O papel das políticas governamentais no
Transcrição
O papel das políticas governamentais no
O papel das políticas governamentais no desenvolvimento da indústria naval cingapurense: uma perspectiva histórica. Julio Vicente Rinaldi Favarin Centro de Estudos em Gestão Naval [email protected] Guilherme Salem Gattaz Centro de Estudos em Gestão Naval [email protected] Tiago Maciel de Barros Centro de Estudos em Gestão Naval [email protected] José Maria Quariguasi Netto Centro de Estudos em Gestão Naval [email protected] Marcos Mendes de Oliveira Pinto Escola Politécnica da Universidade de São Paulo Departamento de Engenharia Naval e Oceânica [email protected] RESUMO Desde que se tornou um estado autônomo, em 1959, Cingapura sofreu um processo de intensa industrialização, que alavancou o país para o que hoje é uma das maiores potencias asiáticas. Atualmente, Cingapura detém parcelas significativas do mercado naval mundial: um marketshare de 20% em reparos, e de 70% na conversão de plataformas FPSO’s e na construção de Jack-up’s. Sua trajetória revela um exemplo interessante a ser seguido pelo Brasil, que atualmente observa um aumento significativo da movimentação marítima em sua costa e em virtude da exploração petrolífera em águas profundas. Notadamente, o principal fator de sucesso das políticas públicas foi a interferência contínua do governo na economia. Em diversas situações, conseguiu moldar suas ações de acordo com o contexto econômico mundial e foi flexível sempre que necessário para adequar-se a novos paradigmas, como a recessão mundial decorrente das crises do petróleo que afetaram severamente a indústria local. O estudo vem, portanto, retratar este processo histórico com um enfoque nas políticas públicas que fomentaram o desenvolvimento industrial do país, especialmente no setor naval. A pesquisa mostrou que o crescimento econômico e principalmente industrial de Cingapura baseou-se em um esforço constante de planejamento e reorientação econômica, a fim de prever demandas futuras e capturar os benefícios de primeiro entrante, adiantando-se em respeito aos concorrentes. Dentre as ações governamentais pode-se citar: atração de empresas estrangeiras, criação de parques industriais, controle dos salários reais, importação de tecnologia, sinergia entre setores industriais e incentivos fiscais. Na indústria naval, dois exemplos ilustram o planejamento estratégico do governo: a entrada no ramo de construção offshore em meio às crises do petróleo, e a oferta de serviços complexos de reparo como jumborização e conversões. Palavras-chave: Políticas Públicas; Construção Naval; Cingapura; Competitividade. ABSTRACT Since it became an independent state in 1959, Singapore has undergone a process of intensive industrialization, which leveraged the country for what is today one of the major Asian powers. Currently, Singapore has significant portions of the world shipbuilding market: a marketshare of 20% in repairs, and 70% in the conversion of FPSO's platforms and the construction of Jack-up's. Its trajectory shows an interesting example to be followed by Brazil, which currently observed a significant increase in its handling maritime coast and because of oil exploration in deep waters. Notably, the main factor of success of public policies was the continued interference of government in the economy. In several situations, the government was able to shape their actions according to the global economic context and was flexible when necessary to adapt to new paradigms such as global recession arising from the oil crisis that severely affected the local industry. The study has therefore retract this historical process with a focus on public policies that encouraged industrial development of the country, particularly in the shipbuilding industry. The research showed that the economic growth and mainly industrial growth of Singapore was based on a constant effort of planning and economic reorientation, to calculate future demands and to capture the benefits of the first entrant, was ahead in respect to competitors. Among the governmental actions may be included: attracting foreign firms, industrial park’s creation, real wages control, technology importation, synergy between industry and tax incentives. In the shipbuilding industry, two examples illustrate the strategic planning of government: the entry into the offshore construction industry in the midst of the oil crisis, and the provision of complex services of repair as conversion and jumboization. Keywords: Public Policies; Shipbuilding; Singapore; Competitiveness. Este estudo foi desenvolvido no âmbito de um projeto de pesquisa financiado pela FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos) e pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). 