o milionário

Transcrição

o milionário
reportagem
CARLOS DIAS
O MILIONÁRIO
DO TEMPO
Montou uma pequena oficina de relógios num momento em que a
indústria relojoeira suíça andava pelas ruas da amargura. Um dia,
recebeu a visita do sultão do Brunei e, como não tinha nenhum relógio
para vender, ofereceu-lhe o seu. A marca cresceu e, antecipando a
crise, Carlos Dias vendeu-a ao grupo Richemont, que chegou a
convidá-lo para CEO. Hoje, dedica-se aos vinhos e possui oito quintas
espalhadas pelo país, mas também um hospital privado, centros de
saúde e uma empresa de software clínico
marca o nome do amigo. «No início, não
me aconselhavam a pôr aquele nome porque era impronunciável. Dubuis, por
exemplo, confundia-se com Dubois, mas
eu, à força de ouvir tantas críticas, decidi
avançar porque talvez isso fosse mais uma
razão para atrair a atenção das pessoas.
Além disso, na Suíça era mais credível o
nome dele como marca relojoeira do que
o meu», explica o empresário.
Entrevista de Jose Manuel Moroso Fotografias de Miguel Silva
NASCEU em Águeda a 26 de Abril de
1956 e partiu para Paris com apenas 17
anos à procura de uma vida melhor. Fez
de tudo um pouco e o seu génio inventivo
e capacidade de trabalho iam-se revelando nas mais pequenas coisas. Lembrou-se, por exemplo, de dar cores ao algodão
doce que se vendia nas ruas e o mínimo
que se pode dizer é que fez sucesso. O empresário estava a nascer e de projecto em
projecto alcançou o que nenhum portu-
A sua criatividade ia-se revelando
nas mais pequenas coisas.
Lembrou-se, por exemplo,
de dar cores ao algodão doce
que se vendia nas ruas
50 l SOL
19/12/14
O sucesso da Roger Dubuis
guês conseguiu até hoje: ser proprietário
de uma marca de relógios suíços e que rapidamente fez furor por todo o mundo.
Falamos de Carlos Dias e da marca Roger Dubuis, que criou praticamente do
nada. A indústria relojoeira suíça andava então nas ruas da amargura, asfixiada
pela nova moda dos relógios de quartzo
lançada pelos japoneses nos anos 70 e onde
a pilha se sobrepunha aos complexos movimentos mecânicos. A grande maioria
dos mestres relojoeiros arrastava-se na
miséria e alguns sobreviviam à custa de
pequenas oficinas de vão de escada.
Foi aqui que Carlos Dias espreitou a
oportunidade. Conheceu o relojoeiro Roger Dubuis e daí nasceu uma amizade qu
e deu frutos. Carlos Dias resolveu dar à
No arranque faziam ainda poucas peças,
desenhadas por Carlos Dias e trabalhadas pelo mestre relojoeiro Roger Dubuis
e outros seus assistentes. Até que um curioso episódio viria a mudar o percurso
da própria empresa. Num dia 23 de Dezembro, Carlos Dias recebeu o telefonema de um director de hotel seu amigo,
que lhe comunicou que o sultão do Brunei estava em Genebra e que tinha visto
um relógio seu pelo qual se apaixonara e
que estava decidido a adquirir. Carlos
Dias, em arrumações para fechar para
férias a pequena manufactura na véspera de Natal, comunicou então que isso
era impossível porque não tinha qualquer relógio disponível para venda. «Não
me diga isso – retorquiu o director do u
19/12/14 SOL
l 51
hotel. O sultão é um grande coleccionador e eu não o posso desiludir. Ele vai
mesmo agora para aí». Quando chegou
ao pé de Carlos Dias, o sultão viu que, de
facto, não havia nenhum relógio para
vender. Ao ver a sua cara de tristeza, Carlos Dias propõe-lhe a única solução possível: oferecer-lhe o relógio que ele próprio tinha no pulso. Reconhecido, o sultão faz-lhe então uma encomenda, mas
avisa-o que só está interessado em relógios com o número 1. Assim será, responde Carlos Dias, acrescentando que na
próxima série de 25 iria reservar o número 1 para ele. «25? Faça antes 28 de
cada série. Esse é o número da sorte»,
propôs o sultão. De facto, a partir desse
dia Carlos Dias ganhou um dos seus
Vendeu a sua marca de alta
relojoaria, a Roger Dubuis,
à Richemont, e foi convidado
para ficar como CEO
do grupo. «Não aceitei»
maiores clientes e ainda o facto de o 28
se ter tornado o número talismã para a
Roger Dubuis.
