Balanças na História, Balanças nos manuais de Aritmética

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Balanças na História, Balanças nos manuais de Aritmética
CO 67: Balanças na História, Balanças nos manuais de Aritmética
Elenice de Souza Lodron Zuin
PUC Minas / GHEMAT
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RESUMO
A origem das balanças se perde na poeira dos tempos. As primeiras imagens mostrando o emprego
da balança estão impressas nos papiros e baixos relevos de edificações do Antigo Egito. Sua
utilização era restrita e, vagarosamente, consegue-se sua popularização e utilização no comércio, se
estendendo a outros povos. Com a criação e adoção do sistema métrico decimal, a partir de fins do
século XVIII, há uma necessidade de se apresentar os novos padrões e como utilizá-los para a
população. Alguns textos de Aritmética, com destinação escolar, e tabuadas inserem ilustrações
para melhor tratar desse tópico específico. Em geral, figuras de balanças não são utilizadas, a não
ser como mera finalidade ilustrativa, sem se fazer menção real a este instrumento. Realizei uma
investigação sobre a inclusão do sistema métrico decimal nas escolas portuguesas e brasileiras,
tendo como fonte dezenas de textos escolares de aritmética, tabuadas e, especificamente, sobre o
sistema métrico francês, utilizados por professores e alunos. Dentre eles, o Compêndio do Sistema
Métrico Decimal, do português Monteiro de Campos, lançado, pela primeira vez, no século XIX, e
os Elementos de Aritmética, da FTD, das décadas iniciais do século XX, publicados no Brasil, vão
dedicar algumas páginas às balanças. Ambos os textos possuem esse diferencial em relação às
demais publicações. Neste artigo, faço uma breve introdução histórica das balanças e uma
exposição de como os dois manuais didáticos mencionados inserem as balanças no contexto dos
pesos e medidas, trazendo algumas reflexões.
Palavras-chave: Sistema métrico decimal – balança – história da matemática escolar
Palavras iniciais
As balanças, como objetos místicos e de caráter religioso, vão se estabelecer no
Egito Antigo e também na Mesopotâmia. Sua utilização e popularização com propósitos
comerciais serão lentas, assim como a criação de outros tipos de balança. Neste artigo,
faremos uma breve introdução à história da balança e como esta comparece em dois
textos didáticos, cumprindo uma finalidade informativa. Dentre as dezenas de
compêndios, manuais, tabuadas e textos escolares sobre o sistema métrico decimal,
publicados em terras portuguesas e brasileiras, por mim analisados, dois deles se
destacam. O primeiro é o Compêndio do Sistema Métrico Decimal em forma de diálogo,
de Antonio Augusto Machado Monteiro de Campos, publicado, em Lisboa, nas últimas
décadas do século XIX e, em segundo lugar, os Elementos de Arithmética, da FTD, lançado
no Brasil, sendo analisada a edição de 1922.
Uma pequena introdução à história da balança
Quando surgem as balanças? Na Pré-história, naturalmente, porém, não há
evidências de que o objetivo fosse utilizá-las no comércio. Embora as medidas de
comprimento pudessem ser expressas através das dimensões de partes do corpo
humano sem muitos problemas, o mesmo não acontecia com a necessidade de
obter a massa de um determinado objeto ou alimento. “Pesar” não fazia parte das
necessidades de muitos grupos. Tucci (1995) cita a utilização da contraposição de
ambas as mãos para se estimar o peso de um objeto comparando-o com um outro
já conhecido, todavia, também não se pode precisar quando iniciou esta prática
que, intuitivamente ou não, ainda hoje é realizada.
As medidas de volume eram palpáveis e visíveis e cumpriam todas as exigências
do escambo. Se a materialização de uma unidade de comprimento demandou um grande
tempo para ser concretizada, a unidade de massa exigiu muito mais, porque a abstração
para ser constituída envolve modos de pensamento mais elaborados e complexos.