1. Introdução Favorecida pela proximidade com as principais rotas comerciais do mundo, Cingapura iniciou suas atividades na indústria naval através do setor de reparos e expandiu posteriormente para os setores de construção naval e offshore. Atualmente, o país detém parcelas significativas do mercado naval mundial: um marketshare1 de 20% em reparos, e de 70% na conversão de plataformas FPSO’s e na construção de Jack-up’s2. O sucesso da ascensão e consolidação da indústria naval de Cingapura baseia-se no esforço contínuo do governo de planejar e executar planos arrojados de desenvolvimento. As políticas públicas perseguidas pelo governo foram voltadas à garantia de competitividade relativa no mercado global. A visão motivadora de tais políticas é a de que competitividade (junto com a oferta de produtos e serviços relevantes) leva ao crescimento econômico. Para manter-se competitiva e relevante, Cingapura manteve um esforço constante de monitoramento da economia mundial, acompanhado de continua ponderação do papel de sua indústria no contexto mundial, e seguido de planejamento para reposicionar-se para aproveitar oportunidades existentes. Estes planos foram postos em prática através da participação direta do estado em estatais e agências estatutárias, e através da atuação de políticas públicas voltadas à reorientação da economia na direção almejada pelo governo. Este estudo retrata em que contexto foram criadas as ações do governo para o crescimento do país, e como se articularam entre si e ao longo do tempo. 2. Histórico do desenvolvimento econômico de Cingapura Até dar início ao processo de obtenção de independência, Cingapura constituía-se numa colônia britânica e servia como entreposto comercial ao Reino Unido. Num segundo período, 1 2 Em faturamento ASMI – Association of Singapore Marine Industries que se inicia com a autonomia da colônia, em 1959, o país voltou-se à industrialização com o objetivo de substituir as importações. Em seguida, com o fracasso da união com a Malásia e a independência definitiva de Cingapura, em 1965, o processo de industrialização do país se intensificou, agora com foco nas exportações. No período de 1973-78 o governo empreendeu a primeira tentativa de aprimoramento da economia, e entre 1979-84 perseguiu uma reestruturação da economia após o segundo choque de petróleo. Em seguida, enfrentando pela primeira vez em sua história uma recessão, Cingapura voltou-se à diversificação e à regionalização da economia. Por fim, de 1990 em diante, o país voltou-se a indústrias de maior valor agregado e intensivas em tecnologia e conhecimento. 2.1. Pré-1960: Entreposto comercial Localizada no estreito de Malacca, principal rota de passagem do ocidente para o oriente, Cingapura, que, a época, se configurava como uma colônia britânica, viu o surgimento de sua indústria naval em 1819, quando o Reino Unido transformou a cidade em entreposto comercial. Figura 1: Localização geográfica de Cingapura Com o desenvolvimento da atividade portuária, surgiu na região uma pequena indústria de reparos navais para atender aos numerosos navios que ali atracavam. Inicialmente, tratava-se de uma indústria artesanal e familiar, que, com o tempo, desenvolveu-se e expandiu-se. Ao longo dos anos, a condição de entreposto comercial do país e o desenvolvimento do comércio marítimo na região elevaram significativamente a demanda por reparos, levando ao crescimento contínuo da indústria. Durante a Segunda Guerra Mundial, Cingapura foi dominada pelo Japão. Ao final da guerra, mesmo tendo recuperado o domínio sobre a região, o Reino Unido havia perdido o seu prestígio como metrópole e Cingapura foi declarada um estado semi-independente. Em 1959, Cingapura se tornou uma colônia autônoma para decisões internas, dependendo da metrópole apenas para questões de política externa. 