Mídia e Liberdade de Expressão - International Center for Journalists

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Mídia e Liberdade de Expressão - International Center for Journalists
Mídia e
Liberdade de
Expressão
nas Américas
© Copyright 2004 International Center for Journalists, Washington, D.C. 1
Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas
Mídia e
Liberdade de
Expressão
nas Américas
Produzido pelo
International Center for Journalists
1616 H Street NW
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Washington, DC 20006 USA
T: 1-202-737-3700
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Robert R. McCormick Tribune Foundation
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F: 1-312 222-3523
e-mail: [email protected]
web: www.rrmtf.org
Autor do livro de texto
(manual de estudo)
Fernando Guier
Luis Manuel Botello
Editores
Luis Manuel Botello
Daniela Colaiacovo
Renata Jacques Johnson
Lucía Migliónico
Tradutor
Andreia Vieira
Conteúdo
Sócios no Projeto
Prefácio
Como Utilizar o Vídeo
Introdução
Primeira Parte: Leis Restritivas
Segunda Parte: Manipulação dos Meios de Comunicação
Terceira Parte: Terror e Intimidação
Quarta Parte: Outros Obstáculos à Liberdade
de Expressão
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Quinta Parte: Estratégias para Promover a Liberdade
de Expressão e de Imprensa
Apêndice A: Recursos
Apêndice B: Fontes de Informação na Internet
Apêndice C: Bibliografia
Apêndice D: Decupagem da Fita
Apêndice E: Gráficos com Resultados dos Seminários
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Sócios no Projeto
O Centro Internacional para Jornalistas (International Center for Journalists –
ICFJ) organizou um ciclo de seminários sobre liberdade de expressão na
América Latina e produziu este vídeo e livro de texto. O ICFJ foi estabelecido
em 1984 com o objetivo de melhorar a qualidade do jornalismo nas nações com
pouca ou nenhuma tradição de jornalismo independente. O Centro acredita que
uma imprensa vigorosa e independente é uma das armas mais poderosas na luta
pela liberdade e pelos direitos humanos. A maioria das pessoas do mundo não
tem nenhum tipo de acesso a fontes de informação confiáveis e muitos
jornalistas enfrentam pressões políticas de forma cotidiana, e até mesmo exílio,
ou situações ainda piores, na batalha para criar os princípios básicos de uma
imprensa livre, garantindo assim uma democracia estável. O ICFJ proporciona
programas de desenvolvimento profissional que promovem a excelência na
cobertura de notícias em comunidades em condição crítica e em temas globais.
O Centro oferece diversas bolsas de estudo, intercâmbios e conduz seminários
de treinamento, workshops e conferências, além de oferecer uma grande
variedade de serviços de consultoria. O Centro é um líder global nesta área.
Desde 1984, O ICFJ trabalhou com mais de 16.000 jornalistas e outros
profissionais da mídia em mais de 170 países e as atividades não param de
crescer.
A Fundação Robert R. McCormick Tribune financiou este projeto. A
Fundação foi estabelecida em 1955 como um fundo de caridade após o
falecimento do Coronel Robert R. McCormick, editor do jornal Chicago Tribune.
Desde 1989, a Fundação tem concedido fundos a programas nas áreas de
comunidades, jornalismo, educação e cidadania. McCormick desempenhou um
importante papel no jornalismo americano durante a primeira metade do século
vinte. A partir de um único jornal, ele construiu a Tribune Company, um grande
conglomerado jornalístico que consiste de vários jornais, emissoras de rádio e
televisão e fábricas de papel de jornal. Em seu testamento, McCormick
especificou apenas que sua fortuna fosse usada com “objetivos religiosos,
científicos, literários e educacionais, ou para a prevenção de crueldade contra
crianças ou animais.” Isto permitiu que a fundação desse apoio a uma ampla
variedade de esforços, inclusive o apoio à sua missão nas comunidades, na
educação, no jornalismo e na cidadania.
4
Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas
Sócios no Projeto:
Fundación Violeta Barrios de Chamorro, Nicarágua • Asociación de la Prensa
Uruguaya (APU), Uruguai • Sindicato de Periodistas del Paraguay, Paraguai •
Centro Internacional de Estudios Superiores de Comunicación para América
Latina • CIESPAL, Equador • Instituto Prensa y Sociedad (IPYS), Peru • Centro
Latinoamericano de Periodismo (CELAP), Panamá • Universidad
Iberoamericana, México • Universidad Diego Portales, Chile • Universidad
Privada de Santa Cruz de la Sierra (UPSA), Bolívia • Universidad de San Pedro
Sula, Honduras • Universidad de Costa Rica, Costa Rica • Universidad Católica
Andrés Bello, Venezuela • Universidad Centroamericana “José Simeón Cañas”, El
Salvador • Fundación para un Nuevo Periodismo Iberoamericano (FNPI),
Colômbia.
Agradecimentos especiais para:
Academia Mexicana de Derechos Humanos • Miguel Acosta • Asdrúbal Aguiar •
Ana Carolina Alpirez • Rosental Alves • Octavio Amat • Pedro Enrique
Armendares • Asociación de la Prensa Uruguaya • Gregorio Badeni • Miguel
Antonio Bernal • Marco Antônio Bezerra Campos • Suzanne Bilello • David
Boldt- Santiago Canton • Sean Casey • Lucía Castellón • Centro Latinoamericano
de Periodismo, Panamá • Daniela Colaiácovo • Cristiana Chamorro • Chilevisión,
Santiago, Chile- Luisa Chiossone • Ecuavisa, Ecuador • Freedom Forum, Virginia-EEUU • Mario Fuentes Destarac • Iván García • Globovisión,Venezuela •
Fernando Guier • Edgar Jaramillo • Max Jennings • Priscilla Juliao • Instituto
Prensa y Sociedad, Peru • Deborah Kirk • Zuliana Lainez • Jairo Lanao • Edison
Lanza • Miguel López • Lia Luz • Joe McGowan • Gonzalo Mehech • Julio
Muñoz • Bob Ortega • Ana Tereza Pereira • La Prensa, Panamá • Maria Olga Paiz
• RCN Televisión-Colômbia • Reforma, México • Jonathan Roeder • Meriemil
Rodríguez • Rolando Rodríguez • Ingrid de Steinbach • Televisora Nacional Canal
2, Panamá • José Ugaz • Universidad Diego Portales, Chile • Armando Urtecho •
Ernesto Villanueva López • María Teresa Zazueta
Estúdio de edição e produção do vídeo
Hard Working Pictures, St. Paul, MN
Estúdio de gravação de áudio
AlphaBeat Studio, Washington D.C.
Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas
5
Prefácio
A
configuração dos sistemas de meios de comunicação na América latina é
tão diversa quanto seus habitantes e suas culturas, encontrando-se em
diferentes etapas de desenvolvimento. Os temas e desafios que os jornalistas e
seus meios de comunicação enfrentam variam muito. Na Guatemala, uma
nascente imprensa independente tenta estimular a jovem democracia. No México,
os jornais e os canais de televisão estão tentando derrubar a debilitante influência
política e a corrupção. Nos Estados Unidos, o antigo e histórico sistema
jornalístico está aumentando cada dia mais sua concentração de proprietários e
sua ênfase nos lucros. Não obstante, há uma luta que se destaca entre todas as
outras, que está sendo combatida desde o Alasca até a Terra do Fogo e esta é a
luta pela liberdade de imprensa.
A importância vital de prestar informação precisa às sociedades livres – papel
primordial dos meios de comunicação – é universalmente reconhecida no mundo
inteiro. Por isto, são assegurados aos jornalistas alguns direitos fundamentais
através de uma vasta estrutura de convenções globais de direitos humanos e de
leis e precedentes internacionais. Estes direitos universais estão garantidos na
maioria das constituições e sistemas jurídicos vigentes no Hemisfério Ocidental.
Não obstante e apesar de que muitos deles tiveram uma educação formal em
jornalismo, em sua tarefa quotidiana vários jornalistas ainda entendem pouco
sobre os direitos e a proteção que são frutos da liberdade de imprensa. Este é um
problema grave já que a luta para proteger esses direitos e praticar o jornalismo
sem impedimentos externos se dá constantemente desde a linha de frente.
Com a ajuda da Fundação Robert R. McCormick Tribune de Chicago, o
Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ segundo sua sigla em inglês) lançou
uma iniciativa em 1999 para reunir jornalistas em atividade, editores, advogados e
organizações que defendem os direitos humanos numa série de reuniões com o
propósito de examinar temas de liberdade de expressão.
Durante três anos, o ICFJ realizou 17 seminários em 16 países de todo o
continente americano. Esses seminários contaram com a participação de mais de
350 jornalistas, a maioria deles provenientes de aproximadamente 150 pequenas
cidades distantes das grandes metrópoles. O resultado desses seminários foi o
lançamento de uma discussão profunda desses temas e o desenvolvimento de
novos recursos e ferramentas para defender a liberdade de expressão.
Este manual é um guia para o vídeo intitulado Mídia e Liberdade de Expressão
nas Américas, produzido com a informação e a vivência que os jornalistas da
América Latina acumulam diariamente na sua luta pela liberdade de expressão.
Este formato procura não ser arbitrário ou emitir conclusões; pelo contrário, seu
6
Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas
desenho busca estabelecer as bases para que os jornalistas possam ter novas
informações e desenvolver uma discussão sobre os casos de liberdade de
expressão, que seja duradoura e bem informada. Apesar de cobrir uma
variedade de temas – desde leis repressivas até ameaças de violência – o vídeo
só toca a superfície deste tema tão vasto.
Esperamos que este vídeo estimule aqueles que o vejam a intensificar o
diálogo com seus colegas, ajudando a educá-los sobre o tema da liberdade de
expressão. Apesar das diferenças que existem entre a imprensa da América do
Norte e a do Sul, a batalha pela liberdade de expressão é um ponto que ambas
tem em comum. É uma batalha que devem enfrentar ombro a ombro.
Desejo enviar meu mais sincero agradecimento a centenas de valentes
jornalistas que participaram nesses seminários, dando a essência e o sentido a esse
projeto. Além do mais, gostaria de agradecer especialmente aqueles cuja
dedicação e determinação fizeram possível a realização deste manual e deste
vídeo.
Gostaria também de expressar minha mais profunda gratidão a Mark Hallett e
a Vivian Vahlberg da Fundação McCormick Tribune, cujo apoio tem sido e
continua sendo inestimável. A Fundação foi também patrocinadora de outras
iniciativas do ICFJ sobre a ética jornalística na América Latina, que reuniram
jornalistas, proprietários de meios e acadêmicos numa série de quatro
conferências em que se discutiu a importância dos padrões éticos no jornalismo.
Muito obrigado a Luis Botello, Diretor de Programas da América Latina,
graças a sua organização e excelente implementação do projeto nos últimos três
anos. Além de assistir pessoalmente cada um dos 17 seminários, ele produziu e
escreveu o vídeo e foi o editor deste manual. Também um cálido agradecimento a
Fernando Guier, advogado de La Nación, Costa Rica, que durante todo o projeto
nos proporcionou seu conselho legal e, além disso, foi autor de grande parte do
manual. E a Lucía Miglionico, encarregada de programas da América Latina que
deu uma grande ajuda na edição e produção deste manual.
Um reconhecimento especial ao pessoal do ICFJ que trabalhou neste
projeto: Celia Battacharya, Patrick Butler, Daniela Colaiácovo, Jill Gallagher,
Debbie Hodges, Susan Lavery e Javier Sierra. Além disso, quero agradecer a
Ivonne Bruneau e a Hard Working Pictures, empresa produtora dirigida por Dan
Luke e Laurie Stern, que também produziram o vídeo de ética.
Whayne Dillehay
Diretor Associado
Centro Internacional para Jornalistas
Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas
7
Como Usar o Vídeo
O
vídeo “Meios e Liberdade de Expressão nas Américas” foi produzido
durante o desenvolvimento de um projeto de três anos (2000-2002)
realizado pelo Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ). O projeto consistiu
na organização de 17 seminários em 16 países da América Latina. O vídeo tem
como objetivos: a) introduzir os problemas mais sérios que ameaçam a
liberdade de expressão e de imprensa na América Latina e b) resumir as normas
internacionais que garantem a liberdade de expressão como um direito humano
fundamental para a existência da democracia. Portanto, seu uso se destina
tanto aos jornalistas quanto ao público em geral.
Nos seminários realizados em cada país, um total de 350 jornalistas de mais
de 150 cidades da América Latina compartilharam experiências. Vários
jornalistas de grandes centros urbanos e alguns de cidades do interior - que as
vezes se sentem mais intimidados - discutiram as ameaças à liberdade de
expressão e de imprensa, ao mesmo tempo em que se familiarizaram com as
normas internacionais e locais relacionadas com este direito.
Talvez um dos instrumentos mais importantes para a formação profissional
desses jornalistas foi a possibilidade de se reunirem e debaterem juntos o tema da
liberdade de expressão e de imprensa, numa oportunidade que poucas vezes é
oferecida a jornalistas.
Ainda que a realidade dos jornalistas e dos meios de comunicação varie de
país a país, os participantes dos seminários conseguiram identificar as seguintes
ameaças comuns à liberdade de expressão:
• Restrições legais, como leis de difamação e calúnia, privacidade e segurança
nacional
• Pressões políticas e econômicas nos jornalistas e meios de comunicação
• Intimidação e agressão física
• Falta de acesso à informação pública
• Autocensura
O vídeo não reproduz todas as discussões, mas mostra alguns casos
relacionados com ameaças à liberdade de expressão que foram discutidos nos
seminários. O manual pretende aprofundar os casos, incluindo perguntas para
discussão que não se encontram no vídeo. Tanto o vídeo quanto o manual
podem ser usados em atividades de análise da liberdade de expressão. O vídeo e
o manual seguem o seguinte formato:
8
Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas
Introdução: Esta parte oferece uma breve análise do significado da liberdade
de expressão e de imprensa e seus antecedentes históricos.
1a. Parte - Leis Restritivas: Nesta parte as leis restritivas mais perigosas para
a liberdade de expressão e de imprensa são analisadas. Uma vez identificadas, são
estudados os casos mais relevantes em que essas leis foram usadas para censurar
alguma informação.
2a. Parte - Manipulação dos Meios: Aqui descrevem-se as várias maneiras
de manipulação dos jornalistas e da mídia, incluindo o uso arbitrário do sistema
judiciário e a intervenção na administração dos meios de comunicação.
3a. Parte - Terror e Intimidação: Esta parte descreve como diversos
grupos, pertencentes ao governo ou não, em sua maioria envolvidos em
corrupção, procuram silenciar os jornalistas usando violência. Para isso, estes
grupos assassinam ou agridem jornalistas. Em outros casos, jornalistas são
sequestrados ou intimidados com contínuos ataques verbais de grupos que
querem silenciar a imprensa. Muitos assassinatos e ataques a jornalistas
permanecem impunes.
4a. Parte - Outros Obstáculos: Esta parte trata dos problemas menos
óbvios que obstruem não só a liberdade de expressão, mas também o
funcionamento do jornalismo em geral como, por exemplo, a autocensura e a falta
de acesso à informação.
5a. Parte – Estratégias: Um resumo das estratégias existentes para
promover a liberdade de expressão e de imprensa, com uma descrição detalhada
das alternativas legais para jornalistas que precisam de ajuda.
O manual também inclui:
• Uma bibliografia de livros e artigos para jornalistas interessados na
liberdade de expressão e imprensa nas Américas.
• Uma lista de recursos disponíveis na Internet com informação sobre o
tema.
• Decupagem do vídeo, com a inclusão do local exato (em termos de tempo)
dos principais aspectos.
• Uma série de gráficos com estatísticas e pesquisas realizadas durante os
seminários.
Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas
9
Introdução
1. Condições de trabalho dos jornalistas:
Durante os seminários e com a ajuda da empresa Philliber Research de Nova
Iorque, EUA, o ICFJ entrevistou 370 jornalistas de 18 países. Oitenta e quatro
porcento dos jornalistas disseram que nos seus países é difícil ou muito difícil ter
acesso aos documentos públicos oficiais. Quarenta e um porcento admitiram que
existem em seus países leis garantindo o acesso à informação e documentos
públicos. Na maioria dos países da região, a regulamentação destas leis não é
suficientemente detalhada, deixando o acesso público sujeito à decisão dos
funcionários públicos.
Quando consultados sobre suas atividades nos últimos dois anos, os
jornalistas consideraram difícil ter o apoio de seus editores ou supervisores.
Setenta e três porcento dos pesquisados já haviam tentado convencer algum
supervisor para autorizar a cobertura de um tema em particular. Trinta e quatro
porcento dos jornalistas disseram ter recebido ameaças e um 51% foram
criticados, censurados ou tiveram sua matéria vetada por um editor devido a
razões políticas ou de outra índole.
A violência contra os jornalistas e as intimidações judiciais são
circunstâncias que impedem o desenvolvimento da liberdade de expressão.
Trinta e quatro porcento dos jornalistas disseram ter sido ameaçados fisicamente
físicos nos últimos dois anos como resultado direto de uma reportagem,
enquanto 9% estão enfrentando algum processo judicial. Outros 12% admitiram
que alguém de seu próprio meio de comunicação já foi condenado à prisão por seu
trabalho jornalístico.