Os pesquisadores indicam que o emprego da balança em atividades comerciais, foi
gradual e lento, em várias civilizações – egípcia, babilônica, grega, etrusca e romana. A
utilização e popularização paulatinas das balanças vão indicando como as sociedades se
modificam, dentro de uma história econômica e social, em relação às exigências
comerciais e da necessidade real de se estabelecer uma quantificação justa das medidas
de massa.
A balança, no Antigo Egito, era um elemento relacionado à religião, sendo
tomada como um objeto místico, comparecendo, com freqüência, nas ilustrações
dos papiros, em pinturas e nos baixo-relevos em diversas paredes das edificações.
2
Para os povos da Babilônia, com seus avanços na área da astronomia e astrologia,
a balança representava a igualdade dos dias e das noites; ou seja, o equinócio de
primavera e outono. Esta simbologia estava associada às suas observações e constatações
de que o Sol entrava na constelação de Libra no equinócio de outono, e é por isso que o
signo de Libra é o único representado por um objeto: a balança. (AFONSO & SILVA, 2004,
p.1022).
Registros arqueológicos catalogaram pequenos cilindros de base côncava, com
cerca de 13 gramas, que foram encontrados no túmulo pré-dinástico de El Amrah, no
Egito. Julga-se que esses cilindros estão entre os padrões materiais mais antigos já
encontrados e que foram confeccionados no quarto milênio antes de Cristo. Saindo do
vale do Nilo, o sistema egípcio atinge outras terras indo para as regiões da Judéia, Ásia
Menor e Grécia. Das colônias gregas da península Itálica, os romanos difundiram os
padrões egípcios, levando-os para diversas regiões da Europa, alvo de suas conquistas. O
que se observa não é uma assimilação total do sistema introduzido pelos conquistadores,
mas uma mescla com os sistemas locais, o que leva a um outro tipo de sistema com
outras características. Contudo, constatou-se que, os sumérios e o povo que habitava
o vale do rio Indo, no norte da Índia, por volta de 2500 a.C., introduziram as
medidas de peso no comércio (RONAN, 1987). No Egito antigo, as balanças só se
tornariam populares na época da vigésima ou vigésima primeira dinastia (1200 a.C.
– 950 a.C.).
Uma balança do período Neolítico e uma outra de 2400 a.C. foram encontradas no
Egito. Esse fato não indica diretamente uma utilização nas transações comerciais, tudo
leva a crer que as balanças egípcias tinham uso restrito, sendo empregadas apenas por
altos funcionários ligados ao faraó para pesagem de bens valiosos. Para realizar a
metalurgia do ouro, foi verificada a existência da “balanças de dois pratos” no antigo
Egito, em torno de 1500 a.C. (AFONSO & SILVA, 2004). No entanto, a sua utilização
pode ser anterior a esse período, pois os egípcios tinham bem desenvolvidas a
extração e manipulação do ouro e do cobre. Desenhos pintados nos túmulos,
datados como sendo da XVIII dinastia, mostram cenas nas quais se retratam,
3
freqüentemente, os artesãos de posse de uma balança e a utilização de metais em
obras de arte.1
Há que se lembrar, também, que a balança era empregada em ritos
religiosos pelos egípcios. Nos rituais dos funerais, a balança era utilizada para proteger
o morto. Os egípcios acreditavam que o coração humano era a casa da consciência,
nele ficavam gravadas todas as ações da pessoa. De acordo com suas crenças, após o
sepultamento, o morto era levado pelo deus Anúbis-Anupu a Osíris (divindade da
mumificação e guardião da necrópole). No Tribunal de Osíris, havia uma balança e, na
presença de outras divindades, era realizada a pesagem do coração do falecido que
deveria se igualar a uma pena de avestruz (símbolo da Deusa Maat – deusa da
Verdade e Justiça Cósmica e Universal)2. Então, teriam a verdade – a pena – como
contrapeso para o coração da pessoa, durante o julgamento das suas ações em vida.