2.2. 1959-65: Industrialização intensiva em mão-de-obra voltada à substituição de importações Após a conquista da autonomia, Cingapura enfrentou vários problemas econômicos e sociais, como baixo crescimento econômico, pouca perspectiva de retomada da atividade de entreposto comercial, alto desemprego e instabilidade social. Visando principalmente desenvolver a economia internamente e solucionar a questão do desemprego (que se agravava com o expressivo crescimento da população economicamente ativa de 28% ao ano), o governo decidiu pela industrialização de Cingapura. O processo de industrialização do país se baseou em três documentos. O primeiro foi um estudo realizado, em 1955, pelo Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD). O segundo foi o Lyle Report, de 1959, realizado no âmbito do Plano Colombo pelo canadense F. J. Lyle. O terceiro e mais importante foi o Winsemius Report, de 1961, nomeado após Albert Winsemius liderar a missão de sondagem industrial da Organização das Nações Unidas. O estudo do BIRD e o Lyle Report apontavam a industrialização como solução para o crescente desemprego e, além disso, o segundo ainda defendia uma união entre Cingapura e a Malásia, para garantir um maior mercado para a indústria local, o que era apontado como indispensável para a obtenção de sucesso econômico. O Winsemius Report, relatório de maior relevância para as ações do governo local, abrangia diretrizes políticas, macroeconômicas, institucionais e medidas operacionais para o desenvolvimento da indústria manufatureira. Além disso, o relatório definia quais indústrias poderiam alcançar êxito no país e que, portanto, deveriam ser estimuladas. As escolhidas foram a indústria têxtil, a indústria química e, especialmente, a indústria naval, na qual Cingapura já tinha uma certa experiência. As políticas públicas adotadas em Cingapura definiram o desenvolvimento da indústria naval nacional em duas frentes: grandes estaleiros estatais e pequenas oficinas familiares. Na primeira frente destaca-se a fundação, em 1963, do estaleiro Jurong, que representou grande esforço de combate ao desemprego no país. Para tanto, o governo de Cingapura firmou parceria com o estaleiro japonês Ishikawajima-Harima, do qual se aproveitou do know-how pregresso na indústria naval. Na segunda frente, foi criado o distrito industrial marítimo às margens do Rio Geylang. Nesta região, havia se formado um aglomerado de pequenas oficinas que realizavam reparos navais nas embarcações que circulavam no leito do rio. O governo promoveu obras de infraestrutura de acesso, comunicação e saneamento, realizou o desassoreamento do rio Geylang, e criou políticas de incentivo para atração de mais empresas ao distrito. Por fim, ainda em 1963, visando melhores condições de crescimento econômico (acesso a fonte de matéria prima para indústria, e a mercado expandido para produtos manufaturados) e também considerando aspectos da segurança nacional (suprir perda de proteção após autonomia do Reino Unido), Cingapura anexou-se à Federação Malaia. Esta anexação decretou a independência definitiva do Reino Unido e tornou Cingapura território autônomo da Malásia. 2.3. 1965-73: Industrialização intensiva em mão-de-obra e orientada à exportação Com a formação da Federação Malaia, a atividade de entreposto comercial foi fortemente afetada pela política de confrontação da Indonésia (até então segundo maior parceiro econômico de Cingapura), que se opunha à união dos países. Ainda, o país passou por problemas políticos de origem partidária que culminaram na sua expulsão do território malaio em 1965, se tornando um estado independente, a República de Cingapura. A separação da Federação Malaia significou a contração do mercado potencial para a indústria cingapurense, o que tornou insustentável a política de substituição de importação. Para continuar se industrializando, seria necessário focar-se em produção para exportação. O governo deduziu que para competir no mercado mundial, era imprescindível atrair investidores estrangeiros para o país. O investimento direto de multinacionais possibilitaria suprir carências internas como a base tecnológica pouco desenvolvida, a ausência de competências de empreendedorismo e gerência, e a carência de acesso a mercados consumidores. O governo, então, direcionou seus esforços à atração destes investidores através de políticas de melhoria da infraestrutura e de incentivos fiscais. Estas políticas surtiram efeito e a indústria naval cingapurense viveu um boom. Em 1971, o número de estaleiros no país chegou a 50, ante 26 estaleiros em 1966. Neste mesmo período o número de empregados no setor subiu de 8.000 para 18.000. 