Edição número 12 - Revista o Professor
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Edição número 12 - Revista o Professor
Entrevista: “O Ensino a Distância vem com uma única preocupação: o dinheiro”, declara Professor Aloísio Alves da Silva SINPRO - Sindicato dos Professores do ABC Edição nº 11 Ensino @ Distância Avanço ou retrocesso? Revista do Professor - SINPRO ABC 1 2 Revista do Professor - SINPRO ABC SINPRO - Sindicato dos Professores do ABC Edição 11 - 2009 Educação 05 Além da lousa, do lápis e da caneta.................. Entrevista 08 Professor Aloísio Alves da Silva .................. E mais... Afinal, a reforma ortográfica, por Clarice Assalim.................................................... 12 Comportamento: Qual sua qualidade de vida hoje?............................................... 15 O Pré-Sal é nosso............................................................................................................. 18 Quanto custa salvar o planeta?.................................................................................... 20 A catástrofe nos cursos de Letras, por Marcos Bagno.............................................. 22 EaD no Ensino Médio. Um passo para trás?............................................................... 23 Revolução Chinesa e Revolução Cubana, por José Rodrigues Maó Jr...................27 O centenário de Carmen Miranda............................................................................... 33 Fórum Social Mundial de Belém ..........................................................................35 e 37 Revista do Professor - SINPRO ABC 3 Editorial Revista do Professor, nova fase O SINPRO ABC apresenta a primeira revista eletrônica: a nova Revista O Professor. A partir de agora, a categoria contará com duas publicações impressas e duas eletrônicas, que esperamos venham efetivar a interação que sempre buscamos com nosso leitores. A cada revista construímos um caminho que nos remeta para a produção materiais que possam ser adequados pelo professor às suas necessidades, quer profissionais, quer pessoais, quer político-sociais. Assim temos nos pautado e conduzido durante a elaboração de todo o material produzido, focamos, sempre, no professor, em seus anseios, em sua sala de aula. A presente edição nos traz discussões relevantes e interessantes sobre saúde, economia, política, cultura, entre outros assuntos. Transitamos pela EaD no Ensino Médio, iniciativa que muito nos preocupa; pelo alerta sobre os cursos de Letras; pelo pré-sal; pela qualidade de vida; pela questão ambiental, que temos discutido em todas as nossas publicações; pelo novo Acordo Ortográfico e as implicações de sua implementação; pelo formato de nossas aulas e nossa visão de educação. Enfim, reunimos informações que atuarão na prática diária do professor, possibilitando a reflexão, integrando-se à formação de cada profissional da Educação. Esperamos que você, professor, participe deste processo de construção, opine, envie sugestões, interaja através do site do sindicato, para que cada vez mais possamos satisfazer suas expectativas, disponibilizando materiais de seu interesse, que possam, de alguma forma facilitar seu trabalho e valorizar sua profissão. Revista do Publicação do Sindicato dos Professores de Santo André, São Bernardo e São Caetano Ano IV - Número 11 - 2009 - ISSN 1807-7994 - SINPRO ABC - Gestão 2007/2011 Diretoria Executiva: Aloisio Alves da Silva, Célia Regina Ferrari, Denise Filomena L. Marques, José Carlos Oliveira Costa, José Jorge Maggio, Nelson Valverde Dias e Paulo Roberto Yamaçake Presidente: Aloisio Alves da Silva Diretora de Imprensa: Denise Filomena L. Marques Edição e reportagem: Mayra Monteiro - MTb 47.135 4 Revista do Professor - SINPRO ABC Projeto Gráfico e diagramação: Mayra Monteiro e Israel Barbosa Capa: Israel Barbosa Tiragem: 4.000 exemplares SINPRO ABC - Rua Pirituba, 61/65 - Bairro Casa Branca - Santo André CEP 09015-540 - São Paulo www.sinpro-abc.org.br • [email protected] Educação Ensino além da lousa, do lápis, da caneta... Desempenho em sala de aula pode ser potencializado com atividades corporais A receita é a mesma há anos. Alunos sentados nas carteiras e os focos devem ser somente a lousa e o caderno. Aquele que resolve levantar, caminhar pela sala ou fazer qualquer outra coisa “fora da cadeira” certamente será repreendido com um sonoro “não atrapalha, sossega, senta e presta atenção na aula!”. Parece que o modelo das escolas julga que o aluno é composto somente pela cabeça (e mãos para copiar e escrever). E, assim, perguntamos: onde fica o corpo nessa história? A atriz e professora de dança e teatro, Letícia Olivares, faz um importante alerta para os professores e administradores de escola: “Infelizmente, o modelo de alunos estáticos, sentados e olhando para frente ainda é um modelo de disciplina considerado ideal nas salas de aula. Porém, é prejudicial tanto para a apreensão do conhecimento, quanto para ao posicionamento corporal dos alunos, que muitas vezes não adotam uma postura correta (apoiar-se sobre os ísquios, manter a coluna ereta, apoiada no encosto da cadeira, pés apoiados no chão)”. Por outro lado, o que podemos observar são alunos cada vez mais sedentários, aficionados por vídeo games e computadores, que aproveitam as horas vagas para fazer... nada! Com esse sedentarismo, outros problemas também surgem e podem comprometer a saúde e o desempenho escolar dos estudantes. “Os alunos estão mais sedentários e com isso os problemas vão aparecendo, como, por exemplo, a obesidade”, destaca a professora de Educação Física, Samantha Freitas. “Mas ainda podemos perceber que a parte motora das crianças está cada vez mais prejudicada, pois atividades que eram praticadas antigamente, como correr, saltar e andar de bicicleta na rua, hoje, já não acontecem com tanta frequência”, completa Samantha. Revista do Professor - SINPRO ABC 5 O esporte na educação falar na concentração, fundamental para um bom aprendizado”. Com atividades esportivas, a postura também será corrigida e, além do benefício escolar, trará melhoras na saúde dos alunos. Mas cuidado: para cada fase de desenvolvimento motor, há um tipo de exercício recomendado. “É preciso respeitar a faixa etária e o desenvolvimento individual de cada criança”, ressalta Samantha, “aos pais e professores, cabe destacar que não devem comparar as crianças, exigindo que todas apresentem os mesmos resultados, pois cada um tem seu tempo para aprender, sua individualidade”. O sentimento de liberdade é uma boa forma de estimular os alunos ao aprendizado. Agregar movimentações corporais aos ensinamentos traz mais descontração às aulas e o conhecimento vem juntamente com o prazer de uma brincadeira. “Os professores podem otimizar o tempo dentro da sala, propondo uma boa espreguiçada, junto com bocejos sonoros, para ‘acordar’ o corpo antes do início da aula. Também deve contar com sua sensibilidade e propor pausas quando os alunos começam a ficar inquietos nas cadeiras, fazendo com que levantem e façam movimentos de balanço com os “Infelizmente, o braços soltos em torno do corpo, modelo de alunos espreguicem novamente e voltem estáticos, sentados e a sentar”, sugere a atriz e professora olhando para frente Letícia Olivares. ainda é um modelo de Para a Samantha, os esportes disciplina considerado também funcionam como uma ótima ferramenta para auxiliar na ideal nas salas de aula. Porém, é prejudicial fase escolar, uma vez que aumentam a consciência corporal de quem os tanto para a apreensão do conhecimento, praticam.“A concentração e a destreza, ambos trabalhados com esportes, quanto para ao são habilidades que a criança levará posicionamento para seus aprendizados futuros”, corporal dos alunos, explica a profissional da Educação que muitas vezes não Física, “por exemplo, para escrever, é adotam uma postura necessária uma coordenação fina que correta" o esporte auxilia a desenvolver. Sem 6 Revista do Professor - SINPRO ABC aula Atuando na sala de Com criatividade, as artes cênicas também são ferramentas que podem ser exploradas dentro do ambiente escolar. “A contribuição das artes cênicas implica em um trabalho sobre potencialidades, ou seja, o que cada um tem como potência a ser despertada e trabalhada”, comenta Letícia, “isso gera apropriação de si, maior autoconfiança e autoestima, habilidades de comunicação, percepção sensorial, agilidade física e mental, posicionamento ético, desenvolvimento de percepção estética, capacidade de trabalho em equipe, de liderança, de improvisação, de empatia, entre outras que refletem em um indivíduo/cidadão mais consciente das relações possíveis entre si e o mundo e de seu papel na sociedade”. Comoteatro, osalunosvivenciam experiências que contribuirão nas formações acadêmica e social da cada um. Isso ocorre porque a arte refina conceitos de interpessoalidade, trabalho em equipe, habilidades motoras, melhora na dicção, oratória, entre outros. Para os professores e outros trabalhadores, a teatralidade também tem muito a contribuir na desenvoltura durante a execução das atividades profissionais. Letícia Olivares apresenta algumas declarações de diversas pessoas que, de alguma forma, atrelaram os conceitos aprendidos em aulas de teatro com a rotina de trabalho. em disposição diferenciada, como no chão; “É preciso que o - Representação teatral para professor também explicação de passagens históricas; tenha uma percepção - Para a socialização, em corporal de si e dos fila indiana, os alunos massageiam outros, e perceba as costas e nuca uns dos outros, que o corpo não é trocando de lado ao comando do uma máquina, mas professor. Essa atividade promove sim um sistema que o toque e quebra de barreiras. Com adolescentes, esse tipo de atividade está o tempo todo depende muito da habilidade do interagindo com o professor em conduzir, pois nessa ambiente, com as condições climáticas, fase, as brincadeiras maliciosas com o humor, enfim, servem de proteção para o contato é uma presença viva físico. Como alternativa, pode-se aplicar jogos que utilizam conceitos e interativa e não um cooperativos, como levantar e falar robô condicionado em alto e bom som, uma qualidade a falar na frente da de alguém, a classe tenta adivinhar lousa ou ficar sentado, quem é, e assim sucessivamente, até estático e ouvindo, no todos terem dito alguma qualidade caso dos alunos” dos colegas. Também, pode-se pedir que a pessoa demonstre corporalmente as qualidades que “Aprendi a prontidão, a disciplina, o silêncio e foram listadas; o riso na hora certa. Tive ciência do quanto vivemos - Para ansiedade, nada melhor do que o dia-a-dia sem estarmos em cena, realmente. respirações profundas. O professor pode sugerir O despertar e a consciência foram os resultados que os alunos fechem os olhos, coloquem as mãos imediatos dos exercícios que foram desenvolvidos, sobre a barriga e tentem empurrar as mãos com e não desaprenderei mais” - Kátia Regina R. Martin, o ar levado até o baixo ventre, procurando um administradora de empresa preenchimento de ar de toda a caixa torácica e não apenas do peito; “O teatro abriu muitos caminhos na minha - Para desenvolver uma abordagem solidária, vida particular e profissional, como soltura corporal, pode-se vendar os olhos de grupos de cinco criatividade, alegria, amizade, cumplicidade, alunos e outro, sem venda, ficará responsável reconhecimento e descontração” - Cristina Saghy por guiar o grupo organizado em fila indiana, em Kassab, professora do Ensino Fundamental deslocamentos pelo espaço, cuidando para que ninguém se machuque. Todos devem passar pela Sugestões experiência de guiar e ser guiado; Atendendo a pedidos da Revista O Professor, - Mais sugestões podem ser encontradas nos a atriz e professora, Letícia Olivares, dá algumas livros de Viola Spolin, como Jogos Teatrais na Sala sugestões de atividades que os professores possam de Aula. aplicar durante as aulas e transforma-las em Mas para que o bom resultado seja observado, momentos divertidos e mais proveitosos. Letícia alerta: “é preciso que o professor também - Jogo rápido de sentar e levantar: Pode ser tenha uma percepção corporal de si e dos outros, articulado com o conteúdo da matéria trabalhada, e perceba que o corpo não é uma máquina, mas como por exemplo, em uma aula de Português, sim um sistema que está o tempo todo interagindo verbos são o comando para levantar e substantivos com o ambiente, com as condições climáticas, com para sentar. Sentar quando as afirmações forem o humor, enfim, é uma presença viva e interativa corretas e levantar nas incorretas na aula de História, e não um robô condicionado a falar na frente da Geografia ou outras disciplinas; lousa ou ficar sentado, estático e ouvindo, no caso - Debates em círculos, com os alunos sentados dos alunos”. Revista do Professor - SINPRO ABC 7 Entrevista "O Ensino a Distância vem com uma única preocupação: dinheiro" Israel Barbosa 8 Revista do Professor - SINPRO ABC O professor Aloísio Alves da Silva, presidente do Sindicato dos Professores do ABC, é o primeiro entrevistado da Revista O Professor versão online. Em pauta, movimento sindical, educação, Ensino a Distância e muito mais. Assista a íntegra da entrevista em www. revistaoprofessor.com.br Revista O Professor – O SINPRO ABC existe há mais de 20 anos, mas muitos professores não conhecem a estrutura e como funciona um sindicato. Conte para os docentes um pouco da história do SINPRO ABC e qual papel na vida dos professores da base. Professor Aloísio – Tem que participar! Aliás, essa é uma crítica que nós fazemos a boa parte de nossa base, pois entendemos que o sindicato, na verdade, é todo o conjunto. Hoje temos algo em torno de quatro mil associados e diria que, nesse universo, um terço é somente no Ensino Superior. Já sentimos, um pouco, uma participação maior, que tem ampliado, talvez até pelo trabalho que estamos executando. Hoje temos uma videoteca, que tem trazido muito o professor até o sindicato, temos diversas atividades, congressos, a Jornada Pedagógica para os professores da rede Sesi/Senai, que tem contado com uma participação muito grande. Mas ainda gostaríamos de contar com uma participação maior, principalmente na campanha salarial. Professor Aloísio – Primeiramente quero agradecer por essa iniciativa e ressaltar a importância desse trabalho novo que o Sindicato está começando. É uma honra ser o primeiro entrevistado. A importância do SINPRO ABC nos três segmentos que representamos, Ensino Básico, Sistema S (Sesi/Senai) e também o Ensino Superior, dá-se no sentido de garantias de direitos trabalhistas e de condições "A importância do de trabalho ao professor. Destacamos, OP – Resumidamente, qual SINPRO ABC nos principalmente, que antes da é a principal vantagem em ser um três segmentos que existência do SINPRO ABC, o professor professor sindicalizado? representamos, Ensino tinha seu contrato regido única e Básico, Sistema S exclusivamente pela CLT e não havia Professor Aloísio – A primeira recebimento de