução da figura, apenas GL apresentou desempenho significativamente inferior, quando comparado ao GC. GDI apresentou resultados inferiores ao GC e superiores ao GL, mas essa diferença não foi estatisticamente significativa em ambos os casos (Tabela 6). Desempenho e comparação dos grupos nos testes de memória de curto prazo GDI e GL apresentaram desempenho significativamente inferior, quando comparados ao GC no subteste dígitos ordem direta da WISC-IV. Na comparação entre ambos, no entanto, constatou-se que o GL teve melhor desempenho que o GDI, porém a diferença não foi estatisticamente significativa. No Teste Blocos de Corsi (ordem direta), apenas GL teve desempenho significativamente inferior ao GC; não houve diferença estatisticamente significativa entre GDI e GL (Tabela 3). Tabela 2 – Comparação do desempenho dos grupos no Teste “Blocos de Corsi” (TBC) – ordem inversa. Grupo “mean rank” TBC Ordem inversa Valor de “p”(*) GDI GC 9,45 17,76 0,008 GL GC 8,90 17,00 0,010 GDI GL 10,36 11,70 0,619 Legenda: (*) Teste de Mann-Whitney, GDI = Deficiente Intelectual, GL = Limítrofe, GC = Controle. Tabela 3 – Comparação do desempenho dos grupos no subteste dígitos ordem direta (DOD) da WISC-IV e Teste Blocos de Corsi (TBC) ordem direta. Grupo “mean rank” DOD Valor de “p” (*) “mean rank” TBC ordem direta Valor de “p” (*) GDI GC 7,55 19,00 0,000 11,64 16,35 0,134 GL GC 7,40 17,88 0,001 9,40 16,71 0,020 GDI GL 10,18 11,90 0,507 12,14 9,75 0,375 Legenda: (*) Teste de Mann-Whitney, GDI = Deficiente Intelectual, GL = Limítrofe, GC = Controle. Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 302-13 307 Pereira AM et al. atividades de ensino, então, deveria levar em consideração o desempenho desses sujeitos nos diferentes tipos de memória. Isso, no entanto, requer que os profissionais da educação tenham conhecimento sobre os subtipos de memória e seu funcionamento. Entretanto, comparado a outras causas que resultam em dificuldade de aprendizagem, pode-se dizer que são escassos os estudos sobre funções cognitivas nessa população, principalmente no que diz respeito às crianças com inteligência limítrofe. Tal constatação é que motivou a realização deste estudo, que teve como objetivo principal investigar memória operacional, de curto prazo e de longo prazo em crianças com quociente de inteligência abaixo dos padrões de normalidade, mais especificamente, em crianças com deficiência intelectual leve e com inteligência limítrofe. Os resultados obtidos trazem informações interessantes que serão a seguir relatadas. Em relação à memória operacional, consta tou-se que os grupos experimentais (GDI e GL) DISCUSSÃO Indivíduos com limitação intelectual muitas vezes são prejudicados na aprendizagem acadêmica e, em parte, isso decorre do fato de que a escola não costuma se atentar para as defasagens e habilidades cognitivas dessa população. A memória é uma dessas habilidades que merece atenção, já que está intimamente relacionada à aprendizagem. O planejamento das Tabela 4 – Comparação do desempenho dos grupos no subteste vocabulário da WISC-IV. Grupo “mean rank” Valor de “p” (*) GDI GC 7,05 19,32 0,000 GL GC 8,60 17,18 0,006 GDI GL 8,00 14,30 0,01 Legenda: (*)Teste de Mann-Whitney, GDI = Deficiente In telectual, GL = Limítrofe, GC = Controle. Tabela 5 – Comparação do desempenho dos grupos no RAVLT – A1-A5 e RAVLT – A7. Grupo “mean rank” A1-A5 Valor de “p” (*) “mean rank” A7 Valor de “p” (*) GDI GC 11,36 16,53 0,104 12,91 15,53 0,405 GL GC 9,20 16,82 0,016 9,10 16,88 0,013 GDI GL 11,73 10,20 0,573 12,00 9,90 0,431 Legenda: (*) Teste de Mann-Whitney, GDI = Deficiente Intelectual, GL = Limítrofe, GC = Controle. Tabela 6 – Comparação do desempenho dos grupos no teste Figura Complexa de Rey. Grupo “mean rank” Cópia Valor de “p” (*) “mean rank” Reprodução Valor de “p” (*) GDI GC 10,59 17,03 0,036 11,09 16,71 0,071 GL GC 8,00 17,53 0,002 9,05 16,91 0,010 GDI GL 11,64 10,30 0,509 12,09 9,80 0,333 Legenda: (*)Teste de Mann-Whitney, GDI = Deficiente Intelectual, GL = Limítrofe, GC = Controle. Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 302-13 308 Avaliação da memória em crianças e adolescentes com capacidade intelectual limítrofe e deficiência intelectual leve tiveram pior desempenho (estatisticamente sig nificativo) que o controle (GC) nos testes que avaliam processamento de informações auditivas (avaliado por meio dos subtestes de dígitos ordem inversa e sequência de números e letras da WISC-IV). A hipótese que se levanta é que tal fato está relacionado à menor capacidade de armazenamento da alça fonológica, um dos componentes da memória operacional responsável pelo armazenamento de informações auditivas. A literatura a respeito dessa temática é con troversa, pois trazem dados divergentes. En contram-se dados que sugerem não haver diferenças estruturais na memória operacional de deficientes intelectuais quando comparados a grupo controle, pelo menos no que diz respeito à alça fonológica, esboço visuoespacial e executivo central14. Por outro lado, outros estudos demonstram o contrário. Alloway18, por exemplo, avaliou e comparou o desempenho da memória operacional de defi cientes intelectuais (grau leve), limítrofes e grupo sem comprometimento cognitivo. Os dados obtidos demonstraram déficit específico na capacidade de armazenamento da alça fonológica em crianças com deficiência intelectual leve. Entretanto, diferente do nosso estudo, não foi encontrada diferença significativa no grupo de crianças com inteligência limítrofe. Brankaer et al.16 também investigaram o desempenho na memória operacional de crianças deficientes intelectuais e grupo controle e encontraram alteração não só no processamento da alça fonológica, mas também em outros dois componentes da memória operacional, ou seja, no esboço visuoespacial e executivo central. Sugere-se, ainda, que tais alterações seriam pro porcionais ao grau de deficiência intelectual. Nesse estudo depreendeu-se que os sujeitos dos grupos experimentais tiveram prejuízo no esboço visuoespacial, uma vez que foram encontradas alterações no processamento de informações visuoespaciais, como confirmado por outros autores15,16. No que se refere ao grau de comprometimento cognitivo, há relato de que sujeitos limítrofes também apresentam prejuízo na memória operacional, quando comparado a controle, tanto em relação ao domínio verbal, quanto visuoespacial. Quanto aos deficientes intelectuais, sugere-se que, quanto maior o prejuízo cognitivo, menor a sua capacidade de memória operacional, o que justificaria o desempenho inferior desse grupo em tais testes16,18. Vale ressaltar que, no nosso estudo, os deficientes intelectuais tiveram pior desempenho que os limítrofes, no entanto, a comparação entre ambos não foi estatisticamente significativa. No que se refere à memória de curto prazo, verificou-se que, nas tarefas que envolvem informações auditivas, o desempenho dos nossos grupos experimentais (GDI e GL) foi significativamente inferior ao grupo controle. Uma possível explicação para esse fato é en contrada na literatura, quando menciona que a memória operacional seria o melhor preditor de habilidades intelectuais para tarefas de memória de curto prazo. Logo, prejuízo na memória operacional resultaria em prejuízos também nas tarefas de memória de curto prazo, em relação à capacidade de armazenamento das informa ções auditivas. Há relato também de que o pre juízo dos deficientes intelectuais não estaria relacionado somente à redução na capacidade de armazenamento, mas também à lentidão no processamento da informação7,19. Interessante mencionar que neste estudo uma situação diferente aconteceu nas tarefas que avaliam aprendizagem verbal, que envolve informações auditivas com repetição. Embora o grupo de deficientes intelectuais tenha obtido resultados inferiores, a diferença não foi estatisticamente significativa. A hipótese que se levanta, a partir de dados fornecidos pela literatura19, é que tais sujeitos teriam capacidade para aprender, entretanto, diferentemente daqueles que não possuem comprometimento cognitivo, estes necessitariam de mais tempo e do uso de repetições do conteúdo para o favorecimento da memorização. Quanto maior o comprometimento, maior seria a necessidade de repetições. Isso demonstra que estratégias de ensino envolvendo Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 302-13 309 Pereira AM et al. repetições seriam mais eficazes para o aprendizado desses indivíduos. No que se refere ao desempenho no teste Blocos de Corsi, que avalia memória de curto prazo com informações visuoespaciais, não foi encontrada diferença significativa, quando se comparou o desempenho dos grupos experimentais (GDI e GL) em relação ao controle (GC). Uma possível explicação para tal fato é que esse tipo de memória envolve um sistema baseado em coordenadas visuoespaciais e um sistema cinestésico, que armazena séries de movimentos, além de componentes motores20, o que pode ter favorecido os referidos grupos a obterem melhor desempenho. Além disso, tanto a codificação, como o armazenamento das sequências espaciais a serem executadas pelo examinando, estariam envolvidos com o sistema executivo central, além do esboço visuoespacial. A simetria utilizada na realização das sequências espaciais poderia ser uma contribuição da memória de longo prazo, integrada à informação da memória visuoespacial21,22. Apesar do desempenho no teste Blocos de Corsi ser favorecido por componentes visuoespaciais, ocorreu diferença em relação ao desempenho na ordem direta e inversa, o que pode ser justificado pelo prejuízo na memória operacional. O pior desempenho, significativo estatisticamente, na memória de longo prazo semântica no GDI e GL, quando comparados ao GC, pode ser justificado pela capacidade de armazenamento limitada desses indivíduos, que dificulta aquisição de vocabulário. Dessa forma, a dificuldade na linguagem também teria influência no pior desempenho desse teste. A literatura indica15 que nos sujeitos com limitação intelectual o processo para adquirir o conhecimento é lento, assim, menos conteúdo é inserido e processado, consequentemente, diminuindo o volume de informações na memória de longo prazo. Já os resultados obtidos na memória episódica (evocação tardia) demonstraram que o GDI teve pior desempenho, mas este não foi estatisticamente significativo. Isso pode ser indicativo de que tais indivíduos se apoiam mais em conhecimentos armazenados na memória de longo prazo para compensar seus prejuízos na memória operacional. Tal estratégia foi observada nos deficientes intelectuais, que se lembraram mais facilmente das primeiras palavras (efeito de primazia), que é proveniente da recuperação da memória de longo prazo. Houve ainda sujeitos do GDI que se lembraram com mais facilidade das últimas palavras (efeito de recência), o que pode indicar tanto limitação maior na capacidade de armazenamento, como ausência de revisão. Porém, em relação ao grupo experimental de limítrofes, a diferença de desempenho foi significativa, o que demonstra que a memória de longo prazo episódica desse grupo apresenta prejuízos14,23,24. O mesmo aconteceu no teste da Figura Complexa de Rey, que também avalia memória de longo prazo episódica. Ambos os grupos experimentais (GDI e GL) tiveram pior desempenho (estatisticamente significativo) quando comparados ao controle na cópia de figura; importante destacar que certo nível de dificuldade foi também observado no GC, possivelmente, isso se deve ao fato de que nesta atividade são exigidos também planejamento e habilidade motora. Os sujeitos com limitação cognitiva, neste caso, têm pior desempenho. No que se refere ao subteste de reprodução da Figura Complexa de Rey, apenas os limítrofes tiveram desempenho significativamente inferior ao controle. Destaca-se que a literatura é escassa, em se tratando desse instrumento de avaliação em crianças e adolescentes. São mais frequentes os estudos que o utilizam para avaliar memória de longo prazo em idosos que tenham sofrido lesões cerebrais. A escassez de literatura sobre as habilidades cognitivas, especificamente a memória, de sujeitos com inteligência limítrofe, demonstra maior necessidade de estudos nesse contexto. CONCLUSÃO De acordo com os dados obtidos neste estudo, conclui-se que crianças e adolescentes com Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 302-13 310 Avaliação da memória em crianças e adolescentes com capacidade intelectual limítrofe e deficiência intelectual leve e memória de longo prazo episódica e semântica. Quando comparados aos deficientes intelectuais, os limítrofes apresentaram diferença significativa apenas na memória semântica, com melhor desempenho que os deficientes intelectuais de grau leve. Com isso, sugere-se que discussões amplas sejam realizadas no contexto escolar, principalmente, no sentido de se avaliar a necessidade de crianças com inteligência limítrofe receberem na escola o mesmo suporte educacional oferecido às crianças com deficiência intelectual. Além disso, sugere-se que seja realizada a análise pormenorizada dos diferentes tipos de memória das crianças que apresentem qualquer nível de comprometimento cognitivo (limítrofe e deficiente intelectual), a fim de que sejam pla nejadas estratégias adequadas de ensino e de intervenção. deficiência intelectual apresentam pior desempenho nas habilidades de memória operacional auditiva e visuoespacial, memória de curto prazo auditiva e na memória de longo prazo semântica, quando comparados a crianças com desempenho cognitivo global preservado. Na memória de longo prazo episódica, no entanto, o desempenho, apesar de inferior, não foi estatisticamente significativo; em relação à aprendizagem verbal, este dado pode ser útil, pois aponta o benefício do uso dessa habilidade no desenvolvimento de métodos de aprendizagem na população de deficientes intelectuais. Finalizando, ressalta-se que o grupo de sujeitos com inteligência limítrofe teve desempenho significativamente inferior ao controle na memória operacional auditiva e visuoespacial, memória de curto prazo auditiva e visuoespacial Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 302-13 311 Pereira AM et al. SUMMARY Memory evaluation in children and adolescents with limitrophe intellectual capacity and mild intellectual disability This study aimed to evaluate and compare the memory of children and adolescents classified as intellectually disabled (mild degree), limitrophe intelligence and with no intellectual impairment. Particularly the operational memory, the short-term immediate memory and long-term memory (episodic and semantic) were subjected to analysis in the three aforementioned groups. Thirty-eight subjects participated in this study divided in three groups, all of which were composed by children with intelligence quotient of normality: intellectually disabled of mild (GDI), limitrophe (GL) and control degree (GC). In order to evaluate the different types of memory the Rey Complex Figure, the Rey Auditory-Verbal Learning Test (RAVLT), the Corsi Block Test (TBC) and the WISC-IV digits, sequence of numbers and letters, and vocabulary subtests were performed. The obtained data shows that when compared to GC, the GDI presented meaningful loss in the operational and in the long-term semantic memory, but not in the episodic memory. With tests that use information repetition, children with GDI had better performance. Such data is important because refers to the idea that tea ching strategies based on this approach may favor these children learning. As for the GL, a meaningful loss in all the types of evaluated memory was noticed, when compared to the GC. The comparison between GL and GDI presented that the firsts had better performance (statistically meaningful) only in the semantic memory. Accordingly, the debate regarding the need of children with limitrophe intelligence receiving at school the same specialized educational support offered to children intellectually disabled is considered important. KEY WORDS: Memory. Learning. Intelligence. Intellectual disability. REFERÊNCIAS 5. Seabra AG, Reppold CT, Dias NM, Pedron AC. Modelos de funções executivas. In: Seabra AG, Laros JA, Macedo EC, Abreu N, orgs. Inteligência e funções executivas: avanços e desafios para a avaliação neuropsicológica. São Paulo: Memnon Edições Científicas; 2014. 6. Squire LR, Zola SM. Structure and function of declarative and nondeclarative memory systems. Current Issue. 1996;93(24):13515-22. 7. Oberauer K, Schulze R, Wilhelm O, Süß HM. Working memory and intelligence their correlation and their relation: comment on Ackerman, Beier, and Boyle. 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Mograbi; Jesus Landeira-Fernandez RESUMO – O Ages & Stages Questionnaires 3ª Edição, na tradução para o português-BR (ASQ3-BR), é um teste de rastreamento usado para avaliar o desenvolvimento de crianças na idade pré-escolar (8 a 60 meses), tendo sido utilizado pela Secretaria de Educação da Prefeitura do Rio de Janeiro como instrumento para avaliar a qualidade do atendimento em creches municipais. No presente estudo, foram analisados os resultados obtidos nos testes aplicados entre 2010 e 2012, para 124.292 crianças de 468 creches públicas do município do Rio de Janeiro, avaliando a consistência interna dos resultados para os 6 itens de cada um dos 5 domínios do ASQ3-BR, para cada uma das 16 faixas etárias estabelecida pelo instrumento. Embora o ASQ3-BR tenha sido resultado de uma retrotradução, bem como tenha recebido adaptações culturais para assegurar a adaptação do teste para a cultura brasileira, os coeficientes de “Alfa de Cronbach” abaixo de 0,7, bem como a “Correlação Item-Total” abaixo de 0,3, identificam itens relevantes para serem analisados e discutidos. Os resultados constataram que, embora o ASQ3-BR seja um bom instrumento para avaliação do desenvolvimento de crianças na pré-escola, quando na sua aplicação em ambiente de creches, pode ter fidedignidade aumentada por algumas adaptações em função dos procedimentos operacionais específicos dessas creches. UNITERMOS: Desenvolvimento infantil. Psicometria. Pré-escolar. Questionários. Correspondência Luis Filipe F. A. Tavares Rua Humaitá, 12 – apt. 303 – Rio de Janeiro, RJ, Brasil – CEP 22261-001 E-mail: [email protected] Luis Filipe F. A. Tavares – Mestrando em Psicologia Clínica da PUC-Rio, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Daniel C. Mograbi – Doutor em Neurociências e Psi cologia, Professor assistente, Departamento de Psi cologia, PUC-Rio, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Jesus Landeira-Fernandez – Doutor em Neurociências e Comportamento, Bolsista de Produtividade em Pes quisa do CNPq - Nível 1B - CAPS - Psicologia e Serviço Social, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 314-25 314 ASQ3-BR: análise de Itens passa em média com o profissional durante a consulta, quanto pela ausência de instrumentos específicos para a avaliação global do desenvolvimento infantil. Sendo que as pessoas mais indicadas a fazer o acompanhamento e a triagem de crianças com potenciais déficits são aquelas que convivem diariamente com as crianças, isto é, pais, cuidadores e educadores. Em 1980, os pesquisadores Diane Bricker, Jane Squires e Linda Mounts, da Universidade do Oregon (Estados Unidos), criaram o Infant/ Child Monitoring Questionnaires (IFMQ: Questionário de Monitoramento Infantil/da Criança), com o objetivo de rastrear e acompanhar o desenvolvimento em crianças de 4 meses a 5 anos de idade por meio daqueles que convivem com o bebê ou a criança, possibilitando monitorar o seu desenvolvimento e identificar potenciais problemas. Em 1995, o IFMQ foi revisado gerando o Ages e Stages Questionnaires (ASQ), tendo sua última versão em 2009 designada como ASQ37, sendo considerado um instrumento confiável e preciso para identificação de crianças com possível atraso e que necessitariam de receber outra avaliação complementar de maior profundidade9. Hoje, o ASQ3 é utilizado por diversos paí ses, como Estados Unidos, França, Espanha, Dinamarca, Noruega, Quênia, Zâmbia, China e Coréia. Há, ainda, uma recomendação da Academia Norte-Americana de Pediatria (American Academy of Pediatrics) para o uso do ASQ3 como parte da avaliação de bebês e crianças durante a anamnese, juntamente com os pais ou responsáveis, para vislumbrar a possibilidade de déficits em seu desenvolvimento10. O ASQ3-BR foi selecionado pela Secretaria de Educação do município do Rio de Janeiro como uma ferramenta de rastreio para avaliar a qualidade do atendimento pelas creches para crianças de 8 a 60 meses, numa versão ajustada da versão original inglesa, mas ainda sem uma validação para as características socioculturais da população atendida. O objetivo do presente trabalho foi o de verificar, por meio de uma análise estatística dos INTRODUÇÃO As transformações da criança na fase da primeira infância, ou seja, os primeiros 6 anos de vida, excedem tanto em velocidade quanto em amplitude qualquer outra fase da vida. Durante a primeira infância ocorrem o crescimento físico, o amadurecimento do cérebro, a aquisição dos movimentos, o desenvolvimento da capacidade de aprendizado, a iniciação social e afetiva, entre outros, e cada um desses aspectos é interligado com os demais e influenciado pela realidade na qual a criança vive1-3. O desenvolvimento infantil sempre foi um foco de pesquisa das Ciências da Educação e da Saúde. Contribuições importantes foram dadas pela Pedagogia, Psicologia, Pediatria e Neuro ciências, campos do conhecimento que produzem as principais teorias do desenvolvimento. Jean Piaget4 delimitou saltos no desenvolvimento infantil baseados em comportamentos motores e sociais emanados pela criança. Já Arnold Gesell5 procurou detalhar a fase pré-escolar considerando os domínios da linguagem, do desenvolvimento motor, desenvolvimento adaptativo e desenvolvimento pessoal-social de crianças desde o nascimento até os 5 anos. De acordo com Gesell6, embora esses domínios compreendam a maioria dos padrões visíveis de comportamento da criança, eles não se apresentam em compartimentos separados. A criança reage sempre como por inteiro. Essa classificação por domínios é, portanto, apenas uma conveniência para facilitar sua observação e análise, entretanto é importante que se avalie também a interação psicológica de um determinado comportamento. Instrumentos que se proponham a avaliar o desenvolvimento da primeira infância de modo rápido e econômico são raros. Outrossim, a detecção de problemas no desenvolvimento global de crianças em idade pré-escolar tornou-se uma questão cada vez mais difícil de avaliar, visto que os profissionais responsáveis por seu diagnóstico, os pediatras, não conseguem vislumbrar problemas de desenvolvimento infantil em 60% a 80% dos casos7,8. A justificativa pode se dar tanto por conta do pouco tempo que a criança Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 314-25 315 Tavares LFFA et al. dos serviços oferecidos, além promover a melhoria na qualidade e a organização das atividades e rotinas diárias das creches. Os resultados de 8 meses não foram considerados devido ao reduzido número de participantes. A população avaliada foi distribuída conforme pode ser observado na Tabela 1. resultados obtidos entre os anos de 2010 e 2012, em ambiente de creche pública, como os itens do instrumento apresentaram suas propriedades psicométricas para avaliação dos 5 constructos que o compõem, e como poderiam ser aperfeiçoados para esse tipo de aplicação. MÉTODO Participantes O presente estudo considerou os resultados do ASQ3-BR aplicado entre 2010 e 2012 para crianças na faixa etária de 10 a 60 meses, nas creches públicas do Rio de Janeiro. O objetivo inicial desta aplicação, definido pela Secretaria Municipal de Educação, foi de estabelecer um sistema de indicadores de resultados alcançados, permitindo monitorar e avaliar o desenvolvimen to infantil relacionado com a qualidade e eficácia Instrumento As características psicométricas do ASQ3 podem ser avaliadas por meio de três parâmetros: a primeira se refere à validade do instrumento. De acordo com estudos de Squires, a validade para o ASQ3 foi estabelecida comparando os resultados dos testes com o teste Battelle Developmental Inventory (BDI)12. Estudos desenvolvidos por Squires et al.13 apresentaram correlação alta entre a ASQ3 e a BDI através das faixas etárias Tabela 1 – Distribuição por idade e gênero nos 3 anos do estudo. Faixa etária Total 2010 2011 2012 Masc Fem Masc Fem Masc Fem Masc Fem 10 135 129 87 91 30 27 18 11 12 272 258 167 169 59 50 46 39 14 594 606 280 281 75 78 239 247 16 717 655 86 86 226 205 405 364 18 1410 1294 456 456 420 365 534 473 20 1565 1460 506 439 498 447 561 574 22 1416 1273 384 382 506 417 526 474 24 2066 1865 622 539 702 610 742 716 27 3306 2904 995 832 1059 945 1252 1127 30 3799 3463 1164 1078 1066 1032 1569 1353 33 4443 4060 1565 1502 1295 1162 1583 1396 36 7170 6690 2564 2414 1882 1714 2724 2562 42 11258 10400 4360 4008 2953 2724 3945 3668 48 10317 9568 4069 3909 2616 2436 3632 3223 54 8457 8082 3683 3404 3270 3257 1504 1421 60 7403 7257 21 21 7382 7234 0 2 64.328 59.964 21.009 19.611 24.039 22.703 19.280 17.650 51,8% 48,2% 51,7% 48,3% 51,4% 48,6% 52,2% 47,8% 124.292 40.620 46.742 Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 314-25 316 36.930 ASQ3-BR: análise de Itens e áreas de desenvolvimento, variando de 82,6% a 88,9%. O segundo parâmetro se refere à Fidedignidade. Estudos realizados por Squires et al.14 consideraram a fidedignidade de teste-reteste, comparando-se os resultados de pais que completaram dois questionários sobre seu filho dentro de um intervalo de duas semanas. Os resultados apresentaram 92% de concordância dos 2 testes, considerando crianças com desenvolvimento típico ou não. A fidedignidade in ter-avaliadores foi analisada comparando-se os resultados das avaliações do pai com os de um examinador treinado para a mesma criança. Os resultados obtidos foram de 93% de concordância. Já as correlações intraclasse considerando os 5 domínios e as diferentes idades resultaram em valores de 0,43 a 0,69, sendo o mais forte o domínio da Comunicação e o mais fraco para o domínio Pessoal-Social13. Outrossim, a consistência interna corresponde a como o indicador é capaz de apresentar resultados semelhantes para o mesmo constructo. Nos estudos de Squires et al.14, foi realizada correlação de Pearson entre o domínio específico e o resultado geral, bem como calculado o alfa de Cronbach. Os resultados da correlação de Pearson variaram de 0,60 a 0,85, exceto para o domínio Motora Ampla, com 2 resultados abaixo de 0,60, e os resultados para o alfa de Cronbach se mantiveram na faixa de moderada a alta, variando de 0,51 a 0,8714. Finalmente, quanto maior for a sensibilidade e especificidade de uma dada medida, maior será a precisão da medida. O ASQ3 apresentou nos estudos desenvolvidos por Squires et al.14, níveis moderados de sensibilidade (82,5-89,2%) e especificidade (77,9-92,1%)13. Considerando que o ASQ3 foi originalmente desenvolvido para a língua inglesa e cultura americana, para aplicação