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ce mesmo pouco pouco tempo para ser aplicada e interpretada pelos tribunais
a ponto de consolidar-se propriamente uma jurisprudência, pouco tempo para a
consolidação de comportamentos, de boas práticas, de uma cultura.
No entanto, as repercussões do Marco Civil da Internet na sociedade bra
sileira e no ordenamento jurídico são diversas e intensas, assim como as pers
pectivas para adiante. Já se verificam diversas transformações, mas também e
infelizmente possíveis retrocessos, sobretudo com a tramitação, no Congres
so Nacional, de projetos para alterar em alguns casos, quiçá desfigurar o
Marco Civil da Internet.
De lá para cá, verificaram-se avanços notáveis, a começar pelo fato mes
mo da aprovação da lei considerada referência e inspiração’ gestacionada
desde 2007 e elaborada ao longo de um processo colaborativo e multissetorial
de destaque. Afinal, apesar do acentuado desenvolvimento tecnológico e do
crescimento vertiginoso do uso da internet no Brasil (com as vantagens e os
problemas daí advindos),
2 o país ainda carecia de um marco regulatório e
não apenas uma disciplina jurídica anódina sobre o uso da Internet, mas, so
bretudo, de uma declaração de direitos, uma “Constituição” da internet, atenta
aos cidadãos-usuários e às feições essenciais da internet, uma “rede de redes”,
3
desenvolvida como ambiente aberto, descentralizado, plural.
4 que já se tomou nossa nova con
No contexto do “dilúvio informacional”
dição, como identificara Pierre Lévy, o Marco Civil da Intemet, ao estabelecer
—
—
—
—
—
—
—,
—
princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil, foi em si
mesmo um fundamental passo adiante, carregado de legitimidade, especialmente
considerando-se o processo colaborativo que serviu de base para sua elaboração.
É bem verdade que o Brasil ainda continua sem uma lei nacional de prote
ção de dados,
5 e o Marco Civil da lnternet claramente não veio preencher esse
espaço; seu espírito e seu escopo são outros. De todo modo, o Marco Civil da
Internet estabelece importantes princípios e coloca em posição de destaque
a proteção da privacidade e dos dados pessoais do usuário. Com efeito, a lei
assegura aos usuários o direito à proteção da privacidade e a informações cla
ras e completas sobre a coleta, uso, armazenamento, tratamento e proteção de
dados pessoais, e garante também que os dados pessoais não serão transferidos
6
a terceiros, salvo expresso consentimento ou determinação legal.
À luz desse novo cenário, portanto, o Marco Civil da Internet significou
modificação importante, com reflexos diretos e relevantes na sociedade bra
sileira. Mas, como o próprio nome sugere, trata-se de um marco regulatório,
ainda pendente de regulamentação e ainda com diversas questões em aberto.
Em suma, deve-se lançar um olhar tanto atento quanto crítico para essa
experiência recente, ainda em progresso. Busca-se examinar as repercussões e
perspectivas do Marco Civil da lnternet em três diferentes campos: nos tribu
nais, no âmbito da consulta pública sobre a regulamentação e no Legislativo,
que já conta com diversos projetos que podem alterar substancialmente as fei
ções da lei não necessariamente para melhor. Não se trata, é claro, dos únicos
domínios que o Marco Civil da lnternet afetou e pelos quais se espraiou
7 mas,
em razão das fronteiras limitadas deste artigo, é sobre essas três áreas que se
concentra, adiante, a atenção.
—
—
1. Inclusive para outras experiências, como a da Dicchiarazione dei Dintti in internet, que de
fine princípios para um equilíbrio entre direitos humanos e exigências de segurança, mer
cado e propriedade intelectual na Intemet (em português: [http://observatoriodainter
net.br/postlversao-traduzida-da-dichiarazione-dei-diritti-in-intemetl). Cite-se também a
manifestação do criador da World lÁ/ide Web, Tim Berners-Lee, pela aprovação do Marco
Civil, pois foi, como a Web, construído pelos usuários, em processo inclusivo e participa
tivo, refletindo a Intemet como ela deve ser: aberta, neutra e descentralizada ([http:I/we
bfoundation.org/2014/03/marco-civil-statement-of-support-from-Sir-tim-berflerS-leell).
2. Estudo de agosto de 2015 estimou o número de usuários da intemet no mundo em
cerca de 3 bilhões o primeiro bilhão teria sido atingido 10 anos antes (1). E o Brasil
é o quinto país em quantidade de usuários (antecedido de China, Estados Unidos,
Índia, Japão, nessa ordem).
3. A internet foi se desenvolvendo como arquitetura global e horizontal, conectando
dispositivos ao redor do mundo, em interconexão de diferentes redes, de diferentes
dimensões, privadas e públicas.
4. Nesse oceano informacional, “Iii emos que ensinar nossos filhos a nadar, a flutuar,
talvez a navegar” (Pierre Lévy Cibercultura. 3. ed. São Paulo: Editora 34, 2011. p. 15).
—
GARCIA, Rebeca. Marco Civíl da Internet no Brasil: repercussões e perspectivas.
Revista das Tribunais. vai. 964. ano 105. p. 161-190. São Paulo: Ed. Ri’, fev. 2016.
É a esta tarefa que se propõe este artigo, sem perder de vista o mencionado
caráter descentralizado e aberto da internet, que deve ser preservado. A esse
5. O Ministério da Justiça, no âmbito da Secretaria Nacional do Consumidor, em cola
boração com a Secretaria de Assuntos L.egislativos, desenvolveu anteprojeto de lei,
ainda não enviado ao Congresso, que passou por duas consultas públicas: em 2010,
e entre janeiro e julho de 2015, já sobre minuta de texto. Em outubro de 2015, após
análise das contribuições, o Ministério da Justiça apresentou a versão final do texto,
enviada à Casa Civil para análise e posterior encaminhamento ao Congresso. Há pro
jetos de lei de iniciativa do Legislativo, mas não se sabe, nem é possível antecipar, o
destino que terão o anteprojeto ou os projetos.
6. Ressalvam-se as hipóteses de guarda obrigatória de registros.
7. Pode-se pensar em diversos campos, como o educativo e do acesso, o da prática co
mercial, entre outros.
GAROA, Rebeca. Marco Civil da Internet no Brasã: repercussões e perspectivas.
Revista dos Tribunais, vai. 964. ano 105. p. 161-190. São Paulo: Ed. Ri’, tev. 2016.
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respeito, aliás, continua atual a advertência de Pierre Lévy, no sentido de que
qualquer tentativa de reduzir a internet “às formas midiáticas anteriores (es
quema de difusão ‘um-todos’ de um centro emissor em direção a uma periferia
receptora) só pode empobrecer o alcance do ciberespaço para a evolução da
civilização, mesmo se compreendemos perfeitamente é pena os interesses
8
econômicos e políticos em jogo”.
—
de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, em parceria com a Escola
de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas, lançou um processo
colaborativo e online para a construção de um Marco Civil da Internet.
Esse processo foi gradual e contou com ampla participação, tanto da aca
demia quanto da sociedade civil e dos setores privado e governamental. Final
mente, em 2011, fechou-se uma proposta de texto, encaminhada à Câmara
dos Deputados como projeto de lei de iniciativa do Poder Executivo (sob o PL
2.126/201 1). Apesar de sua acentuada relevância e da participação social cola
borativa ao longo de sua gestação, o projeto acabou inicialmente esquecido em
alguma gaveta legislativa. Até que vieram a público as denúncias de Edward
Snowden sobre as práticas de vigilância em massa e não autorizada por parte
da agência norte-americana de segurança nacional (National Security Agency)
que afetavam não apenas cidadãos e empresas americanos, mas de todo o
mundo, inclusive governos, dentre o brasileiro. O escândalo serviu como cata
lisador, acelerando a tramitação que vinha apenas arrastando-se e, quem sabe,
talvez nem tivesse chegado a bom porto sem um impulso externo (embora
traumático).
—
1.1 Contexto
Antes de avançar propriamente sobre as repercussôes do Marco Civil da In
ternet na experiência jurídica brasileira, é importante situá-lo historicamente
Afinal, o direito é, mais que fato, verdadeiro produto social, fruto do embate e
do encontro de interesses e de relações, de uma combinação de circunstâncias
9
situadas no tempo e no espaço.
Em linhas gerais (e resumidas) ,° as origens do Marco Civil da lnternet re
montam a 2007, e a um amplo processo de consulta e debate públicos, seguido
de um período de incertezas e inação após seu encaminhamento à Câmara dos
Deputados, até que, finalmente, com o impulso dado por denúncias interna
cionais de vigilância em massa, o projeto de lei voltou ao centro de atenções e
foi objeto de intenso debate, sendo votado e aprovado nas duas casas legislati
ias, e enfim sancionado.
O uso da internet no Brasil já era significativo e crescia exponencialmente,
mas o país ainda não contava com um arcabouço legal que garantisse direi
tos dos usuários, e que estabelecesse um regime jurídico básico para o meio
virtual. O impulso inicial para a elaboração de um marco regulatório surgiu
em 2007, como reação à aprovação, na Câmara, de polêmico projeto de lei
sobre crimes cibernéticos.” Nesse contexto, em outubro de 2009 a Secretaria
—,
O assunto assumiu, então, outra proporção e passou ao topo da agenda de
prioridades do país. Nesse passo, o projeto recebeu status de urgência cons
titucional, o que implicava uma tramitação mais célere, pois Câmara e Sena
do teriam 45 dias, cada, para votar a matéria prazo após o qual o projeto
trancaria a pauta de deliberações até a conclusão da votação em cada casa.
Nesse período, a Câmara virou palco de embates envolvendo diversos atores
e interesses embates e debates que parecem reproduzir ainda hoje, acerca da
regulamentação da lei e da sua aplicação.
Após meses de acalorados debates e mobilização social, em 25.03.2014 o
marco civil foi aprovado na Câmara. Seguiu para o Senado, onde acabou anali
sado praticamente apenas do ponto de vista formal, sem alterações ou maiores
deliberações pois, em caso de mudanças, o projeto teria de voltar à Câmara,
—
—
8. Pierre Lévy. Op. cit., p. 128.
9. António Manuel Hespanha. Panorama histórico da cultura jurídica europeia. 2. ed.
Lisboa: Mem Martins, 1997. p. 25.
10. Para conhecer em maior detalhe a história da criação do marco civil da internet,
recomenda-se: Ronaldo Lemos. Uma breve história da criação do Marco Civil. In:
Newton De Lucca; Adalberto Simão Filho; Cíntia Rosa Pereira de Lima (coords.).
Direito & Internet III: marco civil da internet (Lei n. 12.965/2014). São Paulo: Quartier
Latin, 2015. t. 1. p. 79-100.
