Untitled - O Imaginário

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Untitled - O Imaginário
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
ERIMAR JOSÉ DIAS E CORDEIRO
Cara de Índio
Uma tradução da Tradição Kambiwá
Trabalho de graduação apresentado à disciplina de
Projeto de Graduação 2, como requisito parcial para à
conclusão do curso de Design, Departamento de
design da Universidade Federal de Pernambuco.
Orientadora:
Co-orientadoras:
Recife
2005
Ana Emília de Castro
Ana Maria Andrade
Virgínia Pereira Cavalcanti
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
ERIMAR JOSÉ DIAS E CORDEIRO
Cara de Índio
Uma tradução da Tradição Kambiwá
Trabalho de graduação defendido em 5 de setembro
de 2005 e aprovada pela banca examinadora, como
requisito parcial para a conclusão do Curso de
Desenho Industrial|Projeto do Produto com nota __.
________________________________
Ana Emília Castro
[Orientadora]
________________________________
Ana Maria Andrade
[Convidada Interna]
________________________________
Magna Coeli
[Convidada Externa]
Recife
2005
ii
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
Dedico este trabalho aos principais personagens que
me fizeram ser capaz de redigi-lo: Maria de Fátima e
José Erimar.
iii
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
Meu sincero agradecimento para:
Meus pais, que estiveram comigo em toda a minha caminhada,
nem sempre concordando com minhas decisões, mas nunca
deixando de me apoiar; e que ainda conseguem me surpreender
após mais de 20 anos de convivência ininterrupta;
Minha Ana, meu arco-íris. A turma “da gente”, que entre
churrascos, pizzascos e sessões de brigadeiro com pipoca, me
desentendi com alguns, mas sem nunca perder a amizade real:
Débora, Max, Gabriela, Vinicius, Flávio, Rita, Juliane, Tony (e Dani)
Emília, minha orientadora, guia e borduna durante este trabalho;
A turma do Imaginário, com quem aprendi que o mundo de design
também é de verdade: as professoras e amigas Ana Andrade e
Virgínia, puxadoras de orelha (minha e da turma acima); Ticiano e
Josivan, colegas de várias viagens; Quesia, Fabiana, Flávia, Thaïs,
Anna Z, Tila, Germannya, Glenda, Luigi, além do membros
honorários, Verônica Barkokébas e Ferreira.
O valioso suporte de última hora de Magna. A ajuda literária de
Ana Renata, que provavelmente teria sido mais uma coorientadora se não fosse um oceano de distância. A produção
quase instantânea (caso contrário não existiriam protótipos) de
Mariana Beltrão. E o pessoal do Educação e Etnia do Centro de
Cultura Luis Freire, atuantes em Kambiwá, em pareceria com o
Imaginário e nesta monografia.
E, obviamente, os Kambiwá; um grupo que tem diversas
carências, mas, de certo, humanidade não é uma delas. Obrigado
por mostrar que na minha ânsia de ver uma cultura tão diferente,
imaginária e estranha, quase esqueço que esses homens e
mulheres são, em essência, homens e mulheres; pernambucanos;
nordestinos; sertanejos; brasileiros. E mesmo assim, acima de
tudo, Kambiwá.
iv
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
Cara de Índio
Índio cara pálida
Cara de índio
Índio cara pálida
Cara de índio
Sua ação é válida
Meu caro índio
Sua ação é válida
Valida o índio
Nessa terra tudo dá
Terra de índio
Nessa terra tudo dá
Não para o índio
Quando alguém puder plantar
Quem sabe índio
Quando alguém puder plantar
Não é índio
Índio quer se nomear
Nome de índio
Índio quer se nomear
Duvido índio
Isso pode demorar
Te cuida índio
Isso pode demorar
Coisa de índio
Índio sua pipoca
Tá pouca índio
Índio quer pipoca
Te toca índio
Se o índio se tocar
Touca de índio
Se o índio se toca
Não chove índio
Se quer abrir a boca
Pra sorrir índio
Se quer abrir a boca
Na toca índio
A minha também tá pouca
Cota de índio
Apesar da minha roupa
Também sou índio
v
Djavan
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
[Sumário]
Apresentação
viii
Parte 1 | A natureza dos Adornos
1. Introdução
01
2. Metodologia
04
3. Definição dos termos usados
05
3.1 Cultura
05
3.2 Identidade
05
3.3 Design
06
3.4 Artesanato
07
3.5 Design Artesanal
09
3.6 Cultura Material
10
4. Adornos
12
4.1 História
12
4.2 Valor
15
4.3 Quilate
16
4.4 Típico e exótico
16
4.5 Atualidades de mercado
17
4.6 Tipologia de adornos | Conceitos
18
4.7 Tipologia de adornos | Morfologia
19
5. Povos Indígenas (do Nordeste)
22
5.1 Visão Geral
22
5.2 História e valores de Pernambuco
24
5.3 Modus Vivendi Kambiwá
29
5.3.1 Educação
5.4 Produção Artesanal
32
33
5.4.1 Caroá
35
5.4.2 Palha
36
5.4.3 Madeira
36
5.4.3 Sementes e afins
38
vi
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
Parte 2 | Os adornos da Natureza
6. Banco de Imagens
39
6.1 Linguagem visual
7. Projeto
39
51
7.1 Público
51
7.2 Similares
51
7.3 Materiais empregados
60
7.4 Diretrizes projetuais
61
7.5 Esboços |Geração de Alternativas
62
7.6 Seleção de Alternativas | Renderizações
69
7.7 Detalhamento Técnico
73
8. Conclusões
78
Referências Bibliográficas
79
Bibliografia
81
Créditos das Imagens
86
Anexo I - Termos Indígenas relacionados
87
Anexo II - Pesquisa Ibope
89
vii
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
[Apresentação]
Este trabalho é, em parte, resultado da relação profissional e
pessoal que tive com a etnia indígena Kambiwá.
Tomei conhecimento acerca deles durante meu trabalho junto ao
Imaginário Pernambucano, ação da Universidade Federal de
Pernambuco através da Pro-Reitoria de Extensão. O objetivo
central do Imaginário é potencializar os valores identitários das
comunidades produtoras de artesanato, promover o associativismo
e possibilitar que a atividade se firme enquanto meio de vida
sustentável.
Nos anos de 2003 e 2004 minha atuação no projeto deu-se
prioritariamente na comunidade Kambiwá. Ansioso por conhecer,
busquei informações tanto no Imaginário Pernambucano quanto
nas entidades parceiras do projeto ligadas à causa indígena: o
Centro Luiz Freire e o Conselho Indigenista Missionário. Conheci,
então, um pouco mais da realidade difícil do povo do sertão
[embora não fosse novidade]; e, em particular, a dos indígenas,
que também são vítimas de preconceitos e da invisibilidade social.
Dentro de sua produção artesanal, a que mais me chamou atenção
foi a de adornos com sementes. Tive, então, uma necessidade de
ampliar estas possibilidades, indo além da atuação do Imaginário
e, talvez, das capacidades produtivas do grupo, mas não de sua
cultura. Investigando mais acerca desse contexto, percebi que a
minha vontade de dar vazão a projetos com a referência indígena
e que estivessem ligados à ornamentação do corpo iam ao
encontro do que o mercado busca, tanto pelo lado do design,
quanto da referência cultural.
Este trabalho mostra a pesquisa sobre a cultura kambiwá, a
pesquisa sobre adornos e jóias e o processo de desenvolvimento
de novas peças.
viii
Parte 1 | A natureza dos Adornos
“A valorização da cultura popular do Nordeste Brasileiro, buscando-se
fixar em seus vastos campos [...], a sua valiosa contribuição como
expressão do pensamento nacional, há de ser encargo das Universidades
regionais. Nesta tarefa tem-se que perquirir as origens de nossa cultura,
respeitando sua forma e simples de apresentação, e procurar encontrar
uma arte e uma literatura eruditas nacionais, com base em suas raízes
populares”
Armando Samico
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
[Introdução]
O ato de usar adornos é tão amplo e antigo que pode ser
comparado, talvez, apenas ao de usar vestimentas. Por demandas
fisiológicas do corpo, o ser humano desde cedo usou peles de
outros animais para vestir-se e adaptar-se ao ambiente. No
entanto, tão primitivo quanto este, foi o interesse em usar
elementos para se adornar. A diferença é que esta necessidade não
reside no patamar fisiológico, e sim no social e psicológico. Quer
fosse esta uma atitude para se identificar, embelezar, intimidar ou
quaisquer outros motivos, o fato é que, independente da razão, a
grande maioria dos seres humanos se vale ainda hoje de
elementos para adornar o próprio corpo.
Estes adornos [sejam eles expressos em objetos ou no próprio
corpo] são de constante apreciação pelos designers, cuja produção
se direciona com foco no usuário. E estando este inserido num
mercado mais e mais globalizado, as diretrizes de diversas
atividades, incluído o design, apontam para as referências das
culturas locais. O filósofo Otávio Ianni1, comenta que “a tão temida
e discutida globalização, que universalizou e agilizou a informação
e o conhecimento, registra um aparente paradoxo: a valorização
da cultura local”.
A referência local que será abordada está ligada à questão indígena
do sertão pernambucano. Existe interesse em se fazer conhecer
para o leitor deste trabalho os grupos indígenas que habitam o
sertão; grupos que, praticamente, só são conhecidos pelos poucos
que se dedicam a estudar este tema específico. Há um interesse
em evidenciar as populações indígenas do Nordeste, normalmente
esquecidas frente às do norte do Brasil, tidas como “autênticas”.
E entre essa cultura de uso de adornos e a referência local
indígena, está o designer em seus diferentes papéis: pesquisador
de culturas, analista de problemas e desenvolvedor de soluções.
Refletidos no trabalho de perceber demandas e tendências de
mercado, aliar às referências culturais e por fim, concretiza-las em
produtos, através do conhecimento acadêmico e prático de design.
[1] in: Sebrae. Cara Brasileira: a brasilidade nos negócios, um
caminho para o “made in Brazil”. Brasília: Edição Sebrae, 2002
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
A cultura material indígena e sua característica artesanal estarão
presentes no trabalho, assim como a interferência do design.
Dentre as vertentes de interação entre design e artesanato, aqui se
faz uso do design com referência artesanal, na qual o produto é
concebido pelo designer, remetendo ao artesanal sem imitá-lo;
contudo, confeccionado com materiais e técnicas que não somente
aquelas pertinentes ao trabalho artesanal em questão. É dentro do
contexto dos indígenas Kambiwá de Pernambuco que se busca os
partidos conceituais e parte das matérias-primas usadas nos
produtos finais. A fauna e a flora, a espiritualidade, o artesanato e
outros aspectos da vida e cultura dos indígenas estão presentes em
todo o processo projetual.
Como objetivo geral, serão projetados e produzidos novos adornos,
cujas formas e conceitos estão referenciadas no repertório indígena
que será apresentado. Para atingir este objetivo maior, são
também previstos dois objetivos específicos, que são: definir um
banco de imagens representativo dos elementos marcantes da
identidade Kambiwá e contribuir com um exemplo do produto com
referência étnica dentro da moda|joalheria. Todavia, ainda que
trate de questões indígenas, de repertório e de joalheria, é válido
deixar claro o real objetivo deste trabalho. O foco é a criação e
execução de novas peças; e não ser discursivo ou retórico quanto
às políticas indígena e indigenista ou ainda, às morfologias e
técnicas tradicionais de joalheria. Tais assuntos são transversais à
pesquisa, fornecendo subsídios para atingir o objetivo proposto.
Também será colocada mais nitidamente a diferença de conceito
entre adorno e jóia. Far-se-á uso da definição empregada por
SANTOS, quando categoriza os adornos pessoais como todos os
objetos utilizados pelo ser humano sobre o corpo, que interferem
no mesmo e têm significado pessoal e social. Por esta definição, a
jóia se enquadra enquanto adorno. A especificidade da jóia reside
nas definições clássicas, que a coloca num patamar de alto valor
material; sempre empregando matérias-primas que se restringem
à prata, platina, ouro e gemas preciosas. Uma vertente que tem
aflorado recentemente no Brasil e fora dele é a de jóias vegetais,
orgânicas ou ‘biojóias’. Termos estes fazendo clara oposição às
2
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
jóias cujos materiais são de origem mineral. Esta nova safra de
adornos tem seu valor mais no conceito e design que no valor
financeiro do material com que são feitos. Dissociam a idéia de jóia
dos minerais e metais de alto preço e associam a artefatos de alto
padrão estético e de qualidade diferenciada. O uso de materiais
não-tradicionais apenas, ou em miscelânea com os tradicionais
reforçam esta mudança de conceitos.
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Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
[Metodologia]
Para cada etapa do processo, é previsto um conjunto de métodos e
ferramentas. Mesmo sendo a natureza deste trabalho
prioritariamente projetual, a importância das referências exige que
também seja de pesquisa. Assim, a metodologia a ser empregada
pode ser organizada em:
Pesquisa | fase de coleta de informações
ƒ Observação direta em campo no território Kambiwá e entrevistas
não-estruturadas com moradores e artesãos da comunidade;
ƒ Consulta bibliográfica de obras indigenistas;
ƒ Consulta bibliográfica acerca da temática de adornos pessoais e
joalheria;
ƒ Leitura complementar sobre conceitos inerentes ao estudo, como
cultura, identidade, design, artesanato e design artesanal.
Análise | fase de entendimento do contexto
ƒ Seleção dos elementos [materiais e imateriais] que irão compor o
banco de imagens;
ƒ Registrar em fotografia estes elementos e montar o banco de
imagens;
ƒ Definição do público-alvo e análise do perfil de vida;
ƒ Analisar outros adornos similares que tenham uma referência
formal baseada numa identidade étnica ou que sejam elaborados
com materiais não-tradicionais à joalheria.
Síntese | fase de formatação das idéias
ƒ Definição das imagens-chave que serão trabalhadas no projeto;
ƒ Através do embasamento adquirido e do público-alvo, definir os
partidos projetuais;
ƒ Gerar alternativas [esboços];
ƒ Seleção de alternativas;
ƒ Detalhamento das alternativas selecionadas;
ƒ Modelagem virtual e real;
ƒ Fabrico de modelos para avaliação [mock-ups];
ƒ Prototipagem final.
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Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
[Definição dos
termos usados]
Para prosseguir com a leitura e entendimento deste trabalho,
sente-se a necessidade de clarificar quais conceitos estão em uso
aqui, tais como o de Cultura, Identidade e Design, bem como a
inter-relação entre eles.
Cultura
Podemos considerar ‘cultura’ como sendo um produto da
capacidade humana [e que diferencia o homem dos outros seres
vivos] de comunicação, pois o antropólogo americano
HERSKOVITS a descreve como “a parte do ambiente feita pelo
homem”. LARAIA coloca que a cultura resulta de um processo
acumulativo através das gerações. E só pôde sê-lo porque existiu
compartilhamento das informações, através da capacidade de
comunicação.
SAMPAIO comenta que definir cultura é algo extremamente
complexo, mas defende que é um processo construtivo constante e
não algo estagnado. Ainda sob sua perspectiva, é “aquilo que, ao
mesmo tempo, faz com que os homens se transformem e possam
ser apresentados, conhecidos e compreendidos por outros
homens”, seja esta cultura apresentada de forma material ou
imaterial. Este é o conceito que se deve ter em mente na leitura
deste trabalho.
