Mapa da Pobreza Urbana de São José dos Campos – SP

Transcrição

Mapa da Pobreza Urbana de São José dos Campos – SP
REVISTA UNIVAP
Universidade do Vale do Paraíba
Universidade do Vale do Paraíba
Ficha Catalográfica
Revista UniVap - Ciência - Tecnologia - Humanismo. V.1, n.1 (1993)São José dos Campos: UniVap, 1993v. : il. ; 30cm
.
Semestral com suplemento.
ISSN 1517-3275
1 - Universidade do Vale do Paraíba
A REVISTA UniVap tem por objetivo divulgar conhecimentos, idéias e resultados, frutos de
trabalhos desenvolvidos na UNIVAP - Universidade do Vale do Paraíba, ou que tiveram
participação de seus professores, pesquisadores e técnicos e da comunidade científica.
Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva de seus autores. A publicação total
ou parcial dos artigos desta revista é permitida, desde que seja feita referência completa à
fonte.
CORRESPONDÊNCIA
UNIVAP - Av. Shishima Hifumi, 2.911 - Urbanova
CEP: 12244-000 – São José dos Campos - SP - Brasil
Tel.: (12) 3947-1036 / Fax: (12) 3947-1211
E-mail: [email protected]
Universidade do Vale do Paraíba
Av. Shishima Hifumi, 2911 - Urbanova
CEP: 12244-000 - São José dos Campos - SP
Fone: (12) 3947-1000 - www.univap.br
Campus Centro:
! Praça
Cândido Dias Castejón, 116 - Centro
São José dos Campos - SP - CEP: 12245-720 - Tel.: (12) 3922-2355
! Rua Paraibuna, 75 - Centro
São José dos Campos - SP - CEP: 12245-020 - Tel.: (12) 3922-2355
Campus Urbanova:
! Avenida
Unidade Villa Branca:
! Estrada
Unidade Aquarius:
! Rua
Unidade Caçapava:
! Estrada Municipal Borda da Mata, 2020
Shishima Hifumi, 2911 - Urbanova
São José dos Campos - SP - CEP: 12244-000 - Tel.: (12) 3947-1000
Municipal do Limoeiro, 250 - Jd. Dora - Villa Branca
Jacareí - SP - CEP: 12300-000 - Tel.: (12) 3958-4000
Dr. Tertuliano Delphim Junior, 181 - Jardim Aquarius
São José dos Campos - SP - CEP: 12246-080 - Tel.: (12) 3923-9090
Caçapava - SP - CEP: 12284-820 - Tel.: (12) 3655-4646
Supervisão Gráfica: Profa. Maria da Fátima Ramia Manfredini - Pró-Reitoria de Cultura e Divulgação - Univap / Revisão: Profa. Glória
Cardozo Bertti - (12) 3922-1168 / Editoração Eletrônica: Glaucia Fernanda Barbosa Gomes - Univap (12) 3947-1036 / Impressão: Jac Gráfica
e Editora - (12) 3928-1555 / Publicação: Univap/2003
Baptista Gargione Filho
Reitor
Antonio de Souza Teixeira Júnior
Vice-Reitor e Pró-Reitor de Integração Universidade Sociedade
Ana Maria C. B. Barsotti
Pró-Reitora de Assuntos Estudantis
Ailton Teixeira
Pró-Reitor de Administração e Finanças
Elizabeth Moraes Liberato
Pró-Reitora de Avaliação
Élcio Nogueira
Pró-Reitor de Graduação
Fabiola Imaculada de Oliveira
Pró-Reitora de Pós-Graduação Lato Sensu
João Luiz Teixeira Pinto
Pró-Reitor de Graduação do Câmpus Vila Branca de
Jacareí
Luiz Antônio Gargione
Pró-Reitor de Planejamento e Gestão
Maria Cristina Goulart Pupio Silva
Pró-Reitora de Assuntos Jurídicos
Maria da Fátima Ramia Manfredini
Pró-Reitora de Cultura e Divulgação
Francisco José de Castro Pimentel
Diretor da Faculdade de Direito do Vale do Paraíba
Francisco Pinto Barbosa
Diretor da Faculdade de Engenharia, Arquitetura e
Urbanismo
Frederico Lencioni Neto
Diretor da Faculdade de Educação
Luiz Alberto Vieira Dias
Diretor da Faculdade de Ciência da Computação
Renato Amaro Zângaro
Diretor da Faculdade de Ciências da Saúde
Samuel Roberto Ximenes Costa
Diretor da Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas
Vera Maria Almeida Rodrigues Costa
Diretora da Faculdade de Comunicação e Artes
Marcos Tadeu Tavares Pacheco
Diretor do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento
Maria Valdelis Nunes Pereira
Diretora do Instituto Superior de Educação
COORDENAÇÃO GERAL
Antonio de Souza Teixeira Júnior
SUMÁRIO
v.10
n.18
jun.03
ISSN 1517-3275
PALAVRA DO REITOR. .................................................................................... 5
EDITORIAL. .......................................................................................................... 7
A FUNDAÇÃO VALEPARAIBANA DE ENSINO (FVE) E A
UNIVERSIDADE DO VALE DO PARAÍBA (UNIVAP) ............................... 9
UM DESAFIO PARA OS CIENTISTAS DO MUNDO
Trad. Antonio de Souza Teixeira Júnior ........................................................... 1 2
LEVANTAMENTO DO PERFIL SÓCIO-ECONÔMICO DA
POPULAÇÃO RESIDENTE EM NÚCLEOS DE FAVELAS EM SÃO
JOSÉ DOS CAMPOS - SP
Rosângela Nicolay Freitas, Maria Joseane de Jesus Serpa, Friedhilde Maria K.
Manolescu ............................................................................................................. 1 4
MAPA DA POBREZA URBANA DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS - SP
Luciana Suckow Borges ...................................................................................... 2 3
BURNOUT E RESILIÊNCIA: NOVOS OLHARES SOBRE O MALESTAR DOCENTE
Fatima Araujo de Carvalho ............................................................................... 2 6
HIERARQUIAS OCUPACIONAIS ENTRE BRANCOS E NEGROS EM
ÁREAS METROPOLITANAS POBRES
André Augusto Brandão ..................................................................................... 3 5
AMBIENTES VIRTUAIS PARA A FORMAÇÃO DE EDUCADORES:
BUSCANDO UMA ESCOLA INCLUSIVA
Klaus Schlünzen Junior, Elisa T. M. Schlünzen, Renata B. Hernandes,
Marcelo P. di Santo, Adriana A. L. Terçariol, Maria G. A. Baldo, Adriano M.
Fuzaro, Andréa A. Silva, Marcos L. Souza ...................................................... 4 3
A CONSTRUÇÃO DE AMBIENTES VIRTUAIS: UMA FERRAMENTA
PARA A INCLUSÃO DIGITAL E SOCIAL DE JOVENS CARENTES
Elisa T. M. Schlünzen, Adriana A. L. Terçariol .............................................. 5 0
O ESPAÇO E O SAGRADO EM FESTEJOS RELIGIOSOS DE
COMUNIDADES RIBEIRINHAS DE PORTO VELHO, RONDÔNIA
Adriano Lopes Saraiva ....................................................................................... 5 8
ÁRVORE DA VIDA: A RAIZ E A SEIVA DA MEMÓRIA
Elizabeth Moraes Liberato ................................................................................ 6 3
BASE TECNOLÓGICA PARA O DESENVOLVIMENTO EM
ENGENHARIA BIOMÉDICA
Walter dos Santos ............................................................................................... 7 2
REVISÃO DE TEXTO
Glória Cardozo Bertti
O TERCEIRO SETOR NA INTERNET
Celeste M. Manzanete, Roberta Baldo, Gino Giacomini Filho ..................... 7 7
DIGITAÇÃO E FORMATAÇÃO
Glaucia Fernanda Barbosa Gomes
EFEITO DO COEFICIENTE VOLUMÉTRICO DE TRANSFERÊNCIA DE
OXIGÊNIO NA PRODUÇÃO DE XILITOL EM BIORREATOR DE
BANCADA
Solange Inês Mussatto, Inês Conceição Roberto ............................................ 8 3
CONSELHO EDITORIAL
Amilton Maciel Monteiro
Antonio de Souza Teixeira Júnior
Antônio dos Santos Lopes
Cláudio Roland Sonnenburg
Élcio Nogueira
Elizabeth Moraes Liberato
Francisco José de Castro Pimentel
Francisco Pinto Barbosa
Frederico Lencioni Neto
Jair Cândido de Melo
Marcos Tadeu Tavares Pacheco
Maria da Fátima Ramia Manfredini
Maria do Carmo Silva Soares
Maria Tereza Dejuste de Paula
Rosângela Taranger
Samuel Roberto Ximenes Costa
Vera Maria Almeida Rodrigues Costa
OBTENÇÃO E PURIFICAÇÃO DE QUITOSANA A PARTIR DE
RESÍDUOS DE CAMARÃO EM ESCALA PILOTO
Niege Madeira Soares, Catarina Moura, Sheila Vasconcelos, Jaques Rizzi, Luiz
Antônio de Almeida Pinto ................................................................................ 8 8
DROGAS FARMACOLÓGICAS PARA O ALÍVIO DA
ESPASTICIDADE EM PACIENTES COM ESCLEROSE MÚLTIPLA:
UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
Claudia Franco .................................................................................................... 9 3
RESENHA: A CONDIÇÃO HUMANA
Elizabeth Moraes Liberato ................................................................................ 9 5
PALAVRA DO REITOR
O Ministério da Ciência e Tecnologia elaborou documento chamado “Proposta de Discussão de
Orientações Estratégicas para o Período 2004 – 2007”.
Foram nele definidas, para apoio à P&D, como áreas estratégicas: a) espacial; b) nuclear; c)
biotecnologia e uso sustentável da biodiversidade; d) fármacos; e) tecnologia da informação; f) mudanças
climáticas; g) fontes renováveis de energia; h) nanociências e nanotecnologias.
Na área espacial é feita especial menção para as pesquisas de sensoriamento remoto, para
obtenção de imagens por satélites, que devem permitir o domínio mais seguro da proteção e crescimento
das florestas, bem como são importante elemento, no Planejamento Urbano, para a cobrança de
tributos, para dizer o mínimo.
Na área nuclear, é necessário capacitar pessoas qualificadas para dominar as soluções dos
problemas a serem enfrentados pela medicina, agricultura, monitoramento do meio ambiente e novos
materiais, como a tecnologia do processamento do urânio.
As aplicações da biotecnologia, tendo em vista o uso sustentável da biodiversidade poderão
promover o aumento da produtividade agrícola e melhorar o teor nutritivo dos alimentos, de modo a
tornar mais eficaz o potencial genético do País.
A produção de fármacos é importante para as áreas de saúde e alimentação e a atuação do
poder de compra do governo pode ser decisivo para que a P&D ajudem a produção industrial, tornando
o País menos dependente da importação.
A Tecnologia da Informação é o grande fator de desenvolvimento de todos os setores e seu
domínio é essencial para a independência de qualquer Nação. A própria inclusão digital, em geral, de
crianças e jovens, exige adequação do ensino básico para conduzir milhões de brasileiros à condição
de poder participar de modo mais decisivo do progresso geral do País. É necessário também concentrar
esforços no sentido de tornar o Brasil um exportador de “software”, como já vem ocorrendo com a
Índia, a Coréia e outros países caracterizados como em desenvolvimento. Isto nos tornará atualizados
e competitivos em uma atividade que depende fundamentalmente de estar à frente ou pelo menos
tentar caminhar junto com os inovadores. Ao mesmo tempo, é importante concentrar esforços no
“hardware”, de modo a tornar, por exemplo, o consumo de bens da microeletrônica mais independente
de importações. É relevante entender que já nos atrasamos, quiçá irreversivelmente, em microeletrônica,
e o mesmo não poderá ocorrer em Tecnologia da Informação.
A inserção dos países no contexto das mudanças climáticas faz parte de Convenções das Nações
Unidas, das quais o Brasil tem sido signatário, de modo a cooperar em atividades de Pesquisa,
Desenvolvimento, Ensino e Informações de interesse universal, principalmente no domínio de tecnologias
limpas, de modo a poder concorrer para o desenvolvimento sustentável.
O domínio das fontes renováveis de energia é importante para estar a par da antecipação
tecnológica necessária para poder utilizar, no futuro, energias alternativas, como a solar, a eólica, a
biomassa e as células combustíveis. O aproveitamento do protótipo do motor a gás, desenvolvido pelo
CTA, é fundamental neste momento em que sobra gás da Bolívia e são anunciadas novas descobertas
de depósitos. A possibilidade que o seu uso representa para um transporte de carga, em caminhões, e
de passageiros, em ônibus, é de fundamental importância para o desenvolvimento sustentável, mediante
o uso de uma tecnologia não poluente e de enorme alcance econômico.
A Nanociência e as Nanotecnologias decorrentes encontram hoje aplicações em praticamente
todos os setores responsáveis pela modernidade dos países. A participação dos países nas atividades
da Nanotecnologia é tão fundamental como a que ocorreu com a microeletrônica, da qual pouco
colaboramos mas tudo indica que nossa presença se está firmando em novos setores, como a
nanotecnologia, a genômica, a biotecnologia, a engenharia biomédica e a tecnologia da informação.
O Ministério da Ciência e Tecnologia promete apoiar atividades de P&D nas estratégicas
priorizadas, mobilizando recursos para o período 2004 – 2007 e a UNIVAP, em particular, precisa
estar preparada para esta empreitada.
Baptista Gargione Filho, Prof. Dr.
Reitor da UNIVAP
EDITORIAL
Chegamos ao número 18 da Revista Univap, neste terceiro ano do novo milênio, que já presenciou
uma guerra de curta duração, gerada, segundo alguns, por personalidades psicopatas, ocasionalmente
dirigindo nações, ou, segundo outros, por gente muito esperta, procurando expandir fronteiras, de
modo a gerar vantagens econômicas, embora alardeando intenções pacifistas de combate a regimes
terroristas. Neste sentido, foi bastante emblemático o fato de os dirigentes Blair, Berlusconi e Aznar
terem enviado uma carta, publicada pelo “Wall Street Journal”, em fevereiro deste ano, de elogios ao
governo dos Estados Unidos, pela sua decisão de ir à guerra contra o Iraque.
Atravessamos o século 20 com duas guerras mundiais, diversas guerras regionais – Coréia,
Iugoslávia, Chechênia, China/Japão, Argentina/Inglaterra, Iraque/Kuwait/EUA e muitas outras – mas
o século é celebrado como de grandes conquistas para a qualidade de vida popular e de resultados
pacifistas, o que aliás foi atestado pelos prêmios Nobel da Paz distribuídos anualmente.
É bem verdade que muita gente foi massacrada, mas os vivos têm memória curta e as vítimas de
ontem são hoje, muitas vezes, os guerreiros providos de tanques e canhões e alargam suas fronteiras à
custa de mais violência, mortes e destruições. Há, evidentemente, muito cinismo nas relações
internacionais, o que nos faz lembrar um pensador, o malsinado fascista Marinetti, para quem a guerra
era a “higiene do mundo”.
Mas, tudo bem, estamos no Brasil com um governo de esquerda e confiamos que esta esquerda
não seja sinônimo daquela situação que todos sonham alcançar para gozar de mais privilégios.
Estamos na UNIVAP e cabe-nos ser otimistas: não há nenhum apocalipse à vista; ao contrário,
o Brasil enfrenta seus problemas, tudo funciona, reina a paz, as metas estão estabelecidas e melhores
dias certamente virão, mediante programas sociais nacionais, tornando mais promissor o futuro das
“criaturas sem futuro”. E esta é a nossa missão: preparar uma elite consciente das condições a enfrentar,
com otimismo e certos de estar contribuindo para formar uma sociedade mais fraterna, mais igualitária
e amante da liberdade.
Antonio de Souza Teixeira Júnior, Prof. Dr.
Pró-Reitor de Integração Universidade - Sociedade
A FUNDAÇÃO VALEPARAIBANA DE ENSINO (FVE) E A
UNIVERSIDADE DO VALE DO PARAÍBA (UNIVAP)
A Fundação Valeparaibana de Ensino (FVE), com sede à
Praça Cândido Dias Castejón, 116, Centro, na cidade de
São José dos Campos, Estado de São Paulo, inscrita no
Ministério da Fazenda sob o nº 60.191.244/0001-20, Inscrição Estadual 645.070.494-112, é uma instituição filantrópica e comunitária, que não possui sócios de qualquer natureza, com seus recursos destinados integralmente à educação, instituída por escritura pública de 24
de agosto de 1963, lavrada nas Notas do Cartório do 1º
Ofício da Comarca de São José dos Campos, às folhas
93 vº/96 vº, do livro 275.
dam aos requisitos estabelecidos pela UNIVAP.
A FVE é também mantenedora, tendo em vista a educação integral dos futuros alunos da UNIVAP, de cursos de
Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio e
ainda de Formação Profissional e Técnica.
A UNIVAP, em seu Projeto Institucional, centra-se:
1)
A Universidade do Vale do Paraíba (UNIVAP), mantida
pela FVE, tem como área de atuação prioritária o Distrito
Geoeducacional, DGE-31. Sua missão é a promoção da
educação para o desenvolvimento da Região do Vale do
Paraíba e Litoral Norte (DGE-31).
2)
Até o presente, a UNIVAP possui os seguintes Campi:
4)
a)
b)
c)
d)
e)
Campus Centro, em São José dos Campos, situado
à Praça Cândido Dias Castejón, 116, e à Rua
Paraibuna, 75.
Campus Urbanova, situado à Av. Shishima Hifumi,
2911, que abrange os territórios dos municípios de
São José dos Campos e Jacareí.
Unidade Aquarius, em São José dos Campos, situado
à Rua Dr. Tertuliano Delphim Júnior, 181
Unidade Villa Branca, localizado em Jacareí, na
Estrada Municipal do Limoeiro, 250
Unidade Caçapava,na Estrada Municipal Borda da
Mata, 2020.
A Educação Superior, objetivo da UNIVAP, abrange os
cursos e programas a seguir descritos:
1) Graduação, abertos a candidatos que tenham concluído o ensino médio ou equivalente e que tenham
sido classificados em processo seletivo.
2) Pós-graduação, compreendendo programas de
Mestrado, Especialização e outros, abertos a
candidatos diplomados em cursos de graduação e
que atendam aos requisitos da UNIVAP.
3) Extensão, abertos a candidatos que atendam aos
requisitos estabelecidos pela UNIVAP.
4) Educação a distância, com uso de novas tecnologias
de comunicação.
5) Formação tecnológica, com formação de tecnólogos
em nível de 3º grau.
6) Cursos seqüenciais, por campo de saber, de diferentes níveis de abrangência, a candidatos que atenRevista UniVap, v.10, n.18, 2003
3)
numa função política, capaz de colocar a educação
como fator de inovação e mudanças na Região do
Vale do Paraíba e Litoral Norte - o DGE-31;
numa função ética, de forma que, ao desenvolver a
sua missão, observe e dissemine os valores positivos que dignificam o homem e a sua vida em sociedade;
numa proposta de transformação social, voltada
para a Região do Vale do Paraíba e Litoral Norte;
no comprometimento da comunidade acadêmica com
o desenvolvimento sustentável do País e, em
especial, com a Região do Vale do Paraíba e Litoral
Norte, sua principal área de atuação.
A UNIVAP está em permanente interação com agentes
sociais e culturais que com ela se identificam. Como decorrência da demanda de seus cursos ou dos serviços
que presta, estabelece convênios com instituições
públicas e privadas, no Brasil e no Exterior. Estes
convênios resultam na cooperação técnica e científica,
na qualificação de seus recursos humanos e
tecnológicos, na viabilização de estágios acadêmicos e
na prestação de serviços. A história da UNIVAP, enraizada
na trajetória da Região do Vale do Paraíba e Litoral Norte,
traz consigo a marca da participação comunitária, a partir
do compromisso que tem com a sociedade regional,
alicerçado na tradição, na busca da excelência acadêmica,
na qualidade de seu ensino, no diálogo com a comunidade
e no exercício da tríplice função constitucional de
assegurar a indissociabilidade da pesquisa institucional,
ensino e extensão.
Como atividades de extensão, destacam-se, na UNIVAP,
aquelas relativas à Comunidade Solidária, que têm por
objetivo mobilizar ações que contribuam para a alfabetização e melhoria da qualidade de vida de populações
carentes. Dentro deste Programa, foram realizadas
atividades nas áreas de Saúde, Higiene, Cidadania, Educação e Lazer, em Santa Bárbara (BA), Beruri (AM),
Teotônio Vilela (AL), Nova Olinda (CE), Coreaú (CE),
Carnaubal (CE), São Benedito (CE), Groaíras (CE), Atalaia
do Norte (AM), Pão de Açúcar (AL) e, no Vale do Paraíba,
nas cidades de Monteiro Lobato, São Bento do Sapucaí,
9
Paraibuna, São Francisco Xavier e São José dos Campos.
Todas as pesquisas institucionais da Universidade estão centradas em seu Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento (IP&D), o qual executa programas e projetos e
congrega pesquisadores de todas as áreas da UNIVAP,
envolvidos em atividades de pesquisa, desenvolvimento e extensão. Em seus oito núcleos de pesquisa, nas
áreas sócio-econômica, genômica, instrumentação
biomédica, espectroscopia biomolecular, estudos e desenvolvimentos educacionais, ciências ambientais e
tecnologias espaciais, computação avançada,
biomédicas, atrai e dá condições de trabalho a
pesquisadores de grande experiência, do País e do
exterior. Os alunos têm condições de participar, com os
professores, de pesquisas, executando tarefas criativas,
motivadoras, que propiciam a formulação de modelos e
de simulações, trabalhando com equipamentos de
primeira linha, e isto faz a diferença entre a memorização
e a compreensão. Bolsas de estudo vêm sendo oferecidas
a alunos e pesquisadores, quer pela UNIVAP, quer por
instituições como CAPES, CNPq, FINEP e FAPESP.
CURSOS DE GRADUAÇÃO
CURSOS DE PÓS-GRADUAÇÃO
-
Administração de Empresas e Negócios
Arquitetura e Urbanismo
Ciência da Computação
Ciências
Ciências Biológicas
Ciências Contábeis
Ciências Econômicas
Ciências Sociais: História, Geografia
Comunicação Social: Jornalismo
Comunicação Social: Publicidade e Propaganda
Direito
Educação Física
Enfermagem
Engenharia Aeroespacial
Engenharia Ambiental
Engenharia Biomédica
Engenharia Civil
Engenharia da Computação
Engenharia de Materiais
Engenharia Elétrica
Fisioterapia
Letras (Português/Inglês e
Português/Espanhol)
Matemática
Normal Superior
Odontologia
Secretariado Executivo
Serviço Social
Terapia Ocupacional
Turismo
O esforço da UNIVAP em construir, no Campus
Urbanova, uma Universidade com instalações especiais
para cada área de atuação, com atenção especial aos laboratórios, tem por objetivo um ensino de qualidade,
compatível com as exigências da sociedade atual.
A UNIVAP, para o ano letivo de 2003, fiel ao lema de que
“o saber amplia a visão do homem e torna o seu caminhar
mais seguro”, oferece à comunidade da Região do Vale
do Paraíba e Litoral Norte o seguinte Programa, de seus
diversos cursos, que vão desde a Educação Infantil à
Pós-Graduação, passando inclusive pelo Colégio Técnico Industrial e pela Faculdade da Terceira Idade.
- Doutorado
- Mestrado
-
Bioengenharia
Ciências Biológicas
Engenharia Biomédica
Planejamento Urbano e Regional
- Especialização - Lato-Sensu
-
Computação Avançada
Dentística Restauradora
Educação Física Escolar
Fisiologia do Esforço
Gerontologia e Família
Gestão Educacional
Gestão Empresarial
Odontopediatria
Reabilitação e Avanços Tecnológicos em
Neurologia
Terapia Familiar
Treinamento Desportivo
- Seqüencial
-
10
Engenharia Biomédica
Sistemas de Telecomunicações
Tecnologia Aeroespacial
(ênfase em Manutenção Aeronáutica)
Tecnologia Aeroespacial
(ênfase em Sistemas de Aviões)
Tecnologia e Estruturas de Concreto
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
São José dos Campos
Com cerca de 500.000 habitantes, São José dos Campos
é o município com maior população na sua região, sendo
que seu grande desenvolvimento começou realmente com
a construção da Rodovia Presidente Dutra e do Centro
Técnico Aeroespacial (CTA). Além disso, a localização
estratégica e privilegiada entre São Paulo e Rio de Janeiro e a topografia apropriada para a construção de grandes indústrias possibilitaram que a cidade crescesse vertiginosamente na década de 70, passando a ser uma das
áreas mais dinâmicas do Estado e a terceira maior taxa de
crescimento da década de 80. De 1993 para cá, a cidade
passou por grandes transformações, alcançando avanços na área da saúde, desenvolvimento econômico, educação, criança e adolescente, saneamento básico e obras.
O comércio de São José dos Campos é bastante desenvolvido e vive um período de extensão, com vários centros de compras e grandes supermercados e Shopping
Centers. Com mais de 800 indústrias, 4.000 estabelecimentos comerciais e superando 7.000 prestadores de
serviço, o perfil industrial de São José dos Campos tem
dois lados distintos: o centralizado nas áreas aeroespacial
e aeronáutica, como a Embraer, e outro diversificado, com
indústrias, como a General Motors, Johnson & Johnson,
Petrobras, Rhodia, Monsanto, Kodak, Panasonic, Hitachi,
Bundy, Ericsson, Eaton e outras. É o quarto município
do Estado de São Paulo em arrecadação e ICMS, atrás
apenas da capital, Santo André e Campinas.
São José dos Campos possui, como resultado da atuação
de suas indústrias, dos estabelecimentos comerciais e
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
dos organismos que desenvolvem tecnologias de ponta,
mão-de-obra de altíssimo nível. Entre esses órgãos destacam-se o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(INPE), o Centro Técnico Aeroespacial (CTA), com seus
Institutos: ITA - Instituto Tecnológico de Aeronáutica,
IAE - Instituto de Atividades Espaciais, IFI - Instituto de
Fomento e Coordenação Industrial e o IEAv - Instituto
de Estudos Avançados.