11. Conhecido como “Lei Azeredo”, em referência ao deputado que o apresentou, o
projeto (PL 84/1999) sofreu diversas modificações, reduziu-se a quatro artigos e foi
sancionado como a Lei 12.735, de 30.11.2012, com dois vetos que lhe reduziram
—
significativamente o alcance
—
um dos dispositivos vetados permitia que militares
tivessem controle dos dados em caso de uma guerra cibernética. A lei foi sancionada
no mesmo dia que a Lei 12.737, a “Lei Carolina Dieckmann”, que tipifica crimes
informáticos (essencialmente, o de “invasão de dispositivo informático” e o de “inter
rupção ou perturbação de serviço telegráfico, telefônico, informático, telemático ou
de informação de utilidade pública”). A lei recebeu este apelido porque foi proposta
como espécie de reação legislativa ao episódio cio vazamento de fotos íntimas obtidas
ilicitamente do telefone da atriz, em maio de 2012.
GAReS, Rebeca. Marco Clvi da lnternet no Brasil: repercussões e perspectivas.
Revisto dos Tribunais. vol. 964. ano 105. p. 161-190. Sio PaWo: Ed. R1 fev 2016.
OARCLA, Rebeca. Marco Civil da Internet no Brasil: repercussões e perspectivas.
RevIstados Tribunaii vol. 964. ano 105. p. 161-190. Sao Paulo: Ed. RT, fev. 2016.
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talvez perdendo fôlego, e certamente retardando sua aprovação. Apesar de al
guns protestos no Senado havia intenção de uma análise mais detida, com
alterações de alguns dispositivos o projeto foi aprovado sem alterações em
22.04.2014, seguindo para a sanção presidencial, que aconteceu no dia se
guinte, de forma simbólica, no evento NET Mundial, realizado em São Paulo.
É esse, em resumo, o contexto da construção e promulgação desse importante
marco regulatório.
—
—,
1.2 Princípios
A lei que nasceu desse processo colaborativo, embora um tanto conturba
do, tem feições marcantes, estruturadas com base e em torno de importantes
fundamentos e princípios. Logo após demarcar seu ãmbito de aplicação (art.
1.°), o Marco Civil da Internet elenca seus fundamentos (art. 2.°) e os princí
pios que orientam a disciplina do uso da Inteniet no Brasil (art. 30), dos quais
tem especial relevo o da privacidade sobretudo enquanto a lei de proteção de
dados pessoais ainda não é uma realidade.
Já de início, portanto, inaugura-se importante conjunto de fundamentos
para a disciplina do uso da internet no Brasil. Um deles é o respeito à liber
dade de expressão, expresso já no caput do art. 2.°, a indicar a relevância e
quiçá proeminência conferida pela lei a essa garantia constitucional. Além
dessa pedra de toque da disciplina do uso da internet, outros princípios são
consagrados como fundamentos: o reconhecimento da escala mundial da rede;
os direitos humanos, o desenvolvimento da personalidade e o exercício da
cidadania em meios digitais; a pluralidade e a diversidade; a abertura e a cola
boração; a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor; e a
finalidade social da rede.
Nota-se, aí, a preocupação do legislador em assegurar não apenas a internet
como ambiente descentralizado, aberto e livre, mas em acentuar seu aspecto
promocional promoção de acesso e inclusão, de cidadania, de exercício de di
reitos, de desenvolvimento da personalidade. Isso sem perder de vista a inova
ção e a livre iniciativa e concorrência, de onde deriva a liberdade de desenhar,
desenvolver e explorar modelos de negócio. Mantêm-se também os olhos na
defesa do consumidor e na finalidade social da rede afinal, os aspectos econô
micos são importantes (inclusive para permitir a ampliação e desenvolvimento
da infraestrutura que permite a interconexão da rede de redes), mas não devem
ser um fim em si mesmo.
Para além dos pilares de sustentação apontados acima, a disciplina do uso
da internet no Brasil orienta-se pelos seguintes princípios: a garantia constitu
—
—
—
—
cional da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento;
a proteção da privacidade e dos dados pessoais; a preservação e garantia da
neutralidade de rede; a preservação da estabilidade, segurança e funcionalida
de da rede; a responsabilização dos agentes conforme suas atividades; a preser
vação da natureza participativa da rede; a liberdade dos modelos de negócios,
embora limitada pelos demais princípios.
Como se viu, os princípios do uso da internet apontam, entre outros, para
a proteção da privacidade, bem como para a proteção dos dados pessoais, na
forma da lei. Abriu-se, assim, espaço para outras leis que podem dispor sobre
o tema, assegurando-se desde já a compatibilidade com uma lei geral de prote
ção de dados pessoais, sem a ambição de regular de forma genérica a questão
apenas tratando de maneira especial a proteção de dados na internet. Nota-se
aí, também, que o Marco Civil da Internet não trata de privacidade e proteção
de dados pessoais de maneira indistinta, como sinônimos os princípios são
elencados separadamente, denotando que seu conteúdo, apesar da proximida
de, não é propriamente o mesmo.
Esse amplo e consistente conjunto de princípios é essencial para o uso e
o desenvolvimento de uma rede de redes livre, aberta, plural. Mas eles não
representam um rol taxativo, fechado; ao contrário, o próprio Marco Civil da
lnternet determina que tais princípios não excluem outros relativos à matéria.
O Marco Civil da Internet ecoa, em certa medida, o decálogo de princípios
para a governança e uso da internet no Brasil, firmados pelo Comitê Gestor
da internet no Brasil (CGI.br) ,12 entidade multissetorial crucial no desenvol
3 para servir de base e de norte para ações e
vimento da internet no Brasil,’
decisões na internet.
O primeiro deles é o da liberdade, privacidade e direitos humanos, reco
nhecidos como fundamentais para a preservação de uma sociedade justa e de
mocrática; seguido do princípio da governança democrática e colaborativa da
internet, isto é, exercida de forma transparente, multilateral e democrática.
Outro é o da universalidade do acesso, instrumento para o desenvolvimento
pessoal e social. E, diretamente relacionado, segue-se o princípio da diversi
—
—
—
GAROA, Rebeca. Marco Civil da Internet no Brasil: repercussões e perspectivas.
Revista das Tribunais. vol. 964. ano 105. p. 161-190. Sâo Paulo: Ed. RI, fev. 2016.
12. Por meio da Resolução CGI.br/RES/2009/003/P
13. Criado pela Portaria Interministerial 147/1995, alterada pelo Decreto Presidencial
4.829/2003, o CGI.br coordena e integra as iniciativas de serviços de internet no país,
promovendo qualidade técnica, inovação e disseminação dos serviços. Teve papel
fundamental no desenvolvimento da intemet no Brasil.
Gsscv, Rebeca. Marco Civil da Internet no Brasil: repercussões e perspectivas.
Revistados Tribunais. vol. 964. ano 105. p. 161-190. S9o Paulo: Ed. RT, fev. 2016.
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dade, como forma de respeitar e garantir a diversidade cultural expressa na
internet, em respeito, por consequência, à liberdade de expressão.
O decálogo consagra ainda o princípio da inovação, que deve ser estimula
do; e o da neutralidade de rede, que só admite a filtragem ou priorização de trá
fego de dados por força de critérios técnicos e éticos. O conjunto de princípios
inclui também o da inimputabilidade da rede, no sentido de que o combate a
ilícitos na rede deve recair sobre os responsáveis e não os meios de acesso e
transporte de dados; o princípio da funcionalidade, segurança e estabilidade da
rede; o princípio da padronização e interoperabilidade, com o uso de padrões
abertos; e, por fim, o do ambiente legal e regulatório, a preservar a dinâmica da
internet como espaço colaborativo. Em suma, o Marco Civil da Internet surgiu
como peça-chave no ambiente legal e regulatório brasileiro, com uma acentu
4
ada matriz principiológica.’
1.3 Eixos: privacidade, neutralidade, inimputabilidade
Para além dos fundamentos e princípios que baseiam e norteiam a discipli
na do uso da internet no Brasil, o Marco Civil da Internet orienta-se em torno
de três eixos básicos: privacidade, neutralidade de rede e inimputabilidade.
O primeiro deles, o da proteção da privacidade, encontra-se expresso, so
breiudo, nos arts.
7.°, 8.° e 10, mas perpassa todo o texto do Marco Civil da
Internet ou ao menos seu espírito. A proteção da privacidade, como se viu,
é um dos princípios do uso da internet no Brasil. Nesse sentido, o Marco Civil
da Internet estabelece a garantia da privacidade de dados e comunicações, e
de observância desta garantia inclusive no exercício do dever legal de guarda
de dados de conexão e de acesso a aplicações, cujo acesso pode ocorrer apenas
mediante ordem judicial específica.
O art. 70 é o dispositivo do Marco Civil da Internet que concentra com
maior riqueza as normas de proteção aos dados pessoais na internet (especial
mente nos incs. 1, II e III) ‘5 Além disso, ele consagra, de forma incisiva, o prin
cípio do consentimento —um consentimento, pode-se dizer, qualificado. Isso
—
1 69
porque, sob o regime do Marco Civil da Internet, o consentimento, além de
necessário para a coleta, uso, armazenamento, tratamento e proteção de dados
pessoais, e para o fornecimento a terceiros, deve ser livre, expresso e informado,
ou conforme as hipóteses previstas em lei.
O mesmo art. 7.° consagra ainda o princípio da transparência, diretamente
6 tão caro também a
relacionado ao direito básico e fundamental à informação,’
todo o sistema de proteção estabelecido pelo Código de Defesa do Consumidor
(CDC). Afinal, “[s] em a devida transparência, torna-se impossível qualquer
tipo de controle pelo titular do fluxo de seus dados, assim como qualquer fis
calização pelos órgãos de controle” 17
Na mesma linha, assegura-se o princípio da finalidade, no sentido de que a
coleta e o tratamento de dados pessoais na internet sejam justificados e tenham
as finalidades indicadas para que se possa, aliás, falar em consentimento infor
mado. Confere-se ao usuário também o direito de requerer exclusão definitiva
de seus dados, ao fim da relação negocial. Ainda no eixo da privacidade, o Marco
Civil da Internet, ao reforçar em seu art. 8.° a garantia do direito à privacidade,
cuida de cláusulas de proteção contratual, típicas do direito do consumidor, con
siderando nulas as ofensivas à privacidade e à liberdade de expressão.
E, como forma de assegurar, na prática, essas garantias, o Marco Civil da In
ternet trata de aspectos de jurisdição, O tema é tão delicado quanto importante,
sobretudo quando se considera uma rede de redes em escala global. Busca-se,
portanto, garantir não apenas uma internet livre e aberta, sem fronteiras, mas
igualmente proteção e segurança sem fronteiras ou maiores limitações. Nesse
sentido, o art. 11 determina, em resumo, a aplicação da lei brasileira caso alguma
das operações envolvendo a coleta e tratamento de dados pessoais ou de comu
nicações ocorra no Brasil, mesmo que realizada por pessoa jurídica sediada no
—
Princípios e fundamentos que servem de base e determinam a chave de leitura do
marco civil.