Segundo as diferentes fontes, concorda-se que a cultura está
associada à comunicação, como um sistema simbólico. Sistema
esse partilhado pelos membros da mesma cultura e que é capaz de
se identificar e diferenciar das demais.
Identidade
Identidade é, para BARROSO [2004], um conjunto mutante de
referências em permanente movimento e evolução; quanto maior
esta dinâmica, maior será a capacidade de sobrevivência e de
renovação de uma nação [ou grupo].
5
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
A ligação dos símbolos com a cultura e identidade é citado por
LARAIA, quando reproduz o texto:
“Todo comportamento humano se origina no uso de símbolos. Foi
o símbolo que transformou nossos ancestrais antropóides em
homens e fê-los humanos. Todas as civilizações se espalharam e
perpetuaram somente pelo uso de símbolos. É o exercício da
faculdade de simbolização que cria a cultura e o uso de símbolos
que torna possível a sua perpetuação. Sem o símbolo não haveria
cultura, e o homem seria apenas um animal, não um ser humano.
O comportamento humano é o comportamento simbólico. Uma
criança do gênero Homo torna-se humana somente quando é
introduzida e participa da ordem de fenômenos superorgânicos que
é a cultura. E a chave deste mundo, e o meio de participação nele,
é o símbolo.”
E complementa, colocando que “todos os símbolos devem ter uma
forma física, pois do contrário não podem penetrar em nossa
experiência, mas o seu significado não pode ser percebido pelos
sentidos”.
Design
O entendimento de design, por sua vez, trilha o caminho do
pensamento. O processo intencional de pensar, organizar,
sistematizar, planejar, projetar e desenvolver objetos a partir de
oportunidades identificadas no mercado; é isto que SANTOS
chama de design. Um pensamento não errado, mas muito
direcionado; adotar-se-á aqui um pensamento mais próximo da
visão mais generalista de PAPANEK. Este coloca a procura de
soluções de trabalho imediatamente aplicáveis aos problemas do
mundo real como uma definição. Essa prioridade da necessidade
do ser humano em interagir é, neste trabalho, mais importante
que a necessidade do mercado. NIEMEYER faz outra abordagem,
com a qual seguirá este trabalho, quando aproxima o design do
processo de comunicação [tal como acontece com cultura].
Colocando-o numa posição de interlocução, afirmando que o
design é mais do que projetar produtos: é resolver os problemas
de diálogo do ser humano com si mesmo, com os outros e com o
6
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
mundo. Assim, o design faz parte da formação da identidade, no
momento em que interfere nas referências que fazem parte da
cultura.
Por fim, NIEMEYER considera que todas as interações humanas
envolvem emoções, incluindo as que são feitas com o mundo
material. E continua, afirmando que “o novo papel do design de
objetos parece ser o de inserir os valores humanos e da
sensibilidade no mundo material, para fazer as interações menos
impessoais e estritamente funcionais e mais relacionais,
agradáveis e confiáveis”.
Vê-se, assim, que o design está ligado à comunicação
[normalmente não verbal, mas por meio de símbolos; sejam estes
em duas ou três dimensões] tanto quanto à cultura de um modo
geral. O designer é agente de transformações na cultura material e
imaterial.
Artesanato
A definição de artesanato é algo complexo e geralmente polêmico.
Talvez pela etimologia da palavra, há uma confusão ente o
processo e o produto: nem tudo proveniente de uma produção
artesanal pode ser considerado artesanato. Essa problemática
assombra as mais diferentes áreas, mas em especial as que têm a
árdua tarefa de classificar diversos trabalhos nas tipologias de
artesanato, arte popular, trabalhos manuais e arte, além de
diversas outras subcategorias. Tal classificação normalmente está
associada às diretrizes de programas de apoio à produção
artesanal, tanto da iniciativa privada, social ou governamental.
A definição oficial por parte do governo brasileiro pode ser
localizada no Regulamento do IPI2, colocando o artesanato como o
resultado de trabalho manual realizado por pessoa natural, que
atenda a duas condições: não contar com o auxílio ou participação
de terceiros assalariados; e cujo produto seja vendido a
consumidor, diretamente ou por intermédio de entidade de que o
[2] Imposto sobre Produtos Industrializados, descrito no
decreto nº. 4.544 de 26.12.2002, art. 7º, inciso I
7
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
artesão faça parte ou seja assistido. Por essa definição oficial,
praticamente qualquer resultado de produção familiar ou informal
pode ser encaixado na condição de artesanato.
Já no Simpósio Internacional da UNESCO, [Manila, 1997],
intitulado O Artesanato e o mercado internacional: comércio e
codificação aduaneira, considera que produtos artesanais são os
“produzidos por artesãos, totalmente à mão ou com a ajuda de
ferramentas manuais, ou, ainda, com a utilização de meios
mecânicos, desde que a contribuição manual direta do artesão seja
o componente mais importante do produto acabado. São
produzidos sem limitação de quantidade e utilizam matériasprimas procedentes de recursos sustentáveis. A natureza especial
dos produtos artesanais se baseia em suas características
distintivas, que podem ser utilitárias, estéticas, artísticas, criativas,
vinculadas à cultura, decorativas, funcionais, tradicionais,
simbólicas e significativas religiosa e socialmente”. Este conceito
da Unesco interliga o produto final ao seu modo de produção. Essa
é a definição empregada na temática desta monografia. Percebese que tal conceito está objetivamente ligado à atualidade do
artesanato mundial, onde se faz uso de mecanização, aproximação
lógica ao mercado, ao mesmo passo em que coloca o ser humano
e sua capacidade de interferir nos materiais à sua volta como fator
determinante.
Isso se faz valer também na concepção do escritor mexicano
Otávio Paz [apud LIMA], para quem falar de artesanato é falar
mais de pessoas do que de objetos, pois o produto resultante do
trabalho artesanal é um produto "com alma", onde estão presentes
e se fazem notar o saber, a arte, a criatividade e a habilidade
humana. Ele diferencia o objeto industrial, o artesanal e o de arte
dizendo que “o artesanato não quer durar milênios nem está
possuído pela pressa de morrer logo. Transcorre com os dias, flui
conosco, desgasta-se pouco a pouco, não busca a morte nem a
nega: aceita-a. Entre o tempo sem tempo dos museus [destino
dos objetos de arte] e o tempo acelerado da técnica [produto
industrial, que rapidamente é superado], o artesanato é palpitação
do tempo humano. É um objeto útil, mas também belo; um objeto
que dura, mas que acaba e se resigna a acabar”.
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Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
Design
Artesanal
Se o design tem seu surgimento ligado à dissociação entre o
projetar e o executar [tarefa delegada à indústria, que se
especializou na produção repetitiva, rápida e massiva], hoje
percebe-se uma reaproximação do executor original: o artesão.
BARROSO [2004] aponta que nos últimos anos começam a surgir
intervenções cada vez mais freqüentes e sistemáticas na produção
artesanal, promovidas por diversos organismos da esfera pública e
privada, em quase todos os países da América latina, cuja principal
motivação tem sido a necessidade de integrar à vida econômica
destes paises uma atividade que durante muito tempo foi
marginalizada e tratada apenas dentro da ótica da assistência
social.
Essas novas ações já foram e ainda são criticadas por vários
segmentos, como sociólogos, antropólogos, artesãos, arquitetos e
designers. BARROSO [2004] se posiciona quando observa que em
alguns programas, existe o mérito de preservar o artesanato em
sua pureza original, porém, preservando também a miséria do
artesão e a sua falta de perspectivas.
Percebe-se que a manutenção de um artesanato nas suas
condições de subsistência e demanda interna da comunidade não
se sustentam quando se intenta a geração de renda. Como
mencionado antes, o design pode interferir na compatibilização
entre esses dois universos, sem detrimento de nenhuma das
partes [artesanato ou mercado].
Entende-se que a maior preocupação é a de que o artesanato, com
uma intervenção relacionada prioritariamente ao mercado, possa
desvirtuar a essência do produto original, deformando valores e
tradições e deturpando a percepção de identidade cultural. É uma
preocupação válida e deve estar em mente quando da realização
de uma intervenção de design no artesanato, mas não deve
impedi-la.
9
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
A atuação deve ser não apenas da otimização da produção,
redução de custos e promoção de canais de distribuição, mas de
agregação de valor cultural, que neste caso se reflete na
valorização das tradições, da habilidade dos artesãos e das
relações existentes no interior dos grupos produtivos. Esse saber
antigo e tradicional que perseverou ao longo dos anos como algo
útil e capaz de garantir a sobrevivência da comunidade.
Cultura
Material
O termo ‘cultura material’ foi inicialmente empregado para
designar os objetos das colônias americanas que eram mostrados
à Europa. Termo esse empregado jocosamente, colocando a
cultura européia como o ápice do desenvolvimento cultural e as
demais como atrasadas. A expressão significava, então, que
aqueles grupamentos humanos tão “atrasados” eram capazes de
produzir artefatos rudimentares aos quais se dava o nome de
produtos de cultura material.
Dentro da antropologia, porém, o termo adquiriu posteriormente
um caráter que pode tanto definir não só os tradicionais machados
de pedra, mas também os tecnológicos aparatos eletrônicos.
Existe um valor simbólico agregado a cada objeto vinculado a uma
cultura. Valor este relacionado à identidade, à matéria-prima
conhecida, às formas de relacionamento, ao status social, dentre
outros. NOGUEIRA defende que cultura material é pois, tudo
“aquilo que o homem cria ou concebe e que utiliza na sua vida
quotidiana, de modo a extrair do meio envolvente tudo o que
necessita".
Diferente da autora citada, aqui não se entende o objeto como
elemento capaz de transpor o tempo, tornar-se contador de
histórias, um veículo de transmissão cultural. Adotar-se-á o
pensamento mostrado por BARBOSA. Este aponta que se
tomarmos os artefatos não mais como objetos concretos,
descritíveis do ponto de vista formal e de uso, mas como unidades
significantes de uma mensagem visual estruturada, deparamo-nos
com o aspecto relacional – logo, imaterial – destes elementos que,
vistos desta maneira, podem ser referidos por “signos” dentro da
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Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
semiótica descrita por Peirce. Demonstra assim que o objeto tem
sua mais valia na imaterialidade que carrega, relacionada às
pessoas que o elaboraram e utilizaram.
Esse conhecimento, do conceito mais a função, é que faz com
que se transmita através das gerações ou que sejam difundidas
em outras culturas, enquanto os objetos em si rapidamente se
desgastam ou são consumidos. Percebe-se então a leitura de
cultura material não como o objeto sendo parte da cultura ou a
cultura estando no objeto, mas sendo a sua representação física,
instrumental, remetendo sempre ao conhecimento e uso
[imaterial] inerentes àquela cultura.
11
Adornos
“O mais difícil não é fazer o mais complicado.
Design é mais inteligência com menos matéria”
Eduardo Barroso
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
[Adornos]
Os adornos de uso pessoal são definidos por SANTOS [e
empregado aqui], como todos os objetos utilizados pelo
homem sobre o corpo, envolvendo partes do corpo, interferindo
no mesmo, tendo significado dentro da sociedade, seja denotando
status social, religioso, econômico, cultural, dentre outros.
Excluem-se, entretanto, acessórios como roupas, sapatos,
chapéus, luvas, bolsas, broches, grampos de cabelo, leques, etc.
Embora os piercings possam ser categorizados como adornos, não
serão vistos em detalhes pela linguagem própria que possuem e
por se destinarem a um público específico; público este que não se
compatibiliza plenamente com o abordado neste trabalho.
AMARAL complementa, dizendo que os objetos manipulam-se
sempre como sinais que distinguem o indivíduo, quer filiando-o no
próprio grupo, quer desmarcando-o do respectivo grupo.
História
O registro histórico da evolução do uso de adornos está ligado ao
fascínio por metais e gemas, que se deu quando o homem tomou
conhecimento das suas possibilidades de uso. Entretanto, outros
adornos feitos com materiais orgânicos antes da idade dos metais
é conhecido, tomando por exemplo, colares feitos com escamas de
peixes, dentes e ossos de animais. SANTOS indica que o adorno
surge e perpetua-se como veículo de comunicação e expressão da
cultura.
PEDROSA coloca que o mencionado fascínio é o resultado da
“atração por materiais raros e belos, o desejo pelo embelezamento
do corpo, o status e a superstição representada pelo poder
atribuído a determinadas gemas”.
Com os incrementos nas técnicas de fundição e descoberta de
novos metais e ligas, desde 5000 anos antes de Cristo, existiram
sucessivas especializações dos artesãos que trabalhavam com
metais entre ferreiros, ourives e outras categorias, relacionadas à
matéria-prima de trabalho e aplicação do produto final. Assim,
metais como ferro e bronze tiveram menor prestígio pela
abundância e foram destinados a utilizações coerentes com suas
12
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
propriedades físicas [armas, armaduras, equipamentos para
cavalos, panelas, etc.]. Ao passo que os metais raros se
destinavam ao trabalho mais valorizado [dos ourives, por
exemplo] e eram empregado em objetos decorativos e para a
cunhagem de moedas.
Na Antiguidade, destacaram-se os Egípcios, Etruscos e Gregos nos
elaborados colares e ornamentos de ouro, símbolo de nobreza e
destaque [material ou espiritual, no caso de sacerdotes e clérigos].
A Idade Média se caracterizou pela supremacia da Igreja Cristã,
com jóias policrômicas que expressavam os ideais do cristianismo
e do amor idealizado, tema central de praticamente toda a
joalheria da época.
No Renascimento, artistas eram contratados por mecenas para
desenhar peças que fossem produzidas pelos ourives com técnicas
de esmaltação, gravação e cravação. Como tendência da época,
havia o apreço pela Antiguidade Clássica Greco-Romana.
No período Barroco, o valor da peça superava o desenho.
PEDROSA caracteriza este período dizendo que as jóias eram mais
“um símbolo de status social devido à grande quantidade de
gemas na mesma peça em detrimento do design, que perdia sua
expressão artística”. No período Rococó, as jóias eram
assimétricas e mais leves que as Barrocas. É nesta vertente
artística que surgem jóias para o dia [leves] e para a noite [que se
sobressaiam sob as luzes dos candelabros].
A seguir, no período Neoclássico, as formas das jóias regressavam
às linhas de inspiração grega e romana. Também se adequavam à
simplificação do vestir e dos anos de mudanças políticas em toda a
Europa e América do Norte que se seguiram à Revolução Francesa.
No complexo século XIX, a joalheria foi marcada pelas grandiosas
peças criadas para a corte do Imperador Napoleão I e que
serviram de padrão para toda a Europa até à Batalha de Waterloo,
em 1815. Estas peças eram conjuntos de jóias compostos de
13
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
tiaras, brincos, gargantilhas ou colares, e braceletes
fantasticamente adornados com gemas como o diamante, a
esmeralda, a safira, o rubi e a pérola. Em contrapartida, surge o
Romantismo, com uma volta à Antiguidade e aos tempos
medievais.
O crescente gosto pelo luxo, encorajado pela prosperidade e lucros
advindos da Revolução Industrial, gerou uma sociedade elitizada,
para a qual foram criadas jóias guarnecidas quase que somente
com diamantes, principalmente depois da descoberta das minas da
África do Sul na década de 60[séc. XIX]. Tal descoberta
“transformou o caráter da joalheria, que por várias décadas se
concentrou no brilho em detrimento da cor, do desenho e da
expressão de idéias”, como bem coloca PEDROSA.