2.4. 1973-78: Primeira tentativa de aprimorar a economia O avanço da economia cingapurense transformou a situação do mercado de trabalho: a mão de obra passou de recurso abundante no início da década de 1960, a um recurso escasso no início da década de 1970. O pleno emprego criaria pressões inflacionárias que poderiam erodir a competitividade no mercado mundial. O governo atuou na oferta e demanda de mão de obra para lidar com este problema. A primeira delas consistiu em permitir a entrada de trabalhadores estrangeiros no país, regulando a oferta de mão-de-obra. A segunda, em incentivar a mudança da economia nacional de atividades intensivas em mão-de-obra para atividades com maior intensidade de tecnologia e capital. Esta mudança foi conduzida a partir de estímulos à modernização e à agregação de mais valor por parte das indústrias existentes, bem como incentivos ao desenvolvimento de novas indústrias com tais especificações.. No entanto, Cingapura teve sua transição econômica retardada pelo choque do petróleo em 1973. Com a crise, os preços do petróleo aumentaram exponencialmente, o que afetou profundamente a indústria naval. A queda na demanda por transporte de óleo forçou a parada de navios e a construção naval praticamente estagnou. Os estaleiros promoveram uma guerra de preços para atrair a pouca demanda restante por reparos, o que resultou no fechamento de inúmeros estaleiros de pequeno porte e alguns de grande porte, aumentando a concentração do mercado. 2.5. 1979-84: Re-estruturação econômica No início deste período, Cingapura já havia se recuperado do choque de 1973, e encontrava-se novamente em situação de pleno emprego No entanto, o choque do petróleo de 1979 tornou iminente a adoção de medidas de protecionismo às indústrias nacionais em todo o mundo. O governo cingapurense compreendeu que para manter o nível de exportações, seria necessário ofertar produtos e serviços sem substitutos para os demais países. O governo de Cingapura concentrou em diversificar os setores tecnológicos da indústria através de incentivos fiscais, capacitação da mão-de-obra e no estímulo à automatização e mecanização de operações nas empresas, além do aumento de salários para desestimular atividades intensivas em mão-deobra. Por outro lado, o segundo choque do petróleo de 1979 levou ao aumento da busca de óleo em alto mar e estimulou o desenvolvimento do setor offshore da indústria naval. Cingapura se tornou, em pouco tempo, o maior produtor mundial de plataformas. Em 1980, das 300 plataformas de extração de petróleo construídas no mundo, 65 eram cingapurenses. No entanto, mesmo com o crescimento do setor offshore, os preços do petróleo continuaram a aumentar, o que teve impacto negativo no comércio marítimo e na demanda por navios, e consequentemente nos estaleiros. Instaurou-se um período de baixa do mercado naval que duraria até 1987. Diante deste contexto, os estaleiros cingapurenses começaram a diversificar suas atividades, passando a oferecer serviços de maior complexidade e maior valor agregado, como a jumborização e conversão de navios petroleiros em plataformas do tipo FPSO, entre outras atividades especializadas. 2.6. 1985-90: Recessão, diversificação continuada e regionalização Em 1985, pela primeira vez desde que se tornou território independente, Cingapura entrou em recessão, com retração de 1,6% do PIB. A recessão fora causada em parte pela diminuição da demanda mundial, e parcialmente pela perda de competitividade causada por aumentos sucessivos de salários e pelo aumento da contribuição compulsória ao fundo de previdência. Nesse contexto, o governo cingapurense se deu conta de que, para continuar se desenvolvendo, seria necessário oferecer mais do que manufatura a baixo custo. Seria necessário exportar serviços (financeiros, de engenharia, de consultoria...) além de gerar riquezas além do território nacional, expandindo as empresas locais para o exterior. É exemplar desta nova estratégia que os três principais estaleiros estatais (Jurong, Keppel, e Sembawang) intensificaram sua expansão no exterior no final dos anos 1980, comprando estaleiros e construindo novas bases pelo mundo para aproveitar vantagens competitivas (mão-de-obra barata, competência em pesquisa, proximidade de mercados importantes, etc.). 