Apenas, nestas condições, aquela alma seria recebida nos domínios de Osíris. Era
comum se colocar junto ao morto uma balança, como prevenção, caso a balança de
Osíris não acusasse o equilíbrio entre o peso do coração do morto e a pena de
avestruz, a alma teria mais uma balança para conferir novamente.
1
O "Período dos Hicsos", ao que tudo indica, se constituiu na ocupação pacífica do Delta do Nilo,
durante cerca de dois séculos, por povos asiáticos. Porém, este é um período que ainda carece de
estudos mais sistematizados. Após a expulsão dos Hicsos da região ocupada por tropas comandadas
pelo faraó Ahmés, em 1550 a.C., estabeleceu-se a décima oitava dinastia egípcia.
2
No capítulo 125 do Livro dos Mortos do Antigo Egito se encontra a lei de Maat, também
conhecida como as "42 leis de Maat", a "declaração de inocência" ou as "confissões negativas".
4
Figura 1 - Trecho do Livro dos mortos escrita em papiro
mostrando Anubis supervisionando a "Pesagem do coração" em um tuat
utilizando a pena da deusa Maat como contrapeso na balança.
Na Mesopotâmia, entre assírio-babilônios, as balanças também não eram de uso
corrente. Vem corroborar essa hipótese o fato de que, até “a helenização do Oriente”,
eram mais comumente utilizadas, como meio de troca, a cevada, que não era pesada,
mas medida, geralmente, pelo seu volume (ARNAUD apud TUCCI, 1995, p.236). Outros
produtos também eram comercializados através do seu volume, tantos líquidos como
secos. Essa prática continuaria vigente muitos séculos depois. Em vários países, como em
Portugal, havia padrões de medidas para secos e líquidos. É importante ressaltar que,
pela proximidade do Egito com a Mesopotâmia, não se pode afirmar como se
deram as trocas culturais, como a balança e padrões de massa foram assimilados e
difundidos por esses povos. As influências de um e outro podem ter sido
invisibilizadas pelo tempo e pela falta de registros.
A balança, denominada “romana”, de braços desiguais foi desenvolvida por volta
do ano 200 a.C.; nela, o braço que sustenta o material, ao qual deve se medir a massa, era
de comprimento fixo, enquanto, o outro, em que se apoiava a massa-padrão, possuía um
cursor móvel. Embora a utilização da balança romana reduzisse a necessidade de se
utilizar vários tipos de padrões de massa, demandava um maior controle na aferição.
(SILVA, 2004).
5
Pardo (1998, p.33) lembra que as balanças, exceto a romana, eram pouco
utilizadas por sua falta de precisão. Além disso, as balanças tinham um alto preço, as
pessoas não sabiam manejá-las corretamente e eram raras. Deste modo, estes objetos
não eram dignos de confiança, sendo muito mais utilizados e difundidos os padrões de
medidas de volumes populares, que eram de fácil manuseio, ainda que não tivessem a
precisão necessária, o comprador podia ver e regular o que estava sendo medido.
Tudo leva a crer que, apenas a balança de dois pratos e a balança romana foram
as únicas utilizadas até o século XVII. Um novo modelo só seria desenvolvido por volta de
1680, como um instrumento inovador até então. De acordo com Silva (2004, p. 71) esta
balança “tinha por base a elasticidade dos metais e dispensava, por isso, o uso de
padrões de massa materializados”, sendo que o peso era indicado “pela deformação de
uma mola ou pela flexão de uma barra de metal calibrada.” Pelos fins do século XVIII e, a
partir daí, no que diz respeito às balanças, “as únicas inovações que ocorreram foram nos
detalhes construtivos e melhoramentos da qualidade”.