Este panorama pouco animador tem gerado o que muitos
chamam de autocensura. Nos últimos dois anos, segundo 47%
dos jornalistas entrevistados, foram evitadas matérias sobre
certos temas devido ao temor de que o editor ou outro supervisor não permitisse a publicação do material.
Nos gráficos abaixo veremos os resultados desta pesquisa
organizada por país.
O número a seguir reflete os dados obtidos através de uma
pesquisa realizada nos seguintes seminários:
• Nicarágua e Guatemala: março de 2000
• Uruguai e Paraguai: maio de 2000
Na América Latina, as constituições garantem a liberdade de
• Equador e Peru: setembro de 2000
expressão como uma concessão governamental, razão pela
• México e Panamá: março de 2001
qual os jornalistas muitas vezes precisam da estrutura legal
para conseguir suas notícias.
• Brasil: junho de 2001
• Chile e Bolívia: novembro de 2001
• Costa Rica e Honduras: abril de 2002
10
Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas
• El Salvador e Venezuela: junho de 2002
• Colômbia: dezembro de 2002
• Argentina e República Dominicana: janeiro de 2003 (pesquisa realizada via e-mail)
Trezentos e setenta participantes responderam a pesquisa em 18 países:
Pré-teste (n=370)
1. porcentagem dizendo haver leis em seus países garantindo o acesso aos arquivos e
à informação do governo.
41%
2. porcentagem dizendo ser difícil/muito difícil obter documentos públicos e informação de
funcionários do governo em seu país
84%
Nos últimos dois anos, quais das seguintes coisas aconteceu com você?
Pré-teste (n=370)
3. Você evitou fazer alguma reportagem sobre um tema específico porque sabia que
algum editor ou supervisor não permitiria publicá-la?
47%
4. Você tentou convencer seu supervisor de que seria uma boa idéia fazer uma reportagem
sobre um assunto específico, apesar de objeções políticas ou outros obstáculos?
73%
5. Você foi criticado ou censurado por seu supervisor ou lhe pediram que retirasse
algum artigo por razões políticas ou por outras razões?
51%
6. Você teve que enfrentar algum processo legal como resultado de uma reportagem?
21%
7. Você foi ameaçado fisicamente como resultado de uma reportagem?
34%
8. Você ou seu meio de comunicação foram ameaçados ou pressionados economicamente
ou sofreram outro tipo de pressões?
58%
9. Você ou seu meio de comunicação foram multados por uma reportagem?
10. Você ou alguma pessoa do seu meio de comunicação foi condenada à cadeia por
causa de uma reportagem?
9%
12%
** A diferença entre países é estatisticamente significante quando for maior que 1%.
porcentagens
Enquete
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Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas
11
“Uma imprensa silenciada e
amedrontada resulta em
sociedades que acabam
perdendo sua liberdade.”
Claudio Grossman
acadêmico chileno
“Todo o indivíduo tem direito à
liberdade de opinião e de
expressão, o que implica o
direito de não ser importunado
por causa de suas opiniões e de
procurar, receber e difundir,
sem consideração de
fronteiras, informações e idéias
por qualquer meio de
expressão.”
Artigo 19, Declaração
Universal dos Direitos
Humanos (1948)
2. O que é Liberdade de Expressão e de Imprensa?
A Liberdade de Expressão ou, de uma maneira mais ampla, a difusão livre do
pensamento, engloba todas as manifestações intelectuais do ser humano – entre
elas, a redação literária e manifestações artísticas (pintura, escultura, dança,
etc). Também inclui a Liberdade de Imprensa que engloba várias liberdades,
entre elas a informação, a crítica e até a denúncia.
A luta pela Liberdade de Expressão e de Imprensa tem sido árdua. É
extremamente importante destacar que no século 17, na Inglaterra – um país que
foi o berço de grandes batalhas em nome da defesa das liberdades – o Parlamento
promulgou a lei denominada “Licensing Act”, dando ao governo a prerrogativa
de autorizar ou não a publicação de livros ou panfletos. O grande poeta John
Milton exaltou e defendeu os méritos de publicar sem censura prévia - a limitação
mais cruel à livre emissão do pensamento - quando disse: “Dê-me liberdade de
saber, de falar, de argumentar livremente, segundo a minha consciência, antes de
todas as outras liberdades.”1
No território das colônias inglesas do continente americano, lutou-se pela
liberdade de expressão e pela liberdade de imprensa durante vários séculos. No
começo do século XVII, a liberdade do pensamento não era protegida e as
impressoras ou editoras foram as mais castigadas. O governador William Berkely
enviou um ofício aos lordes comissionados da colônia da Virginia, dizendo:
“Graças a Deus não temos escolas livres nem imprensa, e espero que não as
tenhamos nos próximos cem anos…” Logo após emitiu autoritariamente o
seguinte mandato:
Devido aos grandes inconvenientes que podem surgir por
causa da liberdade de publicação na nossa província, devese garantir mediante as ordens necessárias, que nenhuma
pessoa tenha imprensa para imprimir, nem que se imprima
um livro, folheto ou outro material de qualquer assunto que
seja, sem permissão especial ou licença prévia.2
A Revolução Francesa também se manifestou contra o absolutismo
monárquico e todos os entusiasmos libertários do velho continente se
cristalizaram na “Declaratión de droits de l’homme et du citoyen”3, escrita pelo
1
“Aeropagítica” de John Milton, citado no Anuario Universitario, Universidad Autónomca de Centro
América, pág. 176. Tradução ao português da versão espanhola original.
2
Clinton. L. Rossiter, pág. 29. Tradução ao português da versão espanhola original.
3
“Declaração dos direitos do homem e do cidadão.”
12
Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas
abade Sieyes e adotada pela Assembléia Constituinte Francesa em agosto de
1789, cujo Artigo 11 estabeleceu o seguinte:
“La libre communication des pensées et des opinions est un des droit les plus
precieux de l’homme: tout citoyen peut don’t parler, écrire, imprimer
librement…”4
Apesar daqueles sábios ensinamentos, nossos povos latino-americanos
herdaram o despotismo da coroa espanhola de uma longa etapa colonial que
moldou uma cultura de submissão ao poder público. De certa forma, isso
explica a redação de nossas constituições, nas quais o Estado dá aos cidadãos a
liberdade de expressão como uma concessão governamental sujeita à diversas
restrições. Já na constituição dos Estados Unidos os cidadãos concedem certo
poder ao governo, mas é a sociedade civil que controla todas as liberdades e
direitos não consentidas aos governantes.
Para entender melhor este processo, é transcendental o episódio ocorrido na
cidade de Nova Iorque, que marcou o caminho da defesa da livre emissão do
pensamento. Pouco antes da independência dos Estados Unidos, o governador
de Nova Iorque William Cosby vetou uma declaração de direitos editada pela
assembléia de delegados da colônia e Peter Zenger, editor do New York Weekly
Journal, criticou esse veto em sua página editorial. O editor foi preso e os
exemplares do jornal queimados em ato público. No final do julgamento o júri
absolveu Zenger e este evento impactou de tal maneira os deputados do
Congresso Continental de 1774, que eles consagraram amplamente a liberdade
de expressão em sua declaração de direitos.
Outro exemplo está nas palavras de James Madison, um dos mais famosos
fundadores da república americana, que argumentou o seguinte:
“Nada seria mais irracional que dar ao povo o poder e, ao mesmo tempo,
privá-lo da informação sem a qual se abusa do poder. Um povo que pretende
ser seu próprio senhor, deve armar-se do poder que nasce do conhecimento.
Um governo do povo sem a informação do povo…é o prelúdio de uma farsa ou
de uma tragédia, ou talvez de ambas.” 5
“Toda pessoa tem direito à
liberdade de pensamento e de
expressão. Esse direito
compreende a liberdade de
buscar, receber e difundir
informações e idéias de toda
natureza, sem consideração de
fronteiras, verbalmente ou por
escrito, ou em forma impressa
ou artística, ou por qualquer
outro processo de sua
escolha.”
Artigo 13. Liberdade de
pensamento e de
expressão,
Convenção Americana
Sobre Direitos Humanos
(1969)
4
“A livre comunicação dos pensamentos e das opiniões é o direito mais precioso do homem: todo
cidadão pode portanto falar, escrever e imprimir livremente…”
5
En Pedro J. Ramírez, pág. 25. Tradução ao português da versão espanhola original.
Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas
13
Esse espírito indomável de defender a livre emissão do pensamento que
pertence a todos os cidadãos de forma autônoma, sem exceção e sem barreiras
governamentais, inspirou a 1a. Emenda proposta por Thomas Jefferson,
baseada no seu pensamento que coroa a cúpula do monumento em sua
homenagem, na capital dos Estados Unidos: “I have sworn upon the altar of God,
eternal hostility against every form of tiranny over the mind of man”.6 A partir desta
reforma constitucional nasceu o estatuto conhecido como a primeira emenda:
“Congress shall make no law…abridging the freedom of speech, or of the
press…”7
A América Latina também tem na sua história uma trajetória de luta pela
liberdade de imprensa. No entanto, são poucos os políticos ou líderes
importantes que defendem a liberdade de expressão e imprensa. Por isso, deve-se
destacar que na pequena e democrática Costa Rica, no século 19, um intelectual
chamado Joaquín Bernardo Calvo disse no incipiente jornal Mentor Costarricense:
“Há muito tempo se está adotando, em todas as nações
cultas, um princípio vital para as sociedades, o sistema de
Liberdade de Imprensa … sendo o governo popular e
representativo, suas operações devem ser dirigidas pela
opinião. E não há melhor forma de conhecê-la do que nos
meios impressos que circulam.”8
Um exemplo são as palavras do grande advogado argentino, Gregorio Badeni:
As liberdades não se concretizam na prática por um ato de mágica e sim
pelas ações dos homens. De modo que ainda que a lei reconheça a liberdade de
imprensa, se não houver firmeza na convicção da sua defesa, aquilo será um
enunciado meramente nominal, tanto num sistema autocrático quanto num
sistema democrático constitucional. Porque, a rigor, a vigência formal da
democracia constitucional de modo nenhum garante a manifestação da liberdade
de imprensa. É necessário lutar por ela em cada espaço, em cada momento.9
6
“Juro sobre o altar de Deus uma hostilidade eterna contra cada forma de tirania sobre a mente do
homem”, Monumento a Jefferson em Washington, DC, Estados Unidos da América. Tradução ao
português da versão espanhola original.
7
“O Congresso não aprovará lei alguma …que limite a liberdade de expressão ou de imprensa”,
Primeira emenda, Constituição dos Estados Unidos da América. Tradução ao português da versão
espanhola original.
8
Jornal Mentor Costarricense, 7 de janeiro de 1843, pág. 2. Tradução ao português da versão
espanhola original.
9
Em Gregorio Badeni, pág. 54. Tradução ao português da versão espanhola original.
14
Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas
Primeira Parte:
Leis Restritivas
1. Desacato e leis de difamação
Existe uma série de leis repressivas, conhecidas como leis de desacato,
destinadas a silenciar toda opinião pública que informa, critica ou denuncia
situações controvertidas relacionadas com funcionários públicos no
desempenho de suas funções. A ofensa a alguma autoridade governamental é
tratada como delito criminoso sujeito à prisão. São quase 15 o número de
países da região que mantém leis de desacato nas suas constituicões. Na
Venezuela, esse crime é conhecido como “Vilipêndio”.
O desacato é o delito mais odioso que já se viu na história do Direito Penal e
deve ser eliminado das legislações nacionais por ser um resquício do passado que
prejudica os jornalistas de cada país. Por isso, no capítulo 5 do seu informe anual
de 1994, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos recomendou a
eliminação total das leis de desacato, alegando que “…são uma classe de legislação
que penaliza a expressão que ofende, insulta ou ameaça o funcionário público no
desempenho de suas funções oficiais. Essas leis têm uma longa história, e foram
promulgadas nos tempos romanos para defender a honra do imperador”. Mesmo
assim, a Comissão resolveu neste informe:
“Em conclusão, a Comissão entende que o uso de tais poderes
para limitar a expressão de idéias se presta ao abuso, como
medida para silenciar idéias e opiniões impopulares, portanto
restringindo o debate que é fundamental para o
funcionamento eficaz das instituições democráticas. As leis
que penalizam a expressão de idéias que não incitam a
violência anárquica são incompatíveis com a liberdade de
expressão e pensamento, consagrada no artigo 13, e com o
propósito fundamental da Convenção Americana de proteger
e garantir a forma pluralista e democrática de vida”.10
Entretanto, não só o desacato deverá ser extirpado mas também os outros
delitos contra a honra – a calúnia, injúria, difamação, publicação de ofensas – na
medida em que pretendem castigar os jornalistas e também as pessoas que
recorrem à imprensa para informar, criticar ou denunciar funcionários por suas
atuações controvertidas na administração de assuntos públicos.
“Toda pessoa tem o direito de
buscar, receber e difundir
informações e opiniões
livremente de acordo com o
artigo 13 da Convenção
Americana de Direitos
Humanos. Todas as pessoas
têm o direito a oportunidades
iguais para receber, buscar e
difundir informações através
de qualquer meio de
comunicação sem ser
discriminado por nenhum
motivo incluindo raça, cor,
religião, sexo, idioma nativo,
opiniões políticas ou de
qualquer outra índole, origem
nacional ou social, posição
econômica, ou qualquer outra
posição social.”
Princípio 2 da Declaração
dos Princípios da Liberdade
de Expressão
10
Tradução ao português do Relatório Anual de 1994 da Comissão Interamericana de Direitos
Humanos, OEA/Ser.L/V/11.88, 17 de fevereiro de 1995.
Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas
15
O juiz argentino Sebastián Soler, no livro “Justicia Penal y Libertad de
Prensa”, adverte que a cegueira da justiça penal pode servir para sufocar a
imprensa, definindo-a como uma criação reacionária perigosa, manjar de mandarins questionados
Dentro da gama de delitos contemplados pelas legislações penais estão os
crimes já citados – geralmente denominados leis de difamação – que a doutrina
moderna tende a descartar. As acusações ou processos legais por delitos de
calúnia, injúria, difamação ou publicação de ofensas - a que se apegam os
funcionários públicos controvertidos - tendem a silenciar a opinião pública e a
ocultar as notícias e opiniões favoráveis ao livre escrutínio do público. Essas leis
costumam esconder os abusos públicos e a restringir o livre debate.
Assim, essas legislações repressivas que violentam a Liberdade de Expressão e
a Liberdade de Imprensa, são definidas de forma brilhante pela Corte
Interamericana de Direitos Humanos:
“A liberdade de expressão é uma pedra angular na própria existência da
sociedade democrática. É indispensável para a formação pública…É, enfim, uma
condição para que a comunidade esteja suficientemente informada na hora de
exercer suas opções. Por isso, é possível afirmar que uma sociedade que não é
bem informada não é completamente livre”.11
Casos de Estudo
Caso No. 1: Chile
O liuro Negro da Justiça Chilena: Alejandra Matus versus Chile (1999)
No dia 13 de abril de 1999, uma editora chilena lançou o livro “El libro
negro de la justicia chilena” escrito por Alejandra Matus Acuña, jornalista que
tinha recebido vários prêmios. O livro era um relato de casos de corrupção,
nepotismo e anomalias na Suprema Corte de Justiça chilena, que se centrava
nos eventos ocorridos durante a ditadura militar de Augusto
Pinochet.
Atendendo a um pedido de Servando Jordán - membro e expresidente da Suprema Corte de Justiça - a Corte de Apelações de
Santiago proibiu o livro no mesmo dia em que foi publicado,
alegando que ele violava a Lei de Segurança Nacional. Em 24
horas a polícia confiscou todas os exemplares disponíveis na
editora Planeta e nas livrarias do país. Os editores, Bartolo Ortiz
e Carlos Orellana, foram presos nos seus próprios escritórios e
ficaram detidos por três dias por terem violado a Lei de
Segurança Nacional. A autora fugiu primeiro para a Argentina e
depois para os Estados Unidos, onde recebeu asilo político. Mais
“O livro negro da Justiça chilena” da jornalista
tarde, o livro foi publicado em Washington, DC, na Internet.
Alejandra Matus foi censurado menos de 24 horas
Segundo Matus, 85.000 pessoas visitaram a página do livro nos
depois de sua publicação.
primeiros três dias.
11
Corte Interamericana de Direitos Humanos, Opinião Consultiva OC – 5/85, 13 de novembro de
1985. Tradução ao português da versão espanhola original.
16
Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas
A Lei de Segurança Nacional chilena estipula o desacato para proteger
aqueles membros dos três ramos do governo, que poderiam ser difamados ou
insultados pelos meios de comunicação. Segundo o informe do Human Rights
Watch – uma ONG que promove os direitos humanos – pelo menos 17
jornalistas e nove políticos foram processados no Chile por terem violado as leis
de desacato que estão dentro do Código Penal da Justiça Militar chilena.
Apesar de que só quatro países da América Latina não têm leis de desacato,
o Chile é o único país onde o desacato é considerado um crime contra a
segurança nacional. Por esta razão, as cortes chilenas podem impor penas mais
severas. Neste caso, no dia 17 de junho de 1999, o Relator Especial para a
Liberdade de Expressão da Organização de Estados Americanos, Santiago
Cantón, pediu ao governo que liberasse Ortiz e Orellana. Uma semana depois, o
governo propôs uma lei que eliminaria as estipulações da Lei de Segurança do
Estado, com respeito ao desacato. Este projeto de lei obrigaria o governo e seus
funcionários a recorrer às leis normais de difamação, como qualquer cidadão
comum. Ainda assim, a lei deixaria intacos outros símbolos que a Lei de
Segurança protege, como a bandeira, hino nacional e escudo.