15. Aliás, o mc. III, que assegura o direito à inviolabilidade e ao sigilo de comunicações
privadas armazenadas, salvo por ordem judicial, significou grande avanço. A diferen
ça entre a comunicação e o armazenamento tem se tomado cada vez menos relevante,
tendo o marco civil da internet colocado esses níveis de inviolabilidade no mesmo
patamar de consideração e proteção.
16. O problema que se procura equacionar através da proteção aos dados pessoais é o da
assimetria da informação. A esse respeito, costuma-se dizer que a transparência deve
ser diretamente proporcional ao poder; e a privacidade, inversamente proporcional ao
poder, no sentido de o titular dos dados poder determinar as formas de sua utilização,
bem como a possibilidade de compartilhamento.
17. Laura Schertel Mendes. O direito básico do consumidor à proteção de dados pessoais.
RDC 95/55. São Paulo: Ed. RT, set.-out. 2013. De fato, o princípio da transparência
envolve “o direito do consumidor de ser informado sobre: (i) quais os dados pessoais
são tratados e para quais finalidades; (ii) se os dados pessoais são transnntidos para
terceiros; (iii) para quais países os dados pessoais são transmitidos, se for o caso; (iv)
qual é o período de conservação de dados; e (v) quais os mecanismos de segurança
utilizados para garantir a segurança dos dados pessoais” (Idem, p. 56).
GAROA, Rebeca. Marco Civil da Internet no Brasil: repercussões e perspectivas.
Revistados Tribunais, vol. 964. ano 105. p. 161-190. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.
GASCA, Rebeca. Marco Civil da Internet no Brasil: repercussões e perspectivas.
Revisto dos Tribunais. vol. 964. ano 105. p. 161-190. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.
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exterior (desde que haja oferta de serviços ao público brasileiro ou uma empresa
integrante do mesmo grupo econômico tenha estabelecimento no país).
Ainda no domínio da privacidade e da proteção de dados, o Marco Civil da
lnternet impõe aos provedores de conexão e de aplicações o dever de guarda
de, respectivamente, registros de conexão (por um ano) e registros de acesso
8 Em qualquer dos casos, o acesso aos registros
a aplicações (por seis meses).’
somente pode ocorrer mediante ordem judicial. Verifica-se, aí, uma espécie
de compartimentalização: os provedores de conexão não podem armazenar
dados relativos a aplicações de lnternet acessadas pelos usuários, e os prove
dores de aplicações não podem armazenar dados relativos a outras aplicações,
salvo prévia autorização do usuário, assim como não podem armazenar dados
pessoais considerados excessivos em relação às finalidades que presidiram o
consentimento originalmente fornecido.
O Marco Civil da lnternet veio também suprir uma defasagem acentuada,
elevando (e ampliando) o nível de proteção do CDC em relação aos dados
pessoais, que se concentrava no art. 43. Embora proteja o consumidor, essa
norma não tem a abrangência de uma lei geral de proteção de dados. Além
disso, concentra-se no momento de coleta e armazenamento de dados (além
de falar em “comunicação” ao consumidor, não em consentimento), sem se
ocupar, propriamente, do momento posterior, de tratamento e uso desses da
dos. Lembre-se, porém, que o Marco Civil da Internet não é, nem pretendeu
ser uma lei geral de proteção de dados pessoais, ainda que contenha regras
importantes a esse respeito.
Já o eixo da neutralidade de rede foi um dos pontos que mais gerou deba
tes e controvérsias, sobretudo por sua repercussão econômica, e em relação
a diversos atores empresas de telecomunicações, provedores de aplicações,
sociedade civil. Pode-se mesmo dizer, pelo que se viu da tramitação do projeto
na Câmara, que a questão da neutralidade contribuiu decisivamente para a
demora na sua aprovação.
Em síntese, conforme aprovado, o marco civil determina, em seu art. 9.o,
a isonomia no tratamento de pacotes de dados, “sem distinção por conteúdo,
origem e destino, serviço, terminal ou aplicação”. A discriminação, prioriza
ção ou degradação é excepcional, a ser ainda regulamentada, e somente pode
decorrer de requisitos técnicos indispensáveis à prestação adequada dos servi—
1 71
ços e aplicações; e priorização de serviços de emergência (outros pontos para
regulamentação).
Já o eixo relativo à responsabilidade civil ou, mais propriamente, ao princí
pio da inimputabilidade na rede, está traduzido nos arts. 18 e 19. Ao contrário
do que o nome sugere, não significa que a rede seja terreno de irresponsabilida
de, mas, sim, que os provedores a rigor não respondem civilmente pelos danos
causados por conteúdo de terceiro, sobre o qual não têm ingerência.
O regime de responsabilidade bifurca-se um pouco, a depender de se tratar
de provedor de conexão ou provedor de aplicações. Com relação aos provedo
res de conexão, ou seja, que apenas fornecem ao usuário a conexão à internet,
a regra é a da efetiva inimputabilidade pelo conteúdo gerado por terceiro. Por
sua vez, os provedores de aplicações, que fornecem o conjunto de funcionali
dades a serem acessadas pelo usuário conectado à internet, somente respon
dem por conteúdo de terceiro em caso de omissão configurada pela não ado
ção de providências após ordem judicial específica.
A exigência de ordem judicial específica gerou também acalorados debates,
principalmente porque, até então, a jurisprudência, capitaneada pelo STJ, vira
construindo e consolidando o entendimento de que os provedores poderiam
ser responsabilizados se não adotassem providências depois de notificados so
bre o conteúdo objeto de discussão isto é, vinha-se aplicando, de forma já
substancialmente tranquila pelos tribunais, a regra do notice and takedown.
O Marco Civil da Internet, porém, acabou optando pela necessidade de
ordem judicial específica, como uma garantia. Talvez se tenha pensado mais
na rede em geral do que especificamente nas pessoas relacionadas a um conte
údo disputado. Sob essa perspectiva, simples notificações poderiam dar mais
espaço a abusos pelos riotificantes (em princípio livres para denunciar sem
fundamentos qualquer conteúdo), a monitoramento preventivo ou a remoções
imediatas e irrefletidas. Afinal, é razoável supor que seria mais simples e seguro
remover automaticamente um conteúdo denunciado a despeito de sua aná
lise e assim evitar responsabilização, do que discutir o mérito da notificação
e entrar no terreno por vezes difícil do juízo de valor sobre o conteúdo que se
produz e publica no meio digital.
Privilegiou-se, assim, a liberdade de expressão, buscando-se evitar a censu
ra prévia e o monitoramento online. Mas não são poucas nem são infunda
9 O principal argumento é o de
das as críticas feitas a essa opção legislativa.’
—
—
—
—,
—
—
18. Nem todas as normas do Marco Civil têm natureza protetiva por exemplo, as do de
ver de retenção de dados, que em si mesmas não se encaixam propriamente no ethos
de proteção de dados pessoais.
—
GARCIA, Rebeca. Marco Civil da Internet no Brasil: repercussões e perspectivas.
Revista dos Tribunais, vaI. 964. ano 105. p. 161-190. São Paulo: Ed. RI, fev. 2016.
19. Nessa linha, há quem considere inconstitucional o art. 19, diante da garantia consti
tucional de plena e integral reparação por danos à honra, à privacidade e à imagem
GARCIA, Rebeca. Marco Civil da lnternet no Brasil: repercussôes e perspectivas.
Revista dos Tribunais. vol. 964. ano 105. p. 161-190. São Paulo: Ed. RI, fev. 2016.
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que essa opção restringe, ferindo-o, o princípio da ampla reparação dos danos,
além da provável delonga que a concessão de uma ordem judicial específica
implicaria o ponto de vista parece concentrar-se, pois, na vítima.
Ao que parece, no entanto, o Marco Civil da lnternet, como aprovado, fez
uma escolha, e uma escolha (ao menos em tentativa) equilibrada. Ele excep
ciona os casos de conteúdos de nudez ou atos sexuais de caráter privado, pre
vendo a responsabilidade subsidiária do provedor de aplicações que se omita
diante de notificação (art. 21). E permite que os pleitos de reparação de danos
ou remoção de conteúdo relativos à honra, à reputação ou aos direitos de per
sonalidade sejam levados aos juizados especiais, que seguem procedimentos
mais simples e céleres. É possível, ainda, a antecipação de tutela e não apenas
nas causas levadas aos juizados caso presentes os requisitos processuais ne
cessários. Os casos relativos a infrações a direitos autorais continuam a reger-se
por legislação específica (art. 19, § 2.0)20 Além disso, não raro provedores de
aplicações contam com sistemas próprios, previstos em termos e condições
de uso, políticas de privacidade etc., para denunciação, notificação e remoção
de conteúdo, que podem dar uma resposta prática eficiente a conflitos, talvez
evitando a ida ao Judiciário.
Trata-se, é verdade, de exceções bastante limitadas, abrindo-se um espaço
mais que legítimo para questionamentos e dúvidas. Não surpreende, portanto,
que a questão da responsabilidade civil de provedores de aplicações por conte
’ Será preciso decor
2
údo de terceiros pareça estar ainda longe de ser resolvida.
rer mais tempo para análise crítica, para que a nova regra seja amadurecida, e
—
para avaliar-se como ela será entendida e aplicada pelos tribunais
STJ irá uniformizar a sua interpretação.
—
1 73
e como o
São esses, em suma, os três eixos temáticos em torno dos quais se estrutu
ra e se desenvolve o Marco Civil da lnternet embora se possa dizer que sua
—
verdadeira espinha dorsal seja o conjunto de princípios e fundamentos por ele
consagrados, referidos nas linhas acima. E é com base nessa estrutura e, so
bretudo, nesse conteúdo e contexto do Marco Civil da lnternet, que se devem
mirar suas repercussões.
2.
MAIS DE UM ANO DE VIGÊNCIA: REPERCUSSÕES E PERSPECTIVAS
—
Uma vez analisados os caracteres do Marco Civil da lnternet, sem perder de
—,
(Anderson Schreiber. Aspectos materiais e processuais relevantes do Marco Civil. In:
Newton De Lucca; Adalberto Simão Filho; Cmntia Rosa Pereira de Lima (coords.).
Direito & internet III: marco civil da internet (Lei n. 12.965/2014). São Paulo: Quartier
Latiu, 2015. p. 289-294).
20. Atualmente em vigor, a Lei 9.610/1998 ainda não atualizada, apesar do movimento
de reforma e da proposta de texto, submetido a escrutínio público pelo menos desde
2007.
21. A questão da responsabilidade de intermediários é já turbulenta. Pense-se no pro
blema da responsabilidade por comentários em blogs e portais de notícias. A esse
respeito, vem à lembrança o caso Delfi vs Estônia, julgado pelo Tribunal Europeu
de Direitos Humanos, que manteve a decisão estoniana segundo a qual o portal
de notícias era responsável pelos comentários postados por leitores. Embora não os
moderasse nem os lesse previamente, a Delfi tinha mecanismos básicos como filtra
gem de palavras consideradas ofensivas (Disponível em: [http://hudoc.echr.coe.intl
eng?i=001-155105#{”itemid”:[”001-155105”] 11).