Foram aumentando as encomendas, a
fama foi crescendo e em pouco tempo a
marca desfilava no Salão de Alta Relojoaria, em Genebra, ao lado das maiores referências mundiais. O segundo passo, mas
igualmente importante, foi a construção
de uma moderna e sofisticada manufactura. «Perguntam-me sempre onde conse-
gui o dinheiro para arrancar e eu respondo que os três grandes sucessos de marcas conhecidas na relojoaria foram obtidos por aquelas que começaram quase
sem dinheiro; nós, a Frank Muller e a Richard Mille», adianta Carlos Dias.
A afirmação de um estrangeiro num
meio muito conservador e fechado como
é o universo da alta relojoaria suíça não
foi fácil, mas a frieza dos números fala por
si: a fortuna de Carlos Dias chegou a estar entre as 300 maiores da Suíça.
todos. «Comecei a ver desenhada, em
2007, uma conjuntura de crise internacional e pensei que tudo iria ‘explodir’ de
um momento para o outro. Depois, sentia-me também muito cansado devido ao
esforço gigantesco que despendi para
construir a marca a partir do zero. Daí a
minha decisão em vender», explica o empresário, acrescentando que chegou a ser
convidado para ficar como CEO do grupo
Richemont. «Não aceitei».
Deixado para trás o universo da alta relojoaria, que lhe rendeu centenas de milhões de euros, Carlos Dias é tomado por
uma outra paixão, esta bem mais antiga
e que vem dos tempos em que trabalhou
em Paris, então na cadeia de hotéis Ramada, onde se ocupava da compra de produ-
A venda da marca
Perante tamanho sucesso, a notícia da
venda da Roger Dubuis, há cinco anos, ao
grande grupo suíço Richemont na área
dos artigos de luxo, surpreendeu tudo e
Enquanto trabalhava num hotel
em Paris, Carlos Dias recebia
os melhores vinhos para decidir
se os compraria. «Fui assim
recebendo uma educação
que normalmente custa
muito dinheiro»
UMA PARTE dos jardins
do idílico Paço de Palmeira,
perto de Braga
tos como o vinho, entre outros. «Todos os
dias recebia os melhores vinhos do mundo para provar e, eventualmente, comprar. Fui assim recebendo uma educação
que normalmente custa muito dinheiro e
à qual eu não teria acesso não fosse o cargo que desempenhava. Comecei a perceber de vinhos e foi aí que nasceu essa minha outra paixão para além da relojoaria».
DR
Depois da relojoaria, os vinhos
Em 2009 quer dar início a esta nova fase
da sua vida profissional e, amante que é
dos vinhos de Bordéus e da Borgonha, fica
tentado a comprar um castelo na primeira destas regiões, em Pauillac. Não o fez e
voltou as suas atenções para o Alentejo e
para o Douro. Entretanto, um telefonema
do irmão que vive em Portugal abriu-lhe
uma segunda hipótese: estava à venda
uma propriedade na Bairrada, as Colinas
de S. Lourenço. Sendo uma zona que mui-
CARLOS DIAS e a sua
grande paixão: a destilaria
montada na Quinta da Pedra
to aprecia, compra a quinta, a primeira
das oito que hoje possui. A sua estratégia
era simples; apostar também no Dão e no
Minho, na região dos vinhos verdes, diversificando assim o seu portfólio e as
oportunidades de negócio.
Nascia aqui o grupo Idealdrinks. Das
Colinas de S. Lourenço saem vinhos
como o Colinas (brancos, tintos, rosés e
espumantes Brut), o S. Lourenço e o Principal, cujo Grande Reserva Tinto 2009 foi
considerado um dos 10 melhores do mun-
do pela prestigiada revista italiana Spirito di Vino. Com estes resultados, a entrada de Carlos Dias no mundo dos vinhos continuava a demonstrar o seu
ADN de grande empresário.