hora-atividade, que (Sesi/Senai) e também questão é no sentido de fortalecer o Ensino Superior, é um valor pago para a preparação a luta do Sindicato, no que se refere dá-se no sentido de de aulas. Entendemos que ainda é à própria manutenção e ampliação garantias de direitos um percentual muito baixo, mas, dos direitos. A categoria tem que trabalhistas e de antes, nem esse percentual existia. entender que, quanto maior o Buscamos, a cada ano, a ampliação condições de trabalho número de associados, mais forte o desse índice, como já aconteceu Sindicato fica em suas campanhas ao professor" na rede Sesi/Senai, que não tinha de negociações pela garantia dos nada e hoje recebe 15% de horadireitos. Segundo lugar, tem a questão atividade. Antes, também, não havia o pagamento daquilo que o Sindicato oferece aos associados, do descanso semanal, garantia semestral de salário como o Departamento Jurídico, as várias atividades etc. Hoje, graças ao Sindicato e a Convenção promovidas pelo Sindicato, estamos em fase de Coletiva, nós asseguramos valores consideráveis conclusão da nossa primeira turma do Curso de aos professores. Libras (desenvolvida na sede do SINPRO ABC), temos Como é que o Sindicato chega ao professor? diversos convênios de grande importância. Aquilo O Sindicato chega ao professor principalmente que ainda não conseguimos avançar na Convenção através das visitas. Acredito que somos um dos Coletiva, oferecemos através dos convênios. poucos sindicatos que têm um trabalho de estar Destaco a parte de lazer, que é fundamental na vida constantemente no local de trabalho daquele do trabalhador/professor. Estamos em processo de que ele representa. Boa parte dos sindicatos implantação, até o final de março deve estar tudo só se aproxima dos professores ou de outros certo, de convênios na parte médica e odontológica trabalhadores de outras categorias em momento a todos os associados. de campanha salarial. Pelo contrário, nós estamos Os não-associados às vezes falam assim: “o constantemente em contato com os professores Sindicato não faz nada por mim”. Faz sim, faz muito, nos locais de trabalho. através da Convenção Coletiva. O professor que não é associado ao Sindicato tem que entender que OP – Por outro lado, os professores também a Convenção Coletiva lhe garante direitos e essa devem participar das atividades do sindicato... luta, quando assinamos a Convenção, não é para o associado, é para toda a categoria. Nossa base Revista do Professor - SINPRO ABC 9 está em torno de 7 mil professores, incluindo os três segmentos que representamos – Ensino Básico, Sistema S e Ensino Superior -, e nas Convenções Coletivas estão garantidos os nossos direitos. Inclusive assinamos Convenções Coletivas válidas por dois anos, que garantem nossos direitos. OP – Como a atual diretoria foi escolhida? Qual foi a participação dos professores da base na escolha dos professores que os representariam no SINPRO ABC? o Sindicato tem feito aos mantenedores das escolas? Professor Aloísio – Nossa principal reivindicação está associada, principalmente, à questão da valorização através do salário e, também, das condições de trabalho. Hoje notamos a precarização nas relações de trabalho - diga-se de passagem se dá em todos os setores e não somente na educação, como nos bancários, na saúde etc. O trabalho do Sindicato vem no sentido de fiscalizar, durante as visitas que falei anteriormente, quando falamos com os professores se está havendo ou não o respeito à Convenção Coletiva. Pela Convenção, nós entendemos que é um mecanismo de tentar limitar ou inibir essa ação de desrespeito e de valorizar o professor. Esse é um momento que enfrentamos uma série de dificuldades, no Ensino Superior particularmente, devido à política agressiva de algumas instituições para ganhar mercado. Essa luta para ganhar mercado acaba precarizando as relações e condições de trabalho. Professor Aloísio – É um Sindicato democrático. A composição da diretoria se dá, primeiro, através de uma convenção em que os professores são chamados para participar. Depois é aberto o processo para a formação de chapas. Vale destacar que não houve a formação de uma chapa de oposição, o que culminou em uma chapa única. Essa chapa única foi legitimada pelos professores, que participaram do processo eletivo da atual diretoria. Tivemos mais de 94% dos professores votando na diretoria que compõe, hoje, o SINPRO ABC e dirigirá de 2008 até 2011, em um mandato de quatro anos. "A categoria tem que Vale ressaltar a participação dos entender que, quanto maior o número de professores dos três segmentos, associados, mais inclusive dos aposentados. OP – O Sindicato defende a valorização do trabalho do professor. Atualmente, quais são as principais reivindicações que 10 Revista do Professor - SINPRO ABC forte o Sindicato fica em suas campanhas de negociações pela garantia dos direitos" OP – Esse é o lema da campanha “Educação não é mercadoria”... Professor Aloísio – Educação não é mercadoria, porque infelizmente os mantenedores têm encarado a educação como uma mercadoria como outra qualquer, haja vista um seminário que foi realizado por eles na segunda-feira (09/03/09), no qual participei como ouvinte, e destacaram justamente que não há preocupação focada na qualidade, mas, sim, para manter os rendimentos. O que mostra, portanto, que mantenedor de instituição do ensino particular tem a preocupação central em termos de valores e não exatamente na qualidade de ensino, que nós do Sindicato defendemos. OP – Por falar em qualidade de ensino, qual sua opinião sobre Ensino a Distância, tanto no nível Médio como no Ensino Superior? que, primeiro, o aluno do Ensino a Distância requer maior disciplina, maior responsabilidade, e no Ensino Médio, acredito, que ainda não tenha essa maturidade para tal. Está ligado à própria formação do cidadão. É preciso entender que a escola está ligada à formação da cidadania e quando se coloca esse ponto no Ensino a Distância, avaliamos que fica complicado. A obrigatoriedade do ensino das disciplinas Sociologia e Filosofia gerou um grande problema, não só na rede privada, como também na rede pública, já que houve uma confusão a respeito da implantação e adequação da grade curricular dessas disciplinas, e, então, uma das soluções foi “jogar” essas disciplinas para o Ensino a Distância. Nós entendemos que é prejudicial, sim, para a qualidade de ensino. Professor Aloísio – O Ensino a Distância, em sua proposta inicial, é preciso ponderar de duas formas. O Brasil é um país com dimensão continental. Para a população do Norte, CentroOeste ou interior do Nordeste do país, em que OP – Professor, para finalizar, deixamos muitos alunos, de fato, não têm acesso à educação, aberto o espaço para fazer suas considerações principalmente no Ensino Superior, essa proposta finais aos professores. é interessante por permitir que esse cidadão, que acaba sendo excluído, passe pelo processo de Professor Aloísio – O professor da base, inclusão. Porém, nos grandes centros, onde nós como um todo, tem que entender que o Sindicato estamos – região metropolitana de São Paulo e não é um espaço físico, o Sindicato não é apenas do Rio, por exemplo – com a polarização, você diretoria. O Sindicato, na verdade, somos todos nós. acaba encontrando faculdades em É como uma grande construção, em cada esquina, veja em Santo André "O professor da base, que cada tijolo tem sua importância. e São Bernardo. Nesse caso, por O Sindicato é isso: cada professor tem como um todo, tem que vem o Ensino a Distância? O sua importância, seja quando vem que entender que Ensino a Distância vem no Ensino ao Sindicato pegar uma informação, o Sindicato não é Superior com a única preocupação quando traz uma denúncia, pois um espaço físico, o de dinheiro. Então, volto à questão do através das denúncias que o Sindicato seminário do dia 09/03/09: a solução Sindicato não é apenas pode agir. O professor, ao se filiar, apontada para a crise, inclusive pelo diretoria. O Sindicato, fortalece nossa luta. Sei que, na na verdade, somos próprio palestrante contratado pelo questão financeira, ninguém gosta todos nós. É como uma de pagar impostos, ninguém gosta de Semesp, está em reduzir custos. Onde podemos ter essa possibilidade? grande construção, em contribuir, até considerando o estado que cada tijolo tem Pela EaD e cursos modulares. Não se que o país vive hoje, mas para manter discutiu a qualidade de ensino nesse sua importância" uma estrutura, inclusive essa revista, seminário. O que chama atenção é requer recursos financeiros. Vou isso: você ter alguém que acha que insistir: às vezes o pessoal pensa “o que faz um grande trabalho pelo Brasil, que é esse o eu ganho ao me filiar?”: Você ganha fortalecimento discurso do sindicato patronal desse segmento, mas da instituição, exatamente para garantir seus que a única preocupação é exatamente o dinheiro. direitos através de nossas Convenções Coletivas. Então, o Ensino a Distância, nesse viés, tem Então, o que a gente deixa de mensagem é sua importância para algumas regiões no Ensino ‘você que é professor, é SINPRO ABC’. Diga sempre Superior, mas, nas grandes metrópoles, eu vejo que ‘sim’ para o SINPRO ABC, junte-se a nós e vamos a única preocupação daqueles que estão usando é fortalecer nossa luta. na questão de ser mais lucrativo. Basta ver o número de alunos que apenas um professor pode atingir. No Ensino Médio, a avaliação que nós temos Para assistir a entrevista com o professor no Sindicato é totalmente contrária. Entendemos Aloísio, acesse www.revistaoprofessor.com.br. Revista do Professor - SINPRO ABC 11 Educação “Afinal, estamos de Acordo!” O (novo) Acordo Ortográfico” Por Clarice Assalim* A s mais estranhas compreensões sobre o Acordo Ortográfico podem ser encontradas na imprensa falada e escrita: que agora a língua está unificada, que agora cada um pode escrever como quiser, que Portugal abriu mão da sua identidade e soberania por causa do Acordo, e por aí vai. Estas compreensões mostram, por um lado, o quão pouco as questões conceituais da(s) língua(s) são compreendidas por amplos setores da sociedade (por exemplo, a diferença entre ortografia e língua), mas ao mesmo tempo mostra como se expressam as posições políticas, no atual momento histórico, no julgamento das ações sobre a(s) língua(s). O livro “Afinal, estamos de Acordo!”, publicado pela editora Porto de Ideias, trata do Acordo Ortográfico inserindo-o em um contexto histórico e político, fato que permite entender melhor as mudanças em curso e avaliar a importância da unidade ortográfica para o letramento dos cidadãos dos vários países da CPLP, para a circulação de materiais escritos e para a nova e crescente presença da língua portuguesa no mundo. Traz a público a discussão de que várias outras modificações já ocorreram 12 Revista do Professor - SINPRO ABC anteriormente na forma de escrever a língua portuguesa, constituindo-se a reforma ortográfica, portanto, um índice das mudanças históricas nas sociedades humanas em que uma determinada língua é falada. Trata-se, consequentemente, de um ato desprovido de dramaticidade, e que não traz sobressaltos nem provoca catástrofes. Não é, de certo modo, algo novo, embora possa parecer, num país em que mesmo fatos ocorridos há apenas 37 anos (a reforma ortográfica de 1971, por exemplo) desaparecem rapidamente da memória de muitos. As mudanças ortográficas ocorrem por causa das grandes ideologias que dominam os Estados dos quais estas línguas são oficiais ou nacionais. É o caso da etimologização da ortografia a partir do século XVI, para dar um exemplo, na sequência da ascensão da nova classe burguesa mercantil – o chamado ‘Renascimento’ – que valorizava a antiguidade clássica exatamente para que ela se constituísse num contraponto ao domínio medieval do catolicismo. O Acordo Ortográfico, cujo principal propósito é a unificação da grafia da língua, é completamente coerente com a ideologia da criação dos blocos de países e dos processos de integração regionais, e não é por acaso que se realiza em 2009, depois de caminhadas como a da criação da Comunidade de Países da Língua Portuguesa (CPLP, fundada em 1997). A implantação desse Acordo põe em evidência um dos aspectos mais importantes da constituição ou estrutura política da língua: a disputa entre duas normas diferentes, e que até agora se representavam em duas diferentes ortografias, a norma lusitana e a norma brasileira. É esta disputa entre os dois países que o Acordo Ortográfico atualiza, encarna e, em um dado lugar, resolve. Como dizia um importante autor: a relação entre Portugal e Brasil é o conflito mais bem ancorado em acordos de todos os tempos ... mas se trata de uma relação de aproximação e afastamento, uma relação das mais complexas, portanto. A ortografia portuguesa e suas reformas É consenso dividir-se a história da escrita portuguesa em três grandes períodos: 1) o fonético, do século XIII até o século XVI; 2) o pseudoetimológico, do século XVI até 1904; e 3) o simplificado, a partir de 1904. O período fonético caracteriza-se, em linhas gerais, por uma flutuação na grafia das palavras. Embora chamado de fonético, não se trata de um período de simples transcrição da fala, mas de um momento em que várias alternativas de construção de escrita são testadas. É durante este período que nossa ortografia começa a configurar-se de acordo com suas particularidades e que começa a haver o progressivo estabelecimento da escrita portuguesa, a partir dos modelos de escrita que eram conhecidos. O período pseudoetimológico caracterizase pela tentativa - nem sempre acertada - de se escrever de acordo com a retomada da forma greco-romana da palavra. Inicia-se no século XVI, com o Renascimento, movimento intelectual caracterizado pela assim chamada ressurreição dos estudos clássicos, que levou os escritores do XVI à tradução, à imitação e à assimilação dos Antigos. Como consequência, a penetração na língua portuguesa de formas eruditas e semieruditas, calcadas no latim, se intensificou. Não é difícil imaginar as extravagâncias a que esse influxo levou. Uma profusão de consoantes dobradas e de grupos consonantais, como <ph>, <th>, <rh> foram sendo introduzidos à língua portuguesa - muitos justificados pela etimologia, mas outros muitos resultantes da pretensão daqueles que se julgavam conhecedores de latim e de grego. Assim, não só vocábulos novos entraram para o nosso léxico com aspecto gráfico alatinado, mas também os que já tinham formas vulgares sofrem o travestimento etimológico. O resultado são formas gráficas absolutamente injustificáveis, como lythographia. Porque o abuso (ab-uso) ultrapassou o uso, esta é a razão pela qual este período da língua, que se estende do século XVI ao XX, seja chamado de pseudoetimológico. O que caracteriza esse período é o emprego de consoantes mudas ou geminadas, de grupos consonantais (nem sempre gregos) e das letras k, w r y. O abismo que a etimologização gráfica provocou em relação à modalidade falada do português fez nascer uma