O século XX foi iniciado com um retorno às inspirações da Belle
Èpoque do século XVIII, onde a as linhas leves das flores e um
novo material [platina] reagiam à demasia dos diamantes. Ainda
no começo do século, a corrente Art Nouveau introduziu materiais
orgânicos na ornamentação pessoal, usando desenhos com
inspiração na natureza e executados em materiais como marfim e
chifres de animais, escolhidos mais pela sua qualidade estética do
que por seu valor intrínseco. Com o início da I Guerra, o
movimento enfraqueceu e findou. Com o fim da Guerra, em 1918,
é a vez do estilo Art Decó, associado ao Cubismo, ao
Abstracionismo e ao surgimento da escola Bauhaus, na Alemanha.
Depois da 2ª Guerra Mundial e após se reerguer da crise dos anos
30, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa as jóias serviam
não apenas para uso, mas também como investimento financeiro.
A ênfase passou a ser na qualidade das gemas, e o desenho das
peças relacionava-se com a moda. A partir da segunda metade do
século XX, novas idéias, conceitos e materiais passaram a ser
usados. Fugindo do tradicional e repetitivo, com a introdução de
metais [como titânio e nióbio] e de diferentes tipos de plásticos e
papéis, os designers buscaram novos caminhos de expressão.
Atualmente, os adornos e a joalheria estão ligados a um mercado
consumidor sempre crescente e ansioso por inovações tanto nas
14
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
técnicas de fabricação, quanto na expressão dos estilos e conceitos
escolhidos.
Valor
Como visto no breve retrospecto, a mudança de valores dos
adornos entre a forma e o valor material acontece ciclicamente e
atualmente o valor passa a ser mais pela estética, qualidade, e
inovação do que pela peça de alto preço destinada a durar. Esta
mudança representa uma evolução de consciência no uso de
materiais, sem com isso deixar de lado o sentido do objeto. Um
paralelo pode ser traçado com a cunhagem de moedas [elemento
referencial para trocas]. Inicialmente cunhadas em material nobre
como ouro ou prata, posteriormente passaram a ser moldadas e
estampadas com o valor do material empregado. Atualmente, o
valor do material é praticamente o mesmo [por exemplo], na
produção da cédula de um real e na que economicamente, pode
valer 100 vezes mais. O valor passa a ser convencionado ao invés
do material empregado.
Claro que as jóias de ouro, prata, platina e gemas não deixarão de
ser investimentos pelo valor que carregam, mas deixarão de ser a
única forma de adorno capaz de denotar riqueza, sofisticação e
elegância.
A arquiteta e designer Mariana Brasil [in: Lista de Discussão
Internet] critica de forma enfática este ainda apego ao valor
material, quando coloca: “Será que só podemos considerar jóia
quando o seu metal for nobre e a sua pedra preciosa? A jóia traz
em si uma questão de poder econômico, ela representa um status,
porém, então, por que não apenas pendurar barrinhas de ouro no
pescoço e nas orelhas?”
E complementa: “será que ‘jóia’ diz respeito à durabilidade da
peça? Será que jóia tem que ser eterna, enquanto bijuteria é
efêmero, é de moda?”
Regina Machado [apud JACOMINO] também confirma a idéia,
afirmando que “hoje, as pessoas não compram anéis, colares ou
15
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
brincos cujo valor esteja apenas no material usado, mas no
design, no estilo e na idéia que aquela peça contém”.
Quilate
A palavra ‘quilate’ tem origem no árabe quirat e quantifica a
pureza de ouro ou de pedras preciosas. Para o ouro, o peso é
dividido em 24 partes; destas, as que forem de ouro determinará o
quilate. Assim, ouro 24 quilates [unidade K] é formado por ouro
puro; o ouro 18K é composto de 75% de ouro e os 25% restantes
de outro metais. Estes metais e suas proporções determinam a cor
do ouro [amarelo, branco, verde, vermelho, rosa, etc.], portanto,
pode-se ter ouro 18K de diversas cores. O ouro puro [24K] não é
usado em joalheria; ele é usado em instrumentos científicos, na
indústria eletrônica e, principalmente, como lastro monetário, na
forma de barras e lingotes. Para outros metais [e também para o
ouro] é usada outra mensuração: prata 1000 significa 100% prata
pura, ao passo que a prata 750 é 75% de prata e 25% de outros
metais.
Para a gemologia, o mesmo nome quilate [mas simbolizado por ct]
representa a quinta parte do grama, ou 200 miligramas. Para as
gemas, o quilate mede a massa da pedra preciosa. Mas o preço da
gema varia também conforme claridade, lapidação e raridade do
material.
Típico e exótico
Adjetivos antagônicos que podem descrever as mesmas coisas. O
típico está nas coisas cotidianas, nos afazeres e saberes do dia-adia ao qual, pela repetitividade, nem se dá mais importância. É o
banal, o “que todo mundo sabe” [todos que são membros da
cultura em questão] e, justamente por isso, é a “cara” do grupo ou
da região. O exótico é o exógeno, o novo, o peculiar, se mede pelo
quanto não se sabe acerca daquilo. O diferente do lugar comum ao
qual estamos acostumados. Independente se a primeira impressão
é boa ou não, o exótico desperta curiosidade em quem vê, que
busca identificar naquele elemento estranho alguma referência do
próprio universo.
16
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
Ainda assim, o exótico é típico. Pelo menos em algum lugar. As
cores vibrantes, típicas da fauna equatorial, são exóticas à
sobriedade da Europa e América do Norte. Os nativos précolombianos não davam tanta importância ao ouro e prata
justamente pela abundância, ao contrário dos exploradores
espanhóis, que tinham grande avidez por estes materiais.
Atualidades
de mercado
Segundo dados do IBGM [Instituto Brasileiro de Gemas e Metais
Preciosos], o país é bem cotado enquanto fornecedor de matériaprima, ocupando a primeira posição mundial em exportação de
gemas brutas. No mercado de gemas lapidadas, contudo, está
apenas no vigésimo terceiro lugar. No caso da prata e ouro, o
quadro não é muito diferente. Ainda assim, entre os anos de 2003
e 2004 a exportação de gemas e metais não registrou variação,
enquanto a de jóias teve um substancial aumento de 37%.
Embora não existam dados oficiais comprobatórios, o Brasil
destaca-se nas biojóias, ou jóias vegetais. Partindo
conceitualmente de designers, estas jóias associam materiais não
tradicionais [como tecido, sementes, madeira, etc] ao universo da
joalheria convencional.
Para BARROSO [2005], a tendência do mercado internacional [e
porque não dizer, de alto padrão a título nacional] tende a
valorizar aquilo que é único, de inspiração étnica, com forte
referência cultural. Essa observação valida os conceitos de
identidade e cultura mencionados antes: a busca em fazer parte
de uma sociedade e, ao mesmo tempo, evidenciar-se dos demais
com artefatos únicos e de forte carga cultural, desejando assim um
prestígio pela distinção econômica, social e cultural.
17
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
Tipologia de adornos
Conceitos
Mariana Brasil [in: Lista de Discussão Internet] ressalta que “não
podemos esquecer que a jóia é um ornamento para o homem. Um
artefato que pode demonstrar, além da riqueza e do poder, a
criatividade ou uma identidade”. O adorno é uma peça que se vale
do corpo humano, interfere no entendimento deste, mas também
sofre interferência. Pelo visto na parte histórica, a supervalorização
do objeto se dá quando há disponibilidade de recursos [descoberta
de ouro nas Américas ou jazidas de diamante na África] ou quando
se deseja enaltecer a posse de riquezas [caso de Napoleão ou dos
Estados Unidos após a recuperação da quebra da bolsa em 1929];
num momento posterior, é invertida a condição de exaltação do
objeto.
Cris Koelle [in: Lista de Discussão Internet] observa que a “jóia é
nobre. A joalheria sempre acompanhou a nobreza, foi inacessível à
plebe por milênios. Para alguns povos, em várias fases de nossa
história, a importância da Jóia era possuir algo incomum, um valor
que significasse uma grande dificuldade de obtenção”. Este objeto
incomum pode ser pela raridade [caso do marfim, platina ou
esmeralda, por exemplo] ou pelo significado, como uma pena de
ave rara, a orelha de um inimigo ou o dente de um animal feroz,
que tem um alto grau de dificuldade de obtenção e são apreciadas
pelas culturas que as compreende.
Deste modo, o objeto interfere no entendimento do homem ao
mesmo tempo em recebe interferência. O objeto complementa o
homem e vice-versa. O predominante é o conjunto homem|objeto,
que reside na história da relação e na diferenciação social que o
adorno demonstra juntamente com seu usuário [através da
capacidade de escolha do possuidor].
18
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
Os adornos são diferenciados em:
ƒ Jóia | objeto de adorno pessoal, confeccionado com materiais
convencionados como nobres, valiosos e caros; vinculados à
circulação comercial de metais e pedras preciosas. No caso dos
metais, qualquer um que seja diferente do ouro, da prata e da
platina não figura no campo das jóias tradicionais.
ƒ Bijuteria | do francês bijou [“jóia”] ou bijoux no plural,
aportuguesado de bijouterie [joalheria]; adquiriu uma conotação
de falsa jóia. Confeccionada com plástico, resina, vidro, ou metais
folheados; peça de menor valor, imitação para uso cotidiano, de
uso massificado. Podem ser produzidas em escala manual, semiindustrial ou industrial.
ƒ Artesanato | faz uso de sementes, cerâmica, fibras naturais,
couro, madeira, frutos, etc. Usam quase que exclusivamente
materiais renováveis, extraídos diretamente da natureza.
Comumente se valem de fios industriais como base para a
montagem dos elementos citados.
ƒ Biojóia | elaborada com matéria orgânica, contudo, usando
outros materiais como metais e gemas, além dos encaixados no
artesanato. Outra diferença é que normalmente são projetadas por
designers e podem fazer uso de elementos naturais nãoconvencionais, como o marfim vegetal. Entretanto, a maior
diferenciação é a mistura de elementos com um claro
favorecimento do orgânico: o mineral é complemento.
Tipologia de adornos
Morfologia
O adorno pessoal é, na concepção de SANTOS, um objeto que tem
o corpo humano como suporte. Logo, pensar nesses adornos está
associado a pensá-lo no corpo humano, ou em alguma parte dele.
A classificação proposta a seguir baseia-se na observação de jóias
no cotidiano e na apresentação de algumas joalherias. Esta
19
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
classificação é pessoal e não referenciada em nenhum outro
trabalho prévio.
Pescoço, colo e dorso
ƒ Gargantilha: de comprimento reduzido, fica justa à circunferência
do pescoço. Geralmente de material rígido na parte que fica em
contato com o pescoço, pode ter elementos associados ao longo do
suporte e/ou elementos verticais. Neste caso, geralmente são
centralizados. Quando do uso de material rígido, não
Imagem 1
Exemplos de gargantilha e
pendente
necessariamente precisam de elemento fechador, pois a colocação
ou retirada é pelo alargamento da circunferência do suporte.
ƒ Colar: flexível, acompanha as curvas do pescoço e peito. Pode
dar mais de uma volta ao redor do pescoço ou ser composto,
quando tem mais de um fio independente. Normalmente composto
por fios de elementos repetidos, com ou sem espaçamento entre
eles, podem também ter elementos de maior comprimento
vertical, formando uma superfície no pescoço e colo. Tais
elementos verticais podem cair sobre o peito e tronco ou pelas
costas. Subdividem-se em:
Imagem 2
Exemplos de colares de
diferentes comprimentos
ƒ
Colar de pescoço ou coleira; geralmente de uma única
volta, tem comprimento reduzido, ficando justo na
circunferência do pescoço.
ƒ
Colar de colo; de uma ou mais voltas, pode ter elementos
verticais associados. De maior comprimento que o de pescoço,
fica numa linha de altura aproximadamente 10 centímetros
abaixo do pescoço.
ƒ
Colar de tronco; de maior comprimento, podendo ir da
altura do diafragma até a cintura. Geralmente fica sobre a
vestimenta, não entrando em contato com a pele durante o
uso.
ƒ Pendente, pingente, berloque: um único elemento de destaque
atado a um cordão ou corrente. Deste elemento de tamanhos
Imagem 3
Exemplos de anéis: simples e
cobrindo mais de uma falange
variados podem derivar outras ramificações. Contudo, este
elemento se situa centralizado e evidenciado.
20
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
Dedo
ƒ Anel: envolve a falange proximal de qualquer dedo, podendo ter
praticamente qualquer comprimento. Os mais simples geralmente
têm seção em formato circular ou de um polígono regular. Pode ter
uma face plana onde podem ser colocados outros elementos ou, se
sobrepor a outras falanges. No caso de cobrir mais de uma falange
do mesmo dedo, normalmente usam articulação.
Imagem 4
Exemplo de pulseira
Pulso, braço e tornozelo
ƒ Pulseira: flexível, contorna o pulso em uma ou mais voltas. Pode
ser inteiriça, de elemento elástico ou com fechador. Pode ter
elementos associados repetidos, intercalados ou espaçados, ou
ainda um só elemento central. Pode ser usadas no braço ou no
pulso.
ƒ Bracelete: mais elaborado que a pulseira, ocupa uma área maior
no pulso ou braço. Mais rígido que a pulseira, por vezes fazendo
uso de fechadores. Pode parecer uma associação de pulseiras
similares, mas tem uma base que define o espaçamento entre
elas, coisa que as pulseiras apenas não conseguem definir.
ƒ Tornozeleiras: variante de pulseira usada no tornozelo.
Imagem 5
Exemplo de brinco pontual
Orelhas
ƒ Brinco: colocado na orelha, quase sempre no lóbulo, pode
também ser colocado em qualquer ponto da parte mais externa da
orelha. Nem sempre é necessário o furo para colocação do brinco
[embora seja o mais comum], pois este pode ser afixado por
pressão ou usando um tipo de cola. É uma das formas de adorno
que precisa de intervenção física no corpo [furos na orelha] que
ainda permanecem até hoje culturalmente massificada.
Subdividem-se em:
ƒ
Brinco pontual; fica inteiramente na orelha, de tamanho
reduzido, não sendo maior que o lóbulo.
ƒ
Imagem 6
Exemplo de brinco vertical
Brinco vertical; tem mais elementos que o pontual,
passando dos limites do lóbulo. Podem ser argolas, simples
elementos caídos ou complexos arranjos.
21
Povos Indígenas (do Nordeste)
“Hoje podemos contar a resistência porque existe;
mas os que foram extintos não se avalia...”
Marilena Araújo | Professora Xukurú
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
[Povos Indígenas
(do Nordeste)]
Visão Geral
O processo colonizador instalado no Brasil a partir de 1500 teve a
marca do etnocentrismo europeu. A partir do contato entre
colonizadores e povos colonizados, suas sociedades e culturas
foram consideradas como uma ameaça à homogeneização cultural
desejada pelo colonizador português. Esses povos eram
considerados como sociedades em processo de transição, seus
modos de vida estavam fadados ao desaparecimento e sua
integração à sociedade nacional era a meta principal da ação
governamental. Desde então as relações entre povos indígenas,
Estado e sociedade brasileira são marcadas por conflitos políticos,
associados a interesses econômicos, culturais e sociais, visto que
os povos indígenas não se acomodaram lutando e continuam
resistindo à dominação até os dias atuais.
