Francisca Navantino Pinto de Ângelo SUMÁRIO INTRODUÇÃO

Transcrição

Francisca Navantino Pinto de Ângelo SUMÁRIO INTRODUÇÃO
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..........................................................................................................
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CAPÍTULO I – Da ancestralidade aos tempos contemporâneos ...........................
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1.1 Antecedentes históricos ........................................................................................
24
1.2 As Escolas para indígenas em Mato Grosso .........................................................
34
1.3 O Novo paradigma: a escola específica, diferenciada, bilíngüe e intercultural ...
47
CAPÍTULO II – A Legislação e o controle social como instrumentos de cidadania
.........................................................................................................................................
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2.1 As Bases legais da educação escolar indígena ......................................................
53
2.2 A Política nacional para a educação escolar indígena ..........................................
61
2.3 Do Comitê de Educação à Comissão Nacional de Professores Indígenas ............
66
2.4 O Conselho de Educação Escolar Indígena como fórum definidor de políticas ..
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CAPÍTULO III – O Processo de inclusão das escolas indígenas no sistema
oficial de ensino de Mato Grosso ...............................................................................
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3.1 Um Balanço das políticas educacionais indígenas em Mato Grosso: impasses e contradições
....................................................................................................................................
76
3.2 Vozes de resistência: análises e reflexões ...........................................................
84
3.3 Entre o sistema oficial e o sistema imaginado .....................................................
100
3.4 O Movimento indígena como baluarte do protagonismo indígena ......................
107
CAPÍTULO IV – A conquista do ensino superior no processo de autonomia
........................................................................................................................
indígena
113
4.1 Construindo a relação entre a educação básica e o ensino superior ...................
114
4.2 Os desafios para a democratização do ensino superior indígena no Brasil .........
120
CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................
127
BIBLIOGRAFIA .........................................................................................................
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Francisca Navantino Pinto de Ângelo
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa trata dos impasses e contradições do processo de inclusão das escolas
indígenas como escolas específicas, diferenciadas e interculturais no sistema oficial de ensino em Mato
Grosso.
O trabalho tem como eixo central à discussão e a análise dos mecanismos que mediam as relações
entre o Estado brasileiro e os povos indígenas no processo de formulação de políticas para a educação
escolar indígena.
A legislação nacional que regulamenta as ações de educação escolar indígena no Brasil assegura
aos povos indígenas a sua plena participação na definição e na elaboração das políticas públicas. Porém,
na prática, esse direito não tem sido garantido em sua plenitude uma vez que os representantes indígenas
ainda não são considerados protagonistas nesse processo, o que causa descontentamento e frustração para
esses povos.
Entende-se por protagonismo indígena a capacidade crescente dessas sociedades estabelecerem
relações dialógicas com a sociedade nacional e de exercerem o controle do seu projeto de vida no
presente e no futuro. Segundo Secchi (2005) o protagonismo indígena se expressa especialmente pela
capacidade de ocupar os espaços de interesse coletivo, pelo exercício do diálogo intercultural qualificado
e pelo estabelecimento de relações democráticas e respeitosas com os diferentes setores da sociedade e do
Estado Brasileiro.
Ainda que o meu foco de análise privilegie a luta das sociedades indígenas para terem acesso a
uma educação escolar de qualidade, não pretendo desmerecer a importância dos instrumentos jurídicos na
configuração do sistema de ensino e na definição e no cumprimento das políticas. Ao contrário, todo o
aparato legal é tido como subsídio para as políticas de atendimento. Um dos destaques desses
instrumentos jurídicos internacionais, ratificado pelo governo brasileiro é a Convenção n.º 169 da
Organização Internacional do Trabalho sobre os Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes, cujo
Artigo 27 trata da Educação.
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A autoridade competente deverá assegurar a formação de membros
destes povos e a sua participação na formulação e execução de programas de
educação com vistas a transferir progressivamente para esses povos a
responsabilidade de realização destes programas, quando forma adequada.
(CONVENÇÃO n. 169, OIT, Art. 27).
Luis Donizete Grupioni (2001:.91-93) aponta inda outras convenções e instrumentos jurídicos
importantes que o Estado e os técnicos governamentais necessitam conhecer e estudar para subsidiá-los
na elaboração de políticas coerentes com as demandas e interesses dos povos indígenas. Esse autor
elenca os seguintes instrumentos:
“O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e o Pacto
Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, aprovados pela
ONU em l966 e em vigência desde l976, garantem aos membros de
minorias étnicas, religiosas ou lingüísticas o direito de terem sua própria
vida cultural e de utilizarem sua própria língua. (...).
A Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Racial, aprovada pela ONU em l965 e em vigor desde l969,
define discriminação como toda distinção, exclusão, restrição ou
preferência baseada em motivos de raça, cor, origem nacional ou étnica que
tenha por objetivo ou por resultado anular ou menos prezar o
reconhecimento, gozo ou exercício, em condições de igualdade, dos direitos
humanos e liberdades fundamentais (...).
A Convenção para a Prevenção e a Sanção do Delito do
Genocídio, sancionada pela ONU em l948, define genocídio como a
exterminação metódica de um grupo étnico, nacional, racial ou religioso,
que pode ocorrer não só pela matança de membros do grupo, mas também
por submeter de forma intencional o grupo a condições de existência que
acarretem sua destruição física ou levem a uma lesão grave na integridade
física ou mental dos membros grupo (...).
A Unesco (Organização das Nações unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura) estabeleceu em l960 a Convenção Relativa à Luta contra a
Discriminação no Campo do Ensino, com o objetivo de eliminar toda a
discriminação no âmbito da educação motivada por questões que envolvem
a raça, a cor, o sexo, a língua, a religião, a origem nacional e promover a
igualdade de oportunidades para todos em matéria de educação (...).
Também da Unesco é a Declaração sobre os Princípios de Cooperação
Cultural Internacional, de l966, que reconhece a variedade e a diversidade
de todas as culturas como um patrimônio comum da humanidade,
estabelecendo que cada cultura tem uma dignidade e um valor que devem
ser respeitados e preservados.” (GRUPIONI, 2001:91-93).
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Há ainda outras declarações proclamadas pela Unesco como a Declaração sobre Raça e os
Preconceitos Raciais, (l978) e a Declaração de Princípios sobre a Tolerância (l995). No âmbito da
ONU, está em discussão a Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas, e da OEA, a Declaração
Americana sobre Direitos dos Povos Indígenas. Vale ressaltar que estes dispositivos internacionais
contribuíram para o reconhecimento da diversidade cultural nos instrumentos legais do Brasil, da mesma
forma que ocorreu com a Constituição de l988 e com a nova LDB de l996.
A Constituição Federal de l988, em seu Artigo 231 “reconhece aos índios, suas organizações
sociais, costumes, línguas, crenças e tradições de cada povo (...)”. No Artigo 210, § 2, assegura a
“utilização das línguas maternas e processos próprios de aprendizagem” no ensino fundamental. O
reconhecimento da identidade cultural indígena, incluídos as línguas indígenas e os processos próprios de
aprendizagem, inaugura a proposta de uma educação diferenciada e intercultural para a definição das
políticas públicas indigenistas no Brasil.
A exemplo da Constituição Federal, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB
(Lei nº 9.394/96), nos Artigos 78 e 79, preconiza que os programas para a oferta de educação escolar
intercultural devem ter como objetivos o fortalecimento das práticas sócio-culturais e das línguas
maternas, a inclusão de conteúdos culturais correspondentes a cada comunidade nas propostas
curriculares, a recuperação de suas memórias históricas, a reafirmação de suas identidades étnicas e a
valorização de suas ciências. Esses programas específicos deverão ser planejados com a participação das
comunidades indígenas.
No Plano Nacional da Educação (Lei nº 10.172), destaca-se a criação das categorias escola
indígena e professor indígena nos sistemas de ensino, estabelecendo implementação de programas
específicos para a formação docente.
Todas essas conquistas de caráter legal foram conseguidas num amplo movimento de luta dos
povos indígenas que contou com o apoio de inúmeras organizações da sociedade civil, da academia e de
outras forças vivas da sociedade brasileira.
O Estatuto das Sociedades Indígenas, em processo de revisão no Congresso Nacional, será mais
um reforço infraconstitucional que irá complementar o ordenamento jurídico relacionado aos povos
indígena brasileiros.
A consolidação de uma política de educação escolar indígena específica e diferenciada, voltada
para a realidade das comunidades e para o reconhecimento cultural é uma luta antiga. Ao longo do
processo de colonização a educação escolar atendeu a uma política de civilização e evangelização que
desenvolveu ações de desestruturação sociolingüística, política e econômica dos povos contatados e que
teve como saldo a dizimação de muitos povos.
Atualmente realizam-se produtivos debates entre as instituições públicas, organizações nãogovernamentais, professores indígenas, especialistas e diferentes segmentos da sociedade nacional para se
construir um novo caminho, que venha a atender os reais interesses dos povos indígenas por novos
processos educacionais.
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A legislação brasileira criou a categoria escola indígena e determinou o seu atendimento
prioritário estabelecendo estratégias para atender às demandas escolares sem permitir a renúncia das
especificidades culturais de cada povo ou comunidade indígena.
Porém o fato das escolas indígenas terem sido incluídas no sistema oficial de ensino não é
suficiente para cumprir e atender a realidade desses povos. A escola só trará bons resultados se for
ressignificada em cada uma das diferentes realidades. Será, pois, num contexto de diferentes resistências,
impasses e expectativas que os povos indígenas e as instituições terão o desafio de construir em cada
comunidade a modalidade de ensino por eles desejada.
Sobre o contexto em que se insere o presente trabalho vale mencionar que a partir de l995,
iniciou-se uma nova fase de relacionamento com os governos estaduais, que possibilitou maior
visibilidade dos assuntos indígenas no cenário mato-grossense. Os povos indígenas apresentaram suas
reivindicações e chamaram a atenção para a temática da educação escolar, e o governo de Mato Grosso se
dispôs a atender às expectativas das comunidades com novas práticas pedagógicas, curriculares e de
gestão escolar em que prevaleceram os valores e os conhecimentos da cultura indígena.
O estado de Mato Grosso avançou em várias ações que favoreceram os povos, contemplando seu
direito constitucional, adquirido pela luta dos seus movimentos organizados. Com base na LDB o estado
reconheceu a diversidade existente e assegurou através da Lei Orgânica dos Profissionais da Educação
Básica - LOPEB (alterada pela LC nº 57, de 22/01/1999) a educação básica para as populações indígenas:
Artigo l06 - I – proporcionar aos índios, suas comunidades e povos,
a recuperação de suas memórias históricas, a reafirmação de suas identidades
étnicas, a valorização de suas línguas e ciências; II – garantir aos índios, suas
comunidades e povos, o acesso de informações, conhecimentos técnicos e
científicos da sociedade nacional a demais sociedades indígenas e não-índias.
Artigo 107 – na oferta da educação básica para as populações
indígenas são necessárias adaptações às suas peculiaridades, mediante
regulamentação e com consulta ao CEI-MT (Conselho de Educação Escolar
Indígena) e ao Conselho Estadual de Educação, considerando: I – conteúdos
curriculares, metodologias, programas e ações que garantam às nações
indígena auto-sustentação e autodeterminação; II – organização escolar
própria, incluindo a adequação do calendário escolar às atividades culturais.
Parágrafo único – O ensino será ministrado em Língua Portuguesa,
assegurará às comunidades indígenas a utilização de suas línguas maternas,
bem como processos próprios de aprendizagem. (LEI Complementar nº
49/98).
Nesse contexto de avanços normativos e legais, apresentam-se questões como: a legislação atual é
suficiente para garantir que os sistemas de ensino cumpram o seu papel? De que forma as comunidades
indígenas exercerão o controle social sobre suas escolas? Como o sistema de ensino se organizará para
atender a diversidade étnico-cultural como a de Mato Grosso?
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As questões levantadas apontam para as dificuldades encontradas pelas escolas indígenas em
compatibilizar a realidade das comunidades com os mecanismos burocráticos e institucionais do sistema,
em termos da estruturação e do funcionamento pedagógico e administrativo de suas escolas.
A participação das comunidades na elaboração, no planejamento e na execução de políticas
requer a mudança de postura e de atenção dos órgãos governamentais aos serviços educacionais prestados
aos povos indígenas que deverá considerar as peculiaridades socioculturais e políticas de cada povo.
A formação inicial e continuada dos professores indígenas no magistério e no ensino superior é
de responsabilidade do sistema e exige que as instituições se reorganizem para atender a essa clientela.
Por outro lado, as sociedades indígenas estão em processo de autodeterminação, buscando a sua
autonomia e necessitam que seus projetos societários sejam contemplados nos projetos de educação
formal.
Na condição de representante indígena em diferentes espaços institucionais do poder público e
militante da educação escolar, venho acompanhando a luta dos povos indígenas pela consolidação dos
direitos já contemplados na legislação.
Observo como os professores indígenas e as suas comunidades encontram dificuldades na
elaboração dos projetos políticos e pedagógicos de suas escolas dada à burocracia institucional do sistema
de ensino que restringe o alcance dos seus projetos educacionais.
Sabemos que o sistema estadual de ensino atua dentro de uma perspectiva homogeneizadora.
Lidar com a nova realidade prevista na legislação traz um desafio para as instituições mantenedoras das
escolas de construir mecanismos específicos de atendimento à diversidade de cada povo.
Segundo o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (RCNEI), vários são os
fatores responsáveis por este quadro de dificuldades. Dentre eles, destacam-se as políticas públicas
generalistas (não apenas no campo da educação escolar); o baixo investimento e capacitação dos técnicos
dos órgãos públicos; a falta de experiência dos técnicos para dialogar com as sociedades e as dotações
orçamentárias insuficientes para a educação escolar indígena (MEC, l998).
Os povos indígenas são contemplados com ações que nem sempre correspondem às suas
realidades, necessidades e expectativas. Alguns estudos sobre o assunto constatam até mesmo que as
políticas públicas negam a existência das especificidades culturais no país.
Como conselheira indígena em instâncias de colegiado como o Conselho Nacional de Educação,
o Conselho Estadual de Educação e o Conselho de Educação Escolar Indígena, vejo com preocupação a
situação das comunidades e de suas escolas, cujos direitos estão garantidos na legislação. Elas não estão
sendo atendidas conforme as suas especificidades e não têm condições de implantar projetos educacionais
que se contrapõem à influência dos conhecimentos externos impostos pela sociedade nacional.
De modo geral, as escolas indígenas são mal assistidas e não têm orientação pedagógica
convergente com a sua realidade. Algumas são gerenciadas e conduzidas por profissionais não-indígenas
muitas vezes sem qualificação para lidar com essa diversidade. As escolas indígenas são enquadradas nos
sistemas municipais e estaduais de ensino no mesmo estatuto de escolas urbanas, de escolas rurais ou
ainda de salas de extensão. Dessa forma, o contexto político, pedagógico, financeiro e administrativo está
fora de sua realidade comunitária. Portanto, o processo de reconhecimento das escolas indígenas dentro
do sistema educacional ainda deverá percorrer um longo caminho para ser concluído adequadamente. Por
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outro lado, há necessidade de novos aportes que consideram a diversidade destas escolas para viabilizar a
sua funcionalidade nos termos previstos na legislação. É preciso que o sistema de ensino compreenda e
institua programas compatíveis com a realidade dos povos indígenas, pois são sociedades tradicionais
com culturas diversas, com pensamentos e modos de viver bastante diferente da sociedade ocidental.
Apesar da situação política e administrativa em que se encontram as instituições que atendem à clientela
indígena, os avanços obtidos no âmbito da educação escolar se devem em grande parte ao esforço do
movimento de professores, das organizações indígenas e dos seus aliados. Nesse sentido, tem-se a
percepção de que cabe ao Estado legitimar as iniciativas dos povos indígenas, por se tratar da defesa de
direitos constitucionais garantidos. Além disso é necessário criar condições e mecanismos de controle
social para que as comunidades tenham participação garantida na elaboração de projetos políticopedagógicos que reflitam a sua realidade sociocultural.
Consideramos estes pontos fundamentais para a implementação de políticas coerentes com os
anseios dos povos indígenas. Por isso, realizei esta pesquisa com a participação de professores indígenas e
de outros profissionais da educação tais como técnicos governamentais e membros de organizações
indígenas. Pretendo que ela seja um instrumento que facilite o processo de autonomia e de gerenciamento
das ações educacionais tanto para índios quanto para os governos, de forma que a escola não se torne um
espaço de negação das identidades indígenas.
Para que se alcance a inclusão das escolas indígenas no sistema oficial de ensino, bem como a
sua consolidação, será necessário repensar concepções, teorias e práticas que se perpetuam nas
instituições governamentais. É preciso também avaliar as políticas que visam a atender às diversas
realidades da população.
Neste trabalho, sempre que possível, envolvi os segmentos institucionais e os atores sociais
protagonistas, na construção e implementação de políticas de educação escolar indígena. Privilegiei a
participação da clientela beneficiária, tal como os professores e suas comunidades, com vistas a permitir
que expressassem o pensamento indígena acerca desta questão.
A partir dessa perspectiva busquei conhecer as diferentes abordagens teóricas e metodológicas
no campo da Educação que tratam das relações entre movimentos sociais e poder público. Dentre os
trabalhos analisados, destaco os das professoras Maria da Glória Gohn, Ilse Scherer-Warren, e de
Reinaldo Matias Fleuri.
Em relação aos procedimentos metodológicos, realizei inicialmente uma pesquisa em documentos
oficiais da FUNAI, da Secretaria de Educação do Mato Grosso, do Conselho de Educação Escolar
Indígena de Mato Grosso, das Organizações Indígenas e do MEC, nos quais levantei a legislação e as
principais diretrizes sobre a educação escolar indígena no Brasil. Num segundo momento, elaborei um
questionário para averiguar as perspectivas de lideranças e professores indígenas com relação a educação
escolar.
Os dados deste trabalho foram obtidos através de observação participante, entrevistas com
lideranças e professores indígenas, em seminários de educação indígena, nos cursos de formação de
professores, nas aldeias, em encontros e outros eventos indígenas, anotações em diários de campo e
registros documentais e fotográficos.
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
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Inicio o trabalho apresentando alguns argumentos com o intuito de justificar a escolha dessa
temática dentre tantas outras igualmente relevantes. A opção pelo processo de inclusão das escolas
indígenas no sistema oficial de ensino deveu-se basicamente por duas razões. A primeira, em virtude de
minha própria atuação como militante e profissional da educação escolar indígena; a segunda, por
verificar como o sistema oficial tem dificuldades de atender a legislação vigente e de executar as políticas
estabelecidas para essa modalidade de ensino.
O corpo principal do trabalho está organizado em quatro capítulos seguidos de uma conclusão.
No primeiro capítulo trato do processo de ocupação do Estado de Mato Grosso, da instalação das
primeiras escolas para indígenas e da construção do novo paradigma da educação escolar indígena
caracterizada como “específica, diferenciada, bilíngüe e intercultural”. Serão destacados os aspectos
relevantes de cada um desses períodos com destaque à última fase desse processo.
No segundo capítulo discuto o processo de elaboração da legislação atinente a temática escolar,
com ênfase na luta dos povos indígenas para assegurar a sua participação na construção desse processo.
Darei especial atenção as estratégias indígenas para ocuparem os espaços públicos em órgãos de
representação colegiada que definem políticas públicas propostas de legislação.
O terceiro capítulo é dedicado ao processo de inclusão das escolas indígenas no sistema oficial
de ensino. É realizado um balanço das políticas educacionais, seus impasses e contradições, destacando à
resistência e a mobilização dos povos indígenas em busca dos seus espaços de protagonismo.
Finalmente, no quarto capítulo são apresentadas as principais conquistas obtidas nesse processo.
Destaco a democratização da educação básica e as mais recentes iniciativas de formação em nível
superior para professor indígena. Destaco também a necessidade de formação de quadros em diferentes
campos profissionais para atuarem junto às comunidades na busca de maior autonomia.
Neste estudo tratei, portanto, das políticas educacionais elaboradas com a participação indígena a
partir do aprofundamento de trabalhos já produzidos sobre esta temática, tendo como foco a realidade
escolar indígena de Mato Grosso. Priorizei à observação dos processos que caracterizam o contexto
político e escolar mato-grossense com destaque para o movimento de construção do protagonismo
indígena, a ocupação dos espaços públicos pelos índios no diálogo permanente e de relações com o
Estado brasileiro.
Espero ter contribuído com a produção de subsídios para a melhoria do sistema educacional e
para o incentivo a todos os atores sociais indígenas envolvidos na sua luta por mais direitos e justiça
social.
É, pois, nesse complexo e dinâmico cenário que conduzirei a reflexão sobre o processo de
inclusão das escolas indígenas no sistema oficial de ensino.
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CAPÍTULO I
DA ANCESTRALIDADE AOS TEMPOS CONTEMPORÂNEOS
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1.1 Antecedentes históricos
A história oficial da ocupação regular da região que veio a ser conhecida como Mato Grosso
iniciou-se com a chegada das primeiras bandeira nos sertões, em l718. Foram lideradas por Antonio Pires
de Campos, que alcançou o rio Coxipó em busca de mão-de-obra escrava para a comercialização nos
principais centros comerciais da Colônia (SECCHI, l995: 20).
A colonização de Mato Grosso “iniciada depois de mais de duzentos anos do descobrimento do
Brasil”, teve a mesma intencionalidade verificada em outros pontos do país: a conquista do sertão
“selvagem”, a escravização indígena e a ocupação de novas terras. (FERREIRA, 2001: 143).
O maior centro das bandeiras foi São Paulo. Para chegar a Mato
Grosso desciam em canoas o rio Tietê, entrava no Paraná, até a foz do rio
Pardo e nele subiam até Camapuã. Quase nas cabeceiras do rio Pardo,
baldeavam carga e barcos, em carros de bois, até o rio Coxim donde, pelo rio
Taquari, entravam no rio Paraguai, até encontrar o rio dos Porrudos, ou São
Lourenço. Depois, subindo o rio Cuiabá, chegavam ao lugar da atual Cuiabá.
(BORDIGNON, l986: 5).
Para realizar essa travessia, os bandeirantes entraram em vários territórios indígenas e travaram
batalhas com diversos povos como os Kayapó, Paiaguá e Bororo. As armas tradicionais dos índios
raramente puderam deter os conquistadores; suas aldeias foram arrasadas e muitas vidas ceifadas pelo seu
poderio bélico.
As primeiras atividades auríferas mato-grossenses começaram com a extração nas “Minas de
Cuyabá” e se consolidaram com a escravização dos indígenas. Como resultado da exploração aurífera,
surgiram diversas vilas, povoados e empreendimentos agropecuários que davam sustentabilidade
econômica à atividade extrativista.
Nessa região habitava os Bororo, muitos dos quais foram escravizados e enviados para outras
capitanias como mão–de-obra.
Os principais marcos das relações entre os povos indígenas mato-grossenses e os colonizadores
foram a subjugação e a escravização. Devemos também registrar a resistência expressa por um constante
estado de guerra, que resultou na dizimação de nações inteiras e retardou significativamente o processo de
ocupação da região Centro-Oeste brasileira.
Na visão de Siqueira (2002), eram dois universos culturais muito diferentes que se
confrontavam. Os conquistadores europeus não conseguiram compreender e respeitar a diversidade
cultural.
O pensamento dominante dos europeus era de que culturas desconhecidas eram inferiores. Os
índios “não eram gente” “não possuíam alma”, eram “seres bestiais”, podendo vir a ser tratados com
violência e desumanidade. Essas conclusões explicam a selvageria como fruto das diferenças sociais entre
europeus e indígenas. (GRUPIONI, l994: 42).
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Por outro lado, os colonizadores dependiam dos conhecimentos indígenas para garantir o
território e por em prática a ocupação efetiva do império lusitano. Necessitava-se fixar as fronteiras,
garantir os limites geográficos e demarcar o seu império. Sem a presença indígena, os bandeirantes não
teriam dominado os sertões, pois os índios possuíam diferentes conhecimentos acerca de seus domínios
naturais. Os índios não representaram apenas a garantia de mão-de-obra braçal, mas serviram, sobretudo
como guias, pois conheciam, como ninguém o temido e desconhecido sertão Oeste (SIQUEIRA,
2002:.35).
Para os bandeirantes, os índios eram a mercadoria mais valiosa, peça de sustentação da atividade
garimpeira e comercial não só da localidade, mas da coroa portuguesa, razão pela qual Antonio Pires de
Campos empreendeu várias expedições no encalço dos índios que habitavam a região do rio Coxipó.
Segundo Siqueira, (2002: 64 apud MELLATI, 1983), “submeter o índio às minas, a seu trabalho
monótono, insano e severo, sem sentido tribal, sem ritual religioso, era como tirar-lhe o significado de sua
vida. Era escravizar não somente seus músculos, mas também seu espírito coletivo”.
Vale destacar que as atitudes adotadas pelos indígenas frente ao colonizador tomaram diferentes
direções. Em alguns casos ocorria uma total submissão; em outros, resistiam e lutavam bravamente contra
o invasor; em outros, fugiam para regiões distantes, abandonando o seu território tradicional. Houve casos
também em que se aliaram aos colonizadores para lutar contra seus rivais, inimigos históricos.
Entre l719 e l808, com a notícia de novas descobertas de minas auríferas, novas expedições
adentraram a região na busca de mão-de-obra indígena.
Em 1719, o bandeirante Pascoal Moreira Cabral, seguindo a mesma direção de Antonio Pires de
Campos, alcançou a região de Cuiabá, declarando guerra aos nativos e fundando o Arraial de São
Gonçalo Velho ou Aldeia Velha. Outro arraial fundado foi o da Forquilha, próximo às margens do
córrego Mutuca. (SIQUEIRA, 2002: 30).
Em l721, Miguel Sutil descobriu uma nova mina nas proximidades de um córrego afluente do rio
Cuiabá, denominado Prainha. Nascia aí no território ancestral do povo Bororo, um novo arraial – o
Arraial do Senhor Bom Jesus, que daria origem a Cuiabá.
Dada a grande movimentação espanhola na região de fronteira, em razão da disputa acirrada com
os espanhóis e as descobertas de minas auríferas, a coroa portuguesa sentiu-se ameaçada e criou uma
nova capitania nas terras de Mato Grosso. Surgia em 1752 a Vila Bela da Santíssima Trindade que viria a
ser a primeira capital mato-grossense1. A sua localização estratégica na região da fronteira assim como a
navegação pelo rio Guaporé, possibilitou a exploração das riquezas da região e o controle das investidas
dos espanhóis.
A historiadora Elizabeth Madureira Siqueira (2002: 40), ressalta que as lavras impulsionaram o
povoamento na área a Oeste de Mato Grosso. Entre as principais, destaco:
“Lavras do Rio Galera (l734): nos sertões dos índios Paresi – conquista dos irmãos Paes de
Barros;
1
O primeiro governante da Capitania de Mato Grosso foi D. Antonio Rolim de Moura.
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Lavras de Santana (l735): atual Nortelândia – descoberta pelos irmãos Paes de Barros e
Fernandes de Abreu;
Lavras do Brumado e Corumbiara: Guaporé – descoberta pelos irmãos Paes de Barros;
Minas do Alto Paraguai (l747): Alto Paraguai e Diamantino;
Lavras de Santana e São Francisco Xavier (l751): Guaporé”.
Na medida em que a expansão territorial avançava, ampliava-se também o registro dos povos
contatados na região. Antonio Pires de Campos descreveu em seu relatório alguns povos que habitavam a
baixada cuiabana2, como os Popas, Arariponés, Acopoconés, Tangeguiz, Itaporés, Utamoré-Mirim e
outros. Na região do rio São Lourenço habitavam os povos Taquari, Cruará, Porrudo, entre outros.
(SIQUEIRA, 2002: 60-61).
Havia todo empenho da coroa portuguesa em controlar os impostos, povoar as terras, abastecer
as novas vilas e povoados, assim como guerrear contra os índios resistentes, principalmente os temíveis
Paiaguá e Guaicuru, que atacavam as monções3.
Nesse período criou-se a Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão interligando Belém
do Pará a Vila Bela, através dos rios Amazonas, Madeira e Guaporé dando saída para o Oceano Atlântico.