Em maio de 2001, a nova Lei de Imprensa chilena que amparou Martorell,12
também ajudou Matus, livrando-a de todas as acusações e permitindo que ela
voltasse ao Chile, após ter passado quase três anos no exílio em Miami. Matus foi
a primeira chilena a ser exilada depois da ditadura militar de Augusto Pinochet.
Perguntas para debate:
1. Os jornalistas devem ir à cadeia por algo que escrevam ou digam?
2. A liberdade de expressão e imprensa deve incluir comentários feitos através
de um livro?
3. As críticas a uma instituição do estado podem ser consideradas uma ameaça
à Segurança Nacional?
4. Até que ponto a Segurança Nacional deve ser motivo para aplicar a censura?
Quem decide o que é a Segurança Nacional?
5. Até que ponto pode haver um julgamento justo quando os que acusam por
delito de desacato são o juiz e o indivíduo afetado?
Para mais informação sobre este caso:
http://www.libertad_prensa.org/matus.html
http://www.libertad_prensa.org/matus-honor.html
12
Ver caso Martorell vs. Chile na página 24.
Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas
17
“Isto quer dizer que os que
devem ser protegidos são os
cidadãos, que são os donos do
poder e não seus governantes.
Os governantes têm que ser
expostos, isto é, são nossos
empregados.”
Danilo Arbilla
jornalista uruguaio
Caso No. 2: Estados Unidos
Malícia Real: The New York Times versus Sullivan
Em 1960, quando o território americano trepidava com conflitos raciais,
um grupo de amigos de Martin Luther King publicou no New York Times uma
matéria paga, assinada por 64 pessoas, entre as quais Eleanor Roosevelt,
intitulada “Escutem as vozes que se levantam”, protestando contra distúrbios
raciais no Alabama. Denunciava também que quando foi dissolvida uma
marcha estudantil, haviam agredido fisicamente seu líder, jogado bombas em
sua casa e o haviam detido sete vezes. Dois jornalistas locais apontaram erros
na matéria e o Comissário da Cidade de Montgomery, L. B. Sullivan, exigiu uma
retratação do jornal que se recusou a fazê-la porque seu nome não aparecia na
publicação.
Sullivan processou o jornal e quatro pastores negros que haviam assinado a
matéria foram condenados a pagar quinhentos mil dólares. Em 1962 a sentença
foi apelada mas a Corte do Alabama confirmou a sentença inicial. Esta decisão
foi então submetida à revisão da Suprema Corte dos Estados Unidos.
Em 19 de março de 1964, a sentença foi revogada por decisão majoritária da
Suprema Corte, seguindo parecer redigido pelo Juiz William J. Brennan. O
parecer concluiu que o fato de ser uma matéria paga não a excluia da garantia de
liberdade de imprensa contida na Primeira Emenda.13 A decisão contrária
provocaria uma certa apreensão entre os jornais sobre a publicação de matérias
pagas, fechando-se assim uma importante fonte de difusão de informações e
idéias provenientes de pessoas que não contam com outra possibilidade de acesso
aos meios de comunicação. O propósito desta emenda constitucional foi
assegurar a mais ampla divulgacão de fontes antagônicas.
O Juiz Brennan partiu do princípio de que a discussão sobre os assuntos
públicos deve ser desinibida, sem obstáculos, vigorosa e aberta, podendo incluir
até ataques veementes. Destacou dois pontos essenciais: o temor a indenizações
poderia obrigar a imprensa à autocensura – com prejuízo dos cidadãos que
conseqüentemente, foram desinformados – e a teoria ultrapassada de que a prova
da verdade deteria aquela informação importante, limitando a amplitude do
debate nacional e, além disso, revertendo o princípio da presunção da inocência
dado que o acusado deveria prová-la, quando, na realidade, o acusador é quem
deve demonstrar a mentira.
O ponto principal dessa histórica sentença estava em que uma autoridade
pública que fez uma opção voluntária para exercer esta função – para o bem de
seus cidadãos – só poderia conseguir uma sentença favorável quando o
acusador comprovasse que a informação tinha sido feita com “malícia real”.
Em outras palavras, acreditando que o acusado teria atuado com o
conhecimento da sua falsidade ou uma indiferença temerária pela busca da
verdade (conhecida em inglês por “reckless disregard”). Isto se aplica também
13
O Congresso não criará lei aguma a respeito da religião, seja proibindo seu livre exercício ou
limitando a liberdade de expressão, da imprensa ou do direito das pessoas de se reunirem em paz,
nem sobre a petição ao governo para reparar todo agravo” (1791). Tradução ao português da
Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos.
18
Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas
na narração de fatos, pois as opiniões são livres uma vez que, além de
múltiplas, é impossível demonstrar sua veracidade ou falsidade. Todos somos
inspirados pela advertência de Martin Luther King: o que fere não é a repressão
da gente má, porém, sim o silêncio das pessoas boas.
A doutrina da “malícia real”, que é a única maneira admissível para sancionar
as informações da imprensa vertidas por jornalistas ou cidadãos interessados nos
assuntos públicos, não é exclusiva aos Estados Unidos. Hoje ela é mundialmente
aceita por renomados especialistas e se aplica em diversos poderes judiciários
como o Tribunal Constitucional Espanhol e a Suprema Corte da Justiça da
Repúbica Argentina, além de ser recomendada pelo Relator de Liberdade de
Expressão da OEA. Esta doutrina foi elaborada em 1964 pela Suprema Corte
dos Estados Unidos, que já havia considerado a mesma em casos anteriores.
Caso No. 3: Argentina:
Luta contra as Leis de Desacato: Verbitsky versus Menem (1994)
Em consequência da integridade do jornalista argentino Horacio Verbitsky
apresentou-se, depois de uma série de litígios, um projeto de lei na Argentina para
adotar o modelo da “malícia real” do caso New York Times versus Sullivan.
No final de 1994, o presidente argentino Carlos Saúl Menem processou
Verbitsky e outros jornalistas do jornal Página 12 por difamação, porque o jornal
publicou um artigo de Verbitsky afirmando que, ao contrário do que dizia o
presidente, Menem não tinha sido torturado durante a ditadura militar.
Menem respondeu que o artigo “Menem 1999”, publicado dia 30 de outubro
de 1994, citava o material de várias fontes com o propósito único de fazê-lo
passar por mentiroso e covarde. O presidente disse que caso Verbitsky, o editor
Fernando Soklolowicz e o diretor Ernesto Tiffenderg não retratassem o
comentário, seriam condenados a um ano de cadeia e teriam
também que pagar os custos do processo.
O processo começou em 13 de dezembro de 1996, mas os três
acusados se negaram a comparecer à corte. No dia 17 de
dezembro, esta decidiu que os acusados não haviam cometido atos
de difamação.
Em agosto de 1999, a Suprema Corte Argentina revogou a
decisão e dois representantes da Câmara de Deputados
propuseram no final desse ano um projeto de lei protegendo
jornalistas que criticassem autoridades públicas. Esta lei
absolveria os jornalistas quando fizessem declarações falsas, a
menos que se comprovasse que tivessem agido com “malícia
Horacio Verbitsky venceu o sistema que queria
real”.14 Este projeto de lei - que ainda não foi aprovado - seria um silenciá-lo e conseguiu mudar a história argentina.
grande passo que aproximaria a Argentina ao modelo americano.
14
Ver o caso The New York Times versus Sullivan na página 9.
Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas
19
“A imprensa não somente tem
o direito como também o
dever de investigar as
condutas dos funcionários
públicos quando há temas de
interesse social envolvidos,
mesmo que isto possa ofender
os funcionários que adotam
estas decisões”
Horacio Verbitsky
jornalista argentino
Graças a este caso, foram revogadas na Argentina as leis de desacato que
protegiam as autoridades públicas, eliminando-se assim um grande obstáculo
ao jornalismo independente e investigativo. Esta mudança fez com que
muitos países latino-americanos examinassem suas leis de desacato.
Em outra ocasião, o jornalista Horacio Verbitsky foi condenado por ofensa
contra a honra de Augusto César Belluscio, a quem se refiriu como “ministro
asqueroso” numa coluna publicada no jornal Página 12. O artigo “Cicatrizes
de duas guerras”, publicado em 6 de março de 1988, afirmava que Belluscio
havia dito numa entrevista que um projeto de reforma e expansão da Suprema
Corte lhe dava nojo. Belluscio processou Verbitsky por desacato e o réu foi
considerado culpado porque segundo o juiz o artigo havia ultrapassado os
limites da honra de uma autoridade, constituindo um insulto ao ministro no
exercício das suas funções oficiais.
A Câmara Nacional de Apelações Criminais e Correcionais de Buenos Aires
confirmou a sentença em 13 de julho de 1991. No dia 25 de fevereiro do ano
seguinte, a Suprema Corte de Justiça recusou uma apelação de Verbitsky.
No dia 5 de maio, Verbitsky apresentou uma denúncia ante a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos e em dezembro de 1992 o governo
argentino enviou um projeto de lei ao Congresso, propondo que as leis de
desacato fossem revogadas. Tudo isso aconteceu graças à intervenção da
Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que procurou uma solução
amigável às denúncias apresentadas por Verbitsky. No dia 22 de setembro, o
jornalista desistiu da sua denúncia e o governo declarou em efeito a sentença
condenatória.
Perguntas para discussão:
1. As autoridades do governo merecem algum tipo de proteção da crítica do
público e dos jornalistas?
2. Há algum limite para que os jornalistas possam escrever satiricamente
contra um político? Se existe, qual é?
3. Quem perde e quem ganha quando a lei castiga um cidadão que critica uma
autoridade pública?
4. As opiniões devem ter o mesmo nível de proteção que os artigos baseados
nos fatos?
Caso No. 4: Estados Unidos
Pessoa Pública e Pessoa Privada: Getz versus Welch (1974)
Este caso definiu com precisão a figura pública, delimitando sua essência e
estabelecendo os parâmetros para que se possa demandar um jornalista ou
meio de comunicação por difamação, através de uma sentença importante de
cinco votos contra quatro da Suprema Corte dos Estados Unidos.
O caso aconteceu em 1968, quando o jovem Ronald Nelson foi assassinado
nas mãos de um policial em Chicago. A família Nelson contratou o famoso
20
Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas
advogado Elmer Getz para processar o oficial Richard Nuccio e o
departamento da polícia de Chicago. Depois que Nuccio foi considerado
culpado do assassinato de segundo grau em março de 1969, a revista American
Opinion publicou um artigo acusando Getz de ter antecedentes criminosos, de
ser instigador comunista e acusando Nuccio de ter conexões com o comunismo.
Nenhuma das acusações era verdadeira.
Getz processou a editora da revista, Robert Welch Inc., por difamação. Um
júri de Chicago se pronunciou a favor de Getz, compensando-o com 50.000
dólares. Entretanto, o juiz reverteu a decisão do júri e emitiu uma sentença a
favor da Robert Welch, apelando ao modelo de Times versus Sullivan para definir
Getz como uma figura pública, que tinha que provar que a revista havia atuado
com “malícia real”.
Getz apelou contra esta decisão e, depois de uma série de julgamentos e
citações, a Suprema Corte finalmente decidiu que Gertz era um cidadão privado,
que não era famoso, e ordenou à Robert Welch que o compensasse com 400.000
dólares em 1981.
O juiz supremo Lewis Powell, que redatou o voto majoritário, definiu figura
pública como aquela pessoa que se lança à controvérsia pública ou alcança
notoriedade ou fama duradoura. Aqueles que se candidatam voluntariamente a
cargos públicos se convertem em figuras públicas e se expõem a um maior risco
de serem difamados, constatou Powell. Também disse que as figuras e as
autoridades públicas, ao terem maior acesso aos meios de comunicação,
necessitam menor proteção contra as leis de difamação.
Mas Powell também estabeleceu que, ao contrário, as figuras privadas são mais
vulneráveis à difamação e por isso, o Estado tem mais interesse em protegê-las.
Em vez de ter que provar a “malícia real”, as figuras privadas que se consideram
difamadas só tem que provar que o jornalista falhou, por exemplo, negando-se a
verificar os fatos das matérias que as ofenderam.
Powell disse que os cidadãos privados deveriam provar que realmente foram
afetados pela difamação e impôs um limite às compensações, argumentando
que a quantia teria que ser de acordo com o tamanho do dano provocado. Esta
sentença estipulou que, em certos casos, algumas pessoas se convertiam em
figuras públicas inclusive sem seu consentimento. No entanto, resolveu que
geralmente as figuras públicas são aquelas que, voluntária e intencionalmente,
se envolvem em controvérsias públicas ou se colocam em uma posição de fama.
Perguntas para discussão:
1. As figuras públicas merecem mais proteção ou menos proteção contra
difamação que as pessoas privadas? Por que?
2. Quem decide quem é uma pessoa pública? Devem aplicar os mesmos
padrões a uma estrela de teatro que a um político?
3. Uma pessoa que não escolheu ter uma vida pública (como um político ou
uma estrela de teatro) pode ser considerada uma figura pública?
4. Que direito de intimidade tem aquela pessoa que é vítima de um crime
notório?
Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas
21
2. Censura prévia
A pior negociação das liberdades aqui analizadas é a censura prévia que se dá
cada vez que o direito de informação termina em nada, devido à prerrogativa
do governante de eliminar informações, críticas ou denúncias de forma
taxativa antes da difusão das mesmas.
Sobre esta matéria, o grande advogado mexicano Ignacio Burgoa, afirmou
no seu estudo “As Garantías Individuais”:
…um povo, integrado por indivíduos condenados a não manifestar
seu pensamento aos seus semelhantes, será sempre servil, incapaz
de experimentar nenhum processo cultural. Os regimes nos quais
reina a livre emissão de idéias, a discussão livre e a crítica
saudável, estarão em condições de oferecer à sociedade as
possibilidades de elevação intelectual; pelo contrário, quando se
restringe a manifestação do pensamento, impedindo-se as
polêmicas, conversas, discursos, conferências etc., nos quais
geralmente se traduz, prepara-se para a sociedade humana o
caminho da escravidão cultural, que traz consigo a ruína moral. 15
Outro bom exemplo se encontra na história do direito constitucional da
Costa Rica, que apesar de ter punido erroneamente os supostos abusos ou
ofensas através da imprensa, do rádio ou da palavra oral, segundo Ricardo
Jiménez Oreamuno – um ilustre político e advogado, que foi presidente deste
país três vezes: …todos temos o indiscutível direito de comunicar nossos
pensamentos, em palavra ou por escrito, tanto em particular, em reuniões
públicas ou por outro meio de publicidade, seja qual for o tema tratado. Em
assuntos políticos, este direito não só é uma faculdade como também é uma
necessidade imperativa…16
Por sua vez, o magistrado William O. Douglas dos Estados
Unidos expressou firmemente o mesmo quando escreveu:
Por sua própria natureza a palavra impressa pode multiplicar o
poder de uma idéia ao disseminá-la entre muitos. Exigir uma licença
à imprensa, como impor limitações às palavras, não tem sido um
fenômeno pouco comun. O tráfico de idéias sempre foi motivo de
preocupação para os ditadores. Os discrepantes políticos, ou
religosos, são na verdade, a peste de todos os regimes totalitários.17
Continuando com esse tema, Alexis de Tocqueville, em sua
reconhecida obra “A Democracia na América”, comenta sobre a
censura em períodos eleitorais:
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos
Em um país no qual reina ostensivamente o dogma da
autoriza a censura prévia aos espetáculos públicos
soberania do povo, a censura não só constitui um perigo,
somente para proteger aos menores de idade,
nunca para proibir os cidadãos adultos de assistir
aos mesmos.
15
Ignacio Burgoa, pág. 277. Tradução ao português da versão espanhola original.
Ricardo Jiménez, pág. 18. Tradução ao português da versão espanhola original.
17
William Douglas, pág. 28. Tradução ao português da versão espanhola original.
16
22
Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas
como também um absurdo. Quando se dá a cada cidadão o
direito de governar a sociedade, é preciso conceder-lhe uma
capacidade de escolha entre as opiniões distintas que agitam
os seus contemporâneos e permitir-lhe apreciar o
conhecimento dos fatos que podem guiá-lo. A soberania do
povo e a liberdade de imprensa são então duas coisas
inteiramente correlacionadas; a censura e o sufrágio universal são, pelo contrário, duas coisas que se contradizem, e não
podem manter-se por longo tempo nas instituições políticas
de um povo.18
É necessário notar aqui que a Convenção Americana sobre os Direitos
Humanos unicamente autoriza a censura prévia – ainda que o termo exato
deveria ser inspeção prévia – nos espetáculos públicos para proteger os menores
de idade, e jamais para proibir aos cidadãos que são maiores de idade.
“No meu ponto de vista, o New
York Times, o Washington Post
e os outros jornais estão longe
de merecer uma condenação
por serem valentes nas suas
reportagens. E mais, deveriam
ser elogiados por terem
servido o propósito dos nossos
Fundadores com tanta
claridade. Ao revelar as
manobras do governo que nos
levaram à guerra do Vietnã, os
jornais fizeram com nobreza
precisamente o que os
Fundadores teriam desejado e
esperado que fizessem.”