2.7. 1990-Atual: Desenvolvimento voltado ao valor agregada e à intensidade tecnológica e intelectual Cingapura continuou a se desenvolver direcionando sua economia cada vez mais para produtos e serviços com maior valor agregado e maior intensidade tecnológica e intelectual. Em documentos como o Plano Econômico Estratégico, SEP (Strategic Economic Plan), de 1991, e o relatório Industry 21, de 1999, previa-se um desenvolvimento econômico tracionado principalmente pelo conhecimento. O desenvolvimento deveria pautar-se em oito pilares: recursos humanos; parcerias em nível nacional; orientação para mercado internacional; ambiente propício à inovação; conglomerados de serviços e manufaturas; redesenvolvimento econômico; competitividade internacional; e vulnerabilidade reduzida. Seguindo esses princípios, Cingapura pretendia atingir níveis de desenvolvimento de países de primeiro mundo nas décadas seguintes. 3. Síntese das políticas públicas implementadas em Cingapura O governo criou políticas púbicas que visavam competitividade internacional, e que podem ser resumidas a três linhas de ação: a primeira, de atração de multinacionais, portadoras de tecnologia de ponta e conexões internacionais que garantem uma boa posição nos mercados globais; a segunda, de atuação no desenvolvimento e regulação do mercado de trabalho, que permitiu a Cingapura subir na escala de valor agregado; e a terceira, de manutenção da estabilidade macroeconômica, que no âmbito internacional garantiu a competitividade de preços das exportações de Cingapura, e que internamente permitiu aumentos reais de salários e, em última instância, a estabilidade política. 3.1. Atração de multinacionais A partir de 1965, Cingapura ingressou numa política de industrialização voltada para exportação. A atração de multinacionais era vista como fundamental nesse processo, pois estas supriram as deficiências do país no que diz respeito a carências tecnológicas e de competências gerenciais e de empreendedorismo. Além disso, as multinacionais possuíam conexões consolidadas com o mercado consumidor, que permitiam a comercialização de produtos, bem como o monitoramento de tendências mundiais de consumo. Tais fatores foram indispensáveis para que o país se tornasse competitivo no mercado internacional. A importância das multinacionais é patente.. Apenas seis anos após a abertura nacional para as empresas estrangeiras, estas já representavam 26% de todas as empresas e eram responsáveis por 63% dos empregos e 75% do valor agregado da economia. No setor naval, a participação estrangeira se deu através de contratos de operação (como o gerenciamento do estaleiro Sembawang, e treinamento da mão-de-obra pelo grupo britânico Swan Hunter Group), parcerias (como a participação da japonesa Ishikawajima-Harima no estaleiro Jurong), e investimentos diretos (como as japonesas Mitsubishi e Hitachi Zosen, e a americana Marathon LeTourneau) Para atrair as multinacionais, Cingapura atuou de três maneiras: desenvolvendo a infraestrutura básica, proporcionando a estabilidade das relações industriais e oferecendo incentivos fiscais. 3.1.1. Desenvolvimento de infraestrutura Além da infraestrutura básica de saneamento, água, energia, telecomunicações, acessos terrestres, aeroportos e portos, a formação dos distritos industriais foi fator crucial para a atração das multinacionais. Estes distritos permitiram que as indústrias fossem setorizadas de acordo com necessidades ambientais, de logística, e de proximidade com outras indústrias. Exemplo claro disto é apresentado no distrito industrial de Jurong, onde as atividades de construção naval e de demolição de navios foram localizadas ao lado das indústrias metalmecânica e siderúrgica, vizinhas do terminal portuário de minério de ferro. Distritos industriais, com conexões pré-estabelecidas a serviços básicos, ligados