Em l751, D. Antonio Rolim de Moura foi o responsável pela vinda dos primeiros jesuítas para
Mato Grosso, com a finalidade de proceder à criação de uma missão indígena destinada a abrigar índios
“mansos” de várias etnias, na região do Rio Manso, civilizando-os para o povoamento da região, um local
chamado Santana da Chapada. O lugar escolhido para o estabelecimento da missão indígena foi o alto da
Serra de São Jerônimo, também conhecida como Serra da Canastra, atual Chapada dos Guimarães.
(SIQUEIRA, 2002: 42).
Pouco se sabe sobre o processo educativo nesse período. Provavelmente não teria sido outro que
a submissão e a conversão religiosa, além da desestruturação social e cultural. Em virtude dos problemas
econômicos verificados nos aldeamentos próximos a Santana da Chapada, da dificuldade de catequizar e
do agravamento da violência contra os índios, à experiência fracassou.
Portanto, o período colonial foi marcado pela ocupação e expansão do sertão mato-grossense,
pela escravização dos índios e pela exploração aurífera, o que desencadeou a fundação de vilas e
pequenos povoados. A mão-de-obra e os conhecimentos indígenas foram explorados exaustivamente
pelos conquistadores. Povos inteiros foram dizimados por resistirem à frente colonial. O ensino centrado
2
Baixada Cuiabana é denominada a região formada pelo médio curso do rio Cuiabá e seus
afluentes.
3
Monções era o transporte feito por pequenas embarcações que traziam mercadorias e
abasteciam as novas vilas e as expedições dos bandeirantes.
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na religião, na imposição cultural e na língua portuguesa teve resultados possíveis de serem classificados
como genocídio cultural.
A estratégia dos colonizadores era incentivar o povoamento por colonos vindos de outras
capitanias e de Portugal, na tentativa de diminuir a influência da cultura indígena e negra, que nesse
período era predominante. A Igreja e o Estado exerciam pleno controle sobre as vilas ou povoados,
semeando-se assim a “civilização européia” pautada pela “espada” e pela “cruz”.
Com a consolidação do período Imperial, os fatos marcantes na história nacional tiveram grandes
repercussões também em Mato Grosso. As idéias revolucionárias vindas da Europa e a emancipação
política do Brasil tiveram eco no ideário das elites mato-grossenses.
O interesse pelo comércio intensificou as relações com a Argentina, Uruguai e Paraguai por meio
de uma rota de navegação para a venda de produtos importados da Europa, principalmente da Inglaterra.
A resistência do Paraguai em concordar com a proposta de abertura comercial causou um conflito não
resolvido por várias tentativas diplomáticas frustradas e que veio a culminar com a até a denominada
Guerra do Paraguai. (SIQUEIRA, 2002: 94-97).
Siqueira ressalta que, com
(...) o Tratado de Aliança do Comércio, Navegação e Extradição entre o
Brasil e a Republica do Paraguai, estava finalmente franqueada a navegação
de Mato Grosso pelo rio Paraguai, o qual integra com os rios Uruguai e
Paraná, a grande bacia hidrográfica que interliga o Sul, Sudeste e o CentroOeste com as repúblicas do Uruguai, Argentina e Paraguai. Com a guerra
declarada, os índios habitantes tradicionais dessa região, aqueles que
considerados “mansos” e pacificados como os Guarani, os Terena, os
Kadiwéu participaram como soldados nas trincheiras brasileiras. A vitória
brasileira
abre
as
fronteiras
para
as
frentes
comerciais
de
exportação/importação internacionalmente. Vários produtos são negociados,
como a borracha, a erva-mate e a poaia, tornam se alvos dos comerciantes
estrangeiros, e se inicia a demarcação e arrendamentos de novos territórios
para assegurar a exploração desta atividade extrativista. E assim as terras
indígenas tornam se alvos de intensa exploração de mão de obra e
perseguição para a expropriação territorial. As regiões cobiçadas foram
desde Cáceres, Barra dos Bugres, Tangará da Serra, Vila Bela da Santíssima
Trindade e até mesmo Cuiabá. (SIQUEIRA, 2002: 107).
Outras atividades econômicas surgiram ao longo do rio Cuiabá, como as usinas de açúcar
Conceição, Itaici, Maravilha, Flexas, Aricá, São Gonçalo e Ressaca. Juntamente com a pecuária
(atividade que desde o período colonial contribuiu para a grande concentração de terras), foram
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
14
responsáveis pelo fortalecimento do poder econômico e político dos “coronéis”, em cujos domínios,
agiam de acordo com as próprias leis. (SIQUEIRA, 2002: 102-105).
A população local, desde Vila Bela até Cuiabá, era composta por índios, mestiços e negros e que,
explorados na sua força de trabalho, coibidos de se beneficiarem da colônia e do império, eram tratados
segundo a visão etnocêntrica de que “colonizador não poderia exercer qualquer atividade braçal, cabendo
aos escravos fazê-lo” (SIQUEIRA, 2003: 120).
Uma reação ao processo de exploração foi o surgimento dos quilombos, que agregavam índios,
negros, mestiços e brancos pobres num convívio de solidariedade. Vários quilombos ameaçaram o poder
local e foram reprimidos e extintos. (SIQUEIRA, 2002: 120-125).
A partir do século XIX chegou a Mato Grosso a imprensa e o ensino primário voltado para o
atendimento da população analfabeta. Ocorreu também o estabelecimento de várias escolas de nível
secundário. Os cronistas e estudiosos estrangeiros que vinham visitar Mato Grosso tinham a idéia de que
esta terra era um eldorado a ser explorado com vários povos a serem civilizados. Nos relatos registrados a
ênfase recai num olhar eurocêntrico sobre a sociedade local, sobre a cultura e seus modus vivendi. A
riqueza existente deveria ser explorada por estrangeiros, pois a população local não apresentava
condições para o devido empenho capitalista. A herança cultural indígena era vista como o grande
obstáculo para o desenvolvimento da província.
A elite mato-grossense buscava formas de se “ocidentalizar” e de abrandar o preconceito que ela
própria nutria. De outra parte, a tentativa de integração nacional exigia medidas para a consolidação da
modernidade, dentre elas a melhoria das estradas e da rede de comunicação com os grandes centros
urbanos.
O sonho de interligar, através do telégrafo, todo o território brasileiro, nasceu
no final do Império quando D. Pedro II, em l880, projetou a construção de
uma linha que, partindo da cidade paulista de Franca (Alta Mogiana),
atingisse Uberaba, atravessasse Goiás, chegando a Cuiabá. De Cuiabá a
travessia seria até o Amazonas, atravessando a região Central do Brasil, era o
sistema telegráfico por meio do Código Morse. Para construir este projeto na
região mato-grossense foi nomeado um filho da terra, descendente de índios
Bororo, Candido Mariano da Silva Rondon era militar graduado.
(...) As linhas eram parte de um plano militar da nascente República, era uma
obra de vulto, grandiosa, de ocupação das fronteiras mato-grossenses com a
Bolívia e com o Paraguai. Idealizada depois da Guerra do Paraguai (l865l870), foi executada pela Comissão Rondon como uma estratégia militar de
consolidação da fronteira, quando Mato Grosso já participava do mercado
internacional da borracha. (SIQUEIRA, 2002: l67 apud MACHADO, l994).
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
15
A finalidade da Comissão era agregar os índios e sertanejos das regiões que estavam na rota das
Linhas para serem trabalhadores na construção telegráfica. A Comissão de Linhas Telegráficas contou
com pesquisadores especializados, como botânicos, fotógrafos, sanitaristas, desenhistas, entre outros
profissionais. (SIQUEIRA, 2002: 168).
A implantação das linhas telegráficas nas terras indígenas teve diferentes impactos nas
comunidades, tendo sido encontrados vários povos sobreviventes de massacres, perseguidos pelas frentes
expansionistas e empurrados para outros territórios. Serviu também para consolidar o projeto de Rondon
de colocar os índios na condição de trabalhadores da nação. Por esses motivos inúmeros índios Paresi,
Bakairi, Bororo, Nambikuara integraram as frentes de trabalho, para atuar como guias nas matas e
exercerem serviços de codificação telegráfica. Com isso, Rondon deixou um legado valioso, desde o
registro dos povos resistentes até a definição territorial dos estados brasileiros do Centro-Oeste.
(SIQUEIRA, 2002: 166-171).
A Primeira República veio ampliar o projeto de modernização do país, tendo Mato Grosso como
referência na expansão territorial e em atividades econômicas, o que futuramente colocaria o estado num
outro patamar de colonização, mantendo a mesma estratégia eurocêntrica em relação aos povos indígenas.
Dessa forma, é possível concluir que o processo civilizatório teve como instrumentos a espada, a
cruz e a escola, que, atreladas à política de ocupação territorial, resultaram na atual configuração da
sociedade mato-grossense.
Nesse sentido, mirando a história do Brasil e as ações políticas dos seus governantes,
percebemos que houve diferentes fases e diferentes ênfases no seu desenvolvimento. Em todas elas,
porém, persistiu uma relação assimétrica entre os índios, a sociedade nacional e o Estado.
Uma das estratégias jurídicas utilizadas foi a limitação da capacidade civil dos índios, conforme
ressalta o trecho a seguir:
Como uma das formas de viabilizar a dominação do território, prevaleceu
entre as forças colonizadoras a idéia de que os ocupantes originários do
território invadido não se constituíam como unidades políticas próprias e
independentes, mas como aglomerados de indivíduos sem organização
sócio-cultural. Esta concepção ensejou a criação de mecanismos que
tornassem estes indivíduos partes integrantes do corpo social dominante.
(GUIMARÃES, l996, mimeo, apud SILVA, l997: 27).
De acordo com Rocha (2003), “graças a essa incapacidade relativa, torna-se necessário o
estabelecimento de um tutor legal, neste caso o próprio Estado, por intermédio do órgão encarregado da
política indigenista, o SPI. A incapacidade relativa significa que determinados atos da vida civil, como a
venda da produção, contratos etc., são anuláveis quando o Estado (o tutor) considere-os lesivos aos
interesses do tutelado. Com a declaração da incapacidade relativa do índio, os legisladores pretendiam
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
16
garantir a proteção destes, que seriam tutelados pelo Estado, incorporando assim uma tradição da
legislação brasileira a esse respeito.” (2003: 67).
Nesse contexto se iniciou a escolarização que caracterizou o processo civilizatório dos povos
indígenas. Ele nos mostra os diferentes contextos em que esta relação se deu que marca a situação e a
convivência indígena no cenário brasileiro desde a colonização até a contemporaneidade. Inicialmente os
índios foram excluídos do processo de escolarização. Não havia motivos para permitir o seu acesso ao
“saber letrado”. Num segundo momento, dada a necessidade de expandir as frentes de ocupação e de
utilizar os índios como mão-de-obra semiqualificada, foi necessária tolerar a sua formação regular. O
positivismo rondoniano defendeu e implantou parcialmente essa bandeira!
Uma atitude de solidariedade para com os povos indígenas viria a surgir apenas nas últimas
décadas do século XX com o advento dos trabalhos constitucionais e da legislação complementar. Ela
daria início aos caminhos que estão sendo trilhados atualmente, caracterizados pelo protagonismo
indígena, cuja marca é o empoderamento dos índios nos debates que a eles dizem respeito.
A política de exclusão, por meio da negação da diversidade, não reconheceu os índios como
sociedades autônomas e sujeitos da sua própria história. Mesmo em situações de alianças entre lusitanos e
índios, a exploração das guerras intertribais favorecia ao colonizador. Nos primeiros séculos da
colonização, as relações luso-indígenas permaneceram subordinadas a uma lógica pré-colonial,
(MONTEIRO, l994: 102). Esta fase de exclusão permeou o período colonial até meados do século XVII.
O Império foi o período fundador da nação brasileira e de constituição de seus cidadãos. Muitas
lutas e esforços foram despendidos para que o Brasil se tornasse independente, e se constituísse em uma
nação democrática (SIQUEIRA, 2002: 83). A idéia de nacionalidade evoca as origens nativas, as imagens
do índio “civilizado”, “pacificado”, a idéia das três raças: negro, índio e europeu, como superação do
índio “primitivo”, na visão dos conquistadores.
Na perspectiva de Rinaldo Arruda (2001: 45), “as sociedades indígenas têm sido um campo fértil
para as mais diversas projeções, balizadas ao longo da história do Brasil por duas visões contraditórias: a
do índio como metáfora de liberdade natural e a do índio como imagem de ‘atraso’ a ser superado”.
Atravessando os séculos, vale registrar que, apesar dos governantes tentarem anular a existência
indígena, de uma forma ou de outra, o índio superou as imposições colonialistas. A tolerância para com
os índios nasceu dessa resistência e se consagrou frente o fracasso do indigenismo oficial em civilizar e
integrar os índios à comunhão nacional.
Num período mais recente, observa-se uma fase de solidariedade, manifestada pelo apoio de
setores da sociedade brasileira, que marcou a mudança política e constitucional do país. Construiu-se o
momento da pré-constituição, a elaboração da nova Carta Magna. Diferentes segmentos dos movimentos
sociais se uniram com uma só finalidade, podendo-se observar que setores da sociedade brasileira se
solidarizaram com os povos indígenas, reconhecendo que as conquistas pleiteadas eram frutos de séculos
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
17
de luta e resistência dos povos indígenas e de suas organizações, interferindo ativamente nos trabalhos da
Assembléia Nacional Constituinte e na redação da atual Carta Magna do país.
“Os povos indígenas têm direitos que lhes asseguram tanto a cidadania como “privilégios”
específicos em conseqüência dessa condição mui especial que é a sua vinculação a tradições culturais précolombianas. Eles expressam, afinal, maneiras de sobrevivência que a humanidade logrou construir em
sua trajetória no ecúmeno terrestre e são assim depositários de especificidades biossócioculturais que
impõem o respeito do Estado brasileiro”. (SANTOS, 1995: 105).
Esta nova perspectiva presente na Constituição Federal de l988 nos conduz a uma nova etapa da
história dos povos indígenas no Brasil: o rompimento da tutela, o direito à diferença e à conquista de
novos instrumentos para a convivência e relação entre o Estado e a sociedade nacional.
“Nós indígenas temos trabalhado no âmbito dessa diferença e vivenciado a dificuldade de
diálogo ao longo da história. Os elementos que são vistos de perto são as lutas do cotidiano: a busca da
garantia do território e a negociação de alguns termos que favoreçam a convivência, se não tolerante, se
não harmoniosa, mas que ao menos favoreçam a convivência. Uma convivência qualificada”. (KRENAK,
2001: 73).
O que vemos é o entendimento dos índios que buscam estabelecer uma nova estratégia de
relação com a sociedade majoritária, mas num encaminhamento de participação e de autonomia,
protagonizado pelos diferentes atores sociais indígenas.
Esse entendimento pode ser sintetizado pelas palavras de uma liderança indígena ao discutir a
questão de autonomia:
Não queremos mais servir de história nas escolas como coitados que
precisam de assistência durante a vida inteira, alimentando assim os grandes
funcionários que vivem às nossas custas das riquezas da Amazônia. Eu,
como liderança indígena, não posso mais esperar os recursos governamentais
enquanto o meu povo está morrendo, mas sim, queremos todos participar
desse processo que nos foi negado há muito tempo. (Darcy Duarte,
Coordenador-geral da Coiab, 8.8.1997, In GALLOIS, 2001:177).
1.2 As Escolas para indígenas em Mato Grosso
O histórico das iniciativas de escolarização4 entre os povos indígenas de Mato Grosso está
conjugado à política expansionista do Estado, implementada pela Comissão das Linhas Telegráficas
4
A primeira tentativa de escolarização foi em l750, na missão jesuítica de Santana da Chapada.
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
18
(1890), entre o povo Bororo e pelas missões religiosas Salesianas (1895) e, posteriormente, entre os
Paresi e Bakairi.
É nesse contexto que iremos nos reportar inicialmente, tendo como referência os primeiros povos
que vivenciaram a chegada da escola na aldeia, concomitantemente aos impactos da ocupação gradativa
de seu território tradicional. Num segundo momento faremos também algumas referências a escolas em
outros povos de Mato Grosso.
Estudar os Bororo, é mergulhar na história do povo Boe5, é chegar às origens de Cuiabá e de
Mato Grosso, pois era uma grande “nação”, dona de imensos territórios, “que ia desde a Bolívia à oeste
até além do rio Araguaia, ao leste, desde o rio das Mortes ao norte até a bacia do rio Taquari, ao sul”.
(BORDIGNON, l986: 2).
Considerados como uma das maiores nações indígenas do Planalto Central pela vastidão do seu
território, tidos como grandes guerreiros, resistiram bravamente em defesa do seu território, derrotaram
bandeiras e expedições de Antonio Pires de Campos e Pascoal Moreira Cabral (fundador de Cuiabá),
sendo, posteriormente, aprisionados e levados como escravos para outras capitanias.
Antes da chegada dos bandeirantes, segundo Bordignon:
(...) Eram divididos em vários grupos: os da bacia do rio Cuiabá, também
chamados Coxiponês, nome derivado do rio Coxipó, afluente do Cuiabá. Os
da bacia do rio São Lourenço, também denominados Porrudos. Os que
moravam no alto do rio das Mortes, na bacia do rio das Garças e nos dois
lados do alto rio Araguaia. Os do Sul, os da Serra de São Jerônimo e o dos
rios Taquari e Coxim. Os da margem dos rios Paraguai e Jauru, também
denominado de Avavirás ou Bororos de Campanha. (BORDIGNON, l986:
2).
Em decorrência do contato, os Bororo foram divididos em dois grandes grupos: os Ocidentais,
chamados de Cabaçais e da Campanha, (parte deles desaparecendo como povo indígena, outra parte se
misturou com a população indígena na fronteira de Mato Grosso e Bolívia, com o povo Chiquitano); e os
Orientais, conhecidos como Coroados, os quais resistiram até os dias atuais. (JESUS, l996: 9).
Após séculos de perseguições, de escravização e massacres pelos bandeirantes, depois pelos
fazendeiros, garimpeiros outras frentes de ocupação que lotearam o território indígena tradicional e
fundaram várias cidades, inclusive nos lugares em que ficavam localizadas as aldeias, foram confinados
em quatro reservas atualmente demarcadas, que compõem o seu refúgio territorial: Perigara, Tadarimana,
Gomes Carneiro e Meruri.
É nesse contexto que a escola formal foi implantada, visando a atender a população Bororo
“reunida” nessas reservas.
Segundo Secchi (l998: 17):
5
O termo Boe é a sua autodenominação e significa gente. Pertence ao tronco lingüístico MacroJê.
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
19
(...) Os padres vieram a Mato Grosso a pedido do então governador do
Estado, no ano de l895. A sua primeira missão localizou-se junto à colônia
militar Tereza Cristina (hoje terra indígena Gomes Carneiro) e visava
atender aos Bororo ‘reunidos’ naquelas instalações militares. A primeira
‘missão própria’ (Tachos) foi fundada no ano de l902 e dez anos depois, já
em Meruri, a metade dos Bororo estava alfabetizada, e muitos deles já
possuíam uma profissão específica.
Em l923, os missionários mudaram a aldeia de Tachos para um lugar chamado Meruri, sendo
fundada uma escola para a alfabetização, para o ensino profissionalizante e para a catequese. A maioria
dos Bororo foi convertida à religião católica.
O seu processo educativo seguiu os princípios religiosos cristãos, assim como a valorização dos
costumes e comportamentos da sociedade ocidental. Para tal, os missionários organizaram a escola
conforme o sistema educacional das escolas urbanizadas, com a finalidade de “civilizar” os índios. A
organização tradicional aldeia Bororo também foi alterada para atender a esse processo civilizatório, com
construções de casas de alvenaria na forma de um “L”, abandonando o formato circular, com a casa dos
homens no centro da aldeia alterando o espaço, os missionários esperavam alterar as concepções dos
índios.
Atualmente a escola de Meruri é mantida pela Secretaria de Estado de Educação e o processo
educativo segue as normas do sistema oficial de ensino. A direção ainda está nas mãos dos missionários.
Em outras aldeias as escolas são municipais e os seus professores indígenas, à exceção da aldeia Perigara
localizada no território do pantanal, de difícil acesso, que é do Estado.
Outro povo importante para pensarmos o processo de escolarização indígena em Mato Grosso é
o Paresi. Foram descritos por Rondon como habitantes de “grandes reinos”, sendo considerados como um
povo com vasto território, do qual, em l718, o bandeirante Antonio Pires de Campos aprisionou um
contingente de escravos para outras capitanias. Pertencentes ao tronco lingüístico Aruak e se
autodenominam Haliti, que significa gente, povo.
A experiência dos Paresi com a escolarização teve início a partir do século XIX, principalmente
com a chegada da Comissão das Linhas Telegráficas de Marechal Rondon. As escolas militares para
índios davam continuidade à estratégia política de ocupação territorial e ao processo de contato com os
índios da região médio norte do estado. Até então, os índios de Mato Grosso não sabiam o que era uma
escola, nem sua funcionalidade, pois a educação tradicional indígena predominava nas sociedades.
A experiência de escola de posto instalada por Rondon se deu quando da sua chegada à Aldeia
Queimada, em l910, onde encontrou os Paresi Waimaré e Kaxinití perseguidos por seringueiros e por
epidemias que assolaram muitas aldeias, diminuindo a população.
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
20
6
Em Ponte de Pedra , foi construído o primeiro internato no território do povo Paresi, na década
de l910, vindo a ser transferido posteriormente para outro lugar de nome Utiarití, onde se instalou uma
estação telegráfica.
A instalação das Linhas Telegráficas no território Paresi desencadeou um
processo de desaldeamento das terras tradicionais para os postos telegráficos.
Marechal Rondon implantou as primeiras escolas entre os Paresi aos moldes
das escolas estaduais, nos postos telegráficos: no Utiarití e no Posto Ponte de
Pedra, no território do Utiarití, um internato para meninos e funcionários das
Linhas Telegráficas, não só para aprenderem as primeiras letras como
também para aprender lidar com a comunicação da telegrafia. A escola
internato obedecia ao sistema da rede pública. “Os pequenos aborígines se
amoldem facilmente aos nossos costumes, entrando assim na civilização”.
(COSTA, apud cf. Relatório SPI, l923).
A proposta pedagógica e o currículo dessas escolas eram elaborados numa perspectiva de ensino
civilizatório e integracionista. Os preceitos pedagógicos eram balizados pela repetição e pela reprodução
e os alunos eram levados a ler e a escrever em língua portuguesa. (ROCHA In: SANTOS, 1973: 277).
Com o abandono dos militares de Rondon em l945, a escola da aldeia Utiarití foi entregue aos
missionários jesuítas, que seguiam a mesma pedagogia de “catequizar” e “civilizar” os índios,
estendendo-se a crianças de várias outras etnias da região médio-norte do estado. Além dos Paresi, os
Nambikuara, os Rikbaktsa, os Irantxe, os Apiaká e os Kayabi foram atendidos pelo internato de Utiarití.
O sistema de internato funcionou até a década de l970, deixando um saldo desastroso para os
Paresi e para os povos da região circunvizinha. A cultura ocidental imposta, os processos de
ensino/aprendizagem, a imposição de regras e costumes, a proibição do idioma nativo e o controle de
comportamento levaram esses a perder os seus referenciais de identidade. 7
Entre os Paresi, os subgrupos Waimaré e Kaxinití perderam o território tradicional. Os que
conseguiram retornar às aldeias de seus parentes apresentaram dificuldades de adaptação no convívio com
a tradição. Perderam a língua materna e os laços afetivos familiares. Os sobreviventes deste processo têm
na memória as regras instituídas pela missão, como a proibição do idioma e os castigos corporais sofridos
por desobediência. Alguns conseguiram retornar e se reeducaram conforme a cultura de seu povo, outros
se deslocaram para as cidades e se integraram ao sistema social da população local.
Atualmente as terras Paresi estão cercadas por grandes empreendimentos agrícolas de
monocultura de soja. O incremento dessa nova forma de ocupação se deu a partir da década de l970, com
6
Ponte de Pedra, território sagrado dos Paresi, conforme o mito de origem do povo.
O povo Rikbaktsa lembra histórias dos parentes que foram retirados forçosamente das famílias
para irem com os missionários jesuítas ao internato Utiarití, ainda quando crianças muito
pequenas. Quando o internato acabou, os que retornaram para suas aldeias não conseguiram
mais se reconhecer como pertencente ao seu meio de origem.
7
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
21
surgimento de cidades e com o traçado de estradas cortando as terras Paresi. As escolas implantadas estão
ligadas ao sistema de ensino municipal e os professores são indígenas.
Nessa região, a partir de 1969, houve também a presença de voluntários leigos que prestavam
serviços de assistência, como os voluntários da Operação Amazônia Nativa - OPAN (antiga Operação
Anchieta), que atuou nas áreas de educação, saúde e na sustentabilidade econômica, principalmente na
aldeia Rio Verde. (SECCHI, l995: 25 Relatório/PNUD).
O Summer Institute of Linguistics atuou entre vários povos em Mato Grosso, desde l956, com o
discurso de “salvar as línguas indígenas com risco de desaparecimento”8 atuando, na verdade, nas escolas
com o objetivo de formar pastores e tradutores da Bíblia Sagrada, já difundida em vários idiomas
indígenas. A atuação do SIL era feita em parceria efetiva com a Funai. Cunha (1990), destaca que o SIL,
utilizando-se do meio acadêmico, respaldou parte de suas ações religiosas junto aos povos indígenas.
Vale destacar também que o SIL foi contratado pelo Serviço de Proteção ao Índio – SPI, com o
objetivo também de alfabetizar a população indígena, e que não alcançou o resultado esperado.
(...) Dizendo ainda das conseqüências nefastas da ação missionária não
devemos esquecer a atuação do Summer Institute of Linguistics (SIL) junto
às populações indígenas. No caso específico dos Paresi, seu trabalho
fundamental é o de traduzir os textos bíblicos para nosso idioma e dessa
forma nos evangelizar. (CABIXI, Daniel, l984).
Depois dessas escolas terem sido implantadas, as iniciativas foram se ampliando entre outros
povos e, com a conivência do SPI, foi instalada também uma escola no território do povo Umutina,
paralelamente à criação do Posto Fraternidade Indígena, em Barra dos Bugres. Esse posto tinha
inicialmente uma finalidade de assistência aos doentes oriundos de diversos povos, mas também exercia a
função de castigar os índios resistentes ao contato. Nele eram mantidas diversas etnias, enquanto que os
Umutina originários do lugar se extinguiam gradativamente.
Já nos postos indígenas do SPI, o funcionamento das escolas se centrava na administração dos
não índios; os funcionários contratados traziam suas famílias, atuando como chefes de postos e como
professores. (ROCHA, 2003: 92-93).
As frentes de ocupação do estado mantiveram uma relação estreita com os governantes, o que
fragilizou a atuação do SPI na defesa dos índios. Muitos funcionários foram até contratados pelo órgão
tutor para atuarem nas aldeias e mantiveram práticas de opressão e de negociação de terras indígenas à
revelia das autoridades competentes.
Entre o povo Bakairi, a escola foi introduzida a partir de l922, juntamente com a criação do posto
indígena Simões Lopes, onde atualmente se encontra a aldeia Pakuera. A escolarização teve como foco
central a profissionalização e visavam à preparação dos índios para serem trabalhadores qualificados e
deste modo tornarem-se “civilizados”. (SECCHI, 2002: 116).
8
“Um dos princípios da entidade, adotado desde os seus primórdios, é o de sempre desenvolver
suas atividades lingüísticas segundo as expectativas, desejos e necessidades apresentadas pelas
autoridades de cada país onde for convidada a trabalhar”. (SIL, l986: 3).
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
22
Assim, a ocupação do estado foi gradativamente sendo efetivada em diferentes frentes de
exploração colonialista, atrelada à política de integração dos povos indígenas, na condição de
trabalhadores. Nesse sentido, as frentes oficiais do SPI antecipavam o contato com a população indígena,
servindo como “escudo de proteção dos povos” na medida em que avançava a colonização.
Foi o que aconteceu com os Xavante desde o século XIX, os quais vinham fugindo do contato e
das guerras com os colonizadores, até a sua chegada à região do Araguaia, no território mato-grossense.