Juiz Black na decisão dos
Papéis do Pentàgono
Caso No. 5: Estados Unidos da América
Os papéis do Pentágono
Uma das jornadas mais destacadas na história para fortalecer a liberdade de
informação ocorreu em Manhattan em 1971, quando os Estados Unidos, com
medo de um avanço comunista, impediram a reunificação do Vietnã, instalando
um regime no setor sul do distante país.
O Presidente Lyndon Johnson criou um programa urgente para deter o
exército do Vietnã do Norte, ao mesmo tempo que o Conselho Nacional de
segurança decidiu bombardear as forças armadas inimigas.
No hermético recinto do Pentágono, um documento voluminoso mostrava,
desde muito antes, que a guerra era suicida. Alí também constavam muitas
incongruências nas comunicações governamentais aos cidadãos. Um oficial de
alta patente, indignado pelo fato de que a política dos Estados Unidos não acatava
as recomendações da investigação, pegou uma das cópias seladas “top secret”
(Segredo de Estado) e a entregou a um jornal.
Cinco advogados, liderados por James Goodale, discutiram calorosamente os
riscos de uma publicação.
Nixon, ao ler no jornal a manchete chamativa “Os Papéis Secretos do
Pentágono”, ligou para o diretor e o intimidou com uma possível suspensão da
circulação do jornal, dizendo que o diretor terminaria na cadeia, pois a matéria
atentava contra a segurança nacional. No dia seguinte o New York Times
continuou publicando os documentos secretos e, diante da ameaça oficial
proibindo os artigos seguintes, desobedeceu abertamente a ordem presidencial
enfrentando a Suprema Corte dos Estados Unidos.
Quinze dias depois, a Suprema Corte emitiu um parecer sem precedentes
contra o governo, a favor do povo dos Estados Unidos e em defesa da liberdade
de imprensa. Na histórica decisão, defendeu-se a decisão argumentando que:
18
Alexis de Tocqueville, pág. 199. Tradução ao português da versão espanhola original.
Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas
23
A Primeira Emenda foi escrita pelos Fundadores para dar à
imprensa a proteção necessária para cumprir o seu papel essencial
na nossa democracia. A imprensa deve servir os governados e não
os governos. O poder do governo para censurar a imprensa foi
abolido a fim de que a mesma sempre se sentisse livre para
censurar o governo. A imprensa está protegida para poder revelar
os segredos do governo e informar o povo. Só uma imprensa livre
e sem restrições pode desmascarar efetivamente um governo.19
Com isto, firmou-se a idéia de que os cidadãos têm o direito inquestionável
de serem informados sobre a condução dos assuntos públicos, ainda que estes
incidam sobre a segurança nacional, reforçando-se a mensagem: Nós, os cidadãos,
somos livres.
3. Licença prévia para exercer o jornalismo
A necessidade obrigatória de obter um diploma universitário para exercer o
jornalismo continua sendo um dos temas mais polêmicos na América latina.
Em países como o Brasil e a Venezuela, o diploma tem grande apoio dos
sindicatos de jornalistas que encontram nessa medida uma forma de melhorar
suas condições de trabalho. Outros consideram que ela restringe a liberdade de
expressão e de imprensa, ao exigir um título universitário ou alguma forma de
registro governamental para trabalhar como jornalista nos meios de
comunicação social.
Sobre a obrigatoriedade do diploma, não existe nenhum estudo
demonstrando que o exercício do jornalismo tenha melhorado naqueles países em
que a inscrição num conselho profissional seja exigida por lei. Por muitos anos
durante as ditaduras militares latino-americanas, muitas associações de jornalismo
e sindicatos de imprensa foram manipulados pelos governos para conseguir uma
cobertura favorável. Embora esta prática tenha diminuído, ainda existe o temor
de que o diploma obrigatório seja novamente usado para determinar quem pode
ou não ser considerado jornalista – um controle de interesse para os governos
autoritários.
A epopéia de um jornalista estrangeiro trabalhando na Costa Rica é de suma
importância porque conseguiu que a Corte Interamericana de Direitos Humanos
declarasse este pré-requisito ilegal, o que também foi logo aceito pela República
Dominicana.
19
Argumentos do juiz Hugo Black na narrativa do parecer do processo de 30 de junho de 1971.
Tradução ao português da versão espanhola original.
24
Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas
Caso No. 6: Costa Rica
Stephen Schmidt versus Conselho de Jornalistas
Em Abril de 1980, o Conselho de Jornalistas da Costa Rica acusou Stephen
Schmidt de praticar ilegalmente o jornalismo. Schmidt era um matemático
americano que trabalhava para o jornal, publicado em inglês, Tico Times. O
Conselho argumentou que Schmidt não era membro oficial como requeria a lei
costarriquenha, acusando-o judicialmente do delito de exercício ilegal da
profissão. Em janeiro de 1983, o tribunal julgou Schmidt inocente,
considerando que trabalhar como jornalista era exercer um direito humano
básico. Porém, seis meses depois, como resultado de uma apelação apresentada
pelo Ministério Público, a Terceira Sala da Suprema Corte de Justiça da Costa
Rica – que examinava conclusivamente os assuntos penais – reverteu essa
decisão condenando Schmidt a três meses de prisão por ter infringido a lei.
O jornalista apresentou à Corte Interamericana de Direitos Humanos uma
petição que foi rejeitada. Então, a pedido da Sociedade Interamericana de
Imprensa (SIP), o governo da Costa Rica apresentou uma consulta formal à
Corte Interamericana de Direitos Humanos. No dia 13 de novembro de 1985, a
Corte Interamericana decidiu unanimemente que o registro obrigatório dos
jornalistas num conselho profissional viola os direitos fundamentais da
liberdade de pensamento e expressão que são protegidos pela Convenção
Americana de Direitos Humanos. A Corte Interamericana expressou que as leis
de inscrição num colégio profissional negam “acesso ao uso completo dos meios de
comunicação como medida de se autoexpressar ou dar informação e o direito coletivo [do
público] de receber informação sem restrições.”
Em 1989, a República Dominicana eliminou as suas leis que requeriam a
inscrição dos jornalistas num conselho profissional. Em maio de 1995, na Sala
Constitucional da Suprema Corte de Justiça da Costa Rica, as leis de inscrição
obrigatória num conselho profissional foram declaradas inconstitucionais por
unanimidade, com base na Opinião Consultiva da Corte
Interamericana de Direitos Humanos.
“A incorporação de jornalistas
a associações profissionais ou
sindicais e a filiação de meios
de comunicação a câmaras
empresariais devem ser
estritamente voluntárias.”
Principio 8
Declaração de Chapultepec
Perguntas para discussão:
1. Você acredita que a afiliação obrigatória a um conselho ou
associação profissional restringe ou não a liberdade de
expressão? De que maneira?
2. Qual é o perigo de permitir que o governo decida quem
pode ou não pode ser jornalista?
3. A afiliação ou diploma obrigatórios garantem o
profissionalismo dos jornalistas?
4. Você acredita que é necessário ter um diploma
O Americano Stephen Schmidt desafiou o sistema na
universitário em jornalismo para exercer a profissão?
década de 80 negando a educação formal de jornalistas.
5. A Internet se converteu num novo meio de comunicação.
Os indivíduos que editam publicações na Internet devem
ser jornalistas formados? Como é possível regular uma lei de formação
obrigatória quando a Internet não é regulamentada?
Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas
25
“[A liberdade de Expressão não
é] uma coisa que o Estado está
nos concedendo, quando na
verdade nós somos livres e
temos direitos como seres
humanos, antes de qualquer
constituição, antes de qualquer
lei, antes de qualquer
governo.”
Casos adicionais para discussão
Caso No. 7: Costa Rica
Maurício Herrera e La Nación Digital (1996)
A luta, ainda pendente, do jornalista Maurício Herrera se relaciona com a
publicação de informações obtidas no exterior sobre um polêmico diplomata da
Costa Rica que morava na Europa e diz respeito à difamação e à censura do
Fernado Guier, advogado
La Nación, Costa Rica conteúdo disseminado via Internet. É um dos primeiros casos da América
Latina que menciona o conceito da Internet como meio de comunicação que
merece as mesmas sanções que as revistas e os jornais impressos.
Em maio de 1995, o jornal La Nación publicou várias reportagens sobre Félix
Przedborski, embaixador honorário da Costa Rica na Organização Internacional
de Energia Atômica. O jornalista Maurício Herrera Ulloa baseou sua informação
em artigos publicados previamente na Bélgica e na Alemanha, que vinculavam o
diplomata a assuntos polêmicos.
O diplomata processou Herrera e o jornal em janeiro de 1996. Em maio de
1998, um tribunal penal decidiu a favor do jornalista, mas posteriormente a
Suprema Corte de Justiça da Costa Rica anulou a decisão, submetendo o assunto
a um novo debate. Outro tribunal penal condenou Maurício Herrera pela
reprodução de ofensas difamatórias, obrigando-o a dar uma indenização de 60
milhões de colones (200.000 dólares) ao diplomata, além do pagamento de uma
multa e dos custos do advogado do acusador. A sentença obrigou o jornal La
Nación a eliminar seus links eletrônicos aos artigos sobre o diplomata.
Diante dessas graves circunstâncias, uma denúncia foi levada à Comissão
Interamericana de Direitos Humanos que emitiu um informe confidencial,
pedindo ao governo da Costa Rica que, dentro de um prazo de dois meses,
resolvesse a questão mantendo a sentença condenatória.
Em março de 2001, a Corte Interamericana de Direitos
Humanos obrigou o governo da Costa Rica a suspender a
sentença contra Herrera e La Nación, até que se apresentasse
uma futura revisão da denúncia diante da Comissão
Interamericana.
Como o governo da Costa Rica não solucionou o caso, a
Comissão Interamericana de Direitos Humanos apresentou à
Corte Interamericana a petição correspondente contra a
República da Costa Rica – agora sendo tramitada – pedindo,
entre outras coisas, o seguinte:
“Deixar sem efeito e eliminar todas as consequências
derivadas da sentença condenatória contra o Senhor Maurício
“…um tribunal apegando-se a lei costarriquenha disse
Herrera Ulloa…retirar a inscrição do Senhor Maurício Herrera
que nós costarriquenhos somos cidadãos de segunda
Ulloa do Registro Judicial de Delinqüentes. Deixar sem
classe, que não temos direito de saber o que fazem
efeito a ordem de tirar os links existentes do site na Internet do
nossas autoridades no exterior”, assim se expressou o
jornalista Maurico Herrera do jornal La Nación de Costa
“La Nación Digital”, entre o sobrenome Pzerdborski e os
Rica, ao ser punido pelo suposto crime de difamação
artigos em litígio, além do estabelecimento de um link entre
contra um ex-diplomata.
26
Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas
ditos artigos e a parte dispositiva da sentença. Reparar o prejuízo causado ao
Senhor Maurício Herrera Ulloa…Modificar a legislação penal com o objetivo de
fazê-la adequada ao acordo indicado na sessão prévia”.20
Perguntas para discussão:
1. Caso a doutrina da “malícia real” fosse aplicada, o jornal La Nación e o
jornalista deveriam ter sido punidos?
2. A informação pública na Internet deve estar sujeita as mesmas regras que a
informação publicada na imprensa escrita?
3. Em contraste com a informação publicada na imprensa escrita, qualquer
pessoa pode publicar acusações na Internet (porque não precisa de uma meio
de comunicação tradicional). Será que isso significa que a Internet requer
regulamentações diferentes das utilizadas em jornais e revistas?
Caso No. 8: Chile
Imunidade diplomática: Martorell versus Chile (1993)
No dia 21 de abril de 1993, a editora Planeta publicou na Argentina o livro
“Imunidade Diplomática” do jornalista chileno Fracisco Martorell Cammarella.
A editora planejava lançar o livro no Chile no dia seguinte, mas um empresário
mencionado no livro, Andrônico Luksic, interpôs um recurso de proteção na
Sétima Vara da Corte de Apelações de Santiago, exigindo a suspensão da
publicação do livro, já que este infringia seu direito à privacidade.
O livro de Martorell estava baseado num artigo que ele escreveu em 1991, que
havia sido publicado no semanário Análisis, do qual era editor geral. Martorell se
centrou na figura de Santiago Espinoza Melo, embaixador argentino no Chile,
mencionando também as atividades de vários chilenos de renome.
A Corte determinou que o livro deveria ser confiscado e ordenou que todos
os exemplares fossem tirados de circulação. Imediatamente, muitas pessoas
mencionadas no livro processaram Martorell. No dia 31 de maio de 1993, a
Corte de Apelações manteve a decisão e duas semanas depois, a Suprema Corte
de Justiça chilena recusou por unanimidade a apelação de Martorell. Em
dezembro de 1993, dois grupos denunciaram o caso diante da Comissão
Interamericana de Direitos Humanos, acusando o governo chileno de
desrespeitar a liberdade de expressão estipulada na Convenção Americana sobre
Direitos Humanos. Em resposta, o governo chileno disse que estava defendendo a honra, a privacidade e a reputação de seus cidadãos e negou que a
proibição do livro atentasse contra a liberdade de expressão do autor.
Em 3 de maio de 1996, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos
declarou que o Chile tinha infringido os estatutos da convenção e pediu ao
governo que terminasse a censura contra o livro de Martorell. Finalmente,
20
“As leis de privacidade não
devem inibir ou restringir a
investigação ou difusão de
informações que sejam do
interesse público. A proteção
da reputação deve ser
garantida através de sanções
civis nos casos em que a pessoa
ofendida seja um funcionário
público, indivíduo público ou
particular que tenha se
envolvido em um assunto que
seja de interesse público. Caso
contrário, deve-se provar que
o comunicador teve intenção
de causar danos e esta pessoa,
que havia o conhecimento de
que estava difundindo notícias
falsas ou que demonstrou
negligência na sua conduta em
obter as informações sejam
elas falsas ou verdadeiras.”
Principio 10, Declaração
dos Princípios da Liberdade
de Expressão
Processo contra a República da Costa Rica, apresentada à Corte Interamericana de Direitos Humanos em 17 de fevereiro de 2003.
Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas
27
depois de oito anos de processos burocráticos, o presidente Ricardo Lagos
promulgou a lei sobre Liberdades de Opinião e Informação e Exercício do
Jornalismo em 18 de maio de 2001.
Mais conhecida como a Lei de Imprensa, esta lei revogou o artigo 6 da Lei
de Segurança Interior do Estado (LSIE) que tipificava delitos contra a ordem
pública, a difamação, a injúria e a calúnia à autoridades. A LSIE também
permitiu que Alejandra Matus voltasse para o Chile.
Além disso, eliminou as disposições contempladas que determinavam
responsabilidade penal para o jornalista e o distribuidor de um meio impresso, e
o poder dos juízes de requisitar publicações.
Perguntas para discussão:
1. O governo tem o direito de prevenir a publicação ou a distribuição de um
livro que contém acusações contra um cidadão?
2. Qual a relevância das acusações serem verdadeiras? Qual a diferença se o
cidadão acusado é uma figura pública ou privada?
3. Quem decide se uma acusação é suficientemente prejudicial à reputação de
um cidadão, a ponto de prevenir sua publicação?
4. Quem perde quando o governo pode censurar os jornalistas e outros
escritores?
28
Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas
Segunda Parte:
Manipulação dos Meios de
Comunicação
H
á muitas maneiras de manipular os meios de comunicação. Esta parte do
manual trata dos ataques à liberdade de expressão que, em certos casos,
envolvem o governo. O governo pode beneficiar certas pessoas ou grupos
através de favores ou através da compra de anúncios ou pode influenciar a
administração dos meios de comunicação. Pode, ainda, usar o sistema judiciário
para intimidar os proprietários de veículos de imprensa e repórteres.
O uso de mecanismos indiretos para suprimir informação é uma prática
comum. Por exemplo, na Venezuela, o presidente Hugo Chávez faz acusações
diretas, em redes nacionais de rádio e televisão, contra os meios de
comunicação que se opõem ao seu governo. Isto faz com que os seguidores do
presidente Chávez não respeitem os jornalistas que trabalham na imprensa de
oposição. Desta forma, os ataques verbais e físicos contra os jornalistas
estimulam um ambiente pouco propício para exercer a plena liberdade de
expressão.
Caso No. 9: Peru
Baruch Ivcher Bronstein versus Peru (1997)
O resultado deste caso confirmou a proteção que a Convenção
Interamericana de Direitos Humanos exerce sobre o direito à
liberdade de expressão, o direito à propriedade e o direito ao
devido processo. Também recebeu atenção internacional
devido às medidas repressivas que o governo peruano estava
exercendo sobre os meios de comunicação.
Em maio de 1997, o governo do presidente Alberto
Fujimori cancelou a cidadania peruana de Baruch Ivcher
Bronstein, o acionista majoritário do Canal 2 Frecuencia
Latina, e em julho embargou suas ações equivalentes a 54% da
empresa. Invocando leis que estipulavam que só os cidadãos
A chamada “Prensa Chicha” administrada por Fujimori e
peruanos poderiam ser donos de meios de comunicações locais, Montesinos monopolizou a imprensa peruana para
o governo alegou que Ivcher, nascido em Israel, não havia
desprestigiar a mídia independente.
renunciado à cidadania israelense.
