Boletim ConBraSD Nº 5 – Abril 2013

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Boletim ConBraSD Nº 5 – Abril 2013
Boletim ConBraSD nº 5 - 15/04/2013
Boletim nº 5
15 de abril de 2013
O Boletim ConBraSD é uma publicação trimestral do Conselho Brasileiro para Superdotação, de acesso exclusivo para
os seus sócios. Todas as matérias e informações veiculadas no boletim são de inteira responsabilidade de seus autores.
Propostas para os próximos números podem ser enviadas por e-mail para o Editorial do Boletim
([email protected]) até 15 dias antes de sua publicação, que ocorrerá no dia 01/07/2013.
Editora: Profa. Dra. Christina Cupertino.
Editorial
Depois de um longo período de ausência retomamos a publicação do nosso Boletim. Não poderia ser num
momento mais propício, o da comemoração dos 10 anos de ConBraSd! Uma década na qual consolidou-se
um grupo ativo e militante, empenhado em levar adiante a luta pelos direitos das pessoas com altas
habilidades/superdotação, habitualmente esquecidas no Brasil. Caminhamos bastante... Hoje temos esse
debate instituído nos estados brasileiros, com maior ou menor intensidade. Espaços de atendimento
multiplicam-se, profissionais habilitados também. É uma atividade em franca expansão, acompanhada de
perto pela pesquisa que lhe dá credibilidade.
É esse o momento de prestar a devida homenagem à nossa saudosa Maria Helena Novaes, pessoa brilhante
em todos os sentidos, de uma relevância imensurável nesse processo, que sempre nos deu a direção e a
coragem por meio do exemplo, e que para sempre continuará a nortear nossas realizações.
Christina Cupertino
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Notícias
A busca pelos direitos de aceleração dos alunos com altas habilidades/ superdotação em São
Paulo
Claudia Hakim
Sabemos o quanto é difícil no Brasil que a lei seja cumprida pelas escolas quando se trata da inclusão das
pessoas com altas habilidades/superdotação. Falando da minha experiência na cidade de São Paulo, constato
que tanto as escolas quanto as diretorias de ensino ou a Secretaria da Educação oferecem resistência, ou
chegam a vetar a aceleração de série a aluno superdotado com notável desempenho acadêmico e que
preenche todas as condições previstas em lei. Nesses casos, é recomendável que os pais desse aluno ou a
própria escola em que o aluno estuda entrem com ação judicial, com o objetivo de que seja efetivada ou
regularizada sua matrícula na série pretendida, pois o ordenamento jurídico existente em prol deste
alunado assim permite.
Compartilho aqui minha experiência com o intuito de demonstrar que é possível combater essa situação e
lutar pelos interesses das crianças superdotadas que precisam de uma situação escolar diferenciada.
Já ingressei com mais de 160 ações judiciais, envolvendo tanto a questão de idade/corte, quanto da
aceleração de série para alunos superdotados acadêmicos, para matrícula de aluno em série compatível
com a sua aptidão e não com base apenas na idade estabelecida para a sua matrícula. Em alguns destes
casos, os alunos já tinham sido acelerados de série e tiveram suas matrículas vetadas pela diretoria de
ensino, que pretendia que eles voltassem ao ano anterior, o que não chegou a acontecer na prática porque
foram obtidas liminares para evitar o retrocesso de série. Em outro, a escola negou o direito do aluno ser
acelerado, mesmo reconhecendo que ele tinha potencial para tanto, porque, ao consultar a diretoria de
ensino, foi informada de que esta não admitia a aceleração de série para alunos superdotados.
É importante que as pessoas lidam com as altas habilidades saibam que 95% dos casos foram bem
sucedidos: todos os processos foram instruídos, com as devidas provas da superdotação ou da aptidão do
aluno para cursar a série pretendida, da maturidade emocional (através de laudo feito por psicólogo) e da
necessidade de aceleração. Desde que bem instruído o processo, a experiência com o Poder Judiciário
paulistano como forma de fazer valer os direitos dos alunos com altas habilidades / superdotação, tem se
mostrado favorável e tenho encontrado, através dele uma forma de resolver de forma definitiva a
regularização da matrícula destes alunos.
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Alguns requisitos são importantes para dar andamento a um processo. No caso específico das crianças para
as quais eu ingressei com processo apresentavam notório desempenho acadêmico. Foram avaliados por
profissionais especializados e idôneos e seus laudos confirmavam seu alto potencial cognitivo, bem como a
maturidade afetiva e social para cursar a série pleiteada. Além disso, tiveram a indicação de aceleração de
série afirmada de forma expressa no laudo. Estes quatro elementos apontados devem constar da petição
que será apresentada ao juiz, posto que são necessários para o seu convencimento. Muito melhor, para
firmar este convencimento, seria se as escolas apoiassem esta ação, fornecendo para os pais uma
declaração atestando as altas habilidades do aluno e a aptidão dele para cursar a série pretendida. Tal
medida viria a corroborar a necessidade de termos uma avaliação das altas habilidades feita por equipe
multidisciplinar. Isso, no entanto, nem sempre acontece, pois as escolas ainda temem eventual represália
por parte da diretoria de ensino responsável.
Minha experiência pessoal com relação à polêmica indicação da aceleração vem sendo positiva. Tenho dois
filhos que foram acelerados de série. Apesar da concordância e do apoio que obtive da escola dos meus
filhos, o processo formal foi difícil, mas com a intervenção jurídica, eles tiveram suas matrículas
regularizadas. Meus filhos continuam sendo excelentes alunos, muito interessados e curiosos. Estão muito
bem adaptados socialmente nas séries que hoje cursam. Quando bem conduzida e amparada, a aceleração
de série é uma proposta pedagógica que muito pode beneficiar alguns alunos com altas habilidades. Em tais
casos, o não atendimento do aluno com altas habilidades pode acarretar a falta de estímulo e o
inconformismo, podendo até mesmo abalar sua auto-estima. Além dos prejuízos para a comunidade em
que vive, pois não se estaria aproveitando adequadamente o grande potencial humano peculiar às crianças
com altas habilidades/superdotadas. Deve-se, a cada caso concreto, independente da idade, avaliar a
capacidade e a maturidade da criança para que seja possível identificar sua aptidão ou não para cursar a
série pretendida, fatores estes que podem ser devidamente confirmados em relatórios de avaliação que
envolvam os aspectos pedagógicos, psicológicos e mesmo orgânicos.
Claudia Hakim é advogada especializada em Educação, assessora jurídica do Núcleo Paulista de Atenção à
Superdotação (NPAS), autora do blog : www.maedecriancassuperdotadas.blogspot.com e criadora e
moderadora do grupo do Facebook “Mãe de Crianças Superdotadas”.
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Reunião com o MEC
Preocupados em fortalecer a política educacional em prol da área de altas habilidades/superdotação,
representantes da atual diretoria do ConBraSD participaram no dia 12 de março de uma reunião com a
diretora de Políticas de Educação Especial da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização,
Diversidade e Inclusão (SECADI), senhora Martinha Clarete Dutra dos Santos. Na ocasião, foram
apresentados os pontos vulneráveis que impedem a implantação e/ou implementação de serviços
especializados e de benefícios que contemplem as reais necessidades dos estudantes com altas
habilidades/superdotação, produto da contribuição de diversos sócios e instituições (veja o Ofício Nº
2/2013 na seção de Downloads do site do site do ConBraSD). Para todos os pontos abordados a equipe
do ConBraSD propôs alternativas que foram amplamente discutidas.
A diretora de Políticas de Educação Especial salientou, durante o encontro, que a função do MEC não é
fiscalizar o cumprimento da legislação educacional nem normatizar, mas apenas orientar os sistemas de
ensino o que, segundo ela, foi feito quando da implantação da Política Nacional de Educação Especial na
Perspectiva da Educação Inclusiva. Sendo assim, cabe aos governos dos Estados, Municípios e Sistemas de
Ensino
a
regulamentação
destas
orientações
para
que
todos
os
estudantes
com
altas
habilidades/superdotação possam fazer uso dos direitos a eles “sugeridos” pelo MEC.
Diante dos vários argumentos que a diretoria do ConBraSD ouviu, que serão formalizados por escrito pela
diretora e publicados no site do Conselho, assim que recebidos, vale ressaltar a necessidade da
comunidade (profissionais da educação, famílias e comunidade) assumir seu papel protagonista junto aos
sistemas de ensino (municipal e estadual), monitorando e exigindo o cumprimento das orientações sobre o
atendimento de qualidade aos estudantes com altas habilidades/superdotação nas políticas educacionais dos
estados e municípios e junto ao Ministério Público, quando isso não acontecer.
Salienta-se também a importância de parcerias com instituições do Ensino Superior para fomentar e
alavancar os estudos e pesquisas na área e o potencial apresentado pelos estudantes com AH/SD.
A diretora Martinha recebeu com apreço a realização, em 2014, do VI Encontro Nacional do ConBraSD, II
Congresso Internacional sobre Altas Habilidades/Superdotação e da proposta para sediar o X Congreso
Iberoamericano de Superdotación, Talento y Creatividad, em 2014, e buscará apoio do MEC para a
realização desses eventos.