—
vista o seu contexto, passa-se ao exame de seus reflexos na experiência jurídica
brasileira. Para além do efeito simbólico, de o Brasil passar a ter um marco re
gulatório do meio digital considerado referência a promulgação do Marco
Civil da Internet teve diversas e importantes repercussões em pouco mais de
um ano de vigência, nos mais variados campos. Busca-se, aqui, identificar e
examinar as principais delas na jurisprudência, no âmbito da consulta para a
regulamentação e no âmbito legislativo.
—
—,
2. 1 Jurisprudência
A primeira delas, que merece destaque, é a repercussão na jurisprudência.
Afinal, promulgada e em vigor a lei, é importante analisar como os tribunais
vêm interpretando e aplicando-a nos conflitos concretos. Deve-se advertir, po
rém, que se passou ainda pouco tempo para que questões surgidas após a en
trada em vigor do Marco Civil da lnternet chegassem a ser efetivo objeto de
análise, isto é, a ponto de se poder falar em uma jurisprudência consolidada
sobretudo no STJ, instância superior, onde se leva ainda mais tempo para que
22
uma controvérsia chegue e seja apreciada.
—
No STJ, aliás, as decisões com referência direta ao Marco Civil da Internet
são ainda escassas e, em geral, referenciam a lei apenas para afastá-la, diante
da constatação de que o caso concreto tem origem em fatos anteriores a sua
—
—
GAROA, Rebeca. Marco Civil da lnternet no Brasil: repercussões e perspectivas.
Revista dos Tribunais. vol, 964. ano 105. p. 161-190, São Paulo: Ed. R1 tev. 2016.
22. Mas o STJ tem-se mostrado atento, buscando acompanhar o ritmo da internet. Nessa
linha, incluiu dois temas relacionados no repertório do seu sistema de pesquisa sobre
temas de destaque, a “Pesquisa Pronta”: responsabilidade do provedor por conteúdo
na internet e ofensas ou informações na internet.
GAROA, Rebeca. Marco Civil da nternet no Brasil: repercussões e perspectivas.
Revistados Tribunais. vol. 964. ano 105. p. 161-190. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.
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vigência. O ritmo do tribunal ainda não acompanhou as passadas rápidas
23
da evolução tecnológica e dos problemas que surgem ao longo dela. Talvez se
possa dizer que o STJ ainda não chegou na “fase Facebook” (apenas para citar
o exemplo atualmente mais popular de rede social); está ainda na “fase Orkut”,
chamado a apreciar casos ocorridos no âmbito da rede social que chegou a ser
a mais popular no país, mas que caiu em desuso e encerrou oficialmente suas
atividades em setembro de 2014.24
Ainda assim, o STJ já se mostrou atento ao novo diploma e chegou a utilizá
-lo como referência na fundamentação de um julgado envolvendo responsa
bilidade civil de provedor por conteúdo violador de direito autoral (matéria,
como se viu, que o marco civil expressamente deixa a cargo da legislação espe
cífica) comercializado via Orkut.
O STJ vinha paulatinamente lapidando, e havia consolidado, o entendi
mento de que os provedores de aplicações somente poderiam ser responsa
bilizados por conteúdo de terceiros se omissos depois de notificação extra25 Em outras palavras, vinha aplicando, já de maneira relativamente
judicial.
tranquila, a regra conhecida como notice and takedown. Mas essa regra foi
reformulada pelo Marco Civil da lnternet, ao exigir expressamente ordem
judicial específica para obrigar os provedores de aplicações a no disponi
bilizar o conteúdo atacado exceção feita à divulgação não autorizada de
conteúdos de nudez ou atos sexuais de cunho privado. Como se viu, buscou-se privilegiar a liberdade de expressão e a privacidade dos usuários, eis que
um sistema baseado em simples notificação poderia ter como efeito colateral
a realização de monitoramento prévio por parte dos provedores, bem como
remoções “preventivas” de conteúdo, com o perigo de estimular-se a (auto)
censura.
—
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2016
Na ação em referência, o STJ registrou que sua jurisprudência se alinhara
“ao entendimento de ser inaplicável a provedores de internet o sistema de
responsabilidade civil objetiva em razão de mensagens postadas em sites por
eles hospedados”, exigindo-se para tanto uma “conduta omissiva por parte do
provedor, desde que, comunicado extrajudiciaimente pelo titular do direito
violado, se mantenha inerte” 26
A disciplina legal do Marco Civil da Internet em matéria de responsabili
dade civil de provedores por conteúdo de terceiro, conforme reconhece o STJ,
“foi além da jurisprudência consolidada” (grifou-se), dela se distanciando. Ao
menos pelo que se lê do substancioso voto, trata-se, porém, mais de uma cons
tatação talvez pesarosa do que uma tentativa de conferir outra interpreta
ção ao texto expresso da lei.
No caso em exame, apesar de surgido antes do advento do Marco Civil da
lnternet, a Corte considerou apropriado aplicarem-se suas diretrizes, no que
fosse cabível, de modo a “exercer melhor seu profícuo papel de uniformizador da
jurisprudência pátria, oferecendo aos demais órgãos do Poder Judiciário e,
de resto, à sociedade entendimento jurídico atual, que possa ser aplicado
mesmo diante da nova disciplina legislativa” (grifou-se). Mas, como o próprio
Marco Civil da Internet exciui expressamente de seu escopo os casos de viola
27 e era esse o objeto da demanda ali em exame, o STJ
ção de direitos autorais,
solucionou o caso com base nas regras vigentes de direito autoral, afastando a
28
responsabilidade do provedor.
Outro ponto que vem repercutido nos tribunais, ainda sobre responsabili
dade civil de provedores por conteúdo de terceiro, diz respeito à necessidade
29 dos conteúdos em disputa. Por um lado, pa
ou não de indicação dos URLs
—
—
—
—
23. Como no caso envolvendo responsabilidade de provedor por criação de perfil falso
em rede social, o STJ apontou que “não é possível a pretensa aplicação retroativa do
art. 19 do Marco Civil da lnternet (Lei n. 12.965/2014), com a imposição de exigên
cia legal que não vigorava à época dos fatos” (STJ, AgRg no Ag no REsp 642400/PR,
4 T.,j. 12.05.2015, rei. Mm. Maria Isabel Galotti, DJe 20.05.2015).
24. Nesse sentido, por exemplo: STJ, AgRg no REsp 1.384.340/DF, 3. T., j. 05.05.2015,
rei. Mm. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 12.05.2015.
25. Um julgado emblemático a esse respeito, que sintetiza bem o posicionamento cons
truído pelo STJ e foi depois reproduzido em outras decisões, é o seguinte, relativo à
responsabilidade do provedor por mensagem de cunho ofensivo divulgada na rede
social Orkut: STJ, REsp 1.338.214/MT, 3. T,j. 21.11.2013, rei. Mi NancyAndrighi,
DJe 02. 12.2013, RDDP 13 1/150.
26. STJ, REsp 15126477MG, 2. Seção, j. 13.05.2015, rei. Mm. Luis Felipe Salomão, DJe
05.08.2015.
27. Como se lê do trecho do voto do Ministro relator, “não há dávida de que não foi mesmo
intenção do legislador tratar de delicado tema no âmbito da primeira regulação da inter
net no Brasil” (grifou nosso).
28. A responsabilidade foi afastada por força, basicamente, dos seguintes elementos: “(a)
a estrutura da rede social em questão Orkut e a postura do provedor não contribu
íram decisivamente para a violação de direitos autorais; (b) não se vislumbram danos
materiais que possam ser imputados à inércia do provedor de intemet, nos termos da
causa de pedir deduzida na inicial”.
29. Uniform Resource Locator, refere-se ao endereço de rede em que se encontra determi
nado conteúdo.
GAROA, Rebeca. Marco Civil da Internet no Brasil: repercussões e perspectivas.
Revísta dos Tribunais. vol. 964. ano 105. p. 161-190. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.
GARCIA, Rebeca, Marco Cívil da Internet no Brasil: repercussões e perspectivas.
Revista dos TrIbunais. vol. 964. ano 105. p. 161-190. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.
—
—
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rece razoável fazer tal exigência, para evitar remoção perigosamente genérica
e ampla. Por outro, parece excessivamente custoso para a vítima ou parte in
teressada na indisponibilização, exigir que mapeie e indique, um a um, os en
dereços específicos das páginas que hospedam o conteúdo ofensivo e mesmo
ineficiente do ponto de vista da reparação, especialmente se se leva em conta a
velocidade com que os conteúdos proliferam na rede.
São diversas as decisões, e em sentido diverso. Mas, atualmente, parece vir
prevalecendo o entendimento de que é necessário, ao pleitear-se a remoção
de conteúdo ou responsabilização do autor, indicar os URLs específicos das
páginas em que disponível o conteúdo, para evitar indisponibilização indevi
damente abrangente.
°
3
Seguindo-se adiante, uma pesquisa não exaustiva no repertório jurispru
dencial dos principais tribunais indica alguns aspectos interessantes. Pode-se
perceber que os principais temas objeto de controvérsia concentram-se em
questões relacionadas ao tema mais amplo da responsabilidade civil de prove
’ casos
3
dor de aplicações principalmente pedidos de remoção de conteúdo,
32 publicação de conteúdo ofensivo na internet,
33
de perfil falso em redes sociais,
principalmente em redes sociais, publicação de conteúdo infringente a direitos
autorais em plataformas online, como o YouTube.
34
Merecem menção, ainda, os casos relacionados mais diretamente ao direito
do consumidor, especialmente no comércio eletrônico e com respeito a bancos
—
—
30. Ao menos no STJ é este o atual cenário. A título de ilustração, veja-se o caso en
volvendo publicação ofensiva em blog, no qual se entendeu que “o interessado na
responsabilização do autor deverá indicar o URL das páginas em que se encontram
os conteúdos considerados ofensivos. Não compete ao provedor de hospedagem
de biogs localizar o conteúdo dito ofensivo por se tratar de questão subjetiva, ca
bendo ao ofendido individualizar o que lhe interessa e fornecer o URL” (STJ, REsp
1.274.971/RS, 3 T., j. 19.03.2015, rel. Mm. João Otávio Noronha, DJc 26.03.2015,
RDDP 147/121).
31. Por exemplo: TJSP, Ac 0012414-68.2012.8.26.0597, 9. Câm. de Direito Privado, j.
27.10.2015, rel. Des. Alexandre Bucci.
32. Por exemplo: TJSP, Ac 1073440-18.2014.8.26.0100, 1.a Câm. de Direito Privado, j.
25.08.2015, rel. Des. Augusto Rezende.