Estas ações foram vistas por muitos como uma reação de Fujimori a uma
série de críticas incisivas transmitidas pelo programa “Contraponto” do Canal
12. Entre estes informes, foi revelado que o governo estaria grampeando
Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas
29
telefonemas de políticos, juízes, advogados e jornalistas. O programa também
informou sobre a tortura e o assassinato de uma agente de inteligência, Mariela
Barreto Riofano, e a tortura de Leonor La Rosa.
Em agosto do mesmo ano, dois acionistas minoritários do Canal 2, os
irmãos Samuel e Mendel Winter, apresentaram uma petição ao governo que
lhes concedeu o controle das ações de Ivcher. No mês seguinte, a Suprema
Corte da Justiça peruana confirmou a legalidade dessa ação.
Pouco depois, as cortes peruanas rejeitaram uma série de apelações feitas por
Ivcher e, em 19 de setembro, os irmãos Winter assumiram o controle do Canal
12, despedindo vários de seus jornalistas e executivos. A equipe de notícias do
canal foi demitida em massa.
Em julho, Ivcher pediu ajuda à Comissão Interamericana de Direitos Humans
que, em agosto, solicitou ao governo peruano que restaurasse a cidadania de
Ivcher. A Corte Interamericana decidiu em setembro que o governo do Peru
havia revogado arbitrariamente a cidadania de Ivcher e que, ao fazê-lo, também
teria infringido as garantias a sua liberdade de expressão e a seus direitos de
propriedade e de devido processo. A sentença da Corte Interamericana solicitou
ao governo peruano para, num prazo de dois meses:
• restaurar a cidadania de Ivcher, junto com todos os seus direitos
• cessar qualquer outra tentativa de infringir sua liberdade de expressão
• interromper qualquer ato de perseguição contra Ivcher
• restaurar os direitos de propriedade de Ivcher, especificamente suas
ações na Empresa Latino-americana de Radiodifusão SA, Canal 2
• recompensar Ivhcer por perdas e danos
• adotar legislação e medidas administrativas necessárias para prevenir
esse tipo de atos no futuro
O governo peruano não adotou essas recomendações e pediu mais tempo
para o cumprimento das mesmas. Em 31 de março de 1999, quando o Peru
continuava sem cumprir essas recomendações, a Comissão Interamericana
remeteu novamente o caso à Corte Interamericana de Direitos
Humanos. Enquanto isto, receoso, Ivcher se exilou em Miami
com a família. Entretanto, depois que Montesinos e Fujimori
fugiram do Peru por problemas de corrupção, o governo
peruano finalmente devolveu a Ivcher o controle do canal em
dezembro de 2000.
Os chamados “Vladivídeos” que se encontraram logo após
a queda do regime de Fujimori comprometeram a
independência de vários meios de comunicação que
receberam milhões de dólares do ex-chefe de inteligência
do Peru, Vladimiro Montesinos.
30
Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas
Perguntas para discussão:
1. Qual é a sua opinião sobre o papel da Corte
Interamericana de Direitos Humanos neste caso? O parecer de
uma organização internacional pode ter prioridade sobre
aqueles feitos pela Corte Suprema de um país?
2. Num caso como este, qual é o papel dos outros meios de
comunicação do país? A publicação de reportagens sobre os
esforços de restringir a informação pode ser uma ferramenta
para a luta contra as mesmas restrições?
3. O fato de que Ivcher nasceu em outro país é uma razão legítima para a
invalidação da propriedade do canal de televisão? Sua resposta seria a mesma se
Ivcher não fosse cidadão peruano? E se Ivcher não fosse residente do Peru? (Ou
seja, é justo que um governo proíba pessoas que não são cidadãs ou residentes de
serem proprietárias de um meio de comunicação?)
Caso No. 10: Panamá
Gustavo Gorriti versus Panamá (1997)
“Não há vontade explícita de
censurar a liberdade de
imprensa, a liberdade
jornalística, mas existe um
perigo que é menos visível, que
é mais sutil, que é mais... que
não se vê, que está por
debaixo da superfície e que
consiste na busca do controle
corporativo dos principais
meios de imprensa para, dessa
maneira, influenciar o que
pode ou não pode ser
publicado.”
Através deste caso, examinaremos o direito de praticar o jornalismo e as
tentativas governamentais de intimidar ou limitar o jornalismo de denúncia.
Gustavo Gorriti
Em 1996, Gustavo Gorriti, um jornalista peruano, foi contratado pelo jornal
jornalista peruano
panamenho La Prensa como diretor administrativo e rapidamente sacudiu o
governo do Panamá, estimulando outros jornalistas a investigar temas de
corrupção e lavagem de dinheiro por parte de autoridades públicas, inclusive
supostas contribuições do tráfico de drogas à campanha eleitoral do presidente e
outras atividades do governo de Ernesto Pérez Balladares.
La Prensa era considerado um dos jornais mais independentes do continente
até a nomeação de Ricardo Alberto Arias - aliado de Pérez Balladares - como
presidente. A partir desse momento a independência do jornal passou a ser
questionada. Uma das primeiras ações do novo presidente do La Prensa foi
procurar um consenso para cancelar o contrato de trabalho do jornalista Gorriti.
Segundo o depoimento do jornalista panamenho Guillermo Sánchez Borbón,
membros do PDR teriam comprado ações para possuir poder de voto na sessão
que elegeu Ricardo Alberto Arias.
Em agosto de 1997, o governo de Pérez Balladares revogou a autorização
de trabalho de Gorriti e o ordenou a abandonar o país, apoiando-se numa lei
panamenha que proíbe que estrangeiros ocupem cargos administrativos nos
meios de comunicação. La Prensa apelou em vão à Corte Suprema da Justiça e,
em setembro, agentes de segurança tentaram tirar Gorriti da
redação à força. O jornalista estava morando na redação do
jornal. O caso teve grande cobertura em jornais da América
Latina e dos Estados Unidos, com matérias no New York Times,
Wall Street Journal, Washington Post e Miami Herald. Esses jornais
informaram que Pérez Balladares tinha decidido expulsar
Gorriti porque Nicolás González Revilla, um primo do
presidente, reclamou que as reportagens do La Prensa estariam
afetando suas intenções de estabelecer um monopólio para
controlar a televisão panamenha.
O governo também ameaçou de recorrer à “lei da
mordaça”, como é conhecida a lei de desacato na
Em algumas ocasiões a relação dos membros das juntas
Constituição, segundo a qual o Ministério Público pode multar diretoras proprietárias dos meios de comunicação e os
setores políticos do país poderia por em risco a
e até fechar meios de comunicação por infrações na
independência da mídia, como foi o caso do jornal La
“publicação de fatos relacionados à vida privada [de um
Prensa de Panamá.
indivíduo]…que podem causar dano moral à pessoa afetada”.
Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas
31
Mas a reação internacional fez com que o governo não cumprisse suas
ameaças e num compromisso mútuo, Gorriti recebeu novamente sua
autorização de trabalho e o jornal mudou seu cargo para Diretor Associado.
Numa outra ocasião, em outubro de 1999, o Procurador Geral José Sossa
processou Gorriti e La Prensa por difamação e injúria, pedindo às autoridades que
não deixassem o jornalista sair do país. Sossa reclamou que uma série de
reportagens de autoria de Gorriti o acusavam injustamente de influenciar e
proteger Marc Harris, suspeito de lavagem de dinheiro do tráfico de drogas.
Sossa havia processado Gorriti anteriormente em 1996, porque o La Prensa
publicou uma reportagem alegando que ele teria recebido um cheque do
traficante colombiano José Castrillón Henao, que cumpria uma sentença nos
Estados Unidos. O cheque acabou sendo considerado falso mas, apesar do jornal
ter-se retratado de suas acusações, Sossa acusou Gorriti, o repórter Rolando
Rodriguez e o jornal de levarem a cabo uma campanha contra sua pessoa. Em
janeiro de 2001, uma corte panamenha absolveu os jornalistas, alegando que Sossa
não havia mostrado provas suficientes para demonstrar um crime. As leis de
difamação panamenhas estabelecem penas de até dois anos de prisão.
Perguntas para discussão:
1. É justo que a lei proíba que um estrangeiro ocupe um cargo administrativo
num meio de comunicação?
2. Até que ponto a liberdade de expressão pode ser afetada quando diretores de
meios de comunicação estão ligados a grupos políticos?
3. A atenção internacional pode ser uma arma eficaz para lutar contra tentativas
de restrição da liberdade de imprensa?
4. Quando um veículo de imprensa publica uma informação falsa – como fez o
La Prensa no caso do cheque de Sossa – é suficiente uma retratação do meio
ou é necessário uma multa ou um castigo penal?
5. A liberdade de expressão é afetada quando se revelam as fontes?
Caso No. 11: México
Mudar ou morrer
Outro caso de manipulação dos meios de comunicação ocorreu no México,
quando – depois de décadas seguir a linha do Partido Revolucionário
Institucional (PRI), os meios que eram apoiados pelo partido perderam tal
apoio. Um exemplo é o que aconteceu com o jornal Excélsior, uma publicação
tão antiga quanto a revolução mexicana. O jornal era conhecido como um
jornal confiável até 1976, quando o Presidente Luis Echeverría o converteu
num instrumento do PRI. À medida que outros jornais se tornavam mais
independentes, o Excélsior dependia cada vez mais do PRI. Durante a última
campanha presidencial, os jornalistas pressionados a ponto de receberem visitas
dos funcionários do PRI que diziam que a opção mais viável para os jornalistas
era que votassem no candidato do PRI. Representantes do partido ameaçaram
32
Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas
fechar o jornal. Temendo o fechamento do jornal e perda de empregos, os
jornalistas tinham que decidir entre votar ou não pelo partido que lhes dava o pão
de cada dia.
A relação de dependência era tal que se algum jornalista se opusesse à
situação, criticasse ou questionasse a relação do jornal com o PRI era demitido
imediatamente. De acordo com funcionários do jornal, a corrupção chegou a tal
ponto que as manchetes da primeira página estavam à venda e o comprado
habitual, o PRI, pagava 50.000 pesos (cerca de seis mil dólares) para publicar no
jornal. Isso ocorria com a maior naturalidade e à vista de todos, até que em 2000 o
PRI perdeu as eleições pela primeira vez na sua história. Vicente Fox, candidato
do Partido de Ação Nacional, assumiu o poder e o Excélsior perdeu sua reputação
no jornalismo mexicano, além perder sua maior fonte de rensa. Em dezembro de
2002, um grupo de investidores dos Estados Unidos e do Canadá tentou comprar
o jornal que quase tinha ido à falência, com uma dívida de 75 milhões de dólares.
Um mês depois da oferta inicial a transação foi cancelada, acabando com as
esperanças dos funcionários do jornal que não recebiam seus salários há meses.
“Os líderes do PRI, falavam
com o diretor geral do jornal e
diziam “quero esta
informação” e o diretor cedia
ou entendemos que cedia,
porque na manha seguinte
víamos a primeira pagina do
Excélsior cheia de noticias a
favor do PRI, de opiniões do
PRI, isso é o que acontecia
aqui.”
Patricia Guevara
jornalista mexicana
Perguntas para discussão:
1. Quem saiu perdendo com a venda de espaço no Excélsior para a publicação de
matérias favoráveis ao PRI?
2. Além da perda de credibilidade, quais são as conseqüências para um jornal
que vende páginas para a publicação de conteúdo de um partido político?
3. Você acredita que o público sabe quando um meio de comunicação depende
economicamente de um partido político? Acredita que o público compra um
jornal, mesmo sabendo que este recebe dinheiro de um partido político? O
público deveria ser informado quando meios de comunicação recebem
contribuições do governo?
4. Até que ponto a situação do Excélsior compromete a liberdade de expressão e
de imprensa?
Casos adicionais para discussão
Caso No.12: Porto Rico
Castiga-se com os anúncios do Governo
Este caso ilustra o fato de que os governos às vezes usam a
propaganda oficial como um incentivo econômico que também
pode servir para castigar o jornalismo independente. Estes
casos são importantes porque reiteram a noção da Primeira
Emenda dos Estados Unidos de que um governo não pode usar
a compra de espaço publicitário em um meio de comunicação
para vingança ou para beneficiá-lo economicamente. O Nuevo
Día é o segundo jornal mais importante de Porto Rico, com
uma circulação de 200.000 exemplares.
O histórico jornal Excélsior deve continuar lutando para
sobreviver num México onde se a imprensa
independente se impõe.
Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas
33
“Os meios de comunicação e os
jornalistas não devem ser
objeto de discriminações ou
favores em função do que
escrevam ou digam.”
Princípio 8, Declaração de
Chapultepec (1994)
34
Em dezembro de 1997, o Nuevo Día apresentou uma denúncia à justiça
federal contra o governador Pedro Roselló e seis outras autoridades
governamentais, acusando-os de que sua decisão de retirar $6 milhões de dólares
de propaganda anual no jornal foi uma vingança pela tendência crítica do meio.
O governo de Roselló decidiu retirar toda sua propaganda oficial no dia 16
de abril de 1997, logo depois que o jornal publicou uma matéria atacando suas
políticas. Três dias antes, o jornal tinha publicado uma reportagem avaliando
negativamente os cem primeiros dias do segundo governo de Roselló e acusandoo de corrupção.
O Nuevo Día reclamou que o governo havia infringido o direito à liberdade
de imprensa estipulado na Primeira Emenda. Protestou também porque,
ofendido pela reportagem, Roselló pediu que 18 agências governamentais
retirassem sua publicidade do jornal. Além disso, os donos do jornal disseram
que o presidente tinha tentado castigá-los cancelando os projetos da Puerto Rico
Cement, uma empresa que também pertencia aos donos do Nuevo Día. Roselló
respondeu que tinha retirado a publicidade só para economizar o dinheiro do
governo, já que a publicidade do jornal era muito cara.
Ambos lados chegaram a um acordo em maio de 1999. A Corte de Apelações
da primeira instância decidiu: “Éóbvio que usar os fundos do governo para
castigar o discurso político da imprensa e obrigá-la a realizar comentários
favoráveis ao governo infringe as determinações da Primeira Emenda”. Com o
acordo aprovado pelo juiz José A. Fuste, o governo de Porto Rico reconheceu
que usar a publicidade para influenciar as notícias infringia a liberdade de
imprensa. O governo aceitou usar critérios mais objetivos, como o custo por
cada mil leitores, para administrar o seu orçamento publicitário. Ainda assim,
aceitou publicar novamente seus anúncios em 15 dias e encomendar futuras
publicidades no valor de 60 milhões de dólares, na imprensa escrita e outros
meios de comunicação.
O governo também concordou em dar aos jornalistas do Nuevo Día acesso
igual a documentos e notícias públicas e permitiu que a empresa Puerto Rico
Cement começasse a trabalhar nos projetos que haviam sido interrompidos
ilegalmente. Por sua parte, o jornal e a empresa de cimento concordaram em
remover as acusações nas quais cobravam milhões de dólares por danos e
prejuízos. Como consequência, os tribunais dos Estados Unidos têm declarado
consistentemente que o governo não pode retirar publicidade como castigo ou
vingança de cobertura negativa.
Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas
Terceira Parte:
Terror e Intimidação
A
mérica Latina é um dos lugares mais perigosos para exercer o jornalismo.
Em 2002, 22 jornalistas da região foram assassinados21. O número de
vítimas tem aumentado, assim como o número de países nos quais a violência
contra os jornalistas é freqüente. A Colômbia ainda é líder com o número mais
alto de jornalistas assassinados. Os repórteres que tentam cobrir os paramilitares,
o terrorismo ou o tráfico de drogas se expõem ao perigo.
Contudo, é ainda mais perigosa a impunidade dos assassinatos de jornalistas.
Várias organizações que defendem a liberdade de expressão iniciaram esforços
destinados a pressionar os governos para que os casos de jornalistas assassinados
como resultado direto de seu trabalho jornalístico sejam investigados.
A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) iniciou em 1997 o Projeto
Impunidade, que identifica casos de assassinatos de jornalistas e os investiga
profundamente com a ajuda de uma rede de alerta que funciona na região. Este
projeto tem feito com que os governos tratem dos assassinatos de jornalistas com
mais seriedade.
Caso No. 13: Colômbia
O Jornalista persevera
Ninguém foi condenado pelo ataque a Jineth Bedoya. Ela fazia parte de uma
equipe do jornal El Espectador que estava investigando o massacre de 34
prisoneiros na prisão modelo de Bogotá. Bedoya conseguiu entrar na prisão em
27 de abril de 2000 e publicou ter visto armas e telefones celulares que tinham
sido distribuídos pelos paramilitares aos prisioneiros aliados de dentro.
No dia seguinte, Bedoya recebeu envelopes com cópias de suas reportagens,
em que estavam marcadas as frases que escreveu sobre a responsabilidade dos
paramilitares no massacre de Barranca, no setor noroeste de Barrancabermeja
(Santander), onde foram assassinadas 30 pessoas em 16 de maio de 1998.
