ONDE ESTÁ O WALLY? * Luís Cassiano Neves No

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ONDE ESTÁ O WALLY? * Luís Cassiano Neves No
ONDE ESTÁ O WALLY?
* Luís Cassiano Neves
No popular livro, encontrar Wally por entre a multidão revela-se tarefa extenuante. Na luta por um
desporto íntegro, as agências anti-doping deparam-se com desafio semelhante: localizar atletas em
parte incerta e submetê-los a testes em tempo útil constitui um dos mais ásperos obstáculos à
possibilidade e eficácia da punição. Afirma a World Anti-Doping Agency (WADA) que a maioria
das actividades dopantes ocorrem durante paragens na competição, altura em que os atletas não
estão sujeitos a controlo, porquanto muitas das substâncias dopantes deixam de ser detectáveis
ao fim de poucas semanas. Os escândalos no ciclismo e no baseball sublinharam a necessidade de
reforma, tendo as entidades que compõem a WADA decidido reformular os “standards”
internacionais, os quais entraram em vigor em 2009. Entre as mais significativas, surge a nova
regra que exige que os atletas de alta competição (designados pela respectiva Federação)
indiquem a sua localização durante uma hora por dia, na qual poderão ser sujeitos a controlo. Esta
obrigação abrange os 365 dias do ano, pelo que terá impacto nos períodos de descanso e férias
dos atletas. As reacções não tardaram: Rafael Nadal desabafou que nem o pai sabe por onde ele
anda todos os dias, tendo a FIFA e a UEFA emitido um comunicado conjunto em que rejeitam a
política da WADA.
A aparência exorbitante das novas exigências de localização tem razões históricas e técnicas. No
seu esforço de harmonização, a WADA acabou por consagrar uma regra anteriormente vigente em
algumas modalidades, a qual em certos casos era aplicável 24 horas por dia, ao invés dos 60
minutos diários agora aprovados. Por outro lado, o sistema uniformizado não tem flexibilidade para
considerar a especificidade de cada desporto. Assim, o que parece desmesurado no contexto do
futebol, pode ser adequado para o atletismo. Argumenta a FIFA que no caso do futebol bastará
uma actualização da localização da equipa, dado que os futebolistas estão sujeitos a actividade
constante, rejeitando a possibilidade de sujeição a testes durante o período de férias.
Considerando a potencial violação de direitos individuais e de privacidade, adivinhamos a
aprovação de futuras excepções processuais para modalidades colectivas. Contudo, no caso do
atletismo ou do ciclismo, em que os atletas podem acumular vários meses de inactividade
voluntária, este tipo de regra parece ser essencial para que a luta anti-doping deixe de estar um
passo atrás do ilícito. Veremos quem ganha a batalha legal que, muito provavelmente, se seguirá.
* Advogado - Grupo de Prática de Direito do Desporto