É necessário, ainda, mencionar o trabalho do matemático e físico francês Gilles
Personne de Roberval3, que desenvolveu uma de balança diferente das utilizadas até
aquela época e, em 1669, a apresentou na Academia Francesa de Ciências. Essa balança
é composta de dois pratos sustentados por uma haste. A medida da massa é realizada por
comparação, colocando-se em um dos pratos de um objeto de massa conhecida e, no
outro, o objeto ou produto a ser avaliado, caso ocorra equilíbrio, as massas serão
equivalentes. Para a época foi uma inovação, porém, se comparadas às atuais balanças
eletrônicas, sua sensibilidade e precisão são menores. A despeito disso, o equipamento é
utilizado, ainda hoje, na culinária e algumas farmácias de manipulação.
Vem da Grã-Bretanha a balança de mola desenvolvida por Richard e William
Salter, patenteada em 1838, a qual se fundamenta na Lei de Hooke4.
3
Gilles Personne de Roberval (Roberval, França, 9/9/1602 — Paris, 27/10/1675)
A Lei de Hooke relacionada à elasticidade de corpos, que serve para calcular a deformação
causada pela força exercida sobre um corpo, tal que a força é igual ao deslocamento da massa a
partir do seu ponto de equilíbrio multiplicada pela característica constante do corpo que é
4
6
As balanças foram se modernizando com o avanço da tecnologia. Atualmente,
temos as digitais, entre elas, as micro-balanças, que funcionam utilizando o
eletromagnetismo ou as fibras de quartzo. O primeiro modelo de micro-balança,
fabricado no Brasil, é do Brasileiro de Pesquisas Físicas, com a capacidade de detectar
massas da ordem de 1 µg (10-6 g).
As balanças no Compêndio do Sistema Métrico Decimal
António Augusto Machado Monteiro de Campos foi professor legalmente
habilitado de instrução primária e secundária.5 Segundo Silva (1973), Campos lecionou
em Lisboa, publicou “Resumos da História de Portugal para as escolas de instrucção
primaria”, em 1865, com 80 páginas, e também foi autor de outros textos escolares.
A edição analisada do Compêndio do Sistema Métrico Decimal em forma de
diálogo para uso das Escolas de Instrução Primária foi a trigésima primeira, o que
indica a ampla divulgação e circulação deste impresso. Esta edição, com 48 páginas, é de
1913, de acordo com a Biblioteca Nacional de Lisboa. Encontramos a quarta edição,
publicada em 1861, porém com apenas 24 páginas. Na trigésima primeira edição do
compêndio, são dedicadas cerca de 3 páginas à apresentação das balanças, utilizando
uma fonte de impressão pequena. Além das informações sobre as balanças, o autor inclui
ilustrações.
Como o próprio nome do compêndio indica, o texto é composto de perguntas e
respostas, bem ao estilo de outros textos escolares publicados no Oitocentos. Transcrevo
aqui alguns trechos do compêndio, da seção intitulada “Da balança”, com a inserção das
figuras.
P. O que se entende por balança?
R. É o instrumento físico destinado para avaliar os pesos dos corpos.
P. Quais são as balanças de que tem conhecimento?
deformada. A força, F, produzida pela mola, é diretamente proporcional ao seu deslocamento do
estado inicial (equilíbrio): F = K l
5
Essas informações constam na própria capa do Compêndio.
7
R. A balança romana, balança de braços iguais, balança decimal e balança de Roberval.
P. Qual é a vantagem da balança decimal?
R. A vantagem consiste no seguinte: Basta empregar a décima parte do peso do corpo
para esse corpo estar pesado. Assim colocando um corpo qualquer, por exemplo, uma
barrica, no estrado da balança, se no prato dela se pozerem (sic) 14 hectogramas para a
pesar, é sinal que o corpo cujo peso se quis avaliar pesa 140 hectogramas ou 14
kilogramas.