33. Por exemplo: TJRJ, Ac 0006556-09.2013.8.19.0050, 4 Câm. Civ.,j. 21.10.2015, rei.
Des. Antonio 1. B. Bastos.
34. Por exemplo: TJRS, Ac 70063416184, 10.a Câm. Civ.,j. 26.03.2015, rel. Des. Marceio
Cezar Muller.
GARCIA, Rebeca, Marco Civil da Internet no Brasil: repercussões e perspectivas.
Revista dos Tribunais. vol. 964. ano 105. p. 161 190. São Paulo: Ed. RT, tev. 2016.
de dados.
35 E, embora não seja tão comum no cotidiano forense, cite-se tam
bém a questão da jurisdição, especialmente quando o provedor não tem sede
ou estabelecimento no país.
36
Outro tema importante que vem recebendo a atenção dos tribunais refere-se
aos casos de identificação de usuário envolvido em fraudes e ilícitos cometi
37 Embora o marco civil não defina o que sejam dados pessoais,
dos na rede.
entende-se, de maneira geral, que é qualquer informação que diga respeito a
uma determinada pessoa, “incluindo dados cadastrais (nome, filiação, ende
reço, documento de identificação e e-mail, por exemplo) e técnicas (endereço
de IP), sem prejuízo de conter também referências cujo tratamento pode re
presentar discriminação do usuário (dados biométricos, de raça, saúde, entre
35. Como a sentença, em ação coletiva de consumo, que condenou a Confederação Na
cional de Dirigentes Lojistas (SPC Brasil) por fornecer dados de consumidores sem
sua autorização. A decisão foi concedida em liminar, para determinar ao SPC que
“a) cancele, no prazo de até 30 dias, o registro de consumidores que não tenham
expressamente autorizado a inserção de seus dados cadastrais e informações pessoais
nos bancos de dados de [sua] responsabilidade da requerida”, e “b) abstenha-se de
registrar e/ou divulgar e/ou comercializar dados cadastrais e informações pessoais de
consumidores, sem prévia autorização destes” (TJRS, Processo 1.14.0178998-7, 16.
Vara Cível, j. 08.07.2014, juiz Silvio Tadeu de Ávila).
36. A saída do art. 11 do Marco Civil da Internet tem tido sua eficácia posta à prova, como
indica o caso do “Secret”, aplicativo que permitia o envio de mensagens anônimas
(para seus usuários) e ensejou discussão sobre liberdade de expressão, responsabilida
de, anonimato e jurisdição. O Ministério Público do Espírito Santo ajuizou ação para
pleitear a proibição do aplicativo no país e obteve liminar pela remoção das lojas vir
tuais (TJES, Processos 0030918-28.2014.8.08.0024 e 0031238-78.2014.8.08.0024).
A decisão dirigiu-se às empresas responsáveis pelos sistemas operacionais para do
wnload, e não ao provedor do aplicativo, que não tinha representação no país. A
liminar foi revogada, mas o caso coloca em evidência a questão sobre como controlar
a atividade de atores estrangeiros em relação aos dados pessoais de brasileiros.
37. Embora ainda antes da entrada em vigor do marco civil da internet, o STJ apontou
que os provedores de conteúdo têm o dever de oferecer os meios para identificação de
usuários suspeitos de atos fraudulentos ou ilícitos, quando assim instados mediante
ordem judicial. Segundo entendeu o STJ, “deve o provedor de conteúdo ter o cuidado
de propiciar meios para que se possa identificar cada um desses usuários, coibindo o
anonimato e atribuindo a cada manifestação uma autoria certa e determinada”, sendo
o número de IP considerado “um meio razoavelmente eficiente de rastreamento dos
seus usuários, medida de segurança que corresponde à diligência média esperada
dessa modalidade de provedor de serviço de internet” (STJ, REsp 1.186.616/MG, 3.
T.,j. 23.08. 2011, rel. Mi NancyAndrighi).
GARoA, Rebeca. Marco Civil da lnternet no Brasil: repercussões e perspectivas.
Revista dos Tribunais. vol. 964. ano 105. p. 161-190. São Paulo: Ed. RT, tev. 2016.
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DIREITO CIVIL
outros)”. Sua divulgação depende, pois, de ordem judicial ou autorização
38
expressa do usuário. Afinal, o Marco Civil da Internet “é claro ao mencionar
a possibilidade de que sejam fornecidos expressamente ‘dados cadastrais que
informem qualificação pessoal, filiação e endereço’, no que não se encontra au
torizada a entrega de dados envolvendo endereços de IP, sem ordem judicial”
Vê-se, em suma, a miríade de temas que vêm sendo levados aos tribunais
brasileiros, e que dizem respeito diretamente ao Marco Civil da lnternet. As
próprias cortes parecem ainda vir amadurecendo, caminhando a passos come
didos ao longo desse processo, muitas vezes árduo, de interpretar e aplicar o
arcabouço regulatório sobre o uso da lnternet no Brasil.
São variados os entendimentos o que por si só não é um problema, eis que
as decisões devem ser tomadas de acordo com cada situação concretamente
considerada nem sempre acompanhadas da devida fundamentação. Ainda é
preciso avançar no esforço de amadurecimento, que deve necessariamente ser
acompanhado de um esforço de fundamentação criteriosa, construindo assim
uma jurisprudência mais consistente, coerente e compatível com os funda
° Pode parecer um
4
mentos e princípios que norteiam o Marco Civil da Internet.
trabalho de Sísifo, mas ele é necessário.
.
179
De todo modo, já se verifica uma evolução jurisprudencial desde antes da
promulgação do Marco Civil da Internet e ela aparentemente segue adiante,
olhando-se em perspectiva. Ao menos parece ter ficado para trás uma postura
distanciada da proteção da pessoa, especialmente em matéria de privacidade e
proteção de dados, uma postura que se limitava a sugerir ao cidadão no caso,
uma consumidora ofendida com o envio maciço de publicidade não solicitada:
“mude-se para a floresta, deserto, meio do oceano ou para outro planeta(...),
quando, então sim, ser-lhe-ão assegurados seus direitos à privacidade na forma
ou amplitude como defende” 41 Sintomaticamente, a decisão deu-se às véspe
ras da promulgação do Marco Civil da Internet.
—
—
—
—,
38. Caio César Carvalho Lima. Garantia da privacidade e dados pessoais à luz do marco
civil da internet. In: George Salomão Leite; Ronaldo Lemos (coord.). Marco Civil da
Internet. São Paulo: Atlas, 2014. p. 155. Apesar de o 1P, enquanto não implementado
de vez o sistema lPv6, não ser único para cada pessoa do ponto de vista estático, ele
pode identificar um usuário no tempo e espaço, como verdadeira “cédula de identi
dade de cada terminal, somente sendo admitido um terminal para cada número de IP
disponível, de modo que seja impossível a conexão de dois dispositivos à rede com
o mesmo número [ao mesmo tempo]” (Victor Auilo Haikal. Da significação jurídica
In: George Salomão Leite; Ronaldo Lemos (co
dos conceitos integrantes do art.
ord.). Marco civil da internet. São Paulo: Atlas, 2014. p. 320).
39. Caio César Carvalho Lima. Op. cit., p. 157. O STJ já salientou “a necessidade de
determinação judicial para fornecimento do IP, porquanto, de posse do referido nú
mero, torna-se possível realizar buscas no respectivo computador, com o escopo de
obter informações pessoais, como dados bancários, senhas, fotos e outros arquivos
4. T., j. 16.12.2014, rei. Mm. Mar
porventura armazenados” (STJ, REsp 1501 187/Ri,
co Buzzi, REP, DJe 03.03.2015, DJe 19.12.2014, RSTJ 236/635, RT 447/ 155).
40. Para que se tenha acesso aos critérios empregados ao examinar os casos, especialmen
te casos delicados, como aqueles sobre liberdade de expressão e proteção de dados
pessoais. Deve-se pensar, também, nos remédios que se vem conferindo aos diversos
pleitos em termos de uma visão geral de política pública, a resposta pela indenização
talvez seja apenas parte da resposta, e talvez não modifique algo que seria primordial:
condutas, hábitos, procedimentos, especialmente sobre o tratamento de dados pessoais.
2.2 Consulta pública sobre a regulamentação
Buscou-se apresentar, acima, apenas breves pinceladas de um quadro ainda
em formação. Uma análise mais abrangente e aprofundada do panorama juris
prudencial em matéria de uso da intemet é tema robusto, que exige trabalho
de fôlego muito maior que o do presente artigo. Para além do âmbito juris
prudencial, o Marco Civil da lnternet teve também importantes repercussões
no âmbito da sociedade civil, e aqui se refere, especificamente, ao processo de
consulta pública sobre o decreto regulamentador.
Além de ele próprio ser fruto, em grande medida, de intensa participação
social, o Marco Civil da Internet esteve outra vez no centro da atenção da
42
43 Em 28.01.2015, o
sociedade, dessa vez com relação à sua regulamentação.
Ministério da Justiça inaugurou um processo de debate público online, no âm
44 sobre a regulamentação do Marco Civil
bito do projeto Pensando o Direito,
da Internet.
50
—
GARcIA, Rebeca. Marco Civi da Internet no Brasi: repercussões e perspectivas.
Revista dos Tribunais.vol.964. ano 105. p. 161-190. São Paulo: Ed. RI, fev. 2016.
41. TJRS, Processo 1.14.0082921-7, 13. Vara Cível, j. 11.04.2014, juiz Luiz A. G. de
Souza.
42. Sobretudo mediante participação na interriet, inclusive às vésperas da votação no
Congresso, quando a sociedade civil foi fundamental para pressionar os parlamenta
res pela aprovação. Nesse sentido, diversas campanhas foram promovidas, com o uso
de populares hashtags (como #VaiTerMarcoCivil e #EuQueroMarcoCivil) e abaixo-assinado pela aprovação, com cerca de 350 mil assinaturas.
43. O decreto, porém, ainda não foi editado, e não se pode precisar quando e em que
termos ele o será.
44. Desenvolvido pela Secretaria de Assuntos Legislativos, o projeto, criado em 2007,
busca estimular a participação social na elaboração de normas jurídicas no Brasil,
ajudando a promover, assim, a elaboração de normas, pode-se dizer, de maior legiti
midade social, mais conectada à realidade social.
GAROA, Rebeca. Marco Civil da lnternet no Brasil: repercussões e perspectivas.
Revista dos Tribunais. vol. 964. ano 105. p. 161-190. São Paulo: Ed. RT, tev. 2016.
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DIREITO CIVIL
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Como não havia uma minuta de texto base para o decreto regulamentador,
a consulta foi estruturada em quatro tópicos temáticos, relativos a aspectos
mais relevantes ou sensíveis do Marco Civil da Internet: neutralidade de rede,
privacidade, guarda de dados, e um eixo mais genérico chamado de “outros
temas”, para acolher contribuições que não se encaixassem nas demais frentes.