A paixão que põe ao mostrar o seu trabalho não deixa dúvidas quanto ao seu envolvimento neste novo projecto. Na Quinta da Pedra (entre Monção e Melgaço),
comprada em 2010 à UNICER, os olhos brilham quando apresenta as suas ‘criações’.
O portão da quinta em vidro, os vasos u
19/12/14 SOL
l 53
UMA das salas
do Paço de Palmeira
DR
«Os mestres relojoeiros estão a perder o seu lugar.
Os movimentos constroem-se, hoje, com recurso
ao computador e um movimento que antes demorava
dois anos a trabalhar e a ensaiar, hoje faz-se num ápice»
feitos no Mónaco, o desenho da adega (feito pela sua mão), o enólogo por ele escolhido, Pascal Chatonnet, e que considera
«um dos dois ou três melhores do mundo», tudo revela o cuidado do proprietário. Mas não é tudo: «A escolha do perfil
dos vinhos sou eu quem a faço», revela
Carlos Dias com orgulho.
Amante dos vinhos de Bordéus,
esteve tentado a comprar
um castelo nesta região,
em Pauillac, mas acabou por
escolher as zonas da Bairrada,
Dão e Minho
Alvarinho, Loureiro
e aguardente
Exigente, minucioso, procura nos seus
colaboradores total empenho. Em troca,
nada lhes falta. À Quinta da Pedra também não. Junto à adega onde são feitos
os vinhos com a casta Alvarinho e os vinhos com a casta Loureiro do Paço de
DA CASA DE BRAGANÇA ATÉ CARLOS DIAS
O PAÇO de Palmeira é uma gran-
cio um seu sobrinho, D. Pedro
O Paço de Palmeira mantém-se
de casa senhorial que se ergue, em
Henriques de Bragança, primei-
nas mãos desta família ao longo de
cenário idílico, numa zona onde se
ro duque de Lafões, e filho ilegí-
três gerações e é a convite dos Vi-
Entretanto, em 1960, o Banco
juntam os rios Cávado e Homem,
timo de D. João V e da religiosa
lhena Coutinho que Camilo Caste-
Português do Atlântico, na altu-
constituindo uma jóia arquitectó-
Madalena Máxima de Miranda.
lo Branco visita o palácio, a 11 de
ra presidido por Artur Cuperti-
Em 1761, o seu irmão D. João
Junho de 1851, dedicando-lhe um
no de Miranda, adquire o Paço,
A sua história é imensa e reme-
Carlos de Bragança, segundo du-
poema que ilustra bem a beleza
que em 1995 passa para as mãos
te-nos ao século XVIII, altura em
que de Lafões, passa a gerir o palá-
circundante.
do BCP na sequência da OPA que
que D. José de Bragança, filho
cio. Figura conhecida nos meios
«Meu Deus! Que imenso amor
natural do Rei D. Pedro II, com-
culturais e fundador da Real Aca-
nesta tristeza!/ Que doçuras nos
Finalmente, o Paço de Pal-
pra a propriedade ao padre An-
demia das Ciências, acaba por ven-
dás embalsamadas/ Em perfumes
meira chega às mãos de Carlos
tónio Alvarenga Peixoto para aí
der a casa senhorial (1799) a D.
do céu! Que musas fadas/ Vestiste
Dias que em 28 ha dos 32 ha to-
construir a sua residência de Ve-
Gaspar José da Costa Pereira de
aqui do alvor da Natureza!».
tais da propriedade planta vi-
rão. Estávamos no ano de 1741 e
Vilhena Coutinho, que desta for-
Em 1934, o Paço de palmeira é
nha com a casta Loureiro e de
17 anos depois, por sua morte,
ma se torna o sucessor de três ele-
adquirido pelo britânico Sir Rode-
cujas uvas faz os vinhos Emi-
sucede-lhe na ocupação do palá-
mentos da Casa de Bragança.
rick Henderson que aí viveu até
nência e Royal Palmeira.
nica bem perto de Braga.
54 l SOL
19/12/14
1945, altura que toma posse dele
Mário Baptista Coelho.
este faz sobre o BPA.