Com uma vida cultural bastante intensa, o município conta
com uma Fundação Cultural e vários espaços culturais,
como o Museu Municipal, galerias de arte, centros de
exposição, casas de cultura, Teatro municipal, Cine-Teatro Benedito Alves da Silva, Cine-Teatro Santana e o
Teatro Univap Prof. Moacyr Benedicto de Souza,
cinemas, emissoras de rádio FM e AM, Central Regional
da TV Globo, jornais diários com circulação regional,
além dos da capital, e várias Bibliotecas Escolares,
Universitárias e de Pesquisa, como a da UNIVAP, a do
INPE e a do ITA.
A UNIVAP constitui, além do CTA e do INPE, o maior
centro de ensino e pesquisa do município. Da Pré-Escola
à Universidade, além de Cursos de Pós-Graduação e da
Terceira Idade, a UNIVAP mantém o IP&D - Instituto de
Pesquisa e Desenvolvimento, que garante a incorporação da pesquisa na comunidade acadêmica da UNIVAP,
permitindo a indissociabilidade entre o ensino e a pesquisa. A UNIVAP tem estado aberta à interação com empresas e instituições do município, notadamente as de
ensino e pesquisa, entre elas o INPE e o CTA-ITA, de
onde são provenientes o reitor, pró-reitores e vários professores.
11
Um Desafio para os Cientistas do Mundo
Tradução de: Antonio de Souza Teixeira Júnior, Vice-reitor da Univap.
Artigo original de: Kofi Annan, Secretário Geral das Nações Unidas.
“A Challenge to the World’s Scientists” 1
É imensa a contribuição que a ciência vem
emprestando ao progresso humano e ao desenvolvimento
da sociedade moderna. A aplicação dos conhecimentos
científicos continua a oferecer poderoso meios de
conduzir os desafios enfrentados pela humanidade, da
segurança alimentar até doenças como a AIDS, ou da
poluição até a proliferação de armamentos. Avanços
recentes em tecnologia da informação, genética e
biotecnologia trouxeram inegáveis progressos para o bem
estar individual ou coletivo.
Ao mesmo tempo, os esforços despendidos para
o avanço da ciência foram marcados, no mundo, por
nítidas desigualdades. Países em desenvolvimento, por
exemplo, aplicam menos de 1% de seu produto interno
bruto em pesquisa científica, enquanto que os países
ricos dedicam a isso entre 2 e 3%. O número de cientistas,
em proporção à população, nos primeiros, é de 10 a 30
vezes menos do que o das nações desenvolvidas. 90%
da inovação científica mundial é criada pelas nações
responsáveis por 20% da população mundial. E a maior
parte dessa inovação não diz respeito a resolver as aflições
que atingem a maior parte da população.
Esta desigual distribuição da atividade científica
gera sérios problemas, não só para a comunidade
científica das nações em desenvolvimento, mas muito
mais para o desenvolvimento global dessas nações. Ela
acelera a disparidade entre as nações avançadas e as em
desenvolvimento, criando dificuldades econômicas e
sociais, tanto no nível nacional como no internacional. A
idéia de que a ciência gera benefícios diferenciados para
os dois mundos, desenvolvido e em desenvolvimento,
constitui um anátema para o objetivo da ciência. Isto
está exigindo a dedicação dos cientistas e instituições
científicas de todo o mundo para mudar este viés, de
modo a proporcionar os benefícios da ciência para todos.
Mas nenhuma ponte suficientemente eficaz foi
1
ANNAN, K. A Challenge oh the World’s Scientists.
The American Association for the Advancement of
Science. v. 299, n. 5612, p. 1485, 7 mar. 2003.
ISSN: 1095-9203.
12
construída, de modo a unir o mundo dos ricos ao dos
pobres e não se conseguiu, portanto, eliminar a violência
e a guerra. Se a ciência for eficiente para utilizar seu
potencial total para varrer, da mente das pessoas de cada
país, a defesa do uso da violência e da guerra como
processos de solução de conflitos, teremos avançado
muito. Os cientistas de cada país têm papel fundamental
neste processo.
A chamada Conferência de Pugwash, criada pelo
Manifesto de Russell-Einstein, em 1955, conseguiu
aproximar os cientistas russos e americanos por mais de
40 anos, de modo a dar condições para o desenvolvimento
de um entendimento comum sobre os perigos de uma
guerra nuclear e os caminhos para evitá-la; e
recentemente também estabeleceu um consistente
diálogo entre o Norte e o Sul do planeta, abordando
problemas de desenvolvimento. Uma cooperação entre
laboratórios de P&D foi instituída para o desarmamento
nuclear e controle de armas, entre Rússia e Estados
Unidos, após a Guerra Fria. A política de preservação de
uma paz estável não deveria ser atribuição exclusiva de
políticos e diplomatas.
Existem profundas similaridades entre o etos da
ciência, entendido como a essência do que deve ser a
ciência, e o projeto de uma organização internacional
dedicada à solução de problemas globais, pois ambas
devem estar engajadas contra as forças da irracionalidade
que consegue aliciar cientistas, e os resultados de sua
pesquisa, para propósitos destrutivos. Nós adotamos o
método experimental como paradigma das Nações Unidas,
o que significa entender esta entidade como um
experimento de cooperação humana. E ambos lutam por
expressar as verdades universais; para as Nações Unidas,
isto inclui a dignidade e a importância da pessoa humana
e o entendimento de que, apesar de o mundo apresentar
inúmeras particularidades, com interesses específicos, a
comunidade humana é única e deve permanecer unida
em torno dos grandes ideais.
O bem estar desejável para a humanidade é o
objetivo básico da comunidade científica e nisto as
Nações Unidas são um parceiro indispensável. Com a
ajuda de você, cientista e pesquisador, o mundo pode
chegar à “revolução azul” com competência para tratar
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
das necessidades urgentes criadas pela emergência das
crises correntes da falta de água e sua pesquisa poderá
levar a África para a “revolução verde” que trará maior
produtividade para a agricultura; sua solidariedade pode
ajudar países em desenvolvimento a construir sua
capacidade de participar eficientemente em negociações
de tratados e acordos internacionais e entendimentos
envolvendo ciência. E esta sua atuação, como um
advogado das boas causas, pode ajudar a encontrar o
acesso ao conhecimento científico; por exemplo,
mediante o “acesso ao Programa pela Internet de Iniciativa
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
à Pesquisa da Saúde”, periódicos científicos vêm sendo
entregues a milhares de instituições de países
emergentes, com descontos ou isenção de pagamentos.
A agenda é enorme e as necessidades são imensas,
mas juntos estaremos igualmente envolvidos para
resolver estes desafios. O sistema das Nações Unidas e
eu pessoalmente vejo possibilidades futuras de trabalhar
com cientistas de todo o mundo para apoiar seu trabalho
e estender seus benefícios, com maior alcance e maior
profundidade, nos próximos anos.
13
Levantamento do Perfil Sócio-econômico da População
Residente em Núcleos de Favelas em
São José dos Campos - SP
Rosângela Nicolay Freitas *
Maria Joseane de Jesus Serpa *
Friedhilde Maria K. Manolescu **
Resumo: O intenso processo de urbanização verificado no Brasil nas últimas décadas deu origem
a cidades caóticas, repletas de problemas como: desemprego, violência, carência de equipamentos
coletivos e de moradias. Nesse contexto, em São José dos Campos, SP, verifica-se a existência de
favelas desde a década de 1930. Este trabalho tem por objetivo fazer um levantamento do perfil
sócio-econômico da população residente nas favelas existentes na cidade, bem como fazer algumas
considerações a respeito do atual Programa de Desfavelização.
Palavras-chave: Favelas, perfil sócio-econômico, programa de desfavelização.
Abstract: The intensive urbanization process experienced in Brazil in the last decades gave rise to
chaotic cities with a high number of problems, such as: unemployment, violence and lack of public
facilities and housing. Within that scenario, in São José dos Campos (São Paulo, Brazil) the growth
of slums began as early as the 1930s. The aim of this work is to produce a social and economical
profile of those people living in the slums; as well as to develop considerations regarding the
current “Slum Replacement Program”.
Key words: Slums, social and economical profile, slum replacement program.
1.INTRODUÇÃO
O intenso processo de urbanização, verificado no
Brasil a partir da década de 1950, deu origem a cidades
caóticas, repletas de problemas como: desemprego,
violência, falta de equipamentos coletivos e de moradias.
Villaça (1986) afirma que, cada vez mais, nossas
cidades podem ser subdividas da seguinte forma: de um
lado, a cidade dos que comandam e participam da
sociedade e, de outro, a cidade dos comandados, dos
marginalizados, dos que estão de fora.
Maricato (2001) utiliza as expressões “cidade
legal” e “cidade ilegal” para definir o mesmo fenômeno.
Para a autora, o número de imóveis ilegais na maior parte
das cidades brasileiras é tão grande que a cidade legal,
cuja produção é hegemônica e capitalista, caminha para
*
Mestranda em Planejamento Urbano e Regional UNIVAP 2003.
** Professora da UNIVAP.
14
ser, cada vez mais, espaço da minoria. Assim, conclui a
autora, parte significativa de nossas cidades vai surgindo
de forma ilegal, sem a participação dos governos, sem
recursos técnicos e financeiros significativos.
Para Rezende (1982), a favela surge como a
determinação de uma parcela da população em se instalar
em locais onde existe acessibilidade a centros de emprego
e equipamentos urbanos, áreas de alto valor da terra e,
portanto, impróprias para essa população de baixa renda
da cidade sob o aspecto do consumo legalizado.
Ao longo do tempo, no entanto, as favelas
deixaram de ser apenas os locais onde vivem pessoas
carentes, e passaram a representar uma ameaça ao poder
constituído. Nesses locais, observa-se o aparecimento
de um poder paralelo, ligado ao tráfico de drogas,
responsável por uma infinidade de atrocidades dentro e
fora das favelas.
Em São José dos Campos, SP, de acordo com Rosa
Filho e Oliveira (2002), os primeiros núcleos de favelas
surgiram há cerca de 70 anos, na década de 1930. A
primeira favela, localizada na área central da cidade, surgiu
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
em 1931 e ficou conhecida como Favela do Banhado (hoje
Jardim Nova Esperança). Em 1932, também no centro,
surgiu a favela da Linha Velha, atualmente conhecida
como Santa Cruz.
Esses núcleos cresceram e outros foram surgindo
em várias partes da cidade. Segundo Rosa Filho e Oliveira
(2002), no final da década de 90, existiam vinte e dois
núcleos de favelas com 2.077 moradias e 9.230 habitantes,
o que correspondia a 2% da população total do município
que era de 538.909 habitantes.
Ao longo do tempo, a prática mais comum do
poder público local com relação às favelas existentes no
perímetro urbano tem sido a remoção de seus moradores
para áreas periféricas. Tal prática, no entanto, tem servido
para reforçar a segregação residencial já existente na
cidade.
Em 2000, teve início em São José dos Campos
mais um desses programas. Dessa vez, a Prefeitura
Municipal contou com o apoio financeiro do Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID) e da Caixa
Econômica Federal (CEF). É o chamado Programa de
Desfavelização.
Este trabalho tem por objetivo fazer um levantamento do perfil sócio-econômico da população residente
em núcleos de favelas no Município de São José dos
Campos, em 2000, bem como fazer algumas considerações
sobre o atual Programa de Desfavelização, uma tentativa
do governo local de reverter o crescimento dos núcleos
de favelas existentes na cidade.
Para caracterizar o perfil da população residente
em núcleos de favela foram utilizados dados da Pesquisa
Perfil Sócio-econômico do Município de São José dos
Campos, realizada pela Universidade do Vale do Paraíba
-UNIVAP- em parceria com a Prefeitura Municipal, nos
anos 1999/2000. A pesquisa por amostra foi realizada
mediante um questionário contendo setenta e duas
perguntas abrangendo todos os domicílios do município,
situados em vinte cinco regiões homogêneas.
2.CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS
2.1 O Espaço Urbano
Corrêa (1995) define o espaço urbano como:
fragmentado e articulado, reflexo e condicionante social,
um conjunto de símbolos e campo de lutas. É assim a
própria sociedade em uma de suas dimensões, aquela
mais aparente, materializada nas formas espaciais.
Para esse autor, a organização espacial urbana
desigual é caracterizada por uma complexa divisão técnica
e social do espaço, associada a uma enorme diferença
nas condições de vida dos diversos grupos sociais da
cidade.
Segundo Rezende (1982), no modo de produção
capitalista, a cidade surge como local de reprodução dos
meios de produção, local de reprodução da força de
trabalho e, também, fator de acumulação de capital. Para
a reprodução dos meios de produção, tornam-se
necessários os espaços destinados às atividades
industriais e seus desdobramentos. Como local de
reprodução de força de trabalho, a cidade é a sede da
habitação, do ato de morar e viver. Como fator de
acumulação do capital, o solo urbano gera renda fundiária,
fundamento da indústria de construção civil.
Para a autora, embora a produção do espaço
urbano apresente uma aparente desordem, se dá dentro
de uma ordem coerente com o modo de produção
dominante. Ao espaço são adicionados infra-estrutura,
sistema viário, equipamentos, que, juntamente com a
existência ou falta de amenidades, compõem o valor da
terra.
No caso das cidades brasileiras, os serviços
urbanos se irradiam do centro à periferia, tornando-se
cada vez mais escassos à medida que a distância do centro
aumenta. O resultado é um gradiente de valores do solo
urbano, que atinge o máximo no centro principal e vai
diminuindo até atingir um mínimo nos limites das cidade.
2.2 Os Agentes Estruturadores do Espaço Urbano
As informações dos núcleos de favelas presentes
em diferentes pontos da malha urbana da cidade foram
agrupadas formando uma única região, denominada de
região vinte dois. Utiliza-se nesse trabalho o conceito de
favela contido no Manual do Entrevistador da referida
pesquisa, descrito como: “conjunto constituído por
unidades habitacionais (barracos, casas com
revestimento de alvenaria ou material misto), localizadas
em terrenos invadidos, de propriedade particular ou
público, ocupadas de forma desordenada e densa,
carentes em sua maioria de serviços públicos essenciais”.
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
Segundo Maricato (1997), o processo de produção
e apropriação do espaço urbano, movido por interesses
distintos dos agentes que nele atuam, gera uma série de
conflitos.
Para a autora, os proprietários dos meios de
produção, por exemplo, necessitam de terrenos amplos e
baratos, não estando interessados na especulação
fundiária. Já os proprietários fundiários vêem na retenção
de terras uma possibilidade de ampliar seus lucros, pois
ao criar uma escassez de oferta haverá um aumento de
15
preço. Essa prática gera conflito entre proprietários
industriais e fundiários.
Corrêa (1995) considera os proprietários fundiários
e dos meios de produção os promotores imobiliários, o
Estado e os grupos sociais excluídos os principais
agentes modeladores ou estruturadores do espaço
urbano.
Para esse autor, a complexidade da ação desses
agentes sociais inclui práticas que levam a um constante
processo de reorganização espacial. Esse processo
ocorre por incorporação de novas áreas ao espaço
urbano, adensamento do uso do solo, deterioração de
certas áreas, renovação urbana, relocação diferenciada
da infra-estrutura e mudança do conteúdo social,
econômico de determinadas áreas da cidade.
Nesse contexto, segundo Maricato (1997), o
Estado pode intervir em diversos sentidos, favorecendo
ou prejudicando determinados interesses. Tudo vai
depender da correlação de forças presentes na sociedade.
Com relação às áreas residenciais, a atuação dos
promotores imobiliários, isto é, conjunto de agentes que
realizam, parcial ou totalmente, as operações de
incorporação, financiamento, construção e comercialização do imóvel, ocorre de modo desigual. Seus
investimentos são voltados principalmente para a
construção de imóveis para atender às classes mais
favorecidas, criando e reforçando a segregação
residencial que caracteriza a cidade capitalista.
sociais diferentes.
Segundo Corrêa (1995), os grupos sociais
excluídos têm como possibilidades de moradia a favela e
os cortiços, localizados próximos ao centro da cidade; a
casa, produzida pelo sistema de autoconstrução em
loteamentos periféricos; os conjuntos habitacionais,
produzidos pelo Estado, via de regra também distantes
do centro.
2.4 As Favelas no Brasil
Para Panizzi (1989), o crescimento das cidades
brasileiras se caracteriza pela expansão de zonas urbanas
“ilegais” nas quais vive uma parcela cada vez mais
significativa da população. São pessoas que não
conseguem comprar uma casa ou um terreno dentro da
“legalidade”, isto é, respeitando as leis de mercado e a
legislação em vigor.
Ao longo dos anos, prossegue a autora, essas
práticas foram adquirindo diferentes formas, sendo as
mais comuns: a produção de áreas de habitações precárias
(cortiços, favelas, mocambos ou malocas), os loteamentos
clandestinos e a invasão de terrenos.
Para Rolnik (1995), do ponto de vista do capital, a
favela ou cortiço, contradição do sistema que a produz e
rejeita, é território inimigo, que deve ser eliminado. É
inimigo do capital imobiliário porque desvaloriza a região;
da polícia, porque em seus espaços irregulares e densos
é difícil penetrar; dos médicos, porque ali proliferam os
parasitas que se reproduzem nos esgotos a céu aberto.
2.3 Segregação Urbana
Castells (1983) entende como segregação urbana
a tendência à organização do espaço em zonas de forte
homegeneidade social interna e com intensa disparidade
social entre elas, tanto em termos de diferença, como
também de hierarquia.
Segundo Villaça (1986), a segregação é um
processo dialético em que a segregação de uns provoca,
ao mesmo tempo e pelo mesmo processo, a segregação
de outros. O autor destaca como o mais conhecido padrão
de segregação urbana o do centro versus periferia. O
primeiro, dotado de serviços urbanos, públicos e
privados, é ocupado pelas classes de mais alta renda. A
segunda, subequipada e distante, é ocupada predominantemente pelos excluídos.
Para Santos (1981), existem duas ou diversas
cidades dentro da cidade. Este fenômeno é o resultado
da oposição entre níveis de vida e entre setores de
atividade econômica, isto é, entre classes sociais. Assim,
às diferentes paisagens urbanas correspondem classes
16
Segundo Taschner (1996), a favela surge como
expressão das contradições urbanas de uma sociedade
pobre e concentradora da pouca riqueza que tem.
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), em 1980, 1,89% dos
domicílios brasileiros estavam situados em favelas 480.595 unidades habitacionais. Em 1991, o percentual
era de 3,28%, ou seja, mais de 1,14 milhões de moradias
em favelas.
Ainda segundo Taschner, apesar da subestimação
implícita na definição de favela pelo IBGE (por só
contabilizar como favela núcleos que possuam mais de
cinqüenta unidades), a taxa de crescimento desses
domicílios supera, em muito, a de crescimento
populacional (7,65% contra 1,82% ao ano, entre 1980 e
1991).
Maricato (2001) diz que não há números gerais,
confiáveis, sobre a ocorrência de favelas em todo o Brasil.
O Censo de 2000 dá a entender que entre 1991 e 2000 o
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
número de favelas teria aumentado 22% em todo o Brasil,
atingindo um total de 3.905 núcleos.
A autora afirma que muito do ambiente construído
nas grandes cidades brasileiras foi determinado pela
industrialização baseada em baixos salários, bem como
no grande contingente de trabalhadores que permaneceu
na informalidade.
Assim, as cidades brasileiras, principalmente as
metrópoles, possuem um percentual significativo de sua
população residindo em favelas. Estimativas do
LABHAB/FAUSP, com base em diversas fontes,
apresentam os seguintes resultados para algumas
cidades: Rio de Janeiro, 20%; São Paulo, 22%; Belo
Horizonte, 20%; Goiânia 13,3%; Salvador 30%; Recife,
46%; Fortaleza, 31%.
3. O MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS
O Município de São José dos Campos, situado a
leste do Estado de São Paulo, no Médio Vale do Paraíba,
é considerado o mais importante dos trinta e cinco
municípios que compõem a Bacia do Paraíba do Sul. De
acordo com o IBGE (Censo Demográfico 2000), o
município ocupa uma área de 1.100 km2 e possui 539.313
habitantes, sendo que, desse total, 532.717 (98,7%) estão
situados na área urbana e 6.596 (1,2 %) na zona rural.
Este município de projeção nacional e internacional, conhecido por seu moderno parque industrial e por
seus importantes institutos de pesquisa - CTA, INPE,
ITA - cresceu de forma desordenada, principalmente a
partir da década de 1970. Com isso, apesar das riquezas
geradas em seu território, é marcante a desigualdade
verificada na distribuição dos diversos equipamentos
coletivos, caracterizada pela segregação residencial e pela
exclusão social.
Primeira cidade do interior do Estado de São Paulo
em arrecadação de ICMS, só perdendo para a Capital
Paulista, e sendo há cinco anos líder na atração de
investimentos no interior do Estado, São José dos
Campos, como outras cidades brasileiras de seu porte, é
constituída de duas cidades: a “cidade legal” e a “cidade
ilegal”. Nesta última, a falta de moradias é um dos
principais problemas.
A inexistência de uma política habitacional que
acompanhasse o processo de urbanização do município,
aliada às altas taxas de crescimento demográfico e à perda
de poder aquisitivo da população, contribuiu para o
aumento da carência habitacional (PMSJC, 1995).
Segundo pesquisa realizada pela Prefeitura
Municipal, em 1978, o déficit de moradias estava em torno
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
de 12.000 unidades para famílias com rendimento de até
cinco salários mínimos. De lá para cá, pouca coisa mudou.
Foram construídos alguns conjuntos habitacionais
populares, entre eles, o Conjunto Habitacional Elmano
Ferreira Veloso e os Conjuntos Habitacionais D. Pedro I
e D. Pedro II, todos na periferia da Zona Sul da cidade,
que juntos atenderam a cerca de 4.600 famílias.
Além desses programas, o poder público municipal
moveu algumas ações complementares com o intuito de
minimizar o déficit habitacional do município. A Lei
Municipal nº. 3.721, de 25 de janeiro de 1990, de uso e
ocupação do solo, instituiu quatro tipos de loteamentos
diferenciados quanto à infra-estrutura exigida, tamanho
dos lotes e percentual de áreas públicas. Com isso,
reforçou-se a segregação residencial na cidade, uma vez
que os loteamentos “A” e “B”, em áreas centrais e mais
valorizadas, destinavam-se às classes média e alta, e os
tipos “C” e “D”, localizados nas áreas periféricas,
deveriam atender à demanda da classe de baixa renda.
Com isso, a população de baixa renda passou a
ocupar áreas periféricas, principalmente na Zona Leste,
onde o número de loteamentos clandestinos cresceu
significativamente. Os núcleos de favelas, por sua vez,
espalharam-se pelo tecido urbano, representando uma
ameaça ao capital imobiliário.
3.1 O Perfil da População Residente nas Favelas de São
José dos Campos
Constatou-se que, em 2000, nos vinte três núcleos
de favela existentes na cidade, moravam 11.024 pessoas
em 2.562 domicílios, representando uma média de 4,3
pessoas por habitação, maior do que a média registrada
para o município, que era de 3,9 pessoas por habitação
(Manolescu, Moraes e Krom, 2001).
A população residente era constituída, em sua
maioria, de jovens. A população de crianças e adolescentes (de 0 a 19 anos) chegava a 52,6%, enquanto a faixa
etária que vai de 20 a 49 anos representava cerca de 39%
do total de moradores.
O tipo de construção predominante era o de casas
de tijolos ou blocos, com ou sem revestimento, que
somavam 81,48% do total. As habitações caracterizadas
como conglomerado de madeira-barraco representavam
11,11% e as de madeira pré-fabricada, 7,41% .
Apesar de esses núcleos residenciais estarem
localizados em terrenos invadidos, a maioria das pessoas
entrevistadas, 60% do total, considerava possuir um
imóvel próprio e quitado. Apenas 27,41%, consideravam
morar em uma área invadida ou ocupada.
17
A maioria dos moradores das favelas, 48,15% do
total, sempre residiu no município. Cerca de 16% dos
moradores residiam no município entre 11 e 20 anos.
Dentre os moradores que vieram de fora, 29,67% do total
vieram de outro Estado do Brasil. Quanto ao motivo da
vinda para São José dos Campos, a mudança profissional
representou 31,11% dos casos. Já o motivo principal
apontado para a mudança de bairro, 24,44% do total, foi
o custo mais baixo do imóvel.
Verificou-se que as condições de infra-estrutura
eram precárias nos núcleos de favelas, pois apesar de a
maioria da população, 86,67% do total, possuir água da
rede geral com canalização interna, as condições do
esgoto sanitário eram as seguintes: 29,63% em rede geral,
23,70% a céu aberto e 22,96% em rio, córrego.
Com relação aos serviços médicos, 91,05% da
população utilizava a rede pública de saúde, sendo o
tipo de serviço mais utilizado a consulta médica (49,29%
do total).
Quanto aos intervalos de uso dos serviços de
saúde, 39,41% dos entrevistados apontaram o anual,
seguido por 21,51% trimestral, 12,05% semestral e 10,50%
mensal. Verifica-se, ainda, que estas pessoas, em sua
maioria, 65,45% do total, recorriam às UBS (Unidade
Básica de Saúde) para serem atendidas.
No que se refere à educação, constatou-se que,
dentre as crianças de 0 a 6 anos, 81,67% não freqüentavam
nenhum tipo de creche ou pré-escola, conforme Figura 1.
Freqüência Escolar entre os Moradores dos Núcleos de Favelas
90
80
Porcentagem (%)
70
60
50
0-6
7 ou mais
40
30
20
10
0
Não
Sim
Não Informa
Fig. 1 - Freqüência escolar.
Dentre as crianças de 7 anos ou mais, a maioria,
cerca de 65% do total, não estudava, mas afirmava saber
ler e escrever. Apenas 33,62% das crianças freqüentavam
a escola regularmente. A mesma taxa, em relação ao
município, para crianças nessa faixa etária, no mesmo
período, era de 97%.
Das crianças residentes nas favelas que
freqüentavam a escola (total de 2.970 crianças), 87,82%
estudavam na rede pública estadual de ensino, sendo
que 78,85% destas crianças tinham que se deslocar para
outro bairro para poder estudar, levando, em 87,18% dos
casos, até 30 minutos para chegar à escola. Em 84,62%
dos casos não eram utilizados nenhum meio de transporte
para fazer o percurso.