A consulta pública acabou, em realidade, sendo dupla: após o encerramento
do debate online, em 30.04.2015, o Ministério da justiça abriu prazo para uma
nova rodada de participação, dessa vez para a sistematização das contribuições
oferecidas ao longo dos três meses de debates havidos no processo participa
tivo inicial, de modo a auxiliar na elaboração da minuta de texto do decreto
regulamentador.
45
Entre os quatro eixos temáticos da consulta, o da neutralidade de rede
foi o que mereceu maior número de contribuições e acendeu mais intensa
46
mente os debates. Ao passar em vista as contribuições oferecidas no debate,
a
opiniões
as
mudam
como
nitidez,
alguma
com
até
consegue-se perceber,
con
ofereceu
quem
vinculado
depender da fonte isto é, do setor a que está
47 Diversos aspectos foram debatidos dentro desse campo temático
tribuições.
48 o assunto mais
por exemplo, práticas comerciais como a de zero-rating,
—
—
—
45. Para informações mais detalhadas, recomenda-se a leitura do relatório produzido pelo
lnternetLab, que sistematiza de forma clara e prática as discussões e contribuições do
debate: O que está em jogo na regulamentação do Marco Civil da Internet? Relatório final
sobre o debate público promovido pelo Ministério da Justiça para a regulamentação da Lei
12.965/2014. lnternetLab, São Paulo, 2015. Disponível em: [wwwintemetlab.org.brl
e ihttp:llpensando .mj .gov.br/marcocivilldebate-em-numeros/l.
46. E, nessa tarefa, o relatório produzido pelo InternetLab, referido acima, é de grande
valia.
47. Nesse sentido, especialmente em matéria de neutralidade, nota-se a diferença de
perspectivas. Por exemplo, para as empresas de telecomunicações, a regulamentação
deve preservar o texto já indicado no marco civil da internet, atendo-se aos casos em
que se admite discriminação. Já para a sociedade civil, não deveria haver qualquer
forma de priorização ou discriminação, para não haver monitoramento.
48. A prática, de nome estrangeiro sinônimo de polêmica, consiste em uma forma de
subsídio. Por meio de acordos de “zero-rating”, em síntese, as operadoras desoneram
provedores e possibilitam o acesso e uso subsidiado de serviços e aplicações espe
cíficos (como streamíng de música e vídeo, certas redes sociais, aplicações de notí
cias, e assim por diante). O problema aventado com isso é, a rigor, a criação de uma
vantagem considerada injusta, porque a operadora escolhe o serviço que será “zero
-rated”. A polêmica reside, mais propriamente, em considerar-se ou não tal prática
como forma de discriminação no tráfego de dados em princípio incompatível com
a neutralidade da rede consagrada pelo art. 9.° do Marco Civil da Internet. Aponta-se
—
GAROA, Rebeca. Marco Civil da Internet no Brasil: repercussões e perspectivas.
Revistados Tribunais. vol. 964. ano 105. p. 161-190. São Paulo: Ed. RT, fcv. 2016.
polêmico na consulta —; a que ente(s) deve-se atribuir a fiscalização da regra
49 que abordagem deve dada às exceções feitas pelo art. 9.° do
da neutralidade;
Marco Civil da Internet — como a relativa aos serviços emergenciais.
No campo da privacidade, as contribuições miraram variados aspectos, dos
quais sobressaem a extensão e a abordagem a ser dada ao tema dos dados ca
dastrais e da possibilidade de sua requisição por autoridades administrativas;
a questão da pertinência de se tratar, no decreto regulamentador, de uma auto
ridade de proteção de dados pessoais,
° ou mesmo a pertinência de o decreto
5
definir dados pessoais ou cuidar do assunto em caráter geral; ou ainda o tópico
relativo a como tratar das sanções previstas no art. 12 do Marco Civil da Inter
net; entre outros aspectos de relevo.
Por sua vez, o tema da guarda de registros suscitou também diversos ques
tionamentos. Um dos principais deles diz respeito a como o Marco Civil da
Internet deve tratar a questão da guarda obrigatória. Aqui, nota-se a influência,
em diversas das contribuições, do estado da discussão na Europa, sinalizando-se a diferença de regime estabelecido pelo Marco Civil da Internet e o en
tendimento firmado pelo Tribunal de Justiça Europeu, que, em 08.04.2014
(às vésperas da aprovação do Marco Civil da Internet), considerou inválida a
Diretiva de Retenção de Dados (2006/24/EC). Também vale destacar, entre os
tópicos discutidos nesse campo temático, o da a forma com que se deve tratar a
questão da possibilidade de requisição de guarda cautelar de dados por “prazo
superior” ao definido nos dispositivos do Marco Civil da Internet.
Por fim, a frente temática restante, englobando outros temas de discussão,
abrangeu questões de jurisdição, isto é, como tratar o art. 11; questões sobre
a necessidade de requisitos objetivos para indicação de conteúdo a ser indis
ponibilizado; bem como a questão, mais técnica, sobre o estímulo ao uso de
formatos abertos.
As repercussões do Marco Civil da internet na sociedade civil, como se vê,
são acentuadas e permanecem ativas. O amplo processo de debate, na esteira da
também um problema de ordem concorrencial, pois em tese apenas empresas capazes
de oferecer vantagens claras ao provedor de acesso à internet conseguiriam fechar
esse tipo de acordo.
49. Se a Anatel, o CGI.br, os dois em conjunto, ou ainda outro modelo de fiscalização,
que deve ser pensado cuidadosamente, de modo que garanta o equilíbrio, pluralidade
e transparência da rede.
50. Tema caro ao anteprojeto de lei de proteção de dados pessoais desenvolvido no ãm
bito do Ministério da Justiça — ao menos pelo que se lê do texto tornado público em
outubro de 2015.
GARCIA, Rebeca. Marco Civil da Internet no Brasil: repercussões e perspectivas.
Revistados Tribunais, vaI. 964. ano 105. p. 161-190. São Paulo: Ed. RL fev. 2016.
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2016
abordagem participativa que marcou a elaboração do projeto de Marco Civil da
Internet, é eloquente. E ele é permeado pelas mais diversas vozes, emitidas por
atores diversos e norteados por interesses e preocupações também diversos.
Mas é preciso ter em vista, também, que o decreto regulamentador começa
a surgir em momento bem diverso do da aprovação do Marco Civil da lnternet
política, social e economicamente. Nesse momento é importante manter o
foco sobre o governo com relação à regulamentação do Marco Civil da Inter
net, e lembrar, também, que não basta um bom decreto; é preciso zelar por
uma fiscalização (boa eficiente).
—
CIvIL
183
PLC 2.498/2015, PLC 4.060/2012.56 E, no Senado: PL.S 131/2014, PLS
176/2014,58 PLS 180/2014, PLS 181/2014,60 PLS 330/2013,61 bem como o PLS
494/2008 (na realidade aprovado e encaminhado à Câmara). Em razão dos
limites de escopo e de fôlego deste artigo, cuida-se, adiante, apenas das princi
pais (não por coincidência as mais polêmicas) destas proposições.
Na Câmara, a proposição atualmente mais polêmica é o PL 215/2015, ape
lidado de “PL espião” no âmbito da sociedade civil epíteto divulgado no
—
—
2.3 Projetos legislativos
O Marco Civil da Internet mal nasceu (de um amplo processo colaborati
vo) e começou a dar os primeiros e importantes passos, e já diversos projetos
de lei foram apresentados, em ambas as casas legislativas, para alterá-lo. Uma
pesquisa no repertório das proposições em andamento no Congresso Nacional
aponta, atualmente, a existência de pelo menos 15 projetos de lei ativos na
Câmara e no Senado. Isso em pouco mais de um ano de vigência da lei, e antes
de editado o seu decreto regulamentador.
Na Câmara, as propostas relacionadas ao Marco Civil da Internet são
as seguintes: PLC 215/2015, PLC 1.547/2015, PLC 1.589/2015, PLC
955/2015,’ PLC 1.879/2015,52 PLC l.331/2015, PLC 2.7l2/2015,
51. O inusitado projeto visa alterar o Marco Civil para proibir membros de Ministério
Público e Magistratura de publicar conteúdos na Intemet ou prover aplicações de
internet.
52. Pretende ampliar a guarda obrigatória de registros para os provedores de aplicações
que permitam a postagem de conteúdo de terceiros (“comentários em blogs, posta
gens em fóruns, atualizações de status em redes sociais ou qualquer outra forma de
inserção de informações na internet”), obrigando a guarda de dados adicionais (no
mínimo nome completo e número de CPF).
53. Pretende modificar o direito de exclusão definitiva de dados, para abranger também
os de morto ou ausente, a requerimento do cônjuge, ascendentes ou descendentes.
54. Busca criar espécie de direito ao esquecimento (mais sinuoso que o conceito já pro
blemático com que doutrina e jurisprudência vêm lidando). Pretende obrigar prove
dores de aplicações “a remover mediante solicitação do interessado, referências a regis
tros sobre sua pessoa em sítios de busca, redes sociais ou outras fontes de informação
na internet” (grifou-se), embora ressalve casos de “interesse público atual na divulga
ção da informação” e relacionados “a fatos genuinamente históricos”, o que, já se vê,
GAROA, Rebeca. Marco Civil da lnternet no Brasil: repercussões e perspectivas.
Revista dos Tribunais. vol. 964. ano 105. p. 161-190. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.
55.
56.
57.
58.
59.
60.
dificilmente minimizará dúvidas, e talvez até as fomente, como a de identificar casos
de interesse público.
O projeto, no mínimo curioso, visa alterar a lei para obrigar os provedores de cone
xão e de aplicação a criarem centros de atenção a usuários compulsivos de serviços
de internet e de redes sociais.
Embora não vise diretamente a alterá-lo, os reflexos sobre o Marco Civil da Internet
são muitos, O projeto estabelece um regime geral para o tratamento de dados pesso
ais, mas um regime, pode-se dizer, flexível, que prevê, entre outras regras, a possibi
lidade de compartilhamento de dados pessoais, “inclusive para fins de comunicação
comercial, com empresas integrantes de um mesmo grupo econômico, parceiros co
merciais ou terceiros que direta ou indiretamente contribuam para a realização do tra
tamento de dados pessoais” (art. 14), e consagra a regra do opt-out para o tratamento
de dados e envio de comunicações comerciais; a autorização prévia seria requisito
apenas para o tratamento de dados sensíveis.
Surgido da CPI da Espionagem, exige prévia autorização judicial e respeito aos direi
tos constitucionais, à Lei 9.296/1996 e aos tratados internacionais de que o Brasil seja
parte para o fornecimento de dados de cidadãos ou empresas brasileiros a organismos
estrangeiros.