a sistemas de transporte e em alguns casos com fábricas pré-construídas, prontas para serem ocupadas, poderiam reduzir significativamente o tempo para iniciar a produção e representavam um importante incentivo para industrialistas se estabelecerem em Cingapura. Para garantir o sucesso da implantação de infraestrutura em Cingapura, o governo pautou suas ações no planejamento, implantação e financiamento. O planejamento permitiu o zoneamento de atividades de modo a aumentar a eficiência e diminuir os custos com transporte, distribuição e produção. A implantação de projetos foi alcançada com a criação do EDB, Economic Development Board3, órgão constantemente ocupado com o desenvolvimento econômico, e que assumia papel de coordenador de esforços para atrair indústrias para Cingapura. O EDB também era responsável por criar conselhos estatutários para gerenciar importantes projetos de infraestrutura, tal como fez o JTC4 no distrito industrial de Jurong, e a PSA5 no porto de Cingapura. 3 4 Conselho de Desenvolvimento Econômico. Jurong Town Corporation Por fim, o governo perseguiu fontes domésticas para financiar investimentos, fator considerado indispensável para garantir sustentabilidade no longo prazo. Por um lado, financiamento público foi apoiado pela criação de poupança compulsória, na qual empregados e empregadores contribuíam. Por outro lado, cada projeto de infraestrutura deveria parcialmente se autofinanciar, cobrando pelos serviços prestados, e obtendo assim superávits operacionais. 3.1.2. Estabilidade das relações industriais Tendo em vista que a instabilidade das relações industriais seria um entrave à atração de investidores estrangeiros, em 1968, o governo aproveitou o sucesso das eleições, na qual o partido governista conquistara todas as cadeiras do parlamento, e conseguiu a aprovação de importantes medidas que poderiam ser consideradas impopulares. Uma dessas medidas foi o Ato de Emprego (Employment Act), que aumentou a jornada de trabalho semanal, restringiu o pagamento de horas extras e férias remuneradas e reduziu benefícios pós-demissões. O governo ainda transferiu o poder de barganha dos trabalhadores para os empregadores através de outros atos. Ademais, o governo ganhou apoio a classe sindical apontando seis de seus membros como candidatos ao parlamento. Utilizando-se do aumento do seu poder de influência sobre a classe trabalhadora, passou a pregar a idéia do tri-partidarsmo nas relações industriais, entre governo, empregadores e trabalhadores. Esta medida estreitou as relações entre as classes, conseguindo minimizar conflitos. 3.1.3. Incentivos fiscais O governo cingapurense utilizou incentivos fiscais para guiar o desenvolvimento de setores específicos da economia, indicados como estratégicos pelo planejamento econômico. Os setores beneficiados se alteravam, conforme se alterava a prioridade de desenvolvimento. Durante o processo de industrialização para substituição de importações, reduziu-se os impostos para indústrias manufatureiras com alta intensidade de mão-de-obra. Em momento seguinte, com orientação para exportação, foram reduzidos os impostos sobre lucros com exportação. Os incentivos de Cingapura, apesar de similares aos oferecidos naquela época por países em desenvolvimento, eram mediamente mais generosos 5 Port of Singapore Authority 3.2. Regulação e desenvolvimento do mercado de mão-de-obra Com recursos naturais escassos e restrições devido ao terreno, a localização geográfica privilegiada e a mão-de-obra eram os únicos recursos favoráveis a Cingapura. Ciente disso, o governo manteve o desenvolvimento e o aperfeiçoamento da mão-de-obra prioritariamente. 3.2.1. Programas de treinamento O EDB criou esquemas de treinamento no exterior, estabeleceu parcerias de treinamento com setor privado, e providenciou financiamento para programas de treinamento. Um exemplo de centro de treinamento técnico é o Rollei Training Center, que capacitava trabalhadores nos setores de mecânica de precisão e óptica de precisão. É de se notar que as empresas concordaram em treinar o dobro de mão-de-obra de que precisavam, transbordando os benefícios para outras companhias.. 