A Diretoria
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Teses e Dissertações defendidas
Mestrado
Leandra Costa da Costa – UFSM – Em 21/03/ 2012
Título: Acadêmico idoso no ensino superior: características de altas habilidades/superdotação. 2012.
Orientadora: Profa. Dra. Soraia Napoleão Freitas
Miriam de Oliveira Maciel – UFSM – Em 27/03/2012.
Título: Alunos com Altas Habilidades/Superdotação e o fenômeno Bullying.
Orientadora: Profa. Dra. Soraia Napoleão Freitas
Karina Paludo - UFPR. Em 25 de março de 2013.
Título: Altas Habilidades/Superdotação sob a ótica da Teoria da Afetividade Ampliada: relações entre
identidade e resiliência.
Orientadora: Profa. Dra. Helga Loss Sant’Ana
Renata Gomes Camargo – UFSM – 25/03/2013.
Título: Estratégias de acessibilidade educacional para estudantes com altas habilidades/superdotação
Orientadora: Profa. Dra. Soraia Napoleão Freitas
Karine Sefrin Speroni – UFSM – 26/03/2012.
Título: Problematizando a temática das ‘altas habilidades/superdotação' sob as tramas da inclusão
educacional.
Orientadora: Profa. Dra. Soraia Napoleão Freitas
Caroline Leonhardt Romanowiski- UFSM – 16/04/2013
Título: Indicadores das Representações Sociais da Superdotação na Discursividade das Professoras.
Orientadora: Profa. Dra. Soraia Napoleão Freitas
Anelise dos Santos da Costa – UFSM – 16/04/2013
Título: Crianças Índigo e com Altas Habilidades/Superdotação: Aproximações e Distanciamentos no
contexto educativo.
Orientadora: Profa. Dra. Soraia Napoleão Freitas
Doutorado
Járci Machado - UFPR. Em 25 de março de 2013.
Título: Habilidades cognitivas e metacognitivas do aluno com Altas Habilidades/Superdotação na resolução
de problemas em Matemática.
Orientadora: Profa. Dra. Taniz Stoltz.
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Artigos
PROGRAMAS DE INICIAÇÃO CIENTIFICA: VOCAÇÕES E TALENTOS NA ÁREA DA
MATEMÁTICA
David Fernandes da Costa
RESUMO:
Em 2008, fui convidado a participar da equipe da Unidade de Trabalho Diferenciado (UTD), escola
especializada na suplementação pedagógica para alunos com Altas Habilidades/Superdotação (AH/SD) do
Município de Angra dos Reis. Sem prática alguma nessa área, era apenas um professor que acreditava que
¨bom¨ aluno (superdotado) poderia seguir estudos por conta própria, precisando apenas de pequenas
orientações. Esse momento gerou apreensão, mas também necessidade de procura por assuntos que
suplementassem pedagogicamente esses alunos. Com a assessoria nas reuniões pedagógicas e a convivência
com os alunos na UTD, comecei a ter maior conhecimento. Em 2008, organizei materiais diversos: vídeos
sobre a relação da matemática com outras áreas do conhecimento, provas de concurso, letras de canções
e textos de literatura com elementos matemáticos. Além desses, foram utilizados revistas ou sites da
internet com jogos, desafios e charadas, sudoku, o banco de questões da OBMEP (Olimpíada Brasileira de
Matemática das Escolas Públicas), revista Galileu Especial, apostilas preparatórias para concursos, entre
outras fontes. Esse material serviu para trabalhar com os alunos da UTD durante esses anos. Sempre
busquei adaptar os níveis de aprendizagem do domínio cognitivo descritos por Bloom (1972). Esses níveis
são divididos em conhecimento, compreensão, aplicação, análise, síntese e avaliação. Com os alunos AH/SD
procuramos trabalhar nos três últimos níveis. Os três primeiros níveis são exaustivamente trabalhados na
sala de aula do ensino regular, o que leva muitos alunos de AH/SD ao desinteresse pelo ambiente escolar
tradicional, tornando-se, algumas vezes, “problemáticos”. Outro objetivo pretendido era possibilitar que
esses alunos pudessem participar da OBMEP (Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas).
Assim, uma vez sendo premiados, poderiam participar do programa de iniciação científica com bolsa
concedida pelo CNPq. Dessa forma, intensifiquei o trabalho na sala de recursos, usando questões da
OBMEP. Esse procedimento levou dois alunos da UTD a serem premiados em 2009 com medalhas de
prata, conquistando bolsas de iniciação científica. Além desses, três alunos ganharam menção honrosa.
Deve-se ressaltar também uma característica que se evidenciou com o trabalho na UTD: o pouco
conhecimento dos conteúdos matemáticos formais apresentados na sala de aula do ensino regular.
Conseguiam realizar vários desafios usando estruturas aritméticas, mas desconheciam geometria e álgebra.
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Foi necessário complementar a falta de conhecimento que se observava nesses alunos. Como consequência
disso, ao intensificar os conteúdos, identificou-se quais assuntos despertam maior interesse. Enfim, os
desafios continuam e as dificuldades encontradas no ensino público, conhecidas de todos, também se
refletem no atendimento educacional especializado. No entanto, longe de ser um impedimento para o
trabalho, são esses desafios, sem dúvida, que precisam ser superados tanto por nós, profissionais da
educação, como pelos alunos e suas famílias.
Palavras-Chave: Suplementacão; Talento; Desafios.
Apresentação:
Este artigo tem como objetivo apresentar meu trabalho como professor do Atendimento
Educacional Especializado para alunos que são identificados com Altas Habilidades/Superdotação do
município de Angra dos Reis, tendo-se em vista a oportunidade de favorecer o ingresso em programas de
iniciação científica. Minha atuação é na Unidade de Trabalho Diferenciado (UTD).
A UTD, unidade de ensino criada pelo decreto municipal 5300 e autorizada a funcionar pela
portaria 006/CME/2007, foi instituída para reunir dois tipos de público discente: os alunos que apresentam
condutas típicas - nomenclatura utilizada na época - que se caracterizam, segundo o Diagnostic and
Statistical Manual for Mental Disorders - DSM IV(1994), como pessoas com alterações na interação social
recíproca,
comunicação
e
comportamento
(atualmente,
alunos
com
Transtorno
Global
do
Desenvolvimento) e os alunos que apresentam altas habilidades/superdotação. De acordo com Joseph
Renzulli, renomado pesquisador da área da Universidade de Connecticut, os comportamentos dessa
superdotação resultam do conjunto de três traços: habilidade acima da média em alguma área de
conhecimento; envolvimento com a tarefa e criatividade.
Um pouco da história da UTD
Os alunos identificados a partir da lista de indicadores (DELOU, 1987) foram entrevistados,
avaliados e organizados em função dos interesses que apresentavam. Em 2004, os pais/responsáveis
também foram ouvidos e suas informações, além das oferecidas pelo professor, serviram de suporte para o
encaminhamento da proposta metodológica de trabalho, que seria desenvolvida numa sala de aula cedida
por uma Escola Municipal.
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Em 2005, a sala de recursos para altas habilidades/superdotação começa a colocar em prática os
conhecimentos adquiridos por meio das formações realizadas. Começaria, assim, o
trabalho efetivo e específico para os alunos que apresentam notável desempenho e elevada potencialidade
em quaisquer dos seguintes aspectos, isolados ou combinados: capacidade intelectual geral; aptidão
acadêmica específica; pensamento criativo ou produtivo; capacidade de liderança; talento especial para
artes e capacidade psicomotora (Brasil, 2001).
Iniciado o trabalho, uma professora escolhida para desenvolver a proposta da sala de recursos
realizou durante dois anos a monitoria de oficinas nas áreas de texto, matemática e ciências. Em 2006, a
sala de recursos ganhou mais uma oficina, dessa vez na área de artes, coordenada por um professor dessa
disciplina.
Em 2007, a sala de recursos para alunos com Altas Habilidades/Superdotação começa, a partir de
maio, a fazer parte da Unidade de Trabalho Diferenciado. Em 2008, surge a necessidade de
aprofundamento dos conhecimentos de cada área do conhecimento e a ampliação da oferta dessa
suplementação pedagógica para os alunos que frequentavam do 6º ao 9º ano de ensino fundamental. Para
isso, são convidados professores específicos das áreas: ciências, português e matemática - além da área de
artes que já desenvolvia trabalho com professor especializado. Nesse momento, passei a fazer parte da
equipe da UTD.
Minha chegada até a UTD para dar aula na sala de recursos de matemática se deu por um desses
acasos da vida profissional. No início do ano letivo de 2008, fui consultado sobre a disponibilidade de
tempo para dar aula em outra escola da rede municipal de Angra dos Reis. Naquela oportunidade, foi-me
apresentada uma primeira opção não compatível com a minha disponibilidade de horários. Foi quando a
então coordenadora responsável pela disciplina de matemática da Secretaria de Educação lembrou que a
UTD estava precisando de professor para a oficina de matemática em altas habilidades e sugeriu que me
apresentasse para a vaga.