P. Qual a balança mais comum?
R. A mais como é a Roberval e a de braços iguais.
P. Pode descrever-me as balanças?
R. A Roberval é uma balança de braços iguais, tem os pratos colocados por cima do
travessão o que a torna muito cômoda na sua instalação e uso. Compõe-se de dois
travessões sobrepostos, ligados por baixo dos pratos por astes (sic) de ferro de modo a
formarem um paralelogramo articulado.
E a balança de braços iguais tem dois pratos P e P suspensos por correntes ás
extremidades d’um travessão, T que forma os braços da balança. No meio, A, deste
travessão há um ponteiro F ou fiel da balança. Este ponteiro move-se em frente dum arco
graduado. Na posição de equilíbrio, isto é, quando o travessão está em posição
horizontal, o fiel fica em frente do zero da graduação do arco. Neste estado aquilo que
queremos pesar, colocado no prato P, é igual á media ou soma do peso colocado no prato
P’.
A balança Romana, que pouco se usa, compõem-se duma alavanca de braços desiguais, T
T. É suspensa por um gancho G e o travessão está graduado com uns traços semelhantes
aos do metro. Quando se quer pesar algum objeto suspende-se no gancho F que está
ligado ao travessão T. Este pende para o lado em que se colocou o objeto, como é natural
mas, colocando o peso cursor P, (ou contrapeso), no travessão e fazendo-o correr ao
longo dele, conseguimos dar-lhe a posição horisontal (sic). Quando a balança está
equilibrada, isto é, quando o travessão está horizontal, temos o número, lemos o numero
da graduação em que ficou o peso cursor e temos ali a indicação do peso do objecto
suspenso no gancho F.
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A balança decimal é destinada a verificar o peso de grandes volumes emprega-se nos grandes
armazens, nas estações dos caminhos de ferro, alfandega, etc. Os pesos colocam-se num
pequeno prato P suspenso por correntes a, e o volume que queremos pesar Q, sobre um prato
maior A B, que tem o nome de estrado da balança. Basta empregar a décima parte do peso do
corpo para esse corpo estar pesado. (CAMPOS, 1913, p. 39-41)
Figura 2 – Ilustrações de balanças do Compêndio do Sistema Métrico Decimal de António
Augusto M. Monteiro de Campos, 1913.
As balanças nos Elementos de Arithmetica da FTD
Os Irmãos Maristas vieram para o Brasil e, a partir de 1897, atuaram na direção de
diversos colégios, tendo também entre eles professores. A Editora FTD6 iniciou seus
trabalhos no Brasil, em 1902, com o objetivo de produzir obras didáticas para todas as
disciplinas, principalmente tendo como autores os irmãos da Congregação Marista. Os
livros foram um grande sucesso editorial com ampla distribuição no país.
Foi analisado o manual Elementos de Arthmetica para uso dos alumnos do Curso
Secundário (correspondente ao Programma do Collegio Pedro II, das Escolas normaes,
6
FTD são as iniciais de Frère Théophane Durand, que foi o Superior Geral da Congregação
Marista entre os anos de 1883 e 1907. A Congregação dos Irmãos Maristas (Congregação dos
Pequenos Irmãos de Maria) foi fundada em 1817, na França, pelo Padre Marcelino Champagnat.
9
etc.), impresso em 1922. Apesar de constar na capa do livro o nome da Livraria Paulo de
Azevedo, verificamos que o mesmo foi impresso na França, na cidade de Lyon. Era
comum utilizar os serviços das gráficas francesas e esta prática se deu até 1930, devido à
precariedade que existia no Brasil, para se fazer as impressões dos livros da FTD.
Em tempos onde o sistema métrico decimal já estava adotado há 60 anos, mas os
brasileiros ainda conviviam com os antigos pesos e medidas, os Elementos de Arithmetica
evidenciam quatro tipos de balança: commum, de Roberval, romana e decimal, ocupando
quatro páginas das oito dedicadas às “medidas de peso”. O livro traz ilustrações das
balanças e apresenta as características e funcionamento de cada uma delas. O texto é
subdividido em seções, tendo os subitens desenvolvidos em parágrafos numerados, como
transcrevo a seguir.