Segundo Bedoya, nessa mesma noite um homem - que se identificou como
Ramiro e disse ser o chefe de segurança do “Padeiro”, o paramilitar responsável
pelo massacre – ligou para o celular de Bedoya para combinar um encontro com
seu chefe. Quando Bedoya ia para a entrevista, foi seqüestrada na porta da cadeia,
obrigada a entrar em um carro com uma arma apontada na cabeça, foi insultada,
21
http://www.freemedia.at/index1.html
Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas
35
“Se há um atentado contra a
vida de alguém, se uma pessoa
é assassinada, trata-se de um
direito. Mas no caso da
liberdade de imprensa são dois
direitos: o direito individual do
jornalista de se expressar e o
direito da sociedade de ser
informada.”
Claudio Grossman
acadêmico chileno
agredida e machucada brutalmente. No meio dos gritos e da confusão, Bedoya
lembra dos atacantes dizendo que a castigavam “para curar a imprensa
colombiana”. O pesadelo de Bedoya terminou dez horas depois, quando a
abandonaram numa rodovia de Villavicencio, a poucos quilômetros de Bogotá.
Apesar desde evento aterrorizante, Bedoya decidiu não abandonar a
Colômbia ou sua profissão e agora trabalha para El Tiempo de Bogotá. Em 2001,
ela recebeu o prêmio de “Coragem no Jornalismo” da Fundação Internacional de
Mulheres nos Meios de Comunicação (IWMF, sigla em inglês).
Perguntas para discussão:
1. Que efeito tem a tortura ou o assassinato de um jornalista?
2. Que papel deve ter um meio de comunicação para proteger seus jornalistas?
Que papel deve ter o sindicato?
3. O que você faria se sofresse ameaças ou agressões devido ao exercício da
profissão? Deixaria de divulgar as notícias que o/a colocassem em perigo?
Abandonaria a carreira? Sairia do país? Ou continuaria trabalhando da
mesma maneira? Por que?
4. Até que ponto os governos são responsáveis por estes assassinatos?
5. O rigor jornalístico é uma desculpa justificável para as ameaças e assassinatos
de jornalistas?
Caso No. 14: Equador
Pressão em uma comunidade pequena
Na década de 90, o Equador teve cinco presidentes em cinco anos, uma
mudança de moeda e uma crise bancária, o que gerou muito material para os
jornalistas, sobretudo quando se trata de matérias cotidianas afetando a vida das
pessoas. Robeto Briones publicou uma dessas matérias em Manta, uma cidade
costeira de 140.000 habitantes.
Os administradores do serviço municipal de água de Manta
começaram a desviar e roubar água, enchendo seus bolsos e
pondo em perigo a vida das pessoas. O gerente da EMAPAM, o
próprio prefeito e alguns servidores da instituição recebiam
comissões mensais em dinheiro através dos bancos.
Eventualmente as pessoas deixaram de receber a água pela qual
já tinham pago, o que originou uma série de denúncias
transmitidas por Roberto Briones na sua estação de rádio.
Ironicamente, anos antes, o prefeito tinha concedido a
Briones um prêmio de excelência jornalística. Agora a situação
era outra. O prefeito e alguns de seus simpatizantes começaram
a enviar cartas ameaçadoras à emissora de rádio e uma noite
Gineth Bedoya, jornalista colombiana, decidiu
cumpriram suas promessas. Briones foi atacado por cinco
continuar exercendo sua profissão na Colômbia
pessoas. Segundo ele, o próprio prefeito dirigia o automóvel
apesar de ter sofrido um ataque brutal.
usado pelos agressores, dois dos quais eram irmãos do prefeito.
36
Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas
Depois da agressão, Briones apresentou uma queixa formal contra seus
atacantes. Entretanto, Simón Bustamante, o presidente da Corte na época,
estava vinculado ao mesmo partido político do agressor, o Partido Social
Cristão. O caso não só foi ignorado como também Briones foi acusado de
outro crime que, segundo ele, nunca cometeu. Como resultado deste evento,
agora Roberto Briones está trabalhando em outra rádio – já que a sua fechou –
e é mais cuidadoso com o que diz.
Perguntas para discussão:
1. Qual a diferença da pressão enfrentada pelos
jornalistas dos centros urbanos em comparação com
jornalistas de cidades pequenas?
2. Quem sai ganhando se Briones decide não falar ou
investigar sobre as atividades do governo? Quem sai
perdendo?
3. Quando um jornalista é atacado ou ameaçado, os
outros meio de comunicação da mesma comunidade
devem falar sobre o que aconteceu? Você acredita
que alertar o público sobre as ameaças contra a
liberdade de imprensa pode ajudar a defendê-la?
Em Manta, no Equador, a corrupção governamental afetava a
administração da água que deveria chegar à comunidade.
Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas
37
QUARTA PARTE:
Outros Obstáculos Específicos à
Liberdade de Expressão
“O acesso às informações em
poder do Estado é um direito
fundamental dos indivíduos.
Os Estados são obrigados a
garantir o exercício deste
direito. Este princípio só
estabelece limitações
excepcionais que devem estar
estabelecidas previamente por
leis no caso de algum perigo
real e iminente que ameace a
segurança nacional em uma
sociedade democrática.”
Principio 4, Declaração dos
Princípios da Liberdade de
Expressão
1. Falta de Acesso à Informação
O direito à informação é a garantia fundamental que todas as pessoas tem para
obter informação, informar e ser informadas, e engloba tanto as liberdades
individuais (liberdades de pensamento, expressão e imprensa) quanto outras de
caráter social (o direito dos leitores, ouvintes ou espectadores de receber
informação e ter acesso à documentação pública). Ainda que não pareça, a
maioria dos países latino-americanos tem este direito incluído em suas
constituições. Apesar disso, os obstáculos à elaboração e a regulamentação das
leis de acesso à informação são variados e oscilam entre a negação total de
documentos públicos até a imposição de empecilhos diretos e indiretos para
obter informação oficial. Atualmente, a garantia de acesso a documentos
públicos depende da boa fé dos funcionários públicos de plantão. Em outras
ocasiões, os jornalistas desconhecem alternativas e seus direitos. Como
profissionais da informação, os jornalistas são os que mais podem tirar
vantagem de uma lei adeqüada, que pode servir como elo entre o poder político
e a sociedade. Os jornalistas tem a função de investigar e disseminar dados que,
de outra maneira, permaneceriam ocultos devido à ignorância ou o passivismo.
Caso No. 15: México
Reforma
Numa pesquisa realizada pelo ICFJ, 85% dos
jornalistas disseram que no seu país é difícil ou muito
difícil ter acesso a documentos públicos de posse do
governo.
38
Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas
O jornal Reforma da Cidade do México nasceu em 1993 e desde
então tem crescido em tamanho e influência provando, em pouco
tempo, que um jornal pode ser independente, influente e
lucrativo. Seus repórteres formam parte de uma nova geração de
jornalistas comprometidos com jornalismo rigoroso e com o
interesse público. O repórter Pablo Carillo encontrou um
documento demonstrando como o governo deu 65 guardas de
segurança, 7 veículos e varias dezenas de armas a um general
aposentado, num país onde muitos policiais estão desarmados.
Carrillo conseguiu finalmente publicar a notícia porque obteve
documentos que o apoiavam, mas segundo ele é muito difícil que
se possa receber e tramitar informação do governo apesar disso
estar contemplado na Constituição.
Do mesmo modo que os jornalistas de outros meios de comunicação, María
Luisa Rivas trabalha com o que consegue do município. Ela cobre o governo
metropolitano para Proceso, uma revista semanal conhecida por sua
independência, mas passa a maior parte do dia lutando para conseguir acesso à
informação. Ela tem que marcar um encontro oficial para entrevistar
autoridades do governo, mesmo que a conversa seja informal.
Uma nova lei federal estabelece garantias para o acesso à informação, e em
seis estados mexicanos leis similares foram aprovadas. Ainda assim, nem todas
essas leis estaduais têm conteúdo jurídico satisfatório. Na maioria dos países da
América Latina os temas de acesso à informação e transparência ficaram limitados
à teoria, sem nunca partirem para a prática. O Peru aprovou recentemente uma
nova Lei de Transparência e Acesso à Informação. Na província de Buenos Aires,
Argentina, também existe uma lei similar. Mas em países como o Panamá e o
Paraguai, as tentativas de aprovar uma lei efetiva de acesso à informação ainda
não deram fruto.
Perguntas para discussão
1. O que os jornalistas podem fazer nos seus países quando o governo se nega a
divulgar uma informação que deve ser pública?
2. Você acredita que as leis de acesso à informação garantem que as autoridades
públicas cumpram com a divulgação de informação que o público precisa?
3. O público se importa quando seus líderes se recusam a divulgar informação?
Você acredita que o público pode ser um aliado na luta pelo acesso à
informação? Como os jornalistas podem conseguir apoio do público em
geral?
2. Autocensura
Nos workshops e seminários os jornalistas classificaram a autocensura como
um dos obstáculos mais polêmicos que os impede de exercer o bom jornalismo.
Há muitas formas de autocensura e não é sempre fácil reconhecê-la ou admitíla. A autocensura é um produto de um meio jornalístico restringido, onde os
jornalistas têm que considerar aspectos alheios à notícia, para poder publicá-la
ou transmití-la. Quando um jornalista não se sente completamente livre para
escolher que notícia cobrir ou não devido à pressões externas, encontramos-nos
diante de um caso de autocensura.
Este é um tema muito ligado à ética jornalística, na qual só o jornalista e seu
contexto pessoal podem responder a esse dilema. Em muitas ocasiões o jornalista
sente medo de publicar uma notícia se esta interfere com os interesses
econômicos do seu próprio meio de comunicação e se puder perder seu emprego.
Outras vezes, a notícia poderia causar consequências mais severas como pôr em
perigo sua própia vida, ou a da sua família.
Como dissemos anteriormente, o problema da autocensura é difícil de avaliar
e resolver, mas mesmo assim, nos seminários realizados pelo ICFJ, os jornalistas
compartilharam alguns passos preventivos que, segundo disseram, poderiam ser
tomados para combater a autocensura.
Recomendações em
como evitar a
autocensura
• Repórteres:
Caso tenha um artigo que
considere importante, você
tem obrigação não apenas de
considerar esse artigo mas
também de escrevê-lo. Dê
ênfase ao artigo obtendo o
maior número possível de
documentos que opõem a sua
proposta. Reconheça mais os
méritos dos seus editors e
revisadores. Não menospreze
a sua audiência. Mas caso você
não consiga publicar o seu
artigo, considere tentar fazê-lo
em outra organização.
• Editores:
Estimule os reporteres a terem
idéias rigorosas tanto nas
conversas quanto nas reuniões
de pauta e reconheça aqueles
que se exporem. Mantenha
uma redação que honre
valores. Faça através de
exemplos. Seja claro, explícito
e direto dentro da cultura.
Repare no “efeito megafone”quando o chefe propõem uma
idéia, o efeito se acentua. Caso
perceba um conflito ou alguma
dificuldade, escolha outro
repórter para escrever o
material. As redações que não
incentivan a criatividade e a
livre expressão são redações
que fracassaram.
Tracy McNamara
Columbia Journalism
Review
Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas
39
PROBLEMA
SOLUÇÃO
Desconhecimento das leis e instituições de apoio
Capacitação constante atualizando os
jornalistas sobre seus direitos legais
Falta de solidariedade do sindicato de jornalistas
Fortalecer os sindicatos de jornalistas para
gerar solidariedade com os colegas.
Envolvimento ativo quando um colega
tiver algum problema
Impossibilidade de publicar uma prova contundente
Realizar a investigação mais detalhada
possível e manter um arquivo estrito de
todo o material acumulado. Poder citar
todas as suas fontes
Caso No. 16: Equador, Sigilo Bancário
No Equador, uma lei chamada Sigilo Bancário não permite que os funcionários
públicos divulguem informação que possa afetar os bancos do país. Às vezes
os editores também têm suas próprias razões para querer suavizar notícias
negativas. Este foi o caso do jornalista equatoriano Javier Areta, que tinha
evidências de que o principal banco de Quito estava em sérios
problemas financeiros. Segundo o depoimento de Arteta,
quando ele apresentou a idéia de publicar esta informação
para a sua editora, ela o impediu de fazê-lo porque notícias
desse tipo poderiam causar uma desestabilização importante
na economia nacional já precária. Eventualmente, a notícia
apareceu de tal maneira que quase contradizia a matéria
original, dizendo que, ao contrário, o banco problemático
contava com uma grande estabilidade econômica. No
entanto, no final de 1998, descobriu-se que o Banco de
Pichincha e o Banco de Guaiaquil tinham problemas
financeiros, mas já era tarde demais para que seus clientes
Na delicada situação econômica equatoriana, o governo
protegia os bancos por meio do “Sigilo Bancário” que
retirassem o dinheiro das suas contas. No final, todos saíram
proibia informar sobre a situação real do sistema
perdendo devido à autocensura.
bancário.
Perguntas para discussão:
1. Você já se censurou em alguma ocasião? Por que?
2. Quais são as opções do jornalista ameaçado, além da autocensura?
3. No seu país, os meios de comunicação dão apoio aos jornalistas ameaçados?
O sindicato os apóia?
40
Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas
QUINTA PARTE:
Estratégias para promover a
Liberdade de Expressão e de
Imprensa
As organizações internacionais
Em uma pequena cidade ao norte de Lima, Peru, um jornalista foi preso pelo
prefeito da cidade devido à publicação de notícias sobre corrupção
desfavoráveis a sua pessoa. A Rede de Alerta do Instituto Imprensa e
Sociedade (IPYS), uma organização sem fins lucrativos que monitora os
atentados à liberdade de expressão, entrou em funcionamento quando um de
seus correspondentes informou ao escritório central em Lima sobre o caso do
jornalista preso. A Rede do IPYS retransmitiu o caso a dezenas de
organizações internacionais que logo enviaram cartas de protesto contra o
prefeito. As cartas provenientes de Paris, Nova Iórque e Washington chegaram
por fax diretamente ao escritório do prefeito que, assustado pelas excelentes
conexões internacionais do jornalista, ordenou imediatamente sua liberação.
Mas não sem antes lhe perguntar “De onde diabos conhece tanta gente?...Vá
embora rápido antes que você me cause problemas”, terminou dizendo o
prefeito.
Este caso é um exemplo claro da importância que tem as ONGs na defesa da
liberdade de expressão e de imprensa. Neste caso, as organizações internacionais
não conheciam o jornalista, mas a Rede de Alerta IPYS permitiu que o seu caso
chegasse a outros países.
Um dos mecanismos mais eficazes para a luta pela liberdade de expressão é a
criação de distintas organizações não-governamentais que se dedicam a monitorar
e denunciar casos nos quais as liberdades de expressão e de imprensa poderiam
estar ameaçadas. A maioria destas orgranizações é de caráter internacional e
regional, mas na década de 90, várias ONGs locais foram brotando na América
Latina com a ajuda de fundações internacionais, a maioria delas com sede nos
Estados Unidos e na Europa.
A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), com sede em Miami, Flórida,
é a organização hemisférica mais antiga, que trabalha em defesa da liberdade de
expressão. Entre seus projetos mais ambiciosos, encontra-se o Projeto
Chapultepec que conseguiu reunir em março de 1994, distintas personalidades
políticas e jornalísticas da região no Castelo de Chapultepec, na cidade do
México. Na reunião, foi redigida e aprovada a Declaração de Chapultepec (Ver
Apêndice A). Desde então, os princípios que representam a Declaração têm
sido adotados e aprovados por muitos chefes de Estado do Hemisfério, assim
Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas
41
também como jornalistas, líderes civis e políticos, organizações internacionais e
milhares de cidadãos.
Entre as organizações regionais mais ativas, encontra-se o Instituto de
Imprensa e Sociedade (IPYS), com sede em Lima, Peru. O IPYS surgiu em
1994 como resposta à deterioração das liberdades democráticas no país, logo
depois que o então presidente eleito Alberto Fujimori decidiu dar um golpe de
Estado e dissolver o Congresso. O IPYS dirige um projeto regional de
jornalismo de investigação que sistematiza as principais investigações da
imprensa na América Latina e elabora estudos sobre a problemática das
liberdades informativas e os meios de comunicação. Também possui uma Rede
de Alerta composta por correspondentes em distintos países andinos. Esta
Rede monitora casos de liberdade de expressão e os envia a distintas
organizações internacionais para exercer pressão sobre os governos.
Outras organizações locais e regionais que monitoram a liberdade de
expressão e de imprensa são a Associação Jornalistas, na Argentina; C-Livre,
em Honduras; Associação de Jornalistas pela Liberdade de Expressão, no Chile;
Os do Meio, na Venezuela; e a Fundação Liberdade de Imprensa, na Colômbia.
O Comitê Mundial para a Liberdade de Imprensa (WPFC, sigla em inglês)
administra o Fundo contra a Censura, um recurso que oferece apoio financeiro e
legal aos jornalistas que sofrem censura ou perseguição oficial por causa da sua
atividade jornalística. O WPFC, com sede na Virginia, EUA, interveio em
vários casos de desacato. Outra organização muito ativa que enfatiza a defesa
da liberdade de expressão é o Centro pela Justiça e o Direito Internacional
(CEJIL, sigla em inglês), com sede em Washington, DC, EUA. O CEJIL é uma
organização de defesa e promoção dos direitos humanos no hemisfério
americano. O objetivo prinicpal do CEJIL é de assegurar a implementação
plena das normas internacionais de direitos humanos nos Estados membros da
Organização dos Estados Americanos (OEA), mediante o uso efetivo do
sistema interamericano de direitos humanos e outros
mecanismos de proteção internacional.