Foi uma descoberta chegar à UTD e me deparar com todo o trabalho que se realizava na unidade e
o conhecimento sobre o tema que tinha sido acumulado. A proposta apresentada era desafiadora: os
professores deveriam buscar, junto à equipe existente, uma coordenadora,
uma pedagoga e uma psicóloga além de criar metodologias diferentes das conhecidas por um professor do
ensino regular e capazes de atender à diversidade de demandas dos alunos de variadas faixas etárias num
mesmo grupo. Até então essa realidade não fazia parte da nossa atuação profissional.
Sem prática alguma nessa área, era apenas um professor acreditando que ¨bom¨ aluno
(superdotado) poderia seguir estudos por conta própria e precisaria apenas de pequenas orientações.
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Descobri, nesse momento, que haveria necessidade de ampla pesquisa para a realização desse desafio.
Fiquei muito interessado em participar desse trabalho, a tal ponto de me oferecer para acompanhar
as reuniões em que aconteceria a assessoria dada pela ACERTA (Assessoria Cultural e Regional no Resgate
a Talentos Acadêmicos), mesmo sem um contrato, apenas como ouvinte. Era a oportunidade de usar esse
conhecimento na minha sala de aula de ensino regular. Para minha felicidade, conseguimos compatibilizar os
horários e passei a fazer parte da equipe da UTD.
No início do trabalho (ano de 2008), tínhamos, na sala de recursos de matemática, um total de 9
alunos de diversos anos de escolaridade, do 6º ao 9º ano. Esse foi um momento de muita apreensão, pois
estava começando um trabalho sobre o qual não tinha pensado a respeito anteriormente. Também foi uma
época de muita procura por assuntos e tarefas que pudessem dar conta da proposta de suplementação
pedagógica para esses alunos – um desafio que continua presente até o momento atual.
Em 2009, o trabalho foi desenvolvido tendo por base os acontecimentos de 2008, sendo possível
organizar melhor as propostas para os alunos. Isso resultou em um portfólio das propostas de trabalhos
com os alunos e das atividades realizadas.
Com a assessoria nas reuniões pedagógicas e a convivência com os alunos na UTD, comecei a ter
maior conhecimento. A parti daí, organizei materiais diversos: vídeos sobre a relação da matemática com
outras áreas do conhecimento, provas de concursos, letras de canções e textos de literatura com
elementos matemáticos. Além desses, foram utilizados revistas ou sites da internet com jogos, desafios e
charadas, sudoku, o banco de questões da OBMEP (Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas
Públicas), revista Galileu especial, apostilas preparatórias para concursos, entre outras fontes. Esse material
serviu para trabalhar com os alunos da UTD durante esses anos.
Diante da apresentação dos objetivos inicialmente pretendidos para a então sala de recursos,
busquei organizar um trabalho que fosse, ao mesmo tempo, estimulante e diferenciado para os alunos.
Dentre esses objetivos: estimular a independência de estudo do aluno, ensinando a ser eficiente e efetivo
nessa tarefa; estimular que os alunos utilizem processos cognitivos complexos, tais como o pensamento
criativo, análise crítica, análise de prós e contras; estabelecer as habilidades de comunicação interpessoal
necessárias para que os alunos trabalhem tranquilamente com pares de diferentes faixas etárias e de todos
os níveis de desenvolvimento cognitivo; estimular o desenvolvimento do respeito pelos demais seres
humanos, independente de suas características, talentos e competências; estimular a discussão ampla de
questões, fatos, ideias, aprofundando gradativamente o nível de complexidade da análise.
Com o avançar dos estudos nas coordenações, ampliamos o registro e organizamos formas
diferentes de entender e registrar os objetivos pedagógicos do trabalho, o planejamento das estratégias e
também alguns registros do desenvolvimento diário das ações pedagógicas são discutidas coletivamente e
pensadas de forma que possam atender aos seguintes propósitos:
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•
Acompanhar o processo pedagógico com os alunos que frequentam a sala de recursos,
estabelecendo a habilidade de comunicação interpessoal necessária para que os alunos trabalhem
produtivamente em diferentes faixas etárias e de todos os níveis de desenvolvimento cognitivo;
•
Estimular o desenvolvimento do respeito por todos os seres humanos, independente de suas
características, talentos e competências;
•
Estimular os alunos a discutir amplamente sobre questões, fatos, ideias, aprofundando
gradativamente o nível de complexidade da análise;
•
Estimular os alunos para organização de projetos de pesquisa como forma de aprofundar seu nível
de interesse por determinada área de conhecimento;
•
Desenvolver oportunidades de orientação aos pais sobre questões observadas nos seus filhos nos
diversos ambientes que frequentam (social, familiar, educacional);
•
Manter contato com a equipe pedagógica e professores da escola regular dos alunos que
frequentam a sala de recursos oferecendo orientações sobre enriquecimento curricular.
Início de uma produção textual sobre o trabalho pretendido:
A identificação das pessoas talentosas que ora frequentam a rede municipal de ensino, é um grande
desafio para nós educadores dedicados a esse trabalho, pois a certeza de que eles existem e que
apresentam nuances de conhecimentos, comportamentos e vivências diversificadas traz a cada dia a
necessidade de estudo e construção de estratégias mais completas para a avaliação desses variados
potenciais.
Após a identificação, mais uma ação desafiadora é a construção de uma prática pedagógica
diversificada caracterizada por uma suplementação de conhecimentos não presentes no currículo do ensino
regular.
Oferecer oportunidades de aperfeiçoar talentos é uma atitude hoje prevista e exigida em lei, mas
que ainda bem poucos têm acesso. Isto porque, partindo-se da premissa do senso comum de que o
superdotado já é alguém que tem uma “vantagem” sobre os demais, porque ordenar recursos humanos e
financeiros para aqueles que se destacam, enquanto uma parcela reconhecidamente expressiva da
população têm dificuldades na escolarização?
Atender à exigência legal e orientar ações que aceitem a existência de pessoas com altas
habilidades/superdotação acreditando que são pessoas com necessidades educacionais especiais e que,
portanto, demandam atendimentos educacionais especializados é atitude não apenas responsável, mas
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também respeitosa e de consideração da diversidade. Não atender a essa necessidade acaba por criar
alunos que se desinteressam pela escola, por não encontrar nesse espaço os desafios que os estimulem.
Não é raro pais reclamarem que seus filhos não têm tarefas escolares para realizar em casa visto que já as
fizeram em horários livres na sala de aula.
A partir da construção do conhecimento que vínhamos realizando, fui organizando meu trabalho e
escrevendo sobre o que vinha vislumbrando como objetivos pedagógicos para o trabalho. Por isso, em
2009, escrevi o texto que se segue abaixo:
As mudanças sociais e os progressos tecnológicos ocorridos no mundo nos obrigam a reformular as
nossas práticas em sala de aula. Assim, nas décadas de 1980 e 1990, ganhou força o movimento
internacional em torno da Educação Matemática baseado em estudos e práticas de professores, pedagogos,
psicólogos e matemáticos, propondo nova maneira de ensino.
Essas mudanças exigem um novo currículo que permita ao aluno estabelecer conexões entre os
diferentes temas matemáticos e também entre estes e as demais áreas do conhecimento, possibilitando a
formação de cidadãos que interpretem adequadamente a informação e as utilizem respeitando princípios
éticos universais que contribuam para a formação de um indivíduo autônomo capaz de pensar, raciocinar e
resolver problemas.
No contexto de uma sala de recursos para alunos com altas habilidades, esse currículo deve ser
enriquecido usando os princípios propostos por Passow que parece englobar as modificações propostas por
outros pesquisadores dedicados à educação de superdotados
(Gama, 2006). Princípios estes que apontam para conteúdo que inclua estudos mais elaborados e
complexos, aplicação do pensamento produtivo, exploração do conhecimento em perpétua mutação,
desenvolvimento do autoconhecimento, além de outros aspectos.
Como estamos trabalhando em uma sala de recursos na área de matemática, não podemos deixar
de levar em conta os objetivos formulados pelo PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais para nossa área
(desenvolver os conceitos de número e operações, espaço e forma, grandezas e medidas, tratamento da
informação, bem como atitudes que demonstrem pensamento crítico), que devem estar presentes no
universo das altas habilidades, possibilitando ao aluno atender suas necessidades de conhecimento mais
amplo.
A organização da oficina de matemática atende a critérios estipulados pelo grupo de profissionais do
atendimento educacional especializado. Em 2009, organizamos norteadores para o trabalho pedagógico
baseado nos objetivos propostos por Bloom (1972) baseados em habilidades que o aluno deve aprimorar.
São elas: inteligência analítica, inteligência criativa e inteligência prática.
De acordo com a Taxionomia de Bloom, as habilidades de inteligência analítica referem-se aos
seguintes níveis: conhecimento, compreensão, aplicação, análise, síntese e avaliação. No que se refere à
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inteligência criativa, devem ser considerados fluência, flexibilidade e elaboração do aluno em relação aos
conhecimentos matemáticos. E, em relação a inteligência prática busco observar a capacidade de criação e
a possibilidade do aluno aprender por meio dos erros e/ou raciocínios equivocados que apresentar.
Percebo que, em geral, os alunos com essas características têm maior disposição para desafios quando
comparados àqueles que não são tão fluentes nessas habilidades.
Ao final do ano letivo, preenchemos um relatório individual, informando sobre o desempenho do
aluno, considerando a observação que fui realizando e o retorno dado pelo empenho do aluno na
frequência semanal ao AEE.
Objetivando a iniciação científica através da participação dos alunos na OBMEP:
Com o avanço no trabalho, um dos objetivos que passou a fazer parte no acompanhamento dos
alunos do AEE de altas habilidades/superdotação em matemática foi possibilitar que eles pudessem
participar de forma efetiva na OBMEP (Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas). Assim,
uma vez sendo premiados, poderiam participar do programa de iniciação científica com bolsa concedida
pelo CNPq.
Atualmente, a OBMEP favorece aos alunos maiores possibilidades de participar de um programa de
iniciação científica em matemática de uma forma muito simples. Basta realizar as provas propostas em duas
etapas e obtendo a premiação como medalhista, ou mesmo os primeiros lugares da menção honrosa, estão
aptos a participar da iniciação científica. No ano de 2012, serão oferecidas 4500 medalhas e,
consequentemente, 4500 bolsas de iniciação científica. A acessibilidade do aluno ao programa está, em
primeiro lugar, diretamente relacionada à iniciativa do professor em encaminhar esse aluno para a
realização dessas duas provas. Posteriormente, é o desempenho do aluno que determinará sua colocação e
consequente premiação.
Vale ressaltar que o nível de conhecimento apresentado pelo aluno da escola municipal é
equivalente a qualquer outro aluno das escolas públicas seletistas. As notas dos alunos que atendemos no
AEE e que participam da iniciação científica nada deixam a desejar em relação aos alunos da rede federal,
por exemplo. Isso demonstra que alunos superdotados estão presentes em todas as instituições de ensino.
Com a finalidade de preparar os alunos do AEE, intensifiquei o trabalho usando cadernos de
questões da OBMEP além das resoluções de provas da 1ª e 2ª fases de anos anteriores. Esse procedimento
levou 2 alunos da UTD a serem premiados em 2009 com medalhas de prata, conquistando bolsas de
iniciação científica. Além desses, do total de 6 alunos que participaram da 2ª fase das olimpíadas de 2009,
mais 3 ganharam menção honrosa.
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Em 2010, mais dois alunos conseguiram bolsas de iniciação científica. E, no ano de 2011, foram quatro
alunos.
Uma característica que se evidenciou com o trabalho na UTD, foi o pouco conhecimento que os
alunos tinham dos conteúdos matemáticos formais apresentados na sala de aula do ensino regular.
Conseguiam realizar vários desafios usando estruturas aritméticas, no entanto, desconheciam geometria e
álgebra. Apesar do trabalho na UTD ser de suplementação pedagógica, foi necessário complementar a falta
de conhecimento que se observava nesses alunos, o que se deu de forma rápida devido às características
apresentadas pelos alunos.
Mesmo nos momentos em que se complementavam os conteúdos, procurava-se problematização
que fosse interessante não só do ponto de vista do professor, mas principalmente que despertasse o
interesse do aluno tendo em vista que um dos objetivos do nosso trabalho é desenvolver esse interesse.
Ficar atento a esse aspecto é de grande importância, pois, ao apresentarmos vários conteúdos, torna-se
mais fácil a identificação daqueles de maior interesse para o aluno. Finalmente, é necessário criar um
ambiente onde o aluno possa se desenvolver no segmento escolhido.
Sempre busquei adaptar os níveis de aprendizagem do domínio cognitivo descritos por Bloom
(1972). Muitos são os instrumentos existentes para apoiar o planejamento didático-pedagógico, a
estruturação, a organização, a definição de objetivos instrucionais e a escolha de instrumentos de avaliação.
A Taxonomia de Bloom é um desses instrumentos cuja finalidade é auxiliar a identificação e a declaração
dos objetivos ligados ao desenvolvimento cognitivo que, no contexto deste artigo, engloba a aquisição do
conhecimento, competência e atitudes, visando facilitar o planejamento do processo de ensino e
aprendizagem. Esses níveis são divididos em conhecimento, compreensão, aplicação, análise, síntese e
avaliação. Com os alunos AH/SD procuramos trabalhar nos três últimos níveis. Os três primeiros níveis
são exaustivamente trabalhados na sala de aula do ensino regular, o que leva muitos alunos de AH/SD ao
desinteresse pelo ambiente escolar tradicional, tornando-se, algumas vezes, “problemáticos”. De acordo
com Gama (2006), as crianças talentosas precisam ser estimuladas e desafiadas para atividades que
envolvam os níveis de análise, síntese e avaliação. Diante disso, fui buscando aperfeiçoar minha prática,
proporcionando mais atividades que envolviam não apenas a resposta aos desafios matemáticos como
também o estímulo à autoria de novos desafios pelos alunos.
Conclusão:
Analisando as produções e os estudos realizados nesse tempo, considero a UTD uma ampla e
importante fonte geradora de material, passível de ser apreciado academicamente, marcando meu trajeto
profissional e delineando novas maneiras de se enxergar tanto o ensino para alunos com AH/SD como a
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educação do público em geral.
Os estudos em relação à realidade educacional vivida pelo aluno de altas habilidades/superdotação
continuam nos momentos coletivos de coordenação pedagógica e na busca de conhecimentos específicos
em matemática que favoreçam a minha atuação profissional.
Depois de quatro anos atuando nessa área, percebo as conquistas na minha forma de estar com os
alunos assim como na postura mais à vontade que esses alunos apresentam. Antes, realizar uma questão da
OBMEP era muito assustador. Hoje, essas mesmas questões são trabalhadas cotidianamente com muita
naturalidade. As questões antes encaradas como difíceis, hoje são desafiadoras.
A participação no atendimento educacional especializado (AEE) proporciona ao aluno a aquisição de
conhecimentos e características pessoais que favorecem a atuação nos programas de iniciação científica de
forma mais segura.
No entanto, ainda há muito para ser conquistado.
Os desafios continuam e as dificuldades
encontradas no ensino público, conhecidas de todos, também se refletem no atendimento educacional
especializado. Longe de ser um impedimento para o trabalho, são esses desafios, sem dúvida, que precisam
ser superados tanto por nós, profissionais da educação, como pelos alunos e suas famílias.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Alencar, E. ML. S.; Fleith, D. S. S. (2007) Desenvolvimento de Talentos e Altas Habilidades-Orientação a pais e
professores. Porto Alegre: Artmed.
Brasil (1997). Secretária de Ensino Fundamental – Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática, Brasília.
MEC.
Brasil (2001) Diretrizes nacionais para educação especial na educação básica. Brasília: Ministério da Educação.
Delou, C. M. C. (1987) Identificação de superdotados: Uma alternativa para observação do professor em sala de
aula: dissertação de Mestrado, UERJ.
Freeman, J. e Guenther, Z. C (2000) Educando os mais capazes: idéias e ações comprovadas.
São Paulo:EPU.
Gama, M. C. S. (2006) Educação de superdotados: teoria e prática. São Paulo: EPU.
David Fernandes da Costa é Professor de Matemática do ensino regular da rede municipal de Angra dos
Reis. Professor de Matemática do AEE AH/SD da rede municipal de Angra dos Reis. E-mail:
[email protected]; [email protected]
________________________________________________
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THE REACH MODEL IN PORTUGUESE
Ednei da Silva Dantas
O que é o modelo “REACH”? Em poucas palavras ....
*
O modelo REACH é uma estrutura que ajuda os professores a compreenderem as diferentes
necessidades que os alunos superdotados trazem para a sala de aula.
* O modelo REACH dá aos professores uma base sólida de conhecimentos para o planejamento de aulas
que inclua alunos superdotados.
* O modelo REACH está ligado a um conjunto de estratégias práticas para o Educador
Qual é a origem deste modelo?
O modelo original foi desenvolvido em meados da década de 80 por Rosemary Cathcart, tendo um quinto
conceito chave adicionado cerca de vinte anos depois por sua colega Sue Barriball.
Cathcart diz que ela não tinha a intenção de desenvolver um modelo, mas apenas preparar um programa.
"Como a maioria dos professores", ela diz , "eu não tinha a disciplina educação de superdotados incluído na
minha formação profissional. Quando me pediram para criar um programa, eu pensei : eu não tenho ideia
por onde começar". Cathcart buscou orientação sobre o assunto e encontrou apenas dois programas em
sua cidade. Sentiu‐se insatisfeita com ambos, que tinham um foco muito limitado no nível de currículo. "Eu
percebi de repente que eu sabia por onde começar ‐ com as necessidades das crianças. E que essas
necessidades não se limitam apenas ao trabalho em uma área do currículo. "
Baseando‐se em suas próprias experiências como mãe de crianças superdotadas e as de outros pais de
superdotados que igualmente se encontravam nesta mesma posição inesperada, Cathcart identificou os
quatro grupos de necessidades que posteriormente se tornaram a base do modelo REACH e os organizou
para trabalhar com grupos de crianças superdotadas em um programa construído em torno dessas
necessidades.