210. – Definição – Balança é um instrumento para pesar corpos.
Há 4 principaes espécies de balanças: commum, de Roberval, romana e decimal.
A balança commum compõe-se de uma columna H encimada de um travessão AB movel
sobre a aresta de um cutello G. Os braços do travessão AB são iguaes e suportam, nas
extremidades, dois pratos ou conchas C e D, de mesmo peso. Um ponteiro E, chamado
fiel, fixado ao travessão, indica as menores oscillações e marca o equilíbrio quando pára
em frente ao zero de um arco graduado.
Na balança moderna ou de Roberval, seu inventor, os pratos estão em cima do
travessão.
211. – Para pesar um corpo na balança, colloca-se este em um dos pratos e põemse pesos no outro prato, até equilíbrio. O corpo pesa o total dos pesos graduados
que o equilibram.
212. – Uma balança é boa, quando é:
1º sensível, isto é, oscilla sob a acção de um peso mínimo:
2º exacta, isto é, quando dois pesos eguaes collocados em cada um dos pratos se
fazem rigorosamente equilíbrio.
213. – Para se equilibrar uma balança, começa-se por equilibrar o corpo e os pesos,
depois trocam-se de prato o copo e os pesos; si o equilíbrio ainda subsiste, a balança é
boa.
Pode-se remediar ao defeito de uma balança inexacta pelo methodo de dupla pesagem.
Para isso, põe-se o objecto em um dos pratos e faz-se equilíbrio pondo ao outro areia,
grãos de chumbo ou qualquer corpo fácil de augmentar ou diminuir; depois, retira-se o
objecto a pesar que se subsititue por pesos até novo equilíbrio; então, é evidente que o
objecto iguala os pesos, pois que faz equilíbrio á mesma resistência e nas mesmas
condições.
214. – Romana é uma balança de braços desiguaes e com um só peso, que deslisa á
vontade no braço mais comprido, no qual há divisões que marcam o peso dos corpos.
A romana compõe-se de um travessão AB suspenso em G e móvel ao redor de um ponto
fixo J.O menor braço JB tem um gancho D ao qual se suspendem os corpos a pesar. No
braço maior JA, há divisões iguaes: hectog., kilog., dezenas de kilog., e um cursor C que
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escorrega até o travessão ficar horizontal. O peso do corpo lê-se na divisão onde pára o
cursor.
215. – A balança decimal ou básculo serve para pesar grandes fardos.
Nela um peso P posto no prato equilibra um fardo “O” dez vezes mais pesado collocado
no estrado AB.
Assim um peso de 4 kg. equilibra 40 kg.; um peso de 5kg.,4 equilibra 54kg.
216. – Peso bruto é o peso da mercadoria e do caixote ou qualquer enfardamento.
Peso liquido, é o peso da mercadoria.
Tara é o peso dos caixotes vazios ou enfardamentos.
O peso liquido vale o peso da mercadoria menos o peso dos caixotes vazios ou
enfardamentos. O peso liquido vale o peso bruto menos a tara.. (p.139-142)
Figura 3 – Ilustrações de balanças presentes nos Elementos de Arithmetica, FTD, 1913.
Palavras finais
Em diversos livros de Aritmética e tabuadas, publicados a partir de meados
do Oitocentos e nas primeiras décadas do Novecentos, as ilustrações estão
presentes apenas no tópico referente ao Sistema Métrico, revelando uma
necessidade real de apresentar as imagens dos padrões decimais. Isso se dava
porque havia um processo de transição dos pesos e medidas antigos para os
decimais, uma vez que a aceitação e utilização dos novos padrões foram lentas. No
entanto, o livro da FTD, apesar de incluir algumas figuras em outros conteúdos
11
abordados, privilegia o tópico dedicado ao sistema métrico com 15 ilustrações,
sendo 4 delas as balanças.