espécie de bilingüismo, que refletia e agravava a separação entre duas camadas sociais: a dos portugueses cultos e eruditos e a dos demais falantes. Ou seja, de um lado, uma minoria escolarizada que começa paulatinamente a praticar uma modalidade de língua bem de acordo com o pensamento renascentista (e posteriormente racionalista); de outro, a maioria analfabeta, que continua praticando uma modalidade de língua calcada nos padrões medievais. A ditadura ortográfica imposta pela escrita etimológica e a consequente elitização da língua provocaram reações em nome de uma simplificação ortográfica que culminaram, em 1904, com a publicação da Ortografia Nacional, de Gonçalves Viana. É justamente a partir desse trabalho que, em 1910, Portugal nomeia uma comissão para estabelecer uma ortografia simplificada e uniforme para ser usada nas publicações oficiais e no ensino. De fato, no ano seguinte, entra em vigor a primeira reforma ortográfica, instaurando-se o chamado período simplificado da ortografia portuguesa. Embora essa reforma não tenha sido extensiva ao Brasil, que ainda praticava uma escrita etimológica, a Academia Brasileira de Letras decide em 1915, harmonizar nossa grafia com a portuguesa, revogando a sua resolução quatro anos depois. Em 1931, a Academia das Ciências de Lisboa e a Academia Brasileira de Letras firmaram um acordo preliminar que objetivava a unificação da ortografia dos dois países, a partir da reforma implantada em Portugal, em 1911. No entanto, o Vocabulário Ortográfico publicado em Portugal, em 1940, e o Revista do Professor - SINPRO ABC 13 publicado no Brasil, em 1943, ainda apresentavam divergências. Somente em 1971 são promulgadas alterações ortográficas no Brasil (basicamente relativas à acentuação gráfica), reduzindo as divergências com Portugal. Novo acordo foi proposto pelas duas academias em 1975. No entanto, Portugal, vivendo um momento de convulsão política, com a Revolução dos Cravos e a independência de suas colônias africanas (Guiné Bissau, em 1973, seguida de Angola, Cabo Verde, Moçambique e São Tomé e Príncipe, todas em 1975), não o transforma em lei. O atual acordo ortográfico Em 1986, o então presidente do Brasil, José Sarney, promoveu um encontro dos sete países de língua portuguesa, no Rio de Janeiro, onde foi apresentado o Memorando Sobre o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. As críticas feitas a esse acordo foram imensas tanto em Portugal quanto no Brasil, sobretudo pela proposta de se suprimir o acento das palavras proparoxítonas (o que fez surgirem várias piadinhas tanto no Brasil quanto em Portugal, como aquela em que dois lusófonos conversam sobre “tartarugas”: 1. Você tem cagado no jardim? 2. Não, eu tenho cagado em casa. 1. Onde você tem cagado? 2. Eu tenho cagado na banheira.). Quatro anos mais tarde, a Academia das Ciências de Lisboa e a Academia Brasileira de Letras elaboraram a base do “Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa”, tido como mais moderado e atendendo às críticas feitas à proposta de 1986. Tal acordo deveria entrar em vigor em “1 de janeiro de 1994, após depositados todos os instrumentos de ratificação de todos os Estados junto do Governo português”. (artigo 3°). Como apenas o Brasil, Cabo Verde e Portugal ratificaram o documento, a sua entrada em vigor ficou pendente. Em 1998, em Cabo Verde, foi redigido o primeiro “Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa”, em que se suprimiu do texto original a data para sua entrada em vigor. Mais uma vez, somente Brasil, Cabo Verde e Portugal aprovaram esse protocolo. Com a independência de Timor-Leste, em 2002, oito países passaram a ter o português como língua oficial. Com isso, em julho de 2004, os chefes de Estado da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), reuniram-se em São 14 Revista do Professor - SINPRO ABC Tomé e Príncipe, onde foi aprovado um “Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico”, que, além de permitir a adesão de Timor-Leste, reduzia para somente três a quantidade de signatários para que o acordo finalmente entrasse em vigor. Mais uma vez, Brasil e Cabo Verde assinaram esse protocolo e, ao contrário do que era de se esperar, Portugal se negou a fazê-lo, alegando a falta de um Vocabulário Ortográfico Comum. No final de 2006, São Tomé e Príncipe assinou o acordo, completando o número mínimo de signatários para que fosse implantado. No entanto, a ausência de Portugal constituía um entrave, tendo sido sentida como possível enfraquecedora da sua implementação. Pressionado pelo governo brasileiro para aderir à reforma, vista como uma forma de aumentar o prestígio da língua e qualificar o intercâmbio cultural entre os países, finalmente, em 06/3/2008, Portugal aprovou a polêmica proposta do acordo ortográfico da língua portuguesa, unificando a escrita entre os oito países lusófonos. Em 29 de setembro de 2008, em sessão na Academia Brasileira de Letras, o Presidente Lula, em presença do embaixador de Portugal no Brasil, Francisco Manuel Seixas da Costa, assinou o decreto que normaliza a adesão do Brasil ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, que entrará em vigor em janeiro de 2009. Apesar disso, as antigas normas ortográficas poderão ser usadas até o final de 2012. Ou seja, durante esse período, serão aceitas as duas formas de escrita nos concursos públicos, vestibulares, provas escolares etc. Os livros didáticos, por sua vez, têm prazo até 2010 para enquadramento ao acordo. As novas regras Poucas são as mudanças decorrentes desta reforma ortográfica. O projeto do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa visa mais à padronização do que à simplificação do sistema ortográfico, já que o português é, até então, uma língua com duas grafias oficiais: a do Brasil e a dos demais países lusófonos. Com o novo Acordo, padronizam-se alguns poucos pontos discordantes, como o emprego do hífen, algumas regas de acentuação e a queda de consoantes mudas (afetando a grafia lusitana de algumas palavras, como projecto, actual, objectivo etc.). * Clarice Assalim é professora de Língua Portuguesa e sócia do SINPRO ABC Comportamento Qual é a qualidade de sua vida hoje? Pare um instante e dê a você mesmo uma atenção especial neste momento Por Roberta Alves* “ Antes de me casar, eu costumava sair para comer em restaurantes da cidade, tanto no almoço como no jantar. Quintafeira à noite era a folga das empregadas, em Bronxville, de modo que muitas famílias saíam para comer fora. Uma bela noite, eu estava em meu restaurante favorito e na mesa ao lado havia um pai, uma mãe e um menino magrinho de uns doze anos de idade. O pai disse ao menino: ‘Tome o seu suco de tomate’. E o menino respondeu: ‘Não quero’. O pai insistiu, com voz mais alta: ‘Tome o seu suco de tomate’. A mãe interveio: ‘Não o obrigue a fazer o que ele não quer’. O pai olhou para a mulher e disse: ‘Ele não pode levar a vida fazendo o que quer... eu nunca fiz nada do que quis, em toda a minha vida’. Esse é o homem que nunca perseguiu a sua bem-aventurança [estado de profundo bem-estar; felicidade completa]. (...) Eu sempre recomendo aos meus alunos: Vão aonde o seu corpo e a sua alma desejam ir. Quando você sentir que é por aí, mantenha-se firme no caminho, e não deixe ninguém desviá-lo dele.” (Trecho tirado do livro O Poder do Mito, de Joseph Campbell) E você? Está aonde o seu corpo e sua alma desejam? É o caminho que escolheu? Faz o que quer? Como está sua vida pessoal? Profissional? Financeira? Afetiva? O seu lazer? Qual é a qualidade da vida que você leva hoje? O que lhe agrada? O que você quer que seja diferente? Revista do Professor - SINPRO ABC 15 Já parou para fazer uma reflexão a respeito? Ou prefere nem pensar nisso e levar as coisas do jeito que é possível, porque a vida é assim mesmo? Ei! Pare um instante e encare-se frente a frente com num espelho, olhe-se de corpo inteiro, observe-se, sem julgamentos, dê esse tempo a você mesmo, como se fosse um encontro com quem você se tornou. Pode ser? Preparado? Quando criança, quais eram os seus sonhos? O que queria ser quando crescer? Você se lembra? De quais brincadeiras mais gostava? Quais eram seus melhores amigos? Como era sentir-se encantado pela vida? Tomar chuva; chupar sorvete até lamber os dedos; jogar queimada; brincar de pega-pega; esconde-esconde; conversar na rua até o anoitecer e admirar o brilho das estrelas... E hoje, quanto daquela criança ainda vive aí dentro de você? Tem uma bela história na qual uma criança vê uma senhora de bastante idade, com o cabelo todo branco e com muitas rugas no rosto e fica intrigada. Então, pergunta à senhora se um dia ela já foi criança. A senhora sorri docemente e responde: “Não. Eu ainda sou criança, só que há mais tempo que você”. Cuidado para que o seu adulto, cheio de responsabilidades e problemas a resolver, não acabe sufocando a sua criança, a ponto da vida se transformar num mar de obrigações. Aulas, preparação de materiais, leitura, correção de trabalhos e provas, programa para ser cumprido, alunos desobedientes, pais que não compreendem a real função dos docentes na vida de seus filhos, trânsito, ônibus e trem lotados, contas para pagar, família para cuidar, filhos para educar, cuidados com a casa, crise mundial, pressão de vários lados, correria, correria, correria... ei... socorro... quero descer desse trem! Conhece essa história? Ou alguém que passa por isso? Já se sentiu assim? E como lidar com essa realidade? Como ter qualidade de vida? Sugiro que comece por fazer uma análise do seu momento atual. Antes de desejar ir a qualquer lugar, é necessário primeiro saber onde você está. Fique sozinho por uns minutos em um local tranqüilo. Pegue um papel em branco e uma caneta. Faça um círculo e divida-o em oito partes iguais, como se fosse um disco de pizza. Em cada parte escreva os seguintes nomes: ambiente físico, saúde, carreira, desenvolvimento pessoal, relacionamentos, romance, dinheiro e lazer. Caso 16 Revista do Professor - SINPRO ABC queira, pode nomear de outra forma, aumentar ou diminuir o número de itens, fique à vontade. O importante é fazer um balanço de sua vida neste momento e visualizar o resultado. Em cada área, coloque o seu grau de satisfação atual: de 0 a 100%. Sendo o zero na parte central do círculo e o número 100 na outra extremidade. Defina o número conforme você vê que este item está hoje, e não como gostaria que estivesse. Tendo escolhido o número, marque com uma bolinha o local referente a ele. Por exemplo, na parte de relacionamentos você definiu que está 60% satisfatório. Então vá até a linha correspondente a essa área e marque-a mais ou menos no local que acredite representar 60%. Faça isso em relação a todos os oito itens. Ao final, ligue os pontos. Essa é a roda da sua vida no presente momento. Quais áreas estão bem e quais podem melhorar? E o que você pode e quer fazer para melhorá-las? Qual é a qualidade de sua vida profissional, de seus relacionamentos, de sua saúde? E por falar em saúde, como você está? Tem se cuidado? Ah, está acima do peso, então quer emagrecer? Neste assunto especificamente, há vários pontos a destacar. Antes, mais algumas perguntas, bastante úteis para sua autoavaliação: Você tem horários para comer? Como, quanto, quando e o que você come? Você costuma comer além do necessário? Em quais ocasiões? Por quais motivos? Quanto o seu modo de se alimentar interfere em sua vida como um todo e em particular na sua atuação profissional e na sua disposição diária? Em primeiro lugar, saiba que há três tipos de fome: a biológica (do corpo propriamente dita), a social e a psicológica (que também denomino emocional). A biológica é a fome autêntica, única razão pela qual se deveria comer, necessária para que o ser humano saiba que precisa se alimentar e, quando obedecida adequadamente, permite que a saciedade ocorra – sinal de que o corpo já está satisfeito e a pessoa também. A fome social é colocada pela sociedade, mas que precisa encontrar terreno fértil no aparato psíquico do indivíduo. Em grande parte dos encontros sociais a comida está presente antes, durante e/ou depois. As pessoas vão ao cinema, por exemplo, e depois saem para comer; assistem a uma peça de teatro depois vão jantar; recebem amigos em casa ou são recebidos e lá está a comida novamente. E ainda muitas vezes fica a impressão de que quando não é servido nada ou não é aceito o que servem, a educação passou longe. O terceiro motivo pelo qual se come é a fome psicológica, um impulso que aparece independentemente do corpo físico estar satisfeito, já que sua origem é outra, no aspecto psicológico. É quando a pessoa come porque está ansiosa, entediada, cansada, insegura, como também ao sentir-se feliz e eufórica, por exemplo. Ao ter fome, pergunte a si mesmo e sinta qual dos três tipos é. Caso seja a fome biológica, alimente-se devagar, mastigue bem os alimentos, prazerosamente e durante 20 minutos (tempo que precisa para o cérebro receber a mensagem de que a saciedade chegou). Ter horários certos para comer é importante e ajuda para que a fome biológica seja reconhecida mais facilmente. Caso perceba que é a fome social ou psicológica, dê a elas outra resposta, mais adequada, sem ser comida. Converse com alguém, ouça uma música, leia o seu livro preferido, faça um passeio, dance, assista a um belo filme, enfim, se possível, faça algo que lhe seja agradável e que você se sinta bem, tirando o foco da comida e colocando-o em si mesmo. Dessa forma, verá como emagrecer fica mais simples. Quanto aos demais itens de sua roda da vida, determine exatamente o que quer em cada um deles, escreva em um papel com o maior número de detalhes possível e trace uma estratégia para atingir o que se propôs. Coloque um prazo (data específica) possível para que os seus objetivos sejam realizados e mãos à obra. Seja o autor de sua própria história. Arquivo pessoal * Roberta Alves, coach profissional/pessoal/ emagrecimento, jornalista, pós-graduada em SócioPsicologia, possui extensão em Psicologia Hospitalar com ênfase em Transtornos Alimentares e Obesidade, pela Faculdade de Medicina do ABC, e também é autora do blog “Faça as Pazes com a Balança” (www.sejamagro. blogspot.com). Obs.: Quando recebi o convite para escrever este artigo fiquei muito feliz e lisonjeada porque a profissão de professor é uma das que mais admiro, pela importância que esses profissionais têm em nossa vida. Particularmente guardo na lembrança vários que passaram pelo meu caminho durante anos e anos de estudo e deixaram ensinamentos valiosos. Agradeço pela oportunidade de poder retribuir um pouco à classe da qual tanto recebi. Revista do Professor - SINPRO ABC 17 Nacional O Pré-sal é nosso, é do povo O Brasil descobre riquezas naturais e a população assiste uma série de especulações que levantam, novamente, a questão: Será que o Brasil vai perder o direito de administrar nossos bens naturais e permitir que empresas privadas se beneficiem daquilo que é nosso? No que depender dos movimentos sociais e do SINPRO ABC, com o Pré-Sal a cena não se repetirá da forma como ocorreu com a Vale do Rio Doce, privatizada a preço de banana no governo FHC, em 1997. Recentemente foi descoberta reserva de petróleo em área brasileira, abaixo da camada de sal. Segundo a Federação Única dos Petroleiros, a FUP, “essas reservas deveriam ser integralmente do povo brasileiro, não fosse a ação entreguista dos neoliberais, que acabaram com o monopólio estatal e abriram a exploração das nossas jazidas para as empresas privadas”. Levantamento da FUP revela que o Brasil se tornará uma das três maiores nações petrolíferas do mundo com a descoberta das mega reservas. O petróleo é nosso A legislação criada no governo Fernando Henrique Cardoso, Lei 9.478/97, permite um modelo de concessões questionado por especialistas. Em dezembro de 2008, o seminário Regulação do Setor Petrolífero Brasileiro, promovido pela FUP, teve como principal tema de debate a urgência pela criação de novas leis. Henrique Jäger, técnico do Dieese, destacou no evento que a Petrobrás tem se fortalecido durante a gestão Lula e graças aos investimentos do governo o Pré-Sal foi descoberto. Para ele, “alterar a regulamentação do setor será agora um passo fundamental na consolidação de todas as mudanças. Trata-se de decidir quem irá controlar uma das maiores reservas de petróleo do mundo: a nação brasileira ou as empresas multinacionais?”