Cerca de 73% das pessoas, com 15 anos ou mais,
que não tinham curso fundamental e não estudavam,
18
apontaram como principais motivos desta situação: em
46, 03% dos casos, a falta de interesse e/ou a reprovação
por várias vezes; e em 20,63% dos casos, o abandono do
estudo para poder trabalhar e/ou ajudar nas despesas
familiares.
O baixo nível de escolaridade/alfabetização entre
as crianças e adolescentes também pôde ser constatado
em relação ao chefe da família, sendo que a maioria, 54,07%
do total, nunca estudou ou tinha primeiro grau completo;
e 34,07% tinha o primário completo ou o ginasial
incompleto.
Dentre os moradores das favelas, com 10 anos ou
mais, verificou-se que apenas 17,79% estavam
trabalhando de forma regular e os que não estavam
trabalhando somavam 71,63% (Figura 2).
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
Situação Atual de Trabalho dos Moradores dos Núcleos de Favelas
80
Porcentagem (%)
70
60
50
40
30
20
10
0
Não
Trabalha
Trabalha de Trabalha em Não Informa
Forma
Caráter
Regular
Provisório
Fig. 2 - Situação atual de trabalho.
Os empregados, sejam de maneira regular ou
irregular, em 51,78% dos casos, levavam até 30 minutos
para chegar ao trabalho. Desse percentual, 27,68% dos
trabalhadores utilizavam ônibus de linha, e 35,71% não
utilizavam nenhum tipo de transporte para chegar ao
trabalho.
Quanto ao tipo de atividade que exerciam, 54,46%
dos trabalhadores afirmaram estarem empregados no
setor de serviços.
As principais condições de trabalho, para os
empregados, são: 40,18% assalariado com carteira
assinada; 31,25% assalariado sem carteira assinada; e
19,64% trabalhando por conta própria.
Verificou-se que as famílias residentes em áreas
de favelas, segundo critério da ANEP (Associação
Nacional de Empresas de Pesquisas), enquadravam-se
nas classificações econômicas C, D e E do município, o
que representa um total de 99,26% das famílias que
residem nestas áreas (Figura 3).
Classificação Econômica dos Moradores dos Núcleos de Favelas
A1
A2
Classes
B1
B2
C
D
E
0
10
20
30
40
50
60
Porcentagem (%)
Núcleos de Favelas
São José dos Campos
Fig. 3 - Classificação econômica.
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
19
Para cada uma destas classes sociais considerase como renda domiciliar média o seguinte: classe E =
sem renda até 2 salários mínimos; classe D = 2 a 4 salários
mínimos; classe C = 4 a 10 salários mínimos.
Nesse mesmo período, esse mesmo índice para a
Cidade de São José dos Campos era de 45,94% de famílias
pertencentes às classes A1, A2, B1 e B2, sendo a renda
domiciliar média de 10 salários mínimos ou mais.
4. O PROGRAMA DE DESFAVELIZAÇÃO EM SÃO
JOSÉ DOS CAMPOS
As informações a respeito do Programa de
Desfavelização foram coletadas, basicamente, a partir de
pesquisa em diversos exemplares do Jornal Valeparaibano
e da transcrição de uma palestra da Secretária Municipal
de Obras, Maria Rita Singulano, realizada na UNIVAP em
2002.
Assim, em 2000, a Prefeitura Municipal de São
José dos Campos, visando erradicar os núcleos de favelas
presentes no ambiente urbano, implantou o chamado
Programa de Desfavelização. Como a maioria das favelas
estariam localizadas em áreas de risco ou de preservação
ambiental, optou-se pela transferências desses núcleos
para outros locais.
Assim, após ter sido feito um cadastramento das
pessoas que viviam em condições de submoradia, foram
criadas parcerias com as seguintes entidades: Companhia
de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU),
Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID),
juntamente com a Caixa Econômica Federal (CEF).
O Programa de Desfavelização prevê a construção
de conjuntos habitacionais populares, em áreas
periféricas, cujas unidades habitacionais serão
financiadas em 15 anos, com um ano de carência. O custo
de cada unidade habitacional varia entre R$ 10 mil e
R$ 12 mil, e o valor da prestação da cada imóvel é de
R$ 20,00.
Na tentativa de evitar o aparecimento de novos
barracos nas favelas já cadastradas, foram fixados nesses
locais outdors referentes ao “congelamento da favela”,
trazendo as seguintes informações: nome da favela, data
do “congelamento”, mapa da área, número de moradias
existentes, de famílias e de habitantes, e a inscrição:
”Proibido a venda e a construção de novas moradias”.
Foram disponibilizados fiscais da prefeitura para
diariamente fiscalizar o local, verificando se alguma nova
moradia estava sendo construída.
Algumas favelas já foram removidas. Entre elas,
20
estão a favela da Avenida Salinas, localizada na Zona Sul
da cidade (às margens do Córrego Senhorinha – Zona
Sul), e as favelas Santa Cruz I e III, ambas próximas ao
prédio da Prefeitura Municipal, na área central da cidade.
No primeiro caso, as 200 famílias foram removidas para
um conjunto habitacional horizontal, também na Zona
Sul. No segundo caso, foi construído um conjunto
habitacional vertical próximo à área anterior.
Estão previstas, para o ano de 2003, a remoção de
três núcleos de favelas existentes na Zona Leste da
cidade: Nova Detróit, Caparaó e Vila Tatetuba, com um
total de 453 famílias.
Esse projeto faz parte do Programa Habitar Brasil/
BID, uma parceria entre a Prefeitura Municipal de São
José dos Campos, o BID e a CEF, e representou um
investimento de cerca de 12 milhões de reais. Desse total,
9 milhões, ou seja, 75% do investimento coube ao BID,
sendo que o restante foi dividido entre a Prefeitura
Municipal (2 milhões de reais) e a CEF (com
aproxidamente1 milhão de reais).
Foi feita a desapropriação de um terreno no Bairro
Jardim São José, também na Zona Leste, que custou 1,35
milhões de reais, com previsão de entrega das moradias
para o mês de março de 2003.
Além das casas, também está incluída no pacote
de obras a construção de uma creche, de um centro
comunitário e de uma UBS - Unidade Básica de Saúde.
No entanto, esse projeto tem despertado o
descontentamento de moradores residentes nesses
núcleos, para os quais o local escolhido para a construção
das unidades habitacionais (Bairro Jardim São José,
também na Zona Leste) encontra-se ainda mais distante
dos já escassos serviços coletivos, bem como dos postos
de trabalho.
Contudo, segundo a Prefeitura Municipal, a
remoção dos moradores dessas favelas é inevitável, uma
vez que os barracos foram construídos em áreas de risco
e em terrenos de preservação ambiental permanente. Este
laudo, no entanto, tem sido contestado pela Comissão
de Movimentos Populares – CMP, e dado margem a vários
protestos por parte de alguns representantes das
comunidades envolvidas.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
“A propriedade urbana cumpre sua função social
quando assegura a democratização do acesso ao solo
urbano e à moradia, adapta-se à política urbana prevista
pelo Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado,
equipara sua valorização do interesse social e não se
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
torna instrumento de especulação imobiliária.” LEI
ORGÂNICA DO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DOS
CAMPOS - Capítulo IV - Artigo 253.
No entanto, como foi dito anteriormente, em São
José dos Campos, o desenvolvimento econômicoindustrial, verificado nas últimas décadas, não significou
necessariamente uma melhoria da qualidade de vida de
uma parcela significativa de sua população. São os
chamados “excluídos” do processo de urbanização da
cidade, que, na verdade, representam uma reserva
estratégica de mão-de-obra. Essas pessoas são obrigadas
a viver em locais inadequados, sem infra-estrutura e,
muitas vezes, vítimas de preconceito dos habitantes da
“cidade legal”.
Com relação aos moradores das vinte e três favelas
existentes na cidade, em 2000, verificou-se que sua
população era constituída basicamente de crianças e
adolescentes que, em sua maioria, não freqüentava a
escola. O baixo nível de escolaridade/alfabetização
existente entre crianças e adolescentes também pôde ser
verificado com relação aos chefes das famílias residentes
nesses locais.
Constatou-se que, cerca de 70% dos moradores,
com 10 anos ou mais, não estavam trabalhando, sendo
que, aproximadamente, metade desses trabalhadores ou
trabalhavam por conta própria ou sem carteira assinada.
Nota-se, portanto, que o desemprego era elevado nesses
locais, e o ingresso no mercado informal era uma das
principais alternativas encontradas por essas pessoas.
Chamou a atenção o fato de a maioria dos
entrevistados afirmar morar em casa própria,
independentemente de essas construções terem sido
feitas em áreas invadidas. No que diz respeito ao
saneamento básico, a falta de rede de esgoto foi o principal
problema detectado. Nesses locais, quase metade das
casas não dispunha desse tipo de serviço, sobrando aos
moradores poucas opções: ou as chamadas “valas
negras” ou lançar o esgoto residencial em córregos ou
rios.
Na tentativa de solucionar esse grave problema
social, a Prefeitura Municipal vem desenvolvendo um
programa que pretende erradicar os núcleos de favelas
existentes na cidade.
O Programa de Desfavelização implantado pela
atual administração pública, a exemplo de programas
anteriores, baseia-se principalmente na transferência dos
moradores dos núcleos de favelas para outros locais da
cidade.
Os locais escolhidos para esta transferência, no
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
entanto, são regiões periféricas, o que poderá dificultar
ainda mais o acesso dessa população à cidade.
Com isso, reforça-se a já existente segregação
sócio-espacial, responsável pela separação de ricos e
pobres, concentrados em parcelas distintas do território.
Desse forma, o acesso democrático ao solo
urbano, previsto na Lei Orgânica Municipal, e
conseqüentemente, o direito pleno à cidade, e a tudo que
ela pode oferecer a seus moradores, parece continuar
restrito àqueles que podem pagar por esse privilégio.
É preciso que haja um planejamento social, não
só econômico, capaz de reverter o atual quadro que se
apresenta. Para isso, é fundamental a ampla participação
popular, e não apenas de alguns setores da sociedade.
6. BIBLIOGRAFIA
CASTELLS, M. A questão urbana. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1983.
CORRÊA, R. L. O espaço urbano. 3. ed. São Paulo: Ática,
1995.
ANDRADE, K. São José traça mapa da pobreza. Jornal
Valeparaibano, São José dos Campos, 19 fev. 2002.
Disponível em: <http://jornal.valeparaibano.com.br/2002/
02/19/sjc/favela.html>. Acesso em: 10 abr. 2003.
MANOLESCU, F. M. K.; MORAIS, P. R.; KROM, V.
Relatório final sócio-econômico do município de São José
dos Campos. Revista Univap, São José dos Campos, SP.
v. 9, n. 13, ago. 2001.
MARICATO, E. Habitação e cidade. São Paulo: Atual,
1997.
__________. As idéias fora do lugar e o lugar fora das
idéias. In: A cidade do pensamento único. Petrópolis:
Vozes, 2000.
__________. Brasil, cidades: alternativas para a crise
urbana. Petrópolis: Vozes, 2001.
MORAES, M. T. Sob protesto, Emanuel inicia
desfavelização. Folha de São Paulo: Folha Vale. São
José dos Campos, 27 mai. 2002.
PANIZZI,W. M. Entre a cidade e o Estado, a propriedade
e seus direitos. Espaço e debates, n. 26, p. 84-90, 1989.
PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ DOS
CAMPOS. Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado
- PDDI. São José dos Campos, 1995.
21
PROGRAMA de desfavelização da zona leste começa
em abril. Jornal Valeparaibano, São José dos Campos, 5
mar.
2002.
Disponível
em:
<http://
jornal.valeparaibano.com.br/2002/03/05/sjc/
favela1.html>. Acesso em: 10 abr. 2003.
SANTOS, M. Manual de geografia urbana. São Paulo:
Hucitec, 1981.
REZENDE, V. Planejamento urbano e ideologia: quatro
planos para a cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1982.
TASCHNER, S. P. Favelas e cortiços: vinte anos de
pesquisa urbana no Brasil. Cadernos IPPUR, Rio de
Janeiro, v. 10, n. 2, p. 89-115, 1996.
ROLNIK, R. O que é cidade. São Paulo: Brasiliense, 1995.
VILLAÇA, F. O que todo cidadão precisa saber sobre
habitação. São Paulo: Global, 1986.
________. A urbanização brasileira. São Paulo: Hucitec,
1994.
ROSA FILHO, A, OLIVEIRA, J. O. As políticas do poder
executivo na remoção e/ou reurbanização de favelas no
município de São José dos Campos-SP. Revista Univap,
v. 9, n. 17, p. 61-65, 2002.
22
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
Mapa da Pobreza Urbana de São José dos Campos – SP
Luciana Suckow Borges *
Resumo: Este texto aborda os aspectos teóricos e metodológicos da pesquisa sobre a distribuição
da pobreza urbana de São José dos Campos - SP, que está sendo realizada como dissertação de
Mestrado em Planejamento Urbano e Regional da UNIVAP. O objetivo da pesquisa é criar mapas da
cidade em função dos aspectos mais críticos da manifestação da pobreza, agrupados em quatro
categorias: 1) condição do domicílio, 2) saneamento básico, 3) condição social do morador e 4)
condição de educação - analisados em relação à pobreza urbana do Vale do Paraíba e de São
Paulo.
Palavras-chave: Pobreza, planejamento urbano, São José dos Campos.
Abstract: This text presents the theoretical and methodological aspects of the research about urban
poverty distribution in São José dos Campos, SP, that is part of a Master´s Degree Dissertation on
Urban and Regional Planning at UNIVAP. The purpose of the research is to create maps of the city
based on the most critical manifestations of poverty, grouped in four categories: 1) housing,
2) basic sanitation, 3) residents’ social status and 4) educational level - analyzed within the
context of urban poverty of Paraíba valley and São Paulo.
Key words: Poverty, urban planning, São José dos Campos.
1. INTRODUÇÃO
A pobreza urbana é um dos reflexos das condições
de urbanização e desenvolvimento das cidades brasileiras
que sofreram rápido crescimento e intensa industrialização. Em São José dos Campos, este processo iniciou-se
no fim da década de 1920 e intensificou-se na década de
1950, com o processo de industrialização nacional.
Hoje, São José dos Campos é a segunda maior
economia do Estado de São Paulo, a 36ª melhor cidade
do Brasil em índice de desenvolvimento humano (1). É
citada como ótima cidade para a realização de negócios,
e tem baixo índice de pobreza, conforme apontado no
Atlas Social da UNICAMP (Universidade Estadual de
Campinas) – 1999 (2), em matéria publicada no Jornal
Vale Paraibano.
No entanto, neste mesmo Atlas Social, São José
dos Campos aparece com um índice de extrema
desigualdade social (3). Conclui-se, então, que o índice
de pobreza elevou-se pela renda dos mais ricos. Para fins
de planejamento urbano e políticas sociais locais,
interessa saber, então, onde estão localizados estes
pobres na cidade.
*
Mestranda em Planejamento Urbano e Regional UNIVAP 2002.
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
E este é o objetivo da pesquisa: mapear as áreas
de pobreza urbana de São José dos Campos para o ano
de 2000, contextualizando-as em relação ao Vale do Paraíba
e ao Estado de São Paulo, entendendo que não é possível
uma análise descontextualizada territorial e socialmente.
Neste texto serão abordados os aspectos teóricos
e metodológicos que balizarão toda a pesquisa e serão
decisivos para seus resultados.
2. A POBREZA E A CIDADE
No início do século XX, no surgimento da
sociologia urbana, estudava-se a cidade sob a perspectiva
ecológica. Isto é, descrevendo-a como um organismo vivo:
sua forma, desenvolvimento, estrutura e função. A
pobreza era compreendida como uma desorganização
transitória. Analogamente a um organismo vivo, os
pobres iriam se adaptar à cidade, melhorariam suas
posições sociais e seriam sucedidos por outros pobres.
Os mais ‘aptos’ (com maior riqueza e/ou poder) ganhariam
melhores posições no ambiente construído da cidade,
disso resultando zonas segregadas.
Já na segunda metade do século XX os estudos
sobre a cidade, e sobre o urbano, baseiam-se na
epistemologia marxista, nascida em meio à efervescência
do modo de produção capitalista e suas conseqüências
sociais. O conflito intra-social torna-se chave para a
23
compreensão da realidade. É nesta base que se constrói
esta pesquisa, pois se entende a pobreza como algo
intrínseco à organização social.
No Brasil, os estudos urbanos sofreram grande
influência da epistemologia marxista, com grande
proliferação de trabalhos nas décadas de 1970 e 1980.
Apesar da vasta literatura sobre a cidade, quando o
objetivo é estudar especificamente a pobreza urbana,
vemo-nos frente a uma colcha de retalhos. Cada autor
aborda um aspecto da pobreza: cultural, histórico,
econômico etc. Por isso, serão utilizados conceitos e
idéias de diversos autores, desde que compartilhem da
premissa básica de que a pobreza não é algo ‘anormal’,
mas fruto da própria sociedade.
Alguns autores que orientaram este trabalho são:
Marx (1984), que no séc. XIX relaciona a pobreza à esfera
da desigualdade social e não à da exclusão, pois mesmo
os desempregados inserem-se no sistema capitalista e a
ele são essenciais; Castells (1984) que dá atenção especial
à moradia, por ser o local da manutenção e reprodução
da vida do homem; Gottdiener (1993) que aponta a
importância de observar fatores urbanos que sejam ao
mesmo tempo sociais, políticos e econômicos (como a
pobreza) e ressalta o fato de que a pobreza é reproduzida
pela produção da cidade; Santos (1987) que chama a
atenção para o território, que é onde se materializam as
contradições do capitalismo e Torres e Marques (2001)
que colocam que a discussão centro x periferia, da década
de 1970, não dá conta de explicar a realidade brasileira, ao
verificarem a manifestação atual de pobreza urbana.
Em resumo, os pressupostos deste trabalho são:
1) a pobreza é algo intrínseco à organização social; 2) a
pobreza está relacionada à desigualdade econômica e
não à exclusão social; 3) a pobreza pode ser percebida
por suas manifestações e percebidas no espaço social
urbano.
3. OPERACIONALIZAÇÃO DO CONCEITO DE
POBREZA URBANA
Para mensurar a pobreza urbana, a pesquisa valerse-á de indicadores sociais construídos com informações
do Censo de 2000 do IBGE. De acordo com Januzzi (2001),
o indicador social é o elo de ligação entre a teoria e a
evidência empírica dos fenômenos sociais observados,
no caso, a pobreza.
Esta pesquisa trabalhará com os dados mais
recentes sobre a população e seu local de moradia que
sejam provenientes de fonte oficial e que ofereçam
informações na menor escala possível, o setor censitário
(4), visando à precisão do mapeamento da pobreza
urbana.
A pobreza será analisada através de algumas de
suas manifestações, agrupadas em quatro categorias
sintetizadas nos indicadores: 1) condição do domicílio;
2) saneamento básico; 3) condição social do morador e
4) condição de educação. A vantagem de realizar a análise
da pobreza por temas é que se poderá verificar em qual
aspecto da pobreza cada área intra-urbana é mais carente
– o que facilita a tomada de decisões político –
administrativas.
Por sua vez, cada indicador síntese será composto
por três indicadores parciais, conforme o quadro a seguir:
Quadro I - Relação de Indicadores Componentes do Mapa da Pobreza Urbana de São José dos Campos – SP
MAPA DA POBREZA URBANA DE
SÃO JOSÉ DOS CAMPOS
INDICADOR
SÍNTESE
Densidade
CONDIÇÃO DO
DOMICÍLIO
Domicílios em cortiços
Domicílios cedidos e/ou ocupados por invasão
SANEAMENTO
BÁSICO
CONDIÇÃO
SOCIAL DO
MORADOR
CONDIÇÃO DE
EDUCAÇÃO
24
INDICADOR
Abastecimento de água por poço, nascente ou outra forma
Esgotamento sanitário por fossa rudimentar, vala, rio, lago, outro
escoadouro ou sem sanitário
Destino do lixo: em caçamba, queimado, enterrado, jogado em terreno
baldio, em lago, no mar ou outro destino
Responsável pelo domicílio com rendimento de até 1 salário mínimo
Responsável pelo domicílio sem instrução e menos de 1 ano de estudo
Responsável pelo domicílio com 8 anos de estudo
Crianças não alfabetizadas
Adultos não alfabetizados
Idosos não alfabetizados
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
A escolha destes indicadores para apontar a
pobreza se deu conforme a disponibilidade de
informações. Procurou-se trabalhar com dados somente
do IBGE, pois a utilização de outras fontes implicaria a
não compatibilização territorial da informação –
inviabilizando a criação de mapas da pobreza urbana.
(2) Neste trabalho, o índice de pobreza de São
José dos Campos é de 0,811, na escala que vai de 0 (pior
condição) a 1 (melhor condição).
Como a pobreza está relacionada à desigualdade,
qualquer classificação de pobreza só existe se comparada
a uma determinada realidade. Neste trabalho não serão
utilizados padrões normativos de ‘linhas de pobreza’,
mas as áreas intra-urbanas de São José dos Campos serão
avaliadas comparativamente ao desempenho do
conjunto dos setores censitários que compõem a área
urbana em cada indicador, e reinterpretadas em relação
ao desempenho do Vale do Paraíba e do Estado de São
Paulo nestas mesmas variáveis.
(4) Setor censitário é a unidade de coleta de dados
do IBGE para o Censo Demográfico. Corresponde, no
máximo, a 300 domicílios.
Cada setor censitário será classificado em relação
a cada indicador, e ao indicador síntese, em uma das
seguintes classes: 1 - muito crítica, 2 - crítica, 3 - razoável
e 4 - boa, considerando a média e o desvio padrão do
desempenho da cidade de São José dos Campos.
Cada indicador gerará um mapa (totalizando 12
mapas), e cada indicador síntese também terá seu mapa
correspondente (no total mais 4 mapas). A partir dos
indicadores sínteses será elaborado o mapa final da
pobreza urbana de São José dos Campos.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pretende-se, ao fim deste trabalho, quando os
respectivos mapas sobre condições de pobreza estiverem
concluídos, conhecer melhor a realidade intra-urbana de
São José dos Campos no tocante à pobreza, subsidiando
a tomada de decisões e ações voltadas à população mais
carente.
5. NOTAS
(3) Índice de 0,175, na escala que vai de 0 (pior
condição) a 1 (melhor condição).
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CASTELLS, M. A questão urbana. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1984.
CHIARADIA, A. Taubaté lidera o “Atlas Social” no Vale.
Jornal Valeparaibano, São José dos Campos, p. 5,
24 jan. 2003. Disponível em: <http://
jornal.valeparaibano.com.br/2003/01/24/tau/atlas1.html>.
Acesso em: 10 abr. 2003.
GOTTDIENER, M. Estrutura e ação na produção do
espaço. In: A produção social do espaço urbano. São Paulo:
EDUSP, 1993.
JANUZZI, P. M. Indicadores sociais no Brasil conceitos, fontes de dados e aplicações. Campinas, SP:
Editora Alínea, 2001. 141 p. ISBN 85-86491-95-0.
MARX, K. O capital: crítica da economia política. São
Paulo: Abril Cultural, 1984, p. 198-212 v. 1-2. (Os
Economistas).
SANTOS, M. O espaço do cidadão. São Paulo: Nobel,
1987.
TORRES, H. G.; MARQUES, E. C. Reflexões sobre a
hiperperiferia: novas e velhas faces da pobreza no entorno
municipal. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e
Regionais. v. 3, n. 4, 2001.
(1) Levantamento realizado pelo IPEA (Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada) com dados do Censo
2000 do IBGE.
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
25
Burnout e Resiliência:
Novos Olhares sobre o Mal-estar Docente
Fatima Araujo de Carvalho *
Resumo: O objetivo deste estudo é apresentar alguns resultados de um estudo bibliográfico
comparativo entre pesquisas de várias nações com as do Brasil sobre a insatisfação docente,
particularmente sobre a síndrome de burnout, visando entender suas causas e possíveis soluções
adotadas. Burnout tem sido considerado na atualidade um problema internacional das organizações
de trabalho, inclusive as escolas. Fatores apontam a globalização e os problemas sociais e
econômicos como responsáveis por grandes mudanças no ambiente escolar. As exigências atuais
em um mundo altamente competitivo e tecnológico, a sociedade cada vez mais complexa, o estresse
e as pressões da vida moderna têm contribuído para que professores de todo o mundo se sintam em
crise no trabalho. Este estudo representa uma análise de 368 estudos internacionais e 106 nacionais
sobre estresse, burnout, resiliência, formação, satisfação e insatisfação docente. Na tentativa de
identificar comportamentos que pudessem contribuir para renovar a energia positiva dos professores,
reconhecemos a resiliência como um caminho onde professores e escolas podem criam fatores de
proteção para lidar com o estresse profissional.
Palavras-chave: Burnout, stress, resiliência, professores.
Abstract: The purpose of this paper is to share some findings of a comparative cross-cultural
theoretical study on teacher burnout. This syndrome is been recognized nowadays as an international
problem affecting organizations including schools. The present requirements of the highly competitive
and technological world and of a society that gets more and more complex everyday, the stresses
and pressures of the modern life have all led teachers, all over the world, to feeling in crisis at work.
This study is the result of an analysis over 368 international studies and 106 Brazilian studies on
stress, burnout, resilience, formation and teacher satisfaction/dissatisfaction. In order to identify
factors that can contribute to renew teachers’ positive energy with practical solutions for stress, we
recognize the power of resilience as the way teachers and schools can create buffers to deal with
burnout.
Key words: Burnout, stress, resilience, teachers.
1. INTRODUÇÃO
De caráter bibliográfico, esta pesquisa teve como
suporte inicial a investigação que deu origem ao livro
Educação: carinho e trabalho, organizado por Codo
(1999), relatando o resultado de um estudo nacional feito
entre 52 mil professores da rede pública de ensino
brasileira, constatando que 48% manifestam algum
sintoma de burnout, a síndrome que, segundo o autor,
pode levar à falência a educação. Uma contribuição nesse
sentido se justifica tendo em vista que os estudos sobre
burnout têm se intensificado no Brasil, nos últimos três
*
Mestre em Psicologia da Educação - PUC - SP
[email protected]
26
anos. Acreditamos que essa expansão se deva ao trabalho
de Codo já que a revisão aponta que só no período 20002002 foram produzidos 30 estudos sobre o tema, contra o
mesmo número realizado na década de 90, levando a crer
que Codo passou a representar um marco nacional nas
pesquisas nessa área.