Migraram do estado de Goiás, onde ocupavam imensos territórios, com o seu povo irmão Xerente. Em
razão de conflitos com os colonizadores, foram forçados a se separar dos Xerente e vieram em direção ao
estado de Mato Grosso onde se estabeleceram na região do Rio das Mortes. No século XIX e no início do
século XX, estes hostilizaram os forasteiros, negando-se a qualquer contato com os colonizadores. Entre a
década de 30 a 40, as tentativas de contato por parte do antigo SPI foram rejeitadas, num processo em que
os missionários se fizeram bastante presentes. (OPAN/CIMI, l997: 163-168).
As pressões dos colonizadores da região se intensificaram, levando os Xavante a se dividiram em
03 grupos básicos na região, que tiveram diferentes contatos com os não-índios. Vários conflitos com os
colonizadores resultaram em massacres e epidemias, reduzindo drasticamente a sua população.
Um dos grupos que se separou, refugiou-se próximo da Missão Salesiana, em território
tradicional do povo Bororo, que também estava em guerra com os colonizadores e fazendeiros da região.
O contato com a Missão Salesiana de São José/Sangradouro deu-se sob influência do contexto
político interno pelo que passava a sociedade Xavante. Esse dinamismo político era expresso por disputas
e alianças entre facções internas que tinham por núcleos uma linhagem ou uma associação de linhagens
aparentadas. 9
No relato de Lucas ‘Ruri’õ, lembrando o seu pai, o líder Alexandre Tsereptsé, destaca-se como a
escola foi introduzida na sociedade Xavante. O trecho a seguir foi transcrito por inteiro, para melhor
compreensão dos sentimentos de um ex-aluno interno.
O grupo Xavante que contactou com a Missão Salesiana de São
José/Sangradouro - MT, foi comandada pelo grande guerreiro e pacificador
da aldeia Sr. Tsereptsé da família Tsih”orirã – cicatriz, branca, ocorrendo no
dia 24 de fevereiro de l957.
Os Xavante foram recepcionados com muita festa e dedicação pelos
Salesianos que viviam e trabalhavam com os Boe-Bororo e alunos brancos,
filhos de posseiros, que moravam na redondeza da Missão Salesiana de São
José/Sangradouro. Passados três dias, um grupo de adolescentes da classe de
idade – Abare’u (Pequi – fruta do cerrado), foram levados para o internato
no meio dos Boe-Bororo e brancos. Fomos recolhidos de casa em casa. Toda
9
Trata-se de uma sociedade dual, que apresenta metades exogâmicas constituídas por clãs
patrilineares, cujas linhagens mobilizam-se para fins políticos. Nas aldeias Xavante, não há
herança do cargo de chefia, estando essa posição ao alcance de qualquer homem maduro que se
mostre prestigiado politicamente e que tenha o apoio de parte majoritária dos grupos políticos
ou dos habitantes da aldeia onde estão inseridos. Sendo assim, cada aldeia é um universo
político em si mesmo. (SILVA, Aracy Lopes da, 1986).
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
23
noite o meu pai, Tsereptsé, chorava de saudade e no outro dia ele ia à missão
para nos visitar e matar a saudade. Eu choro, quanto lembro das lágrimas que
papai deixava cair no chão... Desta forma, os Wapté (adolescentes) foram
jogados no meio dos Bororo e dos brancos que moravam e estudavam no
internato de Sangradouro. Os grupos de jovens passaram muita dificuldade
para desvendar, entender e aprender os primeiros códigos da escrita, sabendo
que ali existia três culturas totalmente diferentes uma da outra. Com o passar
dos anos os primeiros Xavante foram removidos para uma sala isolada dos
colegas no qual começaram a dialogar entre eles na língua que eles bem
entendiam. Começaram aprender as primeiras letras alfabéticas, que
comoveram os olhos dos professores Salesianos daquela época.
A presença do meu pai era muito importante, pois despertava o nosso
espírito Xavante, fortalecendo-nos a suprir a nossa dificuldade para aprender
a ler e escrever a língua portuguesa. Quando aprendemos a ler e escrever,
fomos obrigados a mergulhar no mundo da religião católica, rezando na
igreja, na sala de aula, antes e depois de comer, aprendemos o latim e
começamos a gostar, porque o incentivo e imposição eram muito forte pelos
professores e professoras Salesianos. Assistíamos filmes religiosos sobre os
santos beatificados pelo papa. A partir da década de l980, a escola Salesiana
começou perceber que o sistema adotado por eles já não correspondia a
realidade, precisando readequar a filosofia e metodologia da época do
primeiro contato e que favorecia aos brancos que estavam naquela escola. A
aprendizagem da leitura e escrita tinha como objetivo claro: - a catequização
dos Bororo e Xavante. (Depoimento de Lucas ‘Ruri’õ).
Esse texto expressa o cotidiano do processo de dominação exercida pelas missões religiosas. Os
missionários tinham grande poder nas comunidades indígenas onde atuavam, construindo prédios de
grandes proporções, numa verdadeira ostentação arquitetônica do poder religioso, buscando semelhanças
com os núcleos urbanos. As construções dos colégios, grandes pavimentos com salas de aulas, bibliotecas
e diversos aposentos para a moradia dos religiosos, ocupavam extensas áreas do território indígena. Além
disso, as Missões eram sustentadas pelo cultivo de alimentos de subsistência produzidos pelo trabalho
indígena com a supervisão dos missionários.
O funcionamento da escola, desde os aspectos pedagógicos, políticos, ideológicos e
administrativos concentrava-se na gestão dos missionários. Valores, atitudes e comportamentos eram
ensinados conforme os princípios cristãos.
Nestes internatos, o ensino do português era imposto em detrimento do uso
das
línguas
nativas.
Crianças
eram
separadas
das
famílias
e,
fundamentalmente, investia-se na capacitação profissional dos índios, como
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
24
forma de produzir mão-de-obra barata para a população não-índia
circunvizinha. (FERREIRA LEAL, l992).
O impacto do processo de colonização do Estado, a atuação da Missão Salesiana e a
escolarização geraram resultados desastrosos para a autonomia política e econômica tradicional. Os
Xavante passaram a depender de suprimentos externos outrora desconhecidos. Hoje apresentam com
firmeza a defesa da preservação de sua identidade cultural e o atendimento de suas reivindicações junto às
autoridades. Atualmente a escola tem um papel fundamental, de reafirmação étnica e de instrumento de
defesa de seus interesses. Buscam assumir gradativamente o espaço educacional e estabelecer um novo
encaminhamento para a educação escolar indígena, coerente com o seu modo de ser “Awe” - povo
autêntico.
Os Karajá iniciaram o processo de escolarização na década de l970, com a presença do SPI que,
em trabalho conjunto com o SIL, atuou durante longo período no fomento da escolarização. Já os
Tapirapé começaram o processo de escolarização após os primeiros contatos com os colonizadores da
região, num modelo de contato que quase dizimou parte da população.
A presença das missionárias Irmãzinhas de Jesus, a partir de 1953, contribuiu para a salvação dos
Tapirapé. A escola indígena Tapirapé foi implantada na aldeia por missionários da Prelazia de São Félix
do Araguaia após duas décadas de convívio das religiosas. Hoje é consensual considerá-la uma iniciativa
escolar de grande sucesso.
Com o avanço da colonização do estado na década de l970, alguns povos do Parque do Xingu
deram início à implantação de escolas, com a presença da Funai e os irmãos Villas Bôas, que foram os
protagonistas desse processo. Na ocasião também se instalou infra-estrutura, com escolas, nos Postos
Indígenas: em l976, no Posto Leonardo; em l980, no Posto Indígena Diauarum, em l985, no Posto
Indígena Pavuru e, em l981, no Metyktire (Kayapó).
Outros povos, não citados, tiveram a implantação de escolas mais tarde, a partir da década de
l980. Missionários, ONGs e diferentes congregações evangélicas iniciaram o processo de escolarização
indígena em Mato Grosso, cuja finalidade foi, como diz Daniel Matenho Cabixi, “transformar o índio
pagão em convertido e batizado”. Também a ação do Estado, do SPI, da Funai, e mais recentemente, das
prefeituras municipais, visou à civilização e integração dos povos indígenas.
Buscando compreender melhor as diferentes realidades do processo de escolarização indígena
em Mato Grosso, Darci Secchi (2000), agrupou as diferentes iniciativas escolares em cinco tipologias,
conforme segue:
1.
Escolas das missões católicas: implantadas pelos Salesianos nos grandes aldeamentos
Xavante e Bororo (Meruri, Sangradouro e São Marcos) e pelos Jesuítas junto aos povos
do médio-norte do estado, em Utiarití, Barranco Vermelho e Tatuí);
2.
Escola dos postos indígenas: Construídas nos antigos postos do SPI e assumidas por
funcionários do órgão tutor, como as dos Bakairi, Paresi e Karajá.
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
25
3.
Escolas de aldeias: normalmente escolas pequenas e unidocentes, vinculadas à Funai,
ONGs, missões evangélicas e/ou prefeituras municipais, como as do Xingu e das regiões
Leste e Nordeste de Mato Grosso.
4.
Escolas itinerantes: que se localizam em diferentes endereços, acompanhando o
professor ou a comunidade nos períodos de acampamentos ou perambulação pelo seu
território, como algumas escolas Nambikwara e Rikbaktsa.
5.
“Escola” sem escolas: sem estruturas formais, detentoras da liberdade de ensinar
assuntos de interesse específico, como leitura e escrita, presente entre os EnaweneNawe.
Esta categorização das escolas serve como parâmetro para analisar as diferentes realidades da
educação escolar indígena em Mato Grosso.
A implantação das escolas no contexto indígena de Mato Grosso se desenvolveu em diferentes
frentes de atuação, tanto por parte do Estado quanto por parte das missões religiosas e outros atores
educacionais externos.
Em todas, porém, de acordo com Cunha:
A proposta de uma escola indígena com algumas adaptações, no sentido de
melhorar o seu funcionamento, deve ser situada no conjunto de orientações
adotadas pelo SPI, nos anos 50 e 60 segundo as quais os índios deveriam se
integrar na sociedade nacional através do trabalho, ou seja, como produtores
de bens de interesse comercial para abastecerem o mercado regional.
(CUNHA, 1990: 94).
A escola não é apenas o espaço de aprendizagem, mas também de convivência com novos
costumes, comportamentos, posturas, repassados de formas variadas e opressivas, marcando a posição de
superioridade por parte da cultura ocidental, considerada como civilizada. Assim como nas escolas
missionárias o idioma nativo era proibido, nas escolas do SPI também era condenado o uso de línguas
indígenas e outras práticas culturais. A criança era castigada quando desobedecia a regra de
comportamento. Em alguns casos os prédios escolares seguiam o estilo arquitetônico dos quartéis da
época. Em outros, os índios foram obrigados a modificar as suas habitações tradicionais, trocando-as por
casas de alvenaria, no estilo de uma vila militar, como nos Umutina, Bororo de Meruri e Paresi em
Utiarití.
A introdução da escola nas comunidades indígenas caracteriza as ações que a política
indigenista, desde o período colonial, usou para cumprir seu papel integracionista, apesar das resistências
indígenas. Para esses povos, a escola foi sempre um instrumento de opressão, o que foi registrado
atualmente na memória oral de muitos povos e até mesmo incorporado em alguns de seus mitos.
“Depoimentos de docentes indígenas de vários estados do Brasil confirmam o papel histórico da
escola como devoradora de identidades”. (FREIRE, 2004: 24). E a escola contribuiu nos processos de
ensino aprendizagem, nos programas educacionais e outras formas metodológicas de imposição do saber
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
26
ocidental. Bens de consumo e novos hábitos alimentares introduzidos nas comunidades indígenas geraram
dependência do mundo exterior.
“(...) Ali eles encontram o ambiente propício para lenta transformação do seu
estilo de vida. Começam a aprender a nossa língua e, uma série de noções
que aos poucos modificam completamente sua concepção das coisas, vai
adotando nossos processos de produção, novos hábitos alimentares e novos
necessidades que os levam a modificar a vestimenta, a forma da casa e da
aldeia e, por fim, a constituição de sua própria família”. (ROCHA, 2003: 93;
In: BRASIL, SPI, Relatório de l953: 4).
Portanto, em Mato Grosso, a partir da década de l970, o avanço da colonização e do projeto
integracionista expôs novamente as populações indígenas a constantes invasões e ameaças, por levas de
sulistas em busca de terras para agricultura. A escola serviu a essa nova política de expansão
integracionista.
Todas essas ações contra os interesses da população indígena se deram em diferentes etapas de
implementação.
O Estado de Mato Grosso sofreu transformações muito rápidas, que
manifestaram
de
forma
mais
intensa
a
partir
do
processo
de
desmembramento (l978) que originou o atual estado de Mato Grosso do Sul.
A dinâmica dita de “fronteira” caracteriza-se pela apropriação progressiva
dos “espaços vazios” pelo capital e, em conseqüência, pela utilização
intensiva dos recursos naturais subordinadas a lógica do lucro mercantil.
(Relatório do PNUD: 41).
Isso significou a criação de novos povoamentos e, conseqüentemente, a fundação de novas
cidades, que ocuparam os territórios ancestrais dos povos indígenas. Apesar desse contato cada vez mais
próximo com os não índios, o processo escolar continuou precariamente nas comunidades indígenas.
A escola teve tal comprometimento com o processo de civilização que chegou a desencadear
outras ações junto aos povos indígenas, como, por exemplo, a transferência de famílias para as
proximidades dos postos indígenas, ocasionando a desocupação das terras indígenas, e novas redefinições
dos territórios. Os postos indígenas desempenharam ao mesmo tempo um papel intervencionista e
mediador entre os dois mundos: o mundo indígena e o não-indígena.
Com tanta diversidade de escolas, algumas foram sendo assumidas gradativamente pelos
professores indígenas e, posteriormente sendo oficializadas pelos municípios e pelo Estado, na forma de
“escolas rurais” ou de “extensão”. As comunidades tinham interesse de buscar a oficialização das escolas
indígenas, muitas vezes incentivado até pelas entidades de apoio à causa indígena.
Nas décadas de l980 e l990 houve uma mudança gradativa em algumas escolas. Alguns índios
indicados pelas comunidades assumiram as funções de “monitores bilíngües” e de “auxiliares”, passando
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
27
a assumir definitivamente as escolas como professores, devido ao abandono por parte dos professores
não-indígenas.
“Neste processo de tradução daquele que ensina, criou-se uma nova
categoria: a dos monitores bilíngües, previsto no quadro de funções do órgão
indigenista oficial. Com o abandono da escola parte desses professores nãoíndios, quase sempre despreparados para o tamanho e a dificuldade da tarefa,
esses monitores acabavam por assumir as escolas, tomando a si a função da
docência nas escolas indígenas: é daí que surgem vários professores
indígenas em atuação ainda hoje”. (GRUPIONI, 2004: 37).
A referência do aprendizado era a socialização baseada nos valores do mundo exterior, que
contava com o apoio didático pedagógico da literatura nacional. A política era a desvalorização da cultura
própria dos povos indígenas, acompanhada de uma proposta de identificação e integração aos valores da
ideologia da sociedade nacional, desqualificando a indígena. Era um processo educacional fora do sistema
de ensino oficial, mas instituído como um instrumento da política integracionista oficial.
A partir da década de l990, criou-se um novo cenário que encaminhou as escolas indígenas de
Mato Grosso a novos desafios. As comunidades e lideranças indígenas passaram a reivindicar escolas
com professores indígenas. Rejeitaram o papel alienador e de dominação da escola tradicional e
propuseram uma perspectiva de transformação dessa instituição em instrumento de defesa e de preparo
para enfrentar os desafios da convivência com a sociedade ocidental.
Os povos indígenas começaram a redefinir o papel da escola, o seu espaço social na aldeia.
A escola desejada passou a ser
(...) uma escola organizada e controlada no cotidiano pelos professores e
comunidade indígena, orientada para atender às suas necessidades e
expectativas; uma escola, portanto, onde os próprios professores e seus
alunos sejam os autores principais do conjunto de aspectos que constituem o
“currículo de fato” experimentado por eles nas aldeias. (MONTE, l996: 12).
É a partir deste entendimento que as escolas para índios vão sendo transformadas em escolas
indígenas e assim procuram se consolidar nas aldeias.
1.3 O Novo paradigma: a escola indígena específica, diferenciada e intercultural
Um dos instrumentos mais utilizados pelos colonizadores, pelos missionários e pelos governos
para o aniquilamento sociocultural das populações indígenas foi a escola.
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
28
Nesses quinhentos e cinco anos de existência travou-se uma batalha de resistência cultural. A
“escola para índios” solapou as culturas, as línguas, os costumes e as práticas pedagógicas tradicionais
indígenas.
Num primeiro momento, a introdução da escola em meio indígena foi um dos
principais instrumentos empregados para promover a domesticação dos povos
indígenas, alcançar sua submissão e negar suas identidades, promover
integração desses povos na comunhão nacional, desprovidos das línguas
maternas e dos atributos étnicos e culturais. (GRUPIONI, 2004: 36).
Para além dos prejuízos de que os povos indígenas foram vítimas, houve também resistências
exemplares entre os mais de 230 povos indígenas – distribuídos em vinte e sete estados brasileiros,
falantes de l80 línguas nativas. Tais resistências não ocorreram apenas em termos de estratégias de
guerras, mas também no campo dos saberes, do conhecimento nativo e de formas de sobrevivência para
resistir até os tempos atuais. A escola indígena acompanhou as mudanças dos modelos educacionais
adotados pelo Estado-nação. Todavia, os índios dele se apropriaram e promoveram o fortalecimento de
uma nova concepção de “escola indígena”, inserida no ciclo da sua vida cultural.
Nas últimas décadas o paradigma da escola indígena específica, diferenciada e intercultural está
vinculado a uma luta latino-americana contra o modelo imperativo de ocidentalização da educação
escolar para a população indígena.
Vários países ameríndios levantaram a bandeira da diversidade, da necessidade de adoção de
novos modelos de escola, com propostas pedagógicas que atendam às diferentes culturas dos povos deste
continente.
A partir de l980, devido às pressões internacionais, alguns países iniciaram um movimento de
reconhecimento legal da diversidade cultural e contaram com o apoio de diversas forças atuantes da
sociedade como os sindicatos, igrejas, partidos políticos e outras associações e movimentos sociais.
Segundo Nietta Monte (2001: 49), o movimento indígena norte-americano ampliou-se para
abranger a discussão intercultural e interétnica, tendo como fundamento a identidade social. Nesse
sentido, a importância desse movimento foi o de agregar as diferentes minorias étnicas que, submetidas a
um sistema de dominação por parte da sociedade majoritária, foram sentenciadas a algo como um
“etnocídio educativo”.
A trajetória desse movimento passa por mobilizações internacional que vieram a se transformar
em uma rede intitulada: Movimento Indígena, Negro e Populares, os conceitos de autodeterminação e
participação foram inseridos nessa nova perspectiva de educação escolar indígena (MONTE, 2001:49 ).
Assim, a escola indígena específica, diferenciada e intercultural se estabeleceu como um novo
paradigma no âmbito dos direitos humanos, a partir do reconhecimento de direitos coletivos dos
integrantes das populações indígenas. Isto resultou num redimensionamento pedagógico, político e
sociocultural da escola indígena.
Neste contexto de mudança de postura frente às escolas indígenas, Mato Grosso desencadeou um
novo encaminhamento cuja implantação efetiva é ainda muito recente se comparada a de outros estados.
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
29
As escolas indígenas passaram a ser percebidas e tratadas de acordo com os diferentes contextos de
contato com a sociedade ocidental.
De outra parte, as comunidades passaram a defender a autonomia escolar não apenas sob o
enfoque da gestão pedagógica, política e administrativa, que não depende apenas do professor e das
lideranças, mas segundo a conjuntura que marca as relações internas e externas, muitas vezes
incompreendidas pelos gestores públicos do sistema de ensino.
Para os índios, a escola ainda é “escola para índios”, pois possui características das escolas
urbanas (principalmente as municipais), e a sua gestão está distante do controle das comunidades
indígenas. No entanto, em conseqüência das inúmeras experiências no âmbito da escolarização, a
instituição escolar nas aldeias vem sendo gradativamente ressignificada para atender diferentes anseios
das comunidades em conformidade com novos contextos simbólicos e culturais. Mesmo estando atrelada
aos regulamentos das secretarias municipais ou estaduais (que, muitas vezes, desconhecem as várias
estratégias de resistência ao modelo escolar) as escolas indígenas inserem-se no território indígena, e isso
lhes confere um vínculo sólido com as comunidades.
A nova educação indígena específica e diferenciada está em processo de construção cotidiana.
“A escola que ajuda a “conhecer o jeito dos brancos”; “transitar pelas culturas”; “defender o território”;
“pleitear novos espaços” e “reconstruir o futuro” é vista por muitos professores, lideranças e comunidades
indígenas de Mato Grosso como um espaço de liberdade, de autonomia e de afirmação dos seus projetos
societários.” (SECCHI, 2002: 97).
Apesar da legislação assegurar o direito indígena a uma escola com essas características, as
secretarias ainda não incorporaram plenamente esse novo paradigma em suas práticas. Tratar da
diversidade é um desafio para o sistema de ensino, que tradicionalmente enquadra a escolarização
ocidental de uma forma unificada.
A luta pela educação diferenciada representa a resistência aos modelos implementados pela
sociedade majoritária e tem como marco a Constituição Federal de 1988.
Um professor indígena Bororo expressa dessa maneira o seu entendimento sobre a escola
indígena antes e depois da Constituição de l988:
Bom, são duas situações completamente diferentes, antes da Constituição de
l988, com uma escola cheia de preconceitos, não atendia as necessidades do
povo indígena, proibia a língua, e depois da Constituição houve avanços com
a escola diferenciada, propõem o nosso programa político pedagógico com a
participação da comunidade indígena. (Professor Bororo da aldeia Coroado –
Santo Antonio do Leverger, 2004).
Para ele, a Carta Magna é o marco histórico da diferença de uma escola indígena para índio e
de uma escola diferenciada dos índios, pensada e construída comunitariamente.
Em Mato Grosso, a discussão em torno de uma escola indígena diferenciada, vem desde a
década de l980, quando se intensificou o contato dos povos com a sociedade envolvente a leitura e a
escrita passaram a ser uma necessidade nas relações entre índios e brancos.
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
30
Os especialistas esclarecem o entendimento dessa diferenciação: “especificidade e diferenciação
são atributos necessários para uma escola indígena adequada, mas não são condições suficientes para uma
escola indígena autônoma. É necessário ainda assegurar o direito dos povos indígenas a associarem
verdadeiramente as suas escolas aos seus projetos de presente e de futuro.” (SILVA & AZEVEDO, l995:
161).
De fato, a educação diferenciada não se assemelha à educação escolar ocidental, particularmente
em termos das suas prerrogativas educacionais, pedagógicas, políticas e administrativas. Ela congrega um
caráter específico, decorrente das peculiaridades socioculturais e lingüísticas de cada povo indígena. A
educação diferenciada expressa os princípios e valores étnicos de cada povo. A sua força emana do fato
que cada povo é dotado de um sistema próprio de educação, coerente com os valores culturais de cada
sociedade.
Isso significa que a formação do indivíduo indígena se dá no seio da sua tradição cultural, que
afirma sua identidade como Halití (Paresi), Kura (Bakairi), Boe (Bororo), Awê (Xavante) e tantos outros.
É com base nesse entendimento que compreendo os diferentes processos educativos étnicos
vividos pelos povos indígenas. Isso possibilita postular que cada povo necessita incorporar e valorizar a
sua pedagogia própria e construir estratégias de interação entre os conhecimentos internos e externos. Ou
seja, precisa estabelecer o diálogo entre os conhecimentos locais e os universais, dentro de uma visão
crítica, que possibilite discernir quais são os saberes apropriados.
Nessa perspectiva, a educação específica e diferenciada, bilíngüe e intercultural vêm sendo
construída à luz da cidadania indígena, porém somada às experiências acumuladas pelos povos de
exigirem o protagonismo indígena em todo esse processo. O desafio do sistema oficial de ensino é
aprender a lidar com a diversidade étnica num novo processo de escolarização, que abrange os mais
amplos interesses comunitários.
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
CAPÍTULO II
A LEGISLAÇÃO E O CONTROLE SOCIAL COMO INSTRUMENTOS DE
CIDADANIA
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
32
2.1 As Bases legais da educação escolar indígena
Nos últimos anos, a América Latina e outros continentes com população colonizada vêm
rompendo com a escolarização civilizatória e vivenciando experiências inovadoras com base no
paradigma da educação intercultural, voltado para o reconhecimento de suas especificidade culturais e
lingüísticas. Isso é um resultado da mobilização internacional das minorias que, à margem da sociedade
majoritária, foram segregadas e impelidas ao desaparecimento cultural pelo face as políticas
homogenezadoras implementadas pelos diferentes Estados Nacionais.
Num momento em que a cidadania enfrenta novos desafios, busca novos
espaços de atuação e abre novas áreas, em consonância com as grandes
transformações pelas quais passa o mundo contemporâneo, é importante ter
conhecimento acerca de realidades que, no passado, significaram, e, no
presente ainda significam passos relevantes no sentido de garantir um futuro
melhor para todos. (CURY, 2002: 246).
Na visão de Cury (2002), a educação escolar é um dos princípios fundantes da cidadania,
indispensáveis para que as políticas públicas assegurem a participação social e política dos cidadãos.
Nesse sentido, como direito de cidadania, a conquista da educação escolar indígena foi um
marco histórico presente no capítulo VII, artigos 231 e 232 da Constituição Brasileira, em que o Estado
assegura o atendimento às populações indígenas, dentro das prerrogativas dos direitos humanos, e do
reconhecimento da diversidade cultural.
Vale destacar o debate promovido sobre os direitos humanos e sua relevância no Brasil, como
encaminhamento para a construção de políticas públicas e fortalecimento da democracia. Esse movimento
é referendado por instrumentos internacionais dos quais o Brasil é signatário, sob a inspiração da
Declaração Universal dos Direitos Humanos de l948, bem como da Constituição Federal de l988, que
define o Brasil como um Estado Democrático de Direitos, cujos fundamentos são a soberania, a
cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o
pluralismo político.
O Brasil, a promulgação da Constituição Federal, rompeu com os ditames do Estado autoritário e
promoveu a abertura para a democratização e a reforma do Estado. Além disso, em face da mobilização
da sociedade civil e dos movimentos sociais, elaborou programas e projetos buscando concretizar a
promoção dos direitos humanos.
A realidade brasileira historicamente foi marcada pela exclusão social, econômica e política das
minorias étnicas e raciais que nunca foram incluídas nos benefícios que o Estado oferece à população em
geral.
O processo de construção da cidadania, da democracia, só terá avanços quando vinculado a
políticas públicas de promoção da dignidade humana, amplas e permanentes, que melhorem a qualidade
de vida dos cidadãos. Além disso, “a formação da cidadania ativa requer, necessariamente, a formação de
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
33
cidadãos conscientes dos seus direitos e deveres, e protagonistas de materialidade das normas e pactos
que os regulamentam”, tal como disposto no Plano Nacional de Direitos Humanos de 2003.
Por isso, a educação escolar é um direito que garante atributos indispensáveis ao
desenvolvimento humano e de suas potencialidades aqueles excluídos histórica e socialmente,
possibilitando a concretização de outros direitos e deveres, na perspectiva de um protagonismo que busca
a autonomia, e fortalece mecanismos mobilizadores dos movimentos sociais.
O acesso à educação é também um meio de abertura que dá ao indivíduo uma
chave para a autoconstrução de reconhecimentos e capacidades de fazer
opções. O direito à educação, nessa medida, é uma oportunidade de
crescimento do cidadão, um caminho de opções diferenciadas e uma chave de
crescente estima de si. (CURY, 2002: 260).
Nesse olhar, a educação ganha um novo sentido como direito das práticas sociais, da diversidade,
do respeito à alteridade, e como instrumento de cidadania na relação com o Estado brasileiro. Ancorada
neste novo paradigma, a educação escolar rompe com a história do processo civilizatório e possibilita aos
indígenas o acesso aos conhecimentos necessários a sua afirmação étnica e cultural.
“Desde a Colônia até a República, a escola foi o instrumento privilegiado para promover a
“domesticação” dos povos indígenas, impor sua submissão, promover seu aniquilamento cultural e
lingüístico e negar suas identidades, integrando-os, desprovidos de seus atributos étnicos e culturais, a
uma idealizada “comunhão nacional” (GRUPIONI, 2004: 02).