do ASQ3 nas creches do Rio de Janeiro foi necessária não só a tradução para o português brasileiro, bem como a adequação à cultura brasileira, de forma a conseguir ser entendido pelas responsáveis pela aplicação do teste, mas que também mantivesse a capacidade de medir o constructo original. O primeiro passo foi utilizar o procedimento de retrotradução como parte da metodologia. Três tradutores bilíngues diferentes fizeram a versão do ASQ3 para o português/brasileiro. Em seguida, um estudo piloto foi feito para determinar problemas de compreensão e entendimento dos itens com 120 professores e agentes auxiliares de creche, resultando em adaptações culturais para melhor entendimento do ASQ3-BR7. Procedimento Para a aplicação do instrumento, na primeira rodada em 2010, os diretores das creches públicas foram convidados a participarem de uma reunião de treinamento do ASQ3-BR, com duração de 8 horas, previamente agendada pela Secretaria de Educação da cidade do Rio de Janeiro. Cada reunião teve aproximadamente 30 diretores de creches e os 20 questionários ASQ3-BR foram apresentados no que consistiam, critérios de avaliação e procedimentos de preenchimento e registro. Cada diretor ficou responsável por levar os instrumentos necessários para serem aplicados em suas respectivas creches. Cada diretor ficou também responsável pelo treinamento das cuidadoras, que, por sua vez, foi responsável pela administração do ASQ3-BR para as crianças em suas salas de aula. Em seguida, as cuidadoras ou diretores tabularam os dados de cada criança de sua respetiva creche em um banco de dados. Nas rodadas de 2011 e 2012, foram realizadas apenas reuniões de atualização entre os diretores e as cuidadoras7. Análise estatística Os dados coletados pela Secretaria Municipal de Ensino do Rio de Janeiro foram disponibilizados para o Departamento de Psicologia da PUC-Rio em base ACCESS (2010 e 2011) e Excel (2102). Foi feita inicialmente uma análise de consistência, verificando a correção de gênero, idade, e digitação dos resultados do ASQ3-BR, que originalmente foram pontuados, para cada item, como 1 = sim, 2 = às vezes e 3 = ainda não, bem como dados faltantes que foram digitados Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 314-25 317 Tavares LFFA et al. como 9. Participantes que foram identificados com alguma discrepância foram removidos da população em estudo, tendo alcançado 4% em 2010, 10% em 2011 e 6% em 2012, estando distribuídos uniformemente entre todas as faixas etárias do estudo. Posteriormente, os valores 1, 2 e 3 do questionário foram substituídos pelos valores de classificação correspondentes de 10, 5 e 0, respectivamente. Os resultados dos testes aplicados entre os anos de 2010 e 2012 foram analisados estatisticamente no sentido de se observar sua consis tência e representatividade das questões ou itens utilizados nos domínios mencionados. Para tanto, foram analisados os resultados do Alfa de Cronbach para cada faixa etária e cada domínio, ressaltando os resultados com valores abaixo de 0,70. Complementarmente, para os resultados significativos do Alfa como mencionado, foi feita uma análise de correlação item-total para cada uma das questões ou itens em cada domínio. Foi feita uma análise semântica para as questões que apresentaram correlações abaixo de 0,3. A ferramenta utilizada para realização dos cálculos estatísticos foi o SPSS 22.0. Aspectos éticos Os dados utilizados foram fornecidos pela Secretaria de Educação do Município do Rio de Janeiro, e foram trabalhados estatisticamente, selecionando apenas as faixas etárias estabelecidos pelo instrumento ASQ3-BR. Nenhuma relação com as creches ou indivíduos foi objeto de estudo pelo presente trabalho. O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética da Pontifícia Universidade Católica - Rio. RESULTADOS Análise dos itens para o domínio comunicação Os resultados da análise de consistência interna para o domínio comunicação podem ser observados na Tabela 2, sendo que, conside Tabela 2 – Dados normativos e consistência interna do domínio comunicação. Idade meses Score 2010/2011/2012 Total Masc Fem Alfa Cronbach Correlação item-total Item Item Item Item Item Item 1 2 3 4 5 6 Média dp Média dp Média dp 10 34,6 16,0 31,7 16,5 38,3 14,6 0,70 0,47 0,50 0,55 0,38 0,26 0,46 12 38,7 15,4 38,4 14,7 38,9 16,0 0,72 0,41 0,40 0,49 0,48 0,49 0,48 14 37,0 15,2 35,9 15,2 38,1 15,2 0,71 0,53 0,49 0,43 0,28 0,52 0,43 16 34,0 13,8 33,4 14,9 34,6 1,4 0,74 0,23 0,64 0,35 0,42 0,60 0,58 18 35,6 15,5 34,7 15,2 36,6 15,6 0,75 0,27 0,35 0,61 0,66 0,45 0,63 20 38,2 18,0 36,2 18,0 40,3 17,7 0,82 0,71 0,67 0,47 0,70 0,26 0,67 22 40,3 16,8 39,0 17,0 41,8 16,4 0,79 0,60 0,25 0,48 0,63 0,61 0,71 24 48,2 15,4 47,0 15,7 49,6 14,9 0,82 0,52 0,72 0,30 0,71 0,71 0,61 27 51,1 12,3 49,9 13,0 52,5 11,3 0,74 0,29 0,59 0,47 0,60 0,58 0,43 30 52,0 11,5 50,7 12,4 53,5 10,3 0,73 0,56 0,31 0,45 0,60 0,39 0,60 33 51,6 11,7 50,5 12,5 52,8 10,6 0,70 0,36 0,54 0,37 0,57 0,37 0,41 36 49,8 10,3 49,0 10,9 50,7 9,6 0,60 0,30 0,42 0,34 0,49 0,35 0,28 42 49,4 11,2 48,6 11,7 50,4 10,6 0,62 0,33 0,41 0,31 0,33 0,40 0,45 48 51,7 11,4 50,9 12,0 52,5 10,7 0,75 0,48 0,44 0,54 0,54 0,37 0,56 54 52,9 10,7 52,1 11,3 53,6 10,0 0,75 0,49 0,60 0,55 0,32 0,52 0,48 60 48,8 11,1 47,7 11,7 50,0 10,3 0,63 0,37 0,37 0,38 0,37 0,36 0,42 Dados Normativos: média, desvio padrão, consistência interna: alfa Cronbach e correlação item-total. Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 314-25 318 ASQ3-BR: análise de Itens faixa etária de 20 meses (0,26) e a questão 1 da faixa de 27 meses (0,29) com a frase: “Sem que você dê dicas à criança, apontando ou usando gestos, ela atende pelo menos três dos comandos abaixo: a) Ponha o brinquedo na mesa; b) Feche a porta; c) Pegue a bola para mim; d) Ache sua mochila; e) Pegue minha mão; f) Pegue um livro”. rando-se o alfa de Cronbach menor que 0,7, verificou-se que as faixas de 36, 42 e 60 meses se apresentam como relevantes. Complementarmente, analisando a correlação item-total dessas faixas, observa-se uma reincidência de valores mínimos para o item 6 em 36 meses (0,28) que correspondem à mesma frase ‘Quando você pergunta: Qual é o seu nome completo? A criança diz seu nome e sobrenome?’ Essa mesma questão corresponde ao item 4 da faixa etária de 42 meses (0,33). Outrossim, embora o alfa tenha permanecido acima de 0,7, observa-se a correlação item-total baixo para as questões 4 da faixa de 14 meses (0,28) e a questão 1 da faixa de 16 meses (0,23) com a frase “O bebê/criança aponta, toca ou tenta pegar as figuras de um livro?” A disponibilidade de livros adequados para essa idade, bem como a observação sistemática dessa interação, pode afetar a avaliação desse constructo. Observa-se, também, correlação item-total abaixo da linha de corte, para as questões 5 da Análise dos itens para o domínio coordenação motora ampla Os resultados da análise de consistência interna para o domínio coordenação motora ampla podem ser observados na Tabela 3. Considerando-se o alfa de Cronbach menor que 0,7, verifica-se que, na faixa de 24 meses, a questão 1 com correlação item-total de 0,26, que tem como pergunta: “A criança desce escadas se você segurar uma das mãos dela?”, apresenta uma condição em comum com as questões 3 da faixa de 36 meses (0,27) e a questão 1 da faixa etária de 42 meses (0,25), que questionam: “A criança sobe as escadas colocando apenas um pé em cada degrau?”, Tabela 3 – Dados normativos e consistência interna para coordenação motora ampla. Idade meses Score 2010/2011/2012 Total Média Masc dp Média Alfa Cronbach Fem dp Média dp Correlação item-total Item Item Item Item Item Item 1 2 3 4 5 6 10 44,2 14,8 45,1 14,5 43,1 15,1 0,74 0,28 0,23 0,55 0,64 0,69 0,50 12 46,2 15,5 46,5 15,9 45,9 15,1 0,80 0,44 0,52 0,57 0,53 0,70 0,59 14 52,2 13,6 52,2 13,4 52,1 13,8 0,84 0,52 0,61 0,83 0,39 0,77 0,82 16 55,3 9,4 55,6 9,2 54,9 9,6 0,76 0,55 0,52 0,60 0,56 0,55 0,52 18 56,5 7,2 56,9 7,0 56,2 7,3 0,64 0,39 0,32 0,45 0,39 0,37 0,46 20 55,0 8,7 55,1 8,6 54,9 8,8 0,67 0,32 0,48 0,40 0,40 0,48 0,46 22 52,5 10,1 53,2 9,4 51,7 10,8 0,65 0,44 0,44 0,31 0,35 0,42 0,48 24 54,7 8,6 55,1 8,1 54,2 9,0 0,62 0,26 0,43 0,34 0,37 0,42 0,47 27 54,4 9,3 54,7 9,0 54,0 9,5 0,67 0,33 0,37 0,56 0,36 0,55 0,35 30 55,2 8,4 55,4 8,2 55,1 8,6 0,64 0,37 0,33 0,37 0,49 0,36 0,41 33 55,4 8,4 55,7 8,2 55,2 8,6 0,65 0,34 0,38 0,47 0,30 0,44 0,39 36 56,4 7,7 56,6 7,5 56,2 8,0 0,67 0,32 0,50 0,27 0,44 0,37 0,51 42 56,5 7,0 56,5 7,0 56,5 7,1 0,60 0,25 0,38 0,35 0,43 0,39 0,24 48 55,8 8,0 55,9 8,0 55,8 8,0 0,66 0,39 0,20 0,36 0,47 0,46 0,49 54 54,7 9,1 54,5 9,2 54,9 8,9 0,69 0,44 0,37 0,46 0,43 0,48 0,43 60 52,9 10,2 52,6 10,4 53,1 10,0 0,72 0,31 0,44 0,49 0,50 0,56 0,48 Dados Normativos: média, desvio padrão, consistência interna: alfa Cronbach e correlação item-total. Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 314-25 319 Tavares LFFA et al. que também se repete na questão 6 da faixa de 42 meses (0,24) “A criança sobe os degraus de um escorregados e escorrega sem ajuda”. podem ser observados na Tabela 5, apresentando resultados de alfa de Cronbach abaixo de 0,7 de forma generalizada, ressaltando com os menores valores as faixas de 20 e 27 meses (0,58). Na faixa de 20 meses, pode-se notar o item 2, relativo à questão “Depois de ver você desenhar uma linha em uma folha de papel com um giz de cera (ou lápis ou caneta), a criança imita você desenhando uma única linha em qualquer direção? (Marque “ainda não” se a criança rabisca em várias direções)”, que apresentou correlação item-total de 0,27. Essa mesma questão é apresentada como item 4 para a faixa de 22 meses (0,29) e o item 5 para a faixa de 18 meses (0,29). Outrossim, ainda para a faixa de 20 meses, observa-se o item 3 relativo à questão “Se você fizer algum dos seguintes gestos, a criança imita pelo menos um deles? A) Abrir e fechar a boca; B) Piscar os olhos; C) Colocar a mão na cabeça; D) Mandar Beijo”, que apresentou uma correlação item-total de 0,16. Essa mesma questão é repetida no domínio Pessoal/Social para o item Análise dos itens para o domínio coordenação motora fina Os resultados da análise de consistência interna para o domínio coordenação motora fina podem ser observados na Tabela 4. Embora tenham sido identificados alguns resultados do alfa de Cronbach abaixo de 0,7 com correlações item-total abaixo de 0,3, apenas a questão 4 da faixa etária de 22 meses e a questão 6 da faixa etária de 30 meses, ambas com correlação item-total de 0,29, apresentaram conteúdo similar “A criança vira as páginas de um livro...”. Análise dos itens para o domínio resolução de problemas Os resultados da análise de consistência interna para o domínio resolução de problemas Tabela 4 – Dados normativos e consistência interna para coordenação motora fina. Idade meses Score 2010/2011/2012 Total Média Masc dp Média Alfa Cronbach Fem dp Média dp Correlação item-total Item Item Item Item Item Item 1 2 3 4 5 6 10 43,3 15,5 42,7 15,4 44,1 15,6 0,77 0,25 0,47 0,55 0,58 0,65 0,55 12 41,3 15,1 42,0 15,3 40,5 14,8 0,72 0,44 0,43 0,50 0,47 0,45 0,43 0,56 14 41,7 15,0 41,7 14,8 41,7 15,1 0,70 0,26 0,40 0,43 0,59 0,36 16 48,3 13,1 48,2 13,1 48,5 13,0 0,71 0,47 0,32 0,59 0,54 0,32 0,46 18 48,3 12,6 48,2 12,6 48,3 12,6 0,68 0,33 0,61 0,37 0,57 0,33 0,34 20 46,2 12,8 45,4 12,9 47,1 12,6 0,65 0,29 0,52 0,31 0,37 0,48 0,37 22 46,3 11,6 46,4 11,5 46,3 11,7 0,61 0,32 0,42 0,42 0,29 0,30 0,37 24 48,4 11,1 48,0 11,1 48,8 11,0 0,62 0,28 0,33 0,44 0,32 0,45 0,41 27 41,6 14,7 41,1 14,5 42,2 14,8 0,72 0,32 0,20 0,65 0,41 0,51 064 30 41,0 16,8 39,1 17,1 43,1 16,2 0,77 0,29 0,70 0,47 0,71 0,62 0,29 33 43,8 16,3 42,2 16,7 45,5 15,6 0,76 0,63 0,45 0,65 0,57 0,30 0,38 36 48,5 14,6 46,8 15,4 50,4 13,4 0,76 0,61 0,44 0,57 0,64 0,40 0,33 0,44 42 45,9 13,3 44,6 13,9 47,2 12,6 0,67 0,47 0,48 0,36 0,34 0,36 48 44,2 15,0 42,4 15,6 46,2 14,1 0,72 0,42 0,38 0,54 0,36 0,51 0,50 54 45,7 13,4 43,4 14,2 48,2 12,1 0,69 0,46 0,31 0,49 0,41 0,44 0,40 60 47,9 13,0 45,7 14,0 50,1 11,6 0,75 0,33 0,46 0,40 0,56 0,61 0,58 Dados Normativos: média, desvio padrão, consistência interna: alfa Cronbach e correlação item-total. Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 314-25 320 ASQ3-BR: análise de Itens Tabela 5 – Dados normativos e consistência interna para resolução de problemas. Idade meses Score 2010/2011/2012 Total Masc Alfa Cronbach Fem Correlação item-total Item Item Item Item Item Item 1 2 3 4 5 6 Média dp Média dp Média dp 10 42,3 16,0 41,23 17,1 43,6 14,4 0,73 0,43 0,47 0,50 0,62 0,36 0,41 12 37,89 16,0 36,92 16,1 38,8 15,8 0,73 0,29 0,45 0,41 0,60 0,57 0,45 14 41,63 14,6 41,27 14,5 42,0 14,7 0,71 0,46 0,55 0,37 0,47 0,53 0,38 16 43,92 14,9 43,93 14,9 43,9 15,0 0,73 0,49 0,54 0,35 0,44 0,52 0,51 18 40,92 13,7 41,12 13,7 40,7 13,7 0,68 0,25 0,46 0,57 0,37 0,29 0,58 20 43,54 11,8 42,89 11,7 44,2 11,9 0,58 0,31 0,27 0,16 0,37 0,43 0,36 22 45,19 11,8 44,84 12,1 45,6 11,5 0,60 0,30 0,40 0,29 0,40 0,38 24 45,8 11,9 45,34 11,9 46,3 11,8 0,61 0,32 0,41 0,32 0,27 0,33 0,45 27 51,7 10,3 51,21 10,6 52,3 9,8 0,58 0,32 0,26 0,39 0,32 0,36 0,37 30 48,19 13,3 46,94 13,8 49,5 12,6 0,68 0,34 0,25 0,34 0,47 0,52 0,54 33 50,9 11,7 50,08 12,2 51,8 11,1 0,64 0,33 0,31 0,24 0,41 0,46 0,50 36 51,86 11,1 51,23 11,5 52,5 10,6 0,64 0,32 0,20 0,28 0,54 0,38 0,51 0,32 42 51,39 10,9 50,52 11,4 52,3 10,3 0,60 0,26 0,43 0,32 0,45 0,30 0,28 48 47,38 12,9 46,26 13,3 48,6 12,2 0,65 0,34 0,38 0,39 0,44 0,25 0,45 54 41,68 14,0 40,24 14,3 43,2 13,5 0,68 0,50 0,19 0,46 0,30 0,47 0,51 60 43,31 15,4 41,96 15,7 44,7 15,0 0,74 0,29 0,51 0,52 0,38 0,61 0,56 Dados Normativos: média, desvio padrão, consistência interna: alfa Cronbach e correlação item-total. (0,28) e o item 1 da faixa etária de 42 meses (0,26) têm a mesma questão, que é: “Quando você aponta para a figura ao lado e pergunta à criança “O que é isso?”, ela diz uma palavra que se refere a uma pessoa ou algo similar? (Marque “sim” para respostas como “boneco”, “menino”, “menina”, “papai”, “mamãe”, “Homem-Aranha”, “Ben 10” ou “Macaco”.) Escreva a resposta da criança:”. Finalmente, podemos destacar o grupo com alfa de Cronbach baixo referente aos 42 meses (0,60), 48 meses (0,65) e 54 meses (0,68) e que apresentam a mesma questão com índices de correlação item-total reduzidos, ou seja “A criança se fantasia e faz de conta que é outra pessoa ou outra coisa? Por exemplo, a criança pode se vestir com roupas diferentes e fingir que é a mamãe, o papai, um irmão, uma irmã ou um personagem ou animal imaginário”. Apresentaram correlação item-total nos itens 6 da faixa de 42 meses (0,28); item 5 da faixa de 48 meses (0,25) e no item 2 da faixa de 54 meses (0,19). 2 da faixa de 22 meses (0,27) meses, item 1 da faixa de 27 meses (0,23) e item 1 da faixa 30 meses (0,23). Na faixa de 27 meses, pode-se notar o item 2 (0,26) que é o mesmo item 4 na faixa de 24 meses (0,27), a questão “A criança coloca as coisas de volta no lugar? Por exemplo, ela sabe onde os brinquedos ficam guardados ou os sapatos ou os pratos?” Um outro grupo relevante cujos índices de correlação item-total apresentaram valores bai xos, observa-se para os itens 2 para faixa de 30 meses (0,25), item 3 para a faixa de 33 meses (0,24) e item 2 para a faixa de 36 meses (0,20) com a questão “Se a criança quer algo que não consegue alcançar, ela procura alguma coisa para subir e pegar o objeto (por exemplo, para pegar um brinquedo numa prateleira ela sobe no bloco de espuma)?” O terceiro grupo relevante é das faixas de 36 e 42 meses que apresentaram alfa de 0,64 e 0,60, respectivamente. O item 3 da faixa de 36 meses Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 314-25 321 Tavares LFFA et al. com “A criança aguarda a sua vez enquanto é a vez de outra criança ou adulto?” Ainda na faixa dos 30 meses encontra-se uma correlação item-total baixa para o item 3 (0,29) para a questão “A criança empurra um pequeno carrinho de compras ou de bebê ou outro brinquedo com rodas conduzindo-o em torno de objetos, recuando de cantos que não consegue contornar?”. Essa mesma questão se apresenta no item 2 para a faixa de 33 meses (0,28) e o item 2 da faixa de 36 meses (0,26). Semelhantemente, a questão “A criança fala para você o nome de dois ou mais colegas, sem contar irmãos e irmãs?” está presente nos itens 4 da faixa de 48 meses e item 2 da faixa de 54 meses. A mesma situação se encontra nos itens 1 das faixas de 33 meses (0,29) e 36 meses (0,29) com a questão “A criança usa colher para se alimentar sem derramar quase nada?”, o item 4 para a faixa etária de 36 meses (0,28) e item 2 da faixa de 42 meses (0,29) com a questão “A criança veste casaco ou camisa sozinha?”, bem como o item Análise dos itens para o domínio pessoal e social Os resultados da análise de consistência interna para o domínio pessoal e social podem ser observados na Tabela 6, que apresenta resultados de alfa de Cronbach abaixo de 0,7 de forma ainda mais intensa. Podemos ressaltar, inicialmente, o grupo das faixas etárias de 27 meses (0,59), 30 meses (0,58), 36 meses (0,51), 42 meses (0,48), 48 meses (0,53), 54 meses (0,51) e 60 meses (0,52). Podemos ressaltar a correlação item-total baixo para a questão 1 para as faixas de 27 (0,23) e 30 meses (0,23), correspondente à pergunta “Se você fizer algum dos seguintes gestos, a criança imita pelo menos uma delas: a. Abrir e fechar a boca; b. Piscar os olhos; c. Colocar a mão na cabeça; d. Mandar beijo”. Semelhantemente, as questões 6 da faixa etária de 36 meses com correlação item-total de 0,24 e a questão 4 da faixa de 42 meses com correlação 0,24 consistem na mesma problemática Tabela 6 – Dados normativos e consistência interna para pessoal e social. Idade meses Score 2010/2011/2012 Total Média Masc dp Média Alfa Cronbach Fem dp Média dp Correlação item-total Item Item Item Item Item Item 1 2 3 4 5 6 10 41,85 15,6 42,1 15,7 41,55 15,6 0,62 0,22 0,36 0,12 0,56 0,42 0,53 12 36,34 14,9 35,63 15,7 37,04 14,1 0,70 0,44 0,43 0,49 0,52 0,44 0,27 0,39 14 36,9 15,4 35,86 15,3 37,92 15,3 0,69 0,49 0,42 0,30 0,40 0,51 16 39,6 14,5 39,01 14,5 40,23 14,5 0,65 0,31 0,40 0,31 0,35 0,43 0,47 18 45,95 13,0 45,16 13,7 46,82 12,0 0,64 0,32 0,31 0,42 0,46 0,27 0,47 20 42,39 12,9 40,28 13,4 44,64 12,0 0,63 0,37 0,29 0,37 0,44 0,40 0,33 22 46,22 11,7 44,94 12,3 47,65 11,0 0,61 0,45 0,23 0,32 0,33 0,44 0,37 24 43,29 13,0 41,87 13,4 44,87 12,5 0,65 0,28 0,48 0,37 0,43 0,39 0,40 27 41,93 12,5 40,5 12,9 43,56 11,7 0,59 0,23 0,37 0,33 0,32 0,39 0,41 30 49,1 10,3 47,97 10,6 50,34 9,7 0,58 0,23 0,31 0,29 0,35 0,42 0,34 33 50,46 10,6 49,15 11,2 51,9 9,7 0,60 0,29 0,28 0,37 0,36 0,37 0,39 36 52,24 8,9 51,09 9,6 53,48 8,0 0,51 0,29 0,26 0,29 0,28 0,33 0,24 42 51,24 9,1 50,15 9,7 52,41 8,3 0,48 0,21 0,29 0,24 0,24 0,31 0,30 48 51,47 9,8 50,86 10,1 52,14 9,4 0,53 0,33 0,29 0,27 0,22 0,40 0,29 54 50,93 9,7 50,21 10,1 51,68 9,1 0,51 0,23 0,20 0,38 0,32 0,25 0,32 60 51,34 9,0 50,21 9,4 52,5 8,3 0,52 0,31 0,25 0,37 0,23 0,24 0,33 Dados Normativos: média, desvio padrão, consistência interna: alfa Cronbach e correlação item-total. Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 314-25 322 ASQ3-BR: análise de Itens 3 da faixa para 48 meses (0,27) e o item 1 para 54 meses (0,23) com a questão “A criança lava as mãos com água e sabão e depois se seca com uma toalha, sem ajuda?” vro...”. Tais questões relativas à disponibilidade de livros podem ser ampliados na sua abrangência para livro, revista ou outro meio. No domínio Resolução de Problemas, da mesma maneira que a versão original do ASQ 3 em inglês, que apresentou suas características psicométricas com alfa de Cronbach até de 0,51, os resultados da versão adaptada também demonstraram consistência interna baixa, entretanto 4 características se sobressaem. A primeira é a ausência de comando nas questões. Se espera uma ação da criança na qual ela talvez ainda não possua autonomia suficiente para executar o que se espera no teste. Não está clara na questão a orientação de “comando”. Não está claro porque a criança iria imitar. A questão poderia ser completada pela afirmação: “Faça igual à tia/professora!”, ou definir um comando: “Agora vamos arrumar as coisas!” A segunda é em relação às condições de risco restritas ao ambiente de creche quanto à questão de segurança em que as crianças estariam sujeitas caso fossem disponibilizadas condições para subir em algum objeto. Essa condição bastante factível num ambiente doméstico se torna arriscada num ambiente de creche. Subir em alguma coisa para pegar objeto poderia ser substituído por abrir gaveta ou caixa para pegar objeto. Na terceira, a interpretação de um desenho incompleto pode significar outras coisas, mais comuns da realidade da criança. Como a referida figura pode ter outro significado além de um personagem, como por exemplo um inseto, dependerá do ambiente em que a criança se desenvolve para ser capaz de estabelecer associação como se espera. Dessa forma, em vez de marcar positivamente para respostas que remetem a figuras humanas, poderia se perguntar “o que é isso?”, e pedir para explicar, já que o domínio visa “Resolução de Problemas” e não Comportamento Social/Pessoal”. Finalmente, no domínio Resolução de Problemas, se remete à questão da existência ou não na creche de utensílios que a criança possa utilizar para “fazer de conta”. Num ambiente familiar é muito fácil usar os sapatos da mãe ou do pai, DISCUSSÃO Os resultados obtidos pelo presente estudo indicam que diversas questões poderiam ser modificadas no sentido de tornar o instrumento mais fidedigno na avaliação dos constructos propostos quando aplicado em ambiente de creche. Verificou-se que, no domínio Comunicação, um dos itens com a correlação baixa está relacionado com as particularidades culturais brasileiras e que podem ser adequadas na sua característica semântica e um segundo item é relativo à inexistência de comando. Para o primeiro caso, observou-se, na relação de nomes das crianças em questão, que apenas 1% das crianças têm apenas 1 sobrenome, sendo comum 2 ou 3 sobrenomes, dificultando a criança definir qual seria o sobrenome principal, o que poderia acarretar correlações item-total baixas. Questionar pelo nome da criança e de sua mãe poderia ser mais producente. Para o segundo caso, não está claro a quem o comando foi dirigido quando se fala em uma creche com diversas crianças juntas. A nomeação antecipada de qual criança está sendo solicitada pode deixar mais clara a questão. Chamar a criança pelo nome antes do gesto poderá explicitar a ordem de comando. Outrossim, itens relativos à disponibilidade de livros, podem ser ampliados na sua abrangência mencionando “figuras impressas”, podendo ser em livro, revista ou outro meio. No domínio da Coordenação Motora Ampla, verificou-se três questões com correlação baixa em função das condições de segurança relativas à existência e acesso ou não de escada na instituição em que as crianças pudessem acessar sozinhas. Avaliação considerando um substituto, como por exemplo, o jogo de “Amarelinha” (Céu), pode ser mais factível em ambiente de creche. No domínio Motora Fina, a questão comum se refere a “A criança vira as páginas de um li- Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 314-25 323 Tavares LFFA et al. mas na creche não existe essa possibilidade. A questão sobre se vestir pode ser impraticável, podendo ser alterada de “vestir e fingir” para “vestir ou fingir”. No último domínio Pessoal e Social, um grande número de faixas etárias apresentou consistência interna reduzida semelhante ao estudo do ASQ3 original13. Entretanto, na versão do ASQ3-BR podemos ressaltar dois pontos que podem agravar essa característica psicométrica, quais sejam: comando e práticas operacionais de uma creche. As questões com a indefinição de comando, como mencionado nos domínios anteriores, não esclarecem para a criança o que se espera dela. No ambiente doméstico, é mais fácil para a mãe/pai solicitar ações de imitação devido à linguagem corporal dos mesmos. Já, em um ambiente de creche, a abordagem necessitaria de uma dinâmica diferenciada, o que às vezes não é possível. Da mesma forma, “A criança aguarda da vez do outro” deve ser consequência de um comando, já que na fase de 36 e 42 meses a criança ainda está num período egocêntrico4,6, onde a criança é muito autocentrada e tem muitas exigências, mas que é capaz de obedecer às regras domésticas quando lhe explicadas ou ordenadas5. Esperar que uma criança imite um adulto sem um comando, em um ambiente com outras crianças, seria muito improvável. Questões como “a criança coloca de volta o copo”, “escova os dentes ou se veste sozinha”, ou “fala o nome de colegas ou irmãos” sem um comando ou solicitação explicita entram em conflito com as características para essa faixa de idade. Para as questões identificadas, uma frase inicial tal como “depois que a professora ter orientado, …” poderia ter melhor repercussão para avaliar o constructo em questão. O segundo ponto são as práticas operacionais. Num ambiente de creche, não é possível a criança se servir, já que ela recebe a alimentação pronta. Substituição desta frase por, “a criança entrega o prato e os talheres para serem lavados após a refeição?”, está mais alinhada com a realidade da creche onde o ASQ3-BR for aplicado. CONCLUSÃO Conforme verificado, o instrumento ASQ3 na sua versão original apresenta propriedades psicométricas suficientes para identificar possíveis desvios de desenvolvimento para a população de língua inglesa em ambiente familiar13 (13). A versão ASQ3-BR, embora tenha sido produto de uma retrotradução para a língua portuguesa utilizada no Brasil, também apresenta características psicométricas para o mesmo objetivo, com restrições para o domínio Pessoal e Social. Entretanto, quando aplicado em ambiente de creches, foram identificados diversos itens que apresentavam índices de correlação item-total com o domínio em questão abaixo dos limites razoáveis, sendo que alguns deles afetam a consistência interna do domínio verificado pelo alfa de Cronbach. O domínio Comunicação apresentou 6% dos itens com correlação abaixo de 0,3 ligados a três condições comuns aos itens relevantes. O domínio Coordenação Motora Ampla apresentou 7% dos itens com correlação baixa, referentes a uma condição comum. O domínio Coordenação Motora Fina, embora também apresentasse 7% dos itens com correlação baixa, nenhum item comum foi observado. No domínio Resolução de problemas, observou-se 16% dos itens com correlação baixa, ligados a 4 condições comuns. Finalmente, o domínio Pessoal e Social apresentou 32% dos itens com correlação baixa, ligados a 3 condições comuns. Dessa forma, podemos concluir que a ferramenta ASQ3-BR aplicada para avaliação do desenvolvimento infantil em creches pode ter sua fidedignidade aumentada pela adequação das questões para as condições semânticas, de risco, comando e operacionais da realidade e ambiente onde serão utilizadas. Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 314-25 324 ASQ3-BR: análise de Itens SUMMARY Item analysis of the Ages and Stages Questionnaires Brazilian version for public day care centers in Rio de Janeiro The Ages & Stages Questionnaire Third Edition in the Portuguese-BR translation (ASQ3-BR) is a screening test used to evaluate the development of children in preschool age (8-60 months), having been used by the Department of Education of Rio de Janeiro as a tool to assess the quality of care in public kindergartens. In this study, the results obtained in the tests between 2010 and 2012, for 124. 292 children in 468 public kindergartens in the city of Rio de Janeiro, were assessed for internal consistency of the results for the six items of each of the 5 domains ASQ3-BR for each of the 16 age groups established by the instrument. Although ASQ3-BR went through back translation and cultural adaptation to ensure the adaptation of the test to the Brazilian culture, coefficients of “Cronbach’s alpha” below 0.7 and the “Item-Total correlations” below 0.3 identified relevant items to be analyzed and discussed. The results indicated that although the ASQ 3-BR is a good tool to evaluate the development of children in preschool, its reliability can be improved with some adaptations considering specific procedures at these nurseries KEY WORDS: Child development. Psychometrics. Child, preschool. Questionnaires. 8. Rodrigues OMPR. Escalas de desenvolvimento infantil e o uso com bebês. Curitiba: Editora UFPR; 2012. 9. Squires J, Bricker D, Twonbly E. Ages e Stages Questionnaires, Third Edition (ASQ3): user’s guide. San Antonio: Paul H. Brookes Publishing Co.; 2009. 10. Squires J, Bricker D, Twonbly E, Potter L, Bricker D. Guidelines for cultural and linguistic adaptation of ASQ3 and ASQ-SE. San Antonio: Paul H. Brookes Publishing Co.; 2013. 11. Pasquali L. Psicometria: teoria dos testes na Psicologia e na Educação. Rio de Janeiro: Vozes; 2012. 12. Glascoe F, Byrne K. The usefulness of the Battelle Developmental Inventory Screening Test. Clinical Pediatrics. 1993;32:273-80. 13. Squires J, Bricker D, Twonbly E, Potter L, Bricker D. Psychometric Studies of ASQ3. 2009. 14. Squires J, et al. Psychometric studies of ASQ, 3rd ed. San Antonio: Paul H. Brookes Publishing; 2009. REFERÊNCIAS 1. Winnicott DW. A criança e seu mundo. Rio de Janeiro: Zahar; 1975. 2. Souza NN. Concepções de educadoras de creche sobre o desenvolvimento da criança de 0 a 3 anos. Curitiba: Universidade Federal do Paraná; 2008. 3. Oliveira JBA. Políticas e práticas de atendimento à primeira infância: lições na experiência internacional. Brasília: Alfaebeto; 2013. 4. Piaget J. Seis estudos de Psicologia. 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense; 1984. 5. Gesell A. The first five years of life. London: Methuen & Co.; 1974. 6. Gesell A. A criança dos 0 aos 5 anos. São Paulo: Martins Fontes; 2003. 7.Filgueiras A. Adaptação transcultural e avaliação psicométrica do Ages and Stages Questionnaires (ASQ) em creches públicas da cidade do Rio de Janeiro. Psicologia, PUC-Rio. Rio de Janeiro: PUC-Rio; 2011. Trabalho realizado na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Psicologia, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Artigo recebido: 21/9/2015 Aprovado: 18/11/2015 Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 314-25 325 Batista LS et al. Relato de experiência Avaliação psicopedagógica de criança com alterações no desenvolvimento: relato de experiência Leila Santos Batista; Bárbara Gonçalves; Márcia Siqueira de Andrade RESUMO – Objetivo: Apresentar relato de avaliação psicopedagógica de criança com queixa de alterações no desenvolvimento. O caso rela tado é o de menino, 9 anos de idade, atendido em clínica-escola de ins tituição da grande São Paulo. O relatório médico reportou alterações no desenvolvimento, especificamente atraso do desenvolvimento neurop sicomotor, desatenção e dificuldade de aprendizado, com diagnóstico de transtorno específico misto do desenvolvimento e outro transtorno comportamental e emocional especificado com início habitualmente na infância ou adolescência (F83 e F98-8). Método: O relato foi elaborado a partir da descrição do protocolo utilizado para avaliação, que constou de oito sessões em que foram aplicados os instrumentos: Desenho da Família, Desenho da Família Cinética, Desenho do Par Educativo, Hora do Jogo Diagnóstica, Sondagem da escrita e Provas Piagetianas. Resultados: A avaliação psicopedagógica indicou atraso na aprendizagem da escrita, no desenvolvimento cognitivo, além de dificuldades de coordenação motora, interação e comunicação. Verificou-se vínculo saudável com o objeto de conhecimento, percepção saudável da estrutura familiar, ausência de vínculo entre os membros da família, e vínculo comprometido com o ensinante. Conclusão: A avaliação psicopedagógica permitiu uma análise abrangente do sujeito e de sua aprendizagem, e sugestões de encaminhamento ba seadas nos resultados alcançados. UNITERMOS: Psicopedagogia. Diagnóstico. Aprendizagem. Correspondência Márcia Siqueira de Andrade Centro Universitário FIEO- UNIFIEO Programa de Psicologia Educacional Av. Franz Voegeli, 300 – Vila Yara – Osasco, SP, Brasil – CEP: 06020-190 E-mail: [email protected] Leila Santos Batista – Psicopedagoga, mestranda do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Psicolo gia Educacional, Centro Universitário FIEO-UNIFIEO, Osasco, SP, Brasil. Bárbara Gonçalves – Psicopedagoga, Mestranda do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Psico logia Educacional, Centro Universitário FIEO-UNIFIEO, Osasco, SP, Brasil. Márcia Siqueira de Andrade – Doutora em Psicologia Educacional pela PUC/SP, Coordenadora do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Psicologia Educa cional, Centro Universitário FIEO-UNIFIEO, Osasco, SP, Brasil. Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 326-35 326 Avaliação psicopedagógica de criança com alterações no desenvolvimento do processo de aprendizagem, postura clínica, capacidade de observação e instrumentos e métodos adequados5. O objetivo do diagnóstico psicopedagógico clínico é identificar a modalidade de aprendizagem, o nível da escrita e o nível cognitivo. Os instrumentos aplicados no diagnóstico psicopedagógico aqui relatado são descritos no item método e fazem parte do protocolo utilizado na clínica-escola campo desta pesquisa5. INTRODUÇÃO O Código de Ética do Psicopedagogo, no seu artigo 1o, define a Psicopedagogia como “(...) um campo de atuação em Saúde e Educação que lida com o processo de aprendizagem humana: seus padrões normais e patológicos considerando a influência do meio, família, escola e sociedade no seu desenvolvimento, utilizando procedimentos próprios da Psicopedagogia”1. A Psicopedagogia surge para atender a uma demanda específica de auxílio à superação das dificuldades de aprendizagem, atuando de forma preventiva e terapêutica2. A Psicopedagogia se divide em três processos: prevenção, diagnóstico e intervenção. Na prevenção, o psicopedagogo realiza uma investigação institucional, avaliando os processos didáticos e metodológicos aplicados, e a dinâmica dos profissionais, buscando compreender o processo ensino/aprendizagem e propondo alternativas que otimizem os esforços empreendidos pelos envolvidos3. A Psicopedagogia, na forma clínica, busca a promoção da saúde mental auxiliando o indivíduo na superação das dificuldades de aprendizagem, investigando os sintomas, a modalidade de aprendizagem e desenvolvendo atividades interventivas. O atendimento psicopedagógico com uma postura clínica considera a singularidade do sujeito, os aspectos inconscientes envolvidos no não aprender nos seus diversos contextos (biológico, afetivo e cognitivo), além da família e da escola4. O presente estudo se desenvolveu a partir do relato de um processo de Diagnóstico Psicopedagógico numa perspectiva teórica clínica. Modalidade de aprendizagem A forma como cada indivíduo entra em contato com o objeto de conhecimento, a modalidade de aprendizagem, é particular, individual e oferece um saber que é singular para cada indivíduo. A modalidade de aprendizagem é construída desde o nascimento e nas várias si tuações de aprendizagem, constituindo-se como um esquema de operar ou processar as informações6. Com a identificação da modalidade de aprendizagem do sujeito com dificuldades de aprendizagem, o psicopedagogo poderá introduzir a intervenção adequada, que atenda às necessidades específicas do paciente. Para melhor compreensão do processo que resulta em modalidade de aprendizagem, é importante compreender o movimento definido como “adaptação”. Adaptação é o resultado de um duplo movimento complementar de assimilação e acomodação. Por meio da assimilação, o sujeito transforma a realidade para integrá-la às suas possibilidades de ação e, através da acomodação, transforma e coordena seus próprios esquemas ativos, para adequá-los às exigências da realidade7. As modalidades de aprendizagem sintomá ticas são geradas por um desequilíbrio nos movimentos de assimilação e/ou acomodação. O excesso (hiper) ou escassez (hipo) em um desses movimentos afeta o resultado (aprendizagem), ou seja, dificuldades de aprendizagem estão relacionadas a uma hiperatuação ou hipo-atuação de um desses processos8. Quando há o predomínio da assimilação, as dificuldades Diagnóstico Psicopedagógico Clínico O diagnóstico, para o terapeuta, tem a mesma função que a rede para um equilibrista6, ou seja, ele dará o suporte para que o psicopedagogo caminhe de maneira segura durante o processo de intervenção. O sucesso e a eficácia do diagnóstico psicopedagógico pressupõem por parte do terapeuta: profundo conhecimento teórico Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 326-35 327 Batista LS et al. de aprendizagem são da ordem da não resignação, o que leva o sujeito a interpretar os objetos de modo subjetivo, não internalizando as características próprias do objeto. Quando a acomodação predomina, o sujeito não empresta sentido subjetivo aos objetos, antes, resigna-se sem criticidade8. As modalidades de aprendizagem sintomáticas são assim descritas8: • Hiperassimilação: sendo a assimilação o movimento de adaptação que permite a alteração das informações fornecidas pelo meio, para que possam ser incorporadas pelo sujeito, na aprendizagem sintomati zada pode ocorrer um exagero desse mo vimento, de forma que o sujeito não se submete ao aprender. Nesse movimento, há o predomínio dos aspectos subjetivos sobre os objetivos; • Hipoacomodação: a acomodação consiste em adaptar-se para que ocorra a internali zação. A sintomatização da acomodação ocorre pela resistência em acomodar elementos do meio (informações), que pode ser definida como a dificuldade de internalizar os objetos; • Hiperacomodação: se acomodar significa internalizar os elementos do meio (informações), o exagero nesse processo pode levar a uma pobreza de contato com a subjetividade, levando à submissão e à obediência acrítica às normas; • Hipoassimilação: nesta sintomatização ocorre uma assimilação pobre ou baixa, o que resulta na pobreza no contato com o objeto. As informações, ou elementos do meio, são pouco alterados, de forma que não podem ser incorporados pelo sujeito, apenas acomodados. Analisando a forma como operam as modali dades de aprendizagem, existem três grupos de modalidades (organizações) que perturbam o aprender: hipoassimilação-hipoacomodação; hiperassimilação-hipoacomodação; e hipoassimilação-hiperacomodação9. Desenvolvimento Infantil O conceito de desenvolvimento infantil pode ser entendido como um processo que envolve vários aspectos: crescimento físico, maturação neurológica, construção de habilidades relacionadas ao comportamento e às esferas cognitivas, social e afetiva da criança. O desenvolvimento adequado habilita a criança a atender à demanda do meio, tornando-a “competente” para responder às suas necessidades, considerando o seu contexto de vida10. O desenvolvimento infantil relaciona-se diretamente com fatores biológicos e ambientais. Os fatores biológicos estão relacionados a danos ocorridos nos períodos pré, peri e pós-parto, que podem conduzir a deficiências e problemas no desenvolvimento neurológico. Neste grupo estão os distúrbios de ordem genética, malformações congênitas, prematuridade, hipóxia cerebral, meningites e condições da gestação da mãe (uso de drogas, fumo e doenças) que podem impactar o desenvolvimento da criança. Os fatores ambientais estão relacionados à exposição da criança aos estímulos e situações do meio, tais como condições de habitação, higiene, conforto, nutrição, estímulo familiar e vida social11. Neste contexto, a reabilitação é o processo pelo qual a criança com alterações no desenvolvimento poderá ser adequadamente estimulada com o objetivo de melhorar a funcionalidade das suas habilidades físicas, mental e/ou social. Nessa perspectiva, todo trabalho de reabilitação, independente da idade, deve estar centrado nas habilidades da criança, lembrando que sua integridade e dignidade devem sempre ser respeitadas. Para tal, importa que, ao planejar os programas de reabilitação e de apoio, o terapeuta possa impreterivelmente considerar os costumes, possibilidades e as estruturas da família e da comunidade, adequando sua proposta terapêutica às dificuldades e necessidades da criança12. No entanto, para orientar qualquer proposta terapêutica, a avaliação diagnóstica é a primeira etapa. Neste contexto, o objetivo do presente artigo é apresentar o relato de avaliação diagnóstica psicopedagógica de menino encaminhado à Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 326-35 328 Avaliação psicopedagógica de criança com alterações no desenvolvimento clínica-escola por apresentar alterações no desenvolvimento e dificuldades de aprendizagem. zagem, que são específicos e de origem neurobiológica. Assim, dificuldades de aprendizagem podem estar associadas a problemas pedagógicos, sociais, deficiência intelectual ou ser secundários a outros transtornos16. F83: Transtornos específicos misto do desenvolvimento. Esta categoria agrupa transtornos que apresentam ao mesmo tempo sinais de um transtorno específico do desenvolvimento da fala e da linguagem, das habilidades escolares, e das funções motoras, mas sem a predominância suficiente de elementos para constituir o diagnóstico principal13. F98.8: Outros transtornos comportamentais e emocionais especificados com início habitualmente na infância ou adolescência. Inclui sintomas como comer unhas, déficit de atenção sem hiperatividade, enfiar os dedos no nariz, masturbação exagerada e sucção do polegar. MÉTODO Campo da pesquisa A criança, submetida à avaliação psicopedagógica relatada no presente estudo, será tratada pelo nome fictício “Pedro”. Pedro foi atendido pelo serviço de atendimento psicopedagógico, desenvolvido no âmbito de uma clínica-escola de uma instituição particular de ensino superior, localizada na grande São Paulo. A clínica recebe crianças, adolescentes e adultos encaminhados por serviços de saúde e educação e possui um protocolo de avaliação, por meio do qual todos os indivíduos encaminhados são avaliados. Pedro foi atendido em grupo de 5 crianças, da mesma faixa etária (9 anos)5. Participante É estudante do 3o ano do Ensino Fundamental I, com idade de 9 anos, lê e escreve com dificuldade, não apresenta problemas de comportamento e foi encaminhado ao atendimento psicopedagógico pelo Neurologista por apresentar: a) atraso no desenvolvimento neuropsicomotor: refere-se a atraso no desenvol vimento de dois ou mais domínios: mo tricidade, linguagem, cognição, habilida des sociais ou aquelas requeridas em atividades da vida diária, e/ou ainda, uma inadequação no desenvolvimento que impossibilita a saudável sequência de estágios considerados importantes marcadores semiológicos de integridade do sistema nervoso central14,15; b) desatenção: refere-se à dificuldade de concentração ou à falta de atenção; c) dificuldade de aprendizado: refere-se a problemas na aquisição e uso de habilidades como leitura, escrita e matemática, conduzindo a rendimento escolar abaixo do esperado. As dificuldades de aprendizagem possuem etiologias diversas e são distintas dos transtornos de aprendi- Instrumentos Em conformidade com o protocolo implantado na clínica-escola citada, os instrumentos utilizados no processo e considerados para o presente estudo foram5: • Desenho da Família: nessa atividade, observa-se a estrutura familiar, a fim de investigar como se dá a relação entre seus membros como um todo e individualmente; • Desenho da Família Cinética: essa atividade busca compreender como se dá o estabelecimento de vínculos entre os membros da família; • Desenho do Par Educativo: essa prova traz subsídios específicos para a compreensão da relação entre quem ensina, quem aprende, e o objeto de conhecimento, como é percebido pelo sujeito; • Hora do Jogo Diagnóstica: a aplicação dessa prova tem como objetivo geral identificar a modalidade de aprendizagem do sujeito e de analisar como o mesmo se apropria do objeto de conhecimento desejado. Por outro lado, analisa-se, também, como ele lida com o não conhecer, como Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 326-35 329 Batista LS et al. liberados e foi desenvolvida atividade para estabelecimento de vínculo. A sala para atendimento do grupo foi escolhida levando em consideração a necessidade de interação social e comunicação apresentadas por Pedro. A terapeuta escolheu uma sala pequena, com mesa redonda, que proporcionou uma maior aproximação dos integrantes e facilitou a comunicação. Os materiais disponibilizados para realização das atividades foram de uso coletivo, também pensando na proposta de interação social e comunicação. Na segunda sessão, foi aplicado Desenho da Família; na terceira, Desenho da Família Cinética; na quarta, Desenho do Par Educativo; na quinta, entrevista com pais, na sexta, Hora do jogo Diagnóstica; na sétima, Sondagem da escrita; e, por fim, na oitava sessão, Provas Piagetianas. Ao término das sessões de avaliação diagnóstica, os testes foram analisados de acordo com Andrade4 e as informações compiladas em um relatório, cujas informações foram compartilhadas e esclarecidas com o responsável pela criança. ele trabalha com questões cognitivas relacionadas às habilidades mentais de classificar, ordenar e seriar; • Sondagem da Escrita: essa prova tem por objetivo identificar o nível conceitual da escrita do sujeito: se ele já reconhece as letras, se já está alfabetizado ou não e como está seu processo de aquisição da leitura e escrita. Com base em Ferreiro é possível identificar em que nível de aquisição da leitura/escrita o paciente se encontra, dentro das seguintes possibilidades: pré-silábico, silábico, silábico alfabético, alfabético e ortográfico; • Provas Piagetianas: tem por finalidade identificar o estágio do desenvolvimento cognitivo em que o sujeito se encontra. Para isso, foram aplicadas provas de conservação: conservação de pequenos conjuntos discretos de elementos, conservação de quantidades contínuas e conservação de líquido (transvasamento); • Entrevista com os Pais: pretende-se obter o máximo de informação possível sobre a história de vida do sujeito, a relação estabelecida entre ele, enquanto alguém com possibilidades de aprender, e os pais como aqueles que podem ensinar. Tem de se ter em conta não só o que é dito, mas também como é dito, bem como observar a linguagem corporal dos entrevistados. RESULTADOS E DISCUSSÃO A análise da produção do paciente se deu conforme descrito a seguir. Estabelecimento do Vínculo: na primeira sessão, o paciente não interagiu com o grupo. Comportou-se de maneira tímida, introvertida e apresentou problemas na fala (linguagem). Participou da atividade proposta (jogo pega-varetas), porém não demonstrou compreensão das regras. Desenho da Família: após a consigna “desenhe uma família”, Pedro desenhou os três membros da família (ele, pai e mãe); conforme Figura 1, notam-se esquemas corporais empobrecidos, olhos vazados e ausência de braços; observa-se que Pedro se desenhou ao lado da mãe; o tamanho relativo dos personagens foi evidenciado e a produção foi centralizada na folha; por fim, evidencia-se que Pedro desenhou a sua família real, composta por ele, pai e mãe, o que sugere uma percepção de relação saudável entre os membros. Procedimentos O processo de avaliação diagnóstica psicopedagógica ocorreu ao longo de 8 sessões, cada qual com duração de 60 minutos. Para o fortalecimento do vínculo paciente/terapeuta, foram desenvolvidas, ao término da aplicação de cada uma das provas, atividades lúdicas como brincadeiras, jogos diversos, montagem de quebra-ca beça, leitura de histórias e desenho livre. Na primeira sessão, os responsáveis foram informados sobre os procedimentos de avaliação diagnóstica e sobre as normas da clínica-escola. Nessa sessão, foi ouvida a queixa principal dos pais com relação à criança. Após, os pais foram Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 326-35 330 Avaliação psicopedagógica de criança com alterações no desenvolvimento Desenho da Família Cinética: nesta atividade foi solicitado o desenho de uma família fazendo alguma coisa. Pedro desenhou os personagens sem diferenciação de sexo; todos os membros da família num mesmo ambiente, porém cada um fazendo uma coisa diferente. Essa situação sugere comprometimento no vínculo familiar. Desenho do Par Educativo: foi solicitado ao grupo o desenho de alguém aprendendo alguma coisa e alguém ensinando. Pedro se desenhou fazendo uma prova; observa-se no desenho que ele está ao lado de uma folha, com um lápis na mão; a ausência de ensinante sugere vínculo comprometido com quem ensina e não com o objeto de conhecimento (folha de prova); o tamanho do aprendente, o tamanho do objeto de conhecimento e o contato do aprendente com o lápis sugere vínculo saudável com o objeto de conhecimento. Entrevista com os pais: durante a entrevista a mãe relatou que Pedro é autista (apesar dessa informação não constar no relatório médico), tem problemas na fala e dificuldades de socialização. Faz acompanhamento neurológico, fonoaudiólogo e usa os medicamentos Risperidona e Tofranil. Na entrevista, foi evidenciado que Pedro tem um primo (filho de um tio por parte de mãe), com a idade de 7 anos, que também é autista. A mãe relatou que Pedro nasceu de parto normal, sem complicações e começou a falar com 1 ano 2 meses. Hora do Jogo Diagnóstica: após apresentar a caixa, foi solicitado ao grupo para realizar a atividade. Pedro não fez inventário, pegou um livro e ficou folheando, depois pegou a lata de palitos e brincou um pouco, sem demonstrar muita vontade, por fim, fez um desenho, utilizando canetinhas e papel sulfite, porém não terminou. Essa atitude demonstra a dificuldade da criança em se apropriar do objeto de conhecimento desejado; o contato superficial com a caixa e com os objetos oferecidos sugere dificuldades em lidar com a situação e com o não conhecer. Sondagem da Escrita: conforme Figura 2, a escrita de Pedro foi classificada como silábica-alfabética, sem o registro da sílaba de três letras, estando aquém do esperado para a idade, de acordo com a padronização do teste. As palavras ditadas ao paciente foram: elefante, rã, formiga, cachorro e tigre; e a frase foi: “O elefante pisou na formiga”. Frente às Provas Piagetianas, apresentou respostas perceptivas e de não-conservação, quando o esperado para a idade seria uma resposta cognitiva (lógica) e conservativa, próprias do estágio Figura 1 – Desempenho de Pedro na Prova da Família. Figura 2 – Desempenho de Pedro na Sondagem da Escrita. Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 326-35 331 Batista LS et al. do desenvolvimento cognitivo operacional-con creto, adequado a crianças de 7 a 11 anos. No mais, observações gerais com relação ao desempenho, comportamento e conduta do paciente durante o processo foram registradas conforme relato a seguir. Pedro esteve presente em todas as sessões e realizou todos os testes aplicados com dedicação. Utilizou o material de maneira adequada e se mostrou organiza do devolvendo os lápis de cor na caixa correta, guardando borracha e apontador no estojo após o uso e recolocando cadeiras no lugar ao término das sessões. Desde a primeira sessão, Pedro apresentou dificuldades relacionadas à interação social e comunicação (linguagem verbal). Nota-se o comprometimento do desenvolvimento da fala e da linguagem de forma acentuada, conforme descrição da CID-10 F8311. Interagiu pouco com o grupo e com a psicopedagoga, limitando muitas respostas a “sim” ou “não”. Respostas mais complexas, adequadas às perguntas, surgiam apenas quando abordado de forma mais precisa e individualizada, o que sinaliza prejuízos associados às possíveis alterações das funções cognitivas, dentre elas a linguagem, apresentadas pelo quadro (CID-10 F83). Déficits relacionados às funções motoras, descritos na CID-10 F83, foram evidenciados durante a execução das atividades de Sondagem da Escrita, e nos Testes piagetianos, e percebidos também nas brincadeiras e jogos lúdicos (montagem de quebra-cabeça, pega-varetas, entre outras). Prejuízos relacionados à desatenção não foram evidenciados na avaliação, Pedro se mostrou atento às normas e às consignas solicitadas. À medida que os encontros foram se constituindo, Pedro foi se integrando ao grupo, e essa integração pôde ser percebida em atitudes comportamentais, tais como: rir com os colegas diante de uma situação engraçada; chamar a terapeuta pelo nome; expressar o desejo de contar histórias diante dos testes projetivos (família, família cinética e par educativo) e contar sobre sua rotina diária. Mesmo com evidente dificuldade de comunicação e socialização, Pedro não se isolou completamente do grupo. No decorrer dos encontros ao longo do processo diagnóstico, à sua maneira, esteve presente, realizando as propostas e par ticipando das atividades lúdicas (jogos, contagem de histórias, desenho e pintura, dentre outras). Apresentou muitas vezes comportamento motor estereotipado e repetitivo, movimentando dedos e/ou mãos, fazendo caretas, rindo sozinho e evitando contato visual. Demonstrou também, durante a execução das atividades, a fixação por rotinas e regras. Foi principalmente nas atividades lúdicas, a partir da 4ª sessão, que se tornaram evidentes uma melhor compreensão do grupo com relação às dificuldades apresentadas pelo Pedro (co municação e coordenação motora fina). Essa evidência se embasa no auxílio que o grupo passou a prestar, ajudando-o em atividades onde o mesmo demonstrava mais dificuldades, esclarecendo com calma as regras dos jogos e esperando com paciência e respeito a sua resposta ou fala. Com relação à modalidade de aprendizagem, Pedro foi classificado como Hipoassimilativo/ Hipoacomodativo. Na hipoassimilação, ocorre pobreza de contato com o objeto, e déficit lúdico e criativo; na hipoacomodação, além de pobreza de contato com o objeto, ocorre também dificuldade na interiorização das imagens6. Apesar dos déficits e prejuízos apresentados, Pedro cumpriu todas as atividades propostas. A avaliação psicopedagógica demonstrou déficits da aprendizagem da escrita, dificuldades relacionadas à coordenação motora e à comunicação (linguagem verbal), além de prejuízo no desenvolvimento cognitivo. Com relação aos aspectos emocionais, os resultados obtidos a partir das análises da produção da criança sugerem a existência de percepção saudável da estrutura familiar; vínculo saudável com o objeto de conhecimento, percepção de ausência de vínculo familiar, e vínculo comprometido com o ensinante. Essas informações sugerem que, com relação à dimensão afetiva da aprendizagem (dimensão Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 326-35 332 Avaliação psicopedagógica de criança com alterações no desenvolvimento subjetivante), na qual opera a lei do desejo que permite dar um significado à ignorância16, Pedro apresenta potencial de aproximação do objeto do conhecimento para construção e apropriação da aprendizagem. Frente ao desempenho do paciente nas atividades propostas, presume-se que as dificuldades de aprendizagem apontadas pelo relatório médico sejam oriundas, em parte, das alterações no desenvolvimento (CID-10 F83; F98-8), e em parte da falta de atendimento adequado às suas necessidades especiais, considerando a realidade das instituições públicas de ensino e das políticas sociais nacionais. Assim, tendo em vista as dificuldades elencadas, e a importância do funcionamento independente e simultâneo dos aspectos afetivos e cognitivos do pensamento do sujeito que aprende, algumas recomendações para atendimento de Pedro são: scompanhamento psicopedagógico com oferecimento de atividades que contribuam para o desenvolvimento das suas habilidades cognitivas (pensar, simbolizar, perceber, criar, analisar, etc) e sociais (comunicação e linguagem), que favoreçam o desenvolvimento da coordenação motora fina e que possibilitem o processo criativo; e atividades que contemplem os aspectos emocionais e afetivos, favorecendo o contato com o objeto de conhecimento e alimentando o desejo que leva à aprendizagem. É importante também acompanhamento peda- gógico, se possível, individualizado, visando à alfabetização, e um aprofundamento na análise das percepções da criança, a fim de se compreender a sua relação com quem ensina (ensinante). CONCLUSÃO A descrição do processo avaliativo da criança com alterações no desenvolvimento teve como objetivo ilustrar o processo diagnóstico psicopedagógico, seus instrumentos e possibilida des de interpretação de seus resultados. Dessa forma, a avaliação psicopedagógica permitiu uma análise abrangente do sujeito e de sua aprendizagem, contribuindo para a compreen são de como Pedro se coloca na construção do conhecimento, subsídios que auxiliarão ao en caminhamento do caso. A avaliação psicopedagógica deve possibilitar o entendimento das especificidades e necessidades da criança, suas dificuldades, sua relação com o outro e com a aprendizagem, possibilitando delinear ações terapêuticas para atendimento dessas necessidades. Limitações e direções futuras apontam para o fato de que o atendimento em grupo não otimiza o processo de avaliação e o próprio desenvolvimento das crianças, exceto com relação à interação social e comunicação, uma vez que muitas crianças que chegam às clínicas de psicopedagogia podem requerer atenção individualizada para lidar com suas dificuldades. Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 326-35 333 Batista LS et al. SUMMARY Psychopedagogical evaluation of one child with developmental abnormalities: experience report Objective: Present psychoeducational valuation report of child complaint changes in development. The case reported is a boy, 9 years old, attended by clinic-school located in greater São Paulo. The medical report tells developmental abnormalities, specifically developmental delay, learning difficulties with inattention, with a diagnosis of mixed specific developmental disorders and other specified behavioral and emotional disorders with onset usually occurring in childhood and adolescence (F83 and F98-8). Methods: The experience report was drawn from the description of the protocol used for evaluation which consisted of eight sessions in which the instruments were applied: Family drawing, Kinetics family drawing, Educative pair drawing, Diagnostic playtime, Writing survey, Piagetian tasks. Results: The psychopedagogic evaluation showed delayed literacy, and cognitive development, and difficulties in motor coordination, interaction and communication. There was perception of healthy link with the object of knowledge and healthy perception of the family structure, although there was perception of lack of link between family members and impaired with teacher. The psychopedagogic evaluation provided a comprehensive analysis of the subject and their learning, and routing suggestions based on the achieved results. KEY WORDS: Psychopedagogy. Diagnosis. Learning. REFERÊNCIAS 5.Fernández AA. Inteligência aprisionada. Porto Alegre: Artes Médicas; 1991. 6. Weiss MLL. Psicopedagogia clínica: uma visão diagnóstica dos problemas de aprendizagem escolar. Rio de Janeiro: Lamparina; 2012. 7. Paín S. Diagnóstico e tratamento dos problemas de aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas; 1989. 8. Fernández A. Os idiomas do aprendente. Porto Alegre: Artes Médicas; 2001. 9. Khoury LP, Teixeira MCTV, Carreiro LRR, Schwartzman JS, Ribeiro AF, Cantieri CN. Manejo comportamental de crianças com transtornos do espectro do autismo em condições de inclusão escolar – Guia de orientação a professores 2014. Disponível em: http://memnon.com.br/proesp2/assets/proesp2.pdf Acesso em: 23/3/2015. 1.Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp). 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Psicopedagogia 2015; 32(99): 326-35 335 Miller SMC & Ferrari MM ARTIGO ESPECIAL Estratégia de inclusão: resgate da corporeidade no interior das escolas Sandra Maria Correa Miller; Maira Miller Ferrari RESUMO – O presente trabalho faz uma reflexão sobre os caminhos da educação no futuro, centrada na condição humana, sob a égide do princípio da unidade-diversidade proposto por Edgar Morin. Realiza um contraponto entre educação e corporeidade no contexto do sistema oficial de ensino, enfatizando a importância de resgatar o ato motor e o significado da corporeidade em diferentes etapas da educação básica. Reapresenta o papel do corpo como um elemento essencial no processo de aprendizagem e apresenta a valorização da corporeidade e do movimento como estratégias para o sucesso da educação inclusiva e da escola como espaço de convivência, inclusive durante a adolescência, considerando o Ensino Fundamental e Médio. A educação inclusiva é vinculada à busca incessante de proporcionar a autonomia de ser e de saber da(o) educanda(a), valorizando e respeitando o seu conhecimento prévio, sua singularidade e linguagem corporal, visto ser o estudante um sujeito social em construção. UNITERMOS: Inclusão educacional. Percepção. Imagem corporal. Correspondência Sandra Maria Correa Miller Secretaria de Estado do Meio Ambiente Rua Ulysses Jamil Cury, 715 – Distrito Industrial Ulisses Guimarães – São José do Rio Preto, SP, Brasil – CEP: 15092-601 E-mail: [email protected] Sandra Maria Correa Miller – Educadora e Especialista Ambiental da Secretaria de Estado do Meio Ambien te-SP e Psicopedagoga e Educadora do Centro Paula Souza – São José do Rio Preto, SP, Brasil. Maira Miller Ferrari – Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais – Linha: Ambiente e Sociedade – Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), São Carlos, SP, Brasil. Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 336-45 336 Estratégia de inclusão: resgate da corporeidade no interior das escolas na rua, na igreja, no trabalho, na escola e em todos os espaços sociais3. Tem um sentido amplo, extrapola o compromisso com a transmissão de conhecimentos via razão e busca abranger outras dimensões, valorizando os processos criativos4. Henri Wallon, psicólogo e educador, ressalta que é dever da escola oferecer, sem discri minação, o que há de melhor na cultura, pois a interação com o outro e a interação com a cultura ampliam o conceito de socialização5. Nessa visão, para respeitar o aluno é necessário conhecê-lo, identificar sua etapa de formação, não impor limites ao seu desenvolvimento e, principalmente, aceitar que a Educação é uma relação evolutiva em transformação, que deveria tender para a autonomia do aluno6. Em suma, uma forte ética de trabalho cultural é traduzida em maior motivação, zelo e persistência, uma vantagem emocional. O significado básico da palavra emoção é “mover ”7. Goleman7 destaca que o psicólogo Robert Adler investigou e apresentou a descoberta de rotas biológicas que levam a considerar que mente, emoção e corpo não são entidades separadas, mas intimamente interligadas. A vida humana é substantivada por meio do corpo. Ele materializa a nossa existência e é expressão dessa identidade. “Entretanto, as relações que estabelecemos com o nosso corpo estão inseridas e marcadas por uma visão de mundo em que a razão ocupa o centro da cena”4. Contudo, a corporeidade do ser humano é investigada por filósofos, psicólogos, educadores físicos, pedagogos e psicopedagogos, assim como por especialistas da área da saúde. Na Psicopedagogia, por exemplo, é o ato motor no campo da Educação, que leva indubitavelmente à questão da corporeidade. As bases da psicomotricidade, em sua origem, são profundamente reeducativas e com a crescente complexidade das teorias cognitivas, das neurociências e das teorias da afetividade, passou-se a discutir mais objetivamente a integração dessas funções na formação do sujeito e da sua corporeidade, de forma interdisciplinar e transdisciplinar8. Ferreira & Ramos8 indicam INTRODUÇÃO Quais são os caminhos para que a educação possa ser centrada na condição humana e consiga ilustrar o princípio de unidade-diversidade? É a unidade humana que traz em si os princípios de suas diversidades, portanto, unidades complexas como o ser humano ou a sociedade, são multidimensionais. Compreender o humano é compreender sua unidade na diversidade, sua diversidade na unidade. O ser humano é, ao mesmo tempo, biológico, psíquico, social, afetivo e racional e existem condições que permitem interrogações fundamentais sobre o mundo, o ser humano e o próprio conhecimento. Entretanto, para isso, é necessária a reforma do pensamento, uma reforma paradigmática, e não programática. Essa é a questão emergencial da educação, já que se refere à nossa aptidão para organizar o conhecimento1. A educação é um subsistema, e ao mesmo tempo um sistema, ele próprio, confrontado com o sistema global de que faz parte. Está moldado sobre o paradoxo da pessoa humana, a rela ção dialética entre o indivíduo e a sociedade, a parte e o todo, que preocupa todos os sistemas políticos e pedagógicos. A educação da pessoa, como a própria pessoa, é parcialidade e totali dade2. O ser humano é um ser de cultura e o que ele acrescenta à natureza é, basicamente, obra da educação. No futuro, modelos inteiramente diferentes do atual podem acarretar o gradativo desaparecimento do aparelho escolar tradicional. A escola, se sobreviver, será a instância destinada a produzir estímulos, referências e coordenações, atuando, portanto, muito menos por si que por intermédio de outras instâncias2. Entre as contribuições positivas da educação para a sociedade destacam-se duas: a reorganização da cidadania e o desenvolvimento das habilidades, competências para a vida, que permitam menos exclusão e desigualdades sociais e econômicas, levando-se em conta a diversidade e a pluralidade cultural balizadas pelo conhecimento científico, técnico e humanista na formação dos aprendizes. A educação é uma atividade para vida, que ocorre na família, Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 336-45 337 Miller SMC & Ferrari MM que Henri Wallon, Paul Schilder e Ajuriaguerra já dialogavam interdisciplinar e transdisciplinarmente na primeira metade do século XX. Desaprendemos a conviver com a realidade corpórea e a aprender partindo da reversibili dade dos sentidos. Privilegiamos a razão sem corpo. O corpo como elemento acessório no processo educativo ainda é predominante, entretanto, a percepção, compreendida como um acontecimento da motricidade, pode resgatar esse saber. Existem caminhos de compreensão do corpo na educação que buscam ampliar as referências educativas ao considerar a fenomenologia do corpo e sua relação com o conhecimento, incluindo reflexões contemporâneas sobre os processos cognitivos advindos de uma nova compreensão da percepção9. Goldberg10 destaca que, tanto em Freud como em Lacan11, as discussões sobre o conceitos de corpo e percepção configuram um aspecto importante, pois o estudo da percepção é fundamental para se entender a noção de sujeito10. Especialmente nos estudos da percepção apresentados por Merleau-Ponty12, há uma aproximação com a pesquisa científica atual da cognição e, nessa visão, existe a crítica ao conceito mentalista de representação, enfatizando-se a compreensão interpretativa do conhecimento baseada na percepção e no movimento. Esses estudos têm contribuído para ampliar a compreensão de cognição, no sentido de tornar mais claro como acontece a realização do fenômeno conhecer9. Merleau-Ponty12 redimensiona a compreensão de sujeito no processo de conhecimento e essa nova compreensão de sensação modifica a noção de percepção proposta pelo pensamento objetivo, fundado no empirismo e no intelec tualismo10. A cognição emerge da corporeidade, expressando-se na compreensão da percepção como movimento e não como processamento de informações. O movimento tem a capacidade não apenas de modificar as sensações, mas de reorganizar o organismo como um todo, considerando ainda a unidade mente-corpo. Assim, a percepção não apenas decodifica estímulos, linearmente, mas reflete a estrutura do nosso corpo perante o entorno, em contextos múltiplos9. Se o corpo sempre suscitou questões, gerando formulações diversas no interior de tantos campos do conhecimento humano, ele certamente também não deixou de chamar a atenção dos psicoterapeutas, como atesta o sucesso das terapias ditas “corporais”. O corpo toma a frente da cena social13. Entretanto, qual é o lugar, de fato, do corpo na educação básica e formal? A proposta é iden tificar e discutir o conceito da corporeidade no ensino fundamental e médio, em resposta às novas necessidades de transformações exigidas na realidade educacional, que se apresenta em condições inusitadas com o processo de inclusão vigente. Ferreira & Ramos8 propõem a aplicação da psicomotricidade ao atendimento de pessoas com necessidades especiais, na perspectiva da inclusão dessa clientela. E quando Nóbrega9 questiona o lugar do corpo na educação, indaga sobre o modo pelo qual o corpo foi compreendido nos currículos escolares, na construção e apropriação dos saberes na cultura escolar. Por sua vez, o documento construído pelo Ministério da Educação (MEC) e o Ministério do Meio Ambiente (MMA)4 traz recomendações que são aqui destacadas, entre outras: reinventar as relações com o corpo em movimentos de encontro de cada um consigo mesmo; atentar às concepções e práticas de trabalho que reproduzem a cisão entre corpo e mente; pensar um novo modo de funcionamento escolar que permita aprender a respeitar as vontades do corpo; ampliar os espaços e tempos de movimentar-se livremente, assim como relaxar, estar atento à respiração e cuidar da postura. Graciani3 aponta que, no amplo cenário só cio-econômico-cultural, reaparece a educação, cuja má qualidade, a falta de formação de seus agentes, a pouca infraestrutura onde ocorre, dentre outros inúmeros fatores, é responsável também pela pobreza, desigualdade e exclusão social no Brasil, reafirmadas em estudos e pesquisas que comprovam essa relação por falta Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 336-45 338 Estratégia de inclusão: resgate da corporeidade no interior das escolas condições que respeitem as leis que regulam o processo de desenvolvimento, levando em consideração as possibilidades orgânicas e neurológicas do momento e as condições de existência do aluno. A essência do educar é respeitar essa integração no seu movimento constante5. O estudo e a teoria de desenvolvimento de Henri Wallon5,6 facilitou compreender o indivíduo em sua totalidade, mostrando uma visão integrada da pessoa no aluno. Para esse autor, é preciso escapar de um raciocínio dicotômico, motor ou afetivo ou cognitivo, na direção de um raciocínio que apreenda a pessoa como se constituindo dessas dimensões em conjunto. Qualquer atividade motora tem ressonâncias afetivas e cognitivas. Toda disposição afetiva tem ressonâncias motoras e cognitivas, toda operação mental tem ressonâncias afetivas e motoras. Wallon, afirma ainda que a questão fundamental é o estudo da consciência e que o melhor caminho para a entender é buscar sua origem. Para ele a pessoa está continuamente em processo, aberto, sempre a caminho de sua formação e nunca acabado. O resultado é a pessoa individual, única, que ao mesmo tempo em que garante essa integração, é resultado dela. O afetivo e o cognitivo têm sempre como suporte a atividade motora, ou em sua expressão exterior (deslocamento no espaço) ou em sua expressão plástica (a forma do corpo mediante seu tônus), reagem como um todo diferenciado aos estímulos internos e externos5. Entre os pontos que se destacam na Teoria de Wallon está a sua proposta de não limitar a ação da escola na instrução e sim em converter-se em um instrumento para o desenvolvimento e este pressupõe a integração entre todas as dimensões da pessoa inteira5,6. No texto, O Estádio do Espelho11,17,18, Lacan reforça que a apreensão do corpo é prematura em relação ao próprio domínio motor e fisiológico insuficientes da criança. Mesmo antes de nascer, já somos movimento. Esse princípio de vida, pelo movimento, parece não ter espaço na tradição escolar que se serve do corpo como mero instrumento de acesso às faculdades mentais. Cindidos, corpo e mente de condições para o pleno êxito do aprendiz no que se refere ao seu espírito crítico, criativo e participativo, a partir de uma aprendizagem competente e consequente, ampla e inquietan te. Há um movimento em marcha, na sociedade global, onde as manifestações da sociedade civil se propõem a novas crenças e capacidades de organizar-se, mobilizar-se e conquistar por si própria aquilo que os setores públicos não conseguem proporcionar, frente à pobreza e a exclusão3. O médico e educador Decroly foi um dos precursores dos métodos ativos, fundamentados na possibilidade do aluno conduzir o próprio aprendizado e aprender a aprender14. Dedicou-se a experimentar uma escola centrada no aluno, e não no professor, e que preparasse as crianças para viverem em sociedade14,15. Para esse educador, a pedagogia se modifica e se renova a cada idade, e é fundada sobre as relações que se estabelecem entre o indivíduo e a realidade de cada época15. Poderíamos dizer que a educação compreende quatro dimensões básicas: a cidadania, o lazer, o trabalho e a cultura. Cada uma delas, com a sua nota distintiva: a dimensão política, a dimensão criativa, a dimensão social e a dimensão que é chave e síntese das demais – a da consciência significante, através da qual se organiza o universo humano. É evidente que o que distinguimos são apenas predominâncias, já que os quatro aspectos basicamente se confundem6. Ivic16, na obra sobre Vygotsky, traz que todos os instrumentos culturais são “extensões do ho mem”, isto é, são considerados prolongamen tos e amplificadores das capacidades humanas e que “a análise crítica das instituições e dos agentes socioculturais – incluindo uma crítica das instituições escolares – poderia contribuir para determinar as condições nas quais “os instrumentos” socioculturais se tornam fatores de formação do desenvolvimento”16. Se o homem se forma e seu limite é determinado pelo social, a escola, como meio, deve ser um centro de divulgação da cultura, nas diferentes áreas, pois essa diferenciação possibilita um desenvolvimento mais completo e integrado das várias aptidões6. Educar significa promover Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 336-45 339 Miller SMC & Ferrari MM parecem travar batalhas diárias no ambiente escolar19. Podemos apreender o interesse pelo corpo descrito nos Parâmetros Curriculares Nacional para a Educação Infantil (2006)19,20 no eixo de trabalho Movimento. Nesse nível de ensino, vários espaços curriculares e físicos são legalmente previstos para o corpo. O corpo da criança é estimulado pelo toque e por atividades sensório-motoras. Porém, observa-se, na prática e nas disposições legais da Educação Básica, gradativa perda do espaço para o corpo em sala de aula e nos espaços físicos e curriculares da escola como um todo. É notório que há nas escolas pouco interesse em apresentar uma visão integral do corpo, assim como não há discussão em torno da interdependência entre corpo e mente. Portanto, a Educação ainda carece de práticas que ultrapassem o modelo limitado da resposta moral-disciplinadora dos corpos. Em diversas etapas da aprendizagem escolar, é possível apontar diferenças tanto nas proposições pedagógicas quanto na própria atuação dos corpos, de discentes e docentes19. Freire21, inclusive, afirma que os profissionais da Educação necessitam conhecer suas próprias limitações e potencialidades, mantendo um eterno diálogo entre os seus sentimentos e o mundo de forma consciente, buscando compreender o significado de cada uma de suas sensações pelo reconhecimento da importância delas no cotidiano e na estruturação de ações flexíveis em relação aos seus educandos. Para crianças com necessidades educativas especiais o contato com este tipo de profissionais pode representar a diferença entre buscar alternativas para superar suas dificuldades (físicas, sensoriais, mentais e outras) através da possibilidade de reconhecer não apenas os seus limites, mas as suas potencialidades, pois “a experiência do próprio corpo é uma unidade em construção”22. A adolescência, por exemplo, é o tempo de descoberta da falta e do impossível, que atinge o saber. É o tempo da destituição dos pais e da instauração da falta como constitutiva do corpo. O corpo é, então, o primeiro elemento pelo qual se anuncia aquilo que faz a adolescência. É, portanto, aí dentro que há algo a pacificar, a velar. Pacificar esse efeito de real da novidade puberal23. Impulsionado pelas novas necessidades, o jovem alterna e combina o espírito de dúvida e de construção, de invenção, de descoberta, de aventura e de criação. Não se restringe simplesmente à parte do saber, pois, a afetividade predomina nesse período e as leis, mágicas ou científicas, dão ao mundo uma nova dimensão e põem à prova a personalidade do jovem24. Embora cada área do cérebro se desenvolva em ritmo diferente durante a infância, o início da puberdade assinala um dos períodos mais abrangentes de poda neuronal em todo o cérebro. Várias áreas cerebrais críticas para a vida emocional são as de mais lento amadurecimento. Embora as áreas sensoriais amadureçam durante a primeira infância, e os sistemas límbicos, na puberdade, os lobos frontais, sede do autocontrole emocional, compreensão e hábil resposta, continuam a se desenvolver até o fim da adolescência, num momento qualquer entre os dezesseis e os dezoito anos7. O jovem expressa seus sentimentos com o corpo todo. Mímicas, gestos exagerados frequentes, que orientam seu comportamento exterior, traduzindo a falta de habilidade para dominar todo o potencial de que o novo corpo é capaz, com o crescimento acelerado na estatura. De modo geral, é por meio de brincadeiras, risadas, conversas em tom de voz elevado e muita movimentação que o jovem expressa o prazer em estar realizando diferentes atividades24. Tantas e intensas transformações fazem surgir no jovem a necessidade de se apropriar, novamente, de um corpo que se transforma rapidamente e que já não reconhece. Apresenta maior sensibilidade à imagem corporal e surge, então, a necessidade de reorganização do esquema corporal que é condição para a construção da pessoa, de sua personalidade. Reajustar-se ao novo corpo vai exigir do jovem um mergulho para dentro de si e confere uma orientação centrípeta a esse estágio de desenvolvimento. Uma das características mais marcantes da adolescência é a ambiva- Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 336-45 340 Estratégia de inclusão: resgate da corporeidade no interior das escolas lência de atitudes e sentimentos, resultante da riqueza da vida afetiva e imaginativa que traduz o desequilíbrio interior24. Nos cursos de formação em Pedagogia e de Psicopedagogia, há recomendações a respeito da utilização do corpo como instrumento essencial para o desenvolvimento cognitivo e proprioceptivo na Educação Infantil. Porém, esse mesmo corpo, é suscetível a preconceitos e discriminações desde a Educação Infantil, culminando com o “bulling” comum no Ensino Fundamental, marcante na adolescência. E ainda, estudos referentes às diversas síndromes e transtornos de aprendizagem são excluídos do “cardápio” de formação e especialização em Educação. Este fato impulsiona a atenção dos profissionais envolvidos, seja da saúde ou da educação, em direção ao polêmico processo de inclusão em andamento, que gerou até o momento críticas e experiências frustrantes nas instituições escolares. Entendemos, dessa forma, a educação como condição de saúde, por se tratar de processo nos quais subjetividades são produzidas. Saúde é a possibilidade de nos manter criativos, capazes de (re) inventar-nos em todas as situações imagináveis. Dessa forma, a educação pode ser entendida como condição de saúde, por se tratar de processo nos quais subjetividades são produzidas. Como compreender que a questão da inclusão deve ultrapassar os corpos excluídos, se as práticas escolares, como têm se dado, produzem sujeitos desiguais, oprimidos, impotentes, deficientes?25 A fim de encontrar o lugar de cada um no processo de aprendizagem e para contribuir com a afirmação do processo inclusivo no âmbito escolar, propõe-se repensar o ato de aceitação do outro e entender, de forma multidisciplinar, a unicidade de cada corpo na prática pedagógica, independente de deficiências físicas ou necessidades especiais. Desde a Declaração de Salamanca (1994)26, discute-se sobre espaços e formas de inclusão. Profissionais da área da Educação e da Saúde buscaram alternativas no campo psicomotor que pudessem contemplar o sujeito para além de suas necessidades especiais, buscando na interação psique-soma novas formas de comunicação, desenvolvimento emocional e interação social. No campo psicomotor, considera-se relevante o estudo da interação entre a imagem e o esquema corporal e estes são conceitos e objetos precisos da psicomotricidade, cada vez mais discutidos na contemporaneidade. Buscam fugir de velhos paradigmas e apostar no sujeito que está presente8. Ainda segundo a Declaração de Salamanca26, “o princípio fundamental da escola inclusiva é o de que todas as crianças deveriam aprender juntas, independentemente de quaisquer dificuldades ou diferenças que possam ter, acomodando tanto estilos como ritmos diferentes de aprendizagem e deveriam receber