Burnout é uma expressão inglesa que significa
estar exaurido emocionalmente após longa exposição a
uma situação estressante, com prejuízo para o resultado
do trabalho que exerce. Dentro desse processo
qualificado como cíclico e degenerativo, Blase (apud
Fierro, 1993) esclarece que a insatisfação no trabalho e a
falta de motivação resultam em sentimentos negativos
aumentando por sua vez a possibilidade de uma posterior
atividade ineficaz, conduzindo assim ao agravamento da
tensão e do sentimento de inutilidade. Os resultados da
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
pesquisa entre os professores brasileiros geram uma
preocupação alarmante porque além da necessidade de
atenção com a saúde psicossocial desses docentes é
preciso estar atento aos seus reflexos no cotidiano
escolar, já que o baixo envolvimento com o trabalho
certamente interfere de maneira negativa no
relacionamento interpessoal e no processo ensinoaprendizagem. E, consoante Assagioli (apud Batá, 1989
p. 70),
se uma pessoa tem um conflito dentro de si mesma
(...) não pode criar um relacionamento
harmônico com os outros (...) porque tendemos
a projetar sobre os outros, tantos os nossos
conflitos quanto nossas tendências agressivas e
combativas.
Ainda dentro dessa perspectiva psicossocial,
Seligmann-Silva (1994, p. 59) destaca algumas
necessidades que precisam ser atendidas nas situações
de trabalho, como aspirações pessoais do ser humano:
a) a necessidade humana de exercer um controle
pessoal sobre o próprio trabalho;
b) a necessidade humana de interação social;
c) a necessidade de assegurar a existência de um
sentido em suas tarefas pessoais, dentro de
uma relação com um todo significativo;
d) a necessidade de perceber reconhecimento
social, pelo trabalho desenvolvido e outras
necessidades ligadas ao contexto sócioeconômico e cultural. (...) E, em países de
economia dependente, a necessidade de
manter o emprego para sobreviver.
Considerando que os professores brasileiros
participantes da pesquisa do professor Codo
demonstram que essas necessidades não estão sendo
atendidas, provocando o desencadeamento de sintomas
reacionários, que Kals (1983) atribui como resposta à
incapacidade do indivíduo de adaptar-se às condições
ambientais, acreditamos que um estudo das dificuldades
apontadas por professores de outras culturas, bem como
o levantamento de estratégias para lidar com as
dificuldades inerentes à profissão, são de extrema
importância para a melhora da relação professor-alunocomunidade, com visíveis ganhos para todos, já que
conforme Gusdorf (1995, p.76) ressalta:
ensinamos mais do que pensamos. Os olhares
que pousam sobre o professor não se limitam a
observar as competências específicas. São muito
mais abrangentes e perscrutam pensamentos,
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
sentimentos e atitudes. Dessas observações
nascem as identificações que permitem ao aluno
elaborar seus modelos, inclusive no gosto pelos
conteúdos de ensino e escolhas profissionais.
2. OBJETIVO
O presente trabalho visa apresentar resultados
parciais de uma investigação sobre as causas e razões
que levam o professor a entrar em burnout, a síndrome
da exaustão profissional atingida após longo período
submetido a uma situação estressante. Busca novos
caminhos para a abordagem do sofrimento mental no
trabalho docente e para a transformação das situações
laborais adoecedoras em outras capazes de fazer com
que volte a existir prazer e significado no trabalho.
Comparando estudos semelhantes realizados em
diferentes contextos, objetiva-se também identificar
possíveis transformações adotadas de natureza
preventiva e simultaneamente relevante, que possam estar
sendo aplicadas para a melhoria da qualidade da saúde
mental e, em conseqüência, do trabalho docente,
analisando condições objetivas, históricas e subjetivas,
como forma de não atribuir o sucesso e/ou fracasso
somente ao sujeito ou ao meio/condições materiais.
Propõe também dar uma contribuição para o avanço do
repertório de conhecimentos na área dessa problemática,
oferecendo subsídios para novas investigações.
3. METODOLOGIA
A dissertação que deu origem a este artigo
representa uma análise de 368 estudos internacionais de
46 países e 106 nacionais sobre os temas resiliência e
satisfação/insatisfação/estresse e burnout do
profissional docente. Foram investigadas pesquisas
desde 1976 até 2002, empíricas e teóricas. A necessidade
do recorte limitou a análise às causas do fenômeno
burnout e nas pesquisas sobre resiliência, às estratégias
de enfrentamento do mal-estar. Para estudo das causas
do mal-estar docente foram consideradas as adaptações
feitas tendo como referência as categorias de análise
estabelecidas por Esteve (1999), Trigo-Santos (1996), Trias
(1998) e Lipp (2002), distribuídas em dois grupos a saber:
1} fatores extrínsecos:
os que contribuem para a geração de sentimentos
de descontentamento no trabalho e esbarram em
razões externas, onde se incluem salários,
relações interpessoais (com colegas, superiores
hierárquicos e pessoal subordinado), estatuto
nacional da educação, medidas políticas,
condições de trabalho, segurança, supervisão e
vida pessoal.
27
2} fatores intrínsecos:
os que contribuem para a realização,
reconhecimento, o trabalho em si, responsabilidade, progressão na carreira e possibilidade de
desenvolver os fatores inerentes ao conteúdo do
trabalho, e seriam atribuídos à origem de
sentimentos positivos em relação ao trabalho e,
segundo o estudo, eficazes em motivar o indivíduo
para uma execução e esforço de nível superior.
serviço como conseqüência desse contato diário
no seu trabalho.
Embora Barona (2000) diga que ainda não existe
uma definição unanimemente aceita sobre o termo
burnout, ela admite que parece haver um consenso em
aceitar que burnout seja uma resposta ao estresse laboral
crônico.
A principal definição, aceita e difundida pela
maioria dos pesquisadores, vem de Maslach (1976,1999):
4. RESULTADOS
A constatação da síndrome em professores de
diversos países parece demonstrar que a relação ser
humano - atividade professor está a merecer cuidados
especiais, talvez por essa razão os estudos têm sido feitos
em diferentes áreas: Psicologia Social, Educação, Saúde
Ocupacional, Psiquiatria, Relações Sociais no trabalho e
Ciências Sociais. O tema, portanto, permitiu o acesso a
ciências diferentes, já que não se pode fazer um estudo
do mal-estar docente sem uma visão histórica do
fenômeno (Hargreaves, 1999).
Os fatores desencadeantes da síndrome
mencionados pelos professores pesquisados no Brasil
poderiam, à primeira vista, numa visão simplista, parecer
única e exclusivamente decorrentes da política de
educação vigente e característica do estado geral da
educação no Brasil. Todavia, os estudos selecionados
demonstram que mesmo em países de primeiro mundo o
mal-estar docente se faz presente.
O que leva um professor de um país desenvolvido
onde aparentemente as condições de trabalho parecem
ser mais favoráveis a manifestar a síndrome?
Incrivelmente, apontam esses estudos, pelas mesmas
razões expostas pelos professores brasileiros.
A partir dos dados analisados foi possível levantar
as razões apresentadas pelo professores para o desgaste
profissional que a docência causa e sua incidência, e
estudar formas de enfrentamento do estresse e os
modelos etiológicos que determinam suas causas e
origens.
Para melhor entendimento do fenômeno burnout
é necessário que se dê uma definição abrangente da
síndrome. O que é burnout e o que provoca burnout?
Para Freudenberger (apud Silva, 2000, p.6), que marcou o
início dos estudos sobre o tema,
burnout é resultado de esgotamento, decepção e
perda de interesse pela atividade de trabalho
que surge nas profissões que trabalham em
contato direto com pessoas em prestação de
28
Burnout é uma expressão que significa sofrer
por exaustão física ou emocional causada por longa
exposição a uma situação estressante. Entrar em burnout
significa chegar ao limite da resistência física ou
emocional.
O que diferencia ESTRESSE de BURNOUT está
nas conseqüências de um e de outro. Enquanto o estresse
afeta quase sempre somente a pessoa envolvida, burnout
vai mais além, afetando também o resultado do seu
trabalho e as pessoas que estão diretamente envolvidas
no ambiente onde o fenômeno é constatado. Maslach e
Jackson (apud Codo, 1999, p. 238) também definem
burnout como
uma reação à tensão emocional crônica gerada
a partir do contato direto e excessivo com outros
seres humanos, particularmente quando estão
preocupados e com problemas.
É ainda Codo (p. 238), baseado nos conceitos de
Maslach e Jackson, quem diz que
dentro de um conceito multidimensional, a
síndrome envolve três componentes:
1) Exaustão emocional - situação em que os
trabalhadores sentem que não podem dar mais
de si mesmos a nível afetivo. Percebem
esgotados a energia e os recursos emocionais
próprios, devido ao contato diário com os
problemas;
2) Despersonalização - desenvolvimento de
sentimentos e atitudes negativas de cinismo
para com as pessoas de seu trabalho endurecimento afetivo, coisificação da
relação;
3) Falta de envolvimento pessoal no trabalho tendência de uma evolução negativa no
trabalho, afetando a habilidade para a
realização do trabalho e o atendimento ou
contato com os usuários.
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
Características semelhantes são também citadas
por França e Rodrigues (1997) que, apoiados em Delvaux,
acrescentam que a exaustão emocional faz surgir os
sintomas de cansaço, irritabilidade, propensão a
acidentes, sinais de depressão, de ansiedade, uso abusivo
de álcool, cigarros ou outras drogas, surgimento de
doenças, principalmente daquelas denominadas de
adaptação ou psicossomáticas. A despersonalização
reduz a realização pessoal e a produtividade profissional,
geralmente conduzindo a uma avaliação negativa de si
mesmo, à baixa auto-estima. Desse quadro, Garcia
Montalvo apud Silva (2000) aponta o esgotamento
emocional como o que apresenta uma dimensão mais
consistente. Sobre esta última fase de esgotamento,
Meleiro (2002, p.13) assim se manifesta:
O estágio de esgotamento desenvolve-se quando
a ação do estressor, ao qual o organismo se
adaptou, permanece por um período longo,
esgotando a energia de adaptação. O organismo
é atingido no plano biológico ou físico e no plano
psicológico ou emocional. A pessoa é agredida
de um modo geral, e cada indivíduo tem
propensão para adoecer de acordo com o locus
de minor resistance, isto é, o órgão alvo de maior
fragilidade, com a própria constituição e suas
heranças genéticas.
Alvarez Galego e Fernandez Rios (apud Silva,
2000) também distinguem três momentos para a
manifestação da síndrome:
1º) as demandas de trabalho são maiores que os
recursos materiais e humanos, o que gera um
estresse laboral no indivíduo. Neste
momento, o que é característico é a percepção
de uma sobrecarga de trabalho;
2º) evidencia-se um esforço do indivíduo em
adaptar-se e produzir uma resposta
emocional ao desajuste percebido. Aparecem,
então, sinais de fadiga, tensão, irritabilidade e
até mesmo ansiedade. Assim, essa etapa exige
uma adaptação psicológica do sujeito, que,
uma vez não atendida, reflete no seu trabalho,
reduzindo o seu interesse e a responsabilidade
pela sua função;
3º) enfrentamento defensivo, ou seja, o sujeito
produz uma troca de atitudes e condutas com
a finalidade de defender-se das tensões
experimentadas, ocasionando comportamentos de distanciamento emocional, retirada,
cinismo e rigidez.
apontassem algumas profissões, entre elas a docente,
como mais propensas à exaustão, Golembiewski e outros
(apud Barona, 2000) asseguram que a síndrome afeta
todos os tipos de profissões e não somente as que exigem
um envolvimento maior com a clientela.
Todavia, não são os fatores organizacionais os
únicos responsáveis pela instalação da síndrome.
Conhecida na Psiquiatria como um transtorno adaptativo
crônico, vários estudiosos têm observado que fatores
de personalidade e ambientais também confluem para o
desenvolvimento do fenômeno.
Por outro lado, as falas dos professores analisados
indicam que são inúmeros os motivos apresentados como
causadores do mal-estar docente. Parece haver um
consenso nas vozes dos professores de todos os lugares.
Fazendo um resumo de todas as suas falas podemos dizer
que os professores apontam as seguintes dificuldades:
1) Enfrentam uma gama constante de pressões
das crianças, dos colegas, dos pais, dos políticos
e administradores, muitas delas conflitantes e
quase impossíveis de serem atendidas; 2) Os
professores têm o desafio contínuo de manter o
controle da classe; 3) Não têm limites claros de
horário de trabalho; 4) Boa parte de seu trabalho
é levada para casa, o que torna difícil desligarse no fim do dia; 5) Estão abertos a críticas de
inspetores, pais, diretores, meios de comunicação
e políticos; 6) Não dispõem de recursos e
oportunidades suficientes para reciclagem
regular e ampla de seus conhecimentos; 7)
Paradoxalmente, espera-se que se mantenham
atualizados com novos formatos e novos
desenvolvimentos em sua matéria de ensino; 8)
Dependendo do Diretor podem ter pouca voz
ativa na administração da escola e na tomada
de decisões; 9) Têm seu próprio senso de padrões
profissionais e sofrem as frustrações decorrentes
de não conseguir alcançá-los; 10) Têm o campo
limitado para buscar conselhos ou discutir
dificuldades com os colegas; 11) Têm
dificuldades de lidar com as mudanças.
Entretanto, além dos motivos acima, parece ser
um consenso entre os autores analisados apontar certas
reações às constantes mudanças das leis que regem a
educação. Esteve (1999, p. 96) faz referência à síndrome
como
um sentimento de desencanto que afeta hoje
muitos professores, quando comparam a situação
de ensino há alguns anos atrás com a realidade
cotidiana das escolas em que trabalham.
Ainda que, inicialmente, as investigações
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
29
Atribui esse autor esse sentimento de insegurança
ao ceticismo e à recusa dos professores em relação às
novas políticas educativas. Sob a luz das novas
exigências, apontam Cox et al. (apud Travers e Cooper,
1997) mudanças radicais e demandas crescentes na
atuação docente requerem o exame das atuais práticas,
esperando ainda que os professores meçam o êxito
dessas modificações avaliando-se e avaliando seus
alunos, mudando, em conseqüência, suas práticas.
Barefoot et al. (1989) observaram que professores
suscetíveis se tornam mais propensos aos efeitos da
síndrome.
Analisando as reações naturais do ser humano
diante do novo, Mahoney (apud Almeida, 2000) esclarece
que há certas situações que forçam os seres humanos a
desenvolver uma resistência que ela classifica como um
mecanismo de defesa, uma reação do organismo à
mudança, para preservar o EU, já que novas propostas
sempre desestabilizam a experiência e o conhecimento
prévio, e são, muitas vezes, vistas como ameaças à sua
identidade.
Isto parece indicar, conforme esclarece Fontana
(1998, p. 284) porque algumas personalidades conseguem
administrar bem o estresse:
Entretanto, alguns professores, apesar de sujeitos
às mesmas adversidades, parecem passar imunes a elas.
Estudos feitos por Fontana (1986, 1998) mostram que
professores que conseguem conviver ou superar as
adversidades parecem pertencer a um tipo de
personalidade cujas características psicológicas e outras
características, como idade, gênero, educação, posição
social e experiências passadas, levam a certas variações
sobre a forma como avaliar uma situação estressante e
que o grau de envolvimento com as situações
estressantes varia em conseqüência da capacidade
psicofísica de resistência de cada indivíduo.
Também Krause e Stryker (1984), estudando tipos
de personalidade e sua relação com o estresse, afirmam
que os efeitos dos acontecimentos dependem, em grande
parte, do efeito mediador das diferenças em suas
respostas fisiológicas, psicológicas e sociais.
Interessante notar como essa observação faz sentido, na
análise que Hiebert e Farber (1984) fizeram em um estudo
em várias escolas do Reino Unido. Os autores
demonstraram que, embora o nível de estresse não
variasse muito de escola para escola, variava amplamente
dentro de cada uma delas, já que, enquanto para alguns
professores os agentes estressantes eram desafios
estimulantes, para outros surgiam como pressões
devastadoras, o que justifica a afirmação de Fimian (1982)
quando diz que a freqüência com que se produzem
incidentes estressantes e sua força varia de professor
para professor.
Krause e Stryker (1984) falam ainda que nas
pessoas que possuem alta resistência natural ou que
forem hábeis em adaptar-se, o estágio de exaustão pode
até não ser alcançado.
30
Kyriacou e Sutcliffe (1978) identificaram que o grau
de estresse enfrentado por um professor depende dos
mecanismos de defesa e da capacidade de controlar o
elemento estressante e do grau em que o professor
valoriza essa ameaça.
Essas pessoas tentam mudar as coisas em
direções desejáveis quando a mudança é
possível. Começam primeiro conhecendo as
coisas como elas são e depois trabalham de
forma sensata de acordo com as oportunidades
e limitações oferecidas.
A idéia crucial conforme apontam Barefoot et al.
(1989) é que um mesmo acontecimento que pode gerar
implicações para um determinado tipo de indivíduo pode
também nada gerar para outro que já conseguiu
desenvolver algum tipo de estratégia para enfrentar os
problemas. Dependendo, portanto, das características
psicológicas de cada indivíduo, das exigências
circunstanciais (intensidade e duração) e das experiências
passadas, assim como das diferenças no processo de
valorização de cada indivíduo, Hoover-Dempsey e
Kendall (1982) dizem que alguns fatores podem tornar
real um elemento, uma característica potencialmente
estressante. Tal definição é defendida também por Fierro
(1983, p. 287) quando afirma que:
uma vez submetidos a iguais ou parecidas
demandas, alguns docentes chegam literalmente
a enfermar e outros não. Para explicar essa
diferença, surge, espontaneamente, a invocação
de fatores de personalidade.
Que caminho tomar, então, para minimização da
problemática?
O primeiro passo para identificar ou desenvolver
estratégias de enfrentamento da síndrome é, segundo
Dunham (1992, apud Travers e Cooper, 1997) e Kyriacou
(2001), reconhecer sua existência no ensino sem associála a alguma debilidade pessoal ou incompetência
profissional. Algo semelhante apresenta Penin (1985, p.
170) quando fala que é na
reflexão da situação global e na compreensão
de cada ocupação dentro do contexto social que
cada indivíduo ou categoria ocupacional
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
instrumentaliza-se para ´ultrapassar´ as
condições objetivas impostas.
Tanto para Fontana (1998) quanto para Meleiro
(2002), Almeida (2000), Esteve (1999), Kyriacou (2001),
Hargreaves (1999), Kelchtermans e Srittmatter (1999),
Brock e Grady (2000), Jesus (2001), Tavares (2001), entre
outros estudiosos que defendem o mesmo ponto de vista,
o apoio e o incentivo de pessoas envolvidas na mesma
tarefa, com um entendimento das dificuldades mútuas,
são recursos sugeridos para ajudar o professor a se sentir
menos abandonado, menos exposto. É essencial
conversar com colegas e diretores e informar os outros
sobre o momento difícil que se está atravessando, pois é
com o apoio e a solidariedade dos colegas e amigos que
o mal-estar deve ser tratado. É por isso que, para Almeida
(2000), sentir-se aceito, valorizado, ouvido com suas
experiências, percepções, sucessos e insucessos, faz com
que a ameaça seja diminuída, tornando a pessoa mais
aberta à nova experiência. Fontana (1998, p. 410) à
semelhança de outros estudiosos sugere ainda que o
professor
mantenha as ansiedades da vida profissional
cotidiana numa melhor perspectiva e que seja
mais realista em suas expectativas e em seus
julgamentos do que é possível e do que é
impossível em qualquer situação.
Propõe o desenvolvimento de “estratégias de
distração”, participando de atividades agradáveis que
afastem a mente do problema e aumentem a sensação de
controle pessoal, ao invés das atitudes comuns
provenientes das “estratégias de ruminação” (falar ou
pensar repetitivamente sobre como as coisas são difíceis)
ou das “estratégias negativas de enfrentamento da
realidade” (adotar comportamentos escapistas
perigosos, como bebida e drogas, agitação física, ou
agressividade com os outros).
Acreditando na capacidade de cada indivíduo
superar as próprias adversidades, a análise de
comportamentos dos indivíduos - no caso professores que conseguem superar as adversidades mesmo sujeitos
às mesmas dificuldades que seus colegas, nos levou a
identificar a resiliência como a característica presente
nesses professores para conviverem com as dificuldades
inerentes à profissão sem se deixarem abater pelo malestar e muito menos se envolverem pelos agentes
estressantes profundos que desencadeiam a síndrome
de burnout. A resiliência tem sido aplicada à educação
principalmente nos Estados Unidos e Europa e ainda é
pouco difundida no Brasil. A resiliência tem sido, na
atualidade, tema de estudo e projetos em diversos
organismos governamentais e privados. Particularmente
está sendo vista - quando aplicada à educação - como
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
um novo espaço, segundo Tavares (2001), de estudo e
reflexão, para atender às necessidades que o mundo em
transição está a exigir.
A Psicologia Social, na visão de Grotberg (1995)
define resiliência como a capacidade universal que
permite uma pessoa, um grupo ou uma comunidade,
prevenir, minimizar ou superar os efeitos nocivos da
adversidade.
É um conceito novo que Tavares (2001, p. 43)
reconhece como tradutor de
uma realidade antiga em que a pessoa humana e
as suas mais diversas organizações se refletem
em sua própria essência como seres inteligentes,
livres, responsáveis, tolerantes, justos, cordiais,
mostrando-nos, assim, o seu verdadeiro rosto.
Ao resgatar
o pressuposto rogeriano de que as pessoas
possuem dentro de si mesmas os recursos para a
auto-compreensão e para a modificação de seu
auto-conceito, de suas atitudes e, conseqüentemente, de seus comportamentos e que estes
recursos podem ser ativados, se houver um clima
psicológico facilitador,
Almeida (2000, p. 78) confirma a existência desse potencial
em cada indivíduo.
É nesse sentido que a resiliência nos possibilita
ter outra visão do mundo em que vivemos e isso implica,
naturalmente, mudanças pessoais, já que novas formas
de conhecer, aprender, de ser e estar são exigidas de todos
nós, mostrando que tanto a educação quanto a formação
de cidadãos precisam ser revistas e processadas de forma
diferente dos moldes atuais. E, assim, Tavares (2001)
complementa que a resiliência passa a ser o caminho que
nos conduz a esse grande desafio de mudar a nós mesmos,
sendo mais flexíveis, desenvolvendo a reflexibilidade,
cedendo espaço para o novo, abrindo-se para mudanças
profundas que exigem até mesmo o desaprender de coisas
inúteis para poder empreender, agir e resistir, sem quebrar,
ou seja, no meio das mais diversas contrariedades que a
vida nos imponha, saber ser, comunicar, estar e sobreviver.
As constantes mudanças do mundo atual,
conforme cita Placco (2001, p. 7)
em que a competição e a busca por espaços
profissionais e pessoais se torna mais acirrada,
em que as expectativas externas se chocam com
as possibilidades reais de realização do sujeito exigem que este sujeito seja formado e
31
autoformado para se preservar psicologicamente,
para reagir, para ordenar seu mundo, suas
necessidades, suas prioridades, seus desejos, suas
ações, de modo a não se deixar sobrepujar por
contingências e circunstâncias a que não possa,
em dado momento e em determinadas situações,
controlar e dar as respostas exigidas.
Assim, ainda de acordo com Tavares (2001, p. 48)
a formação do cidadão da sociedade emergente
deverá possibilitar o desenvolvimento de estruturas de resiliência, ou seja, de mecanismos físicos,
psíquicos, sociais, éticos, religiosos que o tornem
mais resiliente, menos vulnerável e que lhe
permitam ser um agente (...) eficaz na transformação e otimização da sociedade em que vive.
Por isso corroboramos a proposta de Giacon
(2001) que defende a inserção, nos currículos de formação
de professores, de estudos sobre essas transformações,
sugerindo o desenvolvimento do ego resiliente como
forma de prevenção da síndrome.
Também Castro (2001, p. 117), inquieta como
educadora e formadora de professores, destaca essa
necessidade como
uma adequação às novas exigências do ensino,
já que o pessoal docente, em especial os iniciantes
nessa atividade encontram-se freqüentemente
desarmados em face das tarefas e situações
rotineiras da prática pedagógica.
A ausência dessa adequação é a mola propulsora
dos problemas do cotidiano escolar, perpassando por
situações iniciais de estresse e desencadeando,
posteriormente, a síndrome de burnout, já que pouco
tem sido feito, pelo menos no Brasil, para ajudar os
professores a conviver com essas adversidades, o que
gera frustração e desconcerto, principalmente, conforme
nos adverte Castro (2001, p. 117).
nos professores principiantes, que enfrentam os
problemas educativos com uma bagagem de
conhecimentos, estratégias e técnicas que lhes
parecem inúteis nos primeiros dias da sua
atividade profissional.
5. CONCLUSÕES
Conforme observado, a síndrome de burnout
continua a despertar o interesse de pesquisadores,
principalmente na última década, tendo em vista o
crescente número de professores vitimados, da préescola à universidade. A seleção de pesquisas realizadas
32
em diversos países mostra que as dificuldades
apresentadas pelos professores parecem fazer parte do
cotidiano escolar de todos os professores independente
do lugar onde atuem. Hoje, já se pode estudar os
resultados de pesquisas em diversos países pelo mundo
entre diversas culturas e fazer uma análise entre as essas
dificuldades, suas respostas, seu ambiente de trabalho,
suas reações, bem como as ações aplicadas na
sustentação, orientação e adaptação, transformando
suposições em modelos teóricos que possam servir de
base para pesquisas futuras. Tendo em mente que não
há soluções simples para o fenômeno dentro do complexo
educacional, acreditamos que essas estratégias propostas
podem ajudar a criar um ambiente mais saudável em
nossas escolas.
O grande exemplo de professores resilientes está
sendo dado continuamente. Caminhos para o desenvolvimento de atitudes resilientes também têm sido sugeridos
pelos estudiosos. Um trabalho de maior abrangência, por
parte dos gestores escolares para ajudar os professores
vitimados a superarem suas dificuldades desenvolvendo
um outro olhar para as circunstâncias, ajudaria no resgate
da auto-estima desses profissionais e a melhorar suas
atuações dentro da escola e na sociedade.