. A movimentação recebe o apoio de sindicatos, entre eles o SINPRO ABC, que está recolhendo 18 Revista do Professor - SINPRO ABC assinaturas de professores e populares, para atingir a meta de 1 milhão e 300 mil apoiadores da luta para garantir que as riquezas do Pré-Sal sejam do povo. Após o recolhimento das assinaturas, a FUP encaminhará ao Congresso Nacional o projeto de lei de iniciativa popular que consolide o monopólio estatal do setor petróleo, o fim das concessões para exploração das reservas brasileiras, a destinação social destas riquezas e o fortalecimento da Petrobrás como empresa eminentemente pública. “Precisamos assegurar que as riquezas geradas por estes recursos energéticos sejam utilizadas em projetos estratégicos de desenvolvimento nacional que criem empregos, distribuam renda e melhorem a qualidade de vida das populações pobres do nosso país. Por isso, precisamos urgentemente de uma nova legislação para garantir que as jazidas de petróleo e gás natural sejam controladas pelo Estado e utilizadas em benefício do povo brasileiro”, destaca documento assinado pela FUP. Nosso petróleo privatizado Dados publicados pela Federação Única dos Petroleiros revelam que, em mais de dez anos, mais de 711 blocos petrolíferos do Brasil já foram leiloados, no total de 3.383 áreas colocadas em licitação. Nesse período, o valor do barril de petróleo subiu de US$ 12 para mais de US$ 100, e mais de 70 grupos atuam no país explorando nosso petróleo e gás. No início de 2009, diversas empresas multinacionais estiveram no Brasil e manifestaram preocupação para a ministra da Casa Civil, Dilma Roussef, sobre uma possível mudança no marco regulatório. “A história de luta dos trabalhadores já mostrou muitas vezes que se grandes capitalistas são contra alguma coisa, muito provavelmente essa coisa é boa para os trabalhadores. E dessa vez não é diferente. Esses tubarões têm razão para se preocuparem. O pré-sal é do povo brasileiro e a população, cada vez mais, compreende a importância de lutar por esse patrimônio –independentemente da vontade entreguista de setores do governo”, completa a FUP. Os neoliberais e a intervenção do Estado Por Luiz Pinguelli Rosa , Diretor da COPPE/UFRJ A demora na aprovação pela Câmara de Representantes americana do socorro a grandes bancos fez os economistas clamarem pela intervenção do Estado na economia, o que sempre foi combatido pelos neoliberais lá e cá. O curioso é que os partidos de esquerda não estão se pronunciando à altura da gravidade da situação. Por outro lado, o discurso de Lula na abertura da Assembléia da ONU condenou o capitalismo financeiro mundial. Seus pronunciamentos voltaram a ter um tom mais à esquerda, lembrando seus discursos de campanha no segundo turno de sua eleição, quando deixou constrangidos vários aliados, embora tenha ganhado parcela da esquerda que não votara toda nele no primeiro turno, e ampliado sua vantagem garantida pelos votos dos mais pobres. Entretanto, para ter maioria no Congresso, o governo Lula acabou incluindo muitos neoliberais. Na campanha para prefeituras, candidatos conservadores aparecem travestidos de lulistas de primeira hora, atraídos magicamente, como no conto do flautista de Harmelin, cuja melodia atraía ratos. Estes são muito usados para caricaturar o comportamento humano, não necessariamente o lado negativo. O Remy, por exemplo, do filme Ratatouille, é talentoso e cativante. O mais célebre é o Mickey Mouse, símbolo do mocinho americano, vencedor em todas as situações. Na esquerda houve o Sigmund, ratinho cult de Ipanema que Jaguar espalhava pelas páginas do Pasquim, símbolo dos eternos perdedores, como são os críticos tanto da ditadura militar quanto do pensamento único neoliberal. Mas uma característica dos ratos reais é abandonar o barco quando este se encontra em perigo. Se o navio estiver atracado, fogem para terra firme pelas amarras. Mas a nave do neoliberalismo está longe do porto, à deriva, como uma nau sem rumo. Não afundou, embora esteja com o casco furado, e tentam salvá-la. Lembra E la nave va, filme de Fellini, levando as cinzas do ilustre falecido para uma ilha distante. Logo que estourou a crise anunciada foi curioso ler os artigos de dois economistas no Financial Times de 17 de setembro de 2008. Um deles, M. Wolf, reconhece a inevitabilidade da intervenção do Estado e culpa o mercado financeiro globalizado e totalmente livre de amarras. O outro, J. Key, argumenta que é impossível regular o mercado, entre outras razões porque os executivos dos grandes grupos financeiros ganham fortunas, logo são mais competentes do que os reguladores do Estado que ganham menos. Isso mostra a falta de sentido de reduzir tudo à pura competição econômica. A métrica monetária não se aplica à avaliação de valores humanos. Carlos Drummond de Andrade, por exemplo, tinha uma vida modesta. Ganhava menos com sua obra literária do que podem render hoje alguns grandes sucessos editoriais, sempre encontrados nas prateleiras de livrarias de aeroportos. Nem por isso são melhores que Drummond, embora sejam mais vendáveis. Um dos problemas levantados pelos congressistas americanos no debate da proposta da administração Bush é exatamente a remuneração desses executivos, que pode alcançar alguns milhões de dólares anuais. Se o Estado vai dar US$ 850 bilhões, que vêm do contribuinte, para salvar os grupos financeiros em situação falimentar, não seria justo manter essas remunerações. Voltando ao Brasil, a popularidade do Lula está em alta. Medidas de governo como o Plano de Aceleração do Crescimento e a ampliação do Programa Bolsa-Família e do crédito popular levaram cerca de 20 milhões de brasileiros, segundo o IBGE, a sair da pobreza e ingressar na classe C de renda, chamada por eufemismo de classe média. Tudo isto e o crescimento das exportações levaram a economia no Brasil a crescer 5% em 2007 e manter o crescimento alto em 2008, até a crise financeira americana afetar o crédito e as exportações. No governo Fernando Henrique houve o Proer para salvar os bancos. Seus lucros bateram recordes em 2007. Os juros e o superávit primário continuaram nas alturas, ainda que o Mantega na Fazenda e o Paulo Bernardo no Planejamento destoem do Meirelles no Banco Central. A política monetária destina parte significativa dos impostos para pagar juros altos aos grupos financeiros brasileiros e estrangeiros que possuem títulos do governo. Cerca de 10 vezes mais do que o total para as bolsasfamília em 2007 teve este destino. Somando o superávit primário ano a ano, o total, ao longo de cinco anos, por exemplo, dá algumas centenas de bilhões de reais. Isto é um tipo de intervenção do Estado na economia, omitida pelos economistas neoliberais quando pedem corte de gastos públicos que vão para saúde, educação e infraestrutura. A descoberta de grande quantidade de petróleo no Pré-Sal pela Petrobras recolocou no Brasil a questão da intervenção do Estado. O governo pensa em assumir maior controle, mudando o regime de concessões para explorar o petróleo, criando eventualmente uma estatal para gestão do Pré-Sal e capitalizando a Petrobras. Os adeptos do puro mercado que se opõem a isso parecem desatualizados com o que ocorre nos EUA. Publicado no site oficial em defesa do Pré-Sal (www. presal.org.br), em outubro de 2008 Revista do Professor - SINPRO ABC 19 Meio Ambiente Quanto custa salvar a natureza Apenas na semana de 12 a 18 de outubro, no auge da crise econômica, os governos dos principais países do mundo despejaram cerca de US$ 4 trilhões no mercado. O que aconteceria se essa quantia fosse destinada ao meio ambiente? Por Eduardo Araia, da Revista Planeta* Q uando cientistas listam os efeitos danosos criados pelas mudanças climáticas e se aventuram a especular sobre o que seria necessário para limitá-las a níveis aceitáveis, os governos em geral desconversam sobre o assunto. Afinal, consideram, gastos que chegam facilmente a dezenas, centenas de bilhões de dólares não poderiam ser feitos assim de repente. Além disso, os malefícios do aquecimento global ainda não parecem tão evidentes e, por enquanto, é melhor deixar como está para ver como fica. Mas veio a crise econômica global e, como se observou, os dirigentes mundiais não tiveram (muito) medo de abrir seus cofres para injetar liquidez ao redor do planeta - só numa semana de outubro, uma quantia entre US$ 2 trilhões e US$ 4 trilhões foi destinada para essa finalidade. O mundo ganhou, assim, um inesperado modelo de comparação: se, para salvar a economia, pode-se gastar tudo isso, por que pouco ou nada se investe para salvar a Terra? Como revelam alguns 20 Revista do Professor - SINPRO ABC relatórios recentes, divulgados por órgãos da ONU, entidades beneficentes e empresas privadas, a conta para proteger a natureza, frear as mudanças climáticas e oferecer alimentação, água limpa e saneamento para 1 bilhão de pessoas é bem menor do que todo o dinheiro despejado no mercado. Por outro lado, se a quantia anunciada naquela semana de outubro fosse aplicada na redução das emissões de gases-estufa e na proteção da natureza, calculase que o investimento teria um retorno de até cem vezes o seu valor inicial e, além disso, seriam economizados trilhões de dólares a serem gastos mais tarde. Investir na redução de emissões de gasesestufa traria ótimo retorno e evitaria gastos futuros Conheça a seguir alguns desses estudos e tire suas conclusões. Ecossistemas e biodiversidade - De acordo com um estudo preliminar dos custos e benefícios de investir na diversidade da natureza - "The Economics of Ecosystems and Biodiversity" (Teeb) -, encomendado pela Comissão Européia e pelo governo da Alemanha, a maior parte dos rios, mares, florestas e montanhas poderia ser protegida com um investimento anual de aproximadamente US$ 45 bilhões. "Os argumentos econômicos para a proteção da natureza estão começando a entrar no pensamento dominante", diz Pavan Sukhdev, diretor do Deutsche Bank e líder da equipe de pesquisadores (que devem aprontar uma versão completa do relatório em 2009). Em setembro, o grupo estimou que a perda dos serviços prestados pelas florestas, tais como oferecer água limpa e absorver o dióxido de carbono (CO2), já está custando à economia do planeta algo entre US$ 2 trilhões e US$ 5 trilhões por ano. Outro grande estudo, o "Building Biodiversity Business", divulgado em março deste ano por economistas da Shell e membros da International Union for Conservation of Nature (IUCN), mostra que preservar os mais importantes ecossistemas mundiais ao longo de 30 anos custaria cerca de US$ 1,3 trilhão. Por essa quantia, perto de 15% das terras e 30% dos oceanos seriam protegidos da exploração ilegal de madeira, pesca predatória e poluição, assim como a maior parte das espécies animais ameaçadas. Mudança climática - Segundo lorde Nicholas Stern, que liderou o estudo do governo britânico sobre os custos e benefícios das mudanças climáticas, custaria 1% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial num ano - ou seja, US$ 540 bilhões manter as emissões de gases-estufa num nível que evitasse os piores efeitos do aquecimento global. Mas em sua revisão para a Secretaria do Tesouro, em 2006, ele afirmou que, se os países não agissem, os custos e riscos totais das mudanças climáticas subiriam para trilhões de dólares por ano. Energia renovável - Mudar dos combustíveis fósseis para fontes de energia limpa só nos Estados Unidos reduziria as emissões mundiais de dióxido de carbono em cerca de 20%, afirma Jeffery Greenblatt, gerente de clima e energia do Google e responsável pelo lançamento, em outubro, do Clean Energy 2030, uma proposta da empresa para reduzir a dependência norte-americana de combustíveis fósseis. Mas não ficaria só nisso, assegura ele: a transformação ajudaria a gerar centenas de milhares de empregos. O Clean Energy 2030 propõe o gasto de US$ 4,4 trilhões, ao longo de 22 anos, para substituir todo o carvão e o petróleo usados na geração de eletricidade por gás natural e fontes de energia renovável. O plano envolve a geração de 380 gigawatts (GW) de energia eólica, 250 GW de solar e 80 GW de geotérmica. Além disso, propõe uma redução de 33% no consumo de energia, com a adoção de medidas de ecoeficiência, e uma queda de 40% do petróleo consumido pelos carros, o que seria obtido por um acréscimo de vendas de 90% no segmento de veículos híbridos somado a carros convencionais com motores cerca de 50% mais econômicos. Água e saneamento - A organização beneficente internacional WaterAid estimou em outubro que oferecer água potável e saneamento para os 2,5 bilhões de pessoas no mundo que não contam com esses serviços custaria cerca de US$ 55,7 bilhões (ou 37,5 bilhões de libras esterlinas). A quantia, de acordo com uma porta-voz da instituição, é praticamente igual aos recursos (37 bilhões de libras) que o governo britânico repassou aos bancos Royal Bank of Scotland, HBOS e Lloyds no dia 13 daquele mês. Fome - No início de 2008, Jacques Diouf, diretor-geral da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), afirmou que evitar todas as futuras ameaças de conflitos envolvendo alimentos custaria cerca de US$ 30 bilhões anuais. E perguntou em seguida: "Como podemos explicar às pessoas de bom senso e boafé que não é possível encontrar US$ 30 bilhões por ano para permitir que 862 milhões de pessoas famintas desfrutem do mais fundamental dos direitos humanos: o direito à alimentação e, assim, o direito à vida?" Para Mario Mantovani, diretor de Mobilização da Fundação SOS Mata Atlântica, a crise tem um lado purificador e desnuda muitos discursos artificialmente engajados. "O que vimos recentemente