Neste novo cenário, a educação escolar voltada para os povos indígenas inicia sua fase de
transição no Brasil, respaldada pela Constituição Federal e demais legislações pertinentes, estabelecendo
um processo educativo formulado em outras bases.
Hoje, cresceu, enfim, a importância reconhecida das leis entre os educadores,
porque como cidadãos, eles se deram conta de que, apesar de tudo, ela é um
instrumento viável de luta, porque com ela pode-se criar condições mais
propícias não só para a democratização da educação, mas também para a
socialização de gerações mais iguais e menos injustas. (CURY, 2002: 247).
A Constituição Federal, nos artigos 210, 215 e 231, assegurou o direito dos povos a uma
educação escolar específica, diferenciada e intercultural. A participação dos povos na luta por uma
educação escolar voltada para a sua realidade e com o protagonismo indígena foi um marco histórico de
mobilização na busca de consensos acerca dos conhecimentos a serem priorizados no processo de
formação. Consequentemente foram definidas normas para regularizar a criação e o funcionamento das
escolas indígenas, com currículos, calendários e organização própria. Foram tomadas decisões no sentido
de se alcançar uma legitimidade cada vez maior para a educação escolar indígena.
A partir daí, como desdobramento dessa nova estrutura legal, seguiu-se a elaboração das
Diretrizes Nacionais para uma Política Nacional de Educação Escolar Indígena.
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
34
Em fevereiro de l991, por meio do Decreto Federal nº 26, houve a transferência de
responsabilidade educação escolar indígena da FUNAI para o MEC e para as secretarias estaduais de
educação. Coube ao MEC a competência de coordenar as ações referentes à educação escolar indígena no
país. Mesmo com a transferência a FUNAI continuou exercendo o seu papel de atender as demandas
indígenas, numa nova forma de atendimento com a parceria com outras instituições governamentais e
organizações indígenas.
Nesse processo a participação do movimento indígena e indigenista foi decisiva para a
regulamentação e o entendimento dos pressupostos legais, assim como para a sua difusão entre as
diferentes comunidades.
As Diretrizes para uma Política Nacional de Educação Escolar Indígena (MEC, 1993) apresentou
a postura institucional do Estado, por meio de documentos oficiais, definindo princípios gerais e
detalhando prioridades de uma educação escolar fundamentada no reconhecimento e na manutenção da
diversidade sociocultural. Essas diretrizes foram fundamentais para o norteamento da modalidade de
educação escolar indígena e para a categoria “escola indígena” pois, para o sistema oficial de ensino,
tratava-se de uma novidade que exigiu mudanças profundas na organização, nas concepções e no
gerenciamento das diferentes escolas existentes no país. Para complementar o quadro de referências
políticas, foi publicado o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas que balizou o
trabalho educativo cotidiano das escolas indígenas e apontou referenciais para os seus conteúdos
curriculares.
Outro instrumento legal dessa renovação educacional no âmbito da educação escolar indígena foi
a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). A Lei 9.394/96 resultou de discussões e interesses
contraditórios da sociedade brasileira, porém marcaram uma nova postura institucional, política e social
sobre a educação nacional. Não se pode desconsiderar, porém, que, por mais bem formulada e estruturada
que seja a nova LDB, preexistem condições intrínsecas e extrínsecas ao sistema educativo, como, por
exemplo, a desigualdade social, étnica e racial.
As condições intrínsecas decorrem da existência de grupos com
interesses diferenciados no interior o sistema educativo, com percepções e
alternativas diversas no tocante à compreensão das funções sociais dos
sistemas de ensino, dos seus objetivos e dos seus beneficiários. As condições
extrínsecas vinculam-se às funções dispares que os sistemas de ensino
passaram a assumir em decorrência de padrões distintos de demanda social.
(CARNEIRO, 2002: 15).
Isso nos mostra o quanto a educação brasileira é complexa em relação às diferentes realidades
regionais que compõem o país. O novo texto veio respaldar experiências e emanar princípios e diretrizes
de acordo com a realidade contemporânea do país.
Na educação escolar indígena, a LDB inova, trazendo avanços, que inexistiam ao propor novo
direcionamento institucional e político por meio da inclusão da educação escolar indígena no sistema
educacional do país. Oficializou a escolarização com um novo entendimento de cidadania e direito
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
35
fundamental dos povos indígenas, mas com a concepção pedagógica de diferenciação e interculturalidade.
Reconheceu a escola indígena como específica, diferenciada, bilíngüe e intercultural, voltada para o
contexto de cada povo. Assegurou o reconhecimento da diversidade cultural existente no país, bem como
as diferentes realidades educacionais. E, principalmente, reconheceu a escola indígena com uma nova
concepção educativa fundada em quatro princípios: a reafirmação étnica, a recuperação da memória
histórica e a valorização dos saberes e conhecimentos tradicionais, e o acesso aos conhecimentos técnicos
e científicos de sociedade nacional.
O Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas é resultado de um trabalho coletivo
que envolveu especialistas e professores indígenas, construiu consensos a respeito das práticas
curriculares em contextos de interculturalidade. Esse referencial trata das diferentes concepções de práxis
pedagógicas, que mostram as práticas construídas pelos professores indígenas para o exercício da
docência, conforme a cultura de cada povo indígena. Oferece subsídios para que seja desenvolvida a
reformulação da nova escola, pautada nos princípios anteriormente citados. A construção deste referencial
não esgotou a discussão nem a elaboração de novas práticas pedagógicas, mas visibilizou às escolas
indígenas a discussão quanto à questão curricular e às práticas pedagógicas que emanam de cada
realidade.
O currículo escolar indígena ganha, assim, caráter de permanente
movimento ondular entre o “núcleo comum ou a base universal do
conhecimento escolar” e os conjuntos de conhecimentos representados como
indígenas, ou étnicos, culturalmente fundados na tradição e na memória
coletiva daquele grupo humano particular. (MONTE, 2001: 66).
A educação escolar indígena deu um passo importante quando da aprovação da Resolução
03/99/CNE, que regulamenta as diretrizes e o funcionamento das escolas indígenas e definiu a
competência institucional do sistema de ensino. Vale destacar que, apesar das regulamentações anteriores,
até então havia grande impasse na definição das responsabilidades do sistema de ensino para com as
escolas indígenas.
A Resolução 03/99 e o Parecer 14/CNE estabeleceram, entre outras medidas, que a escola
indígena é reconhecida como estabelecimento com normas jurídicas próprias, regularizadas como
unidades próprias, autônomas e específicas no sistema estadual. Definiu escola indígena como aquele
estabelecimento localizado em terras habitadas por comunidades indígenas, o que assegura exclusividade
de atendimento a essas comunidades, onde o ensino seja ministrado nas línguas maternas das
comunidades atendidas e que tenha organização escolar própria. Outro destaque foi a participação efetiva
dos povos indígenas em toda a elaboração, planejamento e execução de políticas ou programas da
educação escolar indígena, assim como no gerenciamento e na organização escolar voltados para o
âmbito específico de cada povo.
No Plano Nacional de Educação -PNE (Lei 10.172 de 9 de janeiro de 2001), foi dedicado um
capítulo específico à educação escolar indígena que traçou metas e objetivos considerados prioritários
para o desenvolvimento escolar entre os povos indígenas.
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
36
O PNE assegurou metas prioritárias e definiu os prazos para a sua execução, como para a criação
da categoria escola indígena, a profissionalização e a formação de professores indígenas no ensino
superior. No entanto, o alcance dessas metas depende das articulações entre o Estado e o município
assegurando sempre a participação das comunidades indígenas.
Um ponto inédito neste plano foi a sua definição de políticas governamentais que contemplem a
formação de professores indígenas em nível de magistério e até o ensino superior. Para atender à
educação básica, propôs a regulamentação da carreira do magistério indígena e a criação de instâncias nas
secretarias estaduais para dar atendimento à educação escolar indígena.
Na meta 17 do PNE está prevista a criação de programas especiais para formação de professores
em nível superior. Isto se justifica, pois a educação básica (5ª a 8ª série e o ensino médio) requerem a
formação de licenciados para atender a essas séries de ensino. As experiências recentes de Mato Grosso e
de Roraima demonstram que é possível realizar a formação superior indígena imediatamente e em grande
escala.
Em Mato Grosso, o Plano Estadual de Educação foi elaborada numa versão preliminar no
governo de Dante de Oliveira (l995-2002), e a temática da educação escolar indígena pode ser
contemplada, mas necessita de uma revisão na parte do Diagnóstico, referente aos dados sobre a realidade
educacional indígena.
O Conselho Nacional de Educação deverá promover a regulamentação da formação de ensino
superior no plano legal, e elaborar diretrizes que possam nortear a implementação dessa formação nas
universidades. Além dessa prioridade, a formação de profissionais indígenas em diferentes áreas de
atuação junto às comunidades indígenas faz parte dos documentos apresentados pelo movimento indígena
ao MEC.
Na questão de formação de professores, os Referenciais para a Formação de Professores
Indígenas lançados pelo MEC em 2002, inovaram quanto às diretrizes de formação profissional, pois
estabeleceram competências e habilidades de que o educador indígena necessita para sua formação,
atendendo às novas concepções da diversidade.
Os Referenciais para a Formação de Professores Indígenas, apresentaram importantes subsídios
para que os sistemas de ensino desenvolvam programas de formação inicial e continuada de professores
indígenas. O referencial é uma diretriz para a formação de professores indígenas no Magistério,
agregando diferentes experiências de formação para subsidiar a implementação dos cursos de formação
de professores indígenas, assim como o gerenciamento dessa formação.
O movimento de professores indígenas tem reivindicado a formação inicial e continuada, porque
entende que as mudanças no paradigma da educação escolar indígena pressupõem que a formação de
professores requer o domínio de conteúdos e habilidades pedagógicas de acordo com as exigências legais
da sua titulação.
A Declaração de Princípios da COPIAR é bem explicita quanto a esse tema: “É garantida aos
professores indígenas uma formação específica, atividades de atualização e capacitação periódica para o
seu aprimoramento profissional” (COPIAR, Declaração de Princípios)10.
10
Comissão dos Professores Indígenas do Amazonas e Roraima, 1991.
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
37
Do ponto de vista legal, o desejável está assegurado. No entanto, a operacionalização dessas
conquistas tem sido dificultada pelas instâncias responsáveis.
Diante disso, o que os povos aguardam atualmente é a revisão do Estatuto do Índio, que deverá
fortalecer e homologar os preceitos do índio cidadão.
Isso nos remete a uma reflexão no sentido de que não basta apenas a legislação estar assegurada,
a participação e a mobilização são imprescindíveis para consolidar a cidadania.
Ao analisar a legislação referente a educação escolar indígena em Mato Grosso, verificamos que
o período em que ocorreram maiores avanços foi a partir do governo de Dante de Oliveira, entre os anos
de l995 e 2002. A Constituição Estadual na seção IV - Dos Índios -, assegurou o reconhecimento da
diversidade sociocultural e a criação de uma instância de governo (Coordenadoria de Assuntos Indígenas)
para gerir a implementação de políticas indigenista em prol dos povos indígenas de Mato Grosso.
No campo educacional, é a LOPEB – Lei n.º 49/50, que disciplina o funcionamento do sistema
de ensino, regulamenta a carreira dos profissionais da educação básica e estabelece a gestão democrática
no ensino público estadual. Nela textos, a educação escolar indígena está contemplada na seção X, onde é
reconhecida essa modalidade de educação em conformidade com os textos nacionais e acrescenta ainda
um Conselho de Educação Escolar Indígena/CEI, articulado com o Conselho Estadual de Educação/CEE.
Trata-se de um espaço democrático que define as políticas para a educação escolar indígena onde é
assegurada uma vaga para um representante indígena no CEE.
Outro passo foi a elaboração das “Diretrizes para uma Política de Educação Escolar Indígena
para Mato Grosso: uma Construção Coletiva”, amplamente debatido no CEI e nos cursos de formação de
professores indígenas, porém não homologado pelo governo estadual, em virtude de divergências em
termos de concepções pedagógicas.
O Plano Estadual de Educação, texto compilado do PNE, contempla as diferenças regionais, e
apresenta propostas de encaminhamento, no entanto, foi publicado com necessidade de correções e até
hoje encontra-se paralisado.
O processo de elaboração do PEE envolveu todos os profissionais da educação, UNDIME,
AME, Sindicato dos Profissionais da Educação, Secretaria Estadual de Educação, Conselho Estadual de
Educação e outros segmentos sociais. Nessa oportunidade, o segmento da educação escolar indígena teve
relevante participação e apresentou suas propostas.
A regulamentação da Resolução 03/99-CNE aconteceu em Mato Grosso após três anos de
debates, discussões e seminários. Foi aprovada depois de calorosa discussão no CEE, resultando na
Resolução 201/04, que regulamenta o funcionamento das escolas indígenas no âmbito estadual.
Portanto, em relação às legislações, a esfera estadual ainda deixa a desejar, pois alguns
instrumentos jurídicos a serem regulamentados estão aguardando a vontade política e o posicionamento
das instâncias responsáveis. Neste sentido, a realidade mato-grossense tem nos mostrado que a educação
escolar indígena ainda terá obstáculos e caminhos a serem percorridos para que a afirmação da
pluralidade sociocultural seja consolidada. Os discursos oficiais estão longe da realidade das escolas
indígenas, existindo, entre a lei e a prática, um distanciamento que dificulta que a legislação e o controle
social sejam, de fato, instrumentos efetivos de cidadania dos povos indígenas.
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
38
E como destaca Moacir Gadotti (1992: 49) a “participação e a democratização num sistema
público de ensino são as formas mais práticas de formação para a cidadania. A educação para a cidadania
dá-se na participação e no processo de tomada de decisão”.
2.2 A Política nacional para a educação escolar indígena
Conforme consta na legislação brasileira, a elaboração de políticas para a população indígena
requer a sua participação efetiva e um diálogo que leve em conta suas experiências e especificidades.
Nesse processo, a luta pela participação nas decisões tem sido a bandeira de vários movimentos
de professores indígenas no país. Um dos resultados positivos ocorreu quando o Estado brasileiro
incorporou a Declaração de Princípios firmada por professores indígenas no IV Encontro de Manaus, em
l99l, como referência para a política nacional de educação escolar indígena. Este fato histórico deu
origem a diversos documentos oficiais que destacam o protagonismo indígena na definição das políticas
públicas voltadas para esse segmento da população.
O movimento de professores indígenas, assim como outros que foram surgindo no início dos
anos 90, foram extremamente importante, pois produziu uma série de documentos também sobre
diretrizes para a educação indígena sob a perspectiva dos povos indígenas. O MEC, através de sua
assessoria e do Comitê de Educação Indígena, teve a sensibilidade de ouvir essas demandas e incorporálas ao elaborar seus próprios documentos.
Foi importante para o movimento de professores indígenas que o MEC reconhecesse as
experiências e as legitimasse no documento das diretrizes e nas políticas oficiais.
As principais alterações de ordem administrativa iniciaram com o Decreto Presidencial nº 26/91,
e com a criação da Assessoria de Educação Escolar Indígena, instância administrativa, responsável pelas
ações dentro do MEC. Outro marco importante foi à educação da portaria interinstitucional 559/91, que
prevê criação dos Núcleos de Educação Indígena nos Estados. Vários seminários e encontros foram
realizados, tendo a finalidade de discutir a situação das escolas indígenas no país e elaborar políticas de
atendimento à formação de professores indígenas e outras frentes de trabalho implementados pela
Assessoria do MEC e por seu Comitê assessor. Alguns anos depois, esta assessoria foi transformada em
Coordenação, subindo de Status no organograma do MEC, representando uma maior institucionalização
da temática da educação indígena dentro do Ministério.
Ao mesmo tempo, a Fundação Nacional do Índio continuou respondendo por algumas escolas
indígenas, situação que perdurou até o ano de l999. Mesmo assim, os professores indígenas e suas
comunidades enfrentaram o longo martírio de não serem satisfatoriamente atendidos por nenhuma das
instâncias responsáveis.
Nesse sentido, as palavras de um professor indígena nos mostram a sua aflição em virtude da
situação vivida:
Todos esses trabalhos que estamos buscando para nossa
comunidade devem ser apoiados pelos municípios, pelas secretarias
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
39
estaduais. Temos que cobrar do Ministério da Educação para que eles
respeitem e assegurem essas mudanças. Porque é inaceitável nós
trabalharmos com nossas crianças de um jeito e virem já prontas as atividades
das Secretarias. Isso é horrível. (RCNEI - professor Pataxó Hã Hã Hãe, BA).
Estas foram às queixas e preocupações dos professores indígenas e suas comunidades na maioria
do território brasileiro. Sem apoio institucional, as escolas indígenas caminharam isoladas, e, mesmo
sabendo do reconhecimento institucional como garantia de legitimidade na elaboração dos currículos e do
projeto político pedagógico, os professores iniciaram sua mobilização em várias regiões do país.
Defendiam a proposta que as secretarias tivessem mais participação nas escolas indígenas,
fazendo contatos com as instituições ligadas à educação escolar. Que as secretarias tivessem mais ligação
com as organizações indígenas, buscassem mais informações sobre educação diferenciada e respeitassem
os referenciais curriculares indígenas. (Professores Ticuna, AM).
A reivindicação dos professores indígenas, cobrando das secretarias participação nos processos
relacionados à educação escolar nas diferentes realidades tem causado um constante debate entre índios e
gestores públicos.
Nesse sentido, os povos indígenas têm lutado para estabelecer uma nova relação com o Estado
brasileiro nas diferentes instâncias de governo, principalmente com o MEC, na insistência de se criar
fóruns de participação dos índios.
No período de l995 a 2002 várias atividades foram implementadas a partir das demandas dos
professores e de suas escolas, como a elaboração de materiais didáticos realização de cursos de
magistério, publicação de cartilhas e livros em diferentes línguas indígenas, uma série de programas de
TV (Programa Salto para o Futuro) que mostravam a realidade cultural dos povos indígenas e sua
importância para a sociedade não índia, e serviram como instrumento de combate ao preconceito e
discriminação.
Outras ações implementadas foram os seminários regionais envolvendo as secretarias estaduais e
seus técnicos nos cursos de formação continuada e os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs
(Parâmetros em Ação Indígena). Esses seminários serviram para ampliar o relacionamento entre os
técnicos das secretarias e os povos indígenas. Em muitos estados foi possível superar conflitos, atualizar o
número de escolas e conferir o crescimento populacional indígena.
Nos dados abaixo podemos verificar como se deu o crescimento das escolas indígenas entre l999
e 2004 em cada esfera administrativa, conforme indicam os dados do Censo Escolar de 2004.
ESCOLAS INDÍGENAS SEGUNDO A ESFERA ADMINISTRATIVA 1999
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
40
Esfera administrativa
Número de escolas
Porcentagem
Federal
11
0,8 %
Estadual
594
42,7 %
Municipal
763
54,8%
24
1,7%
1.392
100%
Particulares
Total
Fonte: Censo de l999/MEC – INEP.
ESCOLAS INDÍGENAS SEGUNDO A ESFERA ADMINISTRATIVA 2004
Esfera administrativa
Número de escolas
Porcentagem
Municipal
1.104
49,5 %
Estadual
1.098
49,2 %
30
1,3%
2.232
100%
Particulares
Total
Fonte: Censo de 2004/MEC-CGEI
Estes dados nos apontam que as escolas indígenas vêm crescendo gradativamente nas terras
indígenas, respondendo a demanda também do crescimento populacional, mas, no entanto, as esferas
administrativas tanto municipais e estaduais estão tendo o controle da gestão escolar quase na mesma
proporção. O aumento do número de escolas entre um censo e outro também se explica pelo fato de que
várias escolas localizadas em terras indígenas eram consideradas como salas de extensa de escolas rurais
e passaram, nos últimos anos, a serem reconhecidos como escolas indígenas. Houve, assim, uma
formalização dessas escolas, que passaram a integrar os sistemas municipais e estaduais de ensino, como
unidades escolares independentes. É esse processo de regularização das que explica esse crescimento do
número total de estabelecimentos entre um censo e outro.
Um outro dado interessante é que as escolas consideradas na esfera administrativa como
escolas federais as quais se encontravam sob o controle da Funai, aparecem no censo de l999, e no censo
de 2004 estas escolas foram integradas na esfera estadual, permanecendo apenas as das missões e de
empresas como a Eletronorte, que apareceram no Censo de 1999 como “particulares”, e continuam no
censo de 2004.
Com relação aos estudantes indígenas no Brasil temos o seguinte quadro:
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
41
Modalidades / níveis de ensino
Número de estudantes
Creches
Educação Infantil
532
13.745
a
a
101.394
a
a
5 . a 8 . série
20.191
Ensino Médio
2.025
1 . a 4 . Série
Educação de Jovens e Adultos
Total
12.398
150.285
Fonte: Censo do MEC/INEP, 2004.
Os dados de 2004 revelam que mais da metade dos alunos indígenas estão ainda nas primeiras
séries do ensino fundamental. Isso mostra que existem escolas indígenas que estão pouco estruturadas e
organizadas. E que, apesar dos avanços, há resistências no sistema público em considerar a diversidade
dos povos indígenas, uma vez que o atendimento ainda é feito nos moldes das escolas urbanas. Outro
dado impressionante é o aumento de creches e da educação infantil, que nos mostra que cada vez mais
crianças pequenas estão entrando na escola e se distanciando do seu cotidiano social tradicional.
Portanto, podemos dizer que o MEC avançou na elaboração de uma política e obtivemos
resultados significativos nesse período. No entanto, há de se reconhecer que, no campo institucional, a
educação escolar indígena ficou apenas no âmbito da SEF (Secretaria de Ensino Fundamental), restrita
praticamente às séries iniciais.
Para as secretarias estaduais, este quadro, muitas vezes, justificou a sua inoperância, pois
esperavam do MEC os encaminhamentos devidos. Além disso, sabemos que nem todos os estados têm
uma relação amistosa e de respeito para com os povos indígenas.
É por essa razão que persistem tantas reivindicações dos povos indígenas com respeito ao
atendimento no ensino médio e superior, bem como aos recursos específicos para a educação escolar
indígena.
A política nacional de educação necessita avançar mais no âmbito da educação básica e
contemplar também o ensino superior, que é uma demanda latente e urgente. Para tanto é fundamental a
participação dos índios na construção desse processo.
2.3 Do Comitê de Educação à Comissão Nacional de Professores Indígenas
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
42
Como dissemos anteriormente, a Constituição Federal estabeleceu novos paradigmas para
orientar as relações entre o Estado e as populações indígenas.
Nessa mesma direção, as demais legislações relativas à educação brasileira também sofreram
mudanças na ordem institucional do Estado visando a atender à nova realidade educacional do país.
Os povos indígenas e suas representações organizacionais vêm avançando em termos de
mobilização, pressionando para fazer cumprir o que está posto na Constituição, reivindicando o seu
espaço como protagonistas do seu destino e exigindo uma nova postura institucional do Estado brasileiro,
diferente do anterior que estava baseada na tutela.
Nesse novo direcionamento legal, a educação escolar indígena foi redimensionada, assegurando
aos índios a participação efetiva no processo educativo e nas instâncias de poder público, desde as escolas
nas aldeias até a elaboração de políticas que atendam à realidade indígena.
A criação da Assessoria de Educação Escolar Indígena, no âmbito do Ministério da Educação,
foi fundamental para a realização das ações pertinentes à educação escolar em todo o país. Em l992, foi
criado o Comitê de Educação Escolar Indígena composto por profissionais de entidades ligadas à questão
indígena, como antropólogos e lingüistas, que contribuíram na assessoria e na definição das política
implementados pelo MEC. A sua experiência foi fundamental também para maximizar a visibilidade da
educação indígena em nível nacional. Dele faziam parte representantes governamentais (FUNAI,
UNDIME, CONSED), e representantes de professores indígenas. Este comitê foi instituído e
regulamentado pelas portarias 60/92 e 490/93. Sua principal função era de assessoria, mas dado o
desconhecimento desta temática dentro do MEC, ele teve um papel executor muito importante,
principalmente no que se refere a envolver as secretarias estaduais no atendimento e reconhecimento das
escolas indígenas.
Esse Comitê exerceu um papel fundamental na articulação entre os estados, especialmente na
criação de NEIs (Núcleos de Educação Indígena), na elaboração de políticas e na estruturação dos
programas de formação de professores.
Posse da Comissão Nacional de Professores Indígenas/2002
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
43
Em l994, foi publicado o texto das Diretrizes para a Política Nacional de Educação Escolar
Indígena, elaborado pelo Comitê de Educação Escolar Indígena e por seus especialistas. O documento
representou um marco histórico no esclarecimento acerca da educação específica, diferenciada e
intercultural. Depois dessa publicação, outras vieram para subsidiar o desenvolvimento das ações do
MEC e dos sistemas de ensino.
Outra ação importante do Comitê foi o acompanhamento na elaboração da Resolução 03/99 do
Conselho Nacional de Educação que regulamenta as escolas indígenas. Foi realizada uma audiência
pública na Câmara dos Deputados, além de outros encontros com professores e lideranças indígenas.
Após uma avaliação das dificuldades encontradas pelos participantes em detectar as demandas, o
Comitê Nacional de Educação Escolar Indígena concluiu que havia cumprido o seu papel, e propôs a
criação de uma instância representativa dos próprios povos indígenas. Surgia assim, em 2001 a Comissão
Nacional de Professores Indígenas, composta unicamente por representantes dos professores indígenas
com a missão de articular, assessorar e acompanhar as ações elaboradas pelo MEC, além de discutir no
âmbito do Ministério as questões que envolvem a educação escolar em cada região.
A Comissão exerce atualmente um papel fundamental na articulação entre o MEC e o segmento
da educação escolar indígena ao apresentar ao governo proposta de implementação nos sistemas de
ensino de iniciativas oriundas de várias regiões do país. A sua tarefa tem sido desempenhada em conjunto
com as organizações de professores indígenas que estão se mobilizando para que se crie, nos estados,
colegiados que assegurem a participação e a democratização das decisões pertinentes à educação escolar
indígena.
Essas instâncias colegiadas no MEC vêm propiciar aos representantes indígenas conhecimentos
relevantes sobre o funcionamento do Ministério da Educação, sobre os caminhos da burocracia e do
gerenciamento dos recursos educacionais para o país.
Para os representantes indígenas é difícil imaginar como as decisões de uma instância do poder
público, como é o MEC, repercute inclusive nas escolas indígenas, bem longe da sede central do governo
federal. Estar próximo significa assumir a responsabilidade de representar os diferentes povos e ser
cobrado por eles pelo desempenho desse papel. Para o MEC, tem sido um desafio lidar com realidade de
mais 200 povos com diferentes demandas educacionais e tratá-los conforme os preceitos da legislação.
No entanto, a participação dos representantes indígenas legitima as suas decisões e consolida o
protagonismo indígena, tão reivindicado pelo movimento indígena do país.
No contexto atual brasileiro, a decisão do movimento de professores indígenas em reivindicar a
participação nas decisões reforça a consciência da necessidade de exercer o controle social sobre as
políticas, sobre os recursos e sobre a atuação dos gestores públicos. Educação escolar não é apenas o
domínio do ler e do escrever, mas de ter uma nova leitura do mundo, de buscar projetos adequados e que
contemplem as diferentes realidades das comunidades. É também acompanhar sistematicamente o que o
Estado brasileiro realiza para o atendimento das diversidades. Portanto, o professor indígena não é um
educador presente somente na sala de aula, mas um articulador entre dois mundos, principalmente no
momento em que o Estado democrático atribuiu a vários ministérios a responsabilidade de implementar a
política indigenista.
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
44
A participação nos diferentes campos institucionais é relevante para a população indígena e para
os movimentos sociais em geral, num Estado que vive tantas contradições, inclusive quanto ao não
cumprimento da legislação.
Nesse sentido, as várias etapas pelas quais os representantes indígenas vêm passando
representam etapas de rompimento das resistências encontradas no âmbito do governo federal para se
adequar a novos paradigmas de convivência com os beneficiários, que querem tornar realidade os avanços
obtidos no plano jurídico nesses 505 anos de contato com a sociedade nacional.
2.4 O Conselho de Educação Escolar Indígena como fórum definidor de políticas
A reivindicação dos povos indígenas para atuarem em conjunto com as diferentes instâncias de
poder público no acompanhamento da gestão das escolas indígenas tem sido uma das bandeiras
insistentemente levantadas pelos educadores indígenas.
Segundo Gadotti (l994: 49):
O principio da gestão democrática e da autonomia da escola implica uma
completa mudança do sistema público de ensino. Nosso atual sistema de
ensino assenta-se ainda no principio da centralização, em contraste com o
principio constitucional da “democratização da gestão.
O Conselho de Educação Escolar Indígena de Mato Grosso – CEI/MT oportunizou ao segmento
da educação escolar indígena uma ampla experiência na intermediação entre os interesses das escolas e os
do poder público. Foi criado em l995, em decorrência da mudança no cenário dessas relações e, desde
então, tem sido a instância responsável pela definição das ações de educação escolar no estado.
Reunião do CEI com o Secretario de Estado de Educação/ 2003
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
45
O movimento de professores indígenas teve maior visibilidade a partir de 1995 com a realização
do I Congresso de Professores Indígenas no município de Tangará da Serra. Naquela oportunidade
reivindicou-se um conjunto de ações de governo para a educação escolar e propôs a criação do Conselho
de Educação Escolar Indígena.11
A forma de organização do CE/MT foi inovadora, pois supunha o exercício por parte dos seus
membros do controle social no âmbito da educação escolar indígena. Foi o primeiro colegiado no Brasil
com representação dentro da Secretaria de Estado da Educação e é um marco referencial que originou a
criação de instâncias similares em outros estados como no Amazonas, Rondônia e Mato Grosso do Sul.
O Conselho de Educação Escolar Indígena marcou uma nova era de mobilização
institucionalizada, pois o colegiado com a participação de diferentes representações étnicas, de
instituições públicas e entidades não governamentais, possibilitou a elaboração de ações pontuais nas
políticas públicas do governo estadual.
Ao longo da sua existência foram-lhe atribuídas predominantemente, funções estratégias,
relativas ao planejamento e a execução das políticas educacionais.
No entendimento de Bordignon (2002), “os conselhos são parte do sistema de ensino, cuja
finalidade é atuar na gestão do sistema, deliberando sobre as políticas educacionais, de acordo com a
representatividade nela conferida, conduzindo o processo de democratização e descentralização do
poder.”.
Segundo Gohn, “um ponto comum nas reformas estaduais é a ênfase na busca de novas formas
de gestão das unidades escolares. Elas envolvem a comunidade escolar e a criação de sistemas colegiados
de representação dos diversos atores desta comunidade, no interior da escola. Esta diretriz pode ser vista
como louvável, pois vai na direção da gestão democrática da educação, reivindicada por vários
movimentos sociais e prevista na Carta Magna de 88”. (2002:103).
A partir da sua criação, o CEI passou a ser o fórum de articulação, de referência e de discussão
das questões pertinentes à educação escolar indígena, assim como de planejamento das ações. No papel
de assessoria para a equipe de educação escolar indígena da SEDUC, traçou diretriz decidiu sobre as
ações prioritárias para as escolas nas aldeias. A presença indígena assegurou certa legitimidade às ações
da SEDUC, como também o conhecimento acerca da diversidade educacional existente no estado.
O Conselho de Educação Escolar de MT tem papel fundamental nos processos de
encaminhamentos das ações da educação escolar, pois representa o espaço para a elaboração das ações,
assim como norteia as políticas, articula e assessora o Conselho Estadual de Educação.
Esse vínculo estabelecido com um colegiado maior da educação estadual por meio de um
representante do segmento, representou um marco histórico da educação escolar indígena e da sociedade
mato-grossense, devido ao reconhecimento da diversidade étnica e cultural do estado e das suas
especificidades.
11
Vale ressaltar que o CEI é um precursor do NEI – Núcleo de Educação Escolar Indígena,
criado em l987, a partir de vários seminários e encontros que serviram para legitimar sua
existência.
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
46
Aos Conselhos de Educação e aos Conselhos de Controle Social cabe, dentro
de suas atribuições, a busca incessante do diálogo entre Estado e todos os
setores implicados, interessados e compromissados com a qualidade da
educação escolar em nosso país. (CURY, 1999: 60).
De fato, uma das finalidades deste Conselho indígena é propiciar o diálogo entre os povos
indígenas, por meio de seus representantes e os sistemas de ensino, a fim de buscar uma melhor
compreensão e entendimento da diversidade cultural existente no Estado, aperfeiçoando as ações voltadas
a melhoria da educação nas terras indígenas.
Todavia, apesar dos vários avanços nas ações que deram visibilidade para a educação escolar
indígena no estado, ainda existem dificuldades a serem enfrentadas pelo CEI.
A forma conselho apresenta muitas novidades na atualidade e ela é muito
importante porque é fruto de demandas populares e pressões pela
redemocratização do país. Ela está inscrita na Constituição de l988 na
qualidade de “conselhos gestores”. As novas estruturas inserem-se em esferas
públicas e, por forças de lei, integram-se com os órgãos públicos vinculados
ao Poder Executivo, voltados para políticas específicas, responsáveis pela
assessoria e suporte ao seu funcionamento das áreas onde atuam. (GOHN,
2002: 103).
De fato, a finalidade do Conselho Indígena foi de fiscalizar e acompanhar as políticas pertinentes
a educação escolar, enfim, de exercer o controle social sobre as ações implementadas pelas secretarias.
Por isso a sua composição paritária, formada por entidades governamentais da educação, nãogovernamentais, universidades e representantes indígenas de várias partes da região mato-grossense. A
gestão é composta por uma diretoria com um presidente, um vice e uma secretaria, que encaminham as
deliberações. Tem sido uma instância de referência para os professores e suas comunidades no tocante ao
encaminhamento de seus anseios. É o mediador do movimento indígena de professores, o espaço de
denúncias das arbitrariedades dos gestores públicos e um defensor dos direitos indígenas nos municípios.
Além disso, a relação do CEI com o Conselho Estadual de Educação/CEE é definida como instância de
assessoramento e deliberativa das políticas específicas, por exemplo, emitindo pareceres preliminares
sobre a educação escolar indígena. Há uma vaga tanto no CEE para o representante do segmento, quanto
no CEI para o representante do CEE.
No período de l995 a 2002, a educação escolar indígena implementou várias ações reivindicadas
pelo movimento, como a elaboração de proposta de programas para a formação de professores – Projeto
Tucum, Projeto Xamã – formação dos AIS (Agentes Indígenas da Saúde); Projeto Pedra Brilhante e
Urucum – formação de professores do Xingu; Projeto Mebengôkre – formação de professores Kayapó , e
nos últimos anos, o projeto de formação no ensino superior.
Em l997 foi realizado um evento marcante para a formação de professores indígenas. O
Conselho de Educação Escolar Indígena, em conjunto com o movimento indígena e o poder público
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
47
organizaram a Conferência Ameríndia de Educação juntamente com o Congresso de Professores
Indígenas do Brasil que colocou o estado de Mato Grosso em evidência perante o Brasil.
A relevância deste evento reside no fato de que abriu-se uma discussão que até o momento não
se tinha notícia, acerca da formação de professores indígenas no ensino superior.
O Conselho de Educação Escolar Indígena, promotor do referido evento, possibilitou que a
temática do ensino superior fosse discutida sob a ótica das populações ameríndias. O entendimento do
CEI era trazer para o cenário nacional e da América Latina questões pertinentes ao novo paradigma da
escola indígena.
Foram cinco dias de debates e proposições que resultaram numa proposta da formação do ensino
superior para os professores indígenas. Outro resultado importante foi a publicação dos anais, contendo
artigos de professores indígenas e de especialistas que apresentaram o seu pensamento sobre o assunto.
Foram produzidos também dois livros: Urucum Jenipapo e Giz e Ameríndia: tecendo os caminhos da
educação escolar (l998), destacando artigos de indígenas e não-indígenas atuantes na educação escolar.
A vivência do movimento indígena em Mato Grosso tem fornecido instrumentos de estudos para
alguns pesquisadores, bem como para os próprios índios em busca de mais estratégias para a melhoria da
luta. Atualmente os professores dos cursos do 3º Grau Indígena da UNEMAT, têm sido os protagonistas
da criação da Organização de Professores Indígenas de Mato Grosso.
O desafio do movimento indígena e dos professores, enfim, do segmento da educação escolar, é
assegurar a participação indígena não apenas em termos de quantidade, mas também da qualidade das
discussões nas aldeias.
Apesar do movimento indígena de Mato Grosso se diferenciar dos demais movimentos do país,
ele tem estratégias de mobilização, quando necessário, que permitem aproveitar determinadas
oportunidades, assim como a comunhão de interesses nas ações coletivas.
A relação entre o Conselho de Educação Escolar Indígena e seus representantes tem permitido
que os encaminhamentos, discussões e informações cheguem às comunidades indígenas. Entre l995 e
2004 foram realizadas 30 reuniões ordinárias e extraordinárias semestrais. A sua relação com o Conselho
Estadual de Educação de Mato Grosso é permanente, uma vez que este reconheceu o papel do CEI como
órgão deliberativo de diretrizes das políticas para uma educação escolar específica e diferenciada no
âmbito da Secretaria Estadual de Educação. Não há nenhuma confusão na sua natureza funcional.
Assegurar a participação dos representantes indígenas nem sempre foi uma tarefa fácil para a
diretoria. Segundo Gohn “O fato das decisões dos conselhos terem caráter deliberativo não garante sua
implementação pois não há estruturas jurídicas que dêem amparo legal e obriguem o Executivo a acatar
as decisões dos conselhos (mormente nos casos em que essas decisões venham a contrariar interesses
dominantes). O representante que atua num conselho deve ter vínculos permanentes com a comunidade
que o elegeu”. (GOHN, in Gentilli & Frigotto, 2002: 106).
O desafio está no aproveitamento desses espaços de representação indígenas, para que se
articulem e se fortaleçam com os demais movimentos de Mato Grosso. É preciso superar inúmeras
dificuldades na implementação das políticas e assegurar participação indígena efetiva no processo. Essa é
uma das instâncias promotoras do protagonismo indígena quando assegura que os beneficiários definam
políticas e ações que contemplem a sua realidade.
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
48
O Conselho de Educação Escolar Indígena de Mato Grosso vem definindo políticas educacionais
há uma década e, no entanto, ainda não tem merecido a devida valorização pelo sistema de ensino e pelas
instâncias superiores da Secretaria Estadual de Educação. No organograma da Secretaria Estadual de
Mato Grosso, o CEI ainda não tem o reconhecimento de uma instância de representação interinstitucional,
que articula as ações da mantenedora com as comunidades indígenas.
Finalizo com uma síntese de Gadotti:
Os sistemas educacionais no Brasil, além de possuírem estruturas muito
frágeis, são alvo de freqüentes reformas, mas reformas superficiais que nada
chegam a mudar positivamente, além da descontinuidade administrativa, que
é outra característica do funcionamento desses sistemas. Eles são presididos
pelos princípios de patrimonialismo, que isola subsistemas, e pelo
paternalismo, que instiga a dependência e a alienação. (1994: 61).
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
CAPÍTULO III
O PROCESSO DE INCLUSÃO DAS ESCOLAS INDÍGENAS NO SISTEMA
OFICIAL DE ENSINO DE MATO GROSSO
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
50
3.1 Um balanço das políticas educacionais indígenas em Mato Grosso: impasses e contradições
Trataremos a seguir de um balanço da realidade educacional indígena em Mato Grosso a partir
de l995, ano em que teve início o processo de inclusão das escolas diferenciadas no sistema oficial de
ensino. Esses desdobramentos ocorreram em função da regulamentação da Constituição Federal e a da
nova LDB no estado de Mato Grosso e repercutiram no âmbito da Secretaria de Estado de Educação e nas
demais secretarias municipais.
Na gestão do governo de Dante de Oliveira (1995-2002), ocorreram diversos eventos relevantes
para a democratização das escolas. Foi regulamentada a nova LDB num processo aberto a toda a
sociedade mato-grossense. Em 1995 foi realizado o Fórum Estadual de Gestão Escolar, Democracia e de
Qualidade para elaborar e referendar a reforma de ensino no estado. O então governo, considerado como
governo de vanguarda, teve como eixo político a Gestão Democrática nas escolas públicas estaduais.12
No tocante à questão indígena foi elaborado um Plano de Metas que estabeleceu as seguintes
diretrizes:
1.
Apoiar o governo federal na demarcação e proteção das terras indígenas; 13
2.
Implementar um projeto escolar para o indigenismo;
3.
Executar os projetos de saneamento básico e de saúde;
4.
Viabilizar apoio técnico aos projetos de economia indígena;
5.
Implementar e fortalecer o órgão de assuntos indígenas do estado com um núcleo mínimo
central e extensões de apoio nas organizações de saúde, educação, agricultura e meio
ambiente.
Os destaques para a educação escolar indígena foram a ênfase na democratização do acesso à
escola e implantação de estratégias de gestão diferenciada para as escolas das aldeias.
O estado promoveu o reconhecimento da diversidade étnica, tendo como aporte os seguintes
documentos legais:
•
Decreto nº 265/95 – Criação do Conselho de Educação Escolar Indígena;
•
Lei complementar 49/98 – Artigos l06 e l07 – proporciona aos índios a reafirmação de suas
identidades e oferta de Educação Básica – artigo 35 – assegura um representante da
educação escolar indígena no CEE/ Câmara de Educação Básica;
•
Constituição Estadual – Artigo 243 – o poder público reconhece as unidades escolares das
comunidades indígenas;
12
A Lei Complementar nº 7.040/LOPEB, entre outras medidas, estabeleceu a eleição direta
dos diretores escolares e a gestão direta dos recursos destinados para as suas escolas.
13
A luta pela demarcação das terras indígenas nas décadas de 70 e 80 foi intensa em Mato
Grosso como em todo o restante do território brasileiro. Ocorreram diversas denúncias das
comunidades e das agências indigenistas e educacionais, dada a situação precária em que viviam
as populações indígenas.
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
51
•
Política da Educação Escolar Indígena para o Estado: Uma Construção Coletiva, composta
por 3 programas de l0 projetos.
Em todo esse período houve a participação das comunidades e de seus representantes nas
diferentes reuniões e eventos promovidos pelo governo, que resultaram em vários documentos indígenas
destinados a subsidiar a política educacional de Mato Grosso para os povos indígenas.
Ampliaram-se as experiências e discussões a respeito da escola indígena diferenciada, tendo o
processo se iniciado com os cursos de capacitação para os índios, realizados por instituições como OPAN
e CIMI. A proposta de uma escola indígena com pedagogia específica, que contemplasse a língua
indígena como parte do currículo foi discutida em eventos e nas escolas das aldeias. Os encontros,
simpósios, reuniões e assembléias realizadas por essas agências indigenistas foram da maior importância
para trazer à tona uma nova abordagem de educação escolar dirigida pelas comunidades.
Segundo Secchi (2002:117),“todos esses eventos contaram com um seleto quadro de assessores
externos, dentre os mais ‘requisitados’, os professores João Pacheco de Oliveira, Lúcia Helena Rangel,
Ruth Monserrat e Antonio Brand”.
Essas experiências e a mobilização de outros povos indígenas no país incentivaram as
comunidades indígenas de Mato Grosso a exigir mudanças também nas suas escolas.
Vários governos se passaram sem que a questão indígena tivesse espaço para assegurar o
exercício dos direitos dos povos indígenas, principalmente em termos de política educacional. Nos
discursos oficiais, a temática era desconhecida; algumas iniciativas no governo de Carlos Bezerra (l985)
evidenciaram a questão quando da criação da Coordenadoria de Assuntos Indígena/CAIEMT, instância
indigenista governamental cuja finalidade era articular políticas, índios e governo.
Ao discorrer sobre as características dos trabalhos educacionais desenvolvidos por diferentes
instituições em Mato Grosso até a década de l980 Secchi destaca:
Numa primeira fase houve a predominância dos professores externos (nãoíndios) na condução das atividades escolares. Num segundo período que se
estendeu até a década de l980 houve uma certa desarticulação institucional que
ocasionou sucessivas interrupções das atividades escolares, quer pela ausência
de professores nas aldeias, quer pela concorrência de outras atividades com
maior significadas cultural para as comunidades. Por último, um período
comum à maioria das escolas a partir da década de l980 com a regularização
das atividades escolares e a redefinição dos currículos e das metodologias de
ensino. (2002: 119-120).
Paralelamente, o órgão tutor estava sendo fragmentado gradativamente, definindo apenas ações
pontuais junto às comunidades indígenas. A reforma do aparelho estatal atingiu a Funai, descentralizando
suas ações para outras instâncias públicas nos vários ministérios como no Meio Ambiente, Educação,
Integração Nacional, Saúde e Agricultura e Abastecimento.
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
52
A partir de l995, a educação escolar indígena passou a fazer parte das ações políticas do governo
estadual de Mato Grosso, que reorganizou a equipe de educação escolar indígena da Secretaria de Estado
de Educação e instituiu programas de formação de professores indígenas, de fortalecimento e de
regularização das escolas, contemplando assim parte da reivindicação e demanda dos povos indígenas do
estado.
Foi nesse contexto institucional que a educação escolar específica e diferenciada em Mato
Grosso passou oficialmente a ser discutida pelas instâncias do poder público educacional, e se
intensificou na década de l990, quando surgiu a proposta do primeiro curso de formação de professores
indígenas, promovida pela Secretaria de Estado de Educação. Tratou-se de um fato histórico na política
educacional do estado a oferta de uma formação e habilitação específica para o magistério indígena.
No período l995 a 2002, vivenciou-se em termos de educação escolar indígena os seguintes
acontecimentos:
•
Criação de um Conselho de Educação Escolar Indígena, com participação paritária, índios,
instituições indigenistas e de apoio e governamental;
•
Representação do segmento da Educação Escolar Indígena no Conselho Estadual de
Educação;
•
Representação indígena de Mato Grosso no Conselho Nacional de Educação.
•
Realização e conclusão do Projeto Tucum, com a habilitação de l76 professores indígenas;
•
Aprovação pelo FNDE de um mecanismo diferenciado para a merenda nas escolas do
Xingu;
•
Produção de material didático específico para diversos povos;
•
Elaboração da Política de Educação Escolar Indígena;
•
Criação da Comissão Interinstitucional e Paritária para elaboração de Cursos de Licenciatura
específicos.
O projeto Tucum foi uma das reivindicações do movimento indígena e de seus professores, em
conjunto com os aliados indigenistas, atendida pelo governo. Teve como princípio norteador os temas da
terra, cultura e língua, o que possibilitou a especificidade da formação dentro de uma metodologia
didática, que contemplava os diferentes contextos escolares. Esse caráter inovador de formação estava em
conformidade com as políticas educacionais e a legislação nacional. (MENDONÇA & VANUCCI, l997:
88-89).
Portanto, a primeira formação de professores indígenas em Mato Grosso surgiu num contexto de
reorganização institucional do Estado. Naquele momento, o órgão executivo da educação se dispunha a
implementar políticas educacionais em cumprimento ao seu plano de metas.
O relato dos professores retrata a importância deste projeto na sua formação:
(...) direcionamos várias reivindicações para as agências educacionais. Até
que um dia tivemos uma conquista com o Projeto Tucum, do qual fiz parte na
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
53
comissão de elaboração do Projeto (...). (Professor Paresi - aldeia Nova
Esperança/MT).
(...) Com o incentivo do Projeto Tucum, hoje me sinto uma pessoa capaz de
buscar um meio de conhecimento para atuar não só na sala de aula, mas na
comunidade. A metodologia do Projeto Tucum me ajudou muito, parece que
cada vez que estou participando, estou aprendendo mais coisas novas para
levar conhecimento adquirido para aplicar na sala de aula. (Professora Paresi
- aldeia Salto da Mulher - MT).
Outros projetos educacionais de formação citados no Capítulo II, além do Projeto de Formação
em Nível Superior, foram avanços que necessitam de continuidade para atender à demanda de professores
leigos que estão atuando nas escolas indígenas.
A conquista de uma vaga do Conselho de Educação Escolar Indígena no Conselho Estadual de
Educação possibilitou aos especialistas da educação uma compreensão da diversidade educacional
indígena mato-grossense.
Apesar desse aparato político institucional e legal, percebeu-se ao longo desse processo que os
dispositivos e mecanismos de que o sistema oficial dispõe para atender às escolas indígenas ainda geram
dificuldades em termos da aplicabilidade de projetos pedagógicos diferenciados, em virtude de os
gestores públicos desconhecerem as diferentes realidades indígenas e tratarem a questão educacional
indígena com homogeneidade.
Ainda não há o entendimento pleno de que a educação escolar indígena é um direito do cidadão
indígena.
As perspectivas quanto à implementação de política construída pelos índios e seu assessores,
definidas no documento “A Construção Coletiva da Política de Educação Escolar Indígena de Mato
Grosso”, estão longe de ser concretizadas.
Nos dois últimos anos da gestão de Dante de Oliveira (2001-2002) houve um processo
desanimador nas atividades da SEDUC em relação à educação escolar indígena. A mudança de gestores e
o desconhecimento acerca da questão indígena levaram a equipe a enfrentar dificuldades na execução de
suas ações. Vejamos uma síntese destas dificuldades:
•
Inexistência de um diagnóstico específico para a situação educacional dos povos indígena
(demanda essa reivindicada pelo CEI).
•
Necessidade de infra-estrutura compatível com a atuação da equipe no atendimento das
escolas indígenas.
•
Desconhecimento e desinformação por parte dos gestores hierárquicos sobre a realidade e
especificidade da educação escolar indígena como política pública.
•
Sistema educacional extremamente burocrático, que dificultou ações
administrativas e pedagógicas das escolas indígenas.
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
54
•
Excesso de professores indígenas interinos e renovação anual de contratos. Destaca-se
também o processo formal de contratação de outros servidores indígenas, provocado pela
inexistência de concurso público que regulamente a situação destes profissionais. Com o
sistema de ensino passando a ser exigente na gestão das escolas, adotou-se a postura de
meras empresas de mercado.
Quadro semelhante ocorreu com as escolas municipais, que são a maioria das escolas indígenas
do estado. A gestão compartilhada – uma forma de cooperação entre os governos estadual e municipal,
deu um passo importante para atender a educação escolar, tendo sido firmados convênios de parceria
principalmente visando à formação de professores. Mesmo assim, a SEDUC não conseguiu manter seus
compromissos de parceria, havendo reclamações de todas as partes: dos beneficiários indígenas e das
Secretarias Municipais.
A situação se agravou porque os municípios não adotaram o modelo de gestão democrática, e as
escolas indígenas ficaram submetidas à gestão do secretário municipal a quem competiu elaborar e
planejar o destino pedagógico das escolas.
Vale dizer que os estados e os municípios brasileiros são profundamente
desiguais entre si, seja no que diz respeito à sua capacidade econômica e
fiscal, seja no que diz respeito à capacidade administrativa para a gestão de
políticas públicas, seja ainda no diz respeito à sua tradição cívica.
(ARRETCHE, 2000: 17).
No final de 2003, a equipe de educação escolar apresentou propostas, juntamente com o CEI,
para que o próximo governo viesse a dar continuidade ao que estava sendo executado, e agilizasse as
seguintes medidas:
•
Criar a categoria Escola Indígena.
•
Agilizar os processos de criação de escolas e celebração de convênios com os municípios.
•
Definir responsabilidades do estado no atendimento das escolas indígenas.
•
Prover infra-estrutura no acompanhamento pedagógico.
•
Criar uma política de construção e ampliação da rede física, de acordo com a realidade
indígena.
•
Dar continuidade à política de formação e capacitação de professores indígenas ainda não
atendidos por projetos específicos de formação.
•
Promover concurso público diferenciado para professores indígenas.
•
Criar banco de dados sobre a situação das escolas indígenas.
Hoje, a educação escolar indígena no estado busca maior autonomia e consolidação, em termos
do reconhecimento de sua especificidade. Na década de l990, com o aumento da população indígena no
estado, houve o crescimento do número de escolas indígenas nas aldeias e a implantação da 5ª à 8ª série.
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
55
A demanda do ensino médio tem criado um impasse para o estado, que enfrenta dificuldades em assumir
a sua responsabilidade.
Situação atual das escolas indígenas em Mato Grosso
Escolas Municipais
150
Escolas Estaduais
20
Total de Escolas
170
Professores
480
Alunos
9.800
Fonte: SEDUC – Censo 2004.
Das l70 escolas indígenas, 88,2% são municipais, mas ainda não são atendidas conforme os
pressupostos legais. Existem alunos sendo atendidos também nas cidades, fora das aldeias. Dos 480
professores, apenas l6% estão vinculados à rede estadual. Os demais mantêm vínculos empregatícios com
31 diferentes municípios; apenas 30 professores municipais (l4%) são efetivos.
O atendimento das escolas indígenas pelo sistema estadual e pelos municípios ainda é incipiente
e tem sido denunciado pelas comunidades, principalmente no caso da oferta do ensino médio, que vem
encontrando dificuldades na sua implementação.
No caso das escolas indígenas, terão que decidir, conforme a política atual, entre
municipalização ou estadualização. Outra dificuldade é que, apesar de haver professores em processo de
formação em nível superior, há carência em diversas áreas do conhecimento (habilitações).
Além desses aspectos, há necessidade de se proceder à contratação de outros profissionais nas
escolas para contemplar diferentes frentes de trabalho, que possibilite compatibilizar a realidade de cada
comunidade, também de se dispor de infra-estrutura que comporte o atendimento escolar nas
comunidades, evitando a evasão e o êxodo em direção às cidades. Aproximadamente 50% dos alunos
indígenas que concluem a primeira etapa do ensino fundamental (1ª à 4ª série) nas aldeias, desistem de
continuar os estudos ou se deslocam para as cidades. No caso do ensino médio, temos em Mato Grosso,
apenas 6 escolas ofertando toda a educação básica, num contingente de l70 escolas indígenas.
Outro impasse diz respeito à autonomia pedagógica, política, financeira e administrativa, cuja
ausência inviabiliza a gestão indígena das escolas.
Nesse sentido, Grupioni comenta:
Nessa situação paradoxal encontramos o professor indígena, hoje
em sua maioria contratado pelo Estado, a quem se subordina como
funcionário público, dependente do salário e das políticas de
formação e capacitação profissional, que tende cada vez mais a dar
respostas a este sistema, que a submeter-se ao controle social de
sua própria comunidade. (GRUPIONI, 1999).
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
56
Nesse aspecto o autor nos mostra os impasses e dificuldades que têm violado o direito por uma
escola especifica e diferenciada em Mato Grosso. O atual governo ainda não atendeu as reivindicações
das comunidades e das Organizações Indígenas, principalmente quanto à criação da categoria Escola
Indígena.
No entanto, apesar dos relativos avanços já alcançados, esses não foram suficientes para se
consolidar como políticas públicas educacionais. Não se institucionalizou nos programas e políticas
oficiais do estado, pois a questão indígena é tratada ainda como um alienígena dentro do sistema de
ensino, principalmente pelos gestores, que vêm resistindo em implementar programas específicos com
perspectivas de curto, médio e longo prazo.
Essa tem sido uma das contradições da política educacional tida como inclusiva,, que ignora as
conquistas sociais e constitucionais na educação básica. Outra questão é a inexistência de dotação
orçamentária específica. Do ponto de vista financeiro, as escolas indígenas são tratadas como qualquer
outra escola dentro dos critérios estabelecidos pelas normas do sistema de ensino. Como os povos
indígenas irão competir com as escolas dos não-índios se não cabe a eles deliberar sobre os recursos?
3.2 Vozes de resistência: análises e reflexões
A análise dos dados colhidos na pesquisa indica que existem vozes resistentes de educadores
indígenas que interpretam de forma reflexiva as políticas públicas e as possibilidades de autonomia e do
protagonismo indígena.
Destaco que a maioria dos entrevistados e depoentes definiu seu foco de interesse de acordo com
a sua vivência e com base nos argumentos que a sua experiência lhes proporcionou.
Os temas destacados pelos educadores indígenas e reproduzidos nos discursos são reiterados por
eles também nas esferas do poder público. Neles o maior referencial é a identidade étnica e o
protagonismo indígena como base de sustentação para a implementação das políticas públicas
educacionais.