3.2.2. Alinhamento da política salarial com a fase de desenvolvimento Em 1972, o governo estabeleceu um órgão responsável para controlar níveis salariais, o NWC6, que contava com representantes do governo, dos sindicatos e dos empregadores. O governo utilizava o controle de salários para: (a) orientar a economia em uma direção específica, como no final da década de 1970, quando aumentou os salários para desestimular a manufatura intensiva em mão-de-obra em favor da automatização e atividades com maior intensidade tecnológica; ou, (b) garantir a competitividade de produtos cingapurenses nos mercados internacionais, através de reduções pontuais de salários em momentos de crise (e.g.: 1985), ou através de aumentos controlados de salários, como o que ocorreu em 1973 quando pleno emprego ameaçava minar a competitividade cingapurense. 3.2.3. Permissão da entrada de estrangeiros Em situações que Cingapura beirava o pleno emprego, o governo regulou o mercado de mãode-obra com a permissão de entrada de trabalhadores estrangeiros, reduzindo assim a pressão por aumentos salariais que minariam a competitividade nacional. Entre 1966 e 1980, Cingapura recebeu cerca de 100.000 ‘trabalhadores convidados’, principalmente da Malásia. 3.3. Estabilidade macroeconômica 6 National Wages Council, ou Conselho Nacional de Salários A estabilidade macroeconômica garantiu o desenvolvimento do país de duas formas. Possibilitou o sucesso das exportações por dar suporte à atração de multinacionais, que foram fundamentais para alcançar competitividade dos bens produzidos nacionalmente, e também ao suportar internamente o crescimento dos níveis de salários e de poupança. As políticas relacionadas com a estabilidade macroeconômica foram a formação de poupança, a política cambial e a baixa inflação. 3.3.1. Formação de poupança A formação de poupança garantiu uma fonte não-inflacionaria de financiamento para os projetos de infraestrutura, e reduziu o efeito inflacionário relacionado à expansão econômica. A poupança cingapurense era, em sua maior parte, controlada pelo governo e contava com contribuições compulsórias de empregadores e empregados para o fundo de previdência central. Ademais, os contribuintes eram atraídos a poupar pelas altas taxas de juros, baixa inflação e pela possibilidade de utilizar o dinheiro do fundo para financiar a compra de moradias pelo programa federal de habitação. Em 1980, índice de poupança7 de Cingapura era de 40%, o mais alto do mundo, 3.3.2. Política cambial A política cambial em Cingapura tornou-se um instrumento voltado exclusivamente para o controle da inflação. Dado que, em economias de entreposto comercial como a de Cingapura, preços de importados e exportados aumentam em igual proporção, inflação doméstica foi controlada permitindo que a taxa de cambio valorizasse em linha com inflação no exterior. 3.3.3. Baixa Inflação A contenção inflacionária foi primordial para o crescimento econômico e industrial de Cingapura. No âmbito internacional, inflação baixa garantia a competitividade de preços dos produtos cingapurenses nos mercados internacionais; no âmbito doméstico, a contenção de preços garantia o poder de compra de cingapurenses, assegurando ganhos salariais reais que promoviam estabilidade social e política. O ganho real de salários, somado a um exitoso programa habitacional, garantia a aceitação da política de controle salarial, que, por sua vez, ajudava a frear a inflação. 7 Índice de Poupança = Poupança Nacional Bruta expressa como porcentagem PIB Fechava-se assim o ciclo virtuoso de políticas públicas de Cingapura: a baixa inflação, com conseqüências positivas para a competitividade em mercados globais, garantia influxos de capital estrangeiro com o correspondente aporte tecnológico de multinacionais, que tornavam ganhos salariais reais possíveis. 