O sistema interamericano
A grande esperança reside no sistema interamericano que defende
os direitos humanos e, particularmente, a liberdade de expressão e
de imprensa contemplada no Artigo 13 da Convenção Americana
sobre Direitos Humanos, ou Pacto de San José.
Este instrumento internacional criou os organismos
internacionais que vigilam o respeito aos Direitos Humanos em
cumprimento à Convenção Americana sobre Direitos Humanos
Em 1998, a Comissão Interamericana de Direitos
e foram aceitos na América Latina. A Comissão Interamericana
Humanos criou a Relatoria para a Liberdade de
de Direitos Humanos (CIDH), situada em Washington, DC,
Expressão, para monitoriar os casos de ameaças contra
EUA, investiga as denúnicas e, caso encontramérito nas
a liberdade de imprensa no hemisfério.
mesmas, pode remiti-las à Corte Interamericana de Direitos
Humanos, com sede em San José, Costa Rica, para uma resolução final. Esta
resolução é obrigatória para os Estados membros da Organização dos Estados
Americanos.
42
Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas
Incluimos no capítulo seguinte declarações importantes a respeito da
Liberdade de Expressão e de Imprensa.
Em defesa dos direitos analisados, é especialmente importante ressaltar o
aspecto que tanto a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, quanto a
Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão deram no informe do ano 2000,
redigido pelo Doutor Santiago Cantón.
A Corte Interamericana declarou que na aplicação dos princípios consagrados
por aquela Convenção que, dado que a liberdade de expressão, informação e
pensamento é a pedra angular do sistema democrático e, por sua vez, a base do
debate público, a referida Convenção Americana lhe outorga um “valor
sumamente elevado” e reduz ao mínimo toda restrição. Pela mesma razão, é de
interesse da “ordem pública democrática” que se respeite escrupulosamente o
direito de cada ser humano de se expressar livremente, tal como está concebido
na Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
Seguindo as mesmas linhas, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos
disse:
A aplicação das leis para proteger a honra de autoridades públicas
no exercício de sua função oficial garante a estas um direito
injustificado à proteção do qual outros integrantes da sociedade não
dispõem. Esta distinção inverte indiretamente o princípio fundamental de um sistema democrático que sujeita o governo a controles,
entre os quais o escrutínio da cidadania, para prevenir ou controlar
o abuso do seu poder coercitivo. Se se considera que as autoridades
públicas atuando em caráter oficial são, para todos os efeitos, o
governo, é precisamente o direito dos indivíduos e da cidadania
criticar e examinar as ações e atitudes destes funcionários no que se
refere à função pública.22
A CIDH também disse que, ao contrário da estrutura que estabelecem as leis
de desacato numa sociedade democrática, as personalidades políticas e públicas
devem estar mais expostas – e não menos expostas- ao escrutínio e à crítica do
público. Segundo a CIDH, a necessidade da existência de um debate aberto e
amplo, crucial para uma sociedade democrática, deve incluir necessariamente as
pessoas que participam na formulação e aplicação da política pública. Dado que
estas pessoas estão no centro do debate público e se expõem ao escrutínio da
cidadania devem demonstrar maior tolerância à crítica.23
A primeira derivação deste sistema dual de proteção é a necessidade de
revisar as leis que castigam a informação, a crítica ou a denúncia para adeqüálas ao Artigo 13 da Convenção Americana. A Comissão indicou o seguinte
sobre o assunto:
…em conclusão, a Comissão entende que o uso de tais poderes para
limitar a liberdade de expressão de idéias se presta ao abuso, como
medida para calar idéias e opiniões impopulares, com o que se
restringe um debate que é fundamental para o funcionamento eficaz
das instituições democráticas. As leis que penalizam a expressão de
22
23
“A sociedade civil tem a
grande tarefa de reclamar, de
denunciar, e nos casos
necessários, trazer isto ao
sistema interamericano.”
Eduardo Bertoni
Relator Especial para a
Liberdade de Expressão,
OEA
a Comissão Interamericana de Direitos Humanos
Ídem
Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas
43
“Mas há outra força terrível
que muitos jornalistas não
podem superar, é a estrutura
de poder que rege os Estados,
que dirige a justiça, as decisões
políticas.”
José Elías
jornalista equatoriano
idéias que não incitam à violência anárquica são incompatíveis
com a liberdade de expressão e pensamento consagrada no Artigo
13 e com o propósito fundamental da Convenção Americana de
proteger e garantir a forma pluralista e democrática de vida.24
Da mesma forma, a Comissão indicou que a referência constante à
democracia nos artigos 29 e 32 indica que as disposições da Convenção são vitais
para a preservação e o funcionamento das instituições democráticas e as “justas
exigências da democracia devem orientar sua interpretação”. A interpretação das
restrições à liberdade de expressão e informação devem “ser julgadas usando
como referência as necessidades legítimas das sociedades e das instituições
democráticas” dado que a liberdade de expressão e informação é essencial para
toda forma de governo democrático. A Comissão declarou:
Na arena política em particular, o umbral para a intervenção do
Estado a respeito da liberdade de expressão e informação é
necessariamente mais alto devido à função crítica do diálogo político
numa sociedade democrática. A Convenção exige que este umbral
seja ainda mais elevado quando o Estado impõe o poder coercitivo
do sistema de justiça penal para restringir a liberdade de expressão.
De fato, se se consideram as consequências das sanções penais e seu
efeito inevitavelmente inibidor da liberdade de expressão, a
penalização de qualquer tipo de expressão só pode se aplicar em
circunstâncias excepcionais em que exista uma ameaça evidente e
direta de violência anárquica.25
Tudo isso baseado na Opinião Consultiva da Corte Interamericana que, ao
analisar o fórum livre da liberdade de expressão – que é duplo já que o que
informa tem o mesmo direito que o povo que recebe a informação – manteve
que os princípios elaborados na Europa para obstruir a liberdade de informação,
em nossa Corte Interamericana de Direitos Humanos são a alma na tarefa de
fortalecer os regimes democráticos, com transparência informativa.
Há uma citação extensa porque os dois parágrafos a seguir são a substância de
um conceito ainda mais amplo: a livre emissão do pensamento condensado pelo
ideal da civilização ocidental que vem sendo construída a partir do gênio grego.
66. É possível entender o bem comum, dentro do contexto da
Convenção, como um conceito referente às condições da vida social
que permitem aos integrantes da sociedade alcançar o maior nível de
desenvolvimento pessoal na plena vigência dos valores democráticos.
Nesse sentido, pode considerar-se como um imperativo do bem
comum a organização da vida social de forma que se fortaleça o
funcionamento das instituições democráticas e se preserve e
promova a realização plena dos direitos do ser humano. Por isso,
os argumentos em favor da inscrição obrigatória num conselho
profissional - como um meio para assegurar a responsabilidade e a
ética dos jornalistas e garantir a liberdade e independência destes
24
Informe de la Relatoría para Libertad de Expresión, 2000, Volumen III/ OEA Ser.L/V/II, 111, 16 abril
2001, pag/ 29. Tradução ao português da versão espanhola original.
25
Ídem
44
Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas
frente aos seus patrões - devem ser considerados as bases da idéia
de que dita inscrição representa uma exigência do bem comum.
67. Não escapa à Corte, entretanto, a dificuldade de precisar de
modo unívoco os conceitos de “ordem pública” e “bem comum”,
que podem ambos ser usados tanto para afirmar os direitos das
pessoas frente ao poder público, quanto para justificar as limitações
desses direitos em nome dos interesses coletivos. A este
respeito deve-se notar que de nenhuma maneira se poderia
invocar a “ordem pública” ou o “bem comum” como
meios para suprimir um direito garantido pela Convenção,
para desnaturalizá-lo ou privá-lo de conteúdo real (ver
Art. 29.a da Convenção). Na medida em que se invocam
como fundamento de limitações aos direitos humanos,
esses conceitos devem ser objeto de uma interpretação
estritamente rigorosa das “justas exigências” de uma
“sociedade democrática”, levando em conta o equilíbrio
entre os distintos interesses em jogo e a necessidade de
preservar o objeto e o fim da Convenção.26
Nos anos 90 as novas democracias latino-americanos
Neste contexto desmoronaram os argumentos de diversos
geraram um “boom” de publicações jornalísticas. Ainda
articulistas e a jurisprudência mundial que invocava conceitos
assim, as leis restritivas, a falta de acesso à informação e
indefinidos para restringir fóruns humanos, a Corte
a corrupção governamental não permitiram o exercício
Interamericana decidiu que o mesmo conceito de ordem
pleno da liberdade de imprensa.
pública reclama que, dentro de uma sociedade democrática,
fiquem garantidas as maiores possibilidades de circulação de notícias, idéias e
opiniões, assim como o mais amplo acesso à informação da sociedade como um
todo. A liberdade de expressão faz parte da ordem pública primária e radical da
democracia, razão pela qual não é concebível sem o debate livre e sem que a
dissidência tenha pleno direito de manifestação.
O direito de emitir uma informação através de qualquer meio de difusão, por
conseguinte, constitui a vertente da liberdade de informação propriamente dita
ou liberdade de informação ativa. Mas em seu duplo caráter, a possibilidade de
receber informação ou direito de receber informação passiva, já tem inclusão na
doutrina e na jurisprudência mundial.
A exigência de uma informação veraz foi destruída no precedente da
Suprema Corte americana que eximiu de responsabilidade penal a jornalista que
incluiu um dado errado ou falso, se ex ante atuou com a devida diligência
profissional e a convicção de que sua notícia é veraz, mesmo que um erro venha
a ser comprovado.
De especial relevância são as considerações que contêm a famosa sentença
New York Times v. Sullivan. Esse baluarte foi amplamente reafirmado no idioma
espanhol pelo Tribunal Constitucional espanhol.
Para concluir estas reflexões é necessário recordar que é contraditório invocar
uma restrição à liberdade de expressão para garantí-la porque é desconhecer o
caráter radical e primário desse direito inerente a cada ser humano individualmente
considerado, e atributo da sociedade como um todo.
26
Opinião Consultiva Oc-5/85, ob.cit, n 67.
Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas
45
Apéndice A:
Legislações e Declarações sobre
Liberdade de Expressão
Artigo 19, Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948)
Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que
implica o direito de não ser importunado por causa de suas opiniões e de
procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e
idéias por qualquer meio de expressão.
Para mais informação/mais detalhes:
http://www.unhchr.ch/udhr/lang/por.htm
Carta de uma Imprensa Livre — World Press Freedom Committee
A uma imprensa livre se supõe um povo livre. É por meio de uma imprensa livre
que os seguintes princípios, indispensáveis para garantir uma circulação sem
censura nas fronteiras e no interior dos países, merecem o apoio de todos que se
comprometam a proteger e promover as instituições democráticas.
1. A censura, direta ou indireta, é inaceitável. Portanto, todas as leis que
restrinjam os meios de imprensa a obter e difundir informações devem ser
abolidas. As autoridades governamentais, nacionais ou locais, não devem
interferir no conteúdo dos periódicos ou noticiários de rádio e televisão ou
limitar o acesso às fontes de informação.
2. Deve ser permitido em todos os países a criação de órgãos de imprensa
escrita e audiovisual independentes, assim como o seu livre funcionamento.
3. Os governos devem abster-se de exercer toda e qualquer forma de
discriminação, econômica ou de outra índole, entre os órgãos de imprensa
existente no país. Nos países em que existir órgãos de imprensa
governamentais, os órgãos de imprensa independentes devem ter a mesma
liberdade de acesso que os meios de informações oficiais e todos os
materiais e instalações necessárias para as suas operações de publicação ou
de transmissão.
4. Os estados não devem limitar o papel da imprensa aos sistemas de
distribuição, nem as atividades das agências de imprensa, incluindo a
disponibilidade de freqüências e de qualquer tipo de instalação necessária
para a difusão de audiovisual.
46
Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas
5. São condenadas todas as práticas judiciais, técnicas ou tarifárias por parte das
autoridades responsáveis em telecomunicação e que inibam a difusão de
informações e restrinjam sua livre circulação.
6. Os meios de imprensa oficiais devem possuir liberdade editorial e estar
abertos a opiniões diversas. Esse princípio deve ser protegido por lei e
apoiado na prática.
7. O acesso aos meios de imprensa, tanto escritos quanto audiovisuais,
procedentes de outros países deve ser irrestrito e o público deve ter a mesma
liberdade no recebimento de publicações e transmissões de notícias
estrangeiras.
8. As fronteiras nacionais devem permanecer abertas aos jornalistas estrangeiros.
Os requerimentos de vistos e de outros documentos necessários para o
exercício da profissão devem ser aprovados com rapidez. Aos jornalistas
internacionais deve ser permitido o livre acesso dentro do país, a todas as
fontes de informação, sejam oficiais ou não, e à importação e exportação de
todo o material e equipamentos profissionais necessários.
9. Todas as restrições impostas ao jornalismo e ao exercício do mesmo devem
ser eliminadas por meio de credenciamento ou outros procedimentos de
autorização.
10. A lei deve garantir e proteger plenamente a segurança pessoal dos jornalistas
e dos demais cidadãos. Os jornalistas que trabalham em áreas onde há guerras
devem ser reconhecidos como civis que gozam dos mesmos direitos e
imunidades dos demais civis.
Para mais informação/mais detalhes:
www.wpfc.org
Convenção Americana Sobre Direitos Humanos (1969)
Artigo 13. Liberdade de Pensamento e de Expressão
1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse
direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e
idéias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por
escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo
de sua escolha.
Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas
47
2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a
censura previa ou a responsabilidades ulteriores, que devem ser
expressamente fixadas pela lei e ser necessárias para assegurar:
a) o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou
b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da
saúde ou da moral públicas.
3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos,
tais como o abuso de controles oficiais ou particulares do papel da
imprensa, de freqüências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos
usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios
destinados a obstruir a comunicação e a circulação de idéias e opiniões.
4. A lei pode submeter os espetáculos públicos à censura prévia, com o
objetivo exclusivo de regular o acesso a eles, para proteção moral da
infância e da adolescência, sem prejuízo do disposto no inciso 2.
5. A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda
apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à
discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência.
Para mais informação/mais detalhes:
http://www.oas.org/SP/PROG/pa12s.htm
Declaraçãode Chapultepec (1994)
Princípios
Uma imprensa livre é condição fundamental para que as sociedades resolvam
seus conflitos, promovam o bem estar e protejam sua liberdade. Não deve
existir nenhuma lei ou ato de poder que restrinja a liberdade de expressão ou de
imprensa, seja qual for o meio de comunicação. Porque temos consciência
dessa realidade e a sentimos com profunda convicção, firmemente
comprometidos com a liberdade, subscrevemos esta declaração com os
seguintes princípios:
1. Não há pessoas nem sociedades livres sem liberdade de expressão e de
imprensa. O exercício desta não é uma concessão das autoridades; é um
direito inalienável do povo.
2. Toda pessoa tem o direito de buscar e receber informação, expressar
opiniões e divulgá-las livremente. Ninguém pode restringir ou negar estes
direitos.
3. As autoridades devem estar legalmente obrigadas a por à disposição dos
cidadãos, de forma oportuna e eqüitativa, a informação gerada pelo setor
público. Nenhum jornalista poderá ser compelido a revelar suas fontes de
informação.
4. O assassinato, o terrorismo, o seqüestro, as pressões, a intimidação, a
prisão injusta dos jornalistas, a destruição material dos meios de
48
Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas
comunicação, qualquer tipo de violência e impunidade dos agressores, afetam
seriamente a liberdade de expressão e de imprensa. Estes atos devem ser
investigados com presteza e punidos severamente.
5. A censura prévia, as restrições à circulação dos meios ou a divulgação de suas
mensagens, a imposição arbitrária de informação, a criação de obstáculos ao
livre fluxo informativo e as limitações ao livre exercício e movimentação dos
jornalistas se opõem diretamente à liberdade de imprensa.
6. Os meios de comunicação e os jornalistas não devem ser objeto de
discriminações ou favores em função do que escrevam ou digam.
7. As políticas tarifárias e cambiais, as licenças de importação de papel ou
equipamento jornalístico, a concessão de freqüências de rádio e televisão e
a veiculação ou supressão da publicidade estatal não devem ser utilizadas
para premiar ou castigar os meios de comunicação ou os jornalistas.
8. A incorporação de jornalistas a associações profissionais ou sindicais e a
filiação de meios de comunicação a câmaras empresariais devem ser
estritamente voluntários.
9. A credibilidade da imprensa está ligada ao compromisso com a verdade, à
busca de precisão, imparcialidade e eqüidade, e a clara diferenciação entre
as mensagens jornalísticas e as comerciais. A conquista destes fins e
observância destes valores éticos e profissionais não devem ser impostos.
São responsabilidades exclusivas dos jornalistas e dos meios de
comunicação. Em uma sociedade livre, a opinião pública premia ou castiga.
10. Nenhum meio de comunicação ou jornalista deve ser sancionado por
difundir a verdade, criticar ou fazer denúncias contra o poder público.