Os dados aqui apresentados reúnem falas, discursos e reflexões destes educadores no seu
percurso de inclusão no sistema oficial de ensino. O que ganha força é a oralidade, que expressa a tensão
entre a educação diferenciada e a escolarização formal, conforme ocorre no cotidiano. Esses conflitos,
bem destacados por Norbert Elias e Paulo Freire, nos remetem à reflexão sobre a inclusão e a exclusão, ao
respeito às diferenças culturais e aos esforços para entendermos a realidade dos “outros”.
De acordo com os dados coletados, apresento alguns eixos em que podem ser reunidos e
agrupados os depoimentos dos professores sobre as questões gerais da educação escolar indígena.
Os depoimentos colhidos nas entrevistas foram agrupados por critérios que reúnem as
expectativas dos educadores e lideranças indígenas quanto aos ganhos obtidos com a consolidação da
educação escolar no Brasil.
No quadro a seguir uma amostragem percentual das ocorrências de respostas por temáticas de
interesses dos professores indígenas:
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
57
EIXOS TEMÁTICOS
%
1. Conquista da educação diferenciada por meio da legislação
3%
2. Educação escolar como afirmação da identidade étnica
3%
3. Fortalecimento do movimento indígena
9%
4. Protagonismo indígena
32%
5. Interculturalidade
3%
6. Escola diferenciada valorizada na aldeia
3%
7. Universidade/Formação
12%
8. Autonomia/Liberdade
27%
9. Reconhecimento das escolas indígenas com qualidade
3%
10. Valorização da política indígena
6%
TOTAL
100%
Os dados foram coletados por meio de um questionário distribuído aos acadêmicos do 3º grau
indígena da UNEMAT, onde puderam responder sobre duas questões referentes a educação escolar
indígena. Apresentamos a seguir alguns dos registros mais significativos de cada eixo temático.
a) Conquista da educação diferenciada por meio da legislação
A constituição federal de l988, foi a maior conquista que tivemos
na educação escolar indígena e como espaço de participação das
lideranças indígenas, reconheceram a educação diferenciada dos
povos indígenas. (Professor Paresi – aldeia Rio Verde).
Tivemos mudanças na concepção da educação escolar indígena,
antes eram instrumento de negação, integração, e hoje tem outro
significado é instrumento de reafirmação da própria identidade,
revitalização dos valores culturais e dos saberes milenares.
(Professor Xavante - aldeia Abelhinha).
Nessa perspectiva, os educadores indígenas valorizam a educação específica e diferenciada,
incorporada como instrumento político e libertador, porém incompreendida na sua intencionalidade pelo
sistema de ensino que desconsidera as especificidades locais.
Para os índios, não há pleno entendimento do que seja o “específico” e o “diferenciado” e por
isso ainda não foi consolidado institucionalmente. Alguns depoimentos de professores e lideranças
indígenas deram destaque às inovações pedagógicas e às formas de ensino-aprendizagem que interagem
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
58
com os interesses comunitários. Esperam que a educação escolar responda às expectativas dos povos
indígenas em vários contextos da realidade vivenciada pelas comunidades, sem perder o caráter da
interculturalidade.
A responsabilidade do Estado de assumir as comunidades indígenas e suas escolas e de viabilizar
os projetos societários de cada povo, significa uma mudança institucional de princípios e de planejamento
estratégico. O Estado reconhece a necessidade de criar um subsistema que congregue a educação escolar
indígena.
Secchi ressalta, a exemplo de Ferreira (l992) “ (...) sobre o equívoco de se estabelecer uma
modalidade de educação escolar extensiva a todas as etnias, uma vez que o seu processo instituinte é
sabidamente “interpretado e remanejado” de forma diferente pelas sociedades indígenas.” (SECCHI,
2002: 144).
Por isso, não se trata apenas de implementar a escolarização restrita ao ato de ler e de escrever,
mas de viabilizar um novo quadro educacional convergente com a estrutura legal e conceitual da
educação escolar indígena.
b) A educação escolar como afirmação da identidade étnica
Temos um problema na nossa área, ainda não implantamos de 5ª à
8ª série, por causa das aldeias serem espalhadas, então as crianças
estão saindo para estudar na cidade, entram em contato com outra
cultura, e acabam sentindo vergonha de ser índio. Espero que a
escola diferenciada seja reconhecida, porque trabalhamos com a
nossa cultura. (Mirian Kazaizokairo – Aldeia Bacaval/Paresi).
A escola diferenciada é importante para nós indígenas, porque
podemos nos defender dos “brancos”, somos discriminados e
rejeitados e a formação nos fortalece para transmitir aos nossos
alunos o conhecimento adquirido. (Prof. Bartolomeu/Xavante –
Aldeia Sangradouro-MT).
Essas falas nos remetem mais uma vez ao processo de ensino-aprendizagem dos alunos e a forma
como os não-indígenas tratam os alunos indígenas. Expressam a preocupação com o preconceito e a
discriminação que os alunos sofrem na escola da cidade e defendem que a educação pode contribuir para
a reafirmação da identidade étnica.
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
59
Norbert Elias (2000) destaca como os sentimentos de pertencimento e de exclusão são tratados
pelos “de dentro” e pelos “de fora”. Assim como em Winston Parva,14 os índios recém-chegados às
escolas das cidades, depois de algum tempo, parecem aceitar, com uma espécie de resignação e
perplexidade, o que sofrem em muitos contextos as minorias: a discriminação. (ELIAS & SCOTSON,
2000: .20-21).
O receio dos educadores indígenas em perceber que seus alunos são alvo de discriminação e
preconceito tem sido manifestado constantemente. Esta situação repercute na atuação do professor
indígena na aldeia que pode ser criticado pela comunidade quando os alunos indígenas apresentam
resultados negativos na avaliação escolar.
Um dos argumentos que as administrações utilizam para justificar a não implementação de todos
os níveis da educação básica nas terras indígenas, é a extensão territorial e a baixa concentração
demográfica indígena. Para os índios, a escola tem uma função social completamente diferenciada
daquela defendida pelo estado e os municípios. Algumas comunidades do entorno discriminam as escolas
indígenas e as escolas nas cidades também excluem as crianças indígenas, principalmente quando estas
não apresentam resultados positivos de aprendizagem. São tratados como inferiores, pertencentes ao
grupo dos “de fora”, portadores de costumes estranhos, etc. Negam suas culturas e identidades étnicas.
Por isso, o índice de evasão nas escolas da cidade é tão alto e gera um descontentamento das
comunidades com o gestor público por não estenderem a continuidade do ensino fundamental e ensino
médio nas aldeias. Em alguns casos ocorre uma verdadeira aversão dos professores e de alunos das
cidades pela educação diferenciada.
Apresentaremos a seguir um quadro que sintetiza a concentração dos estudantes indígenas por
grau de ensino e por região do Brasil.
QUADRO SÍNTESE DOS ALUNOS POR GRAU DE ENSINO E REGIÃO
Região
1ª Fase do Ensino 2ª Fase do Ensino Ensino Médio
Fundamental
Norte
Total
fundamental
1.353
522
344
2.219
Sul
86
952
1.456
2.494
Sudeste
570
453
104
1.127
4.492
1.457
514
6.963
851
2.370
1.529
4.750
7.352
5.754
3.947
17.553
Centro-Oeste
Nordeste
Total
Fonte: FUNAI-2003, In COSTA, 2004.
14
O autor de Os Estabelecidos e os Outsider, mostra a relação de poder de um grupo de
pessoas, moradoras antigas da cidade de Winston Parva, que excluía e discriminava grupos que
chegavam para residir na cidade. Trata-se de um estudo que retrata a luta pelo poder para
garantir a superioridade de uns sobre os outros.
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
60
A evasão e a repetência dos alunos índios na cidade ocorrem, na maioria dos casos, devido às
dificuldades de comunicação em sala de aula, ministrada por professores não-índios, tanto nas
comunidades indígenas como nas cidades. (COSTA, 2004: 13).
A situação acima nos revela uma das ocorrências justificadas por professores não-índios no
fracasso escolar de aluno indígena. O historiador Elias Januário buscou as razões do fracasso num
“sistema monoculturalista, avesso à diversidade, que não reconhece no âmbito escolar a presença dos
alunos étnico-culturalmente diferenciados, que não contempla em sua prática educacional o saber de
outros grupos, revelando propostas curriculares de caráter hegemônico, em que os conhecimentos e os
saberes dos grupos sociais minoritários e diferenciados são ignorados”. (2004: 202).
O contexto de alunos indígenas na cidade é apresentado por Torres (2004) no depoimento de um
pai de aluno:
(...) Agora eles ficam aqui na cidade. Isso tinha que ter uma lei para proibir
esses bichos de ficar assim, no meio da gente. Proibir de ficar na escola junto
com os filhos da gente. Eu acho isso muito errado, do jeito que esses bichos
são traiçoeiros, não podia ficar assim, no meio da gente, ainda mais na escola
junto com os filhos da gente, ainda mais de noite. Eu tenho muito medo
desses bichos. Eu mesmo não concordo desses bichos estudos com os meus
filhos. Karajá é um bicho traiçoeiro. Mas do jeito assim que eles têm
proteção do governo, não acontece nada com eles. Eles podem fazer uma
coisa ruim com um filho da gente que não acontece nada com eles. Pai de
aluno – São Félix do Araguaia. (TORRES, 2004: 119).
Este depoimento é um exemplo da situação dos alunos indígena estudantes nas cidades próximas
às aldeias. Percebe-se a intolerância, a estupidez humana em tratar o outro como animal, desconsiderando
que na sabedoria indígena, até os bichos são seres que pertencem a natureza, fazem parte do convívio
cultural dos povos indígenas, mostra ainda, o desconhecimento e a ignorância da realidade sócio-cultural
do povo Iny15 – Karajá, habitantes tradicionais daquela região.
Em outro contexto Resende (2003) mostra a percepção de um aluno indígena sobre a escola nãoindígena, e de um pai sobre o desempenho do aluno indígena.
Eu moro na pensão, é difícil porque moro sozinho, a vida na cidade
é praticamente muito difícil. Pra se relacionar com o branco, pra
arrumar um emprego né, é muito difícil, eu já tentei, eu acho que é
preconceito, aqui mesmo na escola, eles já diz, já diz que o
indígena não serve para nada, que não devia estar na escola,
poderia estar lá onde é o lugar deles. Eu acho que não conseguimos
comunicar com os brancos na conversa por causa da nossa timidez.
15
Termo de autodenominação do povo Karajá da região do Araguaia.
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
61
(Mas entre vocês não tem timidez, é com o branco?). (...) Acho que
nossos compatriotas, os alunos daqui, acho que eles não tiveram
oportunidade de aprender melhor o português, conversar, por isso
que eles tem dificuldade de conversar na sala de aula e fica com
vergonha. (...). (Aluno indígena Xavante, in RESENDE, 2003: 82).
Os alunos que reprovam, se eles moram na casa própria das
famílias dele ele pode voltar para a escola no ano seguinte, agora
pessoas que está morando no internato a FUNAI não permite mais,
mas ainda muitos voltam. Vai ficar só os que estão passando. Eu
acho que tem muitos estudantes que não chegaram a esse ponto
para estudarem na cidade e muitas vezes eles saem da escola, chega
no internato, joga o material e já saem fazendo outra coisa, ai só vê
material no horário que ele vai para escola, a gente achava que ele
tava estudando, quando chega no final as notas dele tá ruim, então
eu acho que tá a falta de uma incentivação, a falta de chamar a
atenção, você ta aqui é para estudar, não é pra você andar na rua,
não é pra você fazer as coisas que não é bom, porque você tá aqui é
para estudar, você tem que ver o futuro. (Pai de aluno indígena, in
RESENDE, 2003: 86).
Os depoimentos nos revelam a triste situação tanto do aluno e como do pai do aluno diante de
exclusão e discriminação. É justa a preocupação dos educadores e das suas comunidades, quando se trata
de alunos indígenas em situação de discriminação e marginalização, por serem diferentes culturalmente.
Outro aspecto também determinante do insucesso escolar dos alunos culturalmente diferenciados
reside, no fato de que em muitas ocasiões os conteúdos são vazios, sem a compreensão do seu sentido. Ao
mesmo tempo, se criou uma tradição na qual os conteúdos são apresentados nos livros didáticos como os
únicos possíveis, únicos pensáveis. (SANTOMÉ, 1995: 161).
c)
Fortalecimento do movimento indígena
A luta do movimento indígena contribuiu na Constituição de l988
para a conquista da educação diferenciada, e que sejamos
autônomos para trabalhar de acordo com a realidade da
comunidade. (Professor Mehinako – aldeia Kuikuro – Alto Xingu).
A criação da associação de professores agilizará mais a luta do
movimento indígena e a participação dos índios, no Conselho e na
SEDUC. (Cacique-professor Karajá – aldeia Fontoura).
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
62
Foi uma luta das lideranças, do movimento indígena que
conseguimos ter hoje uma educação escolar específica e
diferenciada, para fortalecer o aspecto cultural e organizacional do
povo indígena. (Professor Paresi – aldeia Seringal).
Continuando nesta análise, vemos que os educadores indígenas têm consciência do seu papel
social como agentes de transformação e, principalmente, do que se espera da educação escolar indígena,
mesmo com toda a dificuldade na sua implementação. Valorizam a luta do movimento indígena, que
apresenta resultados importantes neste momento de transição, muito embora tenha encontrado
dificuldades em sua mobilização.
Marta Azevedo e Maria Helena Ortolan em seu artigo “Já existem 100 organizações”16 lembramnos que “A partir dos anos 80, novos processos e formas organizativas surgiram para fazer frente aos
problemas concretos das comunidades e povos indígenas (...)”. (1992: 7). Alguns anos depois, Grupioni
identificou 293 organizações indígenas no Brasil, sendo que no Amazonas havia 77 organizações.
(GRUPIONI, l990: 5).
A luta por melhoria da qualidade do ensino tem sido a bandeira do movimento de professores
indígenas, que reivindicam um acompanhamento pedagógico permanente, mas que nem sempre são
atendidos pelas instituições responsáveis.
Vale salientar que o momento que vive o movimento indígena e a educação escolar indígena em
Mato Grosso é de reflexão quanto ao seu papel social e político. A formação acadêmica dos educadores
indígena tem sido o campo de discussão e análise dessa atuação para as comunidades indígenas.
Atualmente é grande a preocupação com a formação com qualidade e com a autonomia do subsistema de
educação escolar indígena.
d) Protagonismo indígena
Estamos aprendendo a conduzir a educação diferenciada. Não
utilizamos os métodos da Secretaria, mas criamos os nossos
próprios métodos, para que nossos alunos sejam melhores do que
nós. (Professor Bakairi – aldeia Pakuera).
Queremos uma escola formadora de cidadãos, uma escola que
atenda as necessidades do povo, que contribua para a continuidade
da nossa cultura. Temos que executar é um direito, é uma
conquista, e futuramente a gente possa administrar as nossas
próprias terras vamos precisar nesse novo tempo dos avanços
tecnológicos. (Professor Bororo – aldeia Coroado – Santo Antonio
do Leverger).
16
Silva, Azevedo e Ortolan. In Porantim, CIMI, Brasília, dez/92: 7.
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
63
Queremos assumir toda a educação e participar ativamente das
discussões e decisões em relação ao nosso destino, e não deixar
para o governo decidir. (Professores acadêmicos – Barra dos
Bugres).
Melhorar a situação das nossas crianças, e nós mesmos
assumirmos a administração, a diretoria e secretaria (...).
(Professor Tapirapé – Urubu Branco).
Nos seminários, reuniões e encontros acadêmicos, o educador indígena tem manifestado o
cumprimento da Convenção l69/2004, ratificada pelo governo Lula, principalmente quanto a participação
efetiva dos indígenas em todas as etapas de desenvolvimento de uma política pública e nas decisões
governamentais e institucionais. Não querem ser meros espectadores, mas protagonistas.
Segundo Secchi (2004), ao tratar do protagonismo indígena em contextos de relações
interculturais, tem-se em foco uma dupla dimensão: a de ocupar os espaços e a de definir os papéis que
configuram a teia dessas relações. A primeira dimensão diz respeito às estratégias a serem adotadas para
viabilizar a presença e a participação indígena em todas as etapas de realização de um determinado
evento. A segunda, trata do exercício qualificado do diálogo e do desempenho concreto das atribuições e
representações estabelecidas nas relações interculturais. Trata, portanto, da capacidade (ou incapacidade)
das sociedades indígenas exercerem o controle sobre os elementos culturais externos, incorporados ao seu
cotidiano, em decorrência do convívio cultural. (SECCHI, 2004:2)
Nas palavras de Amarante (l994), “É preciso atribuir ao indígena o protagonismo intelectual da
luta! Uma luta que se trava sob todos os aspectos: na saúde, no campo da ética e da ecologia e na
educação muito prioritariamente”. (AMARANTE, l994: 11).
e) Interculturalidade
Temos que ter a visão dos dois lados: indígena e não-indígena, e a
educação que levamos a comunidade tem que ser respeitada pelas
Secretarias. (Professor Bakairi– aldeia Pakuera).
Adquirir novos conhecimentos e repassando a comunidade e aos
alunos para que no futuro, eles possam se defender e lutar pelo
povo indígena são a nossa meta. (Professor Irantxe – aldeia
Kaititu).
No enfoque dos educadores indígenas, a interculturalidade é necessária para que se possa
construir instrumentos de defesa, assim como estabelecer diálogo e convivência com a sociedade
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
64
nacional. E é nessa perspectiva que a educação escolar vem sendo construída, pensada e planejada pelos
povos indígenas, especialmente em Mato Grosso.
A interculturalidade como princípio epistemológico requer o diálogo entre
culturas, como pressuposto da prática pedagógica. Diálogo implica em
comunicação, supõe que os interlocutores compartilham uma província
comum de significação, configurando um contexto semiótico intercultural
(BANDEIRA, l997: 45).
No campo da formação intercultural percebemos que vem crescendo a inserção da
interculturalidade no cotidiano pedagógico dos educadores indígenas. Nesse sentido, Grupioni comenta os
dados do Censo Escolar Indígena, realizado em l999, que nos mostra esta realidade pedagógica, “Os
resultados indicam que mais da metade das escolas indígenas do país, 54% do total, utilizam aspectos da
cultura indígena no cotidiano escolar, havendo diferenças significativas entre as regiões geográficas”.
(GRUPIONI, 2002: 92).
Conforme o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas deve-se valorizar no
contexto da educação escolar indígena uma educação escolar intercultural, comunitária específica e
diferenciada, que “deve promover uma situação de comunicação entre experiências sócioculturais,
lingüísticas e históricas diferentes, não considerando uma cultura superior a outra (...)”. (RCNEI, 1998:
24).
f)
Escola diferenciada valorizada na aldeia
Estamos estudando para implantar a escola diferenciada e melhorar
o seu funcionamento valorizando a educação específica e
diferenciada na comunidade. (Professor Karajá – aldeia Santa
Izabel).
A educação diferenciada teve muitos avanços dentro do contexto
da comunidade na valorização dos conhecimentos tradicionais e da
cultura indígena. (Professora Paresi – aldeia Salto da Mulher).
Os educadores indígenas vêm lutando com suas comunidades pela concretização dos seus
anseios e demandas junto às instâncias públicas municipais e estaduais e seus depoimentos manifestam a
preocupação com os alunos fora do contexto da aldeia e os problemas enfrentados por esses.
Segundo Secchi (2002:101) a “escola concebida sob esta perspectiva nem sempre se restringe ao
âmbito de uma única aldeia ou etnia. Como ferramenta coletiva, é uma arena de debates e formulações de
interesse geral, em especial, de assuntos de cunho político, fundiário e ambiental de todas as sociedades
indígenas”.
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
65
Outra evidência é que a saída para a cidade dos alunos na faixa etária de 10 anos a l6 anos
promove o seu distanciamento da relação familiar, do convívio coletivo e das expressões culturais com as
festividades e atividades rituais.
Nas vezes em que as secretarias se fazem presentes nas aldeias para alguma forma de
acompanhamento pedagógico ou outra ação fiscalizadora, dependendo da situação encontrada, tecem
severas críticas aos professores indígenas, até mesmo ameaçando-os com a perda de seus cargos. A falta
de compreensão acerca do contexto indígena resulta em julgamentos e em mal-entendidos.
No fundo, porém, todas são lutas para modificar o equilíbrio de poder e como
tal, podem ir desde os cabos de guerra silenciosos que se ocultam sob a
cooperação rotineira entre os dois grupos, num contexto de desigualdades
instituídas, até as lutas francas pela mudança do quadro institucional que
encarna essas diferenças de poder e as desigualdades que lhes são
concomitantes. (ELIAS & SCOTSON, 2000: 37).
No Brasil há o entendimento da luta dos povos indígenas pelo reconhecimento da educação
escolar indígena, sem discriminação e preconceito, valorizada e respeitada pelo poder público.
g) Universidade e formação
Espero para o meu povo a melhoria na educação escolar indígena,
para que na frente os nossos filhos aprendam o que estamos
aprendemos na formação do 3º Grau Indígena, e que possamos dar
continuidade nesta formação acadêmica. (Professora Bakairi aldeia Santana).
Que a formação específica na universidade possa contribuir no
ensino do professor indígena na aldeia, na língua, nos conteúdos e
na metodologia da educação específica e diferenciada. (Professor
Xavante – aldeia Namunkurá).
Temos que dar retorno para a comunidade da nossa formação. Eles
esperam isso de nós na universidade. (Professor Umutina – Barra
dos Bugres).
Os educadores indígenas têm valorizado o aspecto da formação acadêmica e sua importância na formação
política, bem como o retorno para as comunidades indígenas, como profissionais e assessores dos projetos
societários. O pensar sobre a formação acadêmica se enquadra na perspectiva de que venha a atuar junto a
sua comunidade, não apenas com interesse individual, mas principalmente coletivo, visando aos
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
66
benefícios que as comunidades terão com essa formação. Os sonhos se ampliam para a continuidade
dessa formação na pós-graduação tendo a mesma finalidade do caráter específico e diferenciado.
Ao tomar a categoria de intelectual seriamente, os estudantes,
professores acadêmicos e outros teriam que investigar e se
conscientizar plenamente de seu papel ativo na mediação entre a
sociedade dominante e a vida cotidiana. (GIROUX, 1997: 172).
Como se tratam de experiências inéditas no ensino superior, os acadêmicos têm buscado compreender o
funcionamento da instituição de ensino, com o intuito de se apropriar dos mecanismos que condicionam o
mundo científico. Assim como de articular os saberes tradicionais com o seu desenvolvimento intelectual
a serviço da sua comunidade, principalmente na mediação da relação com a sociedade envolvente. Nos
cursos da UNEMAT criou-se espaços de controle social, por meio do colegiado acadêmico, com a
participação indígena, o que tem possibilitado novas conquistas no campo do protagonismo, pois os
melhores entre os que desempenham sua função representativa têm tido destaque frente aos demais
acadêmicos.
Nesse sentido, a experiência acadêmica tem proporcionado não apenas o sonho de exercer a docência
numa instituição de ensino superior, mas principalmente a idéia de se criar, num futuro bem próximo,
uma universidade intercultural.
h) Autonomia e liberdade
Trabalho seis anos como professor. Quem mandava e desmandava
na escola eram os missionários, éramos dependentes deles,
proibidos de falar na língua. A educação estava com eles no
internato. Não se podia errar, se não apanhávamos, nós sofríamos
muito com a educação. A escola diferenciada traz a liberdade de
ensinar a sua própria cultura, a pesquisa, o trabalho e a liberdade de
ensinar a sua realidade, através da história, da cultura e ter a
colaboração da própria comunidade, mesmo quando não se tem
merenda a comunidade contribui com a escola. (Professor Matias
Tsivaaibata, aldeia Primavera – Rikbaktsa).
Quando a missão jesuítica atuava na aldeia, não tínhamos acesso a
nada, eles impunham as suas regras, depois da constituição de l988,
vimos que estar preso entre quatro paredes era um desagrado a
cultura indígena, nos mobilizamos para buscar nossa autonomia,
ensinando as crianças a interpretar as leis e defender a nossa terra.
(Professor Rikbaktsa – aldeia Barranco Vermelho).
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
67
Nossos parentes às vezes acreditam que a educação diferenciada é
fraca e de má qualidade, que temos que acompanhar as regras do
“branco” e da secretaria, e brigamos para garantir os nossos
currículos específicos e diferenciados, porque no futuro nós
mesmos assumiremos a responsabilidade. (Professor Rikbaktsa –
aldeia Primavera).
Estamos batalhando muito pela autonomia, em cima da realidade
do nosso povo para que a nossa cultura e identidade caminhem
juntas. (Professor Karajá – São Félix do Araguaia).
Nesses depoimentos os professores expressam a herança de uma educação escolar de internato
missionário jesuíta na década de 70. Ainda guardam na sua memória lembranças de um passado
educacional que oprimiu o seu povo. Agora procuram no seu cotidiano, como docente a liberdade de
poder reverter a situação desta educação imposta nas aldeias. Existe o receio de que esse modelo de
educação alienante possa regressar.
Fica evidente nas falas destes educadores que a busca por autonomia e independência são metas a serem
alcançadas, e que a educação escolar possibilita a construção de um futuro melhor.
Fazendo-se e refazendo-se no processo da história, como sujeitos e
objetos, como mulheres e homens, querem a inserção no mundo e
não a pura adaptação ao mundo. Terminam por ter no sonho
também um motor da história. Não há mudança sem sonho como
não há sonho sem esperança. (FREIRE, l992: 91).
A busca por autonomia e valorização da identidade étnica tem sido
o tema dos discursos e reivindicação dos educadores e lideranças
indígenas no processo educacional.
Segundo GIROUX, “a categoria de intelectuais transformadores
conduzem os professores a empregarem um discurso calcado na
autocrítica e nos fundamentos da “pedagogia radical”, procurando
como princípio educativo a ação que torne o “pedagógico mais
político e o político mais pedagógico”. Só assim pode-se alcançar
uma escola com seriedade a possibilidade de dar aos estudantes
“voz ativa em suas experiências de aprendizagem”. (1992:. 31-31
apud JANUÁRIO, 2002: 276),
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
68
i) Reconhecimento das escolas indígenas com qualidade
Quero falar da qualidade que devemos ter na educação básica,
ensino fundamental e médio, e até no ensino superior, porque as
comunidades questionam a atuação dos professores, que não dão
conta de transmitir os conhecimentos dentro de sua comunidade.
Querem tirar seus filhos e mandar para cidade. Medem os
conhecimentos do professor indígena em relação ao não-indígena.
Temos que ficar atentos na qualidade do ensino que implantamos
dentro das aldeias. (Professor Umutina – aldeia Umutina).
Estamos enjoados de trabalhar dentro de um sistema quadrado,
porque
prepara
o
aluno
para
reproduzir
e
armazenar
conhecimentos, e não educa, enquanto a educação diferenciada
possibilita, incentiva a capacidade dos alunos criarem a sua própria
experiência, não está centralizada na pessoa a educação, mas sim
num
compromisso
coletivo.
(Professor
Xavante
-
aldeia
Abelhinha).
O reconhecimento do papel da escola pelas comunidades tem sido um dilema para os educadores
indígenas, pois as exigências direcionadas à escola, como instituição que terá de responder as diferentes
demandas comunitárias, são também dirigidas ao desempenho dos professores educadores. Por isso, há
uma expectativa no desempenho deles nos resultados positivos ou negativos dos seus alunos fora do
contexto escolar. O seu desempenho não está centrado apenas na sala de aula, mas principalmente no
envolvimento com os compromissos coletivos. Nisso, o educador assume desafios de dar conta das
tarefas comunitárias que lhes são solicitadas como também da aprendizagem dos seus alunos. O
reconhecimento e a qualidade dependem desta conjuntura política, social e cultural que muitas vezes é
incompreendida pelos administradores da educação.
j) Valorização da política indígena
Tenho percebido a diferença da política indigenista e a política
indígena e verificamos a desvalorização da política indígena.
Precisamos reverter essa situação (...) temos que refletir sobre essa
questão e que prevaleça os nossos interesses na política indigenista.
(Professor Bakairi – aldeia Pakuera).
A política brasileira está atrasada em relação a política educacional
das escolas indígenas. Não temos na prática e dentro da realidade
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
69
indígena a educação diferenciada. Falta ainda a vontade política dos
governantes. (Professor Xavante – aldeia Abelhinha).
As autoridades estão acostumadas a fazer projetos para nós
indígenas, sem discutir com a comunidade. Nós temos o direito de
rejeitar e exigir a nossa participação. (Professor Mehinaku Xingu).
Nem sempre as relações entre as instituições do poder público são de harmonia. Em algumas reuniões
presenciadas pela equipe de educação escolar indígena os gestores públicos questionam a sua
especificidade e a forma como os professores atuam nas escolas. A interferência se dá quando os gestores
públicos impõem políticas que contrariam a realidade sócio-cultural dos povos indígenas, e
desconsideram as experiências e iniciativas das comunidades.
A política indígena é desconhecida pelo gestor, principalmente nas escolas municipais. Impera ainda o
preconceito, e o desconhecimento do que trata das políticas internas das sociedades indígenas. As
secretarias ignoram este aspecto e cometem ingerências que, muitas vezes, prejudicam a comunidade
indígena.
Há descontentamentos por parte das comunidades pela ignorância e desinteresse em compreender a
política indigenista e indígena. Há uma preocupação também em relação à desvalorização da política
indígena, que vem perdendo espaço para políticas indigenistas formuladas em gabinetes governamentais
ou pelos “ditos entendidos de índios”, que nem sempre estão em conformidade com a realidade indígena.
3.3 Entre o sistema oficial e o imaginado
Neste tópico veremos como os professores indígenas e lideranças instituem, em seu imaginário, o sistema
oficial de ensino.
Em um dos questionários distribuídos aos professores indígenas foi perguntado sobre a sua visão em
relação ao Estado brasileiro no atendimento da educação escolar indígena. Nesse tópico abordaremos o
aspecto educacional tendo com amostra alguns indicadores da situação educacional em Mato Grosso.
De acordo com o Censo Escolar de 2003/2004, seriam 170 escolas indígenas, 480 professores indígenas,
conforme os percentuais mostrados nos quadros abaixo.
No que se refere aos professores indígenas, esses representam 95% do total de professores que lecionam
nas escolas.
40% têm o ensino fundamental incompleto.
30% têm apenas o ensino fundamental completo.
9% têm o ensino médio completo.
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
70
20% têm o ensino médio com magistério completo.
1,0% tem o ensino superior completo.
1%
20%
9%
40%
30%
Fonte: SEDUC-MT/ 2004
Os estudantes indígenas atingem o número de 9.800, assim distribuídos:
86% estão cursando o ensino fundamental.
5% estão na educação infantil.
8% estudam em classes de educação de jovens e adultos.
1% está no ensino médio.
8%
1%
5%
86%
Fonte: SEDUC-MT/2004
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
71
De todos os alunos que estão no ensino fundamental, 86% estão cursando de 1ª a 4ª série, sendo que
destes 50% estão na 1ª série.
Este quadro revela que há um crescimento da população estudantil indígena nas escolas das aldeias,
provavelmente bem maior do que nas escolas dos centros urbanos. Significa também o aumento de
professores e mais escolas para serem construídas pelo governo, ampliando assim o investimento oficial.
Além disso, revela que as escolas indígenas não estão estruturadas de modo a facilitar a progressão dos
alunos.
A ampliação e a manutenção dos sistemas de ensino são temas bastante complexos, discutidos por
diferentes teóricos da educação. Para melhor compreender esse processo é necessário entendermos como
o Estado Brasileiro instituiu os sistemas de ensino. São vários os ingredientes que compõem essa
arquitetura. Vão desde o gerenciamento da educação, do seu aspecto pedagógico, passa pelos conteúdos,
pelos métodos de ensino-aprendizagem e pelo conjunto das relações hierárquicas instituídas para o
funcionamento das escolas.
Gadotti (1994) ressalta que:
A questão essencial da escola hoje se refere à sua qualidade. E a qualidade está diretamente relacionada
com os pequenos projetos das próprias escolas que são muito mais eficazes na conquista dessa qualidade
do que grandes projetos, mas anônimos, distantes do dia-a-a-dia das escolas. (GADOTTI, 1994: 69).
A nova LDB estabeleceu uma mudança na escola pública no que trata da relação do órgão gestor com a
comunidade escolar. No entanto, ainda percebem-se resistências dos órgãos em admitir a gestão
democrática do sistema.
Uma política democrática de educação é uma reivindicação antiga dos educadores brasileiros. Durante o
período autoritário (l964-l985) o tema da participação e da democratização da gestão da educação tomou
boa parte das discussões e dos debates pedagógicos, tanto no setor público quanto no setor privado.
(GADOTTI, l992). Para ele, a educação brasileira passou por vários processos de discussão e debates em
nível regional para que a política e a democracia fossem a base para uma educação pública de qualidade a
todos os cidadãos e em todas as redes de ensino. Muitos municípios, porém, ainda não adotaram a gestão
democrática em suas escolas.
No caso das escolas indígenas, o atendimento é compartilhado com os municípios, e esses raramente
mantêm uma relação de parceria institucional, nem tampouco adotaram a gestão democrática. De um lado
temos as diretrizes e as metas a serem cumpridas; de outro, diversas iniciativas que impõem regras
próprias, ou seja, que operam indistintamente na rede escolar tendo como foco a escola regular.
Entretanto, a escola indígena deveria ser operada segundo a lógica sócio-cultural e lingüístico de cada
povo e a sua função social seria também atender aos seus projetos societários. Portanto, temos dois
sistemas se intercruzando nas escolas indígenas: um, o sistema oficial (com as regras e normas da
sociedade ocidental) e outro, o sistema educativo tradicional. Ambos têm bases legais, tanto o
institucional quanto o tradicional. É necessária uma articulação entre eles.
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
72
A escola indígena tem de ser parte do sistema de educação de cada povo, o qual assegura e fortalece a
tradição indígena. A partir daí teremos elementos suficientes para uma relação positiva com outras
sociedades. (Jucineide Maria Simplício Freire, professora Xucuru, PE in RCNEI/l998: 58).
Certamente existem regras institucionais, positivas, que não
contradizem as tradicionais, mas também delas não decorrem.
Foram estabelecidas sem que possamos dizer por que foram
preferidas a outras igualmente compatíveis com o sistema.
(CASTORIADIS, l975: 150).
Ocorre que, na prática, o sistema educativo tradicional é desconsiderado pelo sistema oficial de
ensino, e vêm sendo absorvido com seus mecanismos de controle que enquadram a escola e seus
professores indígenas num mesmo regime normativo da escola pública, desconsiderando os contextos
sócio-culturais.
Grupioni (2003:117) ressalta que “o desafio posto neste momento é como tornar realidade os avanços
inscritos no plano jurídico, de modo que a escola em áreas indígenas, historicamente utilizada como meio
de dominação, seja um instrumento de autodeterminação, que respeite as tradições e os modos de ser
indígenas e esteja a serviço dos diferentes projetos de futuro desses povos”.
Nos trechos abaixo apresentaremos algumas das expressões indígenas colhidas no questionário aplicado
sobre o entendimento do Estado Brasileiro em relação à escola indígena e como gostaria que fosse a sua
escola.
Nesse conjunto de respostas pode-se observar como os professores e lideranças indígenas compreendem
essa relação institucional da educação escolar.
QUESTÃO: Na sua opinião, como o Estado Brasileiro vê a educação escolar indígena?
1. “Ainda não reconhece a importância da escola indígena, apesar de estar assegurada na Constituição”.
Cinta Larga – RO- MT).
2. “Pensa que a escola indígena é sem caráter e que os professores recebem salário sem trabalhar”. (ZoróMT).
3. “Desconhecida, desqualificada, porque as autoridades desconhecem também o modo de vida dos
povos”. (Paresi-MT).
4. “Ainda não entende a realidade indígena, porque não respeitam as leis que o fizeram, ainda não
acontece a participação no processo”. (Paresi-MT).
5. “A visão do Estado Brasileiro é diferente da nossa, pois a escola fez com que os índios deixassem de
ser índios, atualmente a escola indígena tem sido importante para reafirmar a identidade e fazendo nós
refletirmos”. (Xavante-MT).
6. “Reconhecer a escola indígena, entender a sua situação e as Secretarias não acompanham a realidade
do povo indígena”. (Bakairi-MT).
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
73
7. “Entende a nossa escola indígena como uma educação genérica, que acompanha o movimento da
escola pública, (...) não sabem que os índios são multiétnico”. (Tapirapé-MT).
8. “Infelizmente a visão do Estado é conservadora, idealizadora, com o propósito de invasão e dominação
dos povos”. (Pataxó Hã Hã Hãe/BA).
9. “Sofremos com a atuação das secretarias que não estão cumprindo com o seu dever, pois não atendem
os reais interesses e necessidades dos povos indígenas”. (Terena -MT/MS).
10. “Ainda como escola integracionista desconhece a realidade cultural e não atende a escola indígena”.
(Munduruku -MT).
11. “Ainda não entende como conquista dos povos indígenas. Não temos autonomia somos
desvalorizados, apesar da formação que temos nos programas do governo de Mato Grosso”. (Kayabi MT).
QUESTÃO: Como você gostaria que fosse a sua escola?
1. “Valorizada na sociedade envolvente e trabalhada conforme as tradições do nosso povo” (Cinta Larga
– RO/MT).
2. “Que seja valorizada como escola indígena, e respeitada conforme a cultura do meu povo”. (Zoró-MT).
3. “Que tivesse a identidade do meu povo, que atendesse as necessidades e o bem estar da comunidade, e
infraestrutura específica e diferenciada e autonomia da gestão escolar” (Paresi-MT).
4. “Respeitassem as leis, e dessem autonomia na gestão e decisão das nossas escolas”. (Paresi-MT).
5. “Discordante das propostas do governo, porque pode nos levar à desorganização da nossa sociedade,
introduzindo o individualismo na aldeia”. (Xavante-MT).
6. “Mais valorizada como escola indígena com apoio de infra-estrutura pedagógica e didática”. (BakairiMT).
7. “Que seja reconhecida pelos órgãos de governo como uma educação alternativa, gerenciada pelos
índios” (Tapirapé-MT).
8. “Cumprir a legislação educacional e com a direção dos próprios índios”.(Pataxó Hã Hã Hãe/BA).
9. “Tivesse autonomia, gerenciada e planejada pelos próprios índios com o fortalecimento da identidade
étnica”.(Terena -MT/MS).
10. “Que atendesse a realidade do meu povo e tivesse infra-estrutura física, pedagógica e
didática”.(Munduruku -MT).
11. “Totalmente indígena integrada com a questão da saúde, do meio ambiente, etc., e valorizada o
trabalho do professor” (Kayabi -MT).
Nesses depoimentos pode-se perceber as várias opiniões em relação à “escola indígena”
idealizada, e como o Estado Brasileiro é desconhecedor da educação escolar indígena. Para os índios, o
Estado tem que dialogar com as comunidades antes de tomar decisões pertinentes à educação escolar,
respeitar a legislação e assegurar o protagonismo indígena.
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
74
Os índios têm clareza sobre o que querem da escola e da educação escolar, e sabem que o Estado
Brasileiro historicamente atuou contrariamente aos seus interesses. Portanto, há um distanciamento entre
o sistema oficial de ensino e a realidade indígena.
Castoriadis
(1975:
150)
afirma
que
“o
caso
mais
impressionante e o mais significativo é aquele em que a
racionalidade do sistema institucional é por assim dizer
“indiferente” quanto à sua funcionalidade, o que não impede
de ter conseqüências reais.”
No caso das escolas indígenas, há uma evidente despreocupação do Estado principalmente em
cumprir a legislação, atender as diferentes realidades e valorizasse a escola indígena de acordo com a
realidade de cada povo. Por outro lado, o gerenciamento da instituição escolar ainda não está nas mãos
dos gestores indígenas.
Esses relatos expressam as estratégias e mecanismos que os professores indígenas utilizam para
contrapor regras do sistema que são descumpridas pelo poder público. Expressões como “não atende às
reais necessidades dos povos”, “as escolas não têm autonomia” são críticas que representam a
contrariedade dos professores nas relações interculturais. No imaginário dos representantes indígenas, o
“sistema” aparece completamente inverso ao que seria o seu papel real. Ao invés de dar conta da questão
social nas aldeias, não só da escola, mas de todo o universo sociocultural, o Estado aparece como uma
instituição com intenções ambíguas e contraditórias.
Nesse sentido, os professores indígenas, percebem que o Estado e seus sistemas estão
desconectados do tema da diversidade étnica. Segundo eles, as políticas são padronizantes e
descontextualizadas da realidade concreta. O desconhecimento e a desinformação predominam nas
políticas públicas e, muitas vezes, elas são elaboradas de forma globalizante e para uma implantação
unificada. O que está claro nos depoimentos dos representantes indígenas é a necessidade de reverter esse
processo, garantindo o protagonismo indígena a partir do diálogo com as instituições do Estado.
3.4 O Movimento indígena como baluarte do protagonismo indígena
A participação indígena na trajetória das discussões sobre a educação escolar indígena específica
e diferenciada vem sendo construída conforme relatado anteriormente. Há dificuldades para os
professores desenvolverem uma educação escolar que atenda aos seus interesses e especificidades e que
resolva os problemas das comunidades.
A primeira iniciativa de organização foi a luta pela demarcação das terras e pela melhoria das
condições de vida. Houve manifestações de descontentamento pela política indigenista. A educação
escolar foi pauta do movimento indígena em geral.
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
75
Em Mato Grosso, esse processo teve início no ano de l974, na cidade de Diamantino, quando foi
realizada a primeira Assembléia Indígena. As reivindicações foram para a melhoria da educação escolar e
o fortalecimento da identidade indígena. Outro assunto foi a demarcação das terras, pois naquela época os
povos estavam convivendo com vários conflitos territoriais.
Em várias partes do país o movimento indígena começou a se manifestar reivindicando seus
direitos, assim como buscando respostas aos problemas vividos pelas comunidades. Em relação à
educação, os professores passaram a lutar também por melhorias na educação escolar, com perspectiva da
autonomia.
O movimento foi estratégico na nova caminhada visando ao rompimento da política de
integração proposto pelo estado. As reivindicações apontam para a inclusão não apenas da escola
indígena, mas melhorias também em outras áreas, como na saúde, na subsistência alimentar e na
demarcação das terras.
Os enfrentamentos na década de l980 com a Funai causaram impactos pela primeira vez na
sociedade cuiabana, quando foi divulgado o descontentamento dos povos indígenas de Mato Grosso.
Naquele contexto de reivindicações, a mobilização indígena contribuiu para a visibilidade dos povos
indígenas no estado no período em que o movimento indígena nacional estava em evidência, denunciando
o descaso do Estado, e luta pela demarcação das terras, pela revisão do Estatuto do Índio e contra a
política de emancipação.
Eram mobilizações organizadas com objetivos comuns, para promover o intercâmbio de
experiências e aprofundar as temáticas mais relevantes e contavam com a participação das organizações e
das representações indígenas.
Mas afinal, o que é o movimento indígena no estado de Mato Grosso?
Para Warren (apud Diani, 1992: 26), “Um movimento social é
uma rede de interações informais entre uma pluralidade de
indivíduos, grupos e/ou organizações, engajados num conflito
político ou cultural, com base numa identidade coletiva comum”.
De fato o movimento dos povos indígenas tem sido uma fonte de informações, discussões e
engajamentos para que se busquem resultados para as demandas dos povos indígenas, não apenas na
educação, mas a serviço de outras necessidades emergenciais e principalmente a formação política de
seus militantes.
Nesse sentido, o movimento da educação escolar indígena tem respondido a algumas demandas pontuais,
quando bem articuladas com aliados competentes, que contribuem com o movimento indígena em geral.
O movimento indígena de Mato Grosso tem sido bem diferenciado dos demais movimento no país, apesar
de fatores problemáticos como a ausência de uma organização representativa no estado; o número de
indígenas na cidade envolvidos com a causa nas aldeias; o enfraquecimento financeiro das entidades; o
seu cunho imediatista que dificulta uma maior articulação. Porém os participantes têm uma identidade
comum: atuações igualitárias na defesa dos interesses comunitários.
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
76
Mesmo assim, considero que o movimento se articula de acordo com as necessidades e
especificidades locais, como, por exemplo, na educação escolar. A mobilização para exigir a participação
nos debates e processos de formulação de políticas públicas só foi possível graças às diferentes alianças
com os “especialistas da educação escolar” e outros parceiros institucionais.
Na década de l980, na primeira gestão do governo de Carlos Bezerra, o programa de governo
intitulava-se “A era da participação popular”. Sob esse lema, o então candidato fez uma visita à aldeia
Pakuera, do povo Bakairi, juntamente com o deputado Wilian Dias, e assumiu o compromisso “De que,
no governo de Carlos Bezerra, os assuntos indígenas mereceriam uma Coordenadoria para Assuntos
Indígenas”. Após as eleições, as lideranças indígenas Bakairi foram procurá-lo na Assembléia Legislativa
para cobrar o compromisso da criação da Coordenadoria de Assuntos Indígenas. Para tanto, houve uma
grande mobilização dos povos, reunindo as lideranças do estado.
Um jornal local divulgou uma notícia com o seguinte teor:
A questão indígena em discussão: lideranças se reúnem em Cuiabá.
Inicia-se hoje o Encontro de Lideranças de Mato Grosso promovido pelo
PMDB, sob a coordenação do Deputado Wilian Dias, com o objetivo de
debater com seriedade a questão indígena do estado. Serão três dias de
debate, no plenarinho da Assembléia Legislativa, que contará com a
presença de comunidades indígenas, como: Bororo, Apiacá, Paresi,
Nambikuara, Irantxe, Umutina, Mamaindê, Kintaulu, Cinta Larga,
Bakairi e Xavante.17
O movimento reivindicava atenção do governo estadual para a questão indígena e melhoria das condições
de vida dos povos. A finalidade dessa mobilização foi a participação dos povos através de um canal direto
com o governo. O governo possibilitou essa aproximação quando foi realizado o I Encontro de
Lideranças Indígenas de Mato Grosso, com o apoio da Assembléia Legislativa. O movimento saiu das
aldeias, cobrou as promessas de campanha e partiu para apresentar propostas concretas de políticas. A
CAIEMT foi criada com a nomeação do primeiro índio para coordená-la, depois outro índio foi nomeado,
no entanto não conseguiram implementar as políticas reivindicadas.
Outros encontros foram realizados pelo movimento indígena, com o apoio das instituições
indigenistas.
Esses encontros e conferências foram organizados pelos índios envolvidos com a causa e
apoiado por entidades públicas e indigenistas. Caracterizaram-se pela manifestação de força, de ação
coletiva apesar de todas as dificuldades para realização da mobilização, mas que foram determinantes
também para o surgimento do movimento de professores indígenas. Anteriormente, a convocatória da
mobilização para os encontros, reuniões, seminários e para a programação da “Semana do Índio” ficava a
cargo das entidades indigenistas, mas depois da Constituinte, passou gradativamente a ser realizado pelos
próprios índios, com o assessoramento dessas entidades.
17
Jornal Diário de Cuiabá, 05 de março l987.
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
77
Em l994, a questão indígena voltou a ser destaque, quando o então candidato ao governo do
estado Dante de Oliveira da Frente Cidadania e Desenvolvimento18 convocou os movimentos sociais a
participarem do seu Plano de Metas. O movimento indígena apresentou uma proposta de políticas na
educação, saúde, demarcação de terras, meio ambiente e sustentabilidade econômica para as populações
indígenas no estado. Após a sua eleição houve uma aproximação com o governo para desencadear ações
no campo educacional. Uma das reivindicações foi a formação e habilitação de professores indígenas. Os
professores estavam cansados de fazer cursos de capacitação que não lhes davam legitimidade
profissional. Quando contratados pelos municípios eram enquadrados apenas como auxiliares. O governo
se mostrou sensível em atender primeiramente as reivindicações nos campos da educação e na saúde.
O processo vivenciado pelo movimento indígena em Mato Grosso tem fornecido instrumentos de
estudos para alguns pesquisadores de universidades e para os próprios índios que participaram de cursos
de formação, desde o Projeto Tucum até o 3º Grau Indígena. É nesse contexto que foi criada a
Organização de Professores Indígena de Mato Grosso, tendo como um dos objetivos coletivos a formação
política de seus membros.
Esse tem sido o desafio do movimento indígena e dos professores: assegurar a participação
indígena e criar estratégias de diálogo e de luta, promovendo as discussões nas aldeias, para não
enfraquecer a sua eficácia. Apesar do movimento indígena de Mato Grosso se diferenciar dos demais
movimentos indígenas do país por ter interesses comuns, ele tem estratégias de mobilização, quando
necessário, que permite aproveitar determinadas oportunidades, assim como da comunhão dos mesmos
interesses nas ações coletivas. A relação entre o Conselho de Educação Escolar Indígena e seus
representantes tem permitido que os encaminhamentos, discussões, informações cheguem às
comunidades indígenas.
A fala do Presidente da Organização dos Professores Indígenas de Mato Grosso revela a
importância que o colegiado teve na criação da referida organização indígena:
O CEI-MT teve uma contribuição muito grande na criação da OPRIMT, até
porque as discussões de criação de uma organização de professores tiveram
inicio e se propagaram dentro do Conselho, por meio de seus membros.
Dessa forma, a luta do CEI-MT também é nossa luta, também é nossa causa.
(Roni Azoinaecê - Paresi).19
Finalizando, o desafio dos representantes indígenas está na forma de ocupar os espaços para
ampliar o movimento em Mato Grosso. É preciso superar inúmeras dificuldades na implementação das
políticas e assegurar participação indígena efetiva no processo. Ou, nas palavras de Iara Bonfim: “o
movimento indígena nasce como espaço de rearticulação da resistência para fortalecer o poder de reação”.
18
Frente partidária composta pelos partidos PDT, PMDB, PSDB, PC do B, PT, PV, PSC, PMN
e PPS.
19
Entrevista publicada nos Cadernos de Educação Escolar Indígena. nº 1 – 2004. UNEMAT.
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
78
O professor Prof. Korotowi Taffarel diretor da escola central Pavuru, no Xingu, reforça assim
esse argumento:
Depois que tivemos a participação das lideranças indígenas nos
movimentos indígenas começou a melhorar a escola indígena principalmente
aqui no Mato Grosso. Que teve um papel muito importante para os
professores indígenas tanto em questão social e, eu acho que nossa turma
daqui e índios daqui têm consciência de que nós temos que resolver nossos
problemas, né!
Vale salientar que em Mato Grosso as a estruturação da Organização dos Professores Indígena OPRINT foi importante para reorganizar o movimento, dar sustentabilidade à política indígena e
fortalecer a luta pelas bandeiras comuns.
A organização foi criada também no sentido de dar autonomia intelectual, política, de articulação
e de gerenciamento da educação escolar indígena. Para tal, a diretoria, ouvindo seus assessores, viabilizou
estratégia para captar recursos a fim de desenvolver o seu papel. Criou diversas categorias de parceiros,
desde o colaborador (especialistas e outros simpatizantes da causa) até os contribuintes natos que são os
professores indígenas.
A OPRIMT surgiu num momento em que a educação escolar indígena está sendo menosprezada
pelo novo governo, quando novos rumos foram tomados, que desconsideraram a trajetória da educação
escolar indígena, apesar das reivindicações e das pressões políticas.
Recentemente os seus dirigentes e assessores realizaram o 1º Encontro das Associações
Indígenas de Mato Grosso, que contou com a participação de l8 associações. O evento teve por objetivo
discutir e propor direcionamentos nas ações voltadas para vários campos, além da questão educacional.
Alguns participantes manifestaram sua opinião sobre o evento e a organização dos professores:
A OPRIMT é muito importante para dar apoio e cobertura as
outras associações indígenas, não apenas na educação, mas
também em outras demandas das comunidades, só assim a
educação escolar indígena estará cumprindo o seu papel.
(Professora Umutina).
A intenção dos dirigentes e seus assessores é realizar ações integradas de educação escolar,
saúde, desenvolvimento comunitário e o meio ambiente, congregando a defesa dos anseios e interesses
dos povos indígenas. Cumpre, dessa forma, uma das suas prerrogativas que é a formação política e a
interação com outros militantes indígenas.
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
CAPÍTULO IV
A CONQUISTA DO ENSINO SUPERIOR NO PROCESSO DE
AUTONOMIA INDÍGENA
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
80
4.1 Construindo a relação entre a educação básica e o ensino superior
A reformulação da educação escolar brasileira propôs mudanças significativas nos sistema de
ensino, inovou a relação entre escola e sociedade, rompeu com diretrizes hierárquicas das instituições de
ensino e apontou uma perspectiva mais democrática nas escolas. De fato, “representou uma ruptura
axiológica à medida que elasteceu a carga semântica de educação, para construir seu destino nas mais
diferentes ambiências humanas: na família, no trabalho, na escola, nas organizações etc”. (CARNEIRO,
l997: 31).
Com o aumento da população estudantil indígena a demanda escolar inclusive no ensino médio e
superior, passou a ser reivindicada pelas comunidades. Tanto o MEC quanto as Secretarias estaduais
dedicaram-se, porém, principalmente às séries iniciais do ensino fundamental, relegando as demais etapas
do ensino.
O quadro a seguir mostra a realidade estudantil indígena e concentração em cada nível de ensino
nas regiões brasileiras:
CONCENTRAÇÃO DE ESTUDANTES POR NÍVEIS DE ENSINO- 1999
REGIÃO
EDUCAÇÃO
ALFABETIZAÇÃO
INFANTIL
ENSINO
ENSINO
FUNDAMENTAL
MÉDIO
EJA
TOTAL
Norte
4.165
4.153
36.683
468
1.763
47.232
Nordeste
1.674
2.107
15.139
180
1.041
20.141
Centro-
1.218
63
15.109
146
37
16.573
Sudeste
315
26
2.289
0
125
2.755
Sul
476
0
5.711
149
0
6.336
Brasil
7.848
6.349
74.931
943
2.966
93.037
Oeste
Fonte: MEC, Censo de l999.
Vejamos mais esse gráfico:
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
81
5a / 8a
16,9%
EJA Ens Médio
0,7%
2,3%
Educ Inf
4,2%
1a / 4a
75,9%
Fonte: MEC/CGAEI-2004
A justificativa do MEC encaminhava-se para a seguinte linha de entendimento:
Assim, uma primeira explicação para a concentração de estudantes na
primeira série inicial seria o fato de que as escolas não estão trabalhando
com a estrutura de séries ou ciclos. Outra explicação seria a baixa
escolarização dos próprios professores, impedindo uma diversificação e
aprofundamento do nível de ensino nas escolas indígenas. (MEC, Parâmetro
em Ação, 2002).
Em 2002, a população estudantil indígena das séries iniciais e do ensino médio, chamou a
atenção, pois muitos jovens passaram a se deslocar para fora das aldeias. A Comissão Nacional de
Professores Indígenas no MEC visualizou essa questão e propôs a ampliação do atendimento da educação
básica e a conseqüente formação de professores em nível superior. Em virtude da pressão dos
representantes indígenas, a política de governo para universalizar a educação básica iniciou a partir de
2003, quando os quadros do MEC passaram a atender parte dessa reivindicação.
A aceitação oficial da possibilidade de uma escola pautada pela afirmação
das especificidades culturais dos povos indígenas ocorreu no bojo do
processo de reconhecimento do direito desses povos a permanecerem
enquanto tais, e a terem suas práticas sociais e suas visões de mundo
respeitadas e valorizadas pelo Estado nacional. (GRUPIONI, 2002: 50).
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
82
A busca por novos saberes e conhecimentos das ciências e tecnologias como instrumentos na
consolidação dos direitos levou os povos indígenas e suas organizações a buscarem um novo aliado: a
universidade.
É nesse contexto de construção de novas alianças institucionais e de diálogo intercultural que a
universidade tem sido o cenário de interesse por parte do movimento indígena brasileiro. A luta pela
implementação de todas as séries da educação básica como instrumento da cidadania requer a formação
massiva de professores para o nível superior.
O primeiro Ensino Médio que tivemos foi o Ensino Médio regular,
normal, que acontece em todos os Estados do Brasil. Tivemos dificuldades
com o Ensino Médio nas comunidades e com os alunos tentando fazer
Ensino Médio nas cidades e até hoje continuamos com elas. Só tivemos
resultados negativos com o Ensino Médio nas vilas e cidades, porque
realmente não contempla a especificidade de cada povo. (Professor Makuxi RR)20.
