Ponto de vista Brincando com fogo Joaci Góes, membro da
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Ponto de vista Brincando com fogo Joaci Góes, membro da
Ponto de vista Brincando com fogo Joaci Góes, membro da Academia [email protected] de Letras da Bahia Esta última greve dos policiais baianos foi a terceira em pouco mais de vinte anos, ao longo dos quais se observou um crescendo das insatisfações, com foco nos baixos salários percebidos pelos membros de nossa gloriosa corporação militar. Além de mal pagos, os policiais exercem uma das profissões mais arriscadas do mundo, como se observa das estatísticas de policiais assassinados, mundo afora. Com 15 milhões de habitantes, apenas, o estado da Bahia tem mais policiais assassinados do que países como França, Alemanha e Japão, com, respectivamente, populações de 65, 81 e 126 milhões de habitantes. Morrem mais policiais baianos do que soldados do exército de Israel, cercado por 150 milhões de inimigos. Quem quiser aferir, pode consultar dados disponíveis na Internet. A mesma violência que atinge duramente a população civil é mais contundente, ainda, contra a polícia fardada, quando comparados os números relativos. De tal modo passamos a nos acostumar com tamanha anomalia, que a população civil, gradativa e sutilmente, passa a considerar como naturais as mortes de policiais em confronto com a bandidagem crescente. É como se o policial fosse pago para morrer, quando, na verdade, sua missão é a de promover a ordem e a paz social, preferencialmente a partir de uma ação mais inteligente do que necessariamente física. Exemplo disso foi, durante séculos, a Scotland Yard, polícia inglesa, que até recentemente não portava armas. A globalização da truculência forçou a mudança de prática tão saudável quanto civilizada. A má remuneração, como acontece com o magistério brasileiro, impede a atração, como regra, de quadros com capacidade efetiva de atuação e, sobretudo, com potencial para continuar crescendo. Explica-se: oriundos das classes mais pobres, os futuros policiais não tiveram e continuam sem ter acesso a uma escolaridade adequada, fator de perpetuação das ingentes desigualdades que comprometem a tão desejada e apregoada justiça social, sobre a qual todos falam, ainda que não saibam dizer em que consiste. Sem sombra de dúvidas, a grande matriz de nossos males maiores reside na péssima qualidade da educação que o setor público oferece à juventude carente do Brasil. Sem educação de qualidade para todos, a democracia brasileira só existirá no discurso dos políticos e no direito assegurado aos pobres de morrerem livremente à margem dos benefícios da civilização. Urge um programa consistente de valorização do policial, peça tão importante que é na engrenagem social, como o médico, o engenheiro, o professor e o padeiro. Só mesmo uma forte dependência material é capaz de explicar como alguém se submete à vida de riscos e carências dos nossos policiais, que sequer usufruem de uma postura afetuosa de grande parte da sociedade. Oxalá haja continuidade nos avanços salariais ultimamente conquistados pelos guardiães de nossa segurança pública, paralelamente ao seu crescente treinamento e preparo, indispensável ao exercício superior de sua elevada missão. Para que possamos acreditar, verdadeiramente, que “greve, nunca mais”!