É aí que a resiliência entra para exercer o papel de
desenvolver essa capacidade, nessa sociedade
emergente. E dado seu potencial, aplicá-la à Educação e
à Psicologia da Educação, ainda citando Placco (2001),
vem preencher uma necessidade significativa no Brasil.
Tais mudanças passam pela revisão dos métodos e
processos de ensino-aprendizagem, de formação, de
educação, seus conteúdos e meios. E implicam, acima de
tudo, mudanças pessoais, preparar os professores para
atuar e conviver em um mundo em transformação.
Dessa forma, as causas da síndrome de burnout,
atribuídas por muitos autores à dificuldade de se adaptar
a esse mundo em transição, que De Masi (2002, p. 14)
chama de “cultural gap”, justificando que fenômenos
dessa natureza têm reminiscências
antropológicas e psicológicas, já que todos nós
formamos nossa personalidade em certa época e
vivemos a seguinte com a mentalidade do
passado,
exigem uma nova revisão, que certamente não pode
desprezar o fator resiliência como um caminho para a
superação ou prevenção desse mal-estar.
Obs.: 1) Este artigo está baseado na dissertação
desenvolvida com o apoio da CAPES: O mal-estar
docente: das chamas devastadoras (burnout) às flamas
da esperança-ação (resiliência).
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
2) Todos os grifos são nossos.
3) Orientadora: Profª Drª Marli Elisa Dalmazo
Afonso de André.
____________. Teaching and personality. Oxford, Basil
Blackwell, 1986.
6. REFERÊNCIAS
FRANÇA, A. C. L.; RODRIGUES, A. L. Stress e trabalho:
guia básico com abordagem psicossomática. São Paulo:
Atlas, 1997.
ALMEIDA, L. R. A dimensão relacional no processo de
formação docente. In: O coordenador pedagógico e a
formação docente. São Paulo: Loyola, 2000. pp. 77-87.
GIACON, B. D. M. Caminho para se repensar a formação
de professores: síndrome de burnout. 2001. Dissertação
(Mestrado Programa Educação) - PUC - São Paulo.
BAREFOOT, J. C.; DODGE, K. A.; PETERSON, B. L.;
DAHLSTROM, W. G.; WILLIAMS, R. B. The cook-medley
hostility scale: item content and ability to predict survival.
Psychosomatic Medicine, n. 45, p. 59-63, 1989.
GROTBERG, E. A guide to promote resilience in children:
strengthening the human spirit. The hague: Bernard Van
Leer Foundation early childhood development: Practice
and Reflections, n. 8, 1995.
BARONA, E. G. Una investigación con docentes
universitarios de la Universidad de Extremadura, sobre el
afrontamiento del estrés laboral y el síndrome de burnout.
Revista Iberoamericana de Educación.(2 nov. 2000)
Disponível em: <http://www.campus-oei.org/revista/
lectores_pd.htm>. Acesso em 15 abril 2002.
GUSDORF, G. Professores para quê? Para uma Pedagogia da Pedagogia. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
BATÁ, A. M. L. S. Maturidade psicológica. São Paulo:
Pensamento, 1989.
BROCK, B. L.; GRADY, M. L. Rekindling the flame:
principals combating teacher burnout. California: Corwin
Press, 2000.
CASTRO, M. A. C. D. Revelando o sentido e o significado
da resiliência na preparação de professores para atuar e
conviver num mundo em transformação. In: TAVARES, J.
(Org.). Resiliência e educação. São Paulo: Cortez, 2001.
CODO, W. (Org.) Educação: carinho e trabalho. São
Paulo: Vozes, 1999.
DE MASI, D. O ócio é precioso. Entrevista a Mauricio
Oliveira. Páginas Amarelas - Revista Veja - n. 1744, de 27
de março de 2002.
ESTEVE, J. M. O mal-estar docente: a sala de aula e a
saúde dos professores. São Paulo: Edusc, 1999.
FIERRO, A. El ciclo del mal estar docente. Revista
Iberoamericana de Educación. Educación, Trabajo y
Empleo. Espanha: Maio-agosto, n. 2, 1993.
FIMIAN, M. J. What is teacher stress? Claring House,
v. 56, n. 3, p. 101-105, 1982.
FONTANA, D. Psicologia para Professores. Tradução
por: Cecília Camargo Bartalotti. São Paulo: Loyola, 1998.
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
HARGREAVES, A. Profesorado, cultura y
postmodernidad. (cambian los tiempos, cambia el
profesorado). 3.ed. Tradução por Pablo Manzano.
Ed..Morata, 1999.
HIEBERT, B. A.; FABER, I. Teacher stress: a literature
survey with a few surprises. Canadian Journal of
Education, v. 9, n. 1, p. 14-27, 1984.
HOOVER-DEMPSEY, K. V.; KENDALL, E. D. Stress and
coping among teachers: experience in search of theory
and science. Educational Informational Research
Service, nº 241503, 1982.
JESUS, S. N. Pistas para o bem-estar dos professores.
Educação. Porto Alegre, v. 24, n. 43, p. 123-132, abr 2001.
KALS, S. V. Pursuing the link between stressful life
experiences and disease: a time for reapparaisal. In:
COOPER, C. L. (comp.) Stress Research: issues for the
eighties. Chichister, Wiley, 1983.
KELCHTERMANS, G.; SRITTMATTER, A. Beyond
individual burnout: a perspective for improved schools.
Guidelines for the prevention of burnout. In:
VANDENBERGHE, ROLAND; HUBERMAN, A. M.
(Org.). Understanding and preventing teacher burnout:
a sourcebook of international research and practice.
Cambridge: University Press, 1999.
KRAUSE, N.; STRYKER, S. Stress of well-being: The
buffering role of locus control beliefs. Social Science
and Medicine. v. 19, n. 9, p. 783-790, 1984.
KYRIACOU, C. Teacher stress: directions for future
research. Educational Review. v. 53, n. 1, p. 27-35, 2001.
33
KYRIACOU, C.; SUTCLIFFE, J. A model of teacher
stress. Educational Studies. n. 4, p. 1-6, 1978.
SELIGMANN-SILVA, E. Desgaste mental no trabalho
dominado. Rio de Janeiro: Editora UFRJ/Cortez, 1994.
LIPP, M. N. (Org.). O stress do professor. Campinas, SP:
Papirus, 2002.
SILVA, F. P. P. Burnout: um desafio à saúde do trabalhador.
PSI - Revista de Psicologia Social e Institucional.
Londrina, v. 2, n. 1, jun. 2000. Disponível em: http://
www2.uel.br/ccb/psicologia/revista/index.htm Acesso
em 1 junho 2002.
MASLACH, C. Burned-out. Human Behaviour. v. 5,
p. 16-22, 1976.
MASLACH, C. Progress in understanding teacher
burnout. In: VANDENBERGHE, ROLAND; HUBERMAN,
A.MICHAEL (Org.). Understanding and preventing
teacher burnout: a sourcebook of international research
and practice. Cambridge: University Press, 1999.
MELEIRO, A. M. A. S. O stress do professor. In: LIPP,
MARILDA (Org.). O stress do professor. Campinas, SP:
Papirus, 2002.
PENIN, S. T. S. A questão pública da satisfação/
insatisfação do professor no trabalho. Revista da
Faculdade de Educação da USP. v. 11, n. 1/2, p. 149172, 1985.
TAVARES, J. (Org.). Resiliência e educação. SP: Cortez,
2001.
TRAVERS, C. J.; COOPER, C. L. El estrés de los
profesores. La presión en la actividad docente. Tradução
por Ana Remesal y Daniel Menezo. Barcelona: Paidós,
1997.
TRIAS, S. El malestar docente. Educação. Porto Alegre:
v. 21, n. 35, p. 93-105, ago 1998.
TRIGO-SANTOS, F. Atitudes e crenças dos professores
do ensino secundário: satisfação, descontentamento e
desgaste profissional. Lisboa: Instituto de Inovação
Educacional, 1996.
PLACCO, V. M. S. N. Prefácio. In: TAVARES, JOSÉ (Org.).
Resiliência e educação. São Paulo: Cortez, 2001.
34
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
Hierarquias Ocupacionais entre Brancos e Negros em
Áreas Metropolitanas Pobres
André Augusto Brandão *
Resumo: Este artigo pretende discutir as desigualdades educacionais e ocupacionais entre brancos
e afro-descendentes em um contexto específico de pobreza urbana. Trabalhamos com dados coletados
em pesquisa por nós realizada em dois bairros periféricos da Região Metropolitana do Rio de
Janeiro, marcados pela violência, pela distância em relação aos centros de produção e consumo do
núcleo da metrópole e por péssimas condições habitacionais. Verificamos através dos dados que
expomos no decorrer do texto que mesmo as situações extremas de pobreza coletiva não
homogeneizam estes dois agrupamentos raciais do ponto de vista das performances educacionais,
de ocupação e de renda.
Palavras-chave: Pobreza, relações raciais, performances sociais.
Abstract: This article intends tot compare the differences in employment and education between
two racial groups - African-Brazilians and whites - living in poverty urban areas . We worked with
data collected in our researches in two suburban areas of Greater Rio de Janeiro. The areas are
marked by violence, distance from production and consumption centers and feature very poor
housing facilities. The analysis shows that even extreme poverty does not level these two different
racial groups regarding educational performances, employment and income.
Key words: Poverty, racial relations, social performances.
1. INTRODUÇÃO
O objetivo deste artigo é discutir as desigualdades
ocupacionais e educacionais entre brancos e afrodescendentes em um contexto específico. Mais
precisamente, trabalhamos com dados coletados em
pesquisa por nós realizada em dois bairros periféricos da
Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Pretendemos
demostrar que mesmo situações extremas de pobreza
coletiva não homogeneizam estes dois agrupamentos
raciais do ponto de vista das performances sociais em
geral e ocupacionais em particular, que podem ser
alcançadas.
Estes dados acima referidos foram coletados em
julho de 2000, através de questionários sócio-econômicos
aplicados em uma amostra de 400 domicílios de um grande
bairro da periferia de São Gonçalo-RJ e na totalidade dos
292 domicílios de um pequeno bairro da periferia de
Itaboraí-RJ.
Ambos são municípios que concentram uma
*
Professor adjunto da ESS e professor e pesquisador
do PENESB da UFF.
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
população com características sócio-econômicas que,
estatisticamente, perfazem índices piores que os do
conjunto do Estado do Rio de Janeiro, seja na renda dos
moradores ou na infra-estrutura urbana. São municípios,
também, com alto índice de violência: Itaboraí era em 1997
o segundo município do Estado do Rio de Janeiro em
mortes por causas externas por 100.000 habitantes, e São
Gonçalo era o 12º, ainda na frente da cidade do Rio de
Janeiro.
Itaboraí e São Gonçalo herdam a pobreza
econômica que caracteriza o antigo Estado do Rio de
Janeiro. Ambos são também área de expansão urbana do
conjunto da metrópole desde os anos 1970. Neste sentido,
apresentam elevada taxa de crescimento entre 1970 e 2000,
bem acima daquela alcançada pelo conjunto do Estado
do Rio de Janeiro, o que parece apontar para a existência
de periferias ainda abertas, passíveis de receber
populações pobres que se deslocam de outras áreas da
Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
Além disto, em artigo recente, Valladares &
Preteceille (2000) fazem uma classificação de setores
censitários a partir de uma tipologia de urbanização, na
qual o pior tipo seria aquele onde somente ¼ dos
domicílios tem acesso à água encanada, há quase
35
nenhuma cobertura sanitária básica e somente cerca de
¼ de domicílios tem coleta de lixo. Em 1991, na cidade do
Rio de Janeiro, dos 1117 setores censitários considerados
“favela” pelo IBGE, somente 3,13% estavam neste pior
tipo. Já em Itaboraí, de seus 190 setores censitários (e
nenhum destes era considerado “favela” pelo IBGE),
81,57% estavam neste pior tipo. Em São Gonçalo a
situação era menos drástica, porém muito abaixo daquela
do núcleo da metrópole: dos 679 setores censitários (e
também aqui o IBGE não considerava a existência de
qualquer “favela” neste município) 16,49% estavam neste
pior tipo.
e de forma mais sistemática a partir daí.
Os territórios onde hoje se localizam Itaboraí e
São Gonçalo foram povoados logo após a fundação da
cidade do Rio de Janeiro, quando as terras no entorno da
Baía de Guanabara foram doadas como sesmarias. Assim,
ainda em tempos coloniais estes espaços foram abarcados
pelo chamado ciclo da cana-de-açúcar, que espalhou esta
cultura pelo litoral do Brasil.
Antes, porém, de passar à exposição destes
dados, faz-se necessário discutir de forma introdutória
alguns elementos que a literatura recente acerca das
relações raciais no Brasil tem apontado em relação à
interpenetração entre a escolaridade, a situação
ocupacional e a mobilidade social da população negra.
No século XX, Itaboraí aderiu à fruticultura, com
destaque para a produção de laranja, e entrou em novo
ciclo de atividade canavieira. Com a crise da agricultura
nos anos 1950 no Estado do Rio de Janeiro, o
esvaziamento econômico redundou na utilização das
terras para fins de loteamento e moradia.
São Gonçalo segue em traços gerais este mesmo
caminho de desenvolvimento com uma exceção: a
proximidade direta com a cidade de Niterói, capital do
antigo Estado do Rio de Janeiro, possibilitou um maior
desenvolvimento do setor de serviços e a atração de
capitais industriais. Assim, até a década de 1960 o
município possuía um parque industrial – ainda que de
pequeno porte. Esta incipiente industrialização, no
entanto, entra em crise a partir desta década e, hoje, São
Gonçalo concentra indústrias basicamente no ramo de
beneficiamento de produtos da pesca. A história agrícola
repete sem maiores variações a do município de Itaboraí,
porém com especialização única na citricultura.
As áreas de ambos os municípios que foram
escolhidas para o estudo mais detalhado têm algumas
características básicas: precariedade ao nível de serviços
de infra-estrutura urbanos; distância em relação aos
centros administrativos e comerciais da metrópole e
precariedade das ações públicas de saúde e educação.
Assim, trabalhamos com um bairro de
aproximadamente 40.000 domicílios situado em São
Gonçalo e outro com 292 domicílios, situado em Itaboraí.
Ambos foram, até os anos 50, áreas de produção de
citricultura e nesta década são loteados. O primeiro é
ocupado já intensamente neste momento. O segundo é
ocupado com ritmo mais lento até o início dos anos 1970
36
No total de 692 questionários aplicados, entre
vários outros elementos, procuramos levantar dados que
nos dessem a compreensão das relações entre a “cor”
(1) ou raça (2) e a performance dos chefes e cônjuges
entrevistados no que tange à escolaridade e à ocupação.
Os dados coletados, depois de organizados, foram
analisados e nos mostraram diferenças importantes entre
brancos e afro-descendentes que habitavam aquelas
mesmas áreas periféricas de concentração de pobreza
metropolitana.
2. CHANCES NEGADAS: RAÇA, ESCOLARIDADE E
MOBILIDADE SOCIAL NO BRASIL
Em estudo recente, Pastore e Silva (2000) afirmam
que a lógica da mobilidade social no Brasil sofreu uma
substancial mudança entre 1976 e 1996. Desde os anos
1950 até a década de 70, predominava entre nós o que
podemos denominar como “mobilidade estrutural”, que
se relaciona diretamente a alterações na composição do
mercado de mão-de-obra. O intenso processo de migração
rural-urbana que o país atravessou desde a metade do
século XX, com a conseqüente explosão populacional
das áreas metropolitanas, aliado à recomposição na
agricultura nacional, fez com que a ocupação rural
diminuísse enormemente seu potencial de absorção de
trabalhadores, enquanto as ocupações urbanas cresciam.
No período que vai de 1976 até 1996, a mobilidade
social passa a ser de matriz mais “circular”. Não ocorrem
alterações significativas no equilíbrio do emprego rural e
urbano e na migração campo cidade (esta começa a
arrefecer já nos anos 1970). A crise dos anos 1990, em
conjunto com a forma de operação econômica
movimentada pelo Estado brasileiro nesta década,
provoca a expansão do desemprego e do trabalho
precário, que potencializam a competição no mercado de
trabalho. Neste sentido, o peso de variáveis como
qualificação e escolaridade da mão-de-obra também
aumentam.
Pastore e Silva (2000) investigam como os
processos de mobilidade social neste período se
diferenciam por “cor”. Para os autores, a faixa de
escolaridade e o status ocupacional do pai aparecem como
fatores fundamentais que condicionam a escolaridade e
o status ocupacional do filho. A concentração de afroRevista UniVap, v.10, n.18, 2003
descendentes em patamares inferiores de escolaridade
sobredetermina, portanto, a situação desprivilegiada
deste grupo racial no conjunto das posições de ocupação
e renda e, conseqüentemente, impacta suas
possibilidades de mobilidade social ascendente.
Para esta investigação os autores agregam as mais
de 300 categorias ocupacionais definidas pela PNAD/
IBGE em 6 grupos assim definidos: Baixo-inferior
(trabalhadores rurais não qualificados - pescadores,
agricultores autônomos etc); Baixo-superior (trabalhadores urbanos não qualificados - empregados domésticos,
ambulantes, trabalhadores braçais, serventes, vigias etc);
Médio-inferior (trabalhadores qualificados e semiqualificados - motoristas, pedreiros, mecânicos,
carpinteiros etc); Médio-médio (trabalhadores nãomanuais – auxiliares administrativos, profissionais de
escritório, pequenos proprietários etc); Médio-superior
(profissionais de nível médio e médios proprietários administradores e gerentes, encarregados, chefes no
serviço público etc); Alto (profissionais de nível superior
e grandes proprietários - empresários, professores de
ensino superior, advogados, médicos, oficiais militares
etc).
Investigando, a partir dos dados da PNAD de
1996, os homens entre 35 e 49 anos por “cor” ou raça, os
autores verificam que as rotas médias de mobilidade entre
brancos e afro-descendentes são idênticas até o tipo
Médio-inferior. A partir deste ponto, enquanto os filhos
de brancos em maioria se mantêm sempre no mesmo grupo
ocupacional do pai, os filhos de afro-descendentes em
maioria caem para grupos ocupacionais inferiores. Mais
precisamente, os filhos de pais brancos que atuavam no
tipo Médio-médio ficam em maioria neste mesmo tipo; já
os filhos de pais afro-descendentes que atuavam neste
tipo, aparecem em maioria no tipo Médio-inferior. A
mesma coisa se verifica nos tipos Médio-superior e Alto.
A maioria dos filhos de pais brancos mantêm a posição
ocupacional respectiva, e a maioria dos filhos de pais
afro-descendentes fica na categoria ocupacional Médioinferior.
permanecem ou migram para o tipo Alto. Já entre os filhos
de pais pretos, estes são 30,75% e entre os filhos de pais
pardos 35,95%.
Ou seja, pretos e pardos que possuem pai em
grupo de status ocupacional Alto têm muito mais
possibilidades que os brancos de uma mobilidade social
descendente.
Tomando os dados da PNAD de 1996 de forma
mais “fotográfica”, Pastore e Silva (2000, p. 88) afirmam,
que nesta data, estavam nos tipos Baixo-inferior e Baixosuperior 36,4% dos brancos, 48,4% dos pretos e 53,7%
dos pardos. Já nos tipos Médio-inferior, Médio-médio e
Médio-inferior estavam 54,9% dos brancos, 49,4% dos
pretos e 44,5% dos pardos. Por último, no grupo Alto,
estavam 8,7% dos brancos, 1,9% dos pretos e 2,2% dos
pardos.
Tais diferenças se relacionam diretamente com as
performances de escolaridade. Como mostram Pastore e
Silva (2000, p. 93), 64,8% dos filhos de pais brancos do
tipo Alto chegam à 12 anos e mais de escolaridade. Entre
os filhos de afro-descendentes com a mesma posição
ocupacional, somente alcançam os 12 anos e mais de
estudos 24,3%.
Na outra ponta, entre os filhos de brancos do
grupo ocupacional Baixo-superior, um total de 19,8%
chega aos 12 anos e mais de estudos. Já entre os filhos
de afro-descendentes somente 6,7% chegam a este
patamar de escolaridade.
Assim, os autores concluem que “... o núcleo duro
das desvantagens que pretos e pardos parecem sofrer se
localiza no processo de aquisição educacional” (Pastore
e Silva, 2000, p. 96).
A contundência destes dados merece que os
vejamos de forma numérica. Em 1996, considerando a
amostra citada acima, enquanto somente 29,04% dos
filhos de brancos do tipo Baixo-inferior estão neste tipo
ou no tipo Baixo-superior, entre os filhos de pardos esta
taxa é de 35,71 %, chegando a 39,24% entre os filhos de
pretos.
Por último, é importante lembrar ainda que, como
mostrou recentemente Henriques (2001), as políticas
universais de aumento da cobertura educacional não
conseguiram diminuir a histórica diferença entre os anos
médios de escolaridade de brancos e afro-descendentes.
Em 1999 os primeiros, com 25 anos de idade, tinham 8,4
anos de estudos em média; os afro-descendentes na
mesma idade tinham 6,1. Apesar do aumento dos anos
médios de estudos dos dois grupos raciais durante o
século XX, esta diferença de 2,3 anos, no entanto, se
mantém praticamente inalterada a partir de 1929
(Henriques, 2001, p. 27).
Na outra ponta, 38,54% dos filhos de pai do tipo
Alto permanecem neste tipo quando adultos. Entre os
filhos de pretos, estes são 18,18% e entre os filhos de
pardos 17,89%. No que tange ao tipo Médio-superior,
51,73% dos filhos de pais brancos deste grupo aí
Mesmo considerando somente a década de 1990,
os afro-descendentes apresentam, em todos os anos e
em todos os segmentos de ensino, performances de
desempenho inferiores aos brancos. Assim, em 1999, 8%
dos negros situados na faixa etária entre 15 e 25 anos são
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
37
analfabetos, enquanto os brancos na mesma faixa são
somente 3%. A ausência da escola, no período de 7 a 13
anos de idade, atinge 5% das crianças afro-descendentes
e 2% das crianças brancas. Já na faixa entre 18 e 23 anos,
enquanto 63% dos brancos não chegaram a completar o
ensino secundário; este percentual entre os afrodescendentes é de 84%. Tomando agora a faixa entre 18
e 25 anos de idade, 11% dos jovens brancos haviam
chegado ao ensino superior; entre os afro-descendentes
estes são somente 2%.
As agregações de dados quantitativos com as
quais os estudos de Pastore e Silva (2000) e Henriques
(2001), citados acima, trabalham, têm como escopo o
conjunto das áreas investigadas pela PNAD do IBGE.
Trata-se de pesquisa amostral, que procura mapear a
realidade nacional. Neste sentido, alguém pode se sentir
tentado a dizer que as diferenças de status ocupacional e
de escolaridade média entre brancos e afro-descendentes
poderiam ser resumidas na diferença de presença destes
segmentos nos contingentes pobres da população, o que
realimentaria as diferenças de performance a partir daí.
Se de fato a pobreza brasileira é muito mais negra
do que branca, como aponta de forma cristalina o estudo
de Henriques (2001), pretendemos mostrar, a partir de
dados empíricos por nós coletados, que mesmo entre
grupos populacionais que habitam áreas extremamente
pobres e degradadas que compõem uma malha
metropolitana, é possível identificar diferenças que
refletem uma situação pior para os negros.
Assim, se podemos dizer que, em escala nacional,
os negros estudam menos do que os brancos porque –
entre outras variáveis – são mais pobres do que estes,
os dados que coletamos nos dizem que, mesmo entre
segmentos populacionais homogeneamente pobres,
onde brancos e negros dividem as mesmas ruas sem
calçamento e com esgoto a céu aberto, na mesma e
degradada periferia, os mecanismos da desigualdade
racial operam mantendo os índices de escolaridade e
ocupação dos pobres negros em patamares piores que
os dos pobres brancos.
3. A CLIVAGEM RACIAL EM MEIO À POBREZA
METROPOLITANA
Na população total da região Metropolitana do
Rio de Janeiro, em 1991, os afro-descendentes eram
44,99% dos habitantes. No município do Rio de janeiro,
núcleo desta metrópole, este grupo racial era nesta data
38,59% da população residente. Já na periferia da
metrópole, a concentração de afro-descendentes começa
a subir: 49,47% da população de São Gonçalo e 59,76%
da população de Itaboraí neste ano. Trata-se de um
contínuo de segregação espacial que se abate sobre a
população afro-descendente e que não para por aí. Nos
bairros periféricos que estudamos, áreas mais pobres que
os pobres municípios onde se situam, a configuração
racial dos chefes e cônjuges é a seguinte:
Tabela 1 – Cor ou raça de chefes e cônjuges entre a população pesquisada
Cor ou raça
Bairro da periferia
de São Gonçalo
Nº
%
Bairro da periferia
de Itaboraí
Nº
%
Branco
Preto
Pardo
SI*
286
102
295
8
41,39
14,76
42,69
1,16
174
61
279
0
33,85
11,87
54,28
0
Total
691
100
514
100
* Sem identificação
Como vemos na Tabela 1, a distribuição por “cor”
ou raça dos 1205 chefes de família e cônjuges, que
pertencem às famílias pesquisadas em julho de 2000 num
bairro da periferia de São Gonçalo e em outro da periferia
de Itaboraí, é diferente daquela que o próprio IBGE
apontava para o conjunto da população residente nestes
municípios em 1991. Tínhamos, neste ano, para São
Gonçalo, 49,91% de brancos, 39,78% de pardos, 9,69%
de pretos, 0,03% de amarelos, 0,06% de indígenas e ainda
0,20% de não declarantes (o que configurava uma
população negra ou afro-descendente de 49,47%). Já na
38
área pesquisada deste município não encontramos no
ano 2000 nenhum chefe ou cônjuge amarelo ou indígena;
enquanto isto, os brancos eram 41,39%, os pardos 42,69%,
os pretos 14,76 e os não declarantes 1,16% (o que
configura entre os chefes e cônjuges um percentual de
57,45% negros ou afro-descendentes).