Por volta desta época ela conheceu o distinto estudioso G. W. Parkyn na Nova Zelândia, cujos os artigos
ela mais tarde editou. Seus interesses mútuos no desenvolvimento emocional, social e ético dos alunos
superdotados os levaram a discussões constantes sobre o assunto, e Cathcart com gratidão reconhece que
Parkyn a iniciou na literatura sobre o assunto, orientando‐a para a base de pesquisa no trabalho que estava
fazendo e incentivando‐a a ver o REACH como um modelo que poderia justificadamente ser compartilhado
com os outros.
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Uma década depois, o modelo REACH se tornou a base do One Day School , um programa para alunos
superdotados do Ensino Fundamental 1 e 2 que cresceu a ponto de ter locais em muitas partes da Nova
Zelândia.
Sue Barriball ensinou no programa e, posteriormente, tornou‐se sua professora principal e diretora do
centro de educação de superdotados do qual fazia parte. Ela trabalhou intimamente e com profundidade
com o modelo, orientando os professores do One Day School no uso do Modelo REACH, e com essa
experiência sugeriu a adição do quinto conceito‐chave.
O modelo tem sido ensinado aos professores em muitas partes da Nova Zelândia e mais recentemente na
Austrália, e agora é parte integrante do Certificado REACH “on‐line” de práticas eficazes em Educação de
Superdotados, e como continua a fornecer a estrutura para o One Day School.
O One Day School é um programa onde superdotados de diferentes escolas se reunem em um local
específico para um dia por semana, fora do dia regular de escola, para terem a oportunidade de estarem
juntos e compartilharem das mesmas ideias.
O que é esta estrutura?
Em linhas gerais é como descrito abaixo:
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O Modelo REACH para o ensino de alunos superdotados
Conceitos-chave
I: Gerando um alto nível de interesse em aprender;
II: Desenvolvendo as "ferramentas do pensamento";
III: Desenvolvendo o potencial intelectual e criativo;
IV: Promovendo o desenvolvimento emocional, social e ético;
V: Avaliando nosso aprendizado.
© R. Cathcart; S. Barriball /They’re Not Bringing My Brain Out
Por que estes conceitos? Eles são diferentes do que fazemos para todas as crianças?
Em muitos aspectos, eles não são diferentes. Mas seu significado para os alunos superdotados é muito
diferente. Vamos examinar brevemente um por vez.
Gerando um alto nível de interesse em aprender
Quando você aprende melhor? Quando o assunto lhe interessa ‐ ou quando é chato ou o irrita? A resposta
nem precisa dizer. Praticamente todos aprendem muito melhor quando eles estão interessados no que eles
estão aprendendo.
Isto é tão verdadeiro para os alunos superdotados como é para todas as outras pessoas. Na verdade, o
mesmo acontece com os superdotados. Afinal, um dos seus traços mais típicos é o seu desejo ardente em
descobrir, buscar saber o porque das coisas!
Mas isso não é muitas vezes o que acontece para os alunos superdotados. Pesquisas têm mostrado que a
sua experiência mais comum na escola é aborrecida. Porque eles estão funcionando em um nível muito
além do programa em sala de aula normal, os alunos superdotados encontram‐se muitas vezes não
estimulados em sua mente, enquanto o restante da turma está em total desenvolvimento e empolgação.
Como adultos, muitas vezes banalizamos o tédio. Nós dizemos que é uma parte inevitável da vida, uma das
coisas que todos nós experimentamos e temos de enfrentar. Mas como as pessoas se sentem quando estão
entediadas? Não apenas brevemente, mas por horas a fio, dias a fio, semana após semana, por todos os
meses previsíveis pela frente? Como você se sentiria?
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O tédio causado pela falha da escola em oferecer programas adequados é uma das principais razões por
que tantos alunos superdotados perdem o interesse pela escola e na aprendizagem e nunca atingem seu
pleno potencial. É por isso que começamos com o conceito 1 como nosso primeiro foco.
Desenvolvendo as "ferramentas do pensamento"
O tédio não é o único problema relatado pelos alunos superdotados. Outra grande preocupação é a falta
de orientação.
Professores bem‐intencionados, reconhecendo a necessidade de algo extra para esses alunos superdotados,
irão muitas vezes definir para eles uma tarefa ou projeto especial ou deixá‐los buscar um tema de sua
própria escolha. Os alunos são liberados pelo menos por um tempo das restrições do programa em sala de
aula regular e então as crianças podem trabalhar no seu próprio ritmo e nível – pelo menos essa é a
intenção.
O problema é que as atividades de aprendizagem avançada que vão além do resto do programa de sala de
aula muitas vezes exigem o aprendizado de habilidades que também são avançadas, e que vão além daquelas
de sala de aula, incluindo a criança excepcionalmente capaz, que ainda não foi ensinada. Então, se a criança
for realizar a atividade com sucesso, ele ou ela deve ser especificamente ensinada ou ter tido a
oportunidade de aprender as habilidades necessárias para fazer tal tarefa. Da mesma forma, ele ou ela pode
precisar de ajuda na localização de recursos normalmente não disponíveis para a turma e apoio em falar
quando não há pares (crianças) para compartilhar as suas ideias. Assim, nosso segundo conceito‐chave
envolve o desenvolver das "ferramentas do pensamento".
Quais são as "ferramentas do pensamento"? O modelo REACH explora cinco áreas
específicas:
1. Habilidade de estudo e pesquisa
2. Habilidade de observação e percepção
3. Habilidade de comunicação
4. Habilidade de pensamento
5. Habilidade organizacional
Ao incluir esses vários tipos de habilidades, o conceito de "desenvolver as ferramentas do pensamento" vai
muito além do mero conhecimento técnico, e abrange todos os processos do ato de compreender,
responder e criar.
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Desenvolvendo o potencial intelectual e criativo
Este conceito‐chave é muito claramente uma função central de qualquer trabalho com alunos
superdotados. Procuramos estimular a criança com habilidades excepcionais a se desenvolver ao seu
máximo em todos as suas áreas de habilidades.
Mas o que realmente queremos dizer com "desenvolvimento do potencial intelectual e criativo da criança"?
"Potencial" é uma palavra que os professores usam muito livremente quando escrevemos a nossa missão e
objetivos de, mas muitas vezes não temos realmente pensado precisamente o que pretendemos com isso.
O modelo REACH identifica e investiga três elementos essenciais no planejamento de um programa para
alunos superdotados:
1. Prover o domínio de conteúdos e habilidades em um nível e ritmo correspondente a
capacidade/habilidade da criança;
2. Promover profundidade de compreensão;
3. Incentivar a criatividade na resposta;
A maior parte do nosso sistema educacional é baseado no primeiro desses três elementos. Certamente
este é o principal critério que geralmente usamos para avaliar o "sucesso" na escola ‐ medimos através dos
nossos testes e provas e outras avaliações o grau em que a criança tenha dominado os conhecimentos e
habilidades que temos colocado na frente dela/dele, e é o que geralmente registramos e relatamos.
Mas quando começamos a adicionar os outros dois elementos , então podemos chegar mais perto de dar
significado real ao conceito de "potencial".
Promovendo o desenvolvimento emocional, social e ético
Muitos programas para alunos superdotados param neste ponto. Seu objetivo é alcançado quando eles
estão efetivamente permitindo que a criança superdotada trabalhe em níveis mais avançados apropriados
para a capacidade/habilidade dele ou dela. Isto é particularmente provável que seja verdadeiro para aqueles
programas que se designam como programas de “desenvolvimento de talentos”.
Mas as necessidades de aprendizagem dos alunos superdotados não começam e terminam com seus
intelectos ou imaginação. Eles não são apenas mentes. Eles são pessoas, com sentimentos. Como todos os
outros, os alunos superdotados precisam sentir-se bem consigo mesmos. Eles querem ser amados, e ter
amigos. Eles têm que aprender como se comportar de maneira justa pensando nos outros .
Mas a este respeito, não são as necessidades do aluno superdotado da mesma forma como as necessidades
de qualquer outra criança?
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É verdade que muitos alunos superdotados não têm problemas particulares nessas áreas. Na verdade,
alguns são líderes naturais e parecem atrair amigos e pessoas que os ajudam onde quer que vão. Mas é
igualmente verdade que muitos outros alunos superdotados são muito solitários. Eles têm poucos ou
nenhum amigo. Eles muitas vezes se sentem fora do ambiente, do contexto e são tímidos. Sua auto‐estima
pode estar baixa. Há evidências que sugerem que quanto mais uma criança é capaz o mais provável é que
ele ou ela acabem neste segundo grupo.
Por que isso?
Considere estas duas crianças: uma de sete anos de idade, que opta por gastar a manhã de sábado fazendo
exercícios de matemática avançada, em vez de jogar futebol e uma de 12 anos de idade, que é
extremamente entusiasmada em frequentar um curso de nível universitário.
Agora imagine uma dessas crianças empolgada em sala de aula em uma manhã de segunda‐feira tentando
compartilhar o seu entusiasmo com os seus colegas. Que resposta teria que ser mais provável para
começar?
Enquanto as notas das provas podem não ser tão importantes entre amigos, o poder compartilhar seus
interesses tem uma grande importância. Alunos superdotados muitas vezes têm interesses muito diferentes
e não muito comuns: outras crianças podem achar isso estranho e sem valor nenhum. Compartilhar esses
interesses pode ser difícil ou mesmo impossível para os superdotados.
O comportamento dos superdotados em sala de aula também pode rotulá‐los como "estranhos" por
outras crianças: usando todas aquelas palavras longas, sempre fazendo perguntas “idiotas ”, falando sobre
coisas que ninguém mais quer ouvir falar ‐ quem quer conhecer aquele esquisito?
Isolados desta forma, muitas vezes desde o jardim de infância, alguns alunos superdotados encontram
grande dificuldade em aprender como se relacionar com os outros. Eles podem ir ao longo da infância
sempre sendo o "um peixe fora d´água". Tais vivências podem marcar uma pessoa para a vida inteira com
uma percepção profunda de inadequação, mesmo apesar do sucesso acadêmico aparente.
Existem consequências mais amplas também. Cada um de nós tem que constantemente tomar decisões
sobre como se comportar, sobre o que é certo ou errado, o que é sábio ou insensato para fazer. Essas
decisões não são feitas somente pela razão. Elas são guiadas também pelo nosso entendimento e
preocupação sobre como as pessoas se sentem e como elas serão afetadas pelo que fazemos. Se, no
entanto, não entendemos muito bem outras pessoas, podemos tomar decisões não muito felizes. Mas
como você pode aprender a entender as outras pessoas se elas não entendem você e não querem que
você seja parte do que elas fazem? Uma questão pungente e muito relevante para a criança superdotada.
Assim, os alunos superdotados podem ter as mesmas necessidades como as outras crianças, mas algumas
delas terão de enfrentar grandes dificuldades neste aspecto do seu desenvolvimento.
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Por esta razão, precisamos equilibrar o nosso foco no desenvolvimento intelectual e criativo com um
enfoque de igualdade no desenvolvimento emocional, social e ético. Daí o nosso quarto conceito‐chave.
Avaliando o nosso aprendizado
Aprender a analisar e revisar o nosso próprio trabalho é uma habilidade que se torna cada vez mais
importante à medida em que a criança vai crescendo em sua maturidade até a fase adulta. É uma habilidade
que é particularmente necessária para qualquer indivíduo que de algum modo está indo além do conhecido,
ou seja, buscando saber mais ‐ artista, pesquisador, inovador técnico, qualquer um que é um criador ou um
líder em seu próprio campo.
Assim, ensinar a criança a perguntar a si própria perguntas como:
* Tenho respondido plenamente à pergunta original?
*Tenho sido desembaraçada na busca de respostas? Usei minha iniciativa e minha imaginação?
*Tenho examinado minhas descobertas de forma crítica e objetiva?
*Tenho comunicado minhas descobertas claramente? Tenho demonstrado o que eu aprendi?
* Onde a partir daqui? Posso gerar perguntas para tirar esse aprendizado ainda mais?
Na sua essência este conceito é sobre a capacitação de alunos superdotados para se apropriar de sua
própria aprendizagem, para ajudá‐los a descobrir que eles podem iniciar e administrar este processo por si
mesmos.
Como posso usar esse modelo em minhas aulas?
A visão de Cathcart é que se os professores já muito ocupados forem usar modelos teóricos para orientar
o planejamento deles, os modelos precisam vir equipados com estratégias bem práticas e fáceis de serem
aplicadas.
Assim, o modelo REACH é apoiado por uma ampla gama de estratégias muito práticas para a aplicação a
cada um dos conceitos‐chave. Inicialmente desenvolvidas no programa original em 1980, com a participação
ativa das próprias crianças, as várias estratégias têm sido utilizadas por mais de uma década pelos
professores do One Day School e, mais recentemente, pelos professores que participam do curso on‐line
REACH.
Essas estratégias são definidas no manual dos professores, e no livro They´re Not Bringing My Brain Out,
(3rd edition 2005, Hodder Education), que também inclui numerosos exemplos que os professores podem
usar para ajudá‐los na experimentação das estratégias por si mesmos.
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Nota acadêmica
Para aqueles interessados na formação acadêmica para esse modelo, essencialmente, ele está ligado mais
estreitamente com a filosofia de autores como Silverman, Roeper, Hollingworth, Piechowski, Tolan e
outros que vêem a superdotação como parte integrante do interior da criança, fundamentalmente
moldando suas percepções e respostas à experiência e, portanto, também moldando o seu aprendizado e
necessidades de desenvolvimento. Ao mesmo tempo, o modelo não evita o papel de desenvolvimento de
talentos, mas o vê como uma parte e não como o foco único ou principal da educação para superdotados,
e associa‐o à preocupação expressa pelo visionário Parkyn, por Passow, Swassing e outros, incluindo, mais
recentemente, Renzulli, para a liderança do futuro da sociedade e a resolução de questões mundiais. O
conceito de "ir além do conhecido, ou seja , buscando saber mais" é explorado como uma metáfora para a
compreensão dos papéis criativos e inovadores do indivíduo talentoso. A noção de desenvolvimento
assíncrono é aceito como uma descrição relevante e precisa da jornada de desenvolvimento para muitas
crianças superdotadas. Apesar de não chegar às mesmas conclusões sobre a primazia do desenvolvimento
de talentos, o modelo REACH aceita o pensamento de François Gagné como uma explicação coerente e
valiosa da relação entre a capacidade inerente e sua manifestação posterior de alguma forma, e
particularmente dá valor a fatores intermediários como o papel influente que pode ser desempenhado
pelos professores.
Fonte : www.giftedreach.org.nz
Traduzido por : Ednei Dantas ‐ E‐ mail: [email protected]
Revisado por : Judy Brown – E‐ mail: [email protected]
Ednei Dantas é Instrutor de Inglês e desenvolve pesquisas sobre Altas Habilidades/Superdotação em
crianças. Trabalha como voluntário no ensino de Inglês para crianças NAAHS/RJ.
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Entrevista
VOCÊ NÃO É UM SAPO DE OUTRO POÇO!
Tiago Mendes de Oliveira (Entrevistador)1
Susana Graciela Pérez Barrera Pérez (Entrevistada)2
1) Por que você se interessou pelo tema da superdotação/altas habilidades e qual o ser percurso
acadêmico nesta área?
Meu interesse começou a partir de uma necessidade específica, quando minha filha foi identificada.
Naquela época, não se falava sobre Altas Habilidades/Superdotação (AH/SD), como felizmente hoje acontece. Sentime totalmente desamparada e sem saber o que fazer, como hoje, ainda, ocorre com muitos pais de filhos com
AH/SD. Decidi, então, procurar informações e comecei a pesquisar, o que continuo fazendo até hoje. Aquele fato
mudou totalmente a minha vida. Direcionei meus estudos para a área e acabei me apaixonando por ela. Isso há mais
de 15 anos.
2) Como definir dotação, habilidade, inteligência, talento, criatividade, competência...? Até que
ponto estes termos são sinônimos?
Bom, aqui você coloca em tela uma discussão sobre a qual tenho escrito bastante. Deve sair um capítulo
de um livro em breve, sobre este tema.
Não gosto do termo dotação, porque isso leva a pensar que essa pessoa tem algo dado por poder
divino (um dom) ou que recebeu de alguém como recompensa (um dote) e, inclusive, porque no Brasil, é um termo
pouco utilizado. O uso desse termo bem da síntese de outro termo utilizado antigamente “bem-dotado”, que
também tem interpretações muito negativas.
Prefiro utilizar Altas Habilidades/Superdotação que é o termo que o Conselho Brasileiro para
Superdotação decidiu adotar na sua fundação e é o que a legislação educacional utiliza. Nessa expressão, tentamos
fundir dois dos termos mais utilizados à época de fundação do ConBraSD (2003)3 – Altas Habilidades, que era mais
1
Especialista em Formação Pedagógica para a Educação à Distância pela Escola Superior Aberta do Brasil, aperfeiçoamento em
Educação de Jovens e Adultos na Diversidade na Universidade Federal de Uberlândia e licenciado em Pedagogia pelo Centro de
Ensino Superior de São Gotardo. Coordenador de Projetos, Extensão e Pesquisa e Coordenador de Gestão da Qualidade do
Centro de Ensino Superior de São Gotardo. Professor Universitário. Editor da Revista Brasileira de Educação e Cultura. Currículo:
http://lattes.cnpq.br/1429155121636329.
