DJ: 8.002 DATA: 02/05/90 PAG: 09 Apelação criminal n
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DJ: 8.002 DATA: 02/05/90 PAG: 09 Apelação criminal n
DJ: 8.002 DATA: 02/05/90 PAG: 09 Apelação criminal n. 24.167, de Imbituba. Relator: Des. Ernani Ribeiro. Apelação criminal. Formação de quadrilha. Crime caracterizado. Recurso do Ministério Público, provido. No crime de formação de quadrilha ou bando, pouco importa que os seus componentes não se conheçam reciprocamente; que haja um chefe ou líder, que todos participem de cada ação delituosa ou que cada um desempenhe uma tarefa específica. O que importa verdadeiramente é o propósito deliberado de participação ou contribuição, de forma estável e permanente, para o êxito das ações do grupo. Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação criminal n. 24.167, da comarca de Imbituba, em que são apelantes a Justiça, por seu Promotor e Paulo Roberto Galli, sendo apelados Alfonso Bisewski Júnior, Marciano Valigura, Fernando Pereira de Souza, Hamilton de Souza Vieira, Ailton de Souza Vieira e outros: ACORDAM, em Primeira Câmara Criminal, por votação unânime, dar provimento ao recurso do Ministério Público e improver aquele interposto por Paulo Roberto Galli. Custas ex lege. Na comarca de Imbituba, em junho de 1986, um grupo de 16 delinqüentes foi regularmente processado pela prática do crime de formação de quadrilha (art. 288 CP) em concurso material com os delitos de furto qualificado (art. 155, § 4o., incs. I e II, CP), favorecimento real (349 CP) e receptação dolosa (art. 180 do CP). Devido ao número elevado de denunciados o processo acabou sendo desdobrado para facilitar a sua tramitação, constando do presente feito sete (7) réus, os quais resultaram condenados nas seguintes penas: Alfonso Bisewski Júnior, a 2 anos 6 meses de reclusão e 30 dias-multa, por violação do art. 155,c/c o art. 69, do CP; Fernando Pereira de Souza, Hamilton e Ailton de Souza Vieira (irmãos), à pena de 1 mês de detenção e 10 dias-multa, por infringência do art. 349, do CP; Marciano Valigura, Edson de Souza e Paulo Roberto Galli, como transgressores do art. 180 do CP, à pena de 1 ano de reclusão e 10 dias-multa, com sursis. Todos foram absolvidos do crime de formação de quadrilha. Com a aludida decisão não se conformaram o Representante do Ministério Público, que pleiteia a condenação de todos no crime de formação de quadrilha (288 CP) e o réu Paulo Roberto Galli, proprietário de uma loja de revenda de carros na cidade e comarca de Urussanga, sob o argumento de que não tinha conhecimento da procedência criminosa de alguns veículos adquiridos para revenda, cuja documentação era perfeita e legalizada, alegando que não é quadrilheiro, ladrão ou receptador, mas um comerciante honrado e bastante considerado na cidade de Urussanga. Regularmente processados os recursos subiram os autos a esta Superior Instância, onde o nobre Procurador de Justiça, Dr. Anselmo Agostinho da Silva em bem lançado parecer opinou no sentido do provimento do recurso do órgão do Ministério Público e do improvimento do apelo do sentenciado Paulo Roberto Galli. É o relatório. De acordo com os ensinamentos do inesquecível mestre Nelson Hungria, a associação em quadrilha ou bando, crime previsto no art. 288 do CP, tem suas características no consenso estável e permanente de mais de três pessoas para a prática de indeterminada série de crimes. É evidente que não basta um ocasional e transitório concerto de vontades para o exercício de delinqüência. O que a lei quer punir especificamente, como salienta "Puglia" não é a formação de uma associação para o cometimento ocasional de alguns delitos, mas, efetivamente, o propósito deliberado do grupo organizado como figura delituosa per se stante, que objetiva maior força delituosa, mais segurança individual e maior êxito operacional. Verificado esse propósito é indiferente saber-se se o grupo tem um líder ou um chefe, se houve uma reunião prévia para formação da quadrilha ou se seus componentes se reúnem eventualmente para planejar uma ação delituosa. Não é necessário, sequer que os componentes do bando conheçam uns aos outros e nem há necessidade de que todos participem de todas as operações. Há quadrilhas em que cada membro desempenha uma função específica