Durante o processo da Assembléia Nacional Constituinte, na
década de 1980, os povos indígenas participaram ativa e
efetivamente do processo, através da mobilização e organização
política, reivindicando o reconhecimento de serem povos
diferenciados no território brasileiro com direitos específicos. Assim
a Constituição Federal do Brasil de 1988, em seu artigo 231, faz
saber:
“reconhece aos índios sua organização social, costumes, línguas,
crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las,
proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
Imagem 7
Placa na entrada da reserva
indígena
Isso significa que compete ao Estado brasileiro desenvolver
políticas para garantir, valorizar, respeitar e proteger o patrimônio
material e imaterial desses povos.
22
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
O que os Brasileiros pensam sobre os índios
Numa pesquisa realizada em fevereiro de 2000, que o Ibope
conduziu a pedido do Instituto Socioambiental, a pesquisa
intitulada “O que os brasileiros pensam dos índios?”, chegou às
conclusões apresentadas a seguir, tendo ouvido duas mil pessoas.
Pela apuração das entrevistas, constatou-se que 81% acham que
eles [os índios] não são preguiçosos e apenas encaram o trabalho
de forma diferente da nossa; 89% afirmam que eles não são
ignorantes e apenas possuem uma cultura diferente da nossa.
Em sua maioria, os pesquisados aceitam a existência física e
cultural dos índios, competindo ao governo fazer valer seus
direitos. Dos entrevistados, 82% acham que o governo federal
deveria atuar para evitar a extinção dos povos indígenas e para
promover a sua defesa. 75% acham que os índios precisam ser
protegidos e ensinados e 93% afirmaram que eles devem receber
uma educação que respeite os seus valores
Numa perspectiva de futuro, 92% dos entrevistados consideram
que os índios deveriam continuar vivendo como tais e que, para
isso, o governo deveria priorizar a implantação de programas de
saúde e de educação adequados [48%], realizar a demarcação das
suas terras [37%] e estimular a produção de bens voltados para o
mercado [31%].
Perguntados especificamente sobre o caso dos índios que falam
português e se vestem como os não-índios, 70% dos brasileiros
consideram que os seus direitos territoriais devem ser mantidos.
Outros 67% discordam que os índios deveriam ser preparados
para abandonar a selva e viver como nós.
Percebe-se que esses indicadores refletem a visão do índio
genérico citada a seguir, e que não podem ser tomados como
verdade absoluta para a parcela nordestina. Ainda assim, denota
uma preocupação com a questão indígena, sua cultura e um certo
otimismo quanto à sua preservação.
23
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
História e valores
de Pernambuco
A imagem do índio no repertório coletivo foi construída com
algumas poucas referências a grupos específicos e disseminadas
massivamente pela mídia. Sobre isto, BARBOSA faz uma
interessante colocação, dizendo que “a imagem indígena é
retratada a partir de elementos significativos, retirados do
‘repertório’ que o público adquiriu [...] de um índio
internacionalmente genérico; podendo ele ser um Kayapó, um
Moicano ou um Sioux, indiferentemente”.
A existência de índios na região Nordeste é algo não muito bem
assimilado pela sociedade em geral. E tal negativa tem
precedentes em órgãos oficiais: BARBOSA menciona que no ano de
1872, o Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas
ordenou a extinção de todas as aldeias indígenas da então
província de Pernambuco. Isso significava um órgão oficial
negando a existência anteriormente citada. Esta condição permitiu
uma apropriação “legal” das terras por parte das famílias
tradicionais de fazendeiros. Deste modo, a identidade de ser índio
foi ocultada, como parte de uma estratégia adotada por vários
povos da região para proteger a si mesmos das represálias,
ameaças e violência exercidas contra eles. O fato mais conhecido
Imagem 8
Cacique Xicão em depoimento
dessa agressão foi o assassinato do cacique Xicão Xukurú em 20
de maio de 1998.
Assim, esta afirmação de ser indígena reside não na herança
genética dos ancestrais, ou seja, um índio conforme os moldes
descritos adiante, ou seja, “puro”; e sim na cultural, que
permaneceu viva, embora encoberta pelos motivos citados
anteriormente. Os poucos autores que estudaram esses grupos
concordam e ressaltam a resistência obstinada destes, ainda que
fosse esta uma atitude passível de retaliações.
Outro ponto a ser percebido é que no Nordeste, a população
indígena se misturou também à de negros fugidos ou livres,
formadores de numerosos quilombos. Fato é que ambas não eram
benquistas pelos fazendeiros das regiões, e ambas necessitavam
24
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
de terra para garantir a sobrevivência no sertão bravio. Assume-se
então que para não perecer em um ambiente hostil [natural e
social], as duas etnias se misturaram, coexistindo pacificamente e
interagindo no sertão. Isso causou a tão aclamada mistura dos
três povos: os brancos da população sertaneja, os indígenas e os
negros. Tal mistura fez com que os fenótipos de cada um não
fosse mais igual ao dos antepassados, tirando a “cara de índio”
Imagem 9
Detalhe de um painel sobre as
etnias feito pelos alunos da
escola Aimberê.
que hoje lhes é cobrada pela população desinformada acerca da
longa trajetória de resistência para não deixar os ritos e cultura
desaparecer por completo.
A situação se sustentou por cerca de 100 anos [este tempo é
diferente para as diversas etnias], quando apenas nas décadas de
70 [internacional] e 80 [nacional] do século 20 foram realizados
estudos que reconheceram esses povos indígenas. Processo esse
de revivescência ou ressurgimento destes grupos indígenas. Razão
pela qual o significado das etnias sugere algo em construção: a
exemplo dos próprios Kambiwá, literalmente significando “Retorno
à Serra Negra”.
Imagem 10
Detalhe de um painel sobre as
etnias feito pelos alunos da
escola Aimberê.
Este ponto do sentimento do pertencer a um local, por parte do
grupo, é objeto de apreciação diferenciada. A demarcação do
território se dá na instância dos limites políticos dos municípios,
mas a ligação histórica e cultural não contempla esses limites. Na
realidade, percebe-se que o território sagrado para as diversas
etnias são serras ou outro tipo de acidente geográfico.
A população indígena em Pernambuco é formada por oito povos
[de forma oficial, com área demarcada e posto indígena da Funai
instalado], situados entre o agreste e sertão do Estado, com uma
população de aproximadamente 27.500 índios [dados de 2000
divulgados pela Fundação Nacional de Saúde – FUNASA]. As etnias
assinaladas [*] são assistidas pela Funasa, mas o território não foi
Imagem 11
Detalhe de um painel sobre as
etnias feito pelos alunos da
escola Aimberê.
demarcado oficialmente. São eles:
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Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
Etnia
Território
Território
político
sagrado
Tradução
Atikum
Carnaubeira da
Penha
Serra de Umã
Pele forte
Fulni-ô
Águas Belas
Rio Fulni-ô
Povo que vive
na beira do rio
Kambiwá
Ibimirim
Serra Negra
Retorno à
Serra Negra
Kapinawá
Buíque
Mina Grande
Não disponível
Pankararú
Tacaratú
Cachoeiras de
Itaparica
Não disponível
Pankará*
Carnaubeira da
Penha
Pipipã*
Floresta
Serra Negra
Filho da Serra
Negra
Truká
Cabrobó
Ilha de
Assunção
Não disponível
Tuxá
Inajá
Margens do
São Francisco
Não disponível
Xukurú
Pesqueira
Serra de
Ororubá
Não disponível
Não disponível
Inserem-se aqui algumas colocações sobre os idiomas nativos dos
indígenas, para uma melhor compreensão da tabela acima. Nestes
idiomas não há diferença entre os vocábulos para índio, homem,
ser humano, povo ou o próprio nome da etnia; desta forma, fica
redundante colocar “índios xukurú”. Outro ponto de destaque é
Imagem 12
Detalhe de um painel sobre as
etnias feito pelos alunos da
escola Aimberê.
que nem todos os nomes de etnia tem seu significado conhecido.
Por este motivo também é convencionado não pluralizar os nomes
de etnias [“kambiwás”]. Isso porque nem sempre se trata de uma
autodenominação, pois podem ser nomes atribuídos por povos
inimigos, pessoas do antigo SPI [Serviço de Proteção ao Índio] ou
da Funai, que não compreendiam plenamente a língua e lhe deram
nomes, que acabam figurando nos registros oficiais, mas com os
quais os próprios indígenas não se sentem identificados.
Fruto do processo de mistura, o biótipo dos homens e mulheres
que formam essa população se assemelha aos dos moradores da
região. Se quisermos fazer algum tipo de distinção, tendo como
Imagem 13
Detalhe de um painel sobre as
etnias feito pelos alunos da
escola Aimberê.
referência o fenótipo entre os trabalhadores rurais sertanejos e os
indígenas, teremos pouco ou nenhum sucesso. Seus modos de
26
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
vida, sua forma de vestir, morar, alimentar, etc. em muito se
aproxima ao da população circundante. Suas vivências religiosas
são reinterpretações de cultos religiosos de diversas origens:
indígenas, africanos e cristãos.
Os povos indígenas em Pernambuco são monolíngües do
português, com exceção dos Fulni-ô, que são bilíngües, tendo
como língua materna o Yaathê. Os outros grupos lembram e
utilizam vocábulos de suas “línguas originárias” nos cantos dos
rituais; mas esse conhecimento não satisfaz as condições
necessárias para ser considerado um idioma. A língua dos povos
indígenas em Pernambuco é o português, mas isso não lhes retira
a identidade indígena, pois o fato de não falarem uma língua
própria não faz questionar a identidade étnica de um povo, tendo
em vista que a identidade indígena está referendada também em
outros elementos como na história, nas formas de praticarem seus
rituais, na utilização de seus territórios, na organização social e no
seu patrimônio material e imaterial.
Porém, o fato desses povos não apresentarem as características
físicas e culturais associadas ao imaginário da sociedade, veiculada
Imagem 14
Detalhe de um painel sobre as
etnias feito pelos alunos da
escola Aimberê.
massivamente pelos mais diversos meios [vivendo nus, caçando,
pescando, falando uma língua estranha, com cabelos lisos, etc.],
provoca vários tipos de preconceitos do lado da população
circundante, entre elas a compreensão de que são índios
"aculturados" e, portanto, não são mais índios autênticos. Dessa
forma o senso comum soma preconceitos com relação aos índios,
não considerando que esses povos têm 500 anos de contato com
os não-índios e nesse processo houve misturas culturais e
biológicas. Mas se isso provocou o desaparecimento de alguns
povos indígenas no Nordeste, também possibilitou que outros
resistissem e ressurgissem, reafirmando sua identidade,
assumindo a mistura, conforme pode ser observado na fala dos
Imagem 15
Detalhe de um painel sobre as
etnias feito pelos alunos da
escola Aimberê.
professores Xukurú:
"somos índios mesmo que tenhamos cabelos crespos, pele e olhos
claros, pois as nossas verdadeiras raízes correm nas nossas veias,
está na nossa mãe terra e na nossa história." [in: ALMEIDA].
27
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
Como pode ser observado, há um conflito eminente no que se
refere à identidade étnica dos povos indígenas, ligado às questões
de ordem jurídico-política e econômica, decorrência do processo
colonizador na região Nordeste. Essa miscigenação com os negros
e brancos, que lhes retirou os traços do “índio puro” também
confere aos indígenas um preconceito e estigma por parte da
população circunvizinha, que mal os reconhece como sertanejos,
tampouco como índios.
Assim, como a maior parte dos povos indígenas no Nordeste, "[...]
os Kambiwá foram atingidos pelas frentes de expansão econômica,
fazendo com que adotassem como estratégia de sobrevivência
física e cultural a omissão de sua identidade étnica, expostos à
repressão dos seus rituais pelos fazendeiros e também pelo
Estado; se juntando a negros fugidios e brancos descontentes e
Imagem 16
Detalhe de um painel sobre as
etnias feito pelos alunos da
escola Aimberê.
buscando áreas de refúgio [BARBOSA]."
A identidade étnica para os povos situados nessa região - assim
como toda identidade, seja ela étnica ou não - é construída sobre
dois processos: um de reorganização social e outro de
territorialização. O território é o espaço de produção e reprodução
cultural, fonte de inspiração para agir e interagir com a natureza e
a sociedade. É espaço de resistência cultural, de luta política e
econômica, de onde se retira a sobrevivência física e se garante a
sobrevivência cultural. No espaço geográfico e cultural vivem
conflitos e contradições; nele as pessoas depositam suas
esperanças e realizam suas lutas, ou seja, reconstroem seu
patrimônio cultural e sua cosmovisão. Vivem em contato
permanente com a sociedade local, estabelecendo vários tipos de
relações: comerciais, afetivas, políticas, religiosas, que são ao
mesmo tempo, harmoniosas e de conflitos. Convivem com o
preconceito da população do município, seja reconhecendo ou
negando-lhes a identidade indígena. É, pois, nesse contexto
Imagem 17
Detalhe de um painel sobre as
etnias feito pelos alunos da
escola Aimberê.
intersocietário, que os povos indígenas nessa região reelaboram a
sua identidade étnica, recriando seus saberes e práticas sociais.
Esse processo de reorganização é um desafio, pois a autoidentificação é um processo subjetivo que envolve organização,
informação e auto-estima.
28
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
No que se refere à atividade econômica, a agricultura é a fonte
principal de sobrevivência desses povos, dependendo das
condições climáticas, de políticas agrícolas e da terra para sua
sobrevivência física e cultural. Suas terras estão invadidas por
posseiros e fazendeiros e por isso estão em permanente conflito
pela retomada de seus territórios. Alguns povos produzem
artesanato usando recursos naturais da região como complemento
de renda.
Atualmente verifica-se também um aumento expressivo da
população indígena no Brasil. O Censo do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatísticas - IBGE do ano 2000, mostra que em 1991
os indígenas representavam 0.2% da população brasileira,
passando para 0.4%, ou seja, de uma população entre 280 a 330
mil indivíduos em 1991, o Censo contabilizou 701.462 índios que
significa um aumento de 138.5%. Essa situação denota que o
projeto homogenizador europeu não teve pleno sucesso, tendo em
vista que esses povos continuam aparecendo no cenário nacional
como grupos étnicos diferenciados.
Modus Vivendi
Kambiwá
O território Kambiwá foi demarcado pela primeira vez entre 1953 e
1954, pelo Ministro da Agricultura. Essa demarcação não
contemplava todo o território e ainda assim, foi logo invadido por
posseiros e fazendeiros, que cercaram a área com ‘farpados e
fardados’, expulsaram os indígenas e apoderaram-se das
Imagem 18
Edmílson andando de bicicleta
plantações, casas-de-farinha, depósitos e materiais, além da
escassa faixa de terra fértil. Tal atitude levou as lideranças
indígenas a procurar a Funai que, após o envio de um grupo
técnico ao local, lhes deu parecer favorável. Esse fato iniciou um
processo que levou à criação de um Posto Indígena Kambiwá,
localizado no principal aldeamento, Baixa da Alexandra.
Inaugurado em 17 de novembro de 1971 pelo General Bandeira de
Mello, então presidente da Funai. Em 1978 foi feita uma revisão da
Imagem 19
Entrada da baixa da Alexandra
demarcação territorial, que ainda não englobava todo o território e
excluía uma importante área agricultável.
29
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
O Povo Kambiwá localiza-se entre os municípios de Ibimirim,
Floresta e Inajá, no sertão pernambucano, em uma área de
27.100 ha.; destes, nem todos estão disponíveis para os índios,
visto que ainda existem posseiros na área. A população é de
aproximadamente 1500 índios, conforme levantamento da
Fundação Nacional de Saúde [1999], organizados em oito
aldeamentos principais: Pereiros, Nazário, Serra do Periquito, Tear,
Garapão, Americano, Faveleira e Baixa da Índia Alexandra, a
aldeia principal, onde se encontra o Posto Indígena Kambiwá.
Dentre os rituais religiosos os Kambiwá têm o Toré, que é uma
dança praticada pela maioria dos índios do Nordeste e que tem
significado cultural e é uma das afirmações de identidade, além de
caráter político e religioso. Na aldeia Kambiwá quinzenalmente
dança-se o toré nos terreiros das aldeias; nesse ritual costuma-se
ingerir uma bebida extraída da raiz da jurema [chamada enjucá].
O Praiá é um dos mais importantes rituais [vivenciado pelos índios
Kambiwá e Pankararú em Pernambuco] e dele participam somente
homens, com uma roupa feita de caroá cobrindo todo corpo e
rosto, de forma que não se pode identificar quem as veste. Há
toda uma preparação para esse acontecimento, pois nele
aparecem os encantados em cada um dos praiá, dando o sentido
religioso que não é revelado na sua totalidade: trata-se de um
segredo do povo. Existem tempo e motivações específicas para
esse ritual. São comuns os "trabalhos de mesa" que são evocações
feitas durante o transe mediúnico, pelo Pajé e seus parentes. Um
praiá pode ser encomendado pelos moradores da aldeia,
geralmente associado à algum pedido ou agradecimento. As
famílias têm sua importância representada também pelo número
de praiás que conserva. Dos 14 existentes em kambiwá em 2004,
4 estavam sob a guarda da família de seu Ivan, ex-cacique e pai
do atual. Por guarda, entende-se a manutenção física e imaterial
da roupagem, como defuma-la algumas vezes ao ano e trocar as
penas, entre diversas outras obrigações.
Pela cultura antiga, os Kambiwá não cultuam a um deus, mas aos
Imagem 20
Igreja em dia de novena
antepassados, que se manifestam durante o praiá. Além destes
ritos religiosos específicos, também existe a tradição do
30
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
catolicismo, tendo a igreja na aldeia na Baixa da Alexandra o nome
do padroeiro: São Francisco, que é homenageado com festas no
mês de outubro. Durante o mês de maio são dedicadas novenas à
Virgem Maria.
Descrita pelos índios como lugar sagrado, a Serra Negra é “local de
abundância onde a natureza provê tudo que for necessário para
preservação e reprodução, tanto biológica como cultural da tribo”
[BARBOSA]. Alguns marcos da ocupação kambiwá na Serra são: o
Pau Ferro e o oco do Pau d'alho [tronco oco em que cabem oito
índios] na parte mais elevada da Serra Negra, além de um
cemitério dos “antigos”.
Os Kambiwá se organizam através do cacique3 e do pajé4,
Existem também os conselheiros, que são representantes das
famílias tradicionais e também uma liderança de cada aldeia.
Diferentemente do anteriormente citado “índio genérico”, os povos
do Nordeste não habitam ocas de palha ou tecido. A maioria das
casas é de alvenaria ou taipa, sendo algumas delas cobertas com a
palha do ouricuri. Esporadicamente encontra-se uma ou outra
maloca, feita de galhos e coberta de palha, mas não é a unidade
Imagem 21
Casa da área de retomada
padrão de moradia. Ressalva-se aqui a construção de abrigos
temporários usados durante rituais sagrados na Serra Negra, que
são construídos com o material disponível no entorno. Nos casos
de fincar ocupação em terras de retomada, também são feitas
casas com materiais menos duráveis por ter uma construção
rápida.
Devido à precariedade do solo [segundo levantamento do Condepe
em 1981, menos de 25% da área se presta ao plantio], a produção
agrícola é bastante limitada, destinada em sua maior parte ao
consumo interno; o pouco restante é comercializado nas feiras de
Ibimirim e Inajá. Cultivam o milho, feijão, mandioca e palma; e
fazem a extração do mel de abelhas. Entre outras atividades
econômicas desenvolvidas, estão alguns criatórios caseiros de
ovinos, caprinos, bovinos e suínos.
[3] liderança responsável pela luta política, terra, articulações
internas e externas, organização do povo, etc.
[4] líder religioso com sabedoria para dirigir os rituais, curar,
desenvolver as tradições, etc.
31
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
A atividade de caça [de veado, preá, peba, tatu] é realizada como
complemento alimentar, é dificultada pelo desmatamento [uma
prática comum na região semi-árida praticada pelos fazendeiros e
posseiros para limpar a vegetação nativa é prender uma corrente a
dois tratores e promover uma limpeza geral da área, prejudicando
diversas espécies animais e vegetais do local]. Além da produção
de artesanato em madeira, palha de ouricuri e fibra de caroá,
apresentada em maiores detalhes em uma próxima parte deste
capítulo.
Educação
Hoje, em Kambiwá, existem quatro escolas: Escola Indígena
Aimberê - localizada na Baixa da Alexandra; Escola Indígena São
Francisco de Assis, em Pereiros; Escola Indígena Pedro Ferreira de
Queiróz, na Aldeia Nazário; e Escola Indígena Joseno Vieira, na
Serra do Periquito.
Estas escolas ainda não foram reconhecidas pelo Estado como
escolas indígenas, mas o povo Kambiwá segue na luta para ter
uma educação específica, diferenciada e intercultural de qualidade
que respeite seus processos de ensino-aprendizagem. Numa
parceria com o Centro de Cultura Luiz Freire, os Kambiwá já
conseguiram que o quadro de professores seja composto
inteiramente por indígenas indicados pela própria comunidade; que
o calendário escolar respeite as atividades sócio-culturais e
econômicas; e que o material didático seja elaborado pelos
professores.
Estas vitórias foram obtidas através da criação da Comissão de
Professores Indígenas em Pernambuco - Copipe, em 1999 com a
implantação do ‘Projeto Escola de Índios’ do Centro de Cultura Luiz
Freire.
O Plano de Educação Kambiwá foi elaborado com a participação
Imagem 22
Transporte de alunos para
Inajá
dos professores, lideranças, pais de alunos e comunidade
kambiwá, gerando um projeto político pedagógico chamado
“Projeto de Vida da Escola”. Para sua criação foi pesquisada a
história, a forma de aprender do povo e o que os alunos kambiwá
32
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
precisam saber sobre seus antepassados, para que a história de
Kambiwá não seja esquecida.
Atualmente as escolas kambiwá seguem este projeto políticopedagógico. Professores e crianças buscam aprofundar-se sobre a
história de seu povo, dançam o toré, cantam toantes, levam no
fardamento a frase “ensino diferenciado” que tem o aió como
símbolo de destaque. Pouco a pouco, estas escolas conseguem
seu objetivo de formar cidadãos críticos e conscientes de seus
direitos e deveres, índios capazes de valorizar e falar sobre a sua
identidade.
Contudo, as escolas citadas só atendem parte do ensino
fundamental. Os alunos que se interessam em avançar na
educação escolar precisam ir para Inajá, em transporte fornecido
pela prefeitura. As condições da estrada não permitem grande
conforto neste deslocamento diário, além do risco de assalto ao
veículo, coisa já concretizada algumas vezes.
Produção
Artesanal
Para os Kambiwá, assim como outros povos no Nordeste, o
artesanato constitui uma estratégia privilegiada de afirmação
étnica: cocares, cataioba, arcos, gaita, colares são acessórios
importantes para imagem dos Kambiwá, embora BARBOSA coloca
que essa “não seja uma condição absolutamente necessária para
sua constituição”.
Nos anos 70 e 80, época em que a Funai ainda tinha a tutela dos
índios, houve um programa de artesanato – Artíndia. Este
efetivava não apenas "a generalização de uma imagem índia, mas
a padronização de culturas mais gerais, características de um
modo de ser..." [BARBOSA]. Esse tipo de assistência não levava
em conta as diversidades culturais dos grupos assistidos pela
Imagem 23
Estande da comunidade na
Fenneart 2002, em Olinda
Funai. Assim foi feito com os Kambiwá.
33
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
BARBOSA classifica dois tipos de expressão estética dos Kambiwá:
tradição [moldes da cultura tribal] e modernidade [regido por
motivações mercantis]. Esses tipos convivem bem dentro da
comunidade de artesãos.
Os artesãos Kambiwá comercializam seus produtos na aldeia,
quando da passagem de algum visitante; nas feiras de Ibimirim e
Inajá; e em encontros de índios em outras aldeias e Recife e
Brasília. Entretanto, esta comercialização acontece sem uma
sistemática bem-resolvida. A articulação do grupo de artesãos os
colocou em contato com outras entidades que visam, entre outras
ações, promover e divulgar a comunidade, sua história e facilitar a
comercialização da produção material. A comunidade tem parceria
com a Universidade Federal de Pernambuco | Projeto Imaginário
Pernambucano, o Centro de Cultura Luiz Freire, o Conselho
Indigenista Missionário e o Sebrae, tendo participado em
diferentes feiras de artesanato no Brasil e tendo a oportunidade de
mostrar seu trabalho em diversas outras oportunidades, inclusive
internacionais.
Os artesãos do grupo aprenderam o ofício com os pais.
Geralmente os trabalhos envolvem a família toda como relata a
índia Dilvanete: "A mulher quando não faz, dá o acabamento ou o
marido colhe o caroá, a palha e os filhos estão no aprendizado".
Costumam desenvolver as atividades artesanais em vários
espaços: em casa, na retomada [parte do território indígena que
os índios retomam de posseiros], no galpão de artesanato, na
mata, ao ar livre e "em todo canto".
Os processos utilizados para confecção dos produtos variam de
acordo com a matéria-prima utilizada:
34
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
Caroá
"Usa a faca para ribar, a foice para abrir vareda, o facão para tirar,
os paus para bater o caroá para fazer o fio. Para fazer a corda do
caroá usa o pneu, costura com agulha de pau ou de chifre de
veado" [Valdira - artesã].
A fibra do caroá, usada para fazer cordão, é retirada da
Neoglaziovia variegata, típica bromeliácea do sertão
pernambucano. Esta fibra, após ser retirada da folha e “batida” em
feixes para amaciar, pode ser tingida com corantes químicos ou
Imagem 24
Enrolando fibra de caroá para
formar o barbante de duas
pernas
naturais. Os kambiwá fazem uso apenas dos naturais, encontrados
na região. A variedade cromática empregada é reduzida, indo do
amarelo [pitó], ao marrom [casca de umburana ou de ameixa]
passando pelo vermelho [tucum]. A partir da fibra, tingida ou não,
as cordas são feitas enrolando uma pequena quantidade de fibra
contra uma câmara de ar de pneu ou, raramente, na própria
perna; com estas cordas são tecidos bizacos e aiós, numa técnica
de enlace que usa agulha para facilitar a passagem do cordão, não
para costurar, num procedimento similar ao crochê. A forma como
a corda é elaborada [com um das pontas dobradas] permite uma
fácil e resistente junção ao cordão seguinte. Tanto o bizaco quanto
o aió tem função de bolsa e se diferenciam pelo formato: o aió tem
forma esférica, enquanto o bizaco tende mais ao quadrado.
Muitos moradores da aldeia usam o aió [que é tido com um dos
símbolos da etnia] no cotidiano - para levar a faca, o fumo, o
positivo, o apito, o quäqui, o maracá, etc.; além do resultado de
uma possível caça bem-sucedida.
O caroá está presente na afirmação da identidade étnica indígena,
ao lado do ouricuri. Com suas fibras são feitas também peças da
indumentária ritual, como o próprio traje dos praiá [exclusivo dos
homens que participam do ritual, chamados de ‘moços’ ou ‘vovôs’]
e a cataioba [usado por ambos os sexos], especialmente durante
os Toré.
35
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
A roupagem do praiá é composta de cinco peças principais: o
“tunã”, máscara de feixes de fibra de caroá; a cataioba, que
encobre cintura e pernas; o penacho que cobre o topo da máscara;
outro conjunto de penas de peru, atrás da cabeça; e a cinta, tecido
que fica nas costas e traz a imagem de uma cruz ou cruzeiro.
Palha
"Primeiro tira a palha com a foice, desfia, depois coloca para secar.
Quando tá seca cortamos com a faca ou tesoura e confecciona com
as mãos" [Dona Ana - artesã].
A palha é normalmente usada para produção de cestos e esteiras.
Imagem 25
Tramagem da palha de ouricuri
A trama é composta pelo talo da folha do ouricuri [Cocos coronata]
envolta pela palha do mesmo; esta trama se prolonga em espiral
e, a intervalos regulares, recebe um nó, para dar fixação à trama.
Esta técnica, usada geralmente para cestos, permite diversos
formatos: cúbicos, cilíndricos, elipsóides e semi-esféricos, dentre
outras possibilidades, inclusive amorfas.
O ouricuri também está presente no ritual. Confecciona alguns
trajes de praiá Pankararú [que se assemelham em muitos aspectos
aos Kambiwá] e também é peça chave do Ritual do Ouricuri. Este
ritual ocorre anualmente na Serra Negra e é uma das ocasiões que
os indígenas têm acesso ao território ancestral, isento dos fiscais
da reserva ecológica do Ibama. É um período com duração de três
meses, e no qual ocorrem a purificação do ser, abstinências e
contato com os antigos; o terreiro onde são realizadas as
atividades, fica rodeado de palhas de ouricuri.
Madeira
Geralmente utilizada para trabalhos de talha em umburana, feitas
com o uso de facão, formões, serrote e arco de serra. O
acabamento é dado com faca, lixa e às vezes cera.
36
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
A umburana-de-cambão [Amburana cearensis] é usada em todos
os trabalhos colocados abaixo dentro da produção artesanal. É
largamente usada para talhas por ser uma madeira macia.
Dentre as peças talhadas, destacam-se:
Bordunas, apitos-borduna e arcos | representações das
bordunas, cajados entalhados que servem à proteção, física e
espiritual; coloca-se que são representações porque as
verdadeiras bordunas [para uso enquanto armas] são talhadas em
madeiras mais duras. O apito-borduna normalmente é menor que
a borduna real e traz um apito numa das pontas. Os arcos, de
modo similar ao das bordunas, são mais decorativos do que para
uso enquanto armas.
Imagem 26
Escultura de animal típico da
região em umburana
Correntes | entalhadas na madeira sem emendas ou encaixes.
Usadas como amuletos, trazem ícones associados à sorte e
proteção [figas, carrancas e pontas de borduna]. A produção
destas peças está associada quase sempre à venda.
Apitos | diferentes formatos de apito, de construção bastante
simplificada, porém funcional. Um que se destaca é o chamado de
zabelê, cujo sopro é dado pelo nariz e usa a boca como caixa
acústica e elemento modulador do som. Com ele é possível
representar os sons de diversas aves, muito usado em caçadas.
Esculturas | muitas imagens são trabalhadas, podendo ser
divididas em três grupo: o primeiro, de imagens recorrentes da
Imagem 27
Escultura de índio com a
cataioba e o maracá
natureza [tatus, pebas e aves mãe-da-lua e gavião]; algumas
imagens de santos, por influência dos santeiros de Ibimirim [que
usam a mesma matéria-prima]; e imagens indígenas,
representando o indígena trajado com as vestes do praiá ou
paramentado com outros elementos da indumentária.