Uma característica presente nos dois manuais analisados é que não se
utiliza a terminologia “medir a massa” dos corpos, mesmo no texto da FTD, que é
dirigido ao curso secundário. Em ambos os textos apresentados, ao se referirem às
balanças, verifica-se que não há um propósito real de se evidenciar um caráter histórico.
Tudo leva a crer que, as explicações foram integradas como informações para formar o
futuro cidadão. Essa intenção poderia estar ancorada em uma proposta veiculada em
décadas anteriores, a qual tinha como uma das finalidades familiarizar os alunos com o
sistema de pesos e medidas tornado oficial, seus instrumentos de medição e prepará-los
para lidar com os novos padrões decimais. No texto da FTD, inclusive, explica-se como
“remediar ao defeito de uma balança inexacta pelo methodo de dupla pesagem”, porém,
nos 91 exercícios propostos, referentes à seção que trata das “medidas de peso”, em
nenhum deles se aborda qualquer aspecto dos quatro tipos de balança apresentados. O
mesmo ocorre no Compêndio de Campos e esse autor, na sua lista de exercícios,
incorpora apenas três problemas que tratam das medidas de massa, sem qualquer
referência às balanças.
Sendo um objeto em circulação (CHARTIER, 1990), os manuais escolares não
veiculam apenas os conteúdos, como também determinadas metodologias, concepções,
representações. Práticas e modelos de ensino são absorvidos pelos mestres e
transmitidos aos seus alunos. São veiculados os saberes considerados válidos e legítimos
para aquela sociedade que se busca atingir, num determinado tempo e lugar, de acordo
com as crenças e concepções dos autores, com um propósito, ou não, de se seguir uma
tradição ou um outro texto didático. No texto da FTD, muito possivelmente, segue-se um
modelo francês, uma vez que os Irmãos Maristas vieram da França. No caso de Campos,
também é possível que ele siga o modelo de algum outro texto, até mesmo francês, já
que havia circulação de livros franceses em Portugal. Sendo essa hipótese válida ou não,
certo é que os autores elencaram os quatro tipos de balança utilizados na época e
optaram por divulgá-las em seus textos escolares. Qual eram suas reais intenções?
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REFERÊNCIAS:
AFONSO, Júlio Carlos & SILVA, Raquel Medeiros da. A evolução da balança analítica. Química
Nova, v. 27, n. 6, p. 1021-1027, 2004.
CÂMARA, Giselle Marques. Maat: o princípio ordenador do cosmo egípcio: uma reflexão sobre os
princípios encerrados pela deusa no Reino Antigo (2686-2181 a.C.) e no Reino Médio (2055-1650
a.C.). 2011. 134 f. Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Ciências Humanas e Filosofia,
Universidade Federal Fluminense, Niterói.
CAMPOS, Antonio Augusto Machado Monteiro de. Compendio do sistema métrico decimal em
forma de dialogo para uso das escolas de instrucção primaria. 31. ed. (revista, correcta e
aumentada). Lisboa: Livraria Francisco Romero, 1913. 48p.
CHARTIER, Roger. Textos, impressos, leitura. In CHARTIER, Roger. A História Cultural:
entre práticas e representações. Lisboa; Rio de Janeiro: DIFEL; Bertrand Brasil, 1990. p
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Livraria Paulo de Azevedo & Cia., 1922.
PARDO, José Antonio de Lorenzo. La revolución del metro. Madrid: Celeste Ediciones, 1998. 220p.
RONAN, Colin. História ilustrada da Ciência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1987. v.1. 136p.
SILVA, Innocencio Francisco et al. Diccionario bibliographico portuguez: estudos de Innocencio
Francisco da Silva applicaveis a Portugal e ao Brazil – continuados e ampliados. Lisboa: Imprensa
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decimal. 1. ed. Belém: Sociedade Brasileira de História da Matemática, 2009. v. 16. 65p.
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