A luta pela liberdade de expressão e de imprensa, por qualquer meio de
comunicação, não é tarefa de um dia; é um esforço permanente. Trata-se de uma
causa essencial para a democracia e a civilização em nosso hemisfério. Não só é
baluarte e antídoto contra todo o abuso de autoridade: é alento cívico da
sociedade. Defendê-la dia a dia é honrar a nossa história e dominar o nosso
destino. Com estes princípios nos comprometemos.
Para mais informação/mais detalhes:
http://www.sipiapa.com/portugues/projects/chapul-declaration.cfm
Declaração dos Princípios da Liberdade de Expressão (2001), aprovado
pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos durante a sua 108a Sessão
Ordinária
Princípios:
1. A liberdade de expressão, em todas as suas formas e manifestações, é um
direito fundamental e intransferível, inerente a todas as pessoas. É um
requisito fundamental para a existência da mesma em uma sociedade
democrática.
2. Toda pessoa tem o direito de buscar, receber e difundir informações e
opiniões livremente de acordo com o artigo 13 da Convenção Americana de
Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas
49
Direitos Humanos. Todas as pessoas têm o direito a oportunidades iguais
para receber, buscar e difundir informações através de qualquer meio de
comunicação sem ser discriminado por nenhum motivo incluindo raça, cor,
religião, sexo, idioma nativo, opiniões políticas ou de qualquer outra índole,
origem nacional ou social, posição econômica, ou qualquer outra posição
social.
3. Toda pessoa tem o direito a ter acesso às informações a seu respeito, dados
bancários, de forma rápida e atualizada assim como a informações contidas
em bancos de dados, registros públicos ou privados e atualizá-las ou
modificá-las caso seja necessário.
4. O acesso às informações em poder do Estado é um direito fundamental dos
indivíduos. Os estados são obrigados a garantir o exercício deste direito.
Este princípio só estabelece limitações excepcionais que devem estar
estabelecidas previamente por leis no caso de algum perigo real e iminente
que ameace a segurança nacional em uma sociedade democrática.
5. A censura prévia, interferência ou pressão direta sobre qualquer meio de
expressão, opinião ou informação divulgadas em qualquer meio de
comunicação seja ele oral, escrito, artístico visual ou eletrônico, deve ser
proibida por lei. As restrições quanto à circulação de idéias livres e de
opiniões, assim também como a imposição arbitrária de informações e a
criação de obstáculos à liberdade de informação infringem o direito à
liberdade de expressão.
6. Toda pessoa tem o direito a comunicar as suas opiniões através de qualquer
meio ou forma. O estudo obrigatório ou a exigência de diplomas para o
exercício da atividade jornalística constitui uma restrição ilegítima à
liberdade de expressão. A atividade jornalística deve ser regida através de
condutas éticas sem imposições do governo.
7. Condicionamentos prévios tais como a veracidade, oportunidade ou
imparcialidade por parte dos estados são incompatíveis com o direito à
liberdade de expressão reconhecido pelos órgãos internacionais.
8. Todo comunicador social tem o direito a não revelar suas fontes de
informações presentes em arquivos pessoais ou profissionais.
9. O assassinato, seqüestro ou intimidações que ameaçam os comunicadores
sociais, assim como a destruição de materiais dos meios de comunicação
infringe os direitos fundamentais das pessoas e atinge de forma severa a
liberdade de expressão. É dever dos estados prevenir e investigar estes
atos, sancionar seus autores e assegurar que as vítimas sejam
recompensadas adeqüadamente.
10. As leis de privacidade não devem inibir ou restringir a investigação ou
difusão de informações que sejam do interesse público. A proteção da
reputação deve ser garantida através de sanções civis nos casos em que a
pessoa ofendida seja um funcionário público, indivíduo público ou particular que tenha se envolvido em um assunto que seja de interesse público.
Caso contrário, deve-se provar que o comunicador teve intenção de causar
50
Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas
danos e esta pessoa, que havia o conhecimento de que estava difundindo
notícias falsas ou que demonstrou negligência na sua conduta em obter as
informações sejam elas falsas ou verdadeiras.
11. Os funcionários públicos estão sujeitos a serem mais escrutinados pela
sociedade. As leis que penalizam a expressão ofensiva dirigidas a
funcionários públicos, geralmente conhecidas como “leis de desacato”,
contrariam o direito à liberdade de expressão e o direito à informação.
12. O monopólio ou oligopólio de uma propriedade e o controle dos meios de
comunicação devem estar sujeitos a leis antimonopolistas por conspirarem
contra a democracia ao restringirem a pluralidade e a diversidade que
assegura o pleno exercício do direito dos cidadãos às informações. Essas
leis não devem ser exclusivas dos meios de comunicação. Devem ser
estipulados critérios que garantam oportunidades iguais a todos os
indivíduos e o acesso aos mesmos.
13 A utilização do poder do Estado e dos recursos públicos; a concessão
irregular e discriminatória de propaganda oficial, o cancelamento de
concessões de rádio e televisão visando castigar, premiar ou privilegiar os
comunicadores sociais e os meios de comunicação em função dos seus
diferentes estilos informativos, atenta contra a liberdade de expressão e
devem ser proibidos por lei. Os meios de comunicação social têm o direito
de exercer suas funções de forma independente. Pressões diretas ou
indiretas com o objetivo de silenciar o trabalho informativo dos
comunicadores sociais são incompatíveis com a liberdade de expressão.
Para mais informação /mais detalhes:
http://www.cidh.org/declaracion.htm
http://www.ijnet.org/Archive/2001/3/9-8703.html
Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos (1791)
O Congresso não deverá criar nenhuma lei estabelecendo uma religião, ou
proibindo o livre exercício da mesma; ou reduzir a liberdade de expressão ou de
imprensa; ou o direito das pessoas de se reunirem pacificamente, e de dar
entrada com uma petição no Congresso para reparação por insatisfação.
Para mais informação / mais detalhes:
http://www.icfj.org/libertad-prensa/primeraenmienda.html
http://www.georgetown.edu/pdba/Constitutions/USA/usa1787.html
Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas
51
Convênio Europeu para a Proteção dos Direitos Humanos e
das Liberdades Fundamentais (1950)
Artigo 10. Liberdade de expressão.
1. Toda pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a
liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de comunicar informações
ou idéias sem que exista a interferência de autoridades públicas e sem
consideração de fronteiras. O presente artigo não impede que os estados
submetam as empresas de radiodifusão, de cinematografia ou de televisão a
um regime de autorização prévia.
2. O exercício destas liberdades, que incluem deveres e responsabilidades,
poderá ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou
sanções previstas pela lei, que constituam medidas necessárias, em uma
sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial
ou a segurança pública, a defesa da ordem e da prevenção do delito, a
proteção da saúde ou da moral, a proteção da reputação ou dos direitos
alheios, para impedir a divulgação de informações confidenciais ou para
garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judiciário.
Para mais informação/mais detalhes:
http://www.uc3m.es/uc3m/inst/MGP/JCI/02-tribunaleuropeodhumanoscedh.htm
Declaração de Santiago, Segunda Conferência das Américas
(1998)
O respeito e promoção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais de
todos os indivíduos constitui uma preocupação primordial de nossos governos.
Ao comemorar o Cinqüentenário da Declaração Americana dos Direitos e
Deveres do Homem e da Declaração Universal dos Direitos Humanos,
concordamos na necessidade de promover a ratificação e implementação dos
acordos internacionais destinados a salvaguardá-los e de seguir fortalecendo as
instituições nacionais e internacionais pertinentes. Coincidimos com que uma
imprensa livre desempenha um papel fundamental na matéria e reafirmamos a
importância de garantir a liberdade de expressão, de informação e de opinião.
Celebramos a recente inclusão de um Relator Especial para a Liberdade de
Expressão, no contexto da Organização dos Estados Americanos...
Para mais informação/mais detalhes:
http://www.summit-americas.org/chiledec-spanish.htm
52
Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas
Declaração de Buenos Aires (2000)
As leis que penalizam ou condicionam a expressão violam essa liberdade. As
pessoas nunca devem correr o risco de perder sua liberdade ou de serem
sancionadas penalmente pelo que publicam, transmitem ou expressam.
Conseqüentemente: comprometemo nos a defender todos os perseguidos
pela aplicação dessas leis e propiciar sua reforma ou derrogação.
Expressamos nosso apoio às conclusões do Relator Especial para a
Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da
OEA. Como sustenta seu relatório, as leis que penalizam a expressão dirigida
contra funcionários públicos, pessoas públicas ou particulares que se envolvido
voluntariamente em assuntos de interesse público (desacato, calúnias, injúrias,
difamação) são incompatíveis com a proteção acordada a todas as pessoas pela
Convenção Americana de Direitos Humanos.
Apoiamos com entusiasmo o respaldo dos principais bloques legislativos do
Congresso e do Poder Executivo argentino ao projeto de lei elaborado pela
Associação Periodistas, que introduz na legislação positiva a doutrina da real
malícia. Isto implica estabelecer um sistema de responsabilidade jurídica
adequado que deve preservar sempre a liberdade de expressão, pedra angular de
um regime democrático.
Para mais informação/mais detalhes:
http://www.asociacionperiodistas.org/actividades/seminari/20000607/
conclusiones.htm
http://www.cpj.org/news/2000/Argentina13june00naSp.html
Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (1966)
Artigo 19
1. Ninguém poderá ser importunado por causa de suas opiniões.
2. Toda pessoa tem direito à liberdade de expressão; este direito compreende a
liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de toda índole,
sem consideração de fronteiras, já seja oralmente, por escrito ou em forma
impressa ou artística, ou por qualquer outro procedimento de sua eleição.
3. O exercício do direito previsto no parágrafo 2 deste artigo inclui deveres e
responsabilidades especiais. Por conseguinte, pode estar sujeito a certas
restrições, que deverão, no entanto, estar expressamente determinadas pela
lei e ser necessárias para:
a) Assegurar o respeito aos direitos ou à reputação dos demais;
b) A proteção da segurança nacional, a ordem pública ou a saúde ou a moral
públicas.
Para mais informação/mais detalhes:
http://www.unhchr.ch/spanish/html/menu3/b/a_ccpr_sp.htm
Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas
53
Apéndice B:
Fontes de Informação na Internet
Esta é uma lista de organizações de meios de comunicação e instituições cujas
atividades estão relacionadas à liberdade de expressão e de imprensa. Lembrese de que os endereços na Internet mudam com freqüência, por isso,
recomendamos visitar os sites www.ijnet.org e www.libertad-prensa.org para
obter informação atualizada sobre a liberdade de imprensa e o direito à
informação, assim como os recursos disponíveis on-line.
Organizações Internacionais
International Center for Journalists — http://www.icfj.org
Special Rapporteur for Freedom of Expression — http://www.cidh.org
The Global Campaign for Free Expression (Article 19) —
http://www.article19.org/
Committee to Protect Journalists (CPJ) — http://www.cpj.org
Inter-American Press Association (SIP) — http://www.sipiapa.org
International Federation for Journalists (IFJ) — http://www.ifj.org
Reporters Without Borders (RSF) — http://www.rsf.fr/indexesp.html
Comité Mundial de Libertad de Prensa — http://www.wpfc.org
Freedom House – http://www.freedomhouse.org
Intercambio Internacional de la Libertad de Expresión (IFEX) —
http://www.ifex.org
Instituto Interamericano de Derechos Humanos — http://www.iidh.ed.cr
La Asociación para el Progreso de las Comunicaciones (APC) —
http://www.apc.org/espanol/index.shtml
Periodistas frente a la corrupción — http://www.portal-pfc.org/index.html
Pulso del periodismo — http://pulso.org
Organizações com informação em inglês
Diálogo Interamericano — http://www.thedialogue.org
The Media Institute — http://www.mediainstitute.org
The World Press Institute — http://www.worldpressinstitute.org
International Press Institute Report: The International Journalism Magazine —
http://www.freemedia.at/index1.html
Northwestern University Medill School of Journalism —
http://www.medill.northwestern.edu
The Reporters Committe for Freedom of the Press —
http://www.rcfp.org
54
Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas
Organizações Nacionais
Argentina: Asociación para la Defensa del Periodismo Independiente
(PERIODISTAS) — http://mundo.netizen.com.ar/periodistas
Argentina: La Asociación de Periodistas de Defensa y Misiones de Paz (ADEPAZ)
— www.adepaz.org
Brasil: Associação Nacional de Jornais — http://www.anj.org.br
Brasil: Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) — http://www.fenaj.org.br
Brasil: Instituto Gutenberg — http://www.igutenberg.org
Colômbia: Asociación Democrática para la Defensa de los Derechos Humanos
(ASDEH) — http://www.asdeh.org
Colômbia: Fundación para un Nuevo Periodismo Iberoamericano (FNPI) —
http://www.fnpi.org
Colômbia: MPP Medios para la paz — http://www.mediosparalapaz.org
Equador: Centro Internacional de Estudios Superiores de Comunicación para
América Latina (CIESPAL) — http://www.comunica.org/ciespal
México: Fundación Manuel Buendía (FMB) —
http://www.cem.itesm.mx/dacs/buendia/
México: Periodistas de Investigación/IRE México — http://
investigacion.org.mx
México: Fundación Información y Democracia (FIDAC) —
http://www.fidac.org.mx
México: Fraternidad de Reporteros de México — www.fremac.org.mx
Nicarágua: Fundación Violeta B. de Chamorro —
http://www.violetachamorro.org.ni
Panamá: Centro Latinoamericano de Periodismo (CELAP) — http://
www.celap.com/perso.html
Peru: Instituto Prensa y Sociedad — http://www.ipyspe.org.pe
Peru: Consejo de la Prensa Peruana — http://
www.consejoprensaperuana.org.pe
Peru: Seccional Latinoamericana de Derechos Humanos de la Federación
Internacional de Periodistas — http://ekeko2.rcp.net.pe/anp/
Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas
55
Apéndice C:
Bibliografia
Anuario Universitario. Costa Rica: Universidad Autónoma de Centro América,
1986. Pps 173-190.
Badeni, Gregorio. Libertad de Prensa. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1997.
Bertoni, Eduardo Andrés. Libertad de Expresión en el Estado de Derecho, Buenos
Aires: Editores del Puerto, 2000.
Burgoa, Ignacio. Las Garantías Individuales. México DF: Editorial Porrúa, 1954.
de Tocqueville, Alexis. La Democracia en América. México: Fondo de Cultura
Económica, 1957.
Douglas, William O. Anatomía de la Libertad. México: Editorial Herrero
Hermanos, 1964.
Jiménez, Ricardo. Instrucción Cívica. Costa Rica, 1898.
Ramírez, Pedro J. Prensa y Libertad. Madrid: Unión Editorial. 1980. Pp. 12.
Rossiter, Clinton L. Seedtime of the Republic. New York: Harcourt, Brace & Co,
1953. Pp. 29.
56
Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas
Apéndice D:
Decupagem da fita
Introdução
1) Leis Restritivas
Caso Matus
Caso Verbitsky
2) Manipulação dos meios
Caso Ivcher
Caso Gorriti
Caso Excélsior
3) Terror e intimidação
Caso Bedoya
Caso Briones
4) Outros obstáculos
Casos Rivas e Castillo
5) Conclusão
0:00
4:01
8:36
13:22
17:01
24:10
29:06
32:11
35:31
38:39
43:10
47:25
47:45
56:55
Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas
57
Apéndice E:
Gráficos de resultados de
seminários
Guia de perguntas:
1. Porcentagem dizendo haver leis em seus países garantindo o
2.
acesso aos arquivos e à informação do governo.
Porcentagem dizendo ser difícil/muito difícil obter documentos
públicos e informação de funcionários do governo em seu país.
Nos últimos dois anos, alguma dessas opções foram verdadeiras
para você?
3. Voce evitou reportagens em um determinado tópico pois sabia
que o editor ou outro supervisor não publicaria a material?
4. Voce teve que convencer o seu supervisor que a reportagem
sobre um determinado tópico seria válido apesar de objeções
políticas ou de outra natureza?
5. Você foi criticado, censurado por motivos politicos ou outras
razões similares?
6. Você sofreu ações legais como resultado de suas reportagens?
7. Você sofreu agressões físicas como resultado de suas
reportagens?
8. Você ou a organização em que trabalha sofreram ameaças ?
9. Você ou a organização em que trabalha foram multados?
10. Você ou algum outro membro da sua organização foram
condenados ou presos como resultado de suas reportagens?
Resultados na Argentina
Resultados na Bolívia
(22 Entrevistados)
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Perguntas
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(40 Entrevistados)
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(19 Entrevistados)
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Perguntas
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Perguntas
Resultados no Equador
Resultados em El Salvador
(23 Entrevistados)
(21 Entrevistados)
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Resultados na Guatemala
Resultados em Honduras
(15 Entrevistados)
(23 Entrevistados)
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Resultados no México
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(23 Entrevistados)
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(25 Entrevistados)
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(22 Entrevistados)
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Perguntas
(19 Entrevistados)
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(16 Entrevistados)
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Resultados na Venezuela
100
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6
Perguntas
Resultados no Uruguai
1
5
Resultados na República
Dominicana (5 Entrevistados)
100
1
4
Perguntas
Resultados no Peru
60
7
Resultados no Paraguai
80
0
6
Resultados no Panamá
100
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5
Perguntas
100
0
4
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7
8
Perguntas
Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas
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5
6
7
Perguntas
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9
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