37
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
Sementes e afins
Furadeira pequena, torno e alicates são as ferramentas principais
na produção de colares e pulseiras. Praticamente todos os índios
usam algum adorno deste tipo. Normalmente são usados quatro
elementos básicos e a técnica de beneficiamento varia conforme o
tipo:
Sementes [de palmeiras, de saboneteira e de mucunan] são
limpas e furadas para passagem do cordão, podendo variar a
posição do furo.
Imagem 28
Artesão Edmílson trabalhando
com sementes
A canela-de-lambu é um tipo de galho de madeira que brota
diretamente do chão, sem tronco central. A casca é raspada com
uma faca revelando uma cor branco-amarelada. Também pode ser
frita no óleo ou queimada na chama, ganhando uma tonalidade
entre o marrom e o preto. Cortada com uma serra pequena, forma
pequenos segmentos não superiores três centímetros, tal como um
canutilho. O miolo é macio, tirado com a broca da furadeira para a
passagem do cordão.
Coco de licuri [ou ouricuri] é o fruto da palmeira ouricuri. Seu
interior contém uma carnosidade branca comestível. Este diminuto
coco de formato alongado não guarda água em seu interior. A
casca pode ser cortada no sentido radial, formando anéis e pontas;
ou de forma longitudinal, formando gomos.
Os dentes, ossos e chifres normalmente são aproveitados das
caças ou do abatimento de bois. As penas, por sua vez, podem ser
de periquito ou outras pequenas aves da região. Contudo, estes
materiais são usados por um número reduzido de artesãos.
Com estes elementos e outras sementes [oriundas de permuta]
são compostos colares e pulseiras, sempre com base do cordão
encerado. As sementes têm um significado dentro do ritual: são
consideradas como capazes de promover a “nascença” e guardar a
vida, simbolizam o sentido e o segredo do ser eterno.
38
Parte 2 | Os adornos da Natureza
“A diferenciação de produtos pode ser conseguida explorando-se de modo
apropriado os elementos mais singulares da cultura material e iconográfica
[...], Expressos em sua fauna, flora, folclore, artefatos do cotidiano”.
Eduardo Barroso
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
[Banco de
Imagens]
Para os novos adornos propostos como objetivo central deste
trabalho, existe um sub-produto intermediário, que é a definição
do banco de imagens representativas da identidade indígena.
Sobre estes elementos identitários, BARROSO [2004] alerta que
“na concepção de novas linhas de produtos de maior valor
simbólico e orientados ao mercado, é necessário resgatar, nas
origens e raízes culturais, os elementos que possam assumir a
condição de novos arquétipos orientadores de uma estética
própria”.
Como visto na primeira parte deste trabalho, o que é tradicional
para os kambiwá é exótico às demais culturas não-indígenas.
BARROSO [2004] coloca que “a identidade está presente também
na força expressiva de muitos elementos de uso cotidiano, que de
tão vistos, ninguém mais enxerga e de tão tocados, ninguém mais
os sente. São produtos e imagens banais que fazem parte
indissociável de uma memória coletiva”.
Linguagem
visual
Um levantamento de imagens capazes de ilustrar a identidade
indígena e em especial, a Kambiwá. Como visto anteriormente, as
imagens isoladamente podem também refletir a realidade geral do
sertão pernambucano, mas a cultura não é definida por um único
fator. A união e relação de vários fatores denotam a diferença
entre a realidade sertaneja [da qual ambientalmente fazem parte]
e a indígena - representada não só pelas vestes, vocabulário ou
moradia, mas também pelos ritos, crenças, artefatos exclusivos e
modo de pensar.
39
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
Caatinga | Paisagem
recorrente do semi-árido
nordestino.
Imagem 29
Galhos secos | delimitação
do terreno das casas, feita
com galhos das madeiras
disponíveis. Também limita a
áreas de criação de animais
Na foto, os cestos estão
colocados para compor a
imagem, não fazendo parte
do cotidiano.
Imagem 30
40
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
Caroá | bromeliácea comum
da caatinga pernambucana.
De suas folhas é extraída a
fibra usada em diversos
objetos do cotidiano e nos
rituais.
Imagem 31
Flor do Caroá | surge
normalmente nos meses de
outubro e novembro. É usada
como ornamental em alguns
países.
Imagem 32
Flor do Caroá | incremento
do vermelho na paisagem da
caatinga à beira da estrada
que leva à aldeia.
Imagem 33
41
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
Umburana | Pode atingir
alturas superiores a cinco
metros. A madeira tem um
cerne macio quando ainda
está verde, facilitando o
trabalho de entalhe.
Apreciada por artesãos de
diferentes ofícios
[bonequeiros, xilogravuristas,
mamulengueiros, etc].
Possui um poder cicatrizante
conhecido pelos indígenas.
Imagem 34
Ouricuri | de amplo
significado, a palmeira
fornece pequenos cocos e a
palha, usada para o
artesanato e em rituais.
Imagem 35
42
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
Serra Negra | território
original e sagrado dos
Kambiwá. Atualmente é uma
reserva biológica de acesso
restrito e fiscalizada pelo
Ibama.
Imagem 36
Arco e flecha | criança
brincando com um arco
típico. Arma tradicional de
indígenas de todo o mundo. A
peculiaridade fica na forma
de construção: um pedaço
roliço de madeira cujas
extremidades são afinadas
para dar flexibilidade.
Imagem 37
Borduna | elemento
difundido entre os povos
indígenas como elemento de
defesa. As bordunas têm
tamanhos superiores a um
metro de comprimento e são
talhadas em madeiras duras.
Na foto, uma representação
reduzida da borduna, feita
Imagem 38
em umburana.
43
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
Maracá | Confeccionado com
a cabaça e preenchido com
sementes, este instrumento
sonoro é parte importante na
realização dos rituais de Toré
e do Praiá.
Imagem 39
Aió | Maria Aparecida com
três bolsas aió [arranjo para
fotografia]. O aió tem
formato esférico, é um dos
símbolos da etnia Kambiwá e
muito usada pelos indígenas.
Imagem 40
44
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
Positivo | Chifre de boi ou
cabaça com algodão natural.
Usado em conjunto com uma
pedra de fogo, pode atear
fogo no algodão e deste em
outras coisas, como o qüaqui.
A fumaça produzida é
empregada em alguns
procedimentos de cura. O
disco de borracha ou madeira
serve para cessar a chama
por abafamento.
Imagem 41
Qüaqui | Tipo de cachimbo
reto, feito de madeira. Como
material de queima são
misturadas fumo e ervas.
Imagem 42
Fumaça | Parte integrante
do cotidiano e em especial,
dos rituais de Praiá, quando é
feito o contato com os
antigos, juntamente com
ajuda da cachaça.
Imagem 43
45
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
Currupio | Seu Ivan
demonstrando o uso de um
currupio que ele mesmo fez.
Um disco de cabaça com dois
furos pelos quais passa um
cordão, com o movimento
das mãos, o cordão enrola e
desenrola fazendo o disco
girar.
Na foto, ele usa também seu
inseparável aió.
Imagem 44
Beneficiamento do Caroá |
a fibra ainda verde, sendo
batida [à esquerda] e
“centrifugada” [à direita]
para retirar o excesso de
água. Quando da extração na
mata, algumas pessoas
amarram tiras de fibra ao
corpo para que a água esfrie
o corpo.
Imagem 45
46
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
Colares de sementes |
Gueguê com colares feitos
com sementes, osso e
madeira.
Imagem 46
Cestaria | Valdelice e alguns
cestos produzidos com a
palha do ouricuri.
Imagem 47
47
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
Correntes | os entalhes em
madeira fazem referência a
elementos do sertão, como a
figa e a carranca. Símbolos
estes com capacidade de
espantar maus espíritos, na
crença do sertanejo.
Ligadas por uma corrente de
madeira sem emendas, estas
peças são relativamente
recentes na produção
artesanal kambiwá.
Imagem 48
Toré | dançando no terreiro,
ao redor do cruzeiro [oculto
na foto]. Percebe-se na
imagem o uso do maracá.
Imagem 49
48
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
Toré das crianças | toré
dançado pelas crianças na
escola Aimberê. Novamente
percebe-se o uso da cataioba
e do maracá.
Imagem 50
Sincretismo | altar da igreja
na Baixa da Alexandra.
Mistura de elementos
católicos e indígenas.
Imagem 51
Praiá | Os homens trajando
as vestes de fibra de caroá
circulam pelas aldeias
durante todo o dia até a
noite. Detalhe para a imagem
do cruzeiro no pano das
costas.
Imagem 52
49
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
Praiá | detalhe da máscara
de corpo inteiro do Praiá.
Imagem 53
Jurema | raiz da juremeira,
usada para feitura de um
“vinho”. Bebida esta também
usada ritualmente para
contato com os antigos.
Imagem 54
50
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
Público
BARROSO [2005] coloca que “as grandes tendências mundiais
apontam para uma acentuada polarização, colocando em posições
opostas empresas e serviços de padrão mundial e empresas e
serviços de conteúdo temático ou de forte identidade cultural. As
empresas que permanecem entre os dois extremos estão perdendo
clientes que não desejam produtos híbridos e indefinidos”. E ainda
reforça, dizendo que “esta zona intermediária é o espaço da
mediocridade, das indefinições, dos produtos que não agradam a
ninguém, pois não possuem personalidade”.
Assim, o público alvo para o qual as peças estão sendo
desenvolvidas aqui é colocado [sem titulações como sugere
Barroso] com as seguintes características:
Predominantemente feminino, entre os 20 e 60 anos, madura,
independente. Está ciente da moda [mas sem rigidez em segui-la
cegamente], aprecia o estilo antes do valor. Compra produtos
como sendo a parte material do conceito, a exemplo de roupas de
couro vegetal5, acessórios de marfim vegetal6 e alimentos
orgânicos. Consciente do mundo ao redor, interage com ele. Usa
adornos no corpo para se expressar, para se sentir bem, e não
para que o adorno ofusque o corpo. Também usa peças exclusivas;
não-únicas, mas de tiragem limitada como forma de expressar sua
individualidade, atitude e sofisticação.
Similares
Algumas peças que são interessantes quanto às referências
empregadas [materiais, conceituais ou formais] estão
discursivamente analisadas a seguir. Os pontos observados são os
partidos projetuais, as referências iconográficas, os materiais e
técnicas empregados. Tudo que possa ser fora do lugar comum
estará sendo apreciado.
[5] tecido de algodão banhado em látex, defumado e
vulcanizado
[6] substância líquida retirada das sementes da palmeira
jarina; após algum tempo endurece e se assemelha ao marfim
animal
51
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
Anel Wood Line | Vencedor do Concurso
promovido pela “Jóias do Brasil” em 2003,
na Categoria Material e Técnicas
Alternativas. Peça de Eliânia Rossetti.
Anel em ouro amarelo com aplique de
madeira entalhada em fresadora
computadorizada.
Motivos florais na madeira e no metal.
Exemplo de anel com área plana e
mistura de materiais vegetais e minerais.
Imagem 55
Anel Luna | Vencedor do Concurso
promovido pela “Jóias do Brasil” em 2003,
na Categoria Material e Técnicas
Alternativas. Peça de Raquel Armond.
Ouro amarelo e casca de ovo de avestruz.
Linhas orgânicas compostas de metal
alojam a rígida casca de ovo.
Imagem 56
Colar Índios do Brasil | Vencedor do
Concurso promovido pela “Jóias do Brasil”
em 2003, na Categoria Material e
Técnicas Alternativas. Peça de Fábio
Rodrigues.
Talos de Arumã em duas tonalidades,
sementes olho de cabra e olho de pavão,
fios de lã com fios de ouro. Pingente em
ouro branco. Este colar utiliza técnicas da
Imagem 57
tribo Waimiri-atroari [Roraima]. Não faz
uso de fechos, pois tem elasticidade.
52
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
Pingente Falésias| Menção Honrosa no
concurso promovido pela “Jóias do Brasil”
em 2004, na Categoria Material e
Técnicas Alternativas. Peça de Nilson
Schützler.
Pingente concebido em prata, acrílico e
areia, fazendo uso da técnica de desenho
em areia, comum no litoral nordeste do
Brasil.
Imagem 58
Gargantilha e brincos | Peças de Pepe
Torras.
Gargantilha e brincos com base em ouro
amarelo, e madeiras machetadas [pau
santo, muiracatirara, jacarandá,
araracanga, macacaúba, gombeira,
cumaru]. Detalhes em diamantes
encravados na madeira.
Imagem 59
53
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
Colar da Linha “Mestiça” | Peça de Zico
da Mata. Disponível em Ecojóias.com
Peça em tricouro com coco e
madrepérola. Detalhe para a composição
de três colares em uma única peça, capaz
de cobrir todo o colo.
Imagem 60
Bracelete da Linha “Mestiça” | Peça de
Zico da Mata. Disponível em Ecojóias.com
Duas pulseiras de tricouro marrom
interligadas por três discos de
madrepérola, formando um bracelete.
Imagem 61
Colar da Linha “Reta” | Peça de Yê
Mara. Disponível em Ecojóias.com
Pingente com base em couro preto e
elemento central quadrado de osso, com
desenho que faz uso de pirografia.
Imagem 62
54
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
Pingente Atenas | Disponível na Vivara.
Pingente em ouro branco, ônix, cristal e
diamantes. Faz uso das linhas retas e
sóbrias do período Helênico da Grécia
Antiga.
Imagem 63
Colar Mexedor | Peça de Mana
Bernardes.
Colar feito com as triviais colherinhas
plásticas usadas para misturar café ao
adoçante ou açúcar. Característica da
designer, que usa elementos comuns para
elaboração de adornos.
Imagem 64
55
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
Colar da Série “Índio Urbano” | Peça
de Mana Bernardes.
Composto de placas de acetato laranja e
azul, fazem referência [formal e
cromática] com os cocares indígenas
plumários.
Imagem 65
Colar Grampo | Peça de Mana
Bernardes.
Construído sobre um fio de couro, os
grampos de cabelo em duas cores são
dispostos segundo uma combinação
matemática.
Imagem 66
Colar Raízes do Brasil | Finalista do
Concurso AngloGold 2004. Peça de Maria
Luiza Castro.
A gargantilha central faz alusão a um
tronco, ao passo que os elementos
verticais, as raízes subterrâneas.
Imagem 67
56
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
Colar Jogo dos Búzios | Finalista do
Concurso AngloGold 2004. Peça de Ângela
Sampaio.
Inspirado na influência da cultura negra
brasileira e na religiosidade do
Candomblé. Representado por dois tipos
de búzios em volta do pescoço e nos
elementos verticais feitos em ouro
amarelo.
Imagem 68
Colar | Finalista do Concurso AngloGold
2002. Peça de Silvia Döring
Inspirada no luxo das rendas francesas e
na sensualidade dos corseletes, a coleira
de ouro é arrematada por uma fita de
cetim.
Imagem 69
Colar | Finalista do Concurso AngloGold
2002. Peça de Lena Garrido e Débora
Camisasca.
Formada por módulos de diversos
tamanhos e formas, articulados entre si, a
peça sugere ser uma renda de ouro. Para
fechar a peça, foi utilizada uma fita de
Imagem 70
veludo preta.
57
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
Colar | Finalista do Concurso AngloGold
2002. Peça de Sérgio Póvoa Pires.
Colar para todo o tronco, é uma única
corrente de 15 metros de comprimento,
com diferentes elos, concebida para
enlaçar o corpo e a cintura.
Imagem 71
Colar Ciranda | Disponível na
Amsterdam Sauer
Da Coleção Portinari - Série Jogos Infantis
- Linha Ciranda. Colar em ouro amarelo
18k com detalhes vazados que remetem à
brincadeira de roda, baseado na
ilustração do pintor. Suporte de fio de
couro azul.
Imagem 72
58
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
Considerações
Seria impossível avaliar todos os similares de jóias, então optou-se
por analisar em maiores detalhes aqueles que apresentavam
diferenciações, fossem estes variações de conceito, forma ou
material.
Poucas peças são completamente sem metal. Seja este para
finalização ou para agregar valor estético, a maioria ainda o utiliza
e isso não destoa do conjunto. Funciona tanto como elemento de
maior destaque quanto como complemento. As peças que se
mostram mais interessantes trazem alguma referência visual.
Muitas se valem da versatilidade de uso, podendo ser usadas de
maneiras diferentes por parte do usuário, não sendo de uma
apresentação única e estática.
A mistura de elementos minerais e orgânicos pode funcionar muito
bem, apenas fazendo com que cada parte do conjunto não exceda
suas capacidades físicas. Percebe-se o orgânico geralmente como
material entalhado ou cravado, raramente como suporte.
59
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
Materiais
empregados
ƒ
Fibra de caroá | extraída da folha do caroá. Fina, leve e
resistente, atualmente é usada em produções de artesanato
tradicional e para fazer corda. Pode ser tingida com corantes
químicos ou naturais. Presente e marcante no universo
indígena de Pernambuco, o caroá está presente no cotidiano:
seja no aió, seja no adorno ou no ritual.
ƒ
Andiroba| madeira de média trabalhabilidade, de cerne
marrom-escuro ou marrom-avermelhado e apresenta bom
acabamento. Leve e sem cheiro ou sabor perceptíveis.
Resistente e durável, não é atacada pelo cupim ou ‘polia’. É
encontrada na região Norte do Brasil, e também no Maranhão.
ƒ
Ouro | metal nobre, de maior valor durante toda a história,
sendo ultrapassado apenas recentemente pela platina, embora
possa se tornar visualmente idêntico à esta. É demasiado
macio para o trabalho. Para garantir resistência, é misturado a
outros metais [formando ligas] o que define o quilate, a cor e
as características físicas, como ponto de fusão, dureza, etc.
Pode adquirir as cores amarela [mais conhecida e natural,
caso esteja puro; ou em liga com prata, cobre ou zinco];
verde [junto com prata ou cobre]; branco [na realidade, uma
cor muito próximo à platina; obtida em liga com paládio]; rosa
[com prata e cobre]; azul [liga de ouro, prata e zinco];
vermelho [quando em liga com o cobre]; ou ainda o ouro
negro [misturado à prata e ferro].
ƒ
Prata | metal nobre, de valor menor apenas que o do ouro e
da platina. É acessível tanto financeiramente quanto nas
possibilidades de uso. Pode ser trabalhado nas mesmas formas
que o ouro. Tem contra si a facilidade com que escurece
[oxida]. A prata mais comum no campo da joalheria é a 95%
pura.
60
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
Diretrizes
projetuais
O projeto das peças mostrado nas páginas a seguir foi guiado
pelas diretrizes abaixo. Estas orientações foram definidas a partir
da observação do mercado e do perfil do público, aliando a isto a
linguagem cultural trabalhada. As alternativas foram trabalhadas a
partir da síntese, isto é, da redução das imagens levantadas na
iconografia à sua representação gráfica mais simplificada.
Assim, as diretrizes do produto são:
ƒ As peças podem ser únicas, sem outra com qual forme conjunto;
ƒ Fazer maior uso de materiais renováveis, de origem vegetal
ligados à cultura Kambiwá, uma vez que a consciência e legislação
restringem a produção de peças com partes de animais;
ƒ Desenhos orientados para que os objetos valorizem o corpo
humano, não sua ocultação;
ƒ Praticidade nos mecanismos de fechamento, caso existam;
ƒ Não deve imitar a joalheria tradicional nem os elementos
iconográficos;
ƒ Forma que demonstre tratar-se de um produto diferente das jóias
puramente minerais, das bijuterias plásticas e das sementes
unicamente;
ƒ Afastar-se da linguagem da bijuteria|trabalhos manuais
ƒ Não fazer tanto uso de sementes, pois é lugar comum em se
tratando de adornos com materiais não tradicionais e por muitos
deles usarem a mesma linguagem das jóias de pedra ou de
bijuteria;
ƒ Fazer uso de metais nobres aliados aos materiais orgânicos, para
ressaltar o valor da sofisticação das peças.
61
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
Esboços |
Geração de
Alternativas
Tomando como ponto inicial figuras do banco de imagens, faz-se
uso para esta etapa do trabalho uma síntese dos elementos, ou
seja, uma redução das quantidade e complexidade das linhas até o
ponto em que seja possível reconhecer o objeto original com o
desenho mais simplificado.
Na geração de possibilidades a seguir estará mostrado o esboço
derivado dos elementos apresentados no Banco de Imagem e uma
explanação acerca da alternativa, considerando formas,
referências e matérias-primas cogitadas.
[Fibra de Caroá]
Em frente e verso;
composto de fibras de
caroá trançadas em
barbante de duas
pernas [técnica
tradicional] que passam
por dentro de tubos de
prata. Detalhe nas
costas para o cordão
solto.
62
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
[Arco e flecha]
Pendente em madeira,
preso por barbantes de
caroá atravessados por
arcos de prata.
[Cercado]
Tirando partido das
cercas das propriedades
replicado em metal
nobre, todas as
irregularidades e acaso
estão representadas.
Sustentados por fibra de
caroá.
63
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
[Flor de Caroá]
Representação da flor
de caroá em ouro
vermelho e sementes.
[Manto Praiá A]
Gargantilha com perfil
em metal e preenchida
com a fibra de caroá.
64
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
[Raiz Jurema]
Gargantilha em frente e
verso com a raiz
sustentada no pescoço e
costas.
[Pontas e fibra]
Uso da fibra de caroá
amarrada em nós
abaixo da peça de
madeira como pontas
de borduna.
65
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
[Manto Praiá B]
Outra alusão à
cobertura de caroá
usada pelos praiá.
Irregular e rebelde
como a fibra sem maior
beneficiamento.
Perfil em metal e
preenchida com fibras.
[Ponto Aió]
Em ponto de aió [ponto
“crescença”] formando
uma renda delimitada
por traços de metal
nobre.
66
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
[Colares e Sementes]
Cinco tubos de prata
sustentando quatro fios
de caroá. Sementes de
palmeira preenchem os
espaços entre os tubos.
[Borduna]
Dois pendentes em fio
de caroá, sobrepostos
com elementos da
borduna retratados em
prata.
67
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
[Aió]
Perfil de metal
preenchido com o fio de
caroá trançado em
ponto aió. Detalhe para
as “sobras” de fio nas
bordas, elemento
recorrente nas peças
Kambiwá.
68
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
Seleção
das alternativas
Renderizações
Das possibilidades geradas na etapa anterior, cinco foram
escolhidas para um maior refinamento, que consiste na revisão das
proporções, materiais e formas de construção. Elas foram divididas
em dois grupos, de acordo com a forma e conceito:
Grupo 1 | Ligado aos elementos de ataque e defesa e amplamente
reconhecidos como indígenas. Também são as que mais se
destacam no corpo. Representado pelas opções ‘arco e flecha’ e
‘borduna’.
Grupo 2 | Ligado à natureza e seus elementos, as referências são
mais específicas ao território kambiwá pela presença material ou
formal do caroá. Também tem linhas mais leves. Composto pela
‘flor de caroá’, ‘fibra de caroá’ e ‘manto do praiá A’.
A seguir são apresentadas as renderizações (modelos virtuais com
textura dos materiais aplicada) e uma breve descrição dos
materiais e técnicas empregados:
69
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
[Arcos]
Pingente e colar. Faz uso de
três materiais [caroá,
madeira e prata] e de uma
referência bastante
conhecida. Os finos arcos de
prata dão o toque final ao
conjunto e compõem a
curvatura do colar,
valorizando o colo.
[Borduna]
Pingente duplo e colar. Com
cordão de caroá como
suporte de dois grandes
elementos vazados de prata.
Presença no corpo sem
esconder.
70
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
[Flor de Caroá]
Gargantilha. Linhas leves
tirando partido da flor de
caroá. Uso de sementes onde
poderiam ser pedras.
Preferência pelo orgânico e
leve.
[Fibra de Caroá]
Colar de vários tamanhos; a
depender da quantidade de
voltas e|ou do comprimento
do caimento nas costas.
Montado sobre cordões de
caroá, sete tubos de prata
fixados por nós.
71
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
[Praiá]
Gargantilha colar. Montagem
sobre prata de cordão de
caroá em trançado simples.
Nas costas, cordão de caroá
para o fechamento.
72
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
Detalhamento
técnico
Vistas e cotas
[Arcos]
Fechos nas pontas dos
cordões de caroá do
tipo ‘TO’. Este colar é
ajustado ao usuário no
momento da aquisição.
ƒ
Modelagem dos arcos em prata 950: dois fios de 1.60 soldados entre si para
conformar uma chapa delgada; e deixando três pontos vazados em cada
extremidade para a passagem do cordão.
ƒ
Cordão de caroá: fibra tingida de pito [amarelo] ou umburana [marrom] e
entrelaçada num barbante de duas pernas.
ƒ
Flecha de madeira: em madeira andiroba torneada e rebaixada na lixa ou com
auxílio da tupia. Posteriormente furada e dado o acabamento. No conjunto, são
usados doze fios [dois por furo].
73
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
[Borduna]
Vistas e cotas
Fechos nas pontas dos
cordões de caroá do
tipo ‘TO’. O fio de cada
elemento pode ser
regulado de forma
independente no
momento de aquisição,
variando a
sobreposição dos dois
no colo; ou ainda,
colocar um elemento
no colo e outro sobre o
dorso.
ƒ
Modelagem do triângulo e circunferência em prata 950: fio de 1.60 soldado.
ƒ
Cordão de caroá: fibra tingida de pito [amarelo] ou umburana [marrom] e
entrelaçada num barbante de duas pernas. No conjunto, são usados oito fios
[quatro para cada elemento]. A fixação do cordão à prata é feita por
enrolamento do cordão e reforçado com adesivo epóxi.
74
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
[Flor de Caroá]
Vistas e cotas
A gargantilha é finalizada
em esferas feitas pela
fundição da prata nas
extremidades. A curvatura
é dada no momento da
aquisição, para regular-se
de acordo com o tipo físico
do usuário.
Pode ser produzido
também em ouro
vermelho no lugar da
prata, mas considerando a
escassez de material e
profissionais de boa
qualidade para isto, fez-se
a opção pela prata.
ƒ
Modelagem do suporte em prata 950: fio de 1.60 soldado com extremidades
arredondadas.
ƒ
Modelagem das flores em prata 950: fio de 1.40 soldado com suportes para as
sementes.
ƒ
Sementes de tento: coletadas no tamanho proposto e furadas para fixação nos
suportes das flores e reforço com adesivo epóxi.
75
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
[Fibra de Caroá]
Vistas e cotas
Fecho do tipo
‘mosquetão’ somente
numa ponta, sinalizada
pela elipse preta do
desenho. Isto permite
usar o colar com o
caimento desejado nas
costas ou ainda, de
duas ou três voltas.
ƒ
Modelagem dos tubos em prata 950: chapa de espessura 0,80 conformada em
tubo e soldada.
ƒ
Cordão de caroá: fibra tingida de pito [amarelo] ou umburana [marrom] e
entrelaçada num barbante de duas pernas. No conjunto, são usados oito fios.
76
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
[Praiá]
Vistas e cotas
Fecho tipo ‘mosquetão’
na ponta sinalizada pela
elipse preta do desenho
e elo no cordão de
caroá; a colocação deste
elo deve ser feita no
momento de aquisição.
Na outra extremidade
da gargantilha, o cordão
é preso. Assim, tem-se
um elemento caído na
lateral, regulado de
acordo com o tipo físico
do usuário.
ƒ
Modelagem dos arcos em prata 950: fio de 1.60 soldados com pequenos
ganchos para afixar o cordão.
ƒ
Cordão de caroá: fibra tingida de pito [amarelo] ou umburana [marrom] e
entrelaçada num barbante de duas pernas. No conjunto, é utilizado um fio.
77
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
[Conclusões]
Um termo que os antropólogos e sociólogos usam com freqüência
é ‘reelaboração da cultura’. A finalização deste trabalho mostra
que as culturas são modificadas e reorganizadas a todo momento,
por intervenções diversas, sejam elas propositais ou não.
O desenvolvimento das peças mostradas neste trabalho coloca
uma das possibilidades da atuação de designers com produção
artesanal e|ou com referência cultural. É possível encaixar o fator
ser humano dentro da metodologia de desenvolvimento de
produto, considerando quem produz [já que se aborda a produção
artesanal]; quem consome tais produtos; e também quem vivencia
a cultura originária: ponto de partida para esses novos produtos,
carregados de valores e história.
A metodologia de design de produtos também é fortalecida com a
imersão: conversar com os moradores e artesãos Kambiwá,
adentrar na caatinga para ‘puxar’ caroá, assistir ao Praiá ou dançar
o toré trazem uma percepção mais ampla deste universo – mas
não substituta – do conhecimento apenas literário.
Sobre a produção dessas peças para o mercado, o que se sugere é
produção conjunta. Recomenda-se que as partes confeccionadas
em metal sejam produzidas por artífices especializados do centro
urbano e levadas para a comunidade indígena para a finalização
com as partes elaboradas com materiais orgânicos. E considerando
toda a história que esses adornos carregam, a mídia usada para
contá-la é a embalagem.
E como visto, a cultura está associada à capacidade de
comunicação; assim sendo, percebe-se que a manutenção das
culturas está ligada à necessidade de se fazer traduções de umas
para as outras. É por este caminho que se toma conhecimento de
obras literárias estrangeiras, hábitos diversos, costumes
alimentares ou novos materiais.
78
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
A tradução consiste, então, em trazer elementos estranhos para
nossa própria vivência. É ela que torna possível entender o
estranho fazendo uso de referências comuns.
Assim, existem diversas maneiras de como a tradição Kambiwá
poderia ter sido trazida e traduzida para o mercado. Este trabalho
representa uma delas.
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MODOS do fazer: o artesanato de tradição no Brasil
São
Paulo:
Documenta:
Artesanato
Solidário/Central
ArteSol, 2005. 2 discos (153 min): son.: DVD
POVOS Indígenas de Pernambuco, a Resistência faz 500 Anos
Direção de Nilton Pereira. Recife: TV VIVA, 1998. 1 cassete
(25 min): son.; 12mm. VHS NTSC
84
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
Pesquisa
IBOPE
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Disponível em:
<http://www.socioambiental.org/pib/portugues/indenos/qu
epens/index.shtm> Acesso em: 25 mai. 2005.