qualquer apoio extra que possam precisar, para que se lhes assegure uma educação afetiva”. Na medida em que há uma superação da hierarquização entre pensamento e vida, é possível chegar à seguinte lógica: existem as vivências, e isso é o que há de essencial; existem pessoas pensando as vivências, o que já é algo tardio e existem pessoas a pensar o pensamento. Se a escola não consegue abarcar o mais simples, que é o que há de mais fundamental, como poderá abarcar o mais complexo?27 Educação e Saúde são áreas indissociáveis no atendimento a pessoas com necessidades especiais, porém a ausência de diálogo entre essas áreas é sentida na formulação das políticas e ações governamentais de atenção à pessoa e na organização da prestação de serviços terapêuticos e educacionais. Embora o trabalho com essa clientela seja por princípio de natureza multidisciplinar, verifica-se com frequência uma fragmentação de serviços, em que cada profissional considera sua área prioritária. Se não houver troca de saberes e experiências, in clusive, os futuros profissionais continuarão com uma postura fragmentada e especializada8. O processo de formação se tornou mais um procedimento do que um processo, mais algo externo do que uma vivência. É por meio dessa mentalidade de longa duração, fruto de uma hierarquização, que separa o pensamento da Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 336-45 341 Miller SMC & Ferrari MM vida, que diversas leis foram criadas, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional prevista na constituição, revogado pela Lei nº 9.394 de 199628. Não é possível utilizar o modelo pedagógico da Escola Tradicional para embasar as políticas inclusivas dos séculos XX e XXI, na medida em que é problemática a visão da escola enquanto ambiente, apenas, de “instrução formal”. Uma nova forma de conceber a educação gera uma nova forma de conceber o humano. Inclusão não é submissão, “integração” às normas a que os “normais” estão submetidos27. Segundo Rumpf29, as práticas escolares supervalorizam as operações cognitivas e distancia progressivamente o sujeito da experiência sensorial direta. Para esse autor, a escola, nos últimos 150 anos de processo civilizatório, pretende não somente disciplinar o corpo e, com ele, os sentimentos, as ideias e as lembranças a ele associadas, mas também anulá-lo. Este autor analisou as formas atuais de controle do corpo: nos regulamentos da escola, no conteúdo das disciplinas, nos livros didáticos e nos discursos e hábitos metodológicos do professor30. Alunos em fileiras, professor à frente, livros didáticos, programas de estudo sobrecarregados e falta de motivação, sugerem que, infelizmente, décadas de pesquisa em educação pouco fizeram para mudar nossas escolas. Há avanços, mas, de um modo geral, nossas escolas comportam-se como se Piaget, Vygostky, Freire ou Papert jamais tivessem existido. A maioria concordaria que conhecimento se constrói (Piaget), que a escola precisa fornecer ferramentas de leitura do mundo (Freire), que o “fazer” é um grande instrumento de aprendizado (Papert) e poucos afirmariam que o melhor jeito de aprender é com um aluno sentado durante horas, ouvindo o professor4. Existe inadequação cada vez mais ampla, profunda e grave entre, de um lado, os saberes desunidos, divididos, compartimentados e, de outro lado, as realidades ou os problemas cada vez mais multidisciplinares, transversais, multidimensionais, transnacionais, globais e planetários. O global é mais que o contexto, é o conjunto das diversas partes ligadas a ele de modo inter-retroativo ou organizacional e a sociedade é o todo organizador de que fazemos parte1. A aprendizagem de conteúdos é uma aprendizagem sem corpo, e não somente pela exigência do aluno ficar sem movimentar-se, mas, sobretudo, pelas características dos conteúdos e dos métodos de ensino, que o colocam em um mundo diferente daquele no qual ele vive e pensa com seu corpo. Na escola, constata-se o privilégio dado às operações cognitivas abstratas, dissociando-as da participação corporal e desvinculando-as de experiências sensoriais concretas, além de esquecer o sentido existencial do presente em função de um futuro abstrato30. O ensino, ligado até agora à educação especulativa e verbal, tem de refazer-se no todo para fazer-se prático. É ilusão supor-se que existe oposição entre educação geral e educação prática. O que existe são diversos tipos de educação geral, cada um deles estruturado de modo diferente segundo as condições próprias de cada tipo de sociedade2. “A aprendizagem formal, está presente de corpo inteiro. Pois o ser que pensa é também o ser que age e que sente. O sujeito realiza-se e se constrói movido pela intenção, pelo desejo, pelos sentidos, pela emoção, pelo movimento, pela expressão corporal e criativa31”. “A percepção do corpo é confusa na imobilidade, pois lhe falta a intencionalidade do movimento. A intencionalidade não é algo intelectual, mas uma experiência da motricidade”9. Apesar de filósofos contemporâneos explicarem o corpo na sua totalidade, este não é um problema resolvido. Ao contrário, o resgate da totalidade e, com isso, da corporeidade deve ser uma preocupação perene para aqueles que, de alguma forma, lidam com a questão do corpo e com a educação. “A aprendizagem ocorre via corporeidade em meio à cultura que nos cerca”32. Para responder à pergunta inicial colocada no início desse artigo, quais são os caminhos para que a educação do futuro possa ser centrada na condição humana e que consiga ilustrar o princípio de unidade/diversidade em todas as Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 336-45 342 Estratégia de inclusão: resgate da corporeidade no interior das escolas esferas? Buscou-se realizar um contraponto entre educação e corporeidade no contexto do sistema oficial de ensino; resgatar o ato motor e o significado da corporeidade em diferentes etapas da educação básica; reapresentar o papel do corpo como um elemento essencial no processo de aprendizagem e apresentá-lo como estratégia para o sucesso da escola inclusiva e como espaço de convivência, inclusive durante a adolescência, no Ensino Fundamental e Médio. e jovens sem pensar nas deficiências e necessidades especiais do sistema educacional vigente? A escola, como parte do sistema, apresenta deficiências que deveriam ser sanadas para acolher toda diversidade de ser que nela adentra. E constata-se como um agravante que os espaços educadores, na contemporaneidade, ainda estão impregnados do conceito do dualismo cartesiano, cisão entre corpo e mente. Contudo alguns autores citados, entre outros, apontam há muito tempo caminhos e descaminhos presentes na Educação, na tentativa de superar este modelo ainda arraigado na sociedade ocidental. O ato motor reconsiderado e a corporeidade valorizada no fazer pedagógico, como estratégia no processo de inclusão, de socialização e difusão de cultura, especialmente no Ensino Fundamental, contribuiria para amenizar dificuldades relacionadas ao processo de aprendizagem, minimizando deficiências e carências presentes no próprio sistema educacional e no subsistema Escola e poderia ganhar significado na prática incipiente da inter e a transdisciplinaridade. Como aponta Nóbrega9: “ler, escrever, contar, narrar, dançar, jogar são produções do sujeito humano que é corpo”. A gestualidade e os cuidados com o corpo podem e devem ser tematizados nas diferentes práticas educativas propostas nos currículos e viabilizados por diferentes disciplinas. Afinal, a educação inclusiva é vinculada à busca incessante de proporcionar a autonomia de ser e de saber da(o) educanda(a), valorizando e respeitando o seu conhecimento prévio, sua singularidade e linguagem corporal, visto ser o estudante um sujeito social em construção. CONSIDERAÇÕES FINAIS Inicialmente, podemos considerar que na Educação estamos diante de dois desafios: o primeiro deles é responder à pergunta que se estende há anos: “qual escola que queremos?” E, finalmente, começar a “co-responder” por meio de uma prática efetiva. Considera-se o fato de que há subsídios teóricos em quantidade e diversidade para sustentar a prática. O outro e, talvez, o maior desafio para um sistema educacional padronizado, sempre será a “unicidade do ser”. No cotidiano escolar é possível conferir a singularidade de cada um. O que possibilita argumentar: se cada ser é único e diferente do outro, não se deveria trabalhar a questão da diversidade apenas quando se depara com um processo de inclusão no âmbito escolar. Este deveria ser um processo planejado e permanente para não proporcionar o constante paradoxo inclusão/exclusão. Durante reflexões sobre possíveis contribuições à inclusão, a questão que se apresenta à frente é: como pensar em inclusão de crianças Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 336-45 343 Miller SMC & Ferrari MM SUMMARY Inclusion strategy: rescue of embodiment within schools This work is a reflection on the education of paths in the future, centered on the human condition, under the aegis of the principle of unity-diversity proposed by Edgar Morin. Performs a counterpoint between education and corporeality in the context of the official education system, emphasizing the importance of rescuing the motor act and the meaning of corporeality in different stages of basic education. Restates the body’s role as an essential element in the learning process and presents the valuation of corporeality and movement as strategies for the success of inclusive education and the school as living space, including during adolescence, considering the elementary and high school. Inclusive education is linked to the incessant quest to provide autonomy to be and to know the student, valuing and respecting their prior knowledge, their uniqueness and body language, as it is the student a social subject in construction. KEY WORDS: Mainstreaming (Education). Perception. Body image. REFERÊNCIAS 9. Nóbrega TP. Qual o lugar do corpo na educação? Notas sobre conhecimento, processos cognitivos e currículo. Disponível em: http:// www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext& pid=S0101-73302005000200015 Acesso em: 27/01/2015 10. Goldberg L. Percepção e corpo. Rev Filosofia-ciência&vida. 2014;VIII(98):15-23. 11. Lacan J. Escritos (1966). Trad. Ribeiro V. 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Psicopedagogia 2015; 32(99): 336-45 345 AARTIGO lves RJR de & Nrevisão akano TC A dupla-excepcionalidade: relações entre altas habilidades/superdotação com a síndrome de Asperger, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade e transtornos de aprendizagem Rauni Jandé Roama Alves; Tatiana de Cássia Nakano RESUMO – A “dupla-excepcionalidade” pode ser definida como a presença de capacidades superiores em uma ou mais áreas, que ocorre conjuntamente a deficiências ou condições tidas como incompatíveis a essas capacidades. O presente estudo objetivou apresentar e discutir a presença das Altas Habilidades/Superdotação (AH/SD) na Síndrome de Asperger (SA), Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e nos Transtornos de Aprendizagem (TA). Comportamentos sociais e criatividade mostraram-se características fundamentais para diferencia ção ou diagnóstico concomitante da SA e AH/SD. Em relação ao TDAH, verificou-se que comportamentos característicos a esse transtorno também podem ser observados nas AH/SD. Os TA representam o diagnóstico mais incomum de ser realizado em conjunto às AH/SD, pois corriqueiramente o bom desempenho acadêmico é atrelado à superdotação. UNITERMOS: Inteligência. Criatividade. Síndrome de Asperger. Trans torno do deficit de atenção com hiperatividade. Transtornos de aprendizagem. Correspondência Rauni Jandé Roama Alves PUC-Campinas – Programa de Pós-Graduação em Psicologia Av. John Boyd Dunlop, s/n – Jardim Ipaussurama – Campinas, SP, Brasil – CEP: 13060-904. E-mail: [email protected] Rauni Jandé Roama Alves – Psicólogo, doutorando em Psicologia, Pontifícia Universidade Católica (PUC) – Campinas, Campinas, SP, Brasil. Tatiana de Cássia Nakano – Psicóloga, professora dou tora do programa de pós-graduação em Psicologia, Pontifícia Universidade Católica (PUC) – Campinas, Campinas, SP, Brasil. Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 346-60 346 A dupla-excepcionalidade Faz-se notar que uma grande parcela de pro fissionais das mais diversas áreas, desde a educação até a saúde, corriqueiramente não possui preparo teórico e/ou clínico para o reconheci mento de que sujeitos com algum tipo de dé ficit possam possuir melhores habilidades do que aqueles com desenvolvimento considerado normal9. Os educandos continuam sendo “categorizados” e atendidos, em sua grande maioria, apenas por suas dificuldades10. Os modelos prevalentes de avaliação cognitiva, principalmente em âmbito nacional, frequentemente também apresentam foco em características de ficitárias (como, por exemplo, em expectativas estereotipadas de baixo desempenho, em atrasos desenvolvimentais, nos déficits em oportunida des e experiências, nas visões restritas de su perdotação e nas preocupações específicas com a deficiência), mesmo quando realizados interdisciplinarmente3. Pouca atenção tem sido dada ao quadro oposto, marcado pela alta habilidade em alguma área ou mesmo para uma possível dupla-excepcionalidade. Além disso, nota-se um despreparo na ope racionalização das práticas previstas nas legislações, somadas à grande quantidade de concepções equivocadas acerca do fenômeno e problemas na formação docente, de modo que prejuízos podem ser notados não somente no reconhecimento, mas também na forma como rea bilitar e estimular esses quadros11. Justifica-se, assim, a importância do trabalho com todos os profissionais que lidam direta e principalmente com crianças, os quais devem ser incentivados com o objetivo de ampliar seu papel na indicação e atuação em relação àqueles que possuam a dupla-excepcionalidade12. Neihart13 afirma que é possível se observar a existência de três grandes grupos de crianças duplamente-excepcionais com AH/SD, os quais exigem características diferentes para identificação e formas de intervenção. O primeiro grupo engloba aqueles em que a alta capacidade linguística possibilita bons desempenhos no ensino infantil, mas os níveis de desempenho e realização diminuem conforme a elevação das INTRODUÇÃO A “dupla-excepcionalidade” pode ser definida como a presença de alta performance, talento, habilidade ou potencial, ocorrendo em conjunto com uma desordem psiquiátrica, educacional, sensorial e física1. Envolve, também, a ideia de que pessoas que demonstram capacidades superiores em uma ou mais áreas poderiam apresentar ao mesmo tempo deficiências ou condições incompatíveis com essas características2. Como exemplo, na área cognitiva, pode-se citar casos em que crianças possuem Altas Habilidades/Superdotação (AH/SD) juntamente com transtornos do neurodesenvolvimento, como a Síndrome de Asperger (SA), Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), Transtornos de Aprendizagem (TA), dentre outros3. A literatura aponta que o reconhecimento dessa dupla condição é, sobretudo, resultado de observações clínicas, muito mais do que de estudos teóricos e empíricos, haja vista também que até o momento nenhuma teoria específica tenha sido elaborada para explicá-la 4. Esse tema vem se constituindo cada vez mais em uma área de grande interesse científico, mesmo com a escassez de estudos no Brasil, e tem sido tomado como detentor de grande potencial para a compreensão mais global da população com necessidade educacional especializada5. Especificamente em relação às AH/SD, ainda é comum em práticas institucionais observar-se o mito de que os indivíduos que as possuem não apresentam dificuldades educativas, emocionais, comportamentais ou especiais6,7, mesmo estando inclusas pela lei brasileira como uma condição que necessita de atendimento educacional especializado8. De acordo com material disponibilizado pela Organização dos Estados Ibero Americanos (www.oei.es/quipu/brasil/educ_especial.pdf), de 2012, é papel da educação especial ser “uma modalidade de ensino destinada a educandos portadores de necessidades educativas especiais no campo da aprendizagem, originadas quer de deficiência física, sensorial, mental ou múltipla, quer de características como altas habilidades, superdotação ou talentos”. Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 346-60 347 Alves RJR & Nakano TC exigências do currículo escolar, principalmente quando relacionadas à área da dificuldade, tornando os déficits mais evidentes. O segundo grupo é referente a crianças que apresentam dificuldades percebidas precocemente, as quais, muitas vezes, acabam mascarando seus talentos. Tais crianças são encaminhadas frequentemente para salas de reforços, mas não para as de aceleração de suas potencialidades e talentos. Por fim, há crianças cujos talentos mascaram as dificuldades, atuando de forma a impedir a percepção e estimulação do seu potencial, as quais podem, inclusive, nunca serem identificadas. Ainda de acordo com o autor, de forma geral, os comportamentos, atitudes e realizações de crianças com essas características não se assemelham com as comumente atribuídas a pessoas com habilidades cognitivas desenvolvidas, pelo contrário, são comuns aspectos como: resistência e comportamentos perturbadores em sala, hiperatividade, negativismo, desempenho abaixo da média em leitura, escrita e matemática, imaturidade social, etc. McEachern & Bornot14 verificaram que esse último seria o grupo mais prevalente desse tipo de dupla-excepcionalidade, e atingiria cerca de 41% da população com esse quadro. Reconhe ce-se, assim, a possibilidade de existência de diferentes modos da superdotação, bem como a heterogeneidade dos indivíduos que compõem esse grupo15. Nesse sentido, Kalbfleisch & Iguchi5 propõem que três grandes áreas devem permear o atendimento e pesquisa sobre essa dupla-excepcio nalidade: (a) identificação apropriada, (b) intervenção e (c) suporte emocional e social. Na primeira estariam os cuidados a serem tomados na identificação do quadro, considerando-se principalmente que o processo de identificação é complexo e envolve, além de dados psicométricos, a utilização de uma variedade de recursos11,16, os quais contemplam análises clínicas do histórico do indivíduo, resultados de uma bateria de conhecimentos, teste de inteligência e de criatividade, indicadores de processamento cognitivo e observações comportamentais, assim como avaliação de pais e professores. Tais informações podem auxiliar na decisão acerca da pre- sença de critérios indicativos da dupla excepcio nalidade, já que muitas vezes os testes podem não apresentar claramente esse perfil, exigindo experiência dos que estiverem envolvidos na avaliação. Entretanto, Kerr & Sodano17 chamam a atenção para o fato de que, muitas vezes, infelizmente, após todo o processo avaliativo, os resultados da avaliação das AH/SD mostram-se inconclusivos, apontando que alterações devem ser feitas também na própria estrutura dos instrumentos, cujos processos de validade preditiva e de normatização deveriam ser realizados de modo a contemplar essa população específica, considerando-se suas especificidades18. Na segunda área, da intervenção, há algumas modalidades de programas que vêm sendo implementados e estudados em diferentes países no atendimento às necessidades de pessoas com AH/SD, dentre eles: programas de enriquecimento curricular, programas de aceleração e programas de treinamento19-21. No caso da dupla-excepcionalidade, independentemente do programa, a literatura tem reforçado a necessidade de se investigar como realizar a estimulação das habilidades e a superação das dificuldades, ambas ocorrendo concomitantemente. Estratégias que possam envolver as habilidades na superação das deficiências são uma das táticas que devem ser abordadas. Infelizmente, na prática, essas ações não atingiram todas as escolas ou cidades do Brasil, pois há ainda problemas na identificação desses alunos2. Em relação ao suporte emocional, deve-se tomar um grande cuidado em relação a esses in divíduos duplamente excepcionais. A literatura tem apontado que grandes dificuldades emo cionais, comportamentais e sociais podem apa recer em comorbidade a esses casos, mas que frequentemente somente aspectos cognitivos são levados em consideração em processos de avaliação e intervenção8,13,20,22-24. Por outro lado, pesquisas vêm investigando como a forte motivação, aliada à utilização de estratégias de coping, permite a compensação das dificuldades em muitos casos5,25. Considerando-se as características gerais que foram expostas até o momento sobre a dupla-ex Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 346-60 348 A dupla-excepcionalidade os mais evidentes: prejuízo grave e persistente na interação social; desenvolvimento de padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses e atividades; alto poder de memorização e velocidade de raciocínio relacionados às atividades repetitivas; nenhum atraso significativo no desenvolvimento da linguagem; não há atrasos clinicamente significativos no desenvolvimento cognitivo (inteligência) ou no desenvolvimento de habilidades de autoajuda apropriadas à idade26. Atualmente, está inclusa dentro do Transtorno do Espectro Autista, sendo sua nomenclatura considerada em desuso pelo Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-V)27. Tendo como foco estudos sobre a SA e a dupla-excepcionalidade, primeiramente aqueles teóricos e de levantamento bibliográfico, pode-se citar o estudo realizado por Neihart28. A autora destaca a alta frequência de relações feitas entre essa síndrome e as AH/SD, muitas vezes sem base científica, tanto na própria literatura como no senso comum, provavelmente em razão de que, em alguns casos, os indivíduos que apresentam SA também apresentam inteligência acima da média. A autora aponta, também, que clinicamente são verificadas dificuldades na rea lização do diagnóstico das AH/SD em crianças com SA, pois esse tipo de autismo muitas vezes está relacionado à dificuldade de aprendizagem, ao contrário do que é frequentemente pensado, sendo tal dificuldade usualmente focada na avaliação e no diagnóstico, não havendo a preo cupação em identificar as AH/SD. Nesse sentido, a autora propõe que algumas observações mais centrais sejam realizadas para que haja o correto diagnóstico da dupla-excepcionalidade entre a SA e as AH/SD (SA/AH/SD): unidos a critérios diagnósticos para AH/SD, devem ser observadas também maiores dificuldades de mudança de rotina e de contato social, ausência de compreensão de abstrações (considerando tudo “ao pé da letra”), maiores complicações de ordem motora e estereotipias. Outras características que podem ser observadas em sujeitos com essa dupla-excepcionali- cepcionalidade envolvendo as AH/SD, o presente estudo, teórico, foi proposto. Dessa forma, objetivou-se apresentar e discutir a presença das AH/SD em transtornos que mais comumente acometem a infância, especificamente a SA, TDAH e nos TA3,18, a partir de uma revisão da literatura. MÉTODO Foi realizada revisão da literatura de estudos teóricos e empíricos sobre a dupla-excepciona lidade. Investigaram-se livros (presentes na biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Campinas), bases de dados eletrônicas nacionais (Scientific Electronic Library Online e a base de teses e dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e internacionais (American Psychological Association, Education Resources Information Center, PubMed e Scopus). Nas bases de dados foram utilizados e cruza dos os seguintes descritores na busca das publicações: dupla-excepcionalidade, inteligência, autismo, Síndrome de Asperger, Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, TDAH, transtornos de aprendizagem, dificuldades de aprendizagem, superdotação, altas habilidades; nas bases internacionais foram utilizadas suas respectivas traduções em inglês. Foi delimitado tempo de busca de 2000 a 2015. Foram selecionadas as investigações que possuíssem no título os descritores citados, bem como seus objetivos de análise tivessem sido a ocorrência da dupla-excepcionalidade nesses casos. Os aspectos metodológicos e resultados que compunham essas produções foram brevemente descritos e formaram o corpo das três principais seções desse artigo: discussões sobre a dupla-excepcionalidade na (1) SA, no (2) TDAH e nos (3) TA. Ao final de cada seção, foi realizado um resumo dos achados encontrados considerados mais relevantes sobre cada temática. DUPLA-EXCEPCIONALIDADE EM TRANSTORNOS DA INFÂNCIA Síndrome de Asperger A SA diferencia-se do autismo clássico e possui critérios diagnósticos próprios, sendo Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 346-60 349 Alves RJR & Nakano TC dade são apontadas por Alencar & Guimarães29, Horn30 e Norris & Dixon31: discurso fluente aliado a um pensamento original e analítico (na SA pura haveria um discurso mais pedante e menos coeso); assim como somente ocorre na SA, nesses indivíduos haveria uma maior dificuldade em comportamentos que envolvam empatia e expressão da afetividade; são criativos com jogos de palavras e em trocadilhos, mas o humor estará alterado, não entendendo piadas e situações que exigiam maior abstração (comumente isso não ocorre em crianças com AH/SD puramente); as dificuldades no contato social serão frequentes, corriqueiramente esses sujeitos falarão incessan temente sobre um tema de interesse sem perceber a reação do outro (o que não acontece com aqueles que possuem somente AH/SD). Dentro desse quadro duplamente-excepcional, importante estudo foi conduzido por Vieira & Simon32, tendo como objetivo o levantamento das publicações científicas sobre a temática, entre os anos de 2000 a 2011, em livros, artigos e teses pertencentes a diversas bases de dados nacionais e internacionais. A partir desse estudo, as autoras pretendiam conhecer as características comuns e diferentes dos sujeitos com SA e AH/ SD. Para tanto, agruparam as características em quatro categorias: cognição, interação social, comportamento adaptativo e comunicação. Cate gorias semelhantes também foram apontadas por Simões et al.33. Sobre a primeira categoria, a cognição, as se melhanças compartilhadas entre SA e AH/SD seriam a ausência de atrasos significativos na linguagem e desenvolvimento cognitivo, assim como presença de fluência, precocidade em lin guagem falada e escrita (hiperlexia), vocabulário sofisticado, linguagem sofisticada e formal, de senvolvimento superior em determinada área de interesse e desenvolvimento não equiparado entre cognitivo e social/afetivo. Em indivíduos com AH/SD, diferentemente daqueles que apresentam SA, encontrar-se-ia um maior desenvolvimento das seguintes habilidades: alto grau de curiosidade, atenção concentrada, interesse por problemas filosóficos, morais, políticos e sociais, assim como originalidade para resolver problemas, e, consequentemente, criatividade - sendo essa última uma das principais características que os diferenciam32. Em relação à área da interação social, as autoras destacam que, ao