As experiências com o ensino médio diferenciado surgiram com o magistério intercultural e
outras experiências no ensino regular nas cidades e vilas próximas às aldeias. Isso pode ser verificado nos
depoimentos de alguns professores no Seminário “Políticas de Ensino Médio para os Povos Indígenas”,
realizado em outubro de 2003, quando esta temática passou a ser pauta do MEC no Programa Diversidade
na Universidade. Esse seminário foi um marco nas discussões e comprometimento do governo em relação
à educação básica e ao ensino superior para os povos indígenas uma vez que ali se fizeram expressar
reivindicações há muito formulados pelo movimento indígena.
Podemos verificar o descontentamento e a preocupação dos professores indígenas com esta etapa
de ensino, dada a evasão de jovens das aldeias para as cidades. As propostas dos educadores indígenas e
suas comunidades quanto ao ensino médio é que seja voltada para o contexto cultural, que contemple os
princípios da educação escolar indígena e que possibilite a formação do jovem indígena para o retorno
profissional a sua comunidade, e não meramente ao mercado de trabalho, como prevê a política do ensino
médio.
O artigo 22 da LDB coloca o aprimoramento da pessoa humana como uma
das finalidades da educação básica. Isso implica em retirar o foco do projeto
educacional do mercado de trabalho, seja ele estável ou não, e colocá-lo
sobre os sujeitos-cidadãos. Não sujeitos abstratos e isolados, mas sujeitos
singulares cujo projeto de vida se constrói pelas múltiplas relações sociais, na
perspectiva da emancipação humana, que só pode ocorrer à medida que os
20
Depoimentos dos Anais do Seminário “Políticas de Ensino Médio para os povos indígenas”,
2003.
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
83
projetos individuais entram em coerência com um projeto social
coletivamente construído. (RAMOS, 2004: 39).
É na perspectiva do projeto social coletivo que o movimento dos educadores indígenas tem
buscado pautar a política do ensino médio e do ensino superior para os povos indígenas.
Em Mato Grosso, os representantes indígenas no colegiado do CEI-MT têm apresentado
demandas na educação básica, inclusive com discussões e propostas para a implementação da 5ª à 8ª série
e do ensino médio, e reivindicam a ampliação e construção de prédios escolares e equipamento necessário
ao atendimento nas aldeias. Entendem os conselheiros que o ensino médio é o alicerce para o futuro
juvenil de cada povo.
Destacamos a seguir alguns depoimentos de professores indígenas manifestando sobre o tema do
ensino médio.
Lá no Karajá, os estudantes têm muitas dificuldades, porque a aldeia
fica bem afastada da cidade e os que vão para a escola na cidade às vezes vão
e outras não vão. E como tem aumentado o número de alunos, a gente pede
para o Estado e ele não tem vaga para nossos estudantes, só para a primeira
fase do Ensino Fundamental. (Prof. Karajá, Ilha do Bananal -MT).
No estado de Mato Grosso temos três escolas que oferecem ensino
médio em áreas indígenas, por iniciativa da Missão Salesiana, duas escolas
em área Xavante, e uma escola que foi construída pela própria comunidade.
Com relação à Missão Salesiana, as escolas foram implantadas sem a
discussão de currículo e necessidade da comunidade; tudo se define a partir
dos objetivos da missão (...). Com relação à outra escola, na área Bakairi.
Nessa escola, para evitar problemas, foi realizadas reunião com a
comunidade para discutir a implantação do ensino médio na aldeia (...).
(Professor Bakairi).
Sonho com o Ensino Médio e com o Ensino Superior. Mas para isso
temos que pensar na formação de nós, educadores, porque, sem isso, não
podemos estar reivindicando aqui. Muitas vezes as Secretarias dizem “como
vocês querem ter ensino médio se não tem professores qualificados para isso.
(Professor Paresi).
É nítida a preocupação dos professores indígenas com a sua formação acadêmica que lhes
possibilite um bom desempenho na formação de cidadãos indígenas comprometidos com o seu povo.
Veremos a seguir alguns indicadores destacados pelos participantes indígenas para definir uma política de
ensino médio contextualizado:
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
84
“Que ensino médio queremos?”
“O que fazer para concretizar ensino médio que
queremos?”
- Proposição: política de ensino superior para os - Mobilizar os diversos grupos para discutir a
povos
indígenas
ensino
médio
-
casamento
gestão da escola, recursos humanos e de infra-
progressivo com o ensino superior.
estrutura para a escola em parcerias com o Estado.
- Que permita acesso ao ensino superior.
-Implantação gradativa do ensino médio de acordo
- Educação vinculada ao projeto societário dos com as necessidades e possibilidades entre Estado
povos indígenas.
e comunidade.
- Que haja um elo de ligação entre o ensino - Realização de seminários regionais envolvendo
fundamental e médio, inclusive nos aspectos lideranças indígenas, professores indígenas e atores
diferenciado, específico, intercultural e realidade institucionais
sociolingüísticas.
-
Condições
(SEDUC,
IBAMA,
FUNAI,
Universidades e outros).
materiais
adequadas
para
o
- Mobilizar o CNE e os CEE para normatizar
desenvolvimento do trabalho pedagógico, como o
propostas de ensino médio indígena com formação
acesso à informática, laboratório, biblioteca etc.
profissionalizante específica.
- Considerar os princípios gerais da educação - Os estados e a União devem criar mecanismos
escolar indígena estabelecido nos RCNEIS.
para a elaboração e a publicação de material
didático específico para cada povo, considerando,
inclusive, o material necessário para as escolas
indígenas de ensino médio, resguardando a autoria
indígena.
Fonte: MEC – Anais do Seminário “Políticas de Ensino Médio para os Povos Indígenas” 1994.
Em Mato Grosso, segundo os dados da Equipe de Educação Escolar Indígena da SEDUC, as
escolas que atendem ao ensino médio nas aldeias são nove, das quais quatro municipais funcionam como
salas de extensão de escolas das cidades e seguem suas orientações pedagógicas e administrativas.
Está em evidência que os povos indígenas, por meio de seus representantes, vêm definindo como
fundamental a relação entre a educação básica e o ensino superior, tendo como foco nesse processo o
ensino médio, articulado com os interesses e projetos societários de cada povo, assim como aos princípios
da educação escolar indígena. A abertura iniciada pelo MEC, passa a ser referência para um novo diálogo
institucional da educação com os protagonistas indígenas, possibilitando propor políticas que atendam
perspectivas de mudanças na melhoria da educação escolar indígena, principalmente para a inserção deste
processo na política de Estado. E que será um desafio para o sistema de ensino incluir esta etapa da
educação básica conforme as suas especificidades etno-culturais.
A partir de 2003, o ensino médio e o ensino superior foram pautadas pelos representantes
indígenas e pelo Departamento de Educação da FUNAI ao MEC para se construir uma política de
atendimento nas instituições públicas do sistema educacional de ensino.
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
85
4.2. Os desafios para a democratização do ensino superior indígena
Como vimos anteriormente, a pauta do ensino superior indígena está presente também na
reivindicação de melhoria da qualidade da educação básica. Nos depoimentos, os professores e suas
comunidades estão preocupados com os novos paradigmas da sociedade brasileira e do mundo. As
mudanças são aceleradas em diversos setores e com elas acontecem as transformações no âmbito social,
no político e no econômico, que movem a humanidade, e que vêm interferindo direta e indiretamente nas
comunidades indígenas e exigindo novas estratégias para enfrentar o mundo exterior. A defesa do
território e a proteção do patrimônio cultural indígena são algumas das temáticas defendidas pelos povos
indígenas nas discussões sobre o ensino superior.
E como se defender do impacto da sociedade ocidental sem perder a identidade? Foram cinco
séculos de contato e escolarização com perdas irreparáveis. As sociedades indígenas vêm acumulando
saldos negativos na relação com a dita civilização ocidental.
Pensar a partir do exposto tem levado os representantes a questionar “que ensino superior
queremos?” Partindo da revisão das atuais ações no ensino superior e visando a uma reforma nas políticas
de curto, médio e longo prazos, propõe-se a construção de uma nova relação com a universidade. Não
mais na condição de objeto de pesquisa, mas sim como protagonista participante da formação acadêmica.
A Constituição Federal, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação e Plano Nacional de Educação
são legislações que expressam a garantia da cidadania plena dos povos indígena a partir do
reconhecimento da diversidade sociocultural no país.
Neste momento em que as universidades públicas brasileiras estão discutindo uma reforma
universitária para romper com o processo que resultou no atendimento das elites é necessário alterar essa
instituição para que não continue sendo aristocrática e elitista.
Nos discursos oficiais o governo apresenta uma proposta que defende:
(...) uma universidade pública gratuita, inclusiva e cidadã. Pela valorização
da universidade pública e defesa da educação como um direito de todos os
brasileiros. (Reforma da Educação Superior, catálogo, MEC, 2004: .2).
É nesse o contexto em que o ensino superior indígena vem sendo debatido pelos movimentos e
organizações indígenas, no âmbito do Ministério da Educação. Nesse sentido, as discussões tiveram dois
momentos históricos como pauta institucional dos povos indígenas e do Ministério da Educação: a
primeira, em 1999, quando a Universidade do Estado de Mato Grosso - UNEMAT, apresentou pela
primeira vez no Comitê de Educação Escolar Indígena do MEC o Projeto de 3º Grau para formação e
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
86
habilitação de professores indígenas (como Curso de Licenciaturas Específicas), para atender à educação
básica nas aldeias. O segundo momento importante do ensino superior indígena no MEC foi em 2001, no
estado de Roraima quando realizou-se o IIº Seminário de Povos Indígenas e o Ensino Superior, onde o
movimento indígena apresentou o documento final, intitulado Carta de Canauani, a qual depois foi
encaminhada ao Conselho Nacional de Educação – CNE, solicitando consulta quanto à oferta de ensino
superior para a formação de professores indígenas daquele Estado.
Esse documento importante dos povos indígenas de Roraima desencadeou o Parecer n.º 10/2002,
que respaldou a legítima reivindicação do ensino superior para atender à formação de professores
indígenas. O mérito desse pleito foi acompanhado pelo Conselheiro Carlos Roberto Jamil Cury. Até
então, a responsabilidade de atender a demanda nos diferentes cursos era da Fundação Nacional do Índio,
por meio do atendimento individual daqueles indígenas que concluíssem o ensino médio na aldeia ou fora
dela.
As experiências das duas universidades na formação de professores indígenas irão balizar
elaboração de diretrizes nacionais que nortearão a política de formação acadêmica do professor indígena.
Outra contribuição importante desde o ano de 2001 foi o trabalho da Comissão Nacional de
Professores Indígenas no MEC, por meio de documentos encaminhados à SESU para abrir a discussão e
pauta sobre essa demanda21. Ainda no governo passado o CNPI encaminhou novos documentos
chamando a atenção sobre a demanda do ensino superior. O trecho do documento encaminhado ao
secretário da SESU ressalta a reivindicação da CNPI:
A Comissão Nacional de Professores Indígenas, (...) após discutir e analisar
a situação da educação escola indígena nos diferentes estados da federação, e
constatar que os dispositivos constantes no Plano Nacional de Educação (Lei
l0.172 de 2001) e nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Escolar Indígena (Parecer CEB/CNE l4/99), não estão sendo cumpridos
pelas diferentes esferas do governo. (Doc. CNPI/MEC, 2002).
No entanto foi a partir do Programa Diversidade na Universidade que o ensino superior indígena
passou a ter destaque nas secretarias do ensino médio e do ensino superior.
As políticas de ação afirmativa, sobretudo o Programa Diversidade na
Universidade
-
Acesso
à
Universidade
de
Grupos
Socialmente
Desfavorecidos - instituído ao apagar das luzes do segundo mandato de
Fernando Henrique Cardoso, e repercutindo iniciativas como a do programa
“Políticas da Cor”, do Laboratório de Políticas Públicas da UERJ, com
financiamento da Fundação Ford, enfrentam hoje o desafio de conhecer esse
21
Sobre o assunto ver a Coletânea de Documentos da CNPI/MEC-2004.
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
87
mundo específico da educação escolar indígena (...). (SOUZA LIMA et all.
LACED, MN-UFRJ, 2002).
De fato, o desafio está na Universidade contemplar as especificidades e transformá-las em
políticas afirmativas, em parceria com os povos indígenas.
Em Mato Grosso, desde a década de 80 o movimento indígena vem apresentando demanda para
o ensino superior, mas principalmente no campo da formação de professores indígenas. No entanto, só a
partir de l995, com a criação do CEI-MT, o governo atendeu a esse pleito. Como fruto da Conferência
Ameríndia, a reivindicação foi referendada e criou-se uma Comissão Interinstitucional que trabalhou no
projeto durante três anos:
O Projeto de Cursos de Licenciaturas Específicos para a Formação de
Professores Indígenas, elaborado no período de l997 a 2000, pela Comissão
Interinstitucional e Paritária, criada pelo Decreto n.º l.842, de 21 de
novembro de l997, do Governo do Mato Grosso, contém os pontos
norteadores da discussão acerca da formação de professores indígenas em
nível superior. (Governo do Estado de Mato Grosso, 2001).
A Comissão construiu o projeto a partir das proposições vindas das comunidades indígenas, das
entidades e órgãos não governamentais, que definiram os eixos políticos pedagógicos conforme os
interesses dos povos indígenas, resultando num trabalho coletivo referendado pelo Conselho de Educação
Escolar Indígena.
Portanto, a formação de professores é uma necessidade que vem sendo discutida desde a criação
de escolas nas aldeias e se intensificou nos últimos anos em decorrência do aumento da demanda por
escolas.
Nisso, novas demandas foram surgindo na formação no ensino superior, e que atualmente vem
apresentando duas frentes de atuação: a formação de professores indígenas para atender à educação
básica, e a formação de quadros profissionais (bacharéis) em diferentes áreas para atender à demanda dos
povos indígenas nos projetos societários.
É fundamental destacar que essas duas frentes são diferentes na sua característica formativa: a
formação de professores indígenas no ensino superior tem o objetivo de formar e habilitar docentes em
serviço e requer uma especificidade curricular, baseada nos princípios de reafirmação da identidade
étnica; na valorização dos conhecimentos tradicionais e no reconhecimento da memória histórica.
Portanto, é um processo de formação em serviço, conjuntamente com a docência. A atuação de
professores indígenas se dá nas escolas das aldeias, no processo de escolarização da criança e do jovem
indígena. A formação de quadros profissionais requer conhecimentos técnicos e determinadas habilidades
e competências específicas, que possam atender aos projetos societários dos povos indígenas. As
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
88
lideranças e representantes indígenas têm expressado o pensamento indígena sobre o assunto na seguinte
direção:
A diversidade deve estar plenamente presente nas universidades, porque é lá
onde se produzem os conhecimentos e se provocam mudanças na cabeça das
pessoas. A universidade deve se preparar para receber os indígenas,
inserindo-se em políticas de preservação e promoção de culturas indígenas.
A ocupação de espaços na universidade e o domínio do conhecimento dos
brancos são estratégias de conquista e defesa dos direitos indígenas.22
Na busca de novos mecanismos que viabilize a construção de políticas de desenvolvimento com
democracia, com justiça social, entendo que a universidade deva atender à diversidade cultural existente
no país, com uma formação acadêmica mais humana e voltada para a construção de políticas sociais.
O líder indígena Gersen Baniwa (2004) enfatiza em seu discurso:
Para pensar e construir novas políticas deve-se transformar as bases técnicas,
administrativas e financeiras vigentes de uma burocracia que nega os direitos
indígenas ao negar as diferenças. Os conhecimentos indígenas não são
valorizados na universidade (...).23
Para traçar as ações que combatam a resistência contra os índios, bem como a desigualdade
social e cultural na universidade, é necessário começar a repensar os princípios que lhes dão suporte e
definir as linhas de ação necessárias para superá-los.
Nesse sentido, vejo que a reforma universitária é a oportunidade de revolucionar a educação
brasileira, se ela tiver a autonomia para influenciar sobre as políticas macroeconômicas atinentes à
reestruturação da produção e à reforma do Estado. Se quisermos construir uma Universidade que seja
mediadora da educação, que atenda o novo projeto nacional proposto pelo governo, é imprescindível o
investimento na universalização de todos os graus de ensino. Devemos trabalhar para a educação contínua
do cidadão, independentemente de sua condição social, política, econômica, ideológica ou étnica.
Considero que a democratização do acesso aos cursos superiores pelos povos indígenas, a
garantia da permanência e conclusão dependem de políticas públicas permanentes iniciadas desde a
educação básica.
Por isso, a universidade deve atender a esse chamamento do novo projeto nacional para as
populações indígenas, mas sem ignorar as dificuldades e desafios que terá que enfrentar internamente e,
22
Azelene Kaigang proferiu palestra na mesa redonda no seminário do LACED, setembro de
2004.
23
Trecho do discurso proferido no Seminário “Desafios para uma Educação Superior para os
povos indígenas no Brasil”, Brasília, 2004.
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
89
às vezes, externamente. Cabe aos povos indígenas questionar que princípios devem nortear o seu ensino
superior, principalmente na formação de quadros profissionais. Quais políticas de ensino superior a serem
implementadas na graduação, na pós-graduação e na formação continuada do indivíduo. Na educação
básica, a formação escolar é diferenciada, coletiva e comunitária. Os cursos oferecidos pelas
universidades não podem banalizar ou folclorizar temas como a cultura e o território. Não podem incluir
temas indígenas apenas para justificarem que esses cursos atendem à realidade indígena.
Hoje os povos indígenas estão clamando por justiça social e têm como perspectiva a promoção
de mudanças dos futuros profissionais que vão lidar com a diferença cultural, o que requer compromisso
social e de cidadania. Para tanto, é necessária a participação indígena em todas as fases de elaboração das
políticas no ensino superior, rompendo com o modelo segundo o qual os povos indígenas são meros
objetos de pesquisa e da formação. É preciso criar uma nova relação e novas práticas, nas quais os povos
indígenas sejam sujeitos desse processo formativo na sua elaboração, execução e avaliação, requisitos
básicos para a formulação de políticas públicas no ensino superior.
A Universidade deve assumir a reforma universitária com democracia e justiça social, sem
resistência a mudanças nos seus currículos, dispondo-se a oferecer serviços de qualidade à população,
propiciando novas oportunidades de inclusão social. Ao reconhecer a diversidade cultural existente no
país, deixará de ser uma universidade prestadora de consultorias e serviços, passando a ser uma
universidade que atende a realidade brasileira.
É sob essa perspectiva que vejo o ensino superior no Brasil, a partir da reforma universitária que
reformará os seus princípios para atender aos povos indígenas na luta, por autonomia, gestão e defesa
territorial e preservação da vida comunitária.
Como diz o próprio texto da Reforma Universitária proposta pelo MEC:
Democratizar é construir de maneira participativa um projeto de
educação de qualidade social que promova o exercício pleno da cidadania.
Profundamente inseridas na sociedade civil e com uma gestão democrática e
participativa, as universidades e as instituições públicas e privadas devem
produzir, de forma concertada, uma nova estrutura organizativa que dê
sustentação para os desafios presentes e futuros do ensino superior no país.24
Nesse contexto dois eventos importantes foram realizados no ano 2004 para discutir com as
universidades, órgãos públicos, indígenas e demais entidades da sociedade civil e de apoio à causa
indígena. O primeiro foi denominado “Desafios para uma Educação Superior para os Povos Indígenas no
Brasil” e foi organizado pelo LACED. O segundo foi a Conferência Internacional do Ensino Superior
Indígenas, organizado pela UNEMAT. Esses eventos desencadearam no MEC a criação da Comissão do
Ensino Superior Indígena para propor políticas que contemplem a realidade dos povos indígenas.
24
Trecho do documento sobre a Reforma Universitária do MEC, 2004, p.2.
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
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Finalmente, consideramos que a normatização do ensino superior no Brasil se dará inicialmente
com as licenciaturas específicas, para atender à demanda de professores indígenas. A proposta que se
encontra no Conselho Nacional de Educação, foi apresentada em setembro de 2004, por mim,
representante indígena naquele Conselho.
O desafio das universidades é de pensar políticas públicas com os povos indígenas em vários
campos de formação acadêmica, que venham a convergir com a diversidade sociocultural brasileira, para
que possa contribuir para uma nova relação entre a universidade e a diversidade. Só assim podemos ver se
a universidade será capaz de respeitar e atuar com base no compromisso social e no respeito à autonomia
dos povos indígenas.
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O processo de inclusão das escolas indígenas no sistema oficial de ensino de Mato Grosso está
sendo discutido pelo segmento da educação escolar indígena e tem como fundo o protagonismo indígena.
Nesse trabalho procurei expor o processo histórico e os seus desdobramentos nas escolas
indígenas nos dias atuais. Defendi aqui que a conquista da escola específica, diferenciada e intercultural
só será consolidada como política educacional no sistema de ensino na medida em que as instituições
responsáveis promovam mudanças que permitam o atendimento da diversidade sociocultural.
É preciso evidenciar as ações que contemplem a diversidade, a partir do reconhecimento da
identidade de cada povo, do seu ser indígena, de modo que a educação escolar indígena não se limite
apenas ao contexto escolar. A dimensão cultural de cada sociedade é um aspecto fundamental que o
sistema de ensino necessita decodificar para compreender o projeto político pedagógico indígena como
uma totalidade diferente daquela do mundo ocidental.
Por isso, ao longo do trabalho, busquei mostrar o contexto em que a educação escolar indígena
interage com as demais instâncias de controle social como as instituições públicas governamentais, como
um espaço de diálogo e de construção, com vistas ao protagonismo indígena. Como vimos, é assegurado
pela legislação educacional para que as sociedades indígenas e o poder público participem
democraticamente desse processo.
Na medida em que todos participem de uma dinâmica política que ultrapasse o
setor educacional, poderemos constituir espaços de consecução das finalidades
da educação brasileira em geral e da indígena em particular. A pluralidade
representativa deve permear as políticas públicas possibilitando a convergência
de temas gerais com os ideários educacionais (CURY, 2001).
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
92
Como observadora participante, pude constatar que as instâncias democráticas de participação
têm ampliado a visibilidade da educação escolar indígena no âmbito do poder público e das entidades
educacionais em todas as modalidades e níveis de ensino. A participação indígena tem chamado a atenção
para que ocorram mudanças na educação brasileira, quer no cumprimento da legislação, quer na
ampliação dos investimentos na educação escolar.
Nos dados obtidos evidenciei o crescimento do alunado e a incompatibilidade do sistema em
atender à demanda nas aldeias. O balanço das políticas educacionais indígenas em Mato Grosso indica
que existem ainda muitos a serem sanados para que as escolas indígenas sejam atendidas adequadamente.
Vozes de resistência coletadas em diferentes eventos expressam o entendimento e proposições sobre a
temática da educação escolar indígena, e retratam um ponto de vista coletivo e comunitária. A relevância
dos depoimentos nos revela os “bastidores” do processo de inclusão dessas escolas no sistema de ensino,
que está distante da realidade e principalmente indiferente a diversidade cultural na elaboração das
políticas.
Pode-se verificar que em Mato Grosso houve avanços apenas pontuais nas políticas para a
educação escolar indígena. Um governo democrático que possui uma trajetória política de
comprometimento com o social deveria institucionalizar o processo de inclusão das escolas indígenas no
sistema oficial de ensino e cumprir a legislação, bem como a implantar integralmente a Gestão
Democrática nas escolas públicas do estado. As escolas indígenas municipais ainda estão condicionadas
às políticas locais, dificultando o acesso à gestão democrática.
Outra questão detectada foi a descontinuidade de programas e projetos em andamento ou em fase
conclusiva. Sem a alocação de recursos financeiros os projetos demoram a alcançar a sua conclusão,
gerando descontentamento por parte dos beneficiários indígenas. Apesar de alguns municípios tentarem
melhorar a situação educacional, ainda há um distanciamento entre a comunidade e o sistema municipal,
que inviabiliza uma política pública de qualidade. Ocorrem situações em que o mesmo povo está
distribuído em diferentes municípios, o que conseqüentemente desestabiliza a sua política de mobilização
e de organização social.
A discussão existente no meio indígena é quanto à participação em todo o processo da
construção das políticas nas diferentes instâncias governamentais, e também a mudança na forma
institucional de atendimento às necessidades comunitárias. Para o sistema de ensino é uma mudança
radical da lógica institucional. Apesar da reforma do Estado, descentralizando suas ações e competências,
a institucionalização democrática está longe de ser exercida, pois a gestão dos sistemas de ensino está
ainda enraizada num distanciamento entre sociedade e Estado. Por isso há resistências, na burocracia do
Estado e nos ditames do poder Executivo, que não vêem com bons olhos a participação democrática.
Analisei documentos, relatórios da secretaria estadual e dos povos indígenas que constatam a
caminhada do protagonismo indígena na busca por autonomia. No que trata da educação escolar, o
protagonismo indígena pode ser expresso pela capacidade crescente dessas sociedades exercerem o
controle especialmente sobre as seguintes decisões:
a) decisões acerca do acesso, administração e aplicação dos recursos externos disponibilizados
pela escola;
b) decisões acerca da forma de gestão e da organização curricular e;
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
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c) decisões sobre a política de formação de professores.
A escola indígena será construtora do protagonismo indígena na medida em que incorporada às
comunidades, lhes ensejará maior capacidade de decisão sobre si e sobre os demais elementos culturais
externos advindos do convívio intersocietário. Porém persistem os entraves burocráticos que contradizem
o imperativo legal referente à educação escolar indígena. Para tentar aproximar a realidade indígena do
institucional e buscar compreender um sistema educacional ocidental tão complexo e contraditório, os
profissionais indígenas procuram se instrumentalizar por meio de formação continuada.
Outro aspecto abordado foi a necessidade de oferta de educação escolar em todas as modalidades
e níveis de ensino. Nesse sentido, a ampliação do ensino fundamental das séries iniciais até o ensino
superior redimensionou as instâncias responsáveis para que implementasse políticas afirmativas que
contemplem o contexto diferenciado indígena.
Vale destacar que o ensino médio e o ensino superior para os povos indígenas terão que
corresponder às expectativas e necessidades comunitárias e não às institucionais. A discussão está agora a
cargo do Poder Executivo, como desafio à construção de políticas públicas específicas que conduzam à
conquista da autonomia indígena.
Nessa perspectiva, constata-se que também o sistema de ensino superior está desvinculado da
realidade brasileira, necessitando, de fato, de uma reforma mais profunda nos sistemas educacionais,
principalmente naqueles responsáveis pela formação de professores. Os dados estatísticos nacionais
indicam que a educação brasileira está em processo de mudança.
Com esse trabalho, espero responder em parte aos questionamentos propostos e oferecer às
comunidades, professores indígenas, ao sistema de ensino e demais segmentos envolvidos direta ou
indiretamente, e também aqueles comprometidos com a melhoria do ensino público, um instrumento para
análise e reflexões acerca da temática. Procuro discutir às questões mais prementes que dificultam os
processos de autonomia e da construção de uma escola indígena plural e capaz de responder aos anseios
de nossos povos e aos desafios da modernidade. Busco os caminhos da construção de escolas indígenas
pensadas, planejadas e gerenciadas de acordo com o projeto societário de cada povo.
Percebo que o processo de inclusão das escolas indígenas no sistema oficial de ensino está ainda
longe da sua efetivação. Requer ainda uma mudança da lógica do sistema educacional, assim como o
reordenamento organizacional das estruturas básicas.
Constato ainda que as escolas indígenas encontram dificuldades em implementar currículos
próprios, em virtude das condições estruturais e pedagógicas em que se encontram, principalmente para
atender ao ensino médio.
Percebo a existência de um choque dessas com as políticas institucionais, bem como um conflito
entre o sistema tradicional indígena e o sistema escolar regular. O que temos ainda são escolas indígenas
reguladas e não diferenciadas.
Portanto, a educação escolar está vivendo conflitos, tensões e expectativas permanentes que
afetam todas as comunidades educativas. Isso gera um mal-estar e muitas incertezas quanto às reais
intenções das políticas dos governos para com os povos indígenas.
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
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É preciso reconstruir as relações entre as diversas sociedades sobre bases mais igualitárias e
verdadeiras e isso é e será mais um desafio para o protagonismo indígena.
Francisca Navantino Pinto de Ângelo
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