É interessante verificar que, mesmo no âmbito
deste bairro periférico, há diferenças de alocação da
população por “cor” ou raça. Na tabela acima vemos o
total de chefes e cônjuges por “cor” ou raça, compreendiRevista UniVap, v.10, n.18, 2003
municípios, e ainda cresce quando observamos as áreas
mais destituídas de infra-estrutura urbana dentro destes
bairros pobres.
dos nas 5 áreas em que dividimos este bairro para fins de
aplicação dos questionários sócio-econômicos. Como
vimos nesta tabela, os brancos são 41,39% da população
de todas as áreas e os afro-descendentes 57,45%; no
entanto, se tomarmos a área 1, que entre as 5 possui o
maior número de ruas urbanizadas e que está recebendo
um conjunto de melhoramentos urbanísticos por parte
do Governo do Estado do Rio de Janeiro, veremos que
os chefes e cônjuges brancos são 46,94% e os chefes e
cônjuges afro-descendentes são 51,02%. Já na área 4,
que tem a pior caracterização urbanística dentre estas 5
áreas do bairro, os chefes e cônjuges brancos são
somente 28,44%, enquanto os afro-descendentes chegam
ao enorme montante de 68,81%.
Tomemos agora o bairro periférico de Itaboraí, que
também estudamos. O IBGE apontava, para 1991, uma
distribuição racial da população residente neste município
que configurava 39,58% de brancos, 49,19% de pardos,
10,57% de pretos, 0,02% de amarelos, 0,10% de indígenas
e ainda 0,20% de não declarantes (o que totaliza uma
população afro-descendente de 59,76%). Em 2000, entre
os chefes e cônjuges no bairro periférico pesquisado,
não encontramos amarelos ou indígenas; os brancos eram
33,85%, os pardos 54,28% e os pretos 11,87% (o que
configura entre os chefes e cônjuges um percentual de
66,15% afro-descendentes).
Por isto nos referíamos acima a um contínuo de
segregação espacial por raça. O percentual de afrodescendentes na população vai crescendo quando nos
afastamos do núcleo da metrópole e chegamos aos
municípios periféricos; aumenta ainda mais quando
chegamos aos bairros mais pobres e afastados destes
As duas tabelas abaixo mostram a escolaridade
alcançada pelos chefes e cônjuges de ambos os bairros
periféricos estudados.
Tabela 2 - Escolaridade de chefes e cônjuges da população pesquisada, por “cor” ou raça, no bairro da periferia
de São Gonçalo
Cor ou raça
Escolaridade
Analfabeto
Ensino fundamental incompleto
Ensino fundamental completo
Ensino médio incompleto
Ensino médio completo e mais
SI*
Total
Brancos
%
9
120
60
9
35
16
249
Negros
3,61
48,19
24,10
3,61
14,06
6,43
100%
15
221
61
7
37
16
357
%
4,20
61,90
17,09
1,96
10,36
4,48
100%
* Sem identificação
Tabela 3 - Escolaridade de chefes e cônjuges da população pesquisada, por ”cor” ou raça, no bairro da periferia
de Itaboraí
Cor ou raça
Escolaridade
Brancos
%
Negros
%
Analfabeto
Ensino fundamental incompleto
Ensino fundamental completo
Ensino médio incompleto
Ensino médio completo e mais
18
107
21
7
17
10,34
61,49
12,07
4,02
9,77
49
227
25
8
30
14,41
66,96
7,35
2,35
8,84
Total
170
100%
339
100%
Alguns elementos das tabelas acima devem ser
ressaltados. Primeiro, a taxa de analfabetismo de chefes e
cônjuges é menor entre brancos do que entre os negros
em ambos os bairros periféricos. Além disto, chefes e
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
cônjuges afro-descendentes são mais presentes na
escolaridade relativa ao ensino fundamental incompleto
do que os brancos e sempre menos freqüentes a partir
daí, em ambos os bairros periféricos que investigamos.
39
Somando os chefes e cônjuges que não chegaram
a acessar o ensino médio, temos no bairro periférico de
São Gonçalo 75,90% de brancos e 83,19% de negros, no
bairro periférico de Itaboraí encontramos respectivamente
83,91% de brancos e 88,72% de negros.
Trata-se – no caso dos moradores em geral de
ambos os bairros – de uma população homogeneamente
desprovida dos requisitos educacionais necessários para
a luta pelos melhores lugares do mercado de trabalho
metropolitano, principalmente nestes tempos de
globalização produtiva, informatização e requisitos de
alta produtividade. Apesar disto, os negros entram ainda
de forma mais desfavorável nesta competição.
No que tange ao desemprego e ao subemprego
dos chefes de família, encontramos também uma relativa
clivagem racial. Não foi possível mapear a soma de
desempregados e subempregados no bairro da periferia
de São Gonçalo. Fizemos um tal mapeamento somente
para o bairro estudado na periferia de Itaboraí.
Trabalhamos com o critério de autodefinição do
entrevistado acerca de sua situação ocupacional e
agregamos os desempregados e aqueles que se
denominavam como “fazendo biscates”. Assim, encontramos os números abaixo:
Tabela 4 - PEA e desemprego entre os chefes de família por cor ou raça no bairro da periferia de Itaboraí
Situação
ocupacional
PEA
Desempregados/
fazendo biscates
Cor
%
Total
%
%
%
desemprego
Branco
Preto
Pardo
desemprego
desemprego
desemprego
75
32
109
216
19
25,33%
10
Vale ressaltar, de início, que este índice de
desemprego expressa a situação de miséria e destituição
deste bairro. Apesar de todos os problemas que a
metodologia para mensuração do desemprego utilizada
pelo IBGE carrega (Brandão, 2002), devemos lembrar que
este instituto apontava para a Região Metropolitana do
Rio de Janeiro, no mesmo mês em que aplicamos os
questionários naqueles dois bairros (julho de 2000), uma
taxa da ordem de 5,44%. Se a taxa que os chefes brancos
residentes neste bairro apresentam já é muito mais alta
que esta, a taxa dos pretos e pardos em conjunto, que
chegava a 36,17%, a suplanta em quase 11 pontos
percentuais.
Há também significativas diferenças no que tange
à distribuição ocupacional de chefes e cônjuges, nestes
dois bairros de concentração de pobreza urbana. De início
entre a área melhor urbanizada (que concentra menor
índice de afro-descendentes) e a área pior urbanizada
(que concentra maior índice de afro-descendentes) do
bairro da periferia de São Gonçalo, já encontramos uma
disparidade relativa ao montante de ocupados sob as
situações tendencialmente mais precárias. No conjunto
deste bairro, 3 ocupações somam 41,47% do total da
população ocupada, são estas: “trabalhador em obras e
na construção civil”, “trabalhador doméstico” e
“comerciário”. Na área pior urbanizada, estas 3 categorias
reúnem 41,89% dos ocupados, enquanto na área melhor
urbanizada somente 30,93% estão alocados nestas
ocupações.
Do ponto de vista da separação estritamente racial,
40
31,25%
41
37,61%
70
32,40%
os chefes de família ocupados nestas três categorias
acima são 29,41% dos chefes brancos e 30,99% dos chefes
afro-descendentes.
Se isolarmos somente a categoria “trabalhador
doméstico”, veremos que enquanto estes são 13,96% da
amostra do total das 5 áreas pesquisadas, são 10,31%
dos ocupados da amostra da área 1 e nada menos que
20,27% dos ocupados na amostra da área 4. Ainda na
perspectiva racial, encontramos 3,36% de chefes brancos
como empregados domésticos e 11,11% de chefes negros
nesta situação.
Neste mesmo bairro, se isolarmos também as
categorias sócio-ocupacionais que podemos muito
amplamente denominar de subproletariado (3), ou seja
os “empregados domésticos”, os “ambulantes” e os
“biscateiros”, veremos que do total de chefes e cônjuges
brancos, 9,24% estão aí ocupados, enquanto os afrodescendentes seriam 16,37%.
Tomando somente os chefes de família, entre os
que estão ocupados como “trabalhador de obras e da
construção civil”, encontramos 19,40% dos brancos e
32,35% dos afro-descendentes.
Já no bairro da periferia de Itaboraí, as ocupações
“trabalhador em obras e na construção civil”, “trabalhador
doméstico” e “comerciário” somam 45,43% da população
ocupada, mas somente 38,80% dos chefes de família
brancos ocupados e 51,47% dos chefes de família negros
ocupados.
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
Já os chefes de família, que pertencem ao
subproletariado, são 19,40% dos brancos e 20,58% dos
negros. Se desagregarmos os empregados domésticos,
veremos que estes são 13,43% dos chefes brancos e
15,09% dos afro-descendentes.
Os “trabalhadores em obras e na construção civil”,
por sua vez, também reúnem um percentual maior dos
chefes de família afro-descendentes (32,55% destes) do
que dos chefes de família brancos (19,40% destes).
No subproletariado encontramos diferenças
pequenas, mas ainda uma situação pior para os afrodescendentes: 19,40% dos chefes brancos estariam neste
grupo, contra 20,58 dos chefes negros.
Como derivação dos dados até aqui apresentados,
encontramos também uma clivagem racial no que tange à
renda destes chefes de família marcados pela pobreza
metropolitana. Vejamos a tabela abaixo:
Tabela 5 - Renda individual dos chefes de família, por cor ou raça, nos dois bairros periféricos estudados
Renda
em
salários
mínimos
Brancos
%
Negros
%
até 2 s
+ de 2 s
SI*
70
63
23
44,87
40,38
14,74
109
79
22
51,90
37,61
10,48
Total
156
100
210
100
Bairro da periferia
de São Gonçalo
Bairro da periferia
de Itaboraí
Brancos
%
Negros
%
56 58,33
34 35,41
6 6,25
132 67,34
54 27,55
10 5,19
96
196
100
100
* Sem identificação
Como podemos verificar, os chefes de família afrodescendentes de ambos os bairros se encontram mais
presentes que os brancos na faixa de renda individual
até 2 salários mínimos mensais, e menos presentes na
faixa acima de dois salários mínimos mensais. Vemos
ainda que, em geral, a renda individual dos chefes de
família é mais alta no bairro da periferia de São Gonçalo;
no entanto, é no ainda mais pobre bairro da periferia de
Itaboraí que as diferenças entre os dois agrupamentos
raciais se configuram ainda maior nesta variável.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para finalizar, queremos somente ressaltar que a
clivagem racial encontrada nestes espaços periféricos
de concentração de pobreza na Região Metropolitana do
Rio de Janeiro “salta” dos números apresentados acima.
Em um dos bairros pesquisados o contínuo de
segregação espacial a partir da raça se mostra em detalhes.
Trata-se do bairro da periferia de São Gonçalo, que é
internamente heterogêneo no que tange à urbanização.
Neste, vemos também a heterogeneidade na concentração
racial dos moradores. A sua área mais degradada do ponto
de vista da infra-estrutura urbana (a área 4) concentra um
percentual muito maior de chefes e cônjuges afrodescendentes do que o conjunto das cinco áreas que
compuseram a amostra. Já a área melhor urbanizada (a
área 1) é a que concentra o menor percentual destes. No
mesmo movimento encontramos na área 4 as piores
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
condições no que tange à questão do esgoto, da coleta
de lixo e da iluminação pública. Nesta área 4, onde os
chefes e cônjuges afro-descendentes são 68,81%,
encontramos ainda as menores taxas de escolaridade dos
maiores de 14 anos e a maior proporção relativa de
ocupados naquelas atividades mais desqualificadas do
mercado de trabalho metropolitano.
Para além desta diferença entre as áreas que
compõem um dos bairros, verificamos em ambos uma
clivagem racial expressa em vários elementos discutidos
aqui: em relação aos brancos, os afro-descendentes
apresentam maior percentual de chefes de família e
cônjuges atuando no emprego doméstico, analfabetos,
nas faixas inferiores de escolaridade; além de maior
percentual de chefes de família nas ocupações que
compõem a classe do “subproletariado”, bem como de
chefes de família desempregados. Trata-se portanto de
um conjunto de diferenças de performance, que se
estendem da formação escolar ao mercado de trabalho,
que nos dizem que, nestes pobres bairros periféricos,
onde os brancos são a parte menor da população, os
afro-descendentes ainda carregam a tendência a serem,
na média, mais pobres e menos escolarizados que os
pobres e pouco escolarizados brancos.
Neste sentido, os resultados de nossa pesquisa
empírica nos permitem afirmar que mesmo as mais severas
condições de pobreza não promovem uma completa
homogeneização sócio-econômica entre brancos e afro41
descendentes, e isto nos mostra, portanto, a
impossibilidade de reduzir a “questão racial” no Brasil a
uma “questão de classe social” – a menos que queiramos,
repetindo os erros do passado, lançar uma densa cortina
de fumaça sobre a configuração das relações étnicoraciais entre nós. Mas, tais resultados nos mostram
também que as políticas voltadas de forma universal para
as populações mais pauperizadas, apesar de muito bem
vindas ante o nosso panorama social, não resolverão os
problemas relacionados com as desigualdades de fundo
racial que persistem com força mais de 110 anos após o
fim da escravidão negra no país.
5. NOTAS
(1) Neste artigo estamos trabalhando com a
pressuposição de que, no contexto brasileiro, a “cor”
eqüivale à representação ainda que figurada da idéia de
raça. Mais precisamente, acreditamos que “...alguém só
pode ser classificado num grupo de cor se existir uma
ideologia em que a cor das pessoas tenha algum
significado. Isto é, as pessoas têm cor apenas no interior
de ideologias raciais” (Guimarães, 1999, p. 44).
(2) Usamos os termos “raça” e “racial” não em
sentido biológico, mas sim como indicadores de origens
e trajetórias históricas comuns, ou seja como “atributo
socialmente elaborado” (Hasenbalg, 1991).
(3) Conforme indicação de Ribeiro (2000).
42
6. BIBLIOGRAFIA
BRANDÃO, A. A. P. Os novos contornos da pobreza
urbana: espaços sociais periféricos na região
metropolitana do Rio de Janeiro. 2002. Tese (Doutorado
em Ciências Sociais) – UERJ, Rio de Janeiro.
GUIMARÃES, A. S. A. Racismo e anti-racismo no
Brasil. São Paulo: Editora 34, 1999.
HASENBALG, C. Notas sobre a pesquisa das
desigualdades raciais e bibliografia selecionada. In:
LOVELL, Peggy. Desigualdade racial no Brasil
contemporâneo. Belo Horizonte, UFMG/CEDEPLAR:
1991.
HENRIQUES, R. Desigualdade racial no Brasil: evolução
das condições de vida na década de 90. IPEA, Textos
para discussão, n. 807, 2001.
RIBEIRO, L. C. Q. Cidade desigual ou cidade partida?
Tendências da metrópole do Rio de Janeiro. In:
___________. O futuro das metrópoles: desigualdades
e governabilidade. Rio de Janeiro, IPPUR/UFRJ-FASE:
Revan, 2000. p. 63-98.
PASTORE, J.; SILVA, N. V. Mobilidade social no Brasil.
São Paulo: MaKron Book, 2000.
VALLADARES, L.; PRETECEILLE, E. Favela, favelas:
unidade e diversidade da favela carioca. In: RIBEIRO, L.
C. Q. O futuro das metrópoles: desigualdades e
governabilidade. Rio de Janeiro, IPPUR/UFRJ-FASE:
Revan, 2000.
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
Ambientes Virtuais para a Formação de Educadores:
Buscando uma Escola Inclusiva
Klaus Schlünzen Junior *
Elisa Tomoe Moriya Schlünzen *
Renata Benisterro Hernandes **
Marcelo Pauluci di Santo **
Adriana Aparecida de Lima Terçariol **
Maria das Graças de Araújo Baldo **
Adriano Marcos Fuzaro **
Andréa Alves da Silva **
Marcos Leonel de Souza **
Resumo: Na disciplina “Formação de Professores para uma Escola Digital e Inclusiva”, do curso
de pós-graduação em Educação da FCT/Unesp, visando proporcionar um ambiente Construcionista,
Contextualizado e Significativo; foi proposta a implementação de um Portal, para atender a
diversidade do grupo de pesquisadores que freqüentavam o curso. Na construção do Portal tínhamos
como principal objetivo contribuir para a criação de ambientes inclusivos e digitais, fundamentados
nas inúmeras experiências vivenciadas pelo grupo de alunos e professores envolvidos em escolas
públicas do Estado de São Paulo, empresas e instituições filantrópicas. Com esta proposta abriase a possibilidade de tornar as pessoas portadoras de necessidades especiais cidadãos totalmente
integrados ao mercado de trabalho e na sociedade da qual eles foram distanciados. Dessa forma,
poderíamos criar um importante instrumento capaz de propiciar momentos de trocas de informações
e experiência. Pois, na formação atual da maioria dos educadores não há capacitação para promover
a inclusão. Logo, com o intuito de promover uma extensão das investigações realizadas, abriu-se a
possibilidade de auxiliar e incentivar a construção de Comunidades Virtuais Inclusivas,
proporcionando ambientes de aprendizagem que irão contribuir para a capacitação de educadores
em qualquer nível e modalidade de atuação, em um ensino de qualidade para todos.
Palavras-chave: Inclusão, cidadania, ensino à distância, tecnologias de informação e comunicação,
ambientes virtuais.
Abstract: Within the activities of the discipline “Teacher Formation for a Digital and Inclusive
School”, a graduate course of the College of Education of FCT/Unesp, with the purpose of providing
a Constructionist, Meaningful and Significant environment, the diverse group of researchers who
attended the course were presented the proposal of the implementation of a Portal. The main
objective for the construction of the Portal was to create an inclusive and digital environment,
based on the several experiences of the group of pupils and professors involved in public schools in
the state of São Paulo - Brazil, companies and philanthropic institutions. With this proposal, it
would be possible to integrate people with special needs marketing the market place and in the
society from which they had been segregated. Thus, we could create an important instrument capable
of providing moments for sharing information and experiences. Unfortunately, the current formation
of the majority of the educators does not prepare them to promote that inclusion. Therefore, with the
purpose extending the researches, the work suggested the possibility of assisting and stimulating
*
Professor(a) da UNESP - Presidente Prudente.
[email protected]
[email protected]
** Mestrando(a) em Educação - UNESP - Presidente
Prudente.
[email protected]
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
43
the construction of Inclusive Virtual Communities, providing learning environments that will
contribute for the qualification of educators from all educational levels for achieving quality
education for all.
Key words: Inclusion, citizenship, remote learning, information and communication technologies,
virtual environments.
1. INTRODUÇÃO
Vivemos numa sociedade em profunda crise social,
moral e afetiva que passa por um processo de
autodestruição e onde a qualidade de vida diminui dia a
dia. É urgente trabalhar a favor de uma nova sociedade e
acreditarmos que a integração das tecnologias no
processo educacional pode resgatar o ser humano para
o afloramento de suas potencialidades, se utilizado de
forma adequada. No entanto, faz-se necessária uma
capacitação dos educadores para atuarem na construção
de novos ambientes de aprendizagem com compromisso
ético e social, procurando desfazer as desigualdades e
todo tipo de exclusão, uma vez que a inserção dos
portadores de necessidades especiais no mercado de
trabalho sempre foi permeada por uma série de
preconceitos, considerando que eles não são capazes de
desempenhar com a mesma desenvoltura e a mesma
capacidade as funções feitas por pessoas tidas como
“normais”. Aos poucos vemos esse cenário se
desfazendo, tornando-se cada vez mais comum sua
presença no mercado de trabalho, o que reverte em
qualidade de vida para estas pessoas em uma nova
perspectiva, pois já podem sonhar e acreditar na
possibilidade de terem uma profissão, ou serem
produtivos e aceitos como qualquer outro ser que não
apresenta as mesmas dificuldades.
Ao participar do mercado de trabalho, o portador
de necessidades especiais deixa de ser tão dependente
de seus familiares, mudando a dinâmica da família. Um
dos aspectos mais importantes da contratação dos
deficientes está na cidadania. O trabalho é uma das fontes
mais ricas de inclusão social. No sistema capitalista, a
valorização está pautada em quem produz. Embora
tenhamos observado avanços na inclusão social, ainda
falta muito a se conquistar. Nunca se falou tanto de
inclusão como nos últimos dez anos. Aumentaram-se as
propostas de trabalho das entidades para os portadores
de necessidades especiais, os conceitos se ampliaram.
O mercado contratante ainda é “tímido”, uma vez
que pouquíssimas pessoas acreditam na produtividade
dos portadores de necessidades especiais. Também não
sabem lidar com as diferenças e dificuldades dos outros,
esquecendo-se que eles, apesar de suas limitações, podem
ter potenciais jamais explorados. Além disso, se nem a
escola, que é o ambiente ideal para iniciar a inclusão das
44
pessoas especiais, consegue realizar tal façanha, como
podemos acreditar que a aceitação deles poderá ocorrer
em outros ambientes?
A garantia de acesso ao trabalho para as pessoas
com necessidades especiais é prevista tanto na legislação
internacional como na brasileira. No Brasil, as cotas de
vagas para pessoas com deficiência foram definidas em
lei de 1991, porém só passou a ter eficácia no final de
1999, quando foi publicado o decreto nº 3.298. Ela
determina que as empresas com mais de cem empregados
contratem pessoas com necessidades especiais segundo
as seguintes cotas: de 100 a 200 empregados, 2%; de 201
a 500 empregados, 3%; de 501 a 1.000, 4%; e acima de
1.000 funcionários, 5%.
Essa Lei mudou a visão social. No entanto, só a
legislação não é suficiente para garantir que a inclusão
dos portadores de necessidades especiais no mercado
de trabalho ocorra realmente. No entanto, a lei é um
mediador, um colaborador, mas se não houver a lei, não
temos a formalidade de experimentar e vivenciar essa
realidade.
Logo, para que a lei seja cumprida realmente, é
necessário que a educação faça a sua parte, incluindo no
processo ensino e aprendizagem o portador de
necessidade especial. Além disso, é preciso acreditarmos
no potencial destas pessoas. Para isso, as entidades
devem cumprir o seu papel de mediadoras da
profissionalização e cabe às empresas estarem abertas a
vivenciar essa realidade. Essa “ajuda”, que se dá sem
concessões de isenções fiscais, é responsabilidade social.
Ao mesmo tempo em que essa realidade se
expande, as universidades não vêm formando educadores
para lidar com ela, pois não contemplam em seus currículos
conteúdos relacionados à inclusão. Contudo, não
podemos pensar em uma formação puramente tecnicista
ou teórica. A formação do educador deve dar-lhe meios
para auxiliá-lo a descobrir um outro modo de agir e de
mudar para o benefício dos educandos, fazendo uso das
Tecnologias da Comunicação e Informação,
potencializando as oportunidades de aprendizagem
dessas pessoas. Na maioria das capacitações com o uso
das tecnologias, o agente formador leva fórmulas ou
atividades prontas para o educador, ou seja, restringe-se
a “treiná-lo”. Com isso, torna-se praticamente impossível
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
que o educador reflita sobre a sua prática e sobre a
importância que a Educação pode trazer para a construção
de uma nova sociedade.
Assim, acreditando na necessidade de integração,
cooperação, diálogo e formação contínua e progressiva
proporcionada pela criação de ambientes virtuais
inclusivos, ou seja, uma rede digital de compartilhamento
de vivências e experiências na formação de agentes de
aprendizagem que englobem não apenas as dimensões
cognitivas, mas, principalmente, a disseminação de uma
consciência social, ambiental e existencial, surgiu na
disciplina do programa de pós-graduação em Educação
da Faculdade de Ciências e Tecnologia – Unesp de
Presidente Prudente/SP, a proposta da elaboração do
Portal “Educação Digital Para Todos”.
O objetivo principal da construção do ambiente
virtual por meio de uma metodologia construcionista,
significativa e contextualizada foi contribuir e fornecer
subsídios ao trabalho dos educadores preocupados com
a melhoria da qualidade do ensino para todos. Essa
metodologia usou como estratégia o desenvolvimento
de projetos para construir novos conhecimentos dos
alunos que constituíam um grupo muito heterogêneo,
em que tratar do tema “Escola Digital e Inclusiva” era
para todos estar, não apenas refletindo sobre ele, mas,
acima de tudo, estar agindo de forma a contribuir para a
construção desta escola, repensando o seu ambiente.
Assim, cada integrante do grupo com sua experiência
pode contribuir para a aprendizagem e interesse de todos,
aliando a teoria com a prática e construindo algo palpável.
Com estas experiências e com as discussões em
sala de aula, constatamos que a tecnologia é uma
ferramenta facilitadora que poderá ser usada como
instrumento na construção do conhecimento do
educando e, principalmente, dos portadores de
necessidades especiais e demais excluídos. Percebemos
ainda que o professor pode valer-se de informações
provindas de várias áreas e envolver-se com diferentes
disciplinas, tornando o ensino cooperativo e
interdisciplinar, sendo necessário que conheça os
recursos oferecidos pelas novas tecnologias,
descobrindo o potencial que elas oferecem para
transformar o ensino. Esse caminhar possibilitou-nos
vivenciar diversos ambientes (escolas públicas e
privadas, entidades filantrópicas, empresas,
organizações) de forma que muitos já desenvolviam
metodologias que atendem à diversidade, criando
ambientes Construcionistas, Contextualizados e Significativos (Schlünzen, 2000) com o uso das novas tecnologias.
Entretanto, a maioria dos trabalhos realizados na
área de Tecnologias na Educação foi desenvolvida
criando-se projetos de informática com uma visão voltada
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
para a tecnologia, enquanto o ideal é a sua utilização com
vistas na mudança na forma de conceber o ensino e a
aprendizagem, utilizando-a como uma potencializadora
desse processo. Assim, esta tecnologia poderia ser uma
aliada na criação de um processo educacional melhor,
complementando as habilidades individuais e auxiliando
na construção de um mundo que dá um sentido maior
para a vida.
Saber usar as novas tecnologias é a grande
dificuldade do professor que está em sala de aula, com
um sentimento de isolamento e uma total falta de preparo
para tornar o ambiente educacional realmente inclusivo.
O objetivo da criação deste Portal foi exatamente de
diminuir este isolamento de forma que o educador possa
encontrar nele princípios ou idéias para transformar a
sua prática, visando a inclusão de todos os seus alunos.
Buscamos, além disso, dar um grande passo para a criação
de “comunidades virtuais inclusivas”, ou seja, grupos
de pessoas ligadas pela tecnologia na busca de melhorias
de nossas escolas e outros ambientes educacionais.