foi, como se diz, o 'salve-se quem puder, porque o bicho está pegando'", analisa. "Nada como uma crise para mostrar quem é quem em toda essa história. Como vimos, não houve muitos problemas para arranjar mais dinheiro a fim de manter sistemas financeiros, incentivar o consumo, coisas assim, mas quase ninguém falou sobre meio ambiente em toda essa história. A crise vai mostrar realmente quem tem compromissos reais nessas áreas e quem só faz marketing, greenwash, como se diz em inglês. Nessa travessia, muitos projetos já foram ou vão ser desmascarados, enquanto outros vão ser de fato executados - e estes últimos, imagino, não devem ser muitos." Revista Planeta, janeiro de 2009 – número 436, Editora Três Revista do Professor - SINPRO ABC 21 Artigo A catástrofe dos cursos de Letras Por Marcos Bagno, na Revista Caros Amigos* A formação dos professores de português, hoje, no Brasil, é uma catástrofe. Nós, os responsáveis pelos cursos de Letras, não enxergamos a bomba-relógio que temos nas mãos. As estatísticas não mentem: a retumbante maioria dos estudantes de Letras vêm de camadas sociais pobres ou mesmo miseráveis, filhos de pais analfabetos ou que têm escolarização inferior a quatro anos. Isso significa muita coisa. Significa que esses estudantes têm um histórico de letramento muito reduzido: no ambiente familiar, não convivem com a cultura letrada, não têm acesso a livros, revistas, enciclopédias etc. Significa que não são falantes das normas urbanas de prestígio (as mesmas que supostamente terão de ensinar a seus futuros alunos) e têm domínio escasso da leitura e da escrita. Só na faculdade é que a maioria deles vai ler, pela primeira vez na vida, um romance inteiro ou um texto teórico. Vêm, quase todos, do ensino público, essa tragédia ecológica brasileira muito pior que as queimadas na Amazônia. Nós, porém, fingimos que eles são ótimos leitores e redatores, e despejamos sobre eles, logo no primeiro semestre, teorias sofisticadas, que exigem alto poder de abstração e familiaridade com a reflexão filosófica, e textos de literatura clássica, escritos numa língua que para eles é quase estrangeira. E assim vamos nos iludindo e iludindo os estudantes. O resultado é que os estudantes de Letras saem diplomados sem saber lingüística, sem saber teoria e crítica literária e sem saber escrever um texto acadêmico com pé e cabeça. Todos os dias, 22 Revista do Professor - SINPRO ABC recebo mensagens de formandos que me pedem orientação para seus trabalhos finais. Alguns até me enviam seus projetos. São textos repletos de erros primários de ortografia, pontuação, sintaxe, vocabulário, com frases truncadas e sem sentido. Assim eles chegam ao final do curso, e suas monografias, mal escritas, sem nenhum rigor teórico ou metodológico, são aprovadas alegre e irresponsavelmente por seus supostos orientadores. O problema, é claro, não está no fato (que merece comemoração) de acolhermos na universidade alunos vindos das camadas mais desfavorecidas da população. O problema é não oferecermos a eles condições de, primeiro, se familiarizar com o mundo acadêmico, que lhes é totalmente estranho, por meio de cursos intensivos (e exclusivos) de leitura e produção de textos, de muita leitura e muita produção de textos, para só depois desses (no mínimo) dois anos de preparação eles poderem começar a adentrar o terreno das teorias, das reflexões filosóficas, da alta literatura. Se não fizermos isso urgentemente (anteontem!), as salas de aula do ensino básico estarão ocupadas por professores que, mal sabendo ler e escrever adequadamente, não poderão desempenhar sua principal tarefa: ensinar a ler e a escrever adequadamente! Não sei, aliás, por que escrevi "estarão ocupadas": elas já estão ocupadas, neste momento, por essas pessoas, de quem se cobra tanto e a quem não se oferece uma formação docente que também seja, minimamente, decente. * Marcos Bagno é professor, escritor e linguista. Artigo publicado na Revista Caros Amigos – Nov/ 2008 Especial EaD no Ensino Médio: Um passo para trás? Para o SINPRO ABC, autorização da Educação a Distância no nível Médio é sinônimo de retrocesso e precarização na qualidade de ensino P rofessor, responda sinceramente: Você vê sucesso na Educação a Distância para jovens entre 14 e 17 anos? Olhando para uma classe dessa faixa etária, você acredita que os alunos têm maturidade e responsabilidade para vivenciar essa modalidade que desobriga a presença dentro da sala de aula? E você, como profissional, está pronto para elaborar aulas virtuais, além de preparar todo conteúdo “tradicional”? Para o Sindicato dos Professores do ABC, esse modelo, sem dúvidas, não funciona e o resultado não será positivo para a formação dos estudantes. Segundo o presidente do SINPRO ABC, professor Aloísio Alves da Silva, “atualmente, já está difícil conseguir bom desempenho dos alunos quando estão acompanhados pelos professores, quem dirá quando não tiver essa assistência”. Esse tema já foi destaque no boletim O Professor, do SINPRO ABC, em outubro do ano passado. Na ocasião, o Sindicato divulgou moção de repúdio contra a autorização do Conselho Estadual de Educação de São Paulo, que permite as escolas públicas e privadas oferecer ensino não presencial no nível Médio, com limite de 20% da carga horária. O SINPRO ABC acredita que a medida tem fins essencialmente economicistas e demonstra o descaso do Conselho e outras instâncias educacionais com a qualidade do ensino. Resultado: qualidade de ensino nota zero. “Somente aqueles que não vivenciam a realidade cotidiana da educação julgam que as aulas a distância podem promover a melhor aprendizagem”, destaca a moção sindical, “as novas tecnologias devem ser usadas como meios e não como fins”. Em entrevista à Agência Brasil, Daniel Cara, presidente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, argumenta que a medida é “extremamente negativa e contraria todos os princípios educacionais”. “A eficiência da educação a distância é discutida até mesmo no caso da formação de professores, não tem nenhum sentido aplicá-la na educação básica”, observa Cara. Daniel salienta, ainda, que assim como na educação Básica, o Ensino Médio requer o contato entre professor e aluno para a formação do estudante como indivíduo. Revista do Professor - SINPRO ABC 23 O que contradiz a LDB? A Lei de Diretrizes e Bases da Educação direciona os eixos que envolvem, logicamente, a educação. Ao ler a lei e traçar comparativos, podemos verificar algumas contradições entre o estabelecido pela LDB e o proposto com o Ensino a Distância no Nível Médio. Vejamos: - Art.1º § 2º. A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social. Por prática social entendemos convívio com outras pessoas, em sociedade. A ausência de um ambiente no qual não existe essa vivência, torna impraticável o desenvolvimento do vínculo citado na lei. - Art. 3º. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: (...)VII - valorização do profissional da educação escolar;(...) IX - garantia de padrão de qualidade; Uma das lutas do SINPRO ABC é pela valorização do trabalho do professor, independente de seu segmento de atuação. Hoje em dia, os docentes a distância não recebem remuneração adequada ao tempo de trabalho, nem são preparados para administrar as ferramentas virtuais. Resultado disso, o ensino e as condições de trabalho se tornam precários e os alunos saem das escolas com o conteúdo insuficiente. No que diz respeito a qualidade, como assegurar que os estudantes do Nível Médio assistam aulas a distância, sem que todos acessem à internet em seus domicílios? Como aprenderão? 24 Revista do Professor - SINPRO ABC - Art. 4º. O dever do Estado com a educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de: II - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao Ensino Médio; Para conseguir acompanhar uma aula não presencial, o aluno precisará de uma boa conexão de internet. Também, não se pode partir do pressuposto que todos tenham computadores nos domicílios ou que todos possam pagar uma “lan house” para ter acesso ao conteúdo online. Analisando esses apontamentos, é possível concluir que o estudante deverá pagar para essa atividade “extra-sala” obrigatória, ou, caso contrário, não poderá adquirir e participar das aulas. Consequência disso, o termo gratuidade não se aplica a modalidade da EaD. Movimento sindical contra EaD no Ensino Médio Conforme dito no início da matéria, o Sindicato dos Professores do ABC é contra a autorização de 20% das aulas a distância no nível Médio, por acreditar que as condições de trabalho serão precarizadas e o ensino será sucateado. A Apeoesp, Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo, por meio da presidenta Maria Izabel Noronha, divulgou nota com o posicionamento da entidade para a determinação. Izabel afirmou que “ao oferecer até 20% da carga horária na modalidade a distância, poderá ocorrer uma queda ainda maior da qualidade do ensino no Estado de São Paulo”. caminha na direção que apontamos acima, apenas Confira a íntegra do documento: camufla o problema. “A decisão do Conselho Estadual de Educação, Se, em algumas regiões de alguns estados homologada pela secretária estadual da Educação, com grande extensão territorial e incontornáveis autorizando as escolas de Ensino Médio a oferecer dificuldades de acesso – como na Amazônia – podem até 20% da carga horária na modalidade a distância ser encontradas justificativas para a implementação poderá contribuir para uma queda ainda maior da do ensino regular a distância, no Estado de São Paulo qualidade do ensino no nosso estado. é completamente descabida a adoção desta forma de Mais uma vez, evidencia-se a indisfarçável ensino. intenção de cortar gastos, um objetivo recorrente nas Nada justifica que qualquer disciplina do medidas educacionais adotadas nos últimos 14 anos Ensino Médio, no estado mais rico da federação, no Estado de São Paulo. Além disso, uma medida seja ministrada a distância, considerando que a de tal amplitude e impacto no processo de ensino- transmissão e a construção do conhecimento são aprendizagem deveria ter sido objeto de consultas e processos coletivos, que exigem a inter-relação debates nas redes de ensino, em particular na rede presencial professor-aluno, aluno-professor e alunoestadual, o que não ocorreu. aluno. Pretender substituir tal processo de ensinoÉ público e notório que a oferta de vagas aprendizagem por um processo, no qual o aluno no Ensino Médio, na rede pública, não atende à relaciona-se de forma passiva com conteúdos prédemanda no Estado de São Paulo. Da mesma configurados, transmitidos através de um monitor de forma, são altos os índices de evasão e repetência, vídeo significa, na verdade, uma rendição do Estado sobretudo no noturno, tendo em vista a inadequação frente aos problemas do Ensino Médio decorrentes, dos conteúdos e das dinâmicas deste nível de ensino em grande medida, das políticas educacionais que à realidade e às necessidades dos vêm sendo aplicadas por este mesmo alunos-trabalhadores e da juventude "Atualmente, já está Estado nos últimos anos. de um modo geral. Antes de propor difícil conseguir bom Não se trata, aqui de combater “inovações”, a secretária da Educação as novas tecnologias educacionais e os desempenho dos de São Paulo deveria preocupar-se em alunos quando estão novos meios disponíveis à produção e construir uma identidade ao Ensino acompanhados pelos transmissão do conhecimento. TrataMédio. se, na verdade, de manter e valorizar os professores, quem dirá Não se pode pretender resolver processos educacionais que privilegiam quando não tiver essa problemas que envolvem o próprio a relação direta entre o professor e assistência” perfil deste nível de ensino com seus alunos, pois é desta interação, Professor Aloísio medidas que visam, tão somente, necessária e insubstituível, que pode contornar o problema da baixa emergir um ensino de qualidade, desde oferta de vagas e obter resultados que asseguradas as condições materiais, quantitativos, como o aumento das matrículas e do a gestão democrática, projeto político-educacional número de concluintes, em detrimento da qualidade adequado e outros pressupostos. do processo educacional. As novas tecnologias são ferramentas A meta deve ser a construção de uma fundamentais a uma educação de qualidade. Mas educação científico-tecnológica básica, que combine elas são ferramentas de trabalho e não substituem o conhecimentos gerais e específicos, articulando processo educacional. Elas são úteis a professores e pensamento e ação, teoria e prática, escola e alunos como pontes para o conhecimento, mas não sociedade, contemplando: o universo da ciência podem ser utilizadas para substituir ou obstaculizar a contemporânea; as novas tecnologias; as relações relação entre professores e alunos. Qualquer tentativa sócio-históricas estabelecidas pelos homens na de fazê-lo, como esta decisão do Conselho Estadual sociedade e no trabalho; as diferentes formas de de Educação e da Secretaria Estadual da Educação, linguagem presentes nos espaços sociais e produtivos. significa condenar a educação do Estado de São Para tanto, o currículo deve combinar uma parte Paulo a mais atraso e menos qualidade. Por isto, comum (75%) e uma parte diversificada (os demais conclamamos a Secretaria Estadual da Educação a 25%) livremente definida pelas unidades escolares, de rever sua posição, cancelando esta decisão e investindo acordo com seus projetos político-pedagógicos. em mais escolas, mais vagas, mais professores, mais A resolução do Conselho Estadual de Educação, condições de trabalho e, consequentemente, mais assumida como política pelo governo estadual, não qualidade no Ensino Médio do estado de São Paulo”. Revista do Professor - SINPRO ABC 25 Regulamentação Para contratação de professores na modalidade em EaD, as instituições de ensino devem obedecer a convenção coletiva de trabalho da categoria dos professores observando ainda os seguintes pontos : - A contratação dos professores será realizada pelas próprias instituições de ensino credenciadas para oferta do curso em EaD e não pela instituição conveniada; - Definição dos papéis de professor, de professor-tutor presencial e do professor tutor a distância; - 25% (vinte e cinco por cento) de Horaatividade para tarefas em EaD; - Pagamento de elaboração de material áudio-visual; - Vigência dos direitos autorais vinculada ao contrato de trabalho do professor na instituição; - Número máximo de 20 (vinte) alunos por professor e por professor-tutor; - Os professores que atuam na EaD, bem como, os professores tutores em disciplinas virtuais, na mesma instituição e nos respectivos pólos, terão direito a férias e recesso escolar, conforme prevê a CCT da categoria; - Os estabelecimentos de ensino que ofertam cursos/disciplinas na forma de EaD remunerarão os docentes que neles atuarem, com no mínimo, o valor da hora-aula paga aos professores dos curso regulares presenciais, respeitando as especificidades desta oferta, considerando a elaboração dos materiais, a docência propriamente dita e o atendimento aos alunos; - Os equipamentos de multimídia utilizados pelos docentes na execução de planos de trabalho, devidamente sintonizados com o plano pedagógico da instituição, deverão ser por ela disponibilizados; - O atendimento aos alunos deverá ser, obrigatoriamente, no ambiente da instituição ofertante, sendo proibido o fornecimento para 26 Revista do Professor - SINPRO ABC os alunos do telefone e e-mail particular do professor; - A carga horária de trabalho do professor deverá ser previamente definida pela instituição de ensino, nunca ultrapassando a jornada de 40(quarenta) horas semanais; - Não se inclui no âmbito definitório de “Educação a Distância” a simples disponibilização de material de apoio pedagógico no site da escola; - As formas de comunicação entre ‘professor-instituição’ e ‘professor-aluno’ devem se dar, preferencialmente, por correio eletrônico, fax ou caixa postal telefônica; a comunicação não deve ser feita pelo telefone, seja residencial, seja pessoal do professor; - Horário de trabalho: flexível, agenda de trabalho previamente definida com a instituição de ensino onde constariam datas/horários de presença do professor na instituição; - A elaboração de material didático deverá ser remunerada como tarefa específica e deve ser previamente “negociada” com a instituição. Tal atividade não será considerada dentro da hora-atividade e serão assegurados os direitos estabelecidos na lei dos direitos autorais; - Direitos autorais: devem ser previamente estabelecidos pelas partes, no que dizem respeito à utilização dos materiais elaborados e da imagem do professor. Tais materiais não podem ser reutilizados pela instituição sem prévia autorização do professor; - A gravação de vídeos será remuneração como tarefa específica, devendo levar em conta o direito de imagem, conforme legislação vigente; - O tempo de acompanhamento aos alunos, tanto na solução das dúvidas/explicações complementares ou nos momentos de avaliação, é necessário que seja estabelecido e remunerado pelo número de horas-aula necessárias. Essa carga-horária deve estar integrada à carga horária semanal do professor. Internacional 60 anos da Revolução Chinesa e 50 da Revolução Cubana: Revolução e Libertação Nacional A Revolução Russa: matriz ideológica dos movimentos de Libertação Nacional do Século XX Israel Barbosa Por José Rodrigues Máo Júnior* E m 2009 completam-se cinco décadas do triunfo da Revolução Cubana e seis da Revolução Chinesa. Para o historiador, este distanciamento temporal de cerca de meio século do triunfo desses movimentos nos permite realizar reflexões mais completas. Embora essas duas revoluções tenham ocorrido em sociedades completamente distintas e em diferentes continentes, indiscutivelmente esses dois processos revolucionários inscreveram-se dentro de um movimento revolucionário mais amplo, marcado pela resistência dos povos oprimidos da Ásia, África e América Latina diante do Imperialismo, e tiveram como guia e inspiração, a grande Revolução Russa de Outubro de 1917. O gigantesco Império Russo do tempo dos Czares não era apenas um Estado multinacional situado em dois continentes (Europa e Ásia): era também uma sociedade dual, onde “ilhas” de rápida modernização industrial conviviam com um vasto, atrasado e subdesenvolvido interior agrário. Surpreendentemente ainda no início século XX, a frágil estabilidade política do Império era garantida por um regime com claras características absolutistas. Vítima de suas contradições internas, Revista do Professor - SINPRO ABC 27 agravadas pela crise decorrente de sua desastrosa participação na I Guerra Mundial, o regime czarista ruiu estrepitosamente. Mas o que se consolidou não foi um regime democrático-burguês que se tentou estabelecer a partir a Revolução de Fevereiro de 1917. O caráter autocrático do czarismo havia impedido a formação de uma classe burguesa poderosa e politicamente independente, capaz de cumprir o seu papel histórico e levar adiante uma revolução burguesa. Diante da clara debilidade política da burguesia russa, o poder escapou-lhe às mãos em outubro daquele mesmo ano. Em meio ao mais completo caos político-institucional, o apoio da massa de camponeses, operários, soldados e marinheiros deslocou-se para a única força política capaz de empalmar o poder: o Partido Bolchevique. Após assumir o poder, os bolcheviques tiveram que enfrentar uma terrível Guerra Civil que se estendeu até 1920, contra as tropas contrarevolucionárias do “Exército Branco”, apoiado por tropas britânicas, francesas, estadunidenses, japonesas, polonesas, sérvias, gregas e romenas. No momento mais desesperador dessa guerra, os bolcheviques chegaram a controlar apenas uma estreita franja de terra – sem saída para o mar – no centro e norte da Rússia. A vitória do “Exército Vermelho” somente foi possível em decorrência do apaixonado apoio das massas de camponeses e operários à causa bolchevique. Consolidados no poder após a vitória na Guerra Civil, os comunistas russos assumem uma tarefa ainda mais assombrosa: reconstruir e modernizar um país economicamente atrasado, predominantemente agrário e destruído pela guerra. A burguesia russa havia sido incapaz de cumprir o seu papel histórico e desenvolver plenamente as forças produtivas de seu país. Agora, paradoxalmente, uma outra classe social teve de incumbir-se das tarefas não realizadas pela burguesia. O rubro eco da Revolução Bolchevique e da consequente formação do primeiro Estado Operário – a URSS – alcançou os trabalhadores de todo o mundo. O caráter dual da antiga sociedade russa, ao mesmo tempo europeia e asiática, desenvolvida e atrasada, colonialista e colonial, contribuiu para que o exemplo da revolução ocorrida naquele país influenciasse tanto a classe trabalhadora dos países capitalistas avançados, quanto à dos povos coloniais. 1 No que tange a esses últimos, a ampla divulgação dos escritos teóricos dos bolcheviques, particularmente a apaixonada defesa de Lênin quanto ao direito à autodeterminação das nacionalidades oprimidas, além da obra “O Imperialismo: fase superior do capitalismo”, forneceu parte do instrumental teórico básico para os nascentes movimentos de libertação nacional da Ásia, África e América Latina. Entretanto, o mais impressionante aos olhos do resto do mundo foi o estrondoso sucesso dos comunistas soviéticos na área econômica. Entre 1929 e 1940, o volume da produção industrial soviética praticamente triplicou. Em 1913, a Rússia produzia em torno de 3,6% da produção industrial do mundo. Em 1929, a URSS produzia aproximadamente 5%, e em 1938, 18%. É importante destacar, ainda, que essa acelerada expansão da economia soviética ocorreu justamente quando o mundo capitalista vivia o grave período de depressão econômica após 1929. Para grande parte dos observadores da época, o modelo soviético de Economia Planificada parecia ser uma forma superior de gestão econômica e, sobretudo, particularmente indicado para o rápido desenvolvimento industrial de economias de países atrasados. Após da fundação da III Internacional Comunista (Komintern), em 1919, o modelo de organização dos bolcheviques passou a ser a inspiração da maior parte dos revolucionários de todo o mundo. Foram fundados Partidos Comunistas na maior parte dos países. Surgiu um novo tipo de militância revolucionária. Em uma guerra de vida e morte entre o socialismo e o capitalismo só haveria lugar para “soldados”, ou em outras palavras, para militantes profundamente disciplinados, leais e devotados à causa revolucionária, aquilo que Lênin muito bem definiu como os “mortos sob licença”. Dessa forma, a Revolução Bolchevique forneceu não apenas a ideologia, mas também uma nova forma de organização revolucionária e um novo modelo de sociedade a ser construída. A Revolução Chinesa e restabelecimento do Tiang Ming A maior e mais bem estruturada sociedade da antiguidade teve a sua estabilidade social abalada diante da penetração comercial da Europa no século XIX. Nos dizeres de Marx e Engels: os “preços baixíssimos das suas mercadoria são a artilharia pesada com que deita por terra todas as muralhas MARX, Karl; ENGELS, Friederich. Manifesto do Partido Comunista. Lisboa: Avante, 1984, 2 ed., p. 64. 28 Revista do Professor - SINPRO ABC o chinesas”1. Para romper a obstinada resistência do Imperador em fazer concessões comerciais aos britânicos, esses recorreram ao contrabando de uma mercadoria que tinha grande aceitação no mercado chinês: o ópio. O tráfico de ópio funcionou como ponta de lança, atrás da qual seguiam as demais mercadorias industrializadas do ocidente. Observado os malefícios que tal mercadoria produzia em sua população, tropas imperiais atacaram navios britânicos e jogaram o carregamento de ópio no mar. O governo britânico, indignado com esse atentado à liberdade de comércio (o direito de traficar drogas livremente), entrou em conflito com a China. Ocorreu então a Primeira Guerra do Ópio (1839-42). Essa primeira derrota militar do Império chinês foi secundada por inúmeras outras, entre elas a Segunda Guerra do Ópio (1856-60), a RussoChinesa de 1858, a Franco-Chinesa (1884-85), a Sino-Japonesa de 1894-95 e a Sino-Alemã de 1898. O Império Chinês foi obrigado a aceitar uma série de concessões financeiras e territoriais, praticamente cedendo aos estrangeiros a soberania das regiões mais ricas da China. Rapidamente a china foi transformada em um satélite do mundo industrial. Deve-se perguntar, entretanto, como foi possível um relativamente modesto efetivo de canhoneiras e de tropas estrangeiras conseguir submeter o grande Império Chinês, que contava com cerca de um quinto da população da Terra. A resposta deve ser procurada nas vastas e populosas áreas rurais da China. A ética do confucionismo garantia a legitimidade do poder imperial. Segundo essa ética, o Imperador era detentor do Mandato Celestial (Tiang Ming). Entretanto, se o Imperador se mostrasse inepto, os Céus lhe retirariam o poder, ocorrendo então a Ruptura do Mandato Celestial (Ge Ming). Segundo a lógica confuciana, o Ge Ming era prenunciado por “sinais”, tais como prodígios no céu, catástrofes climáticas, corrupção na burocracia e agitação agrária. Destes “sinais” devemos nos ater ao que nos parece mais importante: a agitação agrária. A história da China foi profundamente marcada por constantes rebeliões camponesas. Em alguns casos excepcionais estas rebeliões conseguiram derrubar o poder imperial. Não obstante, a queda de uma dinastia jamais significou o fim do sistema imperial. Uma vez deposto o Imperador, constituía-se uma nova dinastia, não raro fundada a partir do principal líder da rebelião. Desta forma, as rebeliões camponesas, longe de ameaçar a tradicional sociedade chinesa, estavam perfeitamente integradas a ela. Serviam para depor um Imperador inepto e alçar ao poder um novo, que restabelecesse os benefícios do Mandato Celestial. A penetração comercial europeia rompeu a frágil estabilidade social no campo. A produção artesanal entrou em declínio diante da concorrência dos produtos industrializados, e as indenizações de guerra pagas pelo Império aos estrangeiros significaram um contínuo aumento de impostos. Além disto, as novas necessidades de consumo por parte da elite chinesa somente poderiam ser satisfeitas mediante o aumento da exploração do campesinato. Consequentemente, a penetração comercial estrangeira na China coincidiu com uma série de rebeliões camponesas. A maior delas foi a Rebelião Taiping (1850-66), que chegou a controlar cerca de metade do território chinês, estabelecendo um “Reino Celestial de Paz Universal” com a capital em Nanquim. Visto por esse prisma, podemos perceber que o Imperador estava diante de dois inimigos: de um lado os “diabos estrangeiros” e de outro o seu próprio povo. Não é difícil perceber que o perigo mais iminente eram as rebeliões camponesas que se alastravam pelo Império. Em face deste quadro, o Imperador adotou uma política de capitulação em relação às potências estrangeiras para ter as mãos livres para reprimir a agitação interna. Deve se destacar ainda que a Rebelião Taiping foi sufocada a custa de cerca de 20 milhões de mortos. A crise do Império chinês do século XIX teve o seu epílogo em 1911. Neste ano ocorreu uma Ge Ming singular, que não inaugurou uma nova dinastia, mas sim uma República. Este movimento expressava os anseios de uma nascente intelectualidade urbana que propugnava a modernização da China em termos ocidentais. Era liderado pelo Partido Nacionalista da China (Kuomintang), e tinha como principal liderança política o médico Sun Yat-Sen. Entretanto, a República Chinesa teve curta duração. Em 1913 o general Yuan Shikai perpetrou um golpe de Estado que pôs fim a esta experiência Republicana. A partir de então, o poder se fragmentou na China, que passou a ser governada pelos Senhores da Guerra, chefes militares com poderes políticos locais. Em 1919, Sun Yat-Sen retornou do exílio, reorganizou o Kuomintang e fundou a República do Sul da China em 1921, com capital em Cantão.Tinha como estrela polar de sua política, a aliança com a URSS, o modelo de modernização a ser seguido. Revista do Professor - SINPRO ABC 29 Por este motivo aliou-se ao recém-fundado Partido Comunista da China (Kung Chan Tang). Liderou a primeira fase da Guerra Civil Revolucionária (192427), contra os Senhores da Guerra, com o intuito de reunificar a China. Sun Yat-Sen morreu em 1925, sendo sucedido pelo general Chiang Kai-Shek, que tinha estreitas relações não só com a alta burguesia chinesa, mas também com o Governo dos EUA. Ambos, por óbvios motivos, não viam com bons olhos a aliança do Kuomintang com os comunistas. Em 1927, uma vez vencidos os Senhores da Guerra, Chiang KaiShek rompeu a aliança com o Partido Comunista, assassinando mais de 5 mil militantes em Xangai (alguns foram atirados vivos em caldeiras de locomotivas). A ruptura entre o Kuomintang e os comunistas marcou o início de uma Segunda Guerra Civil Revolucionária (1927-37). Nesta época, Mao Tse-Tung dirigia uma escola de quadros para o movimento camponês no sul da China. Ainda no final de 1927, organizou um levante em Hunan, duramente reprimido pelas tropas do Kuomintang. Refugiou-se nas montanhas de Jinggang, próximas a província de Jiangxi, onde conseguiu agrupar as tropas fiéis aos comunistas, organizando os Soviets de Jiangxi. Expulsos das cidades, os comunistas estabelecem profundos laços políticos com o campesinato. Os Soviets de Jiangxi passaram a ser o centro da resistência comunista, e conferiram a Mao Tse-Tung uma posição de destaque. Entretanto as bases comunistas em Jiangxi estavam sob constante fogo inimigo. Suportaram quatro campanhas de cerco e aniquilamento movidas pelas tropas do Kuomintang. Em 1934, foi organizada uma quinta campanha, com mais de um milhão de soldados apoiados por artilharia e aeronaves. Diante dessa ofensiva, não restou outra alternativa à liderança comunista senão a de efetuar uma retirada estratégica. Esse episódio ficou conhecido como A Longa Marcha, uma retirada de cerca de 10 mil quilômetros até o noroeste da China, efetuada sob a perseguição e fogo inimigo. Dos aproximadamente 100 mil soldados vermelhos que iniciaram a marcha, somente cerca de 9 mil conseguiram atingir Yan´nam um ano depois. O Japão, que já ocupava o norte da China (Manchúria) desde 1931, iniciou a invasão da maior parte do restante do território chinês em 1937. Iniciou-se assim uma nova fase da história chinesa: a de Guerra de Resistência contra o Japão (1937-45). A atitude das tropas do Kuomintang e as dos comunistas em face desta invasão foram 30 Revista do Professor - SINPRO ABC diametralmente opostas. Enquanto o Exército Popular de Libertação (comunista) sustentava uma decidida resistência ao invasor sob a forma de guerra de guerrilhas, o exército do Kuomintang assumia uma postura contemplativa ou até mesmo de colaboração diante dos japoneses. Essa atitude refletia os interesses da classe dominante chinesa, que preferia o domínio japonês aos comunistas. A partir de então, aos olhos do povo, os comunistas passaram a ser vistos como os mais verazes defensores da nação chinesa, e o termo Hanjan – traidor da China – deixou de ter uma conotação exclusivamente patriótica, passando a ter também um sentido de classe. Com a retirada japonesa após o final da II Guerra Mundial, se estabeleceu um vácuo político que foi rapidamente preenchido pelos exércitos do Kuomintang (que ocuparam todas as cidades) e o Exército Popular de Libertação (que controlava a maior parte das áreas rurais). Tentou-se a formação de um Governo de coalizão, que fracassou devido às exigências feitas pelo Kuomintang de que os comunistas entregassem as armas. A vívida lembrança do massacre de Xangai impediu que os comunistas cometessem tal loucura, o que certamente equivaleria a um suicídio. Em função desse impasse, a China mergulhou numa Terceira Guerra Civil Revolucionária (1945-49). Os comunistas, fortalecidos pela sua brilhante atuação na II Guerra Mundial, rapidamente consolidaram o controle das áreas rurais, colocando a maioria das cidades chinesas sob cerco. Com o tempo, esse cerco foi se apertando e nas principais cidades chinesas começaram a ocorrer constantes agitações operárias e estudantis. Paulatinamente as cidades chinesas vão caindo nas mãos dos comunistas e Chiang Kai-Shek fugiu para a Ilha de Taiwan. Em Primeiro de Outubro de 1949, as tropas do Exército Popular de Libertação marcharam vitoriosas. Nesse mesmo dia, o camarada Mao TséTung proclamou a fundação da República Popular da China. Mais de um século transcorreu desde que as antigas estruturas do sistema imperial entraram em crise diante da penetração estrangeira. Muitas décadas se passaram desde que o Império ruiu e mergulhou a China no mais completo caos e guerra civil. Muitos anos se passaram sem que a China tivesse um Governo que exercesse a soberania sobre todo o seu território. Pela primeira vez depois de muitas décadas, o Tiang Ming estava restabelecido. Mas, diferentemente dos governos anteriores, não eram os mandarins imperiais ou títeres de potências estrangeiras que governavam: agora quem estava no poder era o povo. O triunfo da Revolução Cubana Cuba, 1º de janeiro de 1959. Colunas do Ejército Rebelde comandadas por Camilo Cienfuegos e Che Guevara avançaram rumo a Havana após conquistar a cidade de Santa Clara, na região central da Ilha. O ditador Fulgencio Batista fugiu do país com as malas devidamente recheadas de dólares, enquanto um general anti-batistiano – Eulogio Cantillo – intentava um golpe militar. A manobra deste último era astuciosa: pretendia ocupar o vácuo político-institucional decorrente do colapso do regime e impedir a tomada do poder pelos revolucionários. Naquele momento, Fidel Castro, o Comandante em Chefe do Ejército Rebelde, que recentemente havia conquistado a cidade de Palma de Soriano, mantinha Santiago de Cuba sob cerco. Ao inteirar-se dos acontecimentos, Fidel, através da Rádio Rebelde, lançou uma proclamação convocando o povo cubano a uma greve geral revolucionária. O povo aderiu entusiasticamente ao chamado, lançando-se às ruas, assaltando os corpos repressivos, detendo torturadores. Naquele dia, o povo converteu-se num gigantesco exército e ator decisivo do triunfo revolucionário. Historicamente, essa data se diferenciou de um outro evento que havia ocorrido em Cuba há exatos 60 anos. No dia 1º de janeiro de 1899, Cuba tornou-se independente. Entretanto, sobre as antigas fortalezas espanholas não foram hasteadas as bandeiras cubanas, mas a temível bandeira de listras e estrelas dos EUA. Nenhum povo do continente americano lutou por sua independência em condições tão difíceis quanto o povo cubano. Foram duas guerras de independência: a Guerra dos Diez Años (1868-1878), e a Segunda Guerra de Independencia (1895-98). Neste último conflito, morreram cerca de 80 mil soldados espanhóis e cerca de 400 mil cubanos. Tendo em vista que a população cubana era estimada em torno de 1,5 milhão de habitantes, poderíamos afirmar que essa guerra foi o Vietnã do século XIX, segundo expressão de Fidel Castro. Em 1898, quando as tropas independentistas cubanas praticamente já controlavam a maior parte das áreas rurais de Cuba, os EUA intervieram no conflito – supostamente para “ajudar os cubanos” – e de maneira oportunista se apoderaram do país. O primeiro Governo “cubano” foi o da intervenção militar estadunidense que perdurou até 1902. Durante o Gobierno Militar do EUA, foi criada a maioria dos mecanismos institucionais e econômicos que garantiram o domínio neocolonial sobre Cuba. Como anexo a Constituição cubana, foi imposta a Enmienda Platt, que dava o direito aos estadunidenses intervirem militarmente na Ilha, e ainda o direito a uma base naval em Guantánamo. O Gobierno Militar inaugurou também a corrupção e a fraude eleitoral em Cuba para eleger alguém de confiança como Presidente. Tratava-se de Tomás Estrada Palma, que tinha dupla cidadania e foi eleito sem sequer estar em território cubano. A história política de Cuba na primeira metade do século XX pode ser resumida, a grosso modo, numa sucessão de governos oligárquicos, permeados por ditaduras e intervenções militares dos EUA. Entretanto, o principal mecanismo de sujeição de Cuba ao imperialismo não era o militar, mas o econômico. Ainda no século XIX, os interesses da burguesia açucareira cubana e de empresas estadunidenses se entrelaçavam. Esta situação aprofundou-se durante o Gobierno Militar que, através de Ordens Militares, expropriou terras de grande parte do campesinato. Desta forma, empresas dos EUA – e também latifundiários cubanos - se apropriaram de vastas extensões de Cuba. Mecanismos comerciais e alfandegários garantiam vantagens para o açúcar produzido em Cuba no mercado estadunidense. Desta situação se beneficiavam principalmente as empresas estadunidenses estabelecidas na Ilha, mas também, na qualidade de sócios menores, a burguesia açucareira cubana. Dentro desse quadro, a possibilidade de realização de lucros por parte do setor mais poderoso da burguesia cubana estava atrelada a manutenção dos mecanismos de sujeição política e econômica em relação aos EUA. Em troca da garantia para o açúcar cubano no mercado estadunidense, o Governo cubano teve que fazer uma série de concessões que obstaculizaram o desenvolvimento de outras áreas da economia. Crescentemente Cuba tornou-se um país monoprodutor de açúcar, que exportava para um único mercado: os EUA. Em relação às camadas médias urbanas, essa deformação da economia reduzia as suas possibilidades de ascensão, ou até mesmo de manutenção de seu status quo. Por parte do proletariado (em grande parte rural), o caráter sazonal da economia açucareira limitava o acesso a empregos estáveis. Quanto ao campesinato, esse era crescentemente vítima de expulsões de suas terras, para dar espaço ao constante avanço dos Revista do Professor - SINPRO ABC 31 latifúndios para novas áreas de cultivo. Diante da postura neocolonial da classe dominante cubana, não é de se estranhar que a bandeira de luta pela emancipação nacional acabasse empalmada pelos setores descontentes da sociedade cubana. Cedo o proletariado cubano soube vincular a luta pela emancipação social à luta pela emancipação nacional. O Partido Comunista de Cuba soube incorporar estas duas dimensões da luta desde a sua fundação em 1925. Rapidamente colheu os seus frutos: antes da Revolução, tornou-se o terceiro maior Partido Comunista do continente. Em 1952, Cuba estava submetida a uma nova ditadura. No ano seguinte, um grupo de jovens, determinados a enfrentar a tirania com armas em punho, intentou tomar o Quartel Moncada, em Santiago de Cuba. A operação fracassou, alguns dos jovens caíram em combate, e muitos outros foram assassinados após a captura. Os que sobreviveram foram presos, julgados e sentenciados. Mais tarde foram anistiados e reagrupados no exílio em terras mexicanas. Ainda no México, o médico argentino Che Guevara incorporou-se ao grupo liderado por Fidel Castro, cujo objetivo era desembarcar em Cuba e reiniciar a luta contra a ditadura de Fulgencio Batista. No México, em 25 de novembro de 1956, 82 expedicionários embarcaram no iate Granma – de apenas 12,5 metros de comprimento. Desembarcam em Cuba no dia 2 de Dezembro. Depois de um primeiro combate desfavorável, o grupo foi reduzido a cerca de 15 homens dispersos, alguns desarmados, outros feridos. Não obstante, a região do desembarque ocorreu próximo a região da Sierra Maestra, na região oriental da Ilha, onde existia um mobilizado campesinato que resistia à geofagia dos latifundiários. Os sobreviventes do Granma foram acolhidos no seio desta população camponesa, protegidos e alimentados. A partir deste pequeno grupo de sobreviventes, e com a incorporação de camponeses da região, rapidamente se desenvolveu uma guerrilha na Sierra Maesta. Surgiu assim, o Ejército Rebelde. Depois de algumas vitoriosas escaramuças iniciais, o Ejército Rebelde cresceu em número, a ponto de criar um território livre na Sierra. No início de 1958, a guerrilha contava com um efetivo de aproximadamente 300 homens. O ditador Fulgencio Batista, com intuito de esmagar o movimento, organizou uma ofensiva de cerco e aniquilamento em maio daquele ano. Esta ofensiva contava com cerca de 10 mil homens, apoiados por artilharia, blindados e aeronaves. Durante 32 Revista do Professor - SINPRO ABC os 76 dias desta ofensiva, combateu-se com ferocidade, e surpreendentemente, para completa desmoralização do regime de Batista, o Ejército Rebelde saiu-se vitorioso. A partir de então, a guerrilha passou a atuar fora de suas bases na Sierra, colocando sempre as forças repressivas em xeque. Alguns meses mais tarde, o ditador, totalmente desmoralizado, fugiu do país em 1º de janeiro de 1959. No dia seguinte, Fidel Castro à frente da Coluna nº 1 marchou pelas ruas de Santiago de Cuba, ocupando simbolicamente o Quartel Moncada, local onde havia desfechado a sua primeira ação em 1953. Naquela noite, em meio ao júbilo popular, fez o seu primeiro discurso após a queda de batista. Neste discurso, além de referências históricas sobre as duas datas, 1º de janeiro de 1899 e de 1959, Fidel também se referiu ao inevitável conflito com os EUA: “Desta vez não se frustrará a Revolução. Desta vez, para sorte de Cuba, a Revolução chegará de verdade até o final; não será como em 1895, quando vieram os americanos e fizeram-se donos do país; intervieram na última hora e depois nem sequer a Calixto García, que havia lutado por 30 anos, deixaram entrar em Santiago de Cuba; ... Nem Ladrões, nem traidores, nem intervencionistas, desta vez sim, é uma Revolução ...” * Prof. Dr. José Rodrigues Máo Júnior Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo – IFSP Campus Cubatão Autor de: A Revolução Cubana e a Questão Nacional (1868-1963) (Núcleo de Estudos d’O Capital). Co-autor de: A Revolução Chinesa: até onde vai a força do dragão? (Scipione). Cultura Os cem anos da portuguesinha com coração brasileiro Centenário de Carmen Miranda é comemorado com lembranças e homenagens à estrela que levou o nome do Brasil para o mundo O que é que a baiana tem? Quem respondeu e representou, com muito charme e singularidade a mulher brasileira em todo mundo, sequer nasceu na Bahia ou muito menos no Brasil. Maria do Carmo Miranda da Cunha nasceu no Distrito do Porto, em Portugal, no dia 9 de fevereiro de 1909. Como ‘Maria do Carmo’ era conhecida pelos familiares, porém, como Carmen Miranda foi reconhecida internacionalmente, não só como a mulher das roupas coloridas e das frutas na cabeça, mas, também, como uma das maiores cantoras populares das décadas de 30 a 50. No livro "Carmen Miranda - A Cantora do Brasil", Abel Cardoso Junior, jornalista e historiador explica: "O nome ‘Carmen’ trata-se de abreviação de Maria del Carmen, que é o mesmo que Maria do Carmo”. A carreira Carmen veio para o Brasil em 1910, com a mãe Olinda. Segundo o livro de Abel Cardoso Jr., Olinda também era dona de uma linda voz e Carmen teria herdado da mãe a vocação artística. Aos vinte anos, Carmen cantou no Instituto Nacional de Música, Rio de Janeiro. Na platéia, Josué de Barros, compositor baiano, assistiu a apresentação e se interessou pela carreira da cantora. No mesmo ano, em 1929, Carmen se apresentou na Rádio Sociedade e, poucos meses depois, gravou o primeiro disco no selo Brunswick com as canções Não Vá Sim´bora e Se o Samba é Moda. O ano de 1930 foi o ano da consagração. Em fevereiro, a marchinha “Ta hi” foi lançada e os foliões do carnaval cantaram “Yá Yá Yô Yô”. Em junho, o jornal “O País” divulgou uma entrevista com a Carmen e a intitulou como a maior cantora popular brasileira. Em março de 1933, estreou o primeiro filme, Revista do Professor - SINPRO ABC 33 “A Voz do Carnaval”, no Cine Odeon. Em agosto do mesmo ano, César Ladeira assumiu a Rádio Mayrink Veiga, com quem Carmen assinou contrato de dois anos. César batizou a cantora como “Ditadora Risonha do Samba” e com aquele que se tornou um dos mais marcantes apelidos de Carmen: A Pequena Notável. Tempos depois, Carmen passou a ser chamada, também, por “Embaixatriz do Samba”. Em 1939, destaca Abel Cardoso, Carmen gravou com Dorival Caymmi “O que é que a baiana tem” e estreou o filme “Banana da Terra”. A partir de então, o figurino de baiana se tornou a marca da cantora, pela qual seria lembrada eternamente, assim como sua voz e performance nos palcos. O mundo conhece o que é que a baiana tem! Em maio de 1939, Carmen chegou a Nova Iorque. “29 de maio de 1939: Estreia na revista ‘Streets of Paris’, em Boston, com êxito estrondoso. Já popular, é homenageada no Jockey Club da cidade com um páreo que leva seu nome. Dizia a imprensa: ‘sua graça pode ser comparada a dos ídolos de um antigo templo asteca (sic)’” (Abel Cardoso Junior - "Carmen Miranda - A Cantora do Brasil") No ano seguinte, a Pequena Notável esteve na Casa Branca e se apresentou para o presidente Roosevelt. Com a ascensão na carreira internacional, o público brasileiro recebeu Carmen friamente no Cassino da Urca e acusaram-na de ter se americanizada. Essa polêmica fez com que a cantora gravasse uma série de canções em resposta às críticas de americanização. Sobre a paixão pelo país e pelos costumes brasileiros, Carmen desabafou: “Nasci em Portugal, mas me criei no Brasil e, portanto, considero-me brasileira. O local do nascimento não importa, nem sequer o sangue. O que importa é o que os americanos chamam de ‘environment’, a influência do país e dos costumes que nos geraram. Da minha parte, sou mais carioca, mais sambista de favela, mais carnavalesca do que cantoras de fados. O sangue tem uma certa importância, mas só no temperamento, não na maneira de sentir as coisas”. A frase foi dita à amiga e jornalista Dulce Damasceno de Brito, que a publicou no livro “O ABC de Carmen Miranda”, com outras polêmicas declarações. “Adotei o Brasil (ou ele me adotou) como país de estimação e afinidades e também gosto muito dos States, onde fui realmente consagrada, embora 34 Revista do Professor - SINPRO ABC estrangeira. Sinto muito em dizer, mas Portugal nada me significa, apesar do amor por meu país”, completou Carmen. Carmen foi a primeira sul-americana a deixar a marca das mãos e sapatos na calçada do Teatro Chinês de Los Angeles, em 1941, e, dez anos mais tarde, foi a artista de show que mais ganhou dinheiro nos Estados Unidos. Em 1953, a Europa também recebeu os shows de Carmen Miranda. Em outra passagem do livro de Dulce, Carmen relata: “Sou orgulhosa da figura que consegui implantar no mundo do ‘show bussiness’ como a baiana do Brasil, minhas roupas, sapatos, turbantes e balangandãs. Também tenho orgulho danado de ter sido a pessoa que mais faturou nos Estados Unidos em 1944, segundo levantamento do Departamento do Imposto de Renda. Passei à frente de outros artistas e até do presidente! Mas, pessoalmente, não sou ‘orgulhosa’ no sentido especial da palavra. Na verdade, acho que sou até humilde demais, às vezes”. A morte “Tenho pavor de morte em hospital, com doença incurável. Peço a Deus que, quando chegar a hora, me fulmine com um ataque cardíaco para que eu não enfrente ‘essa senhora’ largada em uma cama, cheia de dores”, dizia Carmen. Foi o que aconteceu. Aos 46 anos de vida, a cantora fazia uso de diversos remédios - estimulantes e calmantes - para suportar a intensa rotina de trabalho. Muitas vezes, o álcool e o cigarro acompanhavam a medicação. O uso frequente desses remédios gerou uma série de efeitos colaterais e dependência química, o que debilitou a saúde de Carmen Miranda. No dia 5 de agosto, em Beverly Hills, onde morava, a Pequena Notável se divertiu com alguns amigos e foi para o quarto, local onde faleceu, vítima de uma parada cardíaca. Para a despedida, mais de 60 mil pessoas estiveram presentes no velório realizado na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro, em 12 de agosto. No dia seguinte, o sepultamento de Carmen Miranda reuniu entre 500 mil e 1 milhão de pessoas no Cemitério São João Bastista. Abel Cardoso destaca em seu livro: “Foi o mais concorrido de toda a história do Rio, debaixo de profunda comoção popular, apesar dos 15 anos sem nenhuma apresentação pessoal de Carmen no Brasil e já transcorridos 8 dias de seu falecimento. O Hospital Souza Aguiar atendeu a 182 casos de crise emocional”. Sindical A educação e o Fórum Social Mundial 2009 Diretores do SINPRO ABC participam do Fórum e colocam em debate os temas envolvendo a categoria SINPRO ABC Revista do Professor - SINPRO ABC 35 B rasileiros, estrangeiros, índios, brancos, negros, homens, mulheres, professores, agricultores, sindicalistas, estudantes... seres humanos. Povos diferentes, que se misturam e lutam por um objetivo em comum: “um outro mundo é possível”. Na edição de 2009, no Pará, o Fórum Social Mundial atraiu, segundo a organização do evento, mais de 133 mil pessoas, de 142 países. Entre esses participantes estavam Jorge Gonçalves e Paulo Yamaçake, ambos professores e diretores do SINPRO ABC. O evento foi realizado de 27 de janeiro a 1º de fevereiro. Entre os diversos temas discutidos, destacaram-se a crise mundial, economia, educação, equidade de direitos, meio ambiente e outras questões sociais e políticas. Para conferir todas as deliberações, clique aqui e acesse o portal oficial do Fórum Social 2009. Educação no Fórum Na tenda“Mundo do Trabalho”, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino, Contee, montou um estande para receber visitantes e esclarecer dúvidas relacionadas à educação. A campanha “Educação Não é Mercadoria” foi tema de um seminário, realizado no dia 30 de janeiro, e atraiu mais de 230 pessoas na Universidade Federal do Pará. Aos presentes foram entregues as revistas Conteúdo e Educação Não é Mercadoria, ambas da Contee, além de panfletos explicativos. Segundo a Confederação, “o interesse dos participantes do FSM pelo tema foi tão grande que foi preciso realizar o seminário em duas edições, para que todos pudessem acompanhar”. “O FSM é um espaço democrático para a troca de ideias e informações numa busca coletiva pela construção de um ‘outro mundo possível’. Um mundo sem injustiças, discriminações e no qual todos tenham as mesmas oportunidades de viver, além de sobreviver, e se desenvolver plenamente”, avalia a Contee. Para a secretária geral da Confederação, Cristina Castro,“todos saíram com o compromisso de entrar nesta luta e divulgar a Campanha ‘Educação não é mercadoria’. Foi um saldo muito positivo”. Todos contra a desnacionalização Outro ponto forte do FSM foi a Assembleia da Educação, realizada no último dia do Fórum. Na ocasião, movimentos sociais e órgãos relacionados à educação aprovaram ações conjuntas para barrar a desnacionalização do ensino no Brasil. “Diante das informações prestadas pela Contee, foi proposto que o Fórum se torne um instrumento de articulação das várias iniciativas das entidades no sentido de barrar o processo de desnacionalização da educação”, finaliza a Confederação. Entre os participantes da assembleia estavam representantes da Campanha Mundial de Educação, o Fórum Mundial de Educação, a Universidade de Movimentos Populares, a CEAAL (Conselho de Educação de Adultos da América Latina), a OCLAE (Organização Continental LatinoAmericana e Caribeña de Estudantes), a Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação, a Internacional da Educação da América Latina, a ICAE (International Council for Adult Education), a REPEM (Rede de Educação Popular entre MULHERES), FISC (International Civil Society Forum), entre outros. Fórum da Educação Paralelamente ao Fórum Social Mundial, ocorreu o Fórum Mundial da Educação. Nesse evento foram discutidas, em plenárias, as temáticas “Educação, desenvolvimento e economia solidária”, “Educação cidadã e ética planetária: inclusão e diversidade”, “Educação, direitos humanos, cooperação e cultura de paz”, “Educação, meio ambiente e sustentabilidade”, “Educação de jovens e adultos na perspectiva da educação popular” e “Educação emancipatória no contexto da comunicação e das tecnologias”. Duas conferências também foram realizadas, com os temas “Educação e Transgressão na construção da Cidadania Planetária” e “Educação, Diálogo e Utopia: Identidades Culturais em conflito”. Segundo os organizadores, mais de 10 mil pessoas inscreveram-se para participar do FME, o que demonstra a importância do tema Educação na construção do outro mundo possível. O interesse dos participantes do FSM pelo tema foi tão grande que foi preciso realizar o seminário em duas edições, para que todos pudessem acompanhar 36 Revista do Professor - SINPRO ABC Sala de aula Fórum Social Mundial Belém - 2009 Decepção e Catarse Por Jorge de Barros* S eguir na marcha de abertura do Fórum Social Mundial, sob a chuva abençoada – puro suor da Amazônia – acompanhando tantas cores, tantos rostos, tantas línguas e sotaques, tantas lutas, tantos sonhos e utopias... foi catártico. Perceber as contradições irreconciliáveis, a mesquinharia de alguns partidos arautos do “farinha pouca, meu pirão primeiro”, os oportunismos de última hora, a arrogância infantil dos que creem sua luta superior às demais... foi decepcionante. Ouvir as grandes vozes das grandes mulheres, dos grandes homens, que, seguindo a orientação de Sartre, elegeram uma bandeira e descruzaram os braços, desceram dos muros das teorias para juntar mãos militantes na construção do outro mundo possível... foi catártico. Ouvir asneiras dos que diminuíram o Fórum como “ninho dos desocupados”, “mero celeiro de hippies e rebeldias anacrônicas” ou, ainda pior, perceber que há certa classe de “militontos”, que vomita ecologismos e socialismos, mas só pratica o hedonismo e o proselitismo... foi decepcionante. Conhecer a Belém dos pescadores veneráveis, dos vendedores simpáticos do Ver-O-Peso, das bruxas de encantamentos coloridos, da juventude de iaras e botos, do carimbó, do tacacá, da maniçoba... foi catártico. Descobrir que, ao se preparar para o Fórum, os poderes da cidade sumiram com mendigos, viralatas e urubus (sabe-se lá o que fizeram a eles), sem falar na repressão à população pobre durante o Fórum, impedida de participar pela taxa de 30 reais ou pela borracha da polícia... foi decepcionante. Presenciar tantos povos indígenas reunidos e, mais do que isso, organizados. Vê-los passar durante a marcha, com seu colorido, seus movimentos, seus passos, seus semblantes. Tudo próprio e original como toda cultura original... foi catártico. Presenciar a vexaminosa postura dos que se digladiavam para tirar uma foto ao lado de um índio, como se o mesmo fosse um boneco da Disney, evidência da tamanha distância que separa brasileiros de brasileiros nativos, sem falar na demora da organização do Fórum em terminar a tenda dedicada aos índios (deveria ter sido prioridade)... foi decepcionante. Ver a história arquitetônica da cidade, a Basílica de Nazaré, os casarões, o centro velho, as vielas históricas, as mangueiras centenárias, o Forte do Castelo, a Casa de 11 Janelas... foi catártico. Ver a mesma história corroída e esquecida, com rachaduras tecidas pelo tempo ou reformas (mal) realizadas por mãos inábeis... foi decepcionante. Mas difícil mesmo é descrever o maior misto de catarse e decepção a que se poderia chegar nesse importante evento: A catarse das vozes dos povos, os matizes de suas lutas: Indígenas, Quilombolas, Sem Terra, Sem Universidade, Marcha das Mulheres, Povos Sem Estado, GLBT’s, Palestinos, Periféricos, Atingidos Por Barragens, Igrejas, Defensores dos Animais, Trabalhadores e Sindicatos... mas, ao apurar ouvidos e olhos, em busca de uma voz unânime, de uma cor predominante, de uma idéia geral que unisse tantas lutas dissonantes... a decepção de não encontrar nada... Ou apenas a musa frágil (porém musa!) do lema: “Um Outro Mundo É Possível”. Nem mesmo com relação ao mote do Fórum de Belém – a Amazônia –, há consensos visíveis: existem os que defendem o paraíso absolutamente intocável, contra os que preferem o estudo sistemático para proveito da própria região e da ciência, em outras palavras, a exploração Revista do Professor - SINPRO ABC 37 sustentável. Também há quem fale em patrimônio da humanidade, mas contra estes se erguem as vozes de latino-americanos que bradam: “A Amazônia É Nossa”, chamando, dessa forma, atenção para a nossa responsabilidade frente ao uso/preservação desse fantástico bioma. Mas será que consensos são possíveis nesse universo de idéias multicores? O fórum clama: “Um Outro Mundo É Possível!” e a sociedade, meio cética, meio apática, cruza os braços, olha de soslaio, e pergunta: “Qual”? Confesso que eu mesmo fui a este Fórum Social, o primeiro da minha vida, com o intuito de buscar respostas. E eis que retorno cheio de decepções... e catarses, mas resposta nenhuma. Acontece, porém, que também encontrei muita gente tentando, ao seu modo, fazer um outro mundo possível... índios que vieram exigir saúde ou mostrar e ensinar para seus “parentes” projetos de reflorestamento, jornalistas que ainda acreditam no poder da informação para a difusão de novas idéias e ideais, comunidades e movimentos sociais que, de diversas maneiras, criaram redes de economia solidária. Micro-soluções locais, pequenos gestos de boa vontade, solidariedade, fé... E também os grandes movimentos sociais, organizados contra os latifúndios, contra as grandes empresas poluidoras, contra as guerras movidas pelo capital, contra a poluição do meio-ambiente, contra a escravidão e todo o tipo de opressão. Aliás, percebi que se amplia, cada vez mais, a noção de que as lutas sociais e as ecológicas não podem seguir dissociadas. Defender o meio ambiente sem pensar na erradicação da pobreza é falácia, da mesma maneira que a luta por justiça 38 Revista do Professor - SINPRO ABC social que ignore o conceito de sustentabilidade do planeta é pura ignorância. Enfim, percebi que as forças como as que atuaram no Fórum Social Mundial, com todos os seus embates e contradições, são como uma obra em pontilhismo: se nós olharmos de perto, veremos uma confusão irritante de pigmentos, aparentemente sem sentido, superficialmente caótica. Mas se nos afastarmos lentamente (e esse afastamento só é possível com a passagem do tempo), uma forma vai surgir, como mágica, frente a nossos olhos. Entretanto, é impossível enxergá-la agora: o quadro está bem à frente do nosso nariz, estamos imersos demais dentro dele para perceber. E os pintores desse quadro, os povos do mundo, os movimentos sociais, usam o pincel da boa vontade e as cores da insatisfação... Só o passar dos anos nos permitirá olhar, com nitidez, tudo o que se está construindo a partir de eventos como esse. Mas a melhor coisa, creio eu, não é ficar só esperando pra ver qual forma irá constituir o mundo futuro. O ideal é pegarmos nossa boa vontade e nossa revolta e nos juntarmos ao coro da humanidade ofendida. Pois enquanto um só Ser Humano estiver sob a bota da opressão e a Natureza sofrer com nossa ação predatória, não haverá redenção para a Humanidade. Entretanto Ela também estará definitivamente perdida, no dia em que ninguém tiver voz para gritar contra a injustiça e a violência que atinge nossos irmãos e nossa Mãe-Terra. ABC Jorge de Barros, professor e diretor do SINPRO Revista do Professor - SINPRO ABC 39 Quem é PRO FES SOR é SINPRO ABC O SINPRO ABC conta com um grande número de professores e professoras associados, que são responsáveis por conquistas como: garantia semestral de salários, pagamento de janelas e horas-atividade, descanso semanal remunerado (DSR), pagamento antecipado de férias, abono de 1/3 sobre o pagamento de férias, bolsa de estudo para dependentes, garantindo o seu poder aquisitivo, entre outros direitos assegurados através da Convenção Coletiva de Trabalho. Você, que ainda não é sócio, faça a sua parte! Vamos trabalhar ainda mais pela nossa valorização profissional e por qualidade no ensino privado. Sindicalize-se 40 www.sinpro-abc.org.br Revista do Professor - SINPRO ABC
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