2
Doutora e Mestra em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, com teses sobre Altas
Habilidades/Superdotação; especialista em Educação Especial: Altas Habilidades e graduada em Artes Plásticas pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul. Professora e consultora de diversas Instituições, atuando na área de Altas
Habilidades/Superdotação. Membro da Associação Gaúcha de Apoio às Altas Habilidades/Superdotação e da Federación
Iberoamericana del World Council for Gifted and Talented Childre; ex-membra da Associação Brasileira Para Superdotados.
Presidente do Conselho Brasileira para Subertodação – ConBraSD. Autora de diversos trabalhos na área. Currículo:
http://lattes.cnpq.br/8852536944800709.
3
http://www.conbrasd.com.br.
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usado no sul do país, e Superdotação, mais utilizado no centro do País. Esses dois termos não têm diferença
conceitual, apenas semântica. A maioria dos pesquisadores brasileiros da área concorda em que não há indicadores
diferenciais entre ambos.
Entretanto, na Europa, pela prevalência das correntes psicométricas, costumam se diferenciar, com base
numa teoria de inteligência que considera esse construto exclusivamente vinculado aos aspectos cognitivos e que
desconsidera outras inteligências, como as consideradas na teoria formulada por Gardner, a Teoria das Inteligências
Múltiplas4. Esse é o meu referencial teórico e o da grande maioria de pesquisadores da área. Se considerarmos que
todas as inteligências têm o mesmo valor e não existe uma hierarquia de inteligências, logo, não podemos dizer que a
superdotação estaria confinada à inteligência linguística e lógico-matemática e as Altas Habilidades às demais
inteligências. Essa é a visão daqueles que admitem que um simples teste de QI seria suficiente para identificar as
AH/SD.
Habilidade ou talento, para mim, são a mesma coisa. Alguns autores, novamente, europeus ou norteamericanos, diferenciam talento de superdotação, destinando o primeiro termo ao destaque na inteligência musical,
corporal-cinestésica ou espacial.
Também há um pesquisador, que é exatamente o que fundamenta aqueles que utilizam o termo
"dotação" (Gagné5) que apresenta um modelo no qual diferencia "dotação" e "talento", justificando que "dotação"
seriam os dons naturais e talento seria o desempenho extraordinário desses dons. Não comparto da sua definição
por uma série de razões, que acredito não venha ao caso explicitar aqui, mas, o que tenho constatado na prática é
que, quando se utilizam instrumentos de avaliação baseados na sua teoria, os alunos com AH/SD em áreas não
cognitivas sistematicamente não são identificados e isso me leva a concluir que o viés desses instrumentos está
baseado na sua fundamentação teórica e na subvalorização da criatividade, que é muito vinculada -–equivocadamente
– às áreas artísticas e esportivas e das inteligências que levam a um desempenho destacado nos esportes, nas artes e
na música.
A criatividade é um construto totalmente diferente ao de inteligência, mas decisivo na definição de
AH/SD. É justamente a criatividade um dos dois grupamentos de traços que diferenciam uma pessoa com AH/SD de
outra que somente tem um bom desempenho porque estuda e se esforça muito para isso. Existem centenas de
definições de criatividade e também seria necessário escrever muito sobre isso.
Gosto muito da definição de criatividade de Fayga Ostrower, que refere que a criatividade é essa
capacidade de formar, de dar forma a alguma coisa, sejam quais forem os modos e meios para se chegar a uma
"forma" como uma estruturação não restrita à imagem. "Toda forma", diz ela, "é forma de comunicação, ao mesmo
tempo que forma de realização". Este potencial inerente ao homem implica relacionar, ordenar, configurar e significar6.
A definição de inteligência com a qual mais concordo é a proposta por Gardner, que diz que trata-se de
um “potencial biopsicológico para processar informações que pode ser ativado num cenário cultural para solucionar problemas
ou criar produtos que sejam valorizados numa cultura” (GARDNER, 1999, p. 47)7.
As competências são algo que toda pessoa pode desenvolver por treinamento, ao contrário das
habilidades que, embora possam ser estimuladas, existem naturalmente nas pessoas.
4
GARDNER, Howard. Inteligências Múltiplas: A Teoria na Prática. Porto Alegre: Artmed, 1995.
GARDNER, Howard. Estruturas da Mente: A Teoria das Inteligências Múltiplas. Porto Alegre: Artmed, 1994.
5
Gagné, R. M. The Conditions of Learning. 4rd edition. New York: Holt, Rinehart e Winston, 1985.
6
OSTROWER, Fayga. Criatividade e Processos de Criação. 21ª edição. Petrópolis:Vozes, 2007.
7
GARDNER, Howard. Inteligência: Um Conceito Reformulado. Rio de Janeiro: Objetiva, 1999.
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3) O que caracteriza uma pessoa superdotada, talentosa ou com altas habilidades? Como diferenciar
o talentoso, o precoce, o habilidoso e o gênio?
A pessoa com Altas Habilidades/superdotação (ou superdotada, ou talentosa) possui três grupamentos
de traços: habilidade acima da média, criatividade e comprometimento com a tarefa. Dentre as características que
são muito próprias destas pessoas podemos destacar, por exemplo: senso de humor, de ética e de justiça muito
desenvolvidos, leitura precoce e de um número muito grande de livros; tendência ao perfeccionismo e nível de autoexigência muito elevado; associação a pessoas muito mais velhas ou muito mais novas do que elas; interesses
diferentes aos dos seus pares; independência, autonomia, preferência por trabalharem/estudarem sozinhas.
Segundo o que esclareci acima, o termo talento não apresenta diferença, na minha concepção de altas
habilidades ou superdotação.
Habilidosa é aquela pessoa que sabe fazer bem qualquer coisa: um cozinheiro habilidoso, um pedreiro
habilidoso, uma costureira habilidosa, um artesão habilidoso, um motorista habilidoso... Não me parece que haja
qualquer relação com as AH/SD...
Uma criança precoce, que somente pode ser criança, por ser precoce, desenvolve qualquer habilidade
que as demais também desenvolvem, mas antes do tempo; mais tarde, seu desempenho é equivalente ao de qualquer
outra criança. Uma criança precoce precisa de estímulo permanente e continuado de um adulto para demonstrar
esse desempenho. Geralmente, as PAH/SD são precoces, mas o contrário não é verdadeiro - nem toda criança
precoce é uma pessoa com AH/SD.
Outra das sinonímias populares das AH/SD é com a palavra “gênio”; isso leva a acreditar que toda
pessoa com AH/SD tornar-se-á um gênio, desta forma, faz que os critérios para encontrar uma pessoa com AH/SD
incluam a realização de façanhas extraordinárias, a posse de conhecimentos totalmente fora do comum, que
raramente são encontrados em qualquer pessoa e, especialmente, em uma criança ou adolescente. Um gênio não é
uma pessoa contemporânea, mas alguém que viveu em gerações anteriores e que, hoje, percebemos, deu
contribuições importantes para a humanidade.
4) Testes psicométricos, como o QI, podem de fato medir a inteligência? Ou sendo mais preciso, a
Inteligência é mensurável?
Essa resposta exigiria a publicação de vários livros... Eu já dediquei alguns artigos a essa discussão. Se a
inteligência for considerada apenas como a quantidade de palavras que uma pessoa conhece, a sua capacidade de
memorização, a sua rapidez de raciocínio e a qualidade do seu raciocínio lógico-matemático, os testes de QI podem
dar um número relacionado a isso, que pode ser muito diferente em pessoas de diferentes culturas, gênero, mais ou
menos criativas, que estejam bem dispostas no dia da aplicação do teste ou não, ou que estabeleçam uma boa
empatia com quem está aplicando o teste ou não, para citar algumas das variáveis desses testes.
Agora, se considerarmos que existem várias inteligências, esse teste é realmente inútil para fazer essa
avaliação. De fato, Garrincha foi considerado “débil mental” por um desses instrumentos e quase foi retirado da
seleção brasileira, por causa disso. Já pensou o estrago que teria sido naquela Copa?!
5) É, de fato, necessário classificar e medir a inteligência?
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Eu acredito que não, mas educacionalmente, temos que atender a cada um de acordo com as suas
necessidades diferenciadas. Não podemos dar feijão com arroz para todo mundo, porque para alguns essa
alimentação pode causar sérios transtornos gástricos e, para outros, levar à inanição...
6) Como atender uma criança ou adolescente talentoso/habilidoso?
Na educação, com estratégias pedagógicas diferenciadas que envolvam o enriquecimento intracurricular
(em sala de aula) e extracurricular (em sala de recursos).
7) Como atender um adulto ou idoso talentoso/habilidoso?
Essa é uma pergunta que está longe de ser respondida no Brasil e grande parte do mundo. Começar
pelas crianças e adolescentes já seria um excelente início e talvez isso permitisse seguir adiante nas faixas de
desenvolvimento humano.
8) Quais as maiores dificuldades para atender e estimular a pessoa com talento?
Falta de formação inicial, falta de cursos específicos de graduação e especialização, poucas publicações na
área, falta de políticas públicas eficientes e eficazes.
9) Como o professor, sem formação específica na área, pode estimular seus estudantes?
Sendo flexível, admitindo que não é o dono do saber, estudando e exigindo qualidade nas suas condições
de trabalho.