contrário de sujeitos que possuem AH/SD, os sujeitos com SA apresentam comprometimento grave e persistente nesse quesito, com dificuldades em se colocar no lugar do outro, rigidez de pensamento, dificuldade em discernir a ficção da realidade e dificuldade em perceber o perigo. Em relação ao comportamento adaptativo, enquanto sujeitos com AH/SD mostram-se independentes, autônomos, perfeccionistas, persistentes, contrários a atividades curriculares regulares e questionares de regras, os sujeitos com SA usualmente mostram comportamentos restritos e estereotipados, área única de interesse intenso, movimento repetitivo, contato visual mínimo, respostas afetivas inadequadas, passividade, agressividade, apego a rotina32. Por fim, dentre as características de comunicação mais comumente observadas nos indivíduos com SA, e que não se fazem presentes nas AH/SD, estariam as dificuldades para iniciar ou manter conversa, o discernimento de um assunto como adequado, a falta de linguagem corporal adequada, a incapacidade de interpretar a linguagem corporal e expressões faciais alheias, a fala pedante e exagerada, as dificuldades em identificar diferenças e variedade de sons da linguagem (prosódia)32. Apesar disso, costumam-se diferenciar-se do autismo clássico, quando há a dupla-excepcionalidade em ambos os diagnósticos, por melhores desempenhos em habilidades verbais do que em matemática (essa última seria mais desenvolvida no autismo clássico)34. Em relação aos estudos especificamente empíricos, primeiramente pode-se citar o conduzido por Mettrau et al.35, que teve como objetivo avaliar o Quociente de Inteligência (QI) de 100 crianças diagnosticadas com SA, por meio da Escala Wechsler de Inteligência para Crianças – 3a Edição (WISC-III). Os resultados demonstraram que 5 crianças obtiveram classificação muito superior (QI acima de 130), tanto no QI verbal Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 346-60 350 A dupla-excepcionalidade como no de execução (com exceção de um sujeito classificado como superior nesse último, com 129 pontos de QI), assim como nos índices fatoriais de velocidade de processamento, resistência à distração, organização perceptual e compreensão verbal, todos com classificação muito superior. As autoras concluíram que, dentre algumas poucas crianças diagnosticadas com SA, pôde-se verificar a dupla-excepcionalidade. Em estudo desenvolvido por Guimarães36, foi investigado o desenvolvimento, características cognitivas e socioemocionais de um indivíduo com SA (sexo masculino, 11 anos, estudante do 5o ano do Ensino Fundamental na escola regular e frequentador de sala de recursos para AH/SD). Os dados coletados por meio de entrevistas e documentos, assim como acompanhamento das atividades realizadas pelo sujeito, apontaram para uma inteligência superior, habilidades em diferentes áreas (português, língua estrangeira, ciências, matemática, informática e desenho), concomitantemente à presença de dificuldades emocionais e sociais, claramente concluído como um caso de dupla-excepcionalidade. A autora finaliza argumentando que, quando há a dupla-excepcionalidade, pode haver benefícios significativos para a melhora do nível adaptativo do transtorno, principalmente por as AH/SD fornecerem bases importantes para a superação das dificuldades apontadas. Verificou-se, de forma geral, que em relação à SA e às AH/SD, os estudos visaram diferenciar e entender a integração desses diagnósticos que são frequentemente considerados altamente correlacionados, desmistificando essa afirmação, assim como a de que todo SA apresentaria inteligência superior. O comportamento social foi um dos indicadores mais marcantes e importante de ser investigado mais detalhadamente, assim como também comportamentos de comunicação e emocionais, para que o diagnóstico diferencial de ambos os diagnósticos, principalmente quando houver suspeita de dupla-excepcionalidade, seja bem realizado. Esse comportamento se mostrou em prejuízo sempre quando há a SA, mesmo acompanhada das AH/SD. Já a criativi- dade se mostrou como um indicativo cognitivo importante de ser observada em um processo avaliativo, pois corriqueiramente não estará de senvolvida em casos puros de SA, ao contrário do que ocorreria nos casos de AH/SD. Transtorno de Déficit de Atenção e Hipera tividade O TDAH caracteriza-se por um padrão persis tente de desatenção e/ou hiperatividade, mais frequente e grave do que aquele tipicamente observado em indivíduos em nível equivalente de desenvolvimento. Pode-se apresentar em três grupos: predominantemente desatento, predominantemente hiperativo/impulsivo e combinado. Esses sintomas interferem diretamente em atividades da vida diária, sendo um dos transtornos mais comuns da infância27. Em relação aos estudos teóricos e de revisão bibliográfica que envolveram a dupla-excepcionalidade entre o TDAH e as AH/SD (TDAH/AH/ SD), pode-se citar primeiramente o realizado por Kaufmann et al.37, que verificaram que, apesar de condições diferentes, apresentam inúmeras habilidades semelhantes, tais como uma fala rápida, impulsividade, alta sensibilidade à estimulação ambiental, intensa curiosidade, tendência a misturar realidade e ficção, comportamentos exacerbados, constantes queixas comportamentais por parte de seus cuidadores, e dificuldades de ajustamento a novos ambientes. Hosda et al.38 também afirmaram que os sujeitos com AH/SD ou TDAH apresentam comportamentos aparentemente semelhantes, fato que causa equívocos na caracterização e na identificação de ambos os quadros. Muitos comportamentos típicos do TDAH (tais como agitação constante, problemas em permanecer sentado, distração, respostas impulsivas, dificuldade em terminar tarefas, desorganização e exposição a riscos) também podem ser apresentados por alunos com AH/SD, devido principalmente a fatores como frustração, atividades pouco desafiadoras, currículo escolar insuficiente e procedimentos inadequados de ensino-aprendizagem. Como exemplo, a agitação, principal característica do Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 346-60 351 Alves RJR & Nakano TC TDAH, costuma se manifestar nas AH/SD quan do o conteúdo que está sendo desenvolvido em sala de aula já é de conhecimento, ou quando o indivíduo conclui suas tarefas em sala de aula e está em período ocioso. A diferença situar-se-ia no fato de que nas crianças com TDAH a agitação está presente na maioria dos ambientes que frequenta e naquelas com AH/SD somente em contextos que fujam da área do seu interesse, sendo comum serem observados questionamentos relacionados a uma curiosidade ou conhecimento fora do que está sendo debatido. Tem-se, então, que a impulsividade e hiperatividade possam ser características de ambos os quadros, mas se diferenciam principalmente em relação à frequência e intensidade, assim como as ocasiões em que acontecem8. Ainda que semelhanças possam ser encontradas entre ambos os quadros, Hosda & Romanowski39 e Antshel et al.40 defendem a existência de características específicas para quando estiverem associados. O sujeito que apresentar TDAH/ AH/SD poderá ter um desempenho acadêmico inconstante, o que corriqueiramente não acontece com aqueles que possuem somente AH/SD, além de prejuízos em habilidades motoras finas e, consequentemente, na escrita, como em indivíduos somente com TDAH. Poderá ser obser vada também área de interesse relacionada a conhecimentos não acadêmicos41. Esses sujeitos apresentarão maior facilidade na aquisição de um conhecimento, mais rapidamente que um sujeito com apenas o TDAH37. Interessantemente, em estudo exploratório realizado por Silva42, foi encontrada a prevalência de 37,8% de sintomas de TDAH em crianças com alta inteligência. Os sujeitos que possuem ambas as condições podem ser reconhecidos somente por um padrão de comportamento durante o processo de avaliação, o que será prejudicial para um bom prognóstico. Budding & Chidekel43 apontam que um dos grandes diferenciais de uma criança que possui apenas TDAH ou apenas AH/SD para uma criança que possua o TDAH/AH/SD é o desempenho criativo e o pensamento divergente, que tendem a estar mais desenvolvidos nesse último quadro e deverão ser detalhadamente observados no processo avaliativo. Outro cuidado apontado refere-se à avaliação da inteligência, visto que alguns autores44 observaram que os testes comumente aplicados no grupo com TDAH tendem a não demonstrar seus verdadeiros potenciais intelectuais, de modo que o aspecto clínico deve prevalecer sobre o raciocínio nos testes a serem utilizados, sem desconsiderar como os comportamentos característicos do TDAH podem influenciá-los e, dessa forma, facilitar a identificação das AH/SD. Em termos de resultados empíricos, Germani45 estudou crianças que apresentavam AH/ SD, TDAH e TDAH/AH/SD. O objetivo de sua pesquisa foi investigar quais padrões de comportamento seriam semelhantes e diferentes entre os três grupos. A metodologia utilizada foi a qualitativa, baseada em análise de entrevistas realizadas com os professores, pais e com as próprias crianças. Após análise de tais entrevistas, foram organizadas oito categorias de comportamento: (1) aprendizagem; (2) relacionamento social entre seus pares; (3) motivação e persistência; (4) criatividade; (5) organização e planejamento; (6) atenção e memória; (7) regras e comunicação e (8) interesses e/ou habilidades. Foram verificadas muitas diferenças entre os diagnósticos de AH/SD e TDAH em praticamente todas as categorias. Entre os quadros de TDAH/AH/SD e AH/SD foram verificadas maiores diferenças nas categorias 1, 5, 6 e 7, com melhor desempenho do último grupo. Entre os quadros de TDAH/ AH/SD e TDAH foram vistas poucas diferenças, mais em relação às categorias 4 e 7, com piores desempenhos das crianças com TDAH, a autora afirma que a observação de tais categorias poderá ser decisiva em um processo de avaliação. Também Ourofino & Fleith8 desenvolveram estudo com o objetivo de comparar alunos com AH/SD, TDAH e TDAH/AH/SD em relação a criatividade, inteligência, autoconceito, déficit de atenção e hiperatividade/impulsividade, comportamento antissocial e dificuldades de aprendizagem. Participaram do estudo 114 crianças, sendo 52 com AH/SD, 43 com TDAH e Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 346-60 352 A dupla-excepcionalidade 19 com TDAH/AH/SD. Os resultados indicaram diferenças significativas entre as crianças dos três grupos em favor dos que possuíam AH/SD em praticamente todas as habilidades investigadas, com diferença estatística significativa nas medidas de inteligência, autoconceito e criatividade (originalidade verbal). As crianças com TDAH apresentaram um escore mais elevado nas medidas de desatenção, hiperatividade/ impulsividade, comportamento antissocial e dificuldades de aprendizagem, em comparação aos outros grupos. Especificamente em relação ao grupo com dupla-excepcionalidade quando comparado ao grupo com TDAH houve somente uma diferença: apresentaram resultado maior em inteligência. Por outro lado, em estudo realizado por Fugate et al.46, foi encontrado um outro perfil de di ferença em criatividade. Os autores realizaram uma investigação que teve por objetivo avaliar e comparar a memória de trabalho e criatividade de alunos com AH/SD (n=20) e TDAH/AH/SD (n=17). Foram encontradas diferenças significativas em memória de trabalho, com os alunos TDAH/AH/SD apresentando pior desempenho. Foram encontradas diferenças significativas em criatividade também, porém com o grupo TDAH/ AH/SD apresentando melhores desempenhos, ao contrário do que visto no estudo anterior. Foley-Nicpon et al.47 buscaram examinar a autoestima e autoconceito de crianças e adoles centes com TDAH/AH/SD. Os dados foram coletados em 112 sujeitos, com idade entre 6 e 18 anos, identificadas como tendo alta capacidade cognitiva (QI de 120, percentil 91, ou superior), sendo que 54 também preenchiam critérios diagnósticos para TDAH. Os autores verificaram que os alunos TDAH/AH/SD apresentaram menores escores em medidas de autoestima e autoconceito do que os que possuíam somente AH/SD. Além disso, as crianças relataram maior felicidade geral do que os adolescentes, em ambos os grupos. Whitaker et al.48 realizaram uma investigação que buscou identificar possíveis diferenças entre processos estratégicos de memória verbal entre crianças com AH/SD, TDAH/AH/SD e TDAH; 125 participantes foram avaliados por meio da Escala de Inteligência Wechsler para Crianças (4a Ed.) e o California Verbal Learning Test para crianças (CVLT-C). Os resultados revelaram diferenças significativas entre os grupos, com as crianças TDAH/AH/SD obtendo pontuações mais baixas no CVLT-C em comparação às crianças que possuíam somente AH/SD, mas escores mais altos do que aqueles que possuíam somente TDAH. Verificou-se que o TDAH e AH/SD, muitas vezes, compartilham comportamentos semelhantes e que, corriqueiramente, são atribuíveis somente ao TDAH. A presença contextual de com portamentos de desatenção, impulsividade e hiperatividade se mostrou como um dos principais focos de investigação no diagnóstico, tanto para diferenciá-los como para considerá-los concomitantes. No TDAH, eles tenderiam a ser mais generalizados, nas AH/SD se apresentariam quando os sujeitos são expostos a situações já conhecidas (como, por exemplo, uma atividade escolar) e, consequentemente, não motivadoras. A criatividade também se mostrou como um foco rico de investigação quando ocorre a dupla-ex cepcionalidade, uma vez que, em alguns estudos, a identificaram como desenvolvida e outros não, quando comparada a casos de AH/SD puros. De modo geral, tal habilidade encontrou-se mais desenvolvida em casos de TDAH/AH/SD do que em casos puros de TDAH. Além disso, foi encontrado um estudo sobre memória verbal, que apontou piores desempenhos de crianças com TDAH/AH/SD quando comparadas a crianças com AH/SD. Transtornos de aprendizagem Os TA caracterizam-se como dificuldades na aprendizagem e no uso de habilidades acadêmicas, com substancial desempenho abaixo do esperado para idade cronológica, que não devem ser explicadas por deficiências intelectuais, acuidade visual ou auditiva não corrigida, outros transtornos mentais ou neurológicos, adversidades psicossociais, falta de proficiência na língua de instrução acadêmica ou instrução Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 346-60 353 Alves RJR & Nakano TC educacional inadequada. Podem ser encontrados também sob as nomenclaturas de “distúrbios de aprendizagem”, “dislexia” (para transtorno específico de leitura), “discalculia” (para transtorno específico de matemática) e “disgrafia” (para transtorno específico de escrita)27. Em estudos teóricos e de levantamento bibliográficos relacionados à dupla-excepcionalidade nos TA, pode-se citar primeiramente os realizados por Fetzer49, Lovett50 e Silverman51, que verificaram que os TA constituem diagnósticos que mais raramente são reconhecidos como passíveis de acompanhar um quadro de AH/SD. Atualmente, os modelos mais atuais na área das AH/SD permitem que sujeitos com dificulda des acadêmicas também possam receber esse diagnóstico15,52-54. De forma geral, autores apontam os seguintes comportamentos como característicos de crianças TA/AH/SD55-57: ao contrário do que é frequentemente visto em crianças que possuiriam somente AH/SD, costumam ser consideradas crianças desleixadas, desorganizadas e com dificuldades em memória, dentro do ambiente escolar; frequentemente fracassam em atividades que exijam atividades de leitura, escrita e/ ou aritmética, esperadas para sua série e idade escolar; apresentariam maior disposição à depressão e ansiedade que crianças que somente possuam TA; necessitam de um tempo maior para realização de atividades acadêmicas do que uma criança somente com AH/SD; possuem alta produção criativa; possuem facilidade em atividades que envolvam processamento visual, como quebra-cabeças; apresentam facilidade em atividades que envolvam pensamento abstrato; bom vocabulário; boa percepção de condutas sociais; são observadoras; apresentam-se motivados em tarefas que exijam a resolução de problemas não acadêmicos; autoconceito mais rebaixado que uma criança com AH/SD. De acordo com Baum58 e Baum et al.59, as crianças com TA/AH/SD podem ser divididas em três grupos: (1) que apresentam claramente um determinado talento e sutis dificuldades de aprendizagem; (2) aquelas em que não fica clara a presença de ambos os quadros, pois suas ha bilidades mascarariam suas dificuldades e proporcionariam um desempenho acadêmico mediano; (3) aquelas que possuem claramente ambas as características, desde o início de seu desenvolvimento e vida escolar. O primeiro grupo seria facilmente diagnosticado, em razão de seu alto desempenho, principalmente em testes de QI. No entanto, conforme os sujeitos se desenvolvem, as discrepâncias entre o desempenho acadêmico e inteligência começam a ficar mais evidentes. Nos anos escolares iniciais, nos quais há um maior tempo para realização das atividades, maior ênfase na independência e na compreensão daquilo que está sendo trabalhado, esses estudantes, muitas vezes já possuidores do diagnóstico de AH/ SD, apresentariam também bom desempenho escolar. No entanto, com o passar do tempo, por exemplo, costumariam impressionar seus professores por suas altas habilidades em linguagem oral, enquanto que, na linguagem escrita (especificamente leitura, escrita e soletração), o desempenho ficaria cada vez mais rebaixado (quando houver um transtorno com dislexia ou disgrafia). Seus cuidadores e educadores, frequentemente, acreditam que, caso as crianças se desempenhem individualmente em superar as dificuldades, as farão sem maiores problemas. Porém, se realmente possuírem algum TA, isso não irá ocorrer, e causará confusão e muitas demandas emocionais para todos os envolvidos, principalmente para as crianças58,59. No segundo grupo estariam aquelas crianças que não costumam ser diagnosticadas nem com TA nem com AH/SD. Suas altas capacidades estariam constantemente trabalhando de forma a superar as dificuldades acadêmicas, no caso o TA mascararia a AH/SD e vice-versa. Seus talentos e habilidades costumariam aparecer em alta demanda em forma de criatividade para diversos modos de aprender, ao contrário de crianças sem dificuldades de aprendizagem com AH/SD, que investiriam seu potencial em desempenhos que estariam além do esperado para seu nível de desenvolvimento. De acordo Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 346-60 354 A dupla-excepcionalidade com Lovett & Sparks60, deve-se ainda tomar cuidado com a análise dos testes psicométricos utilizados na avaliação, pois essas habilidades também podem mascarar desempenhos em instrumentos de medida de habilidades escolares. Esses estudantes são os mais difíceis de serem diagnosticados, pois não necessitam tão claramente de atendimento especializado (sejam por suas habilidades, quanto por suas dificuldades). Os TA frequentemente serão descobertos no ensino médio ou quando adultos, quando ao acaso têm contato com informações do que seria um TA, identificando-se58,59,61. As crianças pertencentes ao último grupo frequentemente são identificadas em grupos de atendimento a TA. Os profissionais que lidarão com crianças com TA/AH/SD ainda não identificadas com AH/SD poderão observar inúmeras habilidades antes nunca observadas, como na resolução de problemas cotidianos (inter e intrapessoais), habilidades musicais, científicas, filosóficas, entre outras. Em contextos fora do ambiente escolar, elas costumam ser bem mais evidenciadas. Durante um processo diagnóstico, a investigação dessa diferença de desempenho em diferentes contextos deverá ser criteriosamente realizada, já que, muitas vezes, na escola não há oportunidade para que haja expressão desses potenciais. De forma geral, esse seria o grupo mais afetado em aspectos emocionais, pois convivem constantemente com a percepção de suas dificuldades desde o início de sua vida escolar. Sentimentos mais introspectivos até comportamentos inadequados no contexto escolar podem ser observados58,62,63. Infelizmente, ainda é senso comum a ideia de que quando há AH/SD dificuldades acadêmicas não existirão64. Salienta-se que o acompanhamento realizado por profissionais especializados em aprendizagem é recomendado também para crianças com AH/SD, por se tratar de crianças em pleno desenvolvimento e que, consequente mente, possam vir a apresentar desempenhos incompatíveis com o que seja o esperado. As difi culdades de aprendizagem num quadro de AH/ SD poderão ser decorrentes de inúmeros fatores, como um despreparo pedagógico para lidar com esse diagnóstico, problemas emocionais e sociais, ou mesmo a existência de TA. Cada um necessitará de intervenções específicas, sendo dessa forma essencial para profissionais que as acompanharão (e não menos importante para aqueles que as avaliarão) o conhecimento de que todos esses fatores possam coexistir concomi tantemente65. Em relação a estudos empíricos, pode-se citar primeiramente o realizado por Foley-Nicpon et al.66. Os autores buscaram identificar o conhecimento sobre a dupla-excepcionalidade dentro da comunidade educacional e psicológica, mais especificamente de profissionais que trabalham diretamente com a população de alunos com necessidades educacionais especializadas. Para isso, um questionário on-line, com 14 perguntas, foi respondido por 317 profissionais. Os resultados indicaram que os educadores estavam mais familiarizados com as legislações dentro da sua área de especialização (por exemplo, educação de superdotados ou de deficientes), assim como demonstraram mais conhecimento empírico que teórico sobre o tema. Por sua vez, os profissionais da Psicologia estavam mais familiarizados com o uso de programas de ava liação e intervenção, como os do modelo de Response to Intervention (RtI). Interessantemente, por meio de programas de Rti, McCallum et al.67 verificaram que esse modelo de avaliação/intervenção seria uma ferra menta importante na identificação de crianças com TA/AH/SD. Para isso, aplicaram RtI em 1242 crianças com alta inteligência. Os resultados indicaram a prevalência de 5,48% das crianças com dificuldades em matemática e 4,83% em leitura. De modo geral, concluíram, por meio de análises de discrepância, que 10% da amostra necessitariam de uma avaliação mais aprofundada sobre suas dificuldades, a fim de verificar um possível transtorno de aprendizagem. Gilger et al.68 compararam exames de imagem de ressonância magnética funcional (fMRI) durante a realização de tarefas de rima, leitura e processamento espacial em adultos com Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 346-60 355 Alves RJR & Nakano TC dislexia, com AH/SD, com AH/SD e dislexia e controle. Os resultados evidenciaram que o grupo duplamente-excepcional apresentou redes neurais semelhantes às do grupo que somente possuía dislexia durante a realização de todas as tarefas, assim como encontrado em outro estudo realizado Gilger & Olulade69. Por sua vez, o grupo com AH/SD apenas apresentou redes neurais semelhantes ao do grupo controle. Os autores concluíram que as AH/SD, quando em conjunto com a dislexia, não modificam as redes de leitura corriqueiramente alteradas nesse transtorno. Berninger & Abbott70 e Viersen et al.57 verificaram que, muitas vezes, as AH/SD podem mascarar o baixo desempenho em habilidades escolares de crianças com dislexia, mas que, no entanto, quando avaliadas habilidades cog nitivo-linguística, como de processamento fo nológico, são encontrados prejuízos. Foram ainda encontrados trabalhos de es tudos de caso. Chakravarty 71 e Kim & Ko 72 apontaram para o fato de que, de modo geral, indivíduos com TA/AH/SD apresentariam como característica desempenho criativo acima do que é observado em casos puros de AH/SD. Especificamente em relação à dislexia, os autores afirmam que, provavelmente, esse padrão seria explicado por condições cerebrais: o hemisfério direito seria mais desenvolvido, principalmente o lobo parietal, sendo tal condição responsável pelo talento e por produções criativas. Chakravarty73 cita alguns casos famosos de AH/SD, como o de Leonardo Da Vinci e de Albert Einstein, que provavelmente possuíam dislexia, e argumenta que tal diferença anatômica cerebral po deria estar presente. Por fim, dentre os achados mais interessantes, verificou-se que o quadro de TA/AH/SD seria um dos diagnósticos mais incomuns de ocorrência, pois a AH/SD está comumente atrelada a um bom desempenho acadêmico, relação essa desmistificada por estudos mais atuais na área da superdotação. Como visto, em razão da AH/SD, os TA podem se manifestar de diversos modos quando em conjunto e mascarar um ao outro, é preciso que muitas vezes acompanhamentos com caráter avaliativo sejam realizados longitu dinalmente, tanto para aquelas crianças com diagnósticos realizados transversalmente de um quadro ou outro. Verificou-se que, quando houver TA/AH/SD, a criatividade provavelmente estará desenvolvida. Estudos de caso, com especulações teóricas sobre grandes pensadores tidos como superdotados, apontaram a criatividade frequentemente como desenvolvida quando há a dupla-excepcionalidade TA/AH/SD, mais do que em um quadro puro de AH/SD. CONCLUSÕES Os estudos apresentados aqui apontaram para diferentes padrões de comportamentos característicos das AH/SD quando concomitantes a SA, TDAH e TA. Percebeu-se que as pesquisas buscaram investigar padrões cognitivos esperados, que possam ser semelhantes ou diferentes, em cada quadro duplamente-excepcional, sendo dado maior foco à comparação com casos puros de AH/SD. Fez-se notar que essa dupla-condição é passível de existência em termos probabilísticos, e que as avaliações devem possuir extrema atenção a detalhes, como respostas maquiadas em testes psicométricos, verificar possíveis habilidades em diversos ambientes, assim como ser proposta uma investigação mais longitudinal, sendo realizada uma intervenção com características também avaliativas, como ocorre em programas de RtI. Observou-se que a criatividade foi uma das habilidades mais frequentemente investigadas quando houve a comparação entre grupos, com resultados apontando que ela deve ser considerada um foco de extrema importância durante o processo avaliativo. Principalmente quando se comparou grupos puros com AH/SD com grupo de indivíduos duplamente-excepcionais, a criatividade mostrou-se estar desenvolvida em ambos, com algumas vezes melhores desempenhos no segundo grupo. Esse dado se torna importante devido ao fato de que crianças são encaminha das, avaliadas e passam por intervenções so mente por suas dificuldades, e que mesmo com testes indicando alto QI, suas habilidades ficam Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 346-60 356 A dupla-excepcionalidade abordados. Outros transtornos e deficiências são passíveis de serem estudados dentro da proposta da dupla-excepcionalidade, além de também ser possível abordar outras características desenvolvidas, não somente as AH/SD. De qualquer forma, acredita-se que o presente estudo atingiu seus objetivos, e, além disso, espera-se que promova ainda mais o reconhecimento de que habilidades possam estar desenvolvidas em quadros considerados debilitantes. em segundo plano ou, muitas vezes, não são identificadas, em todos esses procedimentos. Vale lembrar que, tanto a criatividade como a inteligência são consideradas elementos constituintes das AH/SD dentro dos modelos explicativos mais atuais desse fenômeno15,53,54,74, e ambas devem ser analisadas para que haja um diagnóstico mais completo, como o da identificação da dupla-ex cepcionalidade. Como limitação do presente estudo tem-se o número limitado de estudos e transtornos SUMMARY The twice-exceptionality: relations between giftedness with Asperger’s syndrome, attention deficit hyperactivity disorder and learning disorders The “twice-exceptionality” can be defined as a presence of high capacity in one or more areas occurring along deficiencies or conditions incompatible with these capabilities. This study aimed to present and discuss the presence of the Giftedness (GF) taking place concurrently in Asperger Syndrome (AS), Attention Deficit Disorder and Hyperactivity Disorder (ADHD) and Learning Disorders (LD). Social behavior and creativity proved to be as fundamental characteristics for differentiation or concomitant diagnosis of AS and GF. In relation to ADHD, it was found that this characteristic behavior disorder may also be observed in GF. The LD was the most unusual diagnosis to be held in conjunction with GF, commonly due to academic performance be linked giftedness. KEY WORDS: Intelligence. Creativity. Asperger syndrome. Attention deficit disorder with hyperactivity. Learning disorders. REFERÊNCIAS 5. Kalbfleisch ML, Iguchi CM. Twice-exceptio nal learners. In: Plucker J, Callahan CM, orgs. Critical issues and practices in gifted education. Waco: Prufrock Press; 2008. p.707-20. 6. Antipoff CA, Campos RHF. Superdotação e seus mitos. Psicol Esc Educ. 2010;14(2):301-9. 7. Fleith DS. Altas habilidades e desenvolvimento socioemocional. In: Fleith DS, Alencar EMLS, eds. Desenvolvimento de talentos e altas habilidades: orientação a pais e professores. Porto Alegre: Artmed; 2007. p.41-50. 1. 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Psicopedagogia 2015; 32(99): 346-60 360 O brincar na clínica psicopedagógica ARTIGO DE REVISÃO O brincar na clínica psicopedagógica Rosanita Moschini; Iara Caierão RESUMO – O presente artigo visa apresentar aspectos do brincar rela cionados com a clínica psicopedagógica, com base na revisão de literatura acerca da temática, em complementaridade com a prática psicopedagógica. As reflexões baseiam-se na importância de se estabelecer um espaço de jogo na clínica psicopedagógica visando a qualificação do processo terapêutico, como um espaço de criatividade. UNITERMOS: Psicopedagogia. Aprendizagem. Jogos e Brinquedos. Correspondência Iara Caierão Av. Venâncio Aires, 1119, cj 09 – Porto Alegre, RS, Brasil CEP: 90040-193 E-mail: [email protected] Rosanita Moschini – Psicopedagoga; Mestre em Edu cação (UFSM); Especialista em Infância e Família (UFRGS) e Orientação Educacional (UNINTER); Li cenciada em Pedagogia (UNISINOS); Membro do Grupo Didático Psicopedagógico, Coordenado por Alícia Fernàndez (2011-2015); Membro da Diretoria da ABPp-RS, Gestão 2011–2013 e 2014-2016; Docente em Cursos de Pós-Graduação em diversas IES; Assessora e Consultora em Educação, Porto Alegre, RS, Brasil. Iara Caierão – Psicopedagoga; Doutora em Educação (UFRGS); Mestre em Educação (PUCRS); Licenciatura em Pedagogia – Habilitação em Supervisão Escolar; Habilitação em Letras/UPF; Membro Comissão Cien tífica ABPp Nacional; Presidente ABPp-RS Gestão 2011-2013; 2013-2016. Docente em Cursos de Pós-Gra duação em diversas IES. Assessoria Psicopedagógica a Secretarias Municipais de Educação, Porto Alegre, RS, Brasil. Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 361-5 361 Moschini R & Caierão I INTRODUÇÃO A valorização da autoria de pensamento é, sem dúvida, emergente nos tempos atuais, acompanhada da capacidade de estar a sós e ao desenvolvimento da potência do brincar. O presente artigo busca tecer algumas considerações acerca da importância do brincar e na criação do espaço potencial, enfocando este conceito no espaço terapêutico psicopedagógico no que tange as dificuldades de aprendizagem. Enquanto psicopedagogos, compreendemos que se faz necessário nutrir a própria autoria e a permissão para o brincar, a fim de descobrir nossa singularidade, nossa diferença, nossa marca e, partindo disso, abrir espaços potenciais. Só assim é possível construir esses espaços em tempos que se acredita que as máquinas tendem a substituir-nos como sujeitos pensantes e desejantes. Assim, torna-se imperioso nosso trabalho de abrir espaços de criatividade1. Para Winnicott2, qualquer que seja a definição que tenhamos a respeito de criatividade, ela deverá incluir a ideia de que a vida só é digna de ser vivida quando a criatividade forma parte da experiência vital do indivíduo. “Para ser criativa, uma pessoa tem que existir e sentir que existe”. Para esse autor, a criatividade é o “fazer que surge do ser. Indica que aquele que é, está vivo”. O impulso poderá estar adormecido, mas quando a palavra “fazer” se torna apropriada, então já há criatividade. Nesse sentido, o brincar e a criatividade são inseparáveis, pois brincar (e não o brinquedo) implica, sempre, em criar. Portanto, para que o aprender se constitua como processo significativo, há que conter os elementos da arquitetura lúdica, ou seja, a curiosidade, o desafio, o desejo, o prazer no processo, a produção (e não o produto) e a síntese. Essa síntese não precisa ser conclusiva, mas síntese de um percurso em que a palavra substitui o fazer. Ao fazer meu, um conhecimento estou (re)criando-o, (trans) formando-o e (in)corporando-o, caso contrário trata-se apenas e tão somente de (in)formação. Reconhecer o brincar como potência é essencial para quem faz mediação psicopedagógica. a O ESPAÇO DE JOGO COMO POTENCIALIZADOR DA APRENDIZAGEM Entender o espaço de jogo no atendimento psicopedagógico como um espaço de criativida de, no qual estão envolvidos o brincar, o paciente e o terapeuta, é primordial quando pensamos em constituição psíquica e desenvolvimento da imaginação. É por meio desses espaços lúdicos que os espaços de pensamento serão efetivos, assim, sendo capaz de autorizar-se a ressignificar sua história sem perder a memória (recordação) do passado. Para Rodulfo3, não há no brincar apenas uma função, pois, “nos diferentes momentos da ação subjetiva, observaremos variantes e transformações na função do brincar”. Alinhado à perspectiva de Winnicott2, o autor insiste no conceito brincar, pois, diferentemente de brinquedo, que remete a um produto de certa atividade, o brincar, no infinitivo, indica seu caráter de produção. O autor argentino diz que o brincar se constitui no fio condutor “que podemos tomar para não nos perdermos na complexa problemática da constituição subjetiva. (...) não há nenhuma atividade significativa no desenvolvimento da simbolização da criança que não passe vertebralmente por ele (o brincar)”. Já Huizinga4 também dá ênfase ao caráter processual, mas o termo por ele adotado é “o jogo” e não o “brincar”. Para ele o jogo é uma fun ção significante que encerra um determinado sentido em si mesmo e, nas diferentes concepções do jogo, há nelas um elemento comum: “todas elas partem do pressuposto de que o jogo se acha ligado a alguma coisa que não seja o próprio jogo, (...) pois, o jogo seja qual for sua essência, ela não é material”. Quanto à limitação de tempo e espaço, a segunda é mais flagrante, pois todo e qualquer jogo acontece no interior de um campo previamente delimitado, seja de maneira concreta ou imaginária, mas há essa delimitação, por vezes com precisão. Nessa perspectiva, é possível dizer que a floresta, a fazendinha e os planetas têm todos a forma e a função de territóriosa de jogo, em cujo lugar se respeitam Prefere-se o termo território ao invés de terreno, pois o conceito de território remete a uma apropriação do espaço: espaço habitado, espaço apropriado por alguém, espaço que se faz seu. Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 361-5 362 O brincar na clínica psicopedagógica Para tanto, só há possibilidade de haver a construção do saber, se o indivíduo for capaz de jogar com o conhecimento. Por isso a importância de entendermos o espaço de jogo não relacionado a um ato e sim a um processo. Winnicott2 chama de espaço transicional, espaço de confiança de criatividade. Transicional entre o crer e não crer, entre o dentro e o fora. O espaço transicional é o único onde se pode aprender. Espaço transicional e espaço de aprendizagem são coincidentes, como destaca Fernàndez6. Para construir um saber, para se apropriar de um conhecimento, devemos jogar com a informação e relativizá-la, sendo certa e sendo não certa. É neste processo que irá se construir o espaço de criação, a possibilidade de transformar o objeto, de acordo com a experiência individual e, por sua vez, deixar-se transformar pela inclusão do objeto. A capacidade de jogar, reordenar, tomando, separando, com ideias, com informações, é fundamental no processo de aprendizagem, pois a criança que não realiza tais ações em território lúdico terá, possivelmente, dificuldade em fazê-lo em espaço escolar. Na clínica psicopedagógica, é perceptível nos atendidos um déficit no jogar, correlacionado com o déficit na aprendizagem. Na medida em que potencializamos o brincar no tratamento psicopedagógico, a partir de um espaço de confiança, vão-se modificando a rigidez, estereotipias das modalidades de aprendizagem. “A Psicopedagogia, cuja função é mediar o processo de aprendizagem de quem se encontra impossibilitado de fazê-lo e resgatar o prazer de aprender fazendo-se autor do seu próprio aprender, encontra na ação do brincar os principais fundamentos para a sua prática emancipatória com crianças, pois não há como fazer Psicopedagogia fora da perspectiva lúdica, já que lúdico implica construção, autoria e prazer7”. determinadas regras. Mundos temporários, efêmeros, fugazes, mas não menos real. Agamben5, no capítulo “O país dos brinquedos: reflexões sobre a história e sobre o jogo”, utiliza o termo “brinquedo” e “brincadeira” para designar o lúdico na sua dimensão processual. Nessa altura e com a entrada do jogo e da brincadeira no cotidiano, o tempo passa a ter outra dimensão. Há dois tempos: o tempo do calendário, do reló gio, da repetição e o tempo do jogo que altera completamente essa estrutura lógica do tempo real. “O jogo carrega na sua essência a esfera do sagrado; por meio dele o homem conserva o passado – com o qual as crianças brincam”. O jogo, para o autor, transforma e fragmenta toda a estrutura em eventos e rompe a conexão entre o passado e o presente. O jogo transforma a sincronia (do tempo rígido e ritual) em diacronia. Contudo, se houvesse uma sociedade que tomasse o tempo pela perspectiva do jogo como referido pelo autor no país dos brinquedos, as horas poderiam correr como faíscas ou aconteceria como a roda de Íon, que gira em chamas por toda a eternidade. O tempo do brincar é o tempo da alma, da fantasia e do poder, pois em território lúdico a criança se empodera e realiza o que, no cotidiano, se sente impedida ou limitada para fazer. Num passe de mágica se transforma em personagens bons ou maus, mas geralmente mais fortes que elas, como podemos ver na letra da canção “João e Maria”, de Chico Buarque: “Agora eu era herói e o meu cavalo só falava inglês e a noiva do cowboy era ... além das outras três (...)”. Mas como brinca uma criança em sofrimento? Como lida com o descompasso de suas apren dizagens e de sua atenção fragmentada? De acordo com Fernàndez1, quando nos en contramos ante um sujeito que padece de um pro blema de aprendizagem, tal tarefa não só se faz mais imperiosa, como tem, por sua vez, especificidades. A inteligência, a elaboração objetivante, participa da tarefa autobiográfica e, por sua vez, a realização de tal obra alimenta a inteligência. Necessitamos da inteligência para construir nossa autoria e, reciprocamente, para crescer, a inteligência precisa de um sujeito que se assuma autor. Com isso, podemos considerar que o objeti vo do trabalho psicopedagógico é auxiliar a recuperação do prazer perdido de aprender e a Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 361-5 363 Moschini R & Caierão I brincar possibilita o desenvolvimento das significações de aprender, o que na criança se expressa por meio da atividade lúdica6. Estabelecemos a hora do jogo no primeiro momento do processo de diagnóstico psicopeda gógico, antes da primeira reflexão interdiscipli nar, para assim termos uma aproximação inteligência-desejo-corporeidade, a partir da qual optaremos pela necessidade ou não de observar outros aspectos. De acordo com Fernández6, a Hora do Jogo Psicopedagógica “supera a dicotomia dos testes projetivos, pois ajuda a observar em seu operar, aqueles aspectos que tradicionalmente foram estudados de forma isolada e somente em seus produtos (testes de performance, psicomotricidade, maturidade visomotora, etc.). A Hora do Jogo permite observar a dinâmica da aprendizagem”. autonomia do exercício da inteligência, a partir da recuperação do prazer de jogar. Nessa perspectiva, Caierão7 afirma que, é na arquitetura lúdica realizada pela criança, no ato dinâmico do brincar, que colhemos significativos elementos para conhecer e compreender o funcionamento cognitivo do sujeito e a partir dele realizar a devida intervenção psicopedagógica. Assim, frente ao processo de diagnóstico psicopedagógico, temos dentre outros momentos um que é de grande importância: a Hora do Jogo. Na sessão intitulada Hora do Jogo, a criança não está jogando (uma vez que responde a ordem para que brinque), mas nos mostrando como pode jogar. Por isso um dos parâmetros de obser vação na Hora do Jogo Psicopedagógica vai ser o mostrar-ocultar-esconder6. Como afirma Winnicott2, “é no jogo que a criança relaciona as ideias com a função corporal”. Portanto, é através do jogo que a criança vai expressar agressão, para adquirir experiência, para controlar a ansiedade, para estabelecer con tatos sociais como integração da personalidade e por prazer. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir das considerações acima, podemos afirmar que, entender o brincar como um processo e um espaço de criatividade, portanto potencial e de aprendizagem, é fator primordial quando se trata da clínica psicopedagógica. Para tanto, faz-se necessário buscar compreen der como se estabelece o brincar e os espaços transicionais, para, assim, compreender como se dá a constituição psíquica e, consequentemente, o desenvolvimento da imaginação. O processo de autoria está intimamente vinculado ao processo de aprender, assim como o aprender está relacionado à capacidade de jogo, de tomar para si o objeto e transformá-lo, recriá-lo construindo novos significados, novas possibilidades e novas aprendizagens. HORA DO JOGO PSICOPEDAGÓGICA A Hora do Jogo no setting psicopedagógico tem como objetivo compreender alguns processos que podem ter levado às dificuldades de aprendizagem, uma vez que o espaço de aprendizagem e de jogar são coincidentes; ambos os processos têm nome analogizáveis (inventário – organização – integração); a modalidade desen volvida no jogo e o tipo de tratamento do objeto lançam luz sobre a cena de aprendizagem; o Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 361-5 364 O brincar na clínica psicopedagógica SUMMARY The play in clinic psychopedagogical This article presents aspects of playing-related psychoeducational clinic, based on a review of literature on the theme, complementing the psychoeducational practice. The reflections are based on the importance of establishing a space game in psychoeducational clinic aiming to qualify the therapeutic process as a space for creativity. KEY WORDS: Psychopedagogy. Learning. Play and Playthings. REFERÊNCIAS 5. Agamben G. Infância e história: destruição da experiência e origem da história. Belo Hori zonte: Editora UFMG; 2005. 6. Fernàndez A. A inteligência aprisionada: abor dagem psicopedagógica clínica da criança e sua família. Porto Alegre: Artmed; 2008. 7. Caierão I. Hora do jogo: a arquitetura lúdica como instrumento de avaliação psicopedagógica. In: Scicchitano RMJ, Castanho MIS, eds. Avaliação psicopedagógica: recursos para a prática. Rio de Janeiro: Wak Editora; 2013. 1. Fernàndez A. Os idiomas do aprendente: análise das modalidades ensinantes com famílias, escolas e meios de comunicação. Porto Alegre: Artmed; 2001. 2. Winnicott DW. O brincar & a realidade. Rio de Janeiro: Imago; 1975. 3. Rodulfo R. O brincar e o significante: um estudo psicanalítico sobre constituição precoce. Porto Alegre: Artes Médicas; 1990. 4. Huizinga J. Homo ludens. São Paulo: Perspectiva; 2001. Trabalho realizado na Associação Brasileira de Psico pedagogia – Seção Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil. Artigo recebido: 10/11/2015 Aprovado: 8/12/2015 Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 361-5 365 Pavão SMO Cezar APF ARTIGO de&revisão Educação Superior: vicissitudes da ação psicopedagógica Sílvia Maria de Oliveira Pavão; Amanda do Prado Ferreira Cezar RESUMO – Objetivo: Discutir as vicissitudes da intervenção psico pedagógica direcionada aos estudantes da Educação Superior. Método: Abordagem qualitativa, classificado como um estudo com enfoque analítico do tipo análise de conteúdo clássica. Resultados: A ação psicopedagógica para estudantes da Educação Superior se diferencia quanto à abordagem. Formação profissional na área e seleção de procedimentos e recursos adequados a cada caso são determinantes nesse processo. Práticas de reconhecimento do estilo de aprender, sistematização dos modos de estudo e diálogo consistem em práticas recomendadas, por mostrarem certa eficácia no desempenho acadêmico. Conclusão: A dinâmica dos acontecimentos na trajetória universitária desafia o psicopedagogo a desenvolver ações que atendam às diferentes necessidades dos sujeitos. UNITERMOS: Educação Superior. Universidades. Aprendizagem. Psico pedagogia. Correspondência Sílvia Maria de Oliveira Pavão Rua Portugal, 199 – Bairro São João – Santa Maria, RS, Brasil – CEP: 97030490 E-mail: [email protected] Sílvia Maria de Oliveira Pavão – graduada em Edu cação Especial pela Universidade Federal de Santa Maria, mestre em Inovação e Sistema Educativo pela Universidad Autonoma de Barcelona e doutora em Educação pela Universidad Autonoma de Barcelona. Professor adjunto da Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS, Brasil. Amanda do Prado Ferreira Cezar – pedagoga com especialização em Psicopedagogia Clínica e Insti tucional pela Faculdade Internacional de Curitiba, mestranda do Programa de Pós-graduação em Edu cação da Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS, Brasil. Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 366-73 366 Educação Superior: vicissitudes da ação psicopedagógica educacional, dada sua extensão e complexidade, se efetiva na prática. Diante disso, parece que as instituições educacionais com vistas a favorecer os processos de aprendizagem de sujeitos que apresentam diferentes formas de aprender, devem desenvolver ações que possam garantir o mínimo de êxito esperado. A Psicopedagogia, enquanto área de conhecimento e prática na Educação, parece caminhar nesse sentido, qual seja: de compreender os diferentes estilos de aprendizagem, tendo como foco sua potencialização e prevenção aos problemas de aprendizagem e, quando necessário, de uma intervenção dirigida. Salienta-se que a Psicopedagogia executa sua função no meio educacional ao realizar ações que envolvam os eixos da potencialização, prevenção e intervenção direta ou dirigida (quando se realiza um contato com o sujeito da aprendizagem). Consiste em ações de potencialização e prevenção aos problemas de aprendizagem, a oferta de recursos e serviços de apoio pedagógi co e didático que viabilizem o sucesso acadêmi co e possíveis identificações de problemas que possam vir a interferir na aprendizagem (seminários, grupos de discussão, palestras, orientação profissional, outros). É nesse sentido que a intervenção psicopedagógica mostra-se necessária, isto é, quando são observadas que certas dificuldades podem estar mais prontamente relacionadas com os problemas exatamente de ensinar10. Práticas que favorecem os modos de ensinar e aprender são consideradas práticas inclusivas. Ao comprometer os sujeitos de um processo educacional com os propósitos e fins almejados, está-se permitindo que o conhecimento seja construído e significado por aquele ou aqueles que dela farão uso. O estudo se circunscreve a partir de um questionamento que se pauta nas práticas psicopedagógicas: quais são as vicissitudes da intervenção psicopedagógica com estudantes da Educação Superior? A partir desse problema, o objetivo con figura-se na ação de discutir as vicissitudes da intervenção psicopedagógica direcionada aos estudantes da Educação Superior. Compreende-se INTRODUÇÃO A inclusão educacional é um dos temas recorrentes na atualidade, no Brasil, foi impulsionada principalmente pela Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva1, que fortalece a ideia de transversalidade no ensino e aponta um novo cenário educacional, inaugurando e motivando diferentes ações pedagógicas. A repercussão dessa política impactou todos os níveis e modalidades de ensino, da Educação Infantil à Educação Superior. Essa última tem se estruturado, no que tange ao acesso de estudantes com deficiência por meio das políticas de acessibilidade, e mais especificamente pelo Programa Incluir2. Ainda são consideradas recentes as ações desenvolvidas nas universidades, com o público de estudantes que apresentam algum tipo de dificuldade ou especificidades para aprender3-9. Esse novo cenário nacional da Educação tem provocado mudanças no interior das instituições educacionais, tornando evidente que as práticas de educadores, instituições e sistemas de ensino, bem como a sociedade, necessitam ser reestruturadas para atender às necessidades dessas pessoas com características diferentes, tendo em vista a inclusão. No que tange as instituições e sistemas de ensino, uma das mudanças necessárias implica na qualidade do ensino, razão pela qual a inclusão educacional incita a compreensão das diferentes formas e estilos de aprender dos sujeitos, bem como das dificuldades de aprendizagem desses sujeitos compreendidas na maior parte das vezes a partir das limitações ou deficiências do próprio indivíduo10. As instituições e sistemas de ensino são historicamente reconhecidos como espaços de correção das muitas desigualdades, principalmente aquelas geradas ou evidenciadas nas sociedades de sistema capitalista11. Nota-se que, mesmo considerando os preceitos de uma educação inclusiva, que implicam em proporcionar condições de igualdade e atendimento a todos os tipos de diferenças ou condições sociais, ainda não é possível observar a diminuição da exclusão10, pois nem sempre esse processo de inclusão Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 366-73 367 Pavão SMO & Cezar APF conduzir o profissional a uma análise mais profunda, a uma avaliação, um diagnóstico e tratamento mais eficazes. Com adultos essas considerações são muito específicas, por se tratar de pessoas que já têm uma consciência firmada sobre si mesmo, sobre o que buscam, sobre o que querem, tem uma vida relativamente definida, tanto pessoal como profissional. A intervenção psicopedagógica prevê a elaboração de um planejamento onde constarão os objetivos a serem seguidos, tais como: adultos já definem a priori aquilo que desejam, apesar de muitas das vezes não identificar seu desejo com tanta clareza; quando um adulto procura por um auxílio psicopedagógico, geralmente sabe especificar o motivo que o levou até o profissional e quer resolutividade no processo de avaliação, diagnóstico e encaminhamento assertivo, buscando e solicitando esclarecimento para todo tipo de procedimento utilizado pelo profissional13. Por outro lado, o psicopedagogo, ao considerar todas essas questões evidenciadas pelo adulto em processo de acompanhamento psicopedagógico, tem nesse manancial subsídios para o levantamento de hipóteses e de canalização para um trabalho mais efetivo, não perdendo de vista questões extremamente importantes, específicas da ação psicopedagógica que são inerentes aos processos de diagnóstico, encaminhamento e intervenção, estas são possivelmente as vicissitudes da ação psicopedagógica, dentre as quais se pode citar: queixas e motivos que levam o sujeito à busca de ajuda, contexto de vida pessoal, profissional; condições de aprendizagem que envolvam os aspectos cognitivos, afetivos e sociais. A passagem da adolescência para a vida adul ta envolve transformações orgânicas. O desenvolvimento cognitivo, principalmente o emocional, passa por desajustamentos devido às expectativas e dificuldade de adaptação. Com vistas a isso, se observa a necessidade de estruturas no interior das instituições de Ensino Superior, voltadas ao atendimento das especificidades de aprendizagem dos sujeitos que delas participam. Portanto, se constata a importância de estudos e pesquisas que poucos estudantes com dificuldades no desempenho e ajustamento acadêmico buscam apoio especializado para obter êxito acadêmico. Dessa forma, este estudo se justifica, visto que traz contribuições importantes para o debate em questão, uma vez que se percebe carências na produção e difusão de investigações que tenham como propósito compreender possíveis impactos que vem sendo gerados pelas iniciativas das práticas psicopedagógicas com o estudante da Educação Superior, visando não só ampliar ações para o campo de atuação do profissional da Psicopedagogia abrangendo a aprendizagem de adultos, mas também buscando o tratamento ou prevenção das dificuldades de aprendizagem. PRÁTICA PSICOPEDAGÓGICA Quando direcionada a adultos em situação de aprendizagem, a Psicopedagogia estende sua ação na busca do tratamento ou da prevenção das dificuldades de aprendizagem. É necessá rio compreender que essa prática não está so mente dirigida a pessoas com dificuldades de aprendizagem, mas também ao processo de aprendizagem com todas as suas nuances, canalizando o seu fazer para o como se aprende, para o sujeito que aprende e para os processos de aprendizagem. A partir da análise de um esquema evolutivo da aprendizagem12, observou-se que a aprendizagem começa a se manifestar desde as primeiras relações vinculares entre a mãe e a criança e vai se estendendo pela família, pela comunidade, pela escola até a vida adulta e continua existindo sempre. Nesse caso, se pode inferir sobre a construção subjetiva do estilo de aprendizagem pessoal que acompanhará o sujeito por toda sua trajetória vital. Idealmente, considera-se que o estilo de aprender também adquira diferentes formas ao longo da vida, caracterizando-se por efetivamente ser um processo em construção, pois cada pessoa vai imprimindo, a partir de suas vivências cotidianas, as formas de relacionar-se com o mundo e aprendê-lo. No trabalho psicopedagógico, é importante atentar para uma série de fatores que possam Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 366-73 368 Educação Superior: vicissitudes da ação psicopedagógica os estudantes da Educação Superior7-9,16. Com vistas à construção de um quadro comparativo da ação diferenciada entre esses dois públicos, usando os referenciais teóricos apontados, foi desenvolvida uma proposta comparativa aberta com ênfase na elaboração dessa análise para a intervenção direcionada a jovens e adultos (Quadro 1). Diferenças cruciais são observadas na ação psicopedagógica direcionada aos jovens adultos comparativamente à criança. Notadamente, a prática com adultos usa da exploração dos obje tos de aprendizagem, da interação dialogada e de um processo de intervenção em que não há protagonistas, ou seja, o processo é construí do com base nas necessidades e interesses do sujeito adulto que busca pela intervenção psicopedagógica. O jovem adulto, ou adulto que frequenta o nível de Ensino Superior, e busca por uma intervenção psicopedagógica pode encontrar nela algumas respostas às dificuldades que enfrenta. Quase sempre o jovem adulto que busca por essa intervenção no contexto universitário está enfrentando dificuldades para aprender. E, sendo constatada essa situação, é dado encaminhamento à intervenção psicopedagógica e as ações que podem ser desenvolvidas devem atender, inicialmente, à identificação das diferenças das áreas do conhecimento. Na universidade, cada curso de graduação possui uma matriz curricular, não sendo possível desenvolver um planejamento da ação psicopedagógica, sem que haja uma interação com os docentes e coordenador do curso. Pois, na Educação Superior, a participa ção dos professores - conhecendo a necessidade e dificuldade de aprender dos alunos - pode ser decisiva no alcance dos resultados esperados para esse nível de ensino. Ato contínuo ao contato com o corpo docente do curso em que o estudante está matriculado na universidade, está a participação desse sujeito em encontros semanais ou mensais com o psicopedagogo, construindo e apresentando atividades que sejam pertinentes a sua formação acadêmica. Nesses momentos pode-se adaptar na área e de serviços de apoio psicopedagógico para o estudante adulto, pela relação direta com o desempenho acadêmico, visando ao alcance da formação profissional almejada. MÉTODO O estudo foi classificado quanto ao tipo bi bliográfico, sendo que os dados foram coletados em fontes primárias e secundárias, e de abor dagem qualitativa para a análise, já que se considera que o tema é permeado pela subjetividade interpretativa. Foi classificado como um estudo com enfoque analítico do tipo análise de conteú do clássica14. Nesses termos, consoante com a pesquisa qualitativa em que se analisam textos15, do mesmo modo, as observações in loco, ou coleta de falas dos sujeitos das pesquisas também fazem referência aos modos de pensar, sentir e planejar. Os principais referenciais utilizados perpassam linhas e abordagens de atuação que permitiram ampla e profunda análise do tema, possibilitando e desafiando um olhar psicopedagógico sobre os problemas de aprendizagem na Educação Superior4,7,10,12,13,15-18. RESULTADOS A prática psicopedagógica com o estudante da Educação Superior apresenta vicissitudes quanto aos procedimentos realizados e sua abordagem, bem como quanto ao uso de recursos. Requer uma ação reflexiva que envolverá sujeito da aprendizagem e o psicopedagogo em ação, em uma permanente busca de ações que possibilitem o encontro às vias de acesso ao conhecimento. Visando discutir as vicissitudes da inter venção psicopedagógica direcionada a jovens adultos, foi realizada uma análise comparativa entre as propostas de intervenção direcionada a crianças e a jovens adultos. A intervenção psicopedagógica realizada com crianças, estudantes geralmente do nível de ensino da Educação Básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio) que antecedem a Educação Superior conserva algumas características19-23 que as diferenciam daquelas que podem ser utilizadas com Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 366-73 369 Pavão SMO & Cezar APF Quadro 1 – Intervenção psicopedagógica: da criança ao jovem adulto, 2015. Procedimento Criança Jovem adulto Contato inicial Pela escola ou pais Geralmente o próprio sujeito procura atendimento, mas há casos na Educação Superior em que o estudante tem sua matrícula, ou permanência recomendada a um atendimento psicopedagógico pela coordenação do curso que frequenta, em virtude de rendimento acadêmico defasado (muitas reprovações, ou problemas de conduta, ajustamento, adaptação). Quase sempre realizada com testes, levantamentos e materiais lúdicos Entrevista inicial que pode ser diagnóstica. O próprio sujeito responde, salvo em casos especiais, como os estudantes com alguma deficiência que impossibilite sua participação na entrevista. Nesses casos, um familiar, cuidador ou um docente que o acompanha no curso de graduação pode ser a pessoa mais indicada para participar dessa entrevista inicial. Há casos em que é necessário o uso de testes para avaliação de áreas específicas da aprendizagem. Avaliação Parecer da avaliação Devolução Encaminhamentos Intervenção Verbal ou escrito Verbal ou escrito. Participação dos pais, quase sempre é necessário um parecer escrito Conversação dialogada com o próprio sujeito, auxiliando na percepção das dificuldades encontradas e na busca pela melhor forma de atuar face a minimização ou supressão das dificuldades. Apresentação de principais dificuldades encontradas, analisando-as à luz das teorias do desenvolvimento da aprendizagem. Nem sempre é necessário a entrega de um parecer diagnóstico. Assessoramento aos pais na procura por uma rede de apoio multiprofissional, quando necessário Conversação dialogada com o próprio sujeito. Orientação para a participação de processos em espaços coletivos que favoreçam a compreensão da diferença. Acompanhamento familiar e demais profissionais pertencentes à rede multiprofissional Interação com o próprio sujeito e demais profissionais envolvidos, visando a sua autonomia. Quando o jovem está inserido em um espaço acadêmico na Educação Superior, o desenvolvimento de um plano de intervenção estratégico é necessário com vistas ao melhor desempenho e rendimento. A Educação Superior é regida por concepções amplamente diferenciadas da Educação Básica, tendo como característica principal a autonomia do sujeito. Espera-se que os estudantes sejam praticamente autodidatas, o que nem sempre é possível nos casos em que as dificuldades de aprendizagem somam-se ao quadro dos desafios e propostas na Educação Superior. Diante ao fato, uma das ações necessárias é o contato com professores do curso que o estudante frequenta, analisando a possibilidade de flexibilizações curriculares e outras formas de apoio, como o atendimento na rede multiprofissional. apropriação dos conhecimentos, organizando agenda de estudo, realizando outros exercícios materiais didáticos, discutir temas que serão avaliados no curso com vistas a corroborar a Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 366-73 370 Educação Superior: vicissitudes da ação psicopedagógica A intervenção psicopedagógica com os sujeitos em idade adulta, seja em caráter preventivo ou de acompanhamento direcionado a uma causa específica de não aprender, tem se mostrado cada vez mais necessária, como apontado pelos dados do censo da Educação Superior17. Esse olhar psicopedagógico permitirá que os estudantes da Educação Superior concluam o curso eleito com qualidade. didáticos de acordo com área de saber específico, entre outros. Entretanto, dentre as muitas ações que podem ser desenvolvidas, está em primeiro plano o reconhecimento por parte do profissional da Psicopedagogia, do contexto universitário em si, que apresenta per si uma série de diferenças que incidirão sobre sua ação. Diferenças estas que ocorrem em primeiro plano na área do conhecimento (exatas e da terra, biológicas, engenharias, agrárias, sociais e aplicadas, linguística, letras e artes, multidisciplinar, saúde, humanas, naturais, exatas, rurais) até aquelas no plano subjetivo em que se incluem, a personalidade, interesse, motivação. Para além das diferenças cruciais em torno de uma ação psicopedagógica que leva à compreensão de condutas práticas e resolutivas no âmbito da Educação Superior, está a formação, análise e interpretação das ações propostas e desenvolvidas pelo profissional que conduz o processo psicopedagógico. Para tanto, o conhecimento acerca das teorias do desenvolvimento e a aprendizagem24, aliados a uma adequada formação de profissionais da área da educação e da intervenção psicopedagógica, são auxiliares imprescindíveis no processo de intervenção psicopedagógica, desde a avaliação até os encaminhamentos e intervenção necessária. Orientação tal que vale para a conduta do psicopedagogo com a criança, adolescente ou adulto. As teorias do desenvolvimento e aprendizagem podem ser classificadas em teorias psicanalíticas (Freud, Erikson); teorias cognitivas desenvolvimentais (Piaget); teorias sociológicas (ciclo familiar); teorias humanistas (Maslow, Rogers); teorias comportamentais (Skinner)24. Cada uma dessas teorias abarca conceitos acerca do sujeito da aprendizagem, que são definidores para o bom andamento do processo acadêmico e da ação psicopedagógica. A apropriação desses saberes pelo profissional da Psicopedagogia contribui para que sua ação seja orientada pelos pressupostos teóricos que auxiliam no esclarecimento dos muitos nexos causais originadores dos sintomas e dificuldades para o aprender25,26. CONCLUSÃO O contexto universitário se caracteriza primordialmente pela diferença entre as áreas do conhecimento. A partir do momento em que um estudante elege uma área de conhecimento e nela um curso de graduação universitária, cuja estrutura curricular é regida por disciplinas com escopos teóricos específicos, inicia-se um processo formativo que nem sempre ocorre fluentemente. As dificuldades de aprendizagem e os problemas associados a ela surgem no momento em que esse estudante, não compreendendo os objetivos do campo teórico disciplinar, apresenta desempenho acadêmico defasado. É nesse cenário que ingressa e passa a atuar o psicopedagogo. Esse estudo que teve por objetivo discutir as vicissitudes da intervenção psicopedagógica direcionada aos estudantes da Educação Superior conclui que a permanência e a conclusão do curso estão na dependência da abrangência de ações que compreendem a vida adulta. A prática psicopedagógica desenvolvida com adultos tem peculiaridades complexas, visto que o adulto tem posicionamentos e concepções definidas ao longo de sua trajetória vital que podem colaborar num plano de compreensão dos propósitos de uma intervenção psicopedagógica ou serem elas a própria origem das atuais dificuldades de aprendizagem. Do mesmo modo como ocorre com crianças e adolescentes, para desenvolver o trabalho com os adultos, a Psicopedagogia considera todas as questões apresentadas pelos sujeitos tendo em vista a construção de uma intervenção psicopedagógica pautada pela abordagem dialogada e crítica. Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 366-73 371 Pavão SMO & Cezar APF cimentos são produzidos e difundidos na universidade. O desafio da ação psicopedagógica é, ao identificar as dificuldades de aprendizagem, desenvolver ações que reconheçam a diferença de ser e de aprender dos sujeitos. Na universidade, o estudante vivencia processos de aprendizagem muito dinâmicos, essa é uma característica positiva desse nível de ensino, pois é justamente graças à impermanência de saberes e verdades científicas que novos conhe- SUMMARY Higher education: vicissitudes of psycho-pedagogical action Objective: To discuss the vicissitudes of pedagogical intervention tar geted to higher education students. Method: Qualitative approach, classified as a study of analytical focus and classical content analysis type. Results: Psychopedagogic action for students of higher education differs in the utilized approach. Professional qualification in the area and selection of procedures and adequate resources for each case, are crucial in this process. Recognition practices of learning style and systematization of modes of study and dialogue are both recommended for showing some effectiveness in academic performance. Conclusion: The dynamics of events in the university course challenges the educational psychologist to develop actions that meet the different needs of individuals. KEY WORDS: Education, higher. Universities. Learning. Psychopedagogy. REFERÊNCIAS 6. Pavão SMO, Fiorin BPA, Siluk ACP. Aprendizagem no Ensino Superior. Santa Maria: Laboratório de Pesquisa e Documentação-CE, Universidade Federal de Santa Maria; 2013. 7. Caierão I, Kortmann G. A prática psicopedagógica: processos e percursos do aprender. Rio de Janeiro: Wak; 2015. p.91-7. 8. Pavão SMO. Ações de Atenção à Aprendizagem no Ensino Superior. Santa Maria: Universidade Federal de Santa Maria, PRE, Ed.pE.com; 2015. 9. 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Psicopedagogia 2015; 32(99): 366-73 373 ASSOCIADOS TITULARES – 2015 ALAGOAS Maceió ELIANE CALHEIROS CANSANÇÃO [email protected] (82) 3223-4258 – Farol BAHIA Itabuna GENIGLEIDE SANTOS DA HORA [email protected] (73) 3617-0372 – São Caetano Senhor do Bonfim Tianguá AMERICO FERREIRA DE ARAGÃO JÚNIOR GRAÇA MARIA DE MORAIS AGUIAR E SILVA CEARÁ Fortaleza DISTRITO FEDERAL Brasília ANDRÉA AIRES COSTA CLAUDIA DANTAS RIBEIRO STIVAL FONTOURA [email protected] (82) 3223-4258 – Pera [email protected] (85) 3261-0064 – Aldeota DALMA RÉGIA MACEDO PINTO Salvador [email protected] (85) 3491-2280 – Vila União ADRIANA AGUDO RODRIGUES MIRANDA ELIANE CÁSSIA ROCHA BLANES [email protected] (71) 9905-1911 – Barra ARLENE NASCIMENTO PESSOA [email protected] (85) 3244-2820 – Dionísio Torres ELIANE LACERDA FERNANDES DE ASSIS [email protected] (71) 3347-8777 – Caminho das Árvores [email protected] (85) 8699-3407 – Meireles DEBORA SILVA DE CASTRO PEREIRA ELISABETE SILVEIRA CASTELO BRANCO [email protected] (88) 9963-5854 – Centro [email protected] (61) 8116-6906 – Asa Norte MARINA LIMA BEUST [email protected] (61) 3326-9314 – Asa Norte MARLI LOURDES DA SILVA CAMPOS [email protected] (61) 3321-9666 – Plano Piloto WALDERLENE RAMALHO DA SLVA [email protected] (61) 3037-5009 – Taguatinga [email protected] (71) 3341-2708 – Candeal [email protected] (85) 3281-1673 – Rodolfo Teófilo Guará GLEIDE MOREIRA TEIXEIRA GUIMARÃES FRANCISCA FRANCINEIDE CÂNDIDO [email protected] (85) 3272-3966 – Fátima ELINE LIMA MOREIRA DE AZEVEDO [email protected] (71) 3498-5000 – Graça JOANICE MARIA BEZERRA SOUZA GALEÁRA MATOS DE FRANÇA SILVA [email protected] (71) 9935-2192/8864-0897 – Mares JOZELIA DE ABREU TESTAGROSSA [email protected] (71) 9609-3937 – Piatá KARENINA TRINDADE S. DE AZEVEDO [email protected] (71) 3345-3535 – Pituba MÁRCIA GONÇALVES NUNES [email protected]/gnmarcia@ hotmail.com (71) 3332-7055 – Federação MARIA ANGELICA MOREIRA ROCHA [email protected] (71) 8625-2433 – Caminho das Árvores MARIA AUXILIADORA DE A. RABELLO [email protected] (71) 3353-2207 – Pituba MARIA DE FÁTIMA SOARES DE BRITO [email protected] (71) 3488-2939 – Nazaré NILZAN GOMES SANTOS [email protected] (71) 3322-4133 – Nazaré SIMAIA SAMPAIO MAIA [email protected] (71) 9971-2497 – Stella Maris [email protected] (61) 3901-7583 – Vila Tecnológica [email protected] (85) 3264-0322 – Aldeota ESPÍRITO SANTO Vitória GERALDO LEMOS DA SILVA CHEILA ARAUJO MUSSI MONTENEGRO [email protected] (85) 3246-7000 – Dionísio Torres LUCIANA QUEIROZ BEM PORTELA [email protected] (85) 3101-2201 – Farias Brito MARIA ENEIDA NOBRE PINHO [email protected] (85) 3294-2281 – Cj Ceará MARIA JOSÉ WEYNE MELO DE CASTRO [email protected] (85) 3261-0064 – Parque Manibura [email protected] (27) 99969-5545 – Santa Lúcia HIRAN PINEL [email protected] (27) 4009-2547 – Goiabeiras – Campus MARIA DA GRAÇA VON KRUGER PIMENTEL [email protected] (27) 3225-9978 – Praia do Canto MARISTELA DO VALLE [email protected] (27) 3215-5039 – Jardim da Penha MARISA PASCARELLI AGRELLO [email protected] (85) 3267-5714 – Varjota OTÍLIA DAMARIS QUEIROZ [email protected] (85) 3246-7000 – Dionísio Torres ROSEANNE MARY ALVES FRAGA [email protected] (85) 4011-9999 – Benfica GOIÁS Goiânia CARLA BARBOSA DE ANDRADE JAYME [email protected] (62) 3225-9805 – Setor Oeste DENISE ARAUJO SANTOS BAIOCCHI CARNEIRO Sobral [email protected] (62) 3259-6666 – Nova Suíça SILVIA DE SOUZA AZEVEDO LUCIANA BARROS DE ALMEIDA [email protected] (88) 9231-3136 – Dom Expedito Lopes [email protected] (62) 3636-6234 – Setor Oeste LUCILA MENEZES GUEDES MONFERRARI [email protected] (62) 3259-3592 – Setor Bueno MARILENE DE AZEVEDO RIBEIRO [email protected] (62) 9977-3952 – Setor Oeste MARISTELA NUNES PINHEIRO [email protected] (62) 3259-0247 – Setor Bueno MATO GROSSO Cuiabá ÂNGELA CRISTINA MUNHOZ MALUF [email protected] (65) 9214-4484 – Jardim Cuiabá MARIA MASARELA MARQUES DOS PASSOS [email protected] (65) 3028-1372 – Campo Velho MINAS GERAIS Belo Horizonte ÂNGELA MATILDE SOARES [email protected] (31) 3372-7231/3372-4079 – Gutierrez DJANIRA DAMASCENO GONÇALVES [email protected] (31) 3418-6773 – Ouro Preto ILKELINE DE PAULA [email protected] (31) 8685 2179 – Santo Antonio REGINA MARIA CALDEIRA DO COUTO E SILVA [email protected] (31) 3564-4506 – Santo Antonio REGINA ROSA DOS SANTOS LEAL São Gonçalo do Sapucaí MARÍLIA VIEIRA SIQUEIRA DE ARANTES [email protected] (35) 3241-3195 – Centro Uberlândia SANDRA MEIRE DE O. RESENDE [email protected] (34) 9195-8911 – Lidice Varginha ELISA MARIA MAGANHA SOARES CÂNDIDO ROSELMA SILVA IVANI APARECIDA C. A. OLIVEIRA [email protected] (43) 3524-2377 – Centro [email protected] (41) 3672-3454 – Jardim Menino Deus [email protected] (35) 3212-3496 – Centro REGINA CLAUDIA A. S. FERRAZ [email protected] (35) 3214-5660 – Novo Horizonte PARÁ Belém ANA CYLENE VALENTE COLINO [email protected]/[email protected] (91) 4009-7102 – Umarizal ANA SYLVIA VALENTE COLINO [email protected] (91) 3204-3500 – Nazaré CARMEM CYLBELLE PEREIRA ALVES VIÉGAS [email protected] (91) 3259-3531 – São Braz CÉLI DENISE CORRÊA DA COSTA [email protected] (91) 3252-0201 – Nazaré ELIANE SOUZA DE DEUS NETO ALMEIDA Lavras Cornélio Procópio MARIA CLARA R. R. FORESTI RAMONA CARVALHO FERNANDEZ NOGUEIRA [email protected] (35) 3264-3397 – Centro [email protected] (43) 3223-2654 – Centro Curitiba EDNA TOTI AMARO DA SILVA JANAINA CRISTIANE GUIDI PEREIRA NEOCLEIDE MILANI [email protected] (35) 3221-7949 – Vila Pinto [email protected] (31) 3239-5920 – Santa Efigênia Campanha [email protected] (35) 3261-2119 – Centro Elói Mendes PARANÁ Cambé [email protected] (91) 4008-1200 – Batista Campos [email protected] (91) 3259-3531 – Cidade Velha HORTENCIA VITAL DE CASTRO [email protected] (91) 3257-4107 – Icoaraci ILKA MARINA PAMPONET ELIAS DE MENDONÇA [email protected] (91) 99615-5380 – Umarizal ADRIANE CREDIDIO R. C. DYMINSKI ARRUDA ARLETE ZAGONEL SERAFINI [email protected] (41) 3363-1500 – Alto da Glória CINTIA BENTO M. VEIGA [email protected] (41) 3332-2156 – Rebouças EVELISE M. LABATUT PORTILHO [email protected] (41) 3271-1655 – Prado Velho FABIANE CASAGRANDE C. O. 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LISBOA BARTHOLO [email protected] (86) 9921-3693 – Jóquei [email protected] (21) 2266-0818 – Humaitá BENILDE FERREIRA DE ASSUNÇÃO FARIAS MARIA KATIANA VELUK GUTIERREZ [email protected] (86) 3221-2620 – Centro [email protected] (21) 2527-1933 - Copacabana CRISTINA MARIA DE SOUSA MIRANDA MARIA LÚCIA DE OLIVEIRA FIGUEIREDO [email protected] (84) 3314-5878 – Centro Natal ADRIANNA FLÁVIA DE FIGUEIREDO M.P. 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Auxiliadora Guarujá VICTOR NASCIMENTO DOS SANTOS [email protected] (13) 3358-3083 – Santa Rosa ADALGISA CRISTINA MARQUES BONI ANA CRISTINA BARBOSA ROCHA EVA ALDA MEDEIROS CAVASOTTO Videira Limeira BRUNA MAINARDI ROSSO BORBA [email protected] (51) 3346-2243 – Moinhos de Vento [email protected] (49) 3664-2186 – Centro ALBERTINA CELINA DE MATTOS CHRAIM [email protected] (48) 3244-5984 – Coqueiros CLARISSA FARINHA CANDIOTA SILVANA MARIA BEDUSCHI DA SILVEIRA Florianópolis Porto Alegre [email protected] (51) 3342-1624 – Higienópolis Maravilha [email protected] (48) 3223-0641 – Centro ANA PAULA DOS SANTOS [email protected] (48) 3232-6494 – Trindade DANIELA CHAGAS PACHECO [email protected] (48) 3209-8035 – Estreito JANICE MARIA BETAVE [email protected] (19) 3443-1654 – Centro Santos ANGELA COTROFE RODRIGUES [email protected] (13) 3232-5020 – Ponta da Praia São Bernardo do Campo BEATRIZ PICCOLO GIMENES [email protected] (11) 4368-0013 – Rudge Ramos [email protected] (48) 8453-7791 – Ingleses São Paulo LILIANA STADNIK [email protected] (11) 6261-2377 – Jardim França [email protected] (48) 9982-8901 – Balneário ADA MARIA GOMES HAZARABEDIAN ALEXANDRA MARIA CRISTINA COLINI MÁRCIA FIATES [email protected] (48) 3224-0441 – Centro [email protected] (11) 5524-5415 / 99621-5900 – Jardim Hípico, Santo Amaro MARIA ALICE MOREIRA BAMPI ANA LISETE P. RODRIGUES MARIA LÚCIA ALMADA FERNANDES ARIANE ZANELLI DE SOUZA SANDRA LAMB BEATRIZ JUDITH LIMA SCOZ [email protected] (48) 9116-0753 – Agronômica [email protected] (48) 3223-0641 – Trindade [email protected] (48) 3331-1944 – Trindade [email protected] (11) 3885-7200 – Jardim Paulista [email protected] (11) 2659-5435 – Perdizes [email protected] (11) 3651-9914 – Alto de Pinheiros CARLA LABAKI MARIA TERESA MESSEDER ANDION TELMA PANTANO CLEOMAR LANDIM DE OLIVEIRA MARISA IRENE S. CASTANHO VALÉRIA RIVELLINO LOURENZO [email protected] (11) 3491-0522 – Ipiranga [email protected] (11) 5041-7896 – Brooklin MARISTELA HELENA BUK FORLI CATANOSO VÂNIA M. CARVALHO BUENO DE SOUZA [email protected] (11) 99663-0693 – Vila Prudente vâ[email protected] (11) 3644-7133 – Lapa MÔNICA ABUD PEREZ DE CERQUEIRA LUZ VERA MEIDE MIGUEL RODRIGUES [email protected] (11) 3815-5774 – Vila Madalena [email protected] (11) 99302-5501 – Moema CRISTIANE CÁSSIA MOURA [email protected] (11) 2778-4492 – Vila Santa Isabel DILAINA PAULA DOS SANTOS [email protected] (11) 99219-5114 – Santana EDIMARA DE LIMA [email protected] (11) 5563-1392 – Jardim Prudência EDITH REGINA RUBINSTEIN [email protected] (11) 3743-0090 – Vila Sonia ELIANE LAGHETTO M. ROSA [email protected] (11) 6128-4234 – Vila Prudente ELISA MARIA DIAS DE TOLEDO PITOMBO [email protected] (11) 5184-1340 – Granja Julieta LEDA MARIA CODEÇO BARONE [email protected] (11) 3045-9064 – Vila Olímpia LUCIA BERNSTEIN [email protected] (11) 3209-8071 – Aclimação MARCIA ALVES AFFONSO [email protected] (11) 5093-1188 – Brooklin MÁRCIA ALVES SIMÕES DANTAS [email protected] (11) 98192-0921 – Tatuapé MÁRCIA GOMES [email protected] (11) 97973-0667 – Moema MARIA BERNADETE GIOMETTI PORTÁSIO [email protected] (11) 2950-6072 – Santana MARIA CÉLIA MALTA CAMPOS [email protected] (11) 3023-5834 – Alto de Pinheiros [email protected] (11) 3782-8905 – Jd D’Abril MÔNICA HOEHNE MENDES [email protected] (11) 5041-1988 – Indianópolis NÁDIA APARECIDA BOSSA [email protected] (11) 2268-4545 – Mooca NEIDE DE AQUINO NOFFS [email protected] (11) 3511-3888 – Pacaembu YARA PRATES [email protected] (11) 2976-8937 – Vila Ester Ribeirão Preto FÁTIMA REGINA QUEIRÓZ PORTO [email protected] (16) 3237-2852 – Jd Canadá [email protected] (11) 3871-9115 – Perdizes Taubaté NÍVEA MARIA DE CARVALHO FABRÍCIO BENEDITA ILZA VIEIRA FORTES [email protected] (11) 3868-3850 – Perdizes [email protected] (12) 3411-6637 – Centro QUÉZIA BOMBONATTO SILVA Valinhos [email protected] (11) 3815-8710 – Vila Madalena SILVANA BRESSAN REBECA LESCHER N. DE OLIVEIRA [email protected] (19) 3242-9889/3829-1704 – Paiquerê REGINA A. S. I. FEDERICO SERGIPE Aracaju [email protected] (11) 3816-1066 – Alto de Pinheiros [email protected] (11) 5041-1988 – Brooklin REGINA ZAIDAN PEREIRA MENDES [email protected] (11) 3872-2434 – Pacaembu SANDRA G. DE SÁ KRAFT MOREIRA DO NASCIMENTO [email protected] (11) 3805-9799 – Morumbi SANDRA LIA NISTERHOFEN SANTILLI [email protected] (11) 3819-9097 – Pinheiros [email protected] (11) 3259-0837 – Higienópolis MARIA CRISTINA NATEL SILVIA AMARAL DE MELLO PINTO [email protected] (11) 5081-2067 – Vila Mariana [email protected] (11) 3097-8328 – Pinheiros MARIA IRENE DE MATOS MALUF SÔNIA MARIA COLLI DE SOUZA [email protected] (11) 3258-5715 – Higienópolis [email protected] (11) 3062-6580 – Jardins [email protected] (11) 3287-8406 – Bela Vista AUREDITE CARDOSO COSTA [email protected] (79) 3211-8668 – São José EDITE SOBRAL FREITAS REZENDE [email protected] (79) - 3254-1641 – Nossa Sra. do Socorro MARIA BETANIA GONÇALVES DE ALMEIDA betania_gonç[email protected] (79) 9606-1326 – Centro MARIA GORETTI DE ALMEIDA GONÇALVES [email protected] (79) 3211-8668 – Centro NIELZA DA SILVA MAIA DE SOUZA [email protected] (79) 3214-5363 – São José TÂNIA REGINA ESPIRIDIÃO DE FARIA [email protected] (79) 3211-8668 – Centro A Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp) é uma entidade de caráter científico-cultural, sem fins lucrativos, que congrega profissionais militantes na área da Psicopedagogia. Em 12 de novembro de 1980, um grupo de profissionais já envolvidas e atuantes nas questões relativas aos problemas da aprendizagem fundou a Associação Estadual de Psicopedagogos do Estado de São Paulo, a AEP. Devido ao grande interesse em torno dessa Associação, a sua expansão a nível Nacional surgiu como necessidade imperiosa. Em 1986, a AEP transformou-se na ABPp e gradativamente foram sendo criados os seus escritórios de representação por todo o Brasil, denominados de Núcleos e Seções. Durante estes anos, a ABPp vem cuidando de questões referentes à formação, ao perfil, à difusão e ao reconhecimento da Psicopedagogia no Brasil, já tendo alcançado muitas vitórias na luta pela sua regulamentação. Atualmente (2015), a ABPp possui 15 Seções e 3 Núcleos, distribuídos pelo território nacional, estando devidamente vinculados e sob sua orientação. A ABPp promove conferências, cursos, palestras, jornadas, congressos, bem como a divulgação de trabalhos sobre sua área de atuação, por meio da revista científica Psicopedagogia, da Revista do Psicopedagogo, do informativo Diálogo Psicopedagógico e do site www.abpp.com.br. Oferece, ainda, descontos tanto nos eventos que organiza quanto em eventos de terceiros, que são parceiros e interessados nos assuntos desta área. Preocupada com as questões sociais, a atual diretoria da ABPp Nacional organizou um novo trabalho de cunho sociocientífico, que visa não só ao atendimento da população carente, promovendo a inserção social e a divulgação da importância da prática psicopedagógica, como também à implantação de um novo modelo de estudo e pesquisa nesse campo. Dele poderão participar todos os associados interessados em prestar um trabalho social. Podem associar-se à ABPp todas as pessoas interessadas nessa área de atuação, tendo ou não concluído a sua especialização em Psicopedagogia. Rua Teodoro Sampaio, 417 - Conj. 11 - Cep: 05405-000 São Paulo - SP - Pabx: (11) 3085-2716 - 3085-7567 www.abpp.com.br - [email protected]