Pretende ampliar a proteção da privacidade e reforçar a garantia da neutralidade de
rede, além de ampliar as atribuições do CGI.br. Revoga, por exemplo, incisos do
art. 8.° que asseguram ao usuário o direito a consentir expressa e livremente com a
coleta e uso de seus dados na intemet, e estabelece como direito do usuário o de não
fornecer a terceiros seus dados pessoais. Na tentativa de ampliar o regime protetivo
do Marco Civil da Intemet, pode, na prática, esgarçá-lo ao ponto de torná-lo pouco
praticável.
Propõe, principalmente, restringir o rol de autoridades que podem ter acesso aos
dados do cidadão na internet e prever a possibilidade de recurso contra decisão que
antecipa tutela no âmbito dos juizados.
Trata-se mais propriamente de um projeto de lei de proteção de dados pessoais rela
tado, na CCJ, pelo senador Aloysio Nunes de certa forma próximo do anteprojeto
formulado no âmbito do Executivo.
Outro projeto de lei de proteção de dados pessoais, também relatado pelo senador
Aloysio Nunes.
—
—,
61.
GAROA, Rebeca. Marco Civil da lnternet no Brasil: repercussões e perspectivas.
Revista dos Tribunais. vol. 964. ano 105. p. 161-190. São Paulo: Ed. R1 fev. 2016.
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meadamente por meio de redes sociais, os quais a proposição legislativa visa,
justamente, limitar, O projeto, de fevereiro de 2015, propõe alterar a legislação
penal e o Marco Civil da Internet para punir com maior rigor crimes contra a
honra praticados nas redes sociais. Há ainda dois projetos apensados a este, o
PLC 1.547/201562 e o PLC 1.589/2015.63
Em resumo, o PL 215/2015 vinha tramitando em ritmo significativo e quase
foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania em agosto
quando pediu vista o deputado Alessandro Molon, que teve papel de destaque
na aprovação do Marco Civil da lnternet, como relator do projeto na Câmara.
Após o pedido de vista e a formulação de diversos requerimentos e votos em
separado, somando-se à polêmica e à forte reação gerada na sociedade civil, o
projeto foi retirado de pauta em agosto e depois, novamente, em setembro.
Ainda em setembro, aprovou-se solicitação para realização de audiência públi
ca. E, em outubro de 2015, foi aprovado o parecer do relator, ressalvados os
64
destaques, que foram mantidos, com alguns votos contrários.
—
—
62. Tem por objeto alterar a legislação penal para criar nova causa de aumento de pena
aos crimes contra a honra cometidos online em sites ou por meio de mensagens
eletrônicas difundidas pela internet.
63. Pretende agravar a punição a “crimes contra a honra cometidos mediante disponibili
zação de conteúdo na internet ou que ensejarem a prática de atos que causem a morte
da vítima” possivelmente tendo em mira casos de suicídio estimulado pela divul
gação de conteúdo na internet. Apesar da intenção, a proposição é perigosa, pois, a
pretexto de tornar mais rigorosa a punição de crimes contra a honra na internet, aca
ba por ser demasiado ampla, subvertendo garantias do Marco Civil, essencialmente
a proteção à privacidade e a liberdade de expressão. Uma das regras do projeto é fle
xibilizar a necessidade de ordem judicial para acesso a registros, permitindo simples
requisição “da autoridade competente”.
64. Uma de suas principais disposições, conforme aprovado na CCJC, é a ampliação do
do art. 10, para incluir entre os dados cadastrais “endereço completo, telefone,
§
CPF, conta de e-mail”, que poderão ser requeridos por “autoridades que detenham
competência legal para sua requisição”. Também impõe aos provedores a obrigação de
coletar; obter; organizar e disponibilizar os dados cadastrais, e institui espécie de direito
ao esquecimento, com a possibilidade de requisição judicial de “indisponibilização de
conteúdo que associe seu nome ou imagem a crime de que tenha sido absolvido, com
trânsito em julgado, ou a fato calunioso, difamatório ou injurioso”. Ainda, abre exce
ção à garantia de ordem judicial para acesso aos registros originalmerite mais ampla,
mas que, após a polêmica citada, foi mais contido, permitindo à autoridade policial ou
ao Ministério Público requerer dados cadastrais “no âmbito adequadamente restrito à
investigação, para instruir inquérito policial ou procedimento investigatório instaurado
para apurar a prática de crime contra a honra” na internet (art. 23-A).
—
—
30
—
GAROA,
Rebeca. Marco Civil da lnternet no Brasil: repercussões e perspectivas.
Revista dos Tribunais. vol. 964. ano 105. p. 161-190. São Paulo: Ed. RTfev. 2016.
Por sua vez, no Senado, o principal projeto relativo à disciplina do uso da
internet no Brasil é o PLS 494/2008, oriundo da CPI da Pedofihia. O projeto,
em realidade, foi aprovado no Senado, em julho de 2015, e seguiu para a Câ
mara no início de agosto, onde ainda não teve significativo andamento. Seu
objeto é o de regular forma, prazos e meios de preservação e transferência de
dados mantidos por provedores, para investigação de crimes contra crianças e
adolescentes. Como se percebe de seu escopo, trata-se de ampliação, embora
relativa a crimes contra crianças e adolescentes, à possibilidade de acesso aos
registros guardados por provedores em termos de legitimidade, pois o esten
de a “autoridades públicas”, e também de prazo, pois aumenta o período de
tempo pelo qual os registros de conexão devem ser guardados (de um, como
previsto atualmente, para três anos).
—
Além disso, entre outras medidas, o projeto aprovado no Senado condicio
na a atribuição de endereço IP ao prévio cadastro do destinatário no atribuidor,
que deve conter, no mínimo, nome, firma ou denominação; número de CPF ou
CNPJ e “outros dados que permitam a identificação do código de acesso de
origem da conexão” (art. 40) E obriga o provedor (referido como “fornecedor
de serviço”) a comunicar ao delegado de polícia e ao Ministério Público, em
até 48 horas, “a prática de crime contra criança ou adolescente de que tenha
conhecimento em razão de sua atividade”. Não se sabe, porém, de que outras
maneiras possa ter conhecimento senão por denúncia ou por monitoramento
prévio. Mais ainda, o projeto cria a obrigação de o provedor remover o conteú
do ou desabilitar o acesso a ele, sempre que “notificado por delegado de polícia
ou por membro do Ministério Público”.
O projeto, cuja origem é anterior à aprovação do Marco Civil da lnternet,
foi, porém, aprovado já cerca de um ano após sua entrada em vigor, aparen
temente sem o levar em conta, e sem levar em conta o difícil equilíbrio que a
lei buscou obter, entre a proteção à liberdade de expressão e à privacidade e a
prevenção e investigação de crimes e ilícitos na rede. Esse tipo de proposição
sinaliza que o Legislativo nem sempre está em sintonia com os debates sociais.
E, independentemente do juízo que se faça a respeito das diversas propostas
de lei, chama a atenção o fato mesmo, objetivo, de haver mais que uma dezena
delas destinadas a alterar diretamente (ou com reflexos sobre) o Marco Civil da
Internet. Deve-se, portanto, questionar não apenas o teor e extensão da legis
lação projetada, mas mesmo sua pertinência jurídica e social.
Passada a promulgação, a conquista de uma “Constituição” do ambiente
virtual parece longe de garantida ou consolidada. Não se pode pensar que, pelo
fato de o Brasil ter passado a ser visto como referência, outras leis não serão
GARCIA,
Rebeca. Marco Civil da Internet no Brasil: repercussões e perspectivas.
Revista dos Tribunais. vol. 964. ano 105. p. 161-190. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.
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propostas ou criadas para reformar o Marco Civil da lnternet, não necessaria
mente para melhor. Por isso, é importante observar ativa e atentamente o pro
cesso legislativo continua atual o clássico alerta, de que “o preço da liberdade
6
é a eterna vigilância”.
Mas há também projetos que podem representar avanços, principalmente
no âmbito da privacidade e proteção de dados pessoais, considerando-se o
66 Nesse sentido, destaca-se a
cenário ainda fragmentado com relação ao tema.
aprovação pelo Senado, em outubro de 2015, de dois projetos de reforma do
Código de Defesa do Consumidor.
Eles nasceram da iniciativa de modernizar o Código de Defesa do Consu
midor, de forma a colocá-lo no mesmo passo da nova realidade econômica,
na qual a internet tem papel de destaque. Assim, em 2010 uma comissão de
juristas foi criada para elaborar um anteprojeto de reforma, e, após dois anos
de trabalho, emergiram três proposiçôes sobre três diferentes temas: comércio
eletrônico, crédito e proteção contra o superendividamento e tutela coletiva
(PLS 281/2012, PLS 282/2012 e PLS 283/2012, respectivamente). O PLS 281 e
o PLS 283, que tramitaram em conjunto, seguiram para a Câmara, onde ainda
precisam ser analisados e votados, enquanto o projeto sobre tutela coletiva foi
destacado para tramitar autonomamente, diante da complexidade da matéria,
a exigir mais reflexões.
Embora seu objeto não fosse exatamente a proteção de dados pessoais, o
projeto relacionado ao comércio eletrônico cuida de aspectos da maior rele
vância a esse respeito. De acordo com a versão aprovada no Senado, o Código
de Defesa do Consumidor passa a fazer referência expressa à privacidade e à se
67 e, mais ainda, à autodeterminação
gurança das informações e dados pessoais
—
65. Frase atribuida a Thomas Jeiferson, no classico “A Democracia na América”, de Ale
xis de Tocqueville.
66. Enquanto uma lei de proteção de dados pessoais não se torna realidade, inovações
legislativas pontuais assumem vulto. A esse cenário de atualização do Código de
Defesa do Consumidor veio somar-se o regulamento da L.ei da Meia-Entrada (Dec.
8.537/2015), que proibe a guarda de dados pessoais dos estudantes depois de expira
do o prazo da carteira estudantil, e assegura a proteção de dados pessoais do banco de
dados dos estudantes, além de proibir o uso dos dados pessoais dos estudantes para
fins estranhos ao decreto (art.
67. O projeto altera o Código de Defesa do Consumidor, para prever, entre os direitos
básicos do consumidor, “a privacidade e a segurança das informações e dados pessoais
prestados ou coletados, por qualquer meio, inclusive o eletrônico, assim como o
acesso gratuito ao consumidor a estes e suas fontes”.
4•0)
RAScA, Rebeca. Marco Civil da Internet no Brasil: repercussões e perspectivas.
Revistados Tribunais. voc 964. ano 105. p. 161-190, São Paulo: Ed. RT, tev. 2016.
68 E também fala em segurança do sistema
e à privacidade de dados pessoais.
informação,
impondo
ao fornecedor o dever de informar imediatamente,
de
autoridades e consumidores afetados, sobre o vazamento de dados ou compro
69
metimento de segurança do sistema.
O projeto também estabelece restrições ao envio de mensagem eletrônica
não solicitada (spam) e ao compartilhamento de dados pessoais, proibindo o
compartilhamento ou qualquer forma de transferência de dados pessoais sem
o consentimento expresso e informado do titular dos dados a prática, aliás,
passa a ser tipificada como crime de consumo.
° Exceção é feita, porém, a for
7
necedores integrantes de um mesmo grupo econômico.
’
7
Por fim, o projeto alinha-se ao princípio da finalidade -ao estabelecer que as
informações a serem prestadas pelo consumidor, na aquisição de produto ou
serviço no comércio eletrônico, sejam compatíveis e, mais ainda, necessárias
para esse fim, indispensáveis à conclusão do contrato informações adicionais
têm, segundo o texto, caráter facultativo, “devendo o consumidor ser previamente avisado dessa condição” 72
—
—
3.
CONCLUSÕES
O caminho trilhado pelo Marco Civil da Internet, embora ainda curto sob
o ponto de vista cronológico, é amplo e tem diante de si um horizonte igual-
68. Já no início da nova seção (e-commerce): “Art. 45-A. Esta seção dispõe sobre nor
mas gerais de proteção do consumidor no comércio eletrônico e a distância, visando
fortalecer a sua confiança e assegurar sua tutela efetiva, mediante a diminuição da
assimetria de informações, a preservação da segurança nas transações e a proteção da
autodeterminação e da privacidade dos dados pessoais” (grifo nosso).
69. Art. 44-D do PL 281, conforme aprovado no Senado.
70. Art. 72-A do mencionado projeto.
71. Art. 45-F do referido projeto, que exige ainda ao fornecedor que informe ao destinatário,
em cada mensagem enviada, o modo como obteve seus dados entre outras informações.
72. Art. 44-G do projeto. Não fica claro, porém, o regime aplicado a informações que não
sejam indispensáveis à conclusão do contrato bastaria avisar o consumidor, ou seria
preciso, avisando-o, obter específica autorização? Seria possível que o consumidor,
dado o caráter facultativo das informações adicionais, se recusasse a prestá-las sem
deixar por isso de adquirir ou utilizar o produto ou serviço? O projeto ainda nem
passou pela Câmara, ejá são diversas as questões. Mas, a julgar pela principiologia do
sistema de proteção do consumidor e de dados pessoais, em que relevam informação,
consentimento e finalidade, possíveis respostas parecem apontar para postura mais
cautelosa do fornecedor, no sentido de avisar de maneira clara o consumidor e obter
seu consentimento com relação às informações adicionais.
—
—
GASCIA, Rebeca. Marco Civil da lnternet no Brasil: repercussões e perspecttvas.
Revista dos Tribunais. vol. 964. ano 105. p. 161-190. São Paulo: Ed. RT, fev. 20 6.
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mente amplo. As conquistas foram diversas, a começar pela aprovação da lei
mantendo essencialmente o texto construído ao longo de um processo partici
pativo que lhe deu mais cores de legitimidade. Mas, pelo que se viu, o terreno
a se caminhar com relação ao uso da internet no Brasil pode ainda se revelar
bastante acidentado.
Nesse cenário, é fundamental não apenas examinar atenta e criticamente
as repercussões da lei nos mais variados âmbitos, mas, sobretudo, empreender
um esforço de amadurecimento, manter ativos os canais de comunicação e
debates, buscar sensibilizar (e educar a esse respeito) não apenas academia
e sociedade civil, mas também magistrados, responsáveis pela aplicação e in
terpretação da lei aos casos concretos objeto de disputa. Além disso, não se
deve descurar da atenção aos movimentos no âmbito legislativo nem sempre
positivos.
Os avanços do Marco Civil da Internet, portanto, são muitos e notáveis,
73
mas os desafios também se apresentam, e eles não são poucos nem ligeiros.
abertura
a
para
em
aberto:
questões
as
diversas
ainda
são
apontou,
Como se
ou
ain
pessoais)
dados
leis ainda não promulgadas (como a lei de proteção de
da não reformadas (como a lei de direito autoral); a responsabilidade civil de
intermediários; o equilíbrio entre liberdade de expressão e exigências de segu
rança e combate a ilícitos; a geração de lucros com a exploração econômica de
produtos e serviços no meio digital e a garantia de inovação e crescimento sus
tentável da rede; a ampliação do acesso e a garantia do acesso a uma internet
de fato aberta e livre; e assim por diante. Também não custa lembrar: o Marco
Civil da Internet não é uma lei de proteção de dados pessoais, nem pretende
sê-lo de maneira que, também nesse campo, permanece sem solução uma
série de questões importantes.
Em síntese, o Marco Civil da Internet sinaliza a importância de um marco
regulatório. Com efeito, é possível haver espaço para que regulaçâo e autorre
gulação convivam, em complementaridade não à toa, o próprio Marco Civil
da Internet faz referências à adoção e estímulo de boas práticas. Não se pode
depositar a confiança apenas na legislação, especialmente quando se leva em
consideração a velocidade e intensidade das mudanças tecnológicas. Pode-se,
por exemplo, combinar um sistema de regras e princípios gerais, deixando-se
uma porta aberta também para a autorregulação, principalmente com relação
a temas mais concretos.
A questão, em suma, não é “ser anti-regulação. Mas precisamos decidir que
tipo de regulação queremos” Como aponta Pierre Lévy a propósito da ciber
cultura, “a verdadeira questão não é ser contra ou a favor, mas sim reconhecer
as mudanças qualitativas na ecologia dos signos, o ambiente inédito que resul
ta da extensão das novas redes de comunicação para a vida social e cultural”
Ou seja, a internet não é intrinsecamente ruim ou boa; importa considerar o
uso que se faz dela, o alcance que a ela se dá. E, a julgar pelo processo parti
cipativo com conduziu à construção do projeto do Marco Civil da lnternet, a
regulação que se quer para o uso da internet é uma que busque preservar os
direitos fundamentais e os de personalidade dos usuários, bem como uma in
ternet aberta, livre, descentralizada.
O Marco Civil da Internet foi um passo fundamental, embora deixe ainda
questões por discutir e resolver. Mas não foi, nem pode sê-lo, um passo mágico.
Adaptando-se a reflexão de Pierre Lévy; não se deve achar que a lei vá resolver,
“em um passe de mágica, todos os problemas culturais e sociais do planeta”; o
que se deve é apenas reconhecer “que estamos vivendo a abertura de um novo
espaço de comunicação, e cabe apenas a nós explorar as potencialidades mais
76
positivas deste espaço nos planos econômico, político, cultural e humano”.
73. Nesse contexto, a realização do décimo Fórum de Governança da Internet (Internet
Governance Forum IGF), em novembro de 2015, no Brasil, foi da maior relevância
para apontar problemas e possíveis caminhos, para estimular e produzir debates e,
sobretudo, diálogos de alto nível, entre participantes dos mais variados setores e pa
íses, servindo para decidir ou ao menos avançar questões importantes na construção
de políticas públicas.
74. “l’m not anti-regulation. But we need to decide what kind of regulation we want”
(Cory Doctorow. Information doesn’t want to befree: laws for the Internet age. S. Fran
cisco: McSweeney’s, 2014. p. 161).
75. Pierre Lévy Op. cit., p. 12.
76. PierreLévy Op. cit., p. 11.
—
.
.
4.
BIBLIOGRAFIA
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GAROA, Rebeca. Marco Civil da Internet no Brasil: repercussões e perspectivas.
Revistados Tribunais. vol. 964. ano 105. p. 161-190. São Paulo: Ed. RT, fev. 2016.
CRUZ, Francisco C. de Brito; MARCHEZAN, Jonas Coelho; SANTOS, Maike Wile dos.
O que esta em jogo na regulamentação do Marco Civil da Internet? Relatório
final sobre o debate público promovido pelo Ministério da Justiça para a regula
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190
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50
PuNITIvE DAMAGES NO DIREITO BRASILEIRO
Punitive damages under the Brazilian Iaw
LUCIANA DE GODOY PENTEADO GA1-I-AZ
Especialista em Responsabilidade Civil pela Escola
de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP). Mestranda em Direito Comercial
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Advogada.
[email protected]
Civil
ÁREA DO DIREITO:
O presente artigo tem por objetivo
proporcionar uma maior reflexão a respeito da
aplicação da doutrina dos punitive damages no
direito brasileiro, especificamente no que con
cerne à vedação legal do enriquecimento sem
causa. Como no Brasil parte da jurisprudência
e da doutrina tem defendido a aplicação desse
instituto aos casos em que há dano moral, desde
que não se constitua o enriquecimento sem cau
sa da vítima, buscou-se verificar, com o auxílio
da jurisprudência norte-americana em que o
instituto tem se desenvolvido com maior pro
fundidade se seria possível encontrar teorias
ou argumentos aceitáveis pelo ordenamento
jurídico nacional, permitindo a aplicação dos
punitive damages sem que se alegue o enrique
cimento sem causa da vítima.
RESUMO:
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$
h1I
Veja também Doutrina
Punitive Damages Enriqueci
mento sem causa Dignidade da pessoa huma
na Interesses sociais Prevalência.
PALAVRAS—CHAVE:
• A Lei 12.965/2014 O Marco Civil da Internet, de Marcos Alberto Sant’Anna Biteili
RDCom 7/291-333 (DTR\2014\8228); e
• Comentários ao Marco Civil da lnternet Lei 12.965, de 23 de abril de 2014, de Juliano
Madalena RDC 94/329-350 (DTR\201 4\8979).
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The main purpose of this article is
to provide a wider reflection over the use of
punitive damages in the Brazilian legal system,
specifically concerning the prohibition of
unjustified enrichment (windfall). Considering
that in Brazil part of the jurisprudence and
doctrine has been defending the use of such
legal institution to case-laws of moral damages,
provided that victim’s windfall does not occur,
the research tried to verify, with the assistance
of the north American jurisprudence by which
such legal institution has been developed in
depth if it wouíd be possible to find theories
or arguments acceptable by the Brazilian legal
system permitting the use of punitive damages
without causing windfall.
ABSTRACT:
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Punitive Damages Windfall Human
Social interest Prevalence.
KEYWORD5:
dignity
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Introdução 1. A reparação civil do dano moral no direito brasileiro. Breves con
siderações 2. A doutrina dos punitive damages (indenização punitiva) 3. Vedação ao
enriquecimento sem causa 4. Punitive damages e a jurisprudência nacional. Aplicação
restrita ou inócua?: 4.1 Jurisprudência selecionada; 4.2 Uma aplicação restrita’ dos puni—
tive damages 5. Os Ieading cases norte-americanos Referências.
SUMÁRIO:
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GAROA, Rebeca. Marco Civil da Internet rio Brasil: repercussões e perspectivas.
Revistados Tribunais. vol. 964. ano 105. p. 161-190. São Paulo: Ed. RT, tev. 2016.
—
GArrAz, Luciana de Godoy Penteado. Punitivo damages no direíto brasileiro.
Revista dos Tribunais. vol, 964. ano 105. p. 191-214. São Paulo: Ed. RI, fev. 2016.
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