e até sem maior relevância, desde que haja consciência de que está cooperando para o êxito das ações delituosas. In casu, cada membro do grupo desempenhava uma função específica com se recolhe dos autos. Assim é que o apelado Alfonso Bisewski Júnior, depois que fugiu da cadeia pública de Blumenau, onde estava recolhido pela prática de crimes contra o patrimônio, engajou-se na quadrilha liderada por Horácio Tinoco da Silva e desde então, como confessou amplamente, furtou mais de 30 veículos, entregando-os aos irmãos gêmeos, Hamilton e Ailton de Souza Vieira, proprietários de uma oficina mecânica na localidade de Capivari, em Tubarão, ou para Marciano Valigura, também proprietário de uma oficina mecânica em Imbituba, os quais pessoalmente ou através de outros asseclas procediam às necessárias alterações nesses veículos, tais como, a falsificação alfanumérica dos chassis dos carros, numeração e documentação de veículos regularmente licenciados, mas fora de circulação por serem sinistrados. Fernando Pereira de Souza, dono de uma oficina também cooperava dessa maneira, inclusive cedendo-a para outros comparsas assim procederem. Edson de Souza era o elemento que percorria os ferros velhos e depósitos de veículos sinistrados recolhendo suas documentações e numeração para a alteração dos carros furtados. Assim, alterados e regularizados, eram revendidos ou encaminhados à loja de venda de automóvel de propriedade de Paulo Roberto Galli, vulgo "jacaré", que à luz do dia, tranqüilamente, comercializava os mesmos como se legalizados fossem, usando de sua reputação de homem de bem e comerciante sério na comarca de Urussanga. Este apelado ainda cedia em comodato, para o líder Horácio da Silva Tinoco e Edson de Souza, vulgo "Neno", uma residência para refúgio dos mesmos. Embora os autos não revelem se os componentes do bando se reuniam periodicamente para estudarem um plano de ação e seja verissímil que nem todos se conheciam pessoalmente, ressumbra forte dos autos a cooperação permanente entre eles e a consciência de que unidos obtinham melhores resultados do que se estivessem atuando isoladamente. A orientação jurisprudencial não discrepa desse entendimento: "Não importa, em crime de bando, a quem tenha cabido cada uma das tarefas, porque elas formam um todo e cada participante individual é igualmente importante para o desfecho" (Tribunal de Justiça da Bahia, in Código Penal de sua interpretação Jurisprudencial, de Alberto Silva Franco e outros, 2a. ed. pág. 1.019). Assim, não havendo dúvida de que os apelados de forma estável e permanente vinham agindo em societas sceleris, é que se dá provimento ao recurso do Representante do Ministério Público para condenar os sete apelados, Alfonso Bisewski Júnior, Fernando Pereira dos Santos, Hamilton e Ailton de Souza Vieira, Marciano Valigura, Edson de Souza e Paulo Roberto Galli, à um (1) ano de reclusão, como incursos no art. 288 do CP, em concurso material com os delitos a que foram condenados pelo julgador de Primeira Instância. Quanto ao recurso interposto por Paulo Roberto Galli não pode o mesmo prevalecer, pois resultou provado que fazia parte da quadrilha, ora apenada, revendendo, em sua loja, carros furtados por Horácio da Silva Tinoco, Edson de Souza e Marciano Valigura uma surpreendente quantidade de veículos e objetos furtados conforme comprovam os autos de apreensão de fls. 170/172; 190,218,228. Só para exemplificar no auto de fls. 170/172 foram apreendidos em seu poder nada menos que 96 pares de placas de veículos, não só deste como de outros Estados, como Rio Grande do Sul e São Paulo. É da jurisprudência: "O crime de quadrilha se tipifica e se consuma pelo só consenso criminoso entre os quadrilheiros, dando-se o concurso material com os crimes de furto e outros que venham a ser praticados" (TJRJ - obra citada, pág. 1.019). In casu, o referido apelante praticou os crimes capitulados no art. 288 c/c o 180 e 69, todos do Código Penal. Foi por isso que se deu provimento ao recurso do Ministério Público e se improveu o de Paulo Roberto Galli. Participou do julgamento, com voto vencedor, o Exmo. Sr. Des. Wladimir D'Ivanenko. Florianópolis, 08 de fevereiro de 1990. Nauro Collaço Presidente com voto Ernani Ribeiro Relator Nelson Ferraz Procurador de Justiça