10) Quais os riscos que se corre ao não estimular a pessoa talentosa/habilidosa? É possível aprender
sozinho ou por instrução mínima?
Os riscos são muitos. As PAH/SD que não foram atendidas adequadamente, dependendo do ambiente
em que se desenvolvam, da resiliência que possuam, podem se tornar desde grandes criminosos até pessoas
altamente criativas e produtivas. Podem apresentar comprometimentos emocionais decorrentes da falta de
atendimento e do desconhecimento de suas potencialidades ou podem dar a volta por cima e sair adiante como
muitos já o fizeram.
11) Há diversos mitos sobre a pessoa talentosa/habilidosa: alguém pálida nos filmes estadunidenses, o
gênio louco, a maior tendência à solidão, a hiperatividade, a capacidade de aprender sem ajuda...
Como estes mitos afetam a pessoa com altas habilidades e seu atendimento?
Os mitos são extremamente prejudiciais porque, como qualquer mito, procuram explicar coisas que as
pessoas não entendem, de uma forma fantasiosa e irreal. O que tenho constatado é que são os grandes responsáveis
pela falta de atendimento adequado, pelo preconceito. As próprias pessoas com AH/SD, muitas vezes, são invadidas
por esses mitos e não conseguem se identificar ou acreditam que, por não corresponderem aos estereótipos sociais,
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não são PAH/SD. Muitas delas ficam procurando sintomas de doenças e medicações que possam amenizar esses
sintomas.
12) Por que este assunto ainda é tão maltratado, inclusive em cursos de licenciatura e educação
inclusiva.
Pelos mitos, por acreditar-se que as PAH/SD são super-heróis, pessoas melhores do que as demais, pelo
preconceito ideológico de certas pessoas que acreditam que oferecer atendimento educacional especializado aos
alunos com AH/SD é meritocracia e leva ao elitismo, mas o mesmo não ocorre quando esse mesmo atendimento é
oferecido às pessoas com deficiência, pela falta de informação e formação sobre o tema...
13) Para finalizar, o que você diria para aquela pessoa que se sente talentosa, mas não encontra
apoio.
Você não é um sapo de outro poço!
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Livro
Superdotados – trajetórias de desenvolvimento e realizações
Denise de Souza Fleith
Eunice M. L. Soriano de Alencar
Curitiba, Editora Juruá, 2013
Este livro tem como objetivo apresentar ao leitor as diversas facetas do superdotado, trajetórias de
desenvolvimento, o relevante papel da família, da escola e da sociedade no reconhecimento e promoção de
talentos, bem como desmistificar preconceitos e estereótipos acerca do indivíduo com alto potencial. Não
se trata de um manual ou de um livro teórico. Ele tem um diferencial: conta histórias reais de como
pessoas superdotadas, de várias idades e níveis socioeconômicos, provenientes de distintas regiões do
Brasil e de outros países, superaram obstáculos e alcançaram níveis mais altos de realização. Buscou-se,
assim, desvelar o mundo da superdotação, apontando uma diversidade de fatores associados ao
desenvolvimento escolar, intelectual, emocional e social do superdotado. O livro visa inspirar profissionais
de diversas áreas sobre alternativas e estratégias de identificação e atendimento às necessidades desse
grupo de indivíduo, focando em uma perspectiva inclusiva, além de chamar atenção para a importância de
se investir na formação e educação do superdotado, tanto em benefício do próprio indivíduo quanto da
sociedade. Esta não pode abrir mão das contribuições daqueles mais competentes e capazes. Constitui
também uma excelente fonte de informações para pais de indivíduos superdotados, que geralmente se
sentem confusos em relação a como agir a partir da notícia de que seu filho é superdotado, e para
professores que, muitas vezes, experimentam sentimentos de insegurança diante daquele aluno que se
destaca por sua criatividade, inteligência superior ou liderança. O livro conta com a colaboração de
pesquisadores e profissionais, brasileiros e estrangeiros, reconhecidos pela sua vasta experiência na área de
superdotação, e certamente estimulará você, leitor, a mergulhar nas fascinantes histórias que aqui são
contadas e a compreender melhor o mundo da superdotação.
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Nova revista do ConBraSd: Normas para publicação
Apresentação
A Revista do CONBRASD, do Conselho Brasileiro para Superdotação, tem como objetivo veicular artigos
e resenhas inéditos na área das Altas Habilidades/Superdotação e em outros temas que tenham relevância
para a mesma área. A revista tem periodicidade semestral. A Comissão Editorial reserva-se o direito de
não publicar artigos referentes a estudos que foram também submetidos a outros periódicos nacionais ou
internacionais, bem como aqueles encaminhados para livros ou capítulos de livros. O processo de
submissão e avaliação de artigos encaminhados é recebido através do site do CONBRASD. Ao serem
submetidos, os trabalhos são previamente avaliados pelo Conselho Editorial: aqueles que estiverem fora
das normas editoriais serão devolvidos aos autores; os demais, encaminhados a pareceristas para avaliação.
A identificação dos autores e instituições não consta no texto enviado para avaliação. A aprovação ou
recusa de cada artigo depende da disponibilidade e agilidade do Conselho Editorial e dos pareceristas. As
submissões que não estiverem de acordo com as normas serão devolvidas aos autores.
Instruções aos Autores
Acesse o sistema da Revista do CONBRASD no site www.conbrasd.org e entre com seu login e senha.
Itens a serem avaliados:
1) Relevância e abrangência do tema Altas Habilidades/Superdotação;
2) Desenvolvimento e aprofundamento do tema;
3) Estrutura do trabalho;
4) Diálogo com a literatura atualizada em relação ao tema pesquisado;
5) Conclusão e contribuição para área das Altas Habilidades/Superdotação.
Os autores deverão observar as seguintes instruções:
1. O texto poderá ser redigido em língua portuguesa, espanhola, ou inglesa.
2. Deverá estar digitado no editor Word em fonte Arial, tamanho 10, com espaçamento simples. Se
possuir figura, a mesma deverá vir no formato JPG; se houver tabela ou quadro, estes deverão vir redigidos
no Adobe Table ou Excel, com o seguinte tamanho: largura máxima 12 cm e altura máxima 16 cm,
inseridos nos locais adequados do texto. Inserir este arquivo em: transferência do manuscrito. Deverá,
ainda, ser enviado ao Presidente da Comissão Editorial, via site do CONBRASD, que o submeterá ao juízo
do Conselho Editorial.
3. O texto, em geral, deverá ter uma extensão entre 3.500 e 4.500 palavras, desconsiderando na contagem
das palavras o resumo, abstract e as referências.
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4. O(s) nome(s) do(s) autor(es), por extenso, com endereço de e-mail, titulação, filiação institucional,
cidade, estado e país para divulgação no artigo. Inserir, ainda, o endereço para correspondência e telefones
para contato. Também deve ser disponibilizado o número para o link do currículo Lattes.
5. Cada artigo deverá ser encabeçado por um título em português (ou espanhol ou inglês) e resumo de, no
máximo, 250 e, no mínimo, 150 palavras, em português (ou espanhol ou inglês). O resumo não deverá ser
redigido na primeira pessoa e deverá conter o foco temático, o objetivo, o método, os resultados e as
conclusões do trabalho. Deverão ser indicadas três palavras-chave, em português (ou espanhol ou inglês).
Os textos devem ser inéditos e podem ser escritos em português, espanhol, inglês.
6. As notas de rodapé devem ser utilizadas para algumas informações de caráter explicativo, não
excedendo a utilização de 200 palavras.
7. A revisão ortográfica e gramatical é de responsabilidade do(s) autor(es).
8. A redação do texto, citações e referências deverão ser redigidas segundo as normas da ABNT. Incluir
somente obras mencionadas no texto.
Normas básicas para bibliografia:
Autor pessoal:
ÚLTIMO SOBRENOME (Caixa alta), A. B. (Primeiras letras do nome e sobrenomes) Título. 2. ed.
(Número da edição) Local: Editora, ano. 224 p.
Até 3 autores:
SILVA, E. T.; GOMES, G. V.; SOUZA, M. N. Título. 13. ed. rev. e aum. Local: Editora, ano.
Mais de 3 autores:
SILVA, E. T. et al. Título: subtítulo. Local: Editora, ano.
Organizador(es), coordenador(es), tradutor(es):
SILVA, E. T.; GOMES, G. V. (Org.). Título. Tradução de Nome e Sobrenome. [S.l.: s.n.] (Caso não
contenha local e editora na obra referenciada), ano.
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Autor entidade:
BRASIL. Ministério da Educação. Título. Brasília, DF, ano. 123 p.
Autoria desconhecida:
PRIMEIRA palavra do título. Local: Editora, ano.
Instruções para submissão de resenha:
1. A resenha deverá ter cerca de 1.200 palavras.
2. Essa produção deverá situar o campo ao qual a obra pertence, apresentar as principais ideias do autor e
realizar uma apreciação crítica, referindo sua contribuição para o contexto teórico e prático na área das
Altas Habilidades/Superdotação.
3. Observar as demais instruções para publicação.
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