Lista de
Discussão
Jóias do Brasil
O que é Jóia? O que é semi-Jóia? O que é Bijou?
Disponível em:
<http://www.joiasdobrasil.com/discussao/joia.htm> Acesso
em: 04 jun. 2005.
Sites
Amsterdam Sauer
www.amsterdamsauer.com
Ecojóias
www.biojoias.com.br
Instituto Brasileiro de Gemas e Metais
www.ibgm.com.br
Instituto Sócio-Ambiental
www.socioambiental.org
Jóias da Natureza
www.joiasdanatureza.com.br
Jóias do Brasil
www.joiasdobrasil.com
Rommanel
www.rommanel.com.br
Tiffany & Co
www.tiffany.com
Vivara
www.vivara.com.br
85
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
[Créditos das
Imagens]
Abertura de capítulos
Capa [Imagem editada] | Vinicius Lubambo
Parte 1 | Acervo pessoal
Capítulo 4 | Acervo Imaginário Pernambucano
Capítulo 5 | Acervo Imaginário Pernambucano
Parte 2 | Acervo Imaginário Pernambucano
Corpo do trabalho
Imagem 01 - 06 | Criação pessoal
Imagem 07 | Vinicius Lubambo
Imagem 08 | Capturada do filme: Povos Indígenas de Pernambuco
Imagem 09 - 18 | Acervo pessoal
Imagem 19 | Vinicius Lubambo
Imagem 20 - 21| Acervo Imaginário Pernambucano
Imagem 22 | Acervo pessoal
Imagem 23 -34| Acervo Imaginário Pernambucano
Imagem 35 - 36 | Vinicius Lubambo
Imagem 37 | Acervo Imaginário Pernambucano
Imagem 38 | Vinicius Lubambo
Imagem 39-40 | Acervo Imaginário Pernambucano
Imagem 41| Acervo pessoal
Imagem 42-47 | Acervo Imaginário Pernambucano
Imagem 48 | Vinicius Lubambo
Imagem 49-53 | Acervo Imaginário Pernambucano
Imagem 54 | Extraída de <http://yatra.yage.net/jurema.htm>
Imagem 55-58 | Fotos divulgação do concurso Jóias do Brasil
Imagem 59 | Publicidade: catálogo virtual Pepe Torras
Imagem 60-62 | Publicidade: catálogo virtual Ecojóias
Imagem 63 | Publicidade: catálogo impresso Vivara
Imagem 64-66 | Extraídas da revista Arc Design nº 39
Imagem 67-68 | Fotos divulgação do concurso Anglogold 2004
Imagem 69-71 | Fotos divulgação do concurso Anglogold 2002
Imagem 72 | Publicidade: catálogo virtual Amsterdam Sauer
86
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
[Anexos]
[I] Termos Indígenas
relacionados
Vocábulos que refletem a língua original dos Kambiwá e outras
etnias de Pernambuco, utilizados principalmente em ritos
cerimoniais. Segundo a FUNAI, a língua materna dos Kambiwá
pertence ao tronco lingüístico Macro-Jê. Também constam termos
usados no trabalho cujo significado carece de uma maior
explicação ou palavras em português que tem especial significado
dentro do repertório Kambiwá.
apito zabelê - inusitado instrumento sonoro que é tocado com o
sopro do nariz e com o qual pode-se reproduzir os sons de
diversas aves, útil quando em caça das mesmas
borduna – arma contundente de madeira entalhada com
ornamentos utilitários em toda a extensão. Assemelha-se a um
cajados e são destinadas à proteção, tanto física quanto espiritual
caniquin - tatú-bola
canomim ou conomin - criança
cataioba - mesmo que cateoba
cateoba - saiote confeccionado com fibra de caroá
caxixi - aguardente com ervas
cituru - cabocla
coité - maracá confeccionado com cabaça
corrupio – brinquedo formado por um disco de cabaça, denteado
na borda e com dois furos pelos quais passa um cordão; com o
movimento de enrolar e desenrolar do fio, faz o disco girar
foiaça - raposa
garapa - água com açúcar
geriaci ou iraci - lua
guaipú - veado
guaraci - sol
guia - mesmo que qüaqui
jarita - cangambá
jehuá - água
maci - onça
87
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
matricó - cachimbo reto de cerâmica
papú - tatú
pediu - tamanduá
porrú - fumo (tabaco)
positivo – chifre de boi enchido com algodão natural. Com auxílio
de uma “pedra de fogo” e uma lima, ateia-se fogo no algodão. O
algodão queimando é empregado para acender o qüaqui e para
realizar procedimentos de cura
praiá - nome que é empregado tanto para se referir ao ritual
como aos personagens [homens vestidos com máscaras de corpo
inteiro, feitas com a fibra da planta caroá]. No âmbito do segredo
e do sagrado, atuam como elemento de comunicação com os
ancestrais. A peculiaridade do praiá reside no fato que nem os
próprios moradores da aldeia sabem quem está sob as vestes.
qüaqui - cachimbo reto feito de madeira ou com a raiz da
juremeira
tacajupe - negro
toá – pedra que desprende um fino pó vermelho, usado em
pintura ritual
toé - fogo
toré – rito de celebração comum às etnias de Pernambuco.
Dançado em volta de uma fogueira ou cruzeiro, ocorre
frequentemente na aldeia e é um momento coletivo entre
moradores e possíveis visitantes, pois o toré é aberto aos nãoíndios
tupichaná - alecrim-de-caboclo
urucu - caboclo
urupá – peba
88
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
[II] Pesquisa
O que os brasileiros pensam dos índios?
Em http://www.socioambiental.org/pib/portugues/indenos/quepens/index.shtm
O IBOPE realizou uma pesquisa
de opinião pública de âmbito
nacional, encomendada pelo ISA
(Instituto Socioambiental), sobre
o que os brasileiros pensam dos
índios. É a primeira pesquisa de
opinião sobre o assunto realizada
em todo Brasil.
Dois mil homens e mulheres
foram ouvidos pelo IBOPE entre
24 e 28 de fevereiro de 2000,
expressando as opiniões dos
brasileiros sobre os índios às
vésperas das comemorações dos 500 anos do "Descobrimento do
Brasil".
O ISA opinou quanto à formulação das perguntas e elaborou a
presente análise dos resultados da pesquisa IBOPE.
Análise
A imagem dos índios
Embora a grande maioria dos brasileiros viva em cidades ou
regiões distantes das terras indígenas, 78% dos entrevistados
revelaram ter interesse no futuro dos índios. A pesquisa revela que
os brasileiros têm uma imagem positiva dos índios:
88% concordam que os índios conservam a natureza e vivem em
harmonia com ela, 81% acham que eles não são preguiçosos e
apenas encaram o trabalho de forma diferente da nossa, 89%
afirmam que eles não são ignorantes e apenas possuem uma
cultura diferente da nossa e 89% consideram que eles só são
violentos com aqueles que invadem as suas terras.
89
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
O papel do governo
Dentre os entrevistados, 82% acham que o governo federal
deveria atuar para evitar a extinção dos povos indígenas e para
promover a sua defesa. 75% acham que os índios precisam ser
protegidos e ensinados e 93% afirmaram que eles devem receber
uma educação que respeite os seus valores.
Perguntados sobre quais seriam os três maiores problemas dos
índios, 57% indicaram a invasão das suas terras, 41% apontaram
o desrespeito à sua cultura e 28% indicaram as doenças
transmitidas pelo contato com os brancos . Assim, os maiores
problemas indicados são decorrentes da relação com os não índios.
92% dos entrevistados consideram que os índios devem continuar
vivendo como tais e que, para isso, o governo deveria priorizar a
implantação de programas de saúde e de educação adequados
(48%), realizar a demarcação das suas terras (37%) e estimular a
produção de bens voltados para o mercado (31%)
As terras indígenas
A demarcação das terras indígenas também recebeu expressivo
apoio dos brasileiros. Informados de que os índios representam
apenas 0,2% da população brasileira e têm direitos de posse
permanente e de usufruto exclusivo sobre 11% do território
nacional, apenas 22% dos entrevistados consideram que é muita
terra para pouco índio, enquanto outros 68% entendem que a
extensão das terras indígenas é adequada ou insuficiente.
Mesmo nas regiões norte e centro oeste, onde se situam 99% da
extensão total das terras indígenas, 59% dos entrevistados
consideram-na adequada ou insuficiente, enquanto 34% acham
que é muita terra.
Perguntados especificamente sobre o caso dos índios que falam
português e se vestem como nós, 70% dos brasileiros consideram
que os seus direitos territoriais devem ser mantidos, contra 24%
que acham que deveriam perdê-los.
O direito à diferença
O reconhecimento do direito dos índios a serem diferentes de nós
é um consenso nacional: 92% da população acham que eles
90
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
devem ter o direito de continuar vivendo de acordo com os seus
costumes, opinião confirmada pelos 91% que consideram que eles
devem ter espaço para viver conforme a sua cultura. 67%
discordam que os índios devessem ser preparados para abandonar
a selva e viver como nós. Estes índices são ainda maiores entre os
entrevistados que têm instrução de nível superior.
O futuro
A pesquisa também detectou uma mudança significativa na opinião
dos brasileiros quanto ao futuro dos índios. Em vista da tragédia
histórica representada pelos 500 anos de colonização, com que
muitos povos indígenas foram extintos e a sua população total
reduzida de alguns milhões para os atuais 300 mil, havia, até há
alguns anos atrás, uma forte impressão, mesmo entre aqueles que
os defendiam, de que os índios acabariam sendo extintos no
futuro. No entanto, a maior parte dos entrevistados (45%)
expressou otimismo quanto ao futuro dos índios, tanto com
relação a continuarem vivendo nas suas terras quanto à
preservação da sua cultura. Outros 26% expressaram otimismo
apenas em relação à preservação das terras ou à cultura,
enquanto 21% manifestaram pessimismo em relação à
preservação de ambas.
Metodologia
A amostragem do IBOPE considerou as diferenças de sexo, de grau
de instrução, de renda familiar, de idade, de região de origem, de
porte e de tipo dos municípios de residência, para compor o
universo dos 2 mil entrevistados. As entrevistas, com eleitores de
16 anos ou mais, foram realizadas entre 24 e 28 de fevereiro de
2000.
Amostra
Elaborada por quotas proporcionais em função das variáveis
significativas:
Sexo: dados do TSE / 1996;
Grupo de Idade: dados do TSE / 1996;
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Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
Atividade: dados do IBGE / 1991, ajustado pela PNAD / 1996;
Posição Geográfica: dados do IBGE / 1991.
Coleta de dados
Entrevistas pessoais com utilização de questionário elaborado de
acordo com os objetivos da pesquisa.
Realizada por uma equipe de entrevistadores do IBOPE
devidamente treinada para a abordagem deste tipo de público.
Controle de qualidade
Houve filtragem em todos os questionários (100%) após a
realização das entrevistas.
Houve fiscalização em aproximadamente 20% dos questionários.
O erro da amostragem é de 2% para mais ou menos.
Indicadores
ƒ Os índios são violentos e perigosos?
Concorda 36% | Discorda 59% | Não opinou 5%
ƒ Os índios não são preguiçosos, apenas encaram o trabalho de
forma diferente de nós?
Concorda 81% | Discorda 13% | Não opinou 6%
ƒ Qual o seu grau de interesse pelo futuro dos índios brasileiros?
Concorda 78% | Discorda 18% | Não opinou 4%
ƒ Os índios conservam a natureza e vivem em harmonia com ela?
Concorda 88% | Discorda 8% | Não opinou 4%
ƒ Os índios devem ser educados de acordo com a nossa cultura?
Concorda 52% | Discorda 45% | Não opinou 4%
ƒ Os índios devem ter o direito de continuar vivendo na selva de
acordo com os seus costumes?
Concorda 92% | Discorda 5% | Não opinou 3%
92
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
ƒ Na sua opinião qual é o principal problema que afeta os índios
brasileiros atualmente?
A invasão de terras indígenas pelos brancos 29%
O desrespeito com os valores e a cultura indígena 17%
As doenças que os índios pegam dos brancos 11%
A perda da identidade cultural 8%
Não opinou 8%
ƒ
Qual dessas frases melhor expressa a sua opinião sobre a
quantidade de terras que os índios possuem para viver?
É muita terra 22%
É a quantidade certa de terra 34%
É pouca terra 34%
Não opinou 10%
ƒ Você acha que a educação dada aos índios deve respeitar seus
valores e sua cultura?
Concorda 93% | Discorda 3% | Não opinou 4%
ƒ Na sua opinião, quais são os 3 principais problemas que afetam os
índios brasileiros atualmente?
A invasão de terras indígenas pelos brancos 57%
O desrespeito com os valores e a cultura indígena 41%
As doenças que os índios pegam dos brancos 28%
Não opinou 8%
ƒ Deve haver espaço para que os índios possam viver de acordo com
a sua cultura?
Concorda 91% | Discorda 5% | Não opinou 4%
ƒ Qual destas frases melhor expressa a sua opinião sobre o futuro
dos índios brasileiros?
Vão continuar nas suas terras e preservar a sua cultura 45%
Vão continuar nas suas terras e esquecer a sua cultura 11%
Vão viver nas cidades e assimilar a cultura dos brancos 21%
Vão viver nas cidades sem assimilar a cultura dos brancos 15%
Não opinou 8%
93
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
ƒ Os índios são bons mas aprendem muitas coisas ruins com os
brancos?
Concorda 78% | Discorda 15% | Não opinou 7%
ƒ O governo deveria deixar que os índios sejam extintos?
Concorda 14% | Discorda 82% | Não opinou 5%
ƒ
Quais dessas medidas devem ser adotadas para que os índios
brasileiros continuem a viver como índios?
Implantar programa de saúde e educação 48%
Demarcar terras 37%
Orientação para que possam produzir mercadoria para vender
31%
Nenhuma destas 1%
Os índios não devem continuar vivendo como índios 16%
Não opinou 6%
ƒ Os índios devem ser preparados para abandonar a selva e viver
como nós?
Concorda 28% | Discorda 67% | Não opinou 4%
ƒ A educação dada aos índios deve respeitar os seus valores e a sua
cultura?
Concorda 93% | Discorda 3% | Não opinou 4%
ƒ Qual dessas frases expressa sua opinião sobre os índios que falam
português e se vestem como nós?
Eles devem perder o direito sobre as terras indígenas 24%
Eles devem continuar a ter direito sobre as terras indígenas 70%
Não opinou 6%
94
Cara de Índio | Uma tradução da Tradição Kambiwá
Perfil dos entrevistados
Tópico
Sexo
Idade
Descrição
Amostra
Homens
1006
Mulheres
994
16 a 24 anos
419
25 a 34 anos
500
35 a 49 anos
580
50 e mais
501
até primário completo
831
Ginásio incompleto e completo 548
Grau de Instrução
Colegial Incompleto e
Completo
501
Superior Incompleto e mais
120
Norte/Centro Oeste
252
Nordeste
544
Sudeste
887
Sul
317
Capital
475
Periferia
224
Interior
1301
Porte do Município
até 20 mil
643
(em número de
de 20 a 100 mil
522
mais de 100 mil
835
mais de 10 sm
130
de 5 a 10 sm
291
de 2 a 5 sm
680
de 1 a 2 sm
456
até 1 sm
325
não opinou
118
Região
Condição do
Município
eleitores)
Renda Familiar
(em salários
mínimos)
95

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