4. Conclusões Desde a constituição de um estado autônomo em Cingapura, em 1959, o objetivo inexorável do governo foi de induzir o desenvolvimento industrial do país. Para manter-se economicamente relevante para seus vizinhos e perante a economia global, foi necessário um constante esforço de planejamento e reorientação econômica, a fim de prever demandas futuras e capturar os benefícios de primeiro entrante, adiantando-se em respeito aos concorrentes. Na indústria naval cingapurense, essa iniciativa se revela em dois exemplos históricos: pela a entrada no ramo de construção offshore em meio às crises do petróleo, e pela oferta de serviços complexos de reparo como jumborização e conversões. Cingapura pode ser definida como uma ‘economia de mercado guiada’, na qual o governo persegue seus objetivos influenciando o mercado, alterando a composição de o que é lucrativo. No desenvolvimento de sua indústria naval, o governo exerceu um papel fundamental através de um processo contínuo de planejamento e de implantação de políticas públicas, que garantiu a competitividade da indústria nacional de bens e de serviços, a sobrevivência à sucessivas crises, e sua dispersão internacional. O planejamento em Cingapura, porém, não envolvia um projeto obstinado e minuciosamente detalhado, porque as prioridades eram eleitas de acordo o mercado internacional. A impossibilidade de prever o curso da economia mundial demandava flexibilidade para agir mais do que comprometimento ideológico para seguir um plano pré-estabelecido. As políticas bem sucedidas levaram Cingapura a posição de destaque na indústria naval mundial, atuando em reparos, conversões, e na construção de sistemas offshore. 5. Bibliografia ASMI - Association of Singaporean Marine Industries. Anchored in Singapore History: The Story of the Marine Industry. ASMI. [Online] ASMI. [Cited: março 31, 2009.] http://www.asmi.com/index.cfm?GPID=34#A_REMARKABLE_STORY_OF_GROWTH. Chia, Siow Yue. The Singapore Model Of Industrial Policy: Past Evolution And Current Thinking. Singapore Institute of International Affairs. 2005. Paper apresentado no 2o. LAEBA Annual Conference. Comitê Econômico - Ministério da Indústria e Comércio. The Singapore Economy: New Directions. Cingapura : Government of Singapore, 1986. Huff, W. G. The Economic Growth of Singapore: Trade and Development in the Twentieth Century. Cambridge : Cambridge University Press, 1997. Krausse, Gerald H. The Urban Coast in Singapore: Uses and Management. Asian Journal of Public Administration. 1o Semestre, Junho 1983, Vol. 5, 1, pp. 33-67. Le Blanc, R. P. Singapore: the Socio-Economic Development of a City-State (1960-1980). s.l. : Cranendonck Coaching, 2008. 978-9079397013. Lee, Tsao Yuan. Infrastructure Geared to International Economic Activity: Singapore. [book auth.] Ashoka Mody. Infrastructure Strategies in East Asia: The Untold Story. Washington D.C. : Banco Mundial, 1997, 4. Official Efforts To Attract FDI: Case Of Singapore’s EDB. Tan, Augustine H. H. Cingapura : National University of Singapore, 1999. Conference on Industrial Globalization In The 21st Century: Impact And Consequences For East. Sabhlok, Anisha. The Evolution of Singapore Business: A Case Study Approach (Case Studies). Cingapura : The Institute of Policy Studies, 2001. Vol. II. Shimizu, Hiroshi and Hirakawa, Hitoshi. Japan and Singapore in the World Economy. s.l. : Routledge, 1999. 978-0415192361. Soon, Teck-Wong and Tan, C. Suan. Singapore: Public Policy and Economic Development. [book auth.] Danny M. Leipziger. Lessons from East Asia. Washington D. C. : World Bank, 1993. Tenold, Stig. A Most Convenient Flag - The Development of the Singapore Ship Registry (1969-1982). SIOS - Centre for International Economics and Shipping. Bergen: Foundation for Research in Economics and Business Administration, 2000. 82-491-0101-4. Tribute to British Shipbuilding and Repair Industries, 1914-18. Naval History. [Online] janeiro 01, 2009. [Cited: março 27, 2009.] http://www.naval-history.net/WW1NavyBritishShipbuild03.htm. UCL Development Planning Unit. Singapore’s Export Promotion Strategy and Economic Growth (1965-84). Londres : University College London, 2001. United Nations. A Proposed Industrialization Programme for the State of Singapore. Nova Iorque : UN Commission for Technical Assistance, 1961. Wee, Beng Gok and Buche, Ivy. Keppel Offshore & Marine: Riding the Waves of Change. ECCHO. Inverno, 2007, 38. Zumir, Ravinder K. and Gibbons, Patrick T. The Internationalization Process of Singapore Government-Linked Companies: A Contextual View. Asia Pacific Journal of Management. 1998, Vol. 15, pp. 219-246.
Documentos relacionados
here - Verax Consultoria
A indústria de reparos navais é uma importante fonte de receitas para os estaleiros, tendo representado, em 2006, 13% do total da indústria naval mundial. Vários exemplos ...
Leia mais