Palmeira (perto de Braga), ergue-se um
local de culto: a destilaria.
«Sempre sonhei fazer aguardentes, mas
tinha de apostar no melhor». E o melhor
é Gianni Vittorio Capovilla, considerado ‘o Papa dos destilados’. «Ele nunca antes tinha trabalhado para outrem e andei um ano atrás dele para o convencer.
Consegui». Toda a instalação, com os
sumptuosos alambiques que trabalham
essencialmente em ‘banho Maria’, custou um milhão de euros. Por aqui destila-se bagaço e frutas e como em todo o
processo não há qualquer chama, não há
metanol, o produto final chega à garganta quase como veludo. «Talvez para o ano
já esteja no mercado».
Rumamos a outro santuário, mais precisamente ao Paço de Palmeira, perto de
Braga, onde Carlos Dias pretende fazer
os melhores vinhos com as castas Alvarinho e Loureiro. Lugar idílico e com
grande história, é daqui que saem as
uvas da casta Loureiro para fazerem o
Eminência e o Royal Palmeira. Grandes
vinhos que para Carlos Dias são uma forma de valorizar o património português
e um meio de lutar «para que Alvarinhos
e Loureiros não sejam vistos como refrescos».
A fama destes néctares já passou fronteiras e Angola tem sido uma forte aposta. A Idealdrinks já aí tem os seus armazéns próprios, máquina de distribuição
e lojas. Entretanto, a Ásia é outra das metas e Macau, Hong Kong, Xangai e Pequim já bebem estes vinhos.
O provável regresso à relojoaria
Mas os negócios deste empresário passaram já para outros campos e a saúde é um
dos mais importantes. Um hospital privado em Coimbra, centros de saúde e empresas de software clínico fazem já parte do
grupo ‘mãe’, a Ideal Tower.
Com todo um império já montado, Carlos Dias parece anunciar outra surpre-
Para fazer a sua aguardente,
Carlos Dias contratou ‘o Papa
dos destilados’. «Andei um ano
atrás dele para o convencer»
sa, outro volte-face na sua vida. No seu
íntimo, o ‘bichinho’ da relojoaria continua bem vivo. Por momentos interrompe o discurso dos vinhos e fala de relógios, de toda uma indústria que, diz, vai
voltar a passar por momentos difíceis
como os que a assolaram nos anos 70. Só
que agora o responsável não é o quartzo
‘made in Japan’. São os computadores.
«Os mestres relojoeiros estão a perder o
seu lugar preponderante. A construção
dos movimentos faz-se, hoje, com recurso a programas de computadores, a simulações, e o engenho e a arte vão-se per-
dendo correndo o risco de não deixar memória. Um movimento que antes demorava pelo menos dois anos a trabalhar e
a ensaiar, hoje faz-se num ápice e todos
aqueles ensaios para testar a fiabilidade
do mecanismo já estão feitos nas simulações. Infelizmente, hoje, mais importante do que um relojoeiro é o engenheiro programador. Actualmente, um relógio é muito mais do que uma peça para
ver as horas. Não é preciso andar com
um no pulso. Há-os por todo o lado, nas
ruas, nos automóveis, nos telemóveis.
Um relógio é, acima de tudo, uma peça
de culto, a afirmação do status de cada
um e não uma mera máquina de medir
o tempo». A forma apaixonada como fala
e defende todo um sector que pode estar
em perigo no que tem de genuíno, parece levantar um véu. Quererá Carlos Dias
regressar ao universo da alta relojoaria?
«Tenho sido convidado para regressar,
mas só o farei se me sobrar algum tempo
para, de novo, me dedicar a ela de alma e
coração». Depois, quase como um desabafo dito em surdina, acaba por confidenciar: «Há já dois meses que comecei a desenhar um projecto de relojoaria e se eu
conseguir tempo, vou mesmo avançar». l
19/12/14 SOL
l 55

Documentos relacionados

Um português à conquista do mundo

Um português à conquista do mundo Carlos Dias quer exportar saúde para vários países. «Criámos a Idealmed - Global Health Management e com esta empresa queremos capitalizar e clonar o nosso savoir faire.Temos uma equipa que vai des...

Leia mais