O objetivo deste trabalho é a criação de um Portal
que será uma opção a mais para a formação
contextualizada e significativa dos agentes de
aprendizagem e educandos por meio do uso das
tecnologias, associada a uma metodologia de formação e
de avaliação para a construção de uma Educação
realmente Inclusiva. Assim, a participação de todos
nestas comunidades virtuais permitirá, além do aprender
a fazer, o desenvolvimento de habilidades de comunicação
relacionadas ao saber ajudar e ao saber ensinar, o que
pode contribuir para tornar o processo de formação mais
humano e comprometido com o despertar dos desejos
por uma escola inclusiva. Esta abordagem também
possibilitará implementar a idéia de respeito e aceitação
da diversidade, de forma menos seletiva podendo abrir a
perspectiva de estar desenvolvendo uma abordagem
inclusiva para os desfavorecidos.
2. METODOLOGIA DO TRABALHO
Ao propor o desenvolvimento de um Portal que
pudesse subsidiar o trabalho dos educadores no sentido
de concretizar a inclusão, bem como possibilitar uma
formação continuada do próprio grupo, foi solicitada uma
pesquisa a ser realizada por todos os integrantes do grupo
em seus respectivos ambientes de atuação, com o
objetivo de atender aos anseios de educadores e demais
interessados na área. A partir dos dados tabulados
obtidos nessa pesquisa determinaram-se os links que
estariam sendo contemplados no Portal para distribuição
de tarefas entre os elementos do grupo que seriam
responsáveis pelo seu desenvolvimento, favorecendo a
atuação de acordo com interesse e competência de cada
um. Paralelamente à realização das tarefas, foram
45
propostas leituras que embasaram a construção desse
ambiente. Cada encontro do grupo foi muito rico, no
sentido de que favoreceu as trocas de experiências, tanto
no relato do andamento do trabalho de cada aluno,
quanto nas discussões e reflexões provocadas pelas
leituras.
educadores quanto ao conteúdo de um portal que
suprisse as necessidades encontradas no dia a dia.
Somamos os dados coletados às experiências
vivenciadas em escolas públicas, particulares,
profissionalizantes, empresas e instituições filantrópicas,
onde o grupo de alunos e professores atua.
O título do Portal “Educação Digital para Todos”
expressa a intenção de provocar mudanças na Educação
atual, incorporando o uso das novas Tecnologias da
Informação e Comunicação como instrumentos que
venham possibilitar a aprendizagem e torná-la inclusiva.
Além disso, os alunos realizaram estudos teóricos
baseados em pesquisadores como: Valente (1993, 1999a
e b), Mantoan (2001), Moran (1998), Moraes (2002), entre
outros. Esta atividade permitiu a elaboração de alguns
textos e apresentações que já compõem a biblioteca do
Portal.
Para a seleção do símbolo do Portal, procuramos
algo que representasse a união de esforços dos que lutam
pela educação digital para todos. Além disso, com o
objetivo de acolher profissionais que desejam tornar o
seu ambiente inclusivo a figura principal tem forma
estilizada de uma mão com uma educadora em sua palma.
A estrutura do Portal partiu de uma pesquisa em
que diversos educadores de diferentes campos de
atuação foram entrevistados quanto às dificuldades em
lidar com inclusão e o uso de novas tecnologias em sua
prática pedagógica. Investigamos as expectativas desses
Através das experiências do grupo de alunos e
professores e das discussões em sala de aula, fomos em
busca de meios que possibilitassem atender às
necessidades apontadas pelos educadores. Identificamos
a tecnologia como instrumento facilitador da construção
do conhecimento e viabilizador de um processo de
aprendizagem colaborativa.
Assim, numa tentativa de atender às necessidades
dos educadores, o Portal conta com os seguintes recursos
implementados, podendo ser visualizados na Fig. 1.
Fig. 1 - Tela principal do Portal “Educação Digital para Todos”.
Unesp: neste item o usuário poderá acessar
diretamente o site da Universidade Estadual Paulista
<http://www.prudente.unesp.br>, da qual os educadores
e pesquisadores fazem parte.
navegação na forma de um organograma.
NEC: Núcleo de Educação Corporativa, é o núcleo
de pesquisa pertencente à Unesp, que mantém o Portal
em seu servidor.
Fale Conosco: viabilizamos, através de e-mail, um
canal de comunicação direto com o grupo de alunos e
pesquisadores, para que os educadores possam de forma
reservada enviar mensagens e críticas.
Como Navegar: o propósito desse link é orientar
a navegação pelo Portal, através de um roteiro de
46
Links Externos Interessantes: endereços de web
site relacionados ao mesmo propósito do Portal.
Biblioteca: ambiente onde os educadores poderão
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
ter acesso a textos, artigos, vídeos e referência de livros
que abordam temas relacionados à inclusão, ao uso de
novas tecnologias na educação e também uma descrição
e análise de softwares educativos, bem como informações
sobre diversas patologias de pessoas portadoras de
necessidades especiais.
Eventos: local reservado para divulgação de
Congressos, Cursos, Encontros e Palestras relacionados
à Educação.
Pesquisadores: as informações relacionadas à
formação acadêmica, atuação profissional, publicações
e meio de contato com o grupo de alunos e professores
que desenvolveram o Portal.
Banco de Experiências e Projetos: aqui
pretendemos promover a troca de experiências, em que
os educadores podem ter acesso a um acervo de projetos
e experiências vivenciadas por diversos grupos de
educadores inclusivos e também contribuir com o relato
de suas próprias experiências.
Comunicação: através de Chat, cursos on-line e
Fóruns de discussão, possibilitando a interação entre
educadores, pesquisadores e consultores. Também
existirá um espaço para envio de dúvidas e um mural
onde todas os usuários poderão divulgar eventos
pertinentes à Educação.
Busca: esta opção possibilita a busca de
informações no Portal, por meio de palavras-chaves.
Destaques: um letreiro exibirá as novidades de
eventos promovidos e informações disponibilizadas pelo
Portal.
Ainda salientamos o cuidado que tivemos em
produzir um ambiente amigável e de fácil utilização, em
que os educadores se sintam motivados a buscar
informações e compartilhar seus anseios, experiências,
sucessos e insucessos, desenvolvendo novas
competências e habilidades, participando de um processo
de aprendizagem colaborativa, para o saber ensinar.
Nossas expectativas futuras são utilizar a
Educação à Distância, através das Tecnologias da
Comunicação e Informação, para capacitar educadores,
agregando valores que concretizem as mudanças
necessárias para atender a uma sociedade que demanda
por oportunidades, desfazendo as desigualdades e todo
tipo de exclusão. Esta realização será possível mediante
a elaboração de um primeiro curso de extensão em
“Educação Inclusiva”, elaborado por todos os
participantes da confecção do Portal.
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
3. RESULTADOS E CONCLUSÕES
A disciplina do curso de pós-graduação em
Educação “Formação de Professores para uma Escola
Digital e Inclusiva”, oferecida pelos professores Klaus
Schlünzen Junior e Elisa Tomoe Moriya Schlünzen, tendo
como uma das finalidades a elaboração de um Portal com
o tema “Educação Digital para Todos”, caracterizou-se
por oferecer oportunidades de desenvolvimento
intelectual, pessoal, social, emocional, político e espiritual
para todos os envolvidos no processo, pois, adotando
uma metodologia construcionista, estes educadores
possibilitaram a nós a construção do conhecimento de
uma forma contextualizada e significativa.
Para isso, adotaram a estratégia de
desenvolvimento de Projetos de Trabalho, onde foi
proposto trabalhar com atividades abertas, que
possibilitaram estabelecer nossas próprias estratégias.
Tendo enfoque globalizador, centrado na resolução de
problemas significativos, fomos vistos como sujeitos
ativos na construção de nosso conhecimento, pois toda
a concepção do Portal foi elaborada em conjunto com
professores e alunos. O conteúdo abordado foi
determinado pelo problema em questão, possibilitando a
aquisição do conhecimento como instrumento para
compreensão e possível intervenção na realidade.
Segundo esta estratégia, os professores interviram em
nosso processo de aprendizagem, criando situações
problematizadoras, introduzindo novas informações e
particularmente fornecendo condições para que
avançássemos em nossos esquemas de compreensão da
realidade.
Esta abordagem metodológica quebrou os
paradigmas da Educação Tradicional e fez com que
percebêssemos de uma maneira ampla e irrestrita que a
Educação deve ser praticada dando sentido real ao
aprender a aprender.
Através das observações nos diversos ambientes
em que atuamos e relacionando com o conteúdo desta
disciplina, pudemos constatar que quase nada mudou
na metodologia de ensino dos professores nos últimos
anos na Educação Brasileira. Poucos professores têm a
visão e a cultura construcionista na sua metodologia de
ensino, ou seja, fazem com que os alunos construam seu
conhecimento.
A sociedade está em constante mudança, o que
tem implicado também uma clientela escolar diferenciada
que possui um conhecimento tecnológico e crítico diante
desta realidade, ou seja, a criança que chega à escola já
passou por processos de educação importantes: pelo
familiar e pela mídia eletrônica. Por isso, é necessária uma
educação para as mídias, para compreendê-las, criticá47
las e utilizá-las da forma mais abrangente na construção
do conhecimento, de modo que o aluno seja capaz de
analisar e filtrar as informações durante este processo.
Diante disso, cabe a escola rever sua abordagem
tradicional de modo que permita aos seus alunos
expressarem seus desejos. Entretanto, isso não acontece
pelo fato de a metodologia de ensino de alguns
professores estar situada em épocas muito remotas, ou
seja, muito defasada, não dando o devido valor ao
potencial dos alunos. Isso com certeza ocorre pela falta
de preparo destes professores e talvez pelo medo de
mudar. É necessário incentivar e fazer com que os alunos
busquem as atualidades e as Tecnologias de Informação
e Comunicação (TICs) inseridas na sociedade moderna.
Assim, os professores poderiam trabalhar com projetos,
formulando seu planejamento pedagógico através das
idéias e potenciais dos alunos, usando cada vez mais as
tecnologias da instituição.
Diante deste cenário, os educadores precisam ter
consciência de que o conhecimento é construído através
de um processo de interação e comunicação externa e
interna; perceber que entre suas responsabilidades está
a de ajudar a si mesmo e ao próximo a aprender a viver e
compreender o mundo; ajudar o aluno a desenvolver suas
habilidades de compreensão, emoção e comunicação; e
permitir que encontrem seus espaços pessoais, sociais e
profissionais. De acordo com (Moran, 1998), “Espera-se
de um professor, em primeiro lugar, que seja competente
na sua especialidade, que esteja atualizado. Em segundo
lugar, que saiba comunicar-se com seus alunos, motiválos, explicar o conteúdo, manter o interesse do grupo,
entrosado, cooperativo e produtivo”.
No campo da Educação Especial, é fundamental
que também ocorram avanços significativos na didática
adotada, pois já é previsto por lei que a inclusão aconteça
nos diversos níveis de ensino. Contudo, resta ainda muito
a ser feito para que a educação de pessoas portadoras de
necessidades especiais não se verifique apenas na teoria.
Existe no mundo atual um grande número de
pessoas portadoras de necessidades especiais que
aumenta dia a dia. Está confirmada pelos resultados de
pesquisas com segmentos da população e por
investigações de renomados pesquisadores a estimativa
mundial de 500 milhões. Na maioria dos países, pelo menos
uma em cada dez pessoas é portadora de alguma
deficiência física, mental ou sensorial, e a presença da
deficiência repercute, de um modo adverso, em pelo
menos 25% de toda a população.
Assim, a idéia de criarmos um Portal surgiu na
intenção de apoiar os educadores a atuarem em prol da
inclusão e da inserção do computador na prática
48
pedagógica. Acreditamos que as redes de computadores
possam propiciar um ambiente de aprendizagem
colaborativa. Para montarmos esse Portal, tivemos de
buscar informações que foram compartilhadas e expostas
ao grupo para que cada um colocasse suas idéias,
opiniões e experiências. Através das informações obtidas,
foram levantadas questões sobre como efetivar a
inclusão, usando as novas tecnologias as quais
provocaram reflexões no grupo. Com isso, adquirimos
uma série de conhecimentos que não tínhamos. Segundo
(Valente, 1999a), “o conhecimento deverá ser fruto do
processamento de informações, da aplicação dessas
informações processadas na resolução de problemas
significativos e reflexão sobre os resultados obtidos”.
Durante a construção deste Portal, pudemos, por
meio de algumas leituras, perceber que existem duas
metodologias que vêm sendo adotadas pelos educadores
ao trabalhar com as Tecnologias de Informação e
Comunicação na Educação: o Instrucionismo e o
Construcionismo. Constatamos que os educadores que
desejam caminhar por novos horizontes e descobrir
novos métodos de ensino, podem estar analisando essas
metodologias, refletindo sobre as suas possibilidades
para o desenvolvimento integral dos alunos, assim como
poderão estar observando qual a melhor maneira de
alcançar seus objetivos visando à construção do saber
de forma significativa.
O acesso a leituras referentes ao uso das
Tecnologias de Informação e Comunicação na Educação
proporcionou a aprendizagem de conceitos essenciais
para a atuação nesta área. Ao trabalhar com o livro
“Mudanças na Comunicação Pessoal: Gerenciamento
Integrado da Comunicação Pessoal, Social e
Tecnológica”, Moran (1998), percebemos que ele enfatiza
a utilização desses recursos como ferramentas
humanizadoras. Ao contrário do que muitas pessoas
afirmam, que a máquina reforça o individualismo, o
egoísmo, podemos, segundo este autor, utilizar essas
tecnologias a favor da interação pessoal, grupal e social,
buscando com as novas formas de comunicação nos
tornar pessoas mais felizes e amadas.
Com as idéias da autora Maria Teresa Eglér
Mantoan, contidas no texto “Abrindo as Escolas às
Diferenças” (Mantoan, 2001), pudemos ter a certeza de
que, apesar das dificuldades, é possível que uma escola
se transforme, revendo suas atitudes, alterando suas
estruturas físicas e organizacionais, de modo a incluir
todas as crianças em salas de aula regulares. É
fundamental também a existência de cursos para o
aprimoramento profissional dos professores.
Ao trabalhar com o texto “O papel do Professor
no Ambiente Logo” de José Armando Valente (1996,
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
p. 13), percebemos que o educador pode conseguir
“através do Ciclo: descrição-execução-reflexãodepuração-descrição, que se estabelece na interação do
aprendiz com o computador, procurar que eles façam uma
reflexão sobre o uso da tecnologia”. Assim, a “descrição
das idéias que os alunos passam para o computador pode
ser usada como objeto de estudo e de discussão a
respeito do ato de criar ou do pensar sobre o pensar...”
(Freire & Valente, 2001).
Em nossos encontros no curso, tivemos a
oportunidade de vivenciar um ambiente onde a
diversidade de competências e habilidades entre os
alunos foram administradas com eficiência pelos
professores da disciplina, favorecendo o processo de
aprendizagem. O grupo de alunos é composto por
profissionais que atuam em diversas áreas e níveis da
educação, o que poderia ser visto inicialmente como um
desafio ao sucesso do processo de ensino e
aprendizagem. No entanto, a diversidade entre os alunos
foi um dos pontos positivos para entendermos o quanto
podemos tirar proveito das diferenças em uma sala de
aula. Para que isso pudesse acontecer, os professores
tiveram o cuidado de conhecer os ideais de cada aluno,
identificando o potencial de cada um, propondo
atividades que tivessem significado para o contexto
profissional e pessoal do aluno, além de demonstrarem o
propósito de colaborar para que cada um alcançasse seu
objetivo. É importante considerar também que lidar com
a diversidade requer saber ser humilde para ouvir o que o
outro nos traz e estar aberto a compartilhar
conhecimentos.
Conforme as atividades do projeto foram se
desenvolvendo, notamos que o grupo constituiu relações
de amizade, de cooperativismo, de coletividade e de
solidariedade, o que leva a crer que com a metodologia
de projetos não se desenvolve apenas o cognitivo do
aluno, mas também o afetivo. Para (Mantoan, 2001), “o
clima sócio-afetivo das salas de aula é mantido na base
da cooperação, de modo que os alunos se sintam seguros
e possam compartilhar as experiências de aprendizagem
e complementá-las com seus saberes”.
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
4. AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem a Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo – Fapesp pelo apoio
financeiro.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FREIRE, M. P. F.; VALENTE, J. A. Aprendendo para a
vida: os computadores na sala de aula. São Paulo: Cortez,
2001.
MANTOAN, M. T. E. (org). Pensando e fazendo educação
de qualidade. São Paulo: Moderna, 2001.
MORAES, M. C. Educação a distância: fundamentos e
práticas. Campinas: Unicamp/Nied, 2002.
MORAN, J. M. Mudanças na comunicação pessoal:
gerenciamento integrado da comunicação pessoal, social
e tecnológica. São Paulo: Paulinas, 1998.
SCHLÜNZEN, E. T. M. Mudanças nas práticas
pedagógicas do professor: criando um ambiente
construcionista contextualizado e significativo para
crianças com necessidades especiais físicas. Tese
(Doutorado em Educação) - PUC, São Paulo, 2000.
VALENTE, J. A. O computador na sociedade do
conhecimento. Campinas: UNICAMP/NIED, 1999a.
____________. A escola que gera conhecimento. In:
FAZENDA, I.; ALMEIDA, F.; VALENTE, J. A.;
CANDIDA, M. C.; MASETTO, M. T.; ALONSO, M.
Interdisciplinaridade e novas tecnologias: formando
professor. Campo Grande: UFMS, 1999b.p.77-119.
__________. O professor no ambiente logo: formação e
atuação. Campinas: UNICAMP/NIED, 1996.
__________. Computadores e conhecimento: repensando a educação. Campinas: Gráfica da UNICAMP, 1993.
49
A Construção de Ambientes Virtuais: Uma Ferramenta
Para a Inclusão Digital e Social de Jovens Carentes
Elisa Tomoe Moriya Schlünzen *
Adriana Aparecida de Lima Terçariol **
Resumo: Atualmente, a rede que conecta a cada dia milhares de computadores de todo o mundo,
denominada Internet, está se tornando uma ferramenta importante na comunicação humana. A sua
aplicação em praticamente todas as áreas e o seu crescente número de usuários têm feito com que
todos os países do mundo estejam conectados à Internet. No que se refere ao setor educacional, a
Internet tem estado presente desde os primeiros momentos do seu surgimento. Com isso, propôs-se
a realização desse projeto de pesquisa, envolvendo atividades com o uso da Rede Internet, para o
desenvolvimento de uma Home-Page sobre a cidade de Presidente Prudente (SP), com a finalidade
de possibilitar a dez jovens provenientes de classes sociais desfavorecidas o acesso a uma nova
maneira de aprender e construir o conhecimento, adquirindo simultaneamente subsídios para a
sua inclusão digital e social. Assim, ao criar um ambiente virtual, os jovens construíram o próprio
conhecimento de uma forma significativa e contextualizada, desenvolvendo-se intelectual, pessoal,
social, emocional, espiritual e politicamente.
Palavras-chave: Ambiente virtual de aprendizagem, construção do conhecimento, inclusão digital e
social.
Abstract: Nowadays, the network that connects, every day thousands of computers around the
world is called Internet, and has turned into an important tool for human communication. Its
usefulness in practically all fields and its increasing number of users has connected all countries in
the world. As far as the educational sector is concerned, the Internet has been present since the first
moments, when it emerged. Therefore, the accomplishment of this search project that involves
activities using the Internet to develop a Home-Page about the city of Presidente Prudente was
proposed with the purpose of making it possible for ten low-income teenagers, to get in touch with
a new way to learn and build knowledge, getting at the same time, subsidies for their digital and
social inclusion. Thus, when you create a virtual place, those teenagers build their own knowledge
in a significant and meaningful way, developing themselves in several aspects: intellectual, personal,
social, emotional, spiritual and political.
Key words: Virtual learning environment, knowledge building, digital and social inclusion.
1. INTRODUÇÃO
A última década do século XX foi marcada pela
discussão sobre a qualidade da Educação e sobre as
condições necessárias para assegurar o direito de
crianças, jovens e adultos às aprendizagens
imprescindíveis para o desenvolvimento de suas
*
Professora da UNESP - Presidente Prudente.
[email protected]
** Mestranda em Educação - UNESP - Presidente
Prudente.
[email protected]
50
capacidades. A preocupação com essa questão não é
propriamente nova, entretanto, nos anos 90, a Educação
de qualidade tornou-se uma preocupação de vários
segmentos da sociedade. Inúmeros são os compromissos
nacionais e internacionais firmados pelos governos nos
últimos tempos como forma de acelerar o processo que
leva a essa meta.
A educação promovida pela escola distingue-se
de outras práticas educativas, como as que acontecem
na família, no trabalho, no lazer e nas demais formas de
convívio social, por constituir uma ajuda intencional com
o objetivo de promover o desenvolvimento e a socialização
de crianças, jovens e, em muitos casos, também de
adultos. Em uma concepção democrática, entende-se a
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
educação escolar como responsável por criar condições
para que todas as pessoas desenvolvam suas capacidades
e aprendam os conteúdos necessários para construir
instrumentos de compreensão da realidade e para
participar de relações sociais cada vez mais amplas e
diversificadas, condições fundamentais para o exercício
da cidadania.
O desenvolvimento de diferentes capacidades cognitivas, afetivas, físicas, éticas, estéticas, de inserção
social e de relação inter e intrapessoal - só se torna
possível, através do processo de construção e
reconstrução de conhecimento. Do contrário, não se
promove a aprendizagem. E, nessa perspectiva, conhecer
e considerar os diferentes fatores que concorrem para o
processo de construção de conhecimento passam a ser
uma tarefa à qual as instituições educativas não podem
se negar.
Uma educação, que pretende ser de qualidade,
precisa contribuir progressivamente para a formação de
cidadãos capazes de responder aos desafios colocados
pela realidade e nela intervir. A reflexão que a comunidade
educacional tem acumulado nos últimos anos indica que
para uma formação desse tipo, a escola deve garantir às
crianças e jovens aprendizagens bastante diversificadas.
Deve lhes garantir a possibilidade de, ao longo da
escolaridade, compreender conceitos, princípios e
fenômenos complexos e de transitar pelos diferentes
campos do saber, aprendendo procedimentos, valores e
atitudes, atualmente, imprescindíveis para o
desenvolvimento de suas diferentes capacidades.
É necessário que todos aprendam a valorizar o
conhecimento e os bens culturais e a ter acesso a eles
automaticamente, a selecionar o que é relevante,
investigar, questionar e pesquisar, a construir hipóteses,
compreender, raciocinar logicamente, a comparar,
estabelecer relações, inferir e generalizar, a adquirir
confiança na própria capacidade de pensar e encontrar
soluções. É preciso que todos aprendam a relativizar,
confrontar e respeitar diferentes pontos de vista, discutir
divergências, exercitar o pensamento crítico e reflexivo
(Moraes, 2002).
É preciso que aprendam a ler, criticamente,
diferentes tipos de texto, utilizar diferentes recursos
tecnológicos, expressar-se em várias linguagens, opinar,
enfrentar desafios, criar, agir de forma autônoma
(Almeida, 2002). E que aprendam a diferenciar o espaço
público do espaço privado, ser solidários, conviver com
a diversidade, repudiar qualquer tipo de discriminação e
injustiça (Pellegrino, 2001). Esse conjunto de
aprendizagem representa, na verdade, um desdobramento
de capacidades que todo cidadão - criança, jovem ou
adulto - tem direito de desenvolver ao longo da vida,
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
com a mediação e ajuda da escola.
A utilização das novas tecnologias de informação
e comunicação com esse propósito requer a análise
minuciosa do que significa ensinar e aprender, demanda
rever a prática e a formação do professor para esse novo
contexto, assim como mudanças no currículo e na própria
estrutura da escola. Familiarizar crianças, jovens e adultos
com esses recursos é, hoje, uma necessidade, pois todos
compreendem que na sociedade moderna essas máquinas
estão inseridas no dia-a-dia de todos.
Contudo, a utilização das novas tecnologias na
Educação, não é fazer delas uma “máquina de ensinar”
(Papert, 1994), mas proporcionar condições para que se
tornem uma nova mídia educacional, passando, então, a
ser uma ferramenta pedagógica, de complementação, de
aperfeiçoamento e de possível mudança na qualidade do
ensino. Essas mudanças podem ser introduzidas com a
presença do computador que deve propiciar as condições
para os alunos exercitarem a capacidade de criar, procurar
e selecionar informações, resolver problemas e aprender
independentemente, pois o professor aqui é um criador
de ambientes de aprendizagem e o facilitador do processo
de desenvolvimento intelectual do aluno (Valente, 1996).
Diante desse cenário, desenvolvemos o projeto
de construção de uma Home-Page intitulada “BrasilPortugal: 500 Anos de Contínuas Descobertas”, com o
principal objetivo de proporcionar o acesso às
tecnologias de informação e comunicação a jovens
provenientes de classes sociais desfavorecidas,
propiciando a sua inclusão social e digital. Além disso,
essa pesquisa visou analisar o uso da Rede Internet para
o aprimoramento do processo de aprendizagem,
compreender como esse recurso educacional poderia
contribuir para a formação de um novo perfil profissional
apto a atuar na sociedade moderna, interpretar alguns
aspectos da comunicação via computador na escola e
discutir as atitudes pedagógicas que tendem a ser
desencadeadas entre alunos e professores, assim como
criar situações para o resgate da auto-estima e
autoconfiança de jovens carentes, mostrando que são
capazes.
2. METODOLOGIA
A metodologia utilizada para a realização dessa
pesquisa foi baseada no ciclo ação-reflexão-ação, ou seja,
as pesquisadoras estiveram permanentemente em contato
com o grupo pesquisado, juntos agiram, refletiram,
planejaram e replanejaram as ações sempre que necessário
em um constante movimento de ação e reflexão.
Segundo uma perspectiva de pesquisa-ação,
proporcionaram condições para que os jovens se
51
tornassem agentes do próprio processo de ensinoaprendizagem. Para isso, foi necessário que buscassem
informações sobre o tema que estavam trabalhando,
selecionassem o material coletado e, posteriormente, o
estruturassem no computador, para que construíssem o
próprio conhecimento.
Os encontros ocorreram na maioria das vezes no
Pólo Computacional da FCT/UNESP/Campus de
Presidente Prudente (SP). Este laboratório estava
composto por cinco microcomputadores, cinco kits
multimídia, uma impressora jato de tinta, um scanner e
acesso à Rede Internet. Os encontros ocorreram às
segundas-feiras das 14:00 às 18:00 horas. As atividades
foram desenvolvidas em duplas com a finalidade de haver
cooperação, troca de idéias e respeito entre os sujeitos
da pesquisa.
Com o objetivo de trabalhar o tema: Os 500 Anos
do Descobrimento do Brasil, propomos ao grupo a
criação de uma Home-Page sobre a cidade de Presidente
Prudente (SP). Para isso, foram utilizados alguns serviços
da Rede Internet, como o E-Mail (correio eletrônico), o
Chat (conversação) e visitas a sites sobre o assunto a
ser trabalhado. Para a realização dessa atividade houve
onze encontros com quatro horas de duração cada um,
totalizando 44 horas de formação.
No primeiro encontro com estes jovens, realizamos,
inicialmente, uma dinâmica de apresentação com a
finalidade de que todos os envolvidos no projeto se
conhecessem melhor, buscando realizar um diagnóstico
de suas expectativas em relação ao trabalho que estariam
desenvolvendo. Em seguida, para que o grupo soubesse
qual era o objetivo do trabalho, esclareceu-se como seriam
desenvolvidas as atividades relacionadas ao uso da Rede
Internet, para construir uma Home-Page com o tema
“Brasil-Portugal: 500 Anos de Contínuas Descobertas”,
com o intuito de comemorar os 500 Anos de
Descobrimento do Brasil. Esclarecemos que esse trabalho
consistiria na organização de um time virtual de
estudantes brasileiros do qual eles fariam parte. A missão
desse time seria pesquisar informações sobre sua
respectiva cidade, para, posteriormente, disponibilizá-las
em páginas eletrônicas na Rede Internet.
Com a finalidade de familiarizar os jovens com o
ambiente virtual, solicitamos que se agrupassem em
duplas nos computadores para navegarem em alguns
sites, utilizando os softwares Netscape Navigator ou
Internet Explorer. Foram exploradas várias Home-Pages
com temas diversificados para que os alunos fossem se
familiarizando com os recursos do computador e interfaces
da Internet. Aproveitando essa oportunidade, propomos
aos jovens a criação de seus respectivos e-mails. Para
isso, entraram no site do BOL (Brasil On-Line)
52
http://www.bol.com.br onde se cadastraram e obtiveram
seus endereços eletrônicos pessoais. Ao terminarem,
solicitamos a eles que enviassem uma mensagem
eletrônica às pesquisadoras, informando suas opiniões
e sensações ao navegarem pela Rede Mundial de
Computadores. Segue abaixo dois exemplos dos e-mails
enviados às pesquisadoras pelos jovens.
_ Professoras, eu estou muito feliz de estar
participando das aulas de informática, porque
sempre quis participar, desde os 13 anos de
idade. Espero que vocês gostem de mim. Maria
Aparecida.
_ Eu quero continuar com o curso de Informática,
porque é muito bom para mim mais tarde quando
eu procurar serviço. O primeiro dia da
computação eu achei muito bom, porque aprendi
viajar pela Internet. Eu espero aprender mais
com a aula de Informática com as professoras.
Thiago.
Cabe ressaltar que o primeiro exemplo de e-mail,
citado acima, foi elaborado por uma jovem extremamente
tímida que tinha uma certa dificuldade em se expressar e
fazer amizades. Ela apresentava uma dificuldade muito
grande de se comunicar com as pesquisadoras e também
com os colegas; ficava sempre em seu cantinho
esperando que ninguém a notasse. Felizmente, essa
timidez passou a ser deixada de lado a partir do momento
em que se criou um espaço virtual para que dissesse o
que estava sentindo sem que ninguém a recriminasse ou
a rejeitasse. Por meio dos recursos de informação e
comunicação (Moran, 1998) é possível às pessoas
interagirem umas com as outras de uma maneira diferente,
ampliarem seu rol de amizades, estabelecendo
relacionamentos sinceros e duradouros com pessoas
conhecidas e desconhecidas, próximas e distantes.
Em seguida, sugerimos aos alunos que visitassem
dois sites, o primeiro deles foi o site brasileiro:
http://www.etfop.g12.br/PortBras/index.html, em que se
divertiram com a caça ao tesouro, ou seja, passaram por
alguns lugares portugueses desvendando charadas até
encontrarem um tesouro. A visita a este site possibilitou
aos alunos atingirem o objetivo proposto, através de
tentativas e erros, cada vez que se deparavam com o erro
se sentiam mais desafiados a dar continuidade ao jogo.
O segundo foi o site português: http://www.esec-s-brasalportel.rcts.pt/ouro_preto/ouro_preto.htm. Ao
navegarem por este site, os alunos tiveram a oportunidade
de conhecer a bela cidade de Ouro Preto e algumas de
suas figuras históricas, como, por exemplo, Aleijadinho.
Diferente do primeiro site visitado que pôde ser explorado
de uma forma lúdica, devido à “caça ao tesouro”, este
segundo apresentou-se de uma forma menos dinâmica.
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
Os jovens, acessando à Rede Internet, tiveram a
oportunidade de participar também de um Bate-Papo.
Entraram no site do UOL, na sala de convidados e
puderam conversar com um índio da tribo Xavantes e
com outros internautas conectados no momento. Com
essa conversa os jovens enriqueceram a sua cultura,
conhecendo algumas características destes índios, como,
por exemplo: usos e costumes, comidas típicas, rituais de
dança, alguns lugares existentes na aldeia, como o rio
Cristalino, etc. Como houve interesse pela parte dos
jovens em conhecer um pouco mais sobre os índios
Xavantes, recomendou-se que entrassem no endereço:
http://www.cotiguara.com.br/acultura.htm, para terem
acesso a mais informações sobre a cultura das tribos
Xavantes. Nesse endereço tiveram acesso a fotos de
rituais comuns entre esses índios, a modos e costumes
específicos da tribo e muitas outras informações. Neste
mesmo encontro, os jovens receberam a visita do
Professor Eduardo, diretor do Colégio Cotiguara de
Presidente Prudente (SP), que foi divulgar o CD-ROM
“A Cultura Xavante nos 500 Anos do Brasil”.
construindo sobre a cidade de Presidente Prudente, os
jovens foram convidados para visitarem alguns locais da
cidade que ainda não conheciam, como, por exemplo, a
sede do Jornal “O Imparcial”, onde puderam conhecer as
instalações e as etapas de edição de um jornal; o estádio
de futebol municipal, “O Prudentão”, onde conheceram
as arquibancadas, o gramado e os vestiários.
Após a explanação do site e do CD-ROM sobre
os índios Xavantes, os jovens retornaram ao Bate-Papo
com o intuito de escolherem uma sala para fazer novas
amizades. Ficaram entusiasmados com a possibilidade
de conversarem com pessoas a quilômetros de distância.
Percebeu-se entre eles uma enorme preocupação em
escrever corretamente as palavras, não queriam deixar
transparecer ao colega que estava do outro lado da “tela”
a inexperiência quanto ao uso da Internet e o modo de
redigir algumas palavras. Foi possível observar que os
jovens mais tímidos também se envolveram com a
atividade, pois alguns deles quase não se expressavam
durante os encontros e no momento em que estavam se
comunicando, via computador, pareciam não sentir receio
de dizer o que estavam pensando e sentindo.
Ainda, com a finalidade de coletar dados sobre a
cidade de Presidente Prudente, os jovens consultaram
diversas fontes, como, por exemplo, jornais, revistas,
enciclopédias, Rede Internet visitando os sites http://
www.prudenet.com.br e http://www.muranet.com.br,
exploraram o CD-ROM “Prudente 2000 Virtual”, produzido
pela empresa Caltech Informática Ltda. de Presidente
Prudente (SP), dentre outras. Após a pesquisa, reuniram
o que haviam coletado, dividiram entre as duplas os
assuntos que consideraram relevantes e deram início à
digitação e formatação dos textos da Home-Page. O
software utilizado foi o editor de textos Microsoft Word
que foi escolhido pela facilidade de operação. Os temas
escolhidos para compor o índice inicial da Home-Page
foram: o histórico da cidade, bandeira, brasão, hino,
localização, prefeitos, educação, comércio, indústria,
dados ambientais, dados populacionais, turismo e lazer,
de acordo com a ilustração da Figura 1.
Em um outro momento, com o intuito de iniciar a
coleta de dados para a Home-Page que estariam
Outro local visitado foi o Horto Florestal, onde
viram diversas mudas de plantas, árvores e um minhocário
onde era produzido o húmus utilizado para a preparação
da terra. Para finalizar essa atividade, o último local a ser
visitado foi o “aeroporto municipal” e um “hangar”, onde
os jovens puderam, pela primeira vez em suas vidas, ter o
contato com um avião. Ao sair do aeroporto, o grupo
retornou a FCT/UNESP/Presidente Prudente (SP), onde
propomos a eles que elaborassem um relatório sobre os
locais que haviam visitado. Todos voltaram felizes para
suas casas, pois naquele dia tiveram a chance de conhecer
um pouco melhor a cidade em que residiam, visitando
lugares desconhecidos.
Fig. 1 - Página inicial da Home-Page contendo o índice.
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
53
Dando prosseguimento à construção deste
ambiente virtual, cada jovem elaborou uma página pessoal
contendo os seguintes dados: data de nascimento,
nacionalidade, cidade, e-mail, série, escola, o que mais
gosta de fazer, hobby, música(s) preferida(s) e profissão
desejada. Assim, puderam olhar um pouco para si mesmos
e expressar suas preferências, inclusive suas perspectivas
e sonhos futuros. Percebemos que a criação dessas
páginas pessoais permitiu aos jovens realimentarem suas
esperanças de um dia poderem melhorar suas condições
financeiras, sendo um profissional competente e
reconhecido.
Finalizadas as páginas pessoais, os jovens
decidiram colocar na Home-Page que estavam
construindo, além de textos informativos sobre a cidade
de Presidente Prudente, um jogo elaborado por eles,
denominado “Conheça Prudente Brincando”. Para isso,
chegaram a um consenso de que deveriam selecionar
alguns mapas, como o da América do Sul, do Brasil, do
Estado de São Paulo e da cidade de Presidente Prudente,
para comporem páginas contendo charadas que deveriam
ser desvendadas pelos internautas com a finalidade de
levá-los a refletir sobre alguns conhecimentos
geográficos, históricos, climáticos, ambientais, entre
outros, trazidos pelo mapa até chegarem ao tesouro
procurado, a cidade de “Presidente Prudente”. Assim, as
pessoas que estariam visitando o site poderiam encontrar
duas formas de navegação: uma delas seria a forma mais
tradicional onde se escolheria o tema a ser explorado,
simplesmente, dando-se um clique com o mouse sobre
uma palavra, ou seja, através dos links, e um outro
caminho seria tentar desvendar essas charadas
percorrendo por meio de mapas, refletindo e escolhendo
a opção correta. Com isso, os internautas estariam sendo
levados a uma viagem pela história de alguns países da
América do Sul, chegando até ao Brasil, como demonstra
a Figura 2, e, em seguida, à cidade de Presidente Prudente
de uma forma mais lúdica e criativa.
Fig. 2 - Página contendo o mapa do Brasil e uma charada a ser desvendada.
Solicitou-se, então, a pesquisa de alguns mapas e
dados geográficos, a fim de se elaborarem as páginas
com as charadas. Cada dupla se empenhou para elaborar
charadas que poderiam estar instigando a curiosidade
dos internautas, levando-os até o final do jogo. Também
tiveram a preocupação de construir, para cada charada,
uma tela contendo uma dica para as pessoas que poderiam
estar encontrando dificuldades durante a navegação. Para
criar essas dicas, os jovens tiveram de pesquisar em livros
de Geografia, História e enciclopédias, assuntos
referentes ao respectivo tema trazido pelo mapa (América
do Sul, Brasil, São Paulo e Presidente Prudente). Com
essa tarefa, os jovens puderam aprender um pouco mais
sobre alguns aspectos geográficos, históricos, políticos,
sociais, econômicos, ambientais, dentre outros, assim
como algumas características específicas de cada uma
das regiões abordadas.
54
Finalizada esta etapa, houve a disponibilização
da Home-Page sobre a cidade de Presidente Prudente na
Rede Internet para acesso pelos jovens, com a finalidade
de testá-la e depurar o trabalho desenvolvido pelo grupo.
O produto obtido com a realização desse projeto pode
ser observado no seguinte endereço eletrônico http://
www.prudente.unesp.br/brasil500/abertura2.htm.
3. RESULTADOS
A oportunidade de ter participado das atividades
propostas nesse grupo de trabalho foi de muita
importância para todos os jovens participantes da
pesquisa. Palavras como: “adorei, gostei, muito bom e
legal”, fizeram-se presentes na avaliação final, o que nos
levou a acreditar no sucesso e eficiência do projeto, assim
como no prazer demonstrado pelos jovens em ter
participado do trabalho. A satisfação em ter aprendido e
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
descoberto coisas novas também ficou evidente.
desenvolve sua ação pedagógica (Moran, 1998).
A aquisição de conhecimentos, tanto em relação
ao uso das novas tecnologias quanto aos saberes
relacionados aos conteúdos pesquisados para a
construção da Home-Page, contribuiu para o
enriquecimento cultural, pessoal, intelectual e cognitivo
dos jovens integrantes do grupo de pesquisa.
Os jovens também relataram que estavam tristes
devido ao término do projeto de pesquisa. Alguns
mencionaram o receio de serem “esquecidos” pelo grupo.
Isso demonstrou que o fato de ter ingressado nesse
trabalhado científico possibilitou a esses jovens,
pertencentes a uma classe social desfavorecida,
mostrarem o seu potencial e acreditarem que são capazes,
o que até então não era reconhecido pelos próprios
jovens, porque no início do projeto apresentavam uma
baixa auto-estima e uma falta de confiança em si mesmos,
pois achavam, inicialmente, que seria muito difícil
construir um site na Rede Internet.
O reconhecimento da relevância desse projeto
como um meio de preparação dos jovens para o mercado
de trabalho pôde ser notado nos relatos analisados; a
preocupação com o futuro profissional fez com que muitos
deles se empenhassem em realizar cuidadosamente as
tarefas propostas. Reconheciam que participar deste
grupo era uma forma de estarem se capacitando e
aprimorando-se para posteriormente serem integrados
nesta sociedade tão competitiva na qual vivemos.
Podemos afirmar que a vontade de ascender socialmente
serviu como um incentivo a esses jovens que sabiam de
suas dificuldades financeiras e, por isso, manifestavam a
importância de estarem aproveitando a oportunidade. O
empenho desses jovens não foi em vão, pois ao
finalizarmos as atividades do projeto alguns deles
conseguiram se inserir no mercado de trabalho; um deles
conseguiu emprego em um dos Jornais da cidade como
office boy; uma das jovens foi contratada como caixa em
uma loja de conveniência; outra, como recepcionista em
um consultório médico; e um outro passou a interagir
mais com a Rede Internet, construindo páginas pessoais.
Uma preocupação em dar continuidade aos
encontros também foi notada nesta avaliação, pois a
maioria dos jovens questionou sobre a possibilidade de
um novo projeto de pesquisa ser organizado, de modo
que pudessem aprimorar os conhecimentos adquiridos
até então. Outro ponto positivo evidente nos relatos
analisados foi em relação às novas amizades construídas
no decorrer dos encontros. Acredita-se que por ser uma
equipe pequena, e o trabalho se concretizar na maioria
das vezes em grupo, facilitou a socialização entre os
membros.
Procuramos manter no interior do Laboratório de
Informática um clima agradável, descontraído, onde todos
tiveram a liberdade de se expressar e trocar idéias no
momento em que desejassem e aprender conceitos de
maneira lúdica e prazerosa. Além disso, os jovens se
sentiram à vontade para expor o que estavam pensando,
sem receio de serem recriminados, pelo contrário, sabiam
que suas opiniões seriam respeitadas e levadas em
consideração. O que mais favorece o processo ensinoaprendizagem, além das tecnologias de informação e
comunicação, é a capacidade de comunicação sincera do
professor, de criar relações de confiança com seus alunos,
pelo equilíbrio, competência e simpatia com que
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
Essa sensação dos jovens de perceberem que
foram capazes de produzir algo considerado impossível
é denominada de empowerment (Valente, 1999). E ainda
o fundamental é que eles conseguiram compreender o
que haviam construído, podendo relatar o que haviam
realizado e mostrar a outras pessoas, ou melhor, ao mundo,
o resultado de seu empenho e dedicação. Acreditar nas
próprias capacidades mentais e ter o sentimento de
empowerment contribuem para que continuemos a
melhorar nossas capacidades mentais e depurar nossos
pensamentos e ações (Valente, 1999).
Além disso, nesse projeto de pesquisa,
encontraram um espaço para demonstrarem suas
capacidades e desenvolverem novas competências,
como, por exemplo: saber comunicar, raciocinar,
argumentar, negociar, organizar, aprender, procurar
informações, conduzir uma observação, construir uma
estratégia, tomar ou justificar uma decisão, relacionar,
comparar, calcular, escolher, utilizar as novas tecnologias,
respeitar as idéias alheias, entre outras. São as diversas
situações enfrentadas por uma pessoa com uma certa
freqüência que possibilita a construção de competências
(Perrenoud, 1999).
As competências são importantes metas da
formação. Elas podem responder a uma demanda social
dirigida para a adaptação ao mercado e às mudanças e
também podem fornecer os meios para apreender a
realidade e não ficar indefeso nas relações sociais. Para
escrever programas escolares que visem, explicitamente,
ao desenvolvimento de competências, podem-se tirar, de
diversas práticas sociais, situações problemáticas das
quais serão “extraídas” competências.
Trabalhar para o desenvolvimento de
competências não se limita a torná-las desejáveis,
propondo uma imagem convincente de seu possível uso,
nem ensinando a teoria, deixando entrever sua colocação
em prática. Trata-se de “aprender, fazendo, o que não se
sabe fazer”. Em um trabalho norteado pelas competências,
55
o problema, e não o discurso, é que organiza os
conhecimentos, ou seja, parte da ciência do professor é
ignorada. Resta-lhe apenas reconstruir outras satisfações
profissionais, em que não se consiste em expor
conhecimentos de maneira discursiva, mas sim de sugerir
e de fazer trabalhar as ligações entre conhecimentos e
situações concretas (Perrenoud, 1999).
Segundo este cenário, a noção de problema
(Meirieu, 1998) insiste no fato de que, para ser realista,
um problema deve estar de alguma maneira incluído em
uma situação que lhe dê sentido. Há várias gerações de
alunos, a escola tem proposto problemas artificiais e
descontextualizados. É necessário ter em mente que uma
situação-problema deve permitir ao aluno tomar uma série
de decisões para que consiga alcançar um objetivo que
ele mesmo definiu ou que lhe foi proposto.
Sendo assim, a proposta de elaboração da HomePage sobre a cidade de Presidente Prudente possibilitou
aos jovens participantes da pesquisa vivenciarem
situações significativas e contextualizadas (Schlünzen,
2000) que permitiram o seu desenvolvimento intelectual,
pessoal, social, emocional, político e espiritual. Além
disso, proporcionou condições para que os jovens
construíssem algumas competências fundamentais para
a sua inclusão digital e social na sociedade globalizada.
4. CONCLUSÕES
O uso da Rede Internet no ambiente educacional
tem estado presente quase desde os primeiros momentos
do seu surgimento. Ela está cada vez mais presente na
vida acadêmica das universidades. Alguns professores
começaram a utilizar, de uma ou outra forma, nas suas
atividades docentes, algumas ferramentas telemáticas nas
orientações de trabalhos acadêmicos, na realização de
debates eletrônicos, para facilitar aos estudantes o acesso
à informação etc. A cultura das telecomunicações está
entrando também no ensino fundamental e médio, na
educação de adultos e na educação informal.
As vantagens e os valores educacionais e
formativos do trabalho cooperativo em redes têm sido
amplamente reconhecidos e argumentados. O
desenvolvimento da Home-Page sobre a cidade de
Presidente Prudente (SP) possibilitou que os jovens,
sujeitos desta pesquisa, fossem envolvidos em atividades
que resultaram em novos conhecimentos ou em uma nova
organização do conhecimento. Ao interagir com as
informações, selecioná-las e disponibilizá-las na Rede
Internet puderam aprender conceitos relacionados aos
diversos conteúdos escolares. E, simultaneamente,
tiveram condições de se capacitarem para serem inseridos
no mercado de trabalho (Terçariol; Meneguette, 2001).
56
Além disso, as tarefas desenvolvidas permitiram
o contato com pessoas de diferentes culturas, os jovens
puderam estabelecer uma relação mais profunda com o
seu meio, obtendo informações da comunidade em que
vivem e, como conseqüência desse estudo, construíram
um produto útil para a comunidade à qual pertencem.
Dessa forma, com a construção de um ambiente
virtual criou-se espaço para que ocorresse um processo
de aprendizagem significativa e contextualizada,
possibilitando ainda o desenvolvimento integral dos
sujeitos envolvidos na pesquisa.
Contudo, cabe ressaltar que é fundamental um
investimento na formação do professor para o uso das
tecnologias de informação e comunicação, de modo que
possa, em um processo de reflexão na ação e sobre a
ação, rever a sua prática e adotar uma nova postura de
facilitador do processo de ensino-aprendizagem e não
mais de transmissor de informações. Para tanto, faz-se
necessário oferecer-lhe subsídios para que instigue seus
alunos a construir o próprio conhecimento de uma maneira
autônoma, criativa e prazerosa.
5. REFERÊNCIAS
ALMEIDA, M. E. B. Incorporação da tecnologia de
informação na escola: vencendo desafios, articulando
saberes, tecendo a rede. In: M. C. MORAES. Educação à
distância: fundamentos e práticas. Campinas, SP:
UNICAMP - NIED, 2002.
MEIRIEU, P. Aprender... sim, mas como? Trad. Vanise
Dresch. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
MORAES, M. C. Tecendo a rede, mas com que
paradigmas? In: MORAES, M.C. Educação à distância:
fundamentos e práticas. Campinas, SP: UNICAMP - NIED,
2002.
MORAN, J. M. Mudanças na comunicação pessoal:
gerenciamento integrado da comunicação pessoal, social
e tecnológica. São Paulo: Paulinas, 1998.
PAPERT, S. A máquina das crianças: repensando a escola
na era da informática. Trad. Sandra Costa. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1994.
PELLEGRINO, C. N. Jogo ecologia da paz: criando
ambientes para o desenvolvimento de redes de valores
humanos nas escolas. 2001. Tese (Doutorado em
Educação) - PUC, São Paulo.
PERRENOUD, P. Construir as competências desde a
escola. Trad. Bruno Charles Magne. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1999.
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
SCHLÜNZEN, E. T. M. Mudanças nas práticas
pedagógicas do professor: criando um ambiente
construcionista contextualizado e significativo para
crianças com necessidades especiais físicas. 2000. Tese
(Doutorado em Educação) – PUC, São Paulo.
TERÇARIOL, A. A. L.; MENEGUETTE, A. A. C.
Alfabetização digital: o processo de ensinoaprendizagem diante das novas tecnologias na educação.
Relatório de Pesquisa de IC/FAPESP, FCT/Unesp/
Campus de Presidente Prudente, SP, 2001.
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
VALENTE, J. A. O papel do professor no ambiente logo.
In: VALENTE, J. A. O professor no ambiente logo:
formação e atuação. Campinas, SP: UNICAMP – NIED,
1996.
VALENTE, J. A. Análise dos diferentes tipos de softwares
usados na educação. In: VALENTE, J. A. O computador
na sociedade do conhecimento. Campinas, SP: UNICAMP
– NIED, 1999.
57
O Espaço e o Sagrado em Festejos Religiosos de
Comunidades Ribeirinhas de Porto Velho, Rondônia
Adriano Lopes Saraiva *
Resumo: Esse artigo analisa a manifestação do sagrado e do profano a partir da realização de
festejos religiosos em comunidades ribeirinhas de Porto Velho, buscando compreender como se dá
a organização espacial a partir da religiosidade desse grupo social.
Palavras-chave: Populações ribeirinhas, festejos religiosos, espaço sagrado, espaço profano,
religiosidade.
Abstract: This article analyzes the manifestation of the sacred and the profane through religious
festivities in riverside communities of Porto Velho, searching for the understanding of the spatial
organization derived from the religiosity of this social group.
Key words: Riverside populations, religious festivities, sacred space, profane space, religiosity.
“... o verdadeiro significado do sagrado vai além
das imagens, templos e santuários, porque as
experiências emocionais dos fenômenos
sagrados são as que se destacam da rotina e do
lugar comum...” (Rosendahl, 2001, p.28).
1. INTRODUÇÃO
As atribuições dadas ao espaço de comunidades
ribeirinhas estão diretamente ligadas à cultura e ao modo
de vida dessas populações, repleto de crenças, de mitos,
de símbolos e da religiosidade. Como característica
marcante dessa cultura, temos as narrativas míticas e as
lendas que possuem como ponto forte à caracterização
dos elementos da natureza. Outro aspecto a ser
destacado são os festejos religiosos, manifestações da
fé católica do grupo que constituem rituais ricos em
significados.
O sagrado e o profano são destacados por Eliade
(1992, 1998) como modos distintos de ser no mundo
capazes de promover mudanças espaciais; nesse sentido
Rosendahl (1999b) contextualiza a questão do sagrado e
do profano como formador e modificador do espaço, seja
de uma comunidade ou de uma cidade. Já Durkheim (1989)
afirma que no universo das religiões, sejam elas católicas
*
Licenciado em Geografia da Universidade Federal de
Rondônia/UNIR. Membro do Centro de Estudos
Interdisciplinar em Desenvolvimento Sustentável e
Populações Tradicionais da Amazônia - CEDSA.
58
ou não, existirá sempre a divisão entre esses dois modos
de viver o religioso.
O presente estudo foi desenvolvido nas
comunidades de São Carlos, Prosperidade e Nazaré,
localizadas na região do rio Madeira à jusante de Porto
Velho, Estado de Rondônia. As festas que foram objetos
do estudo são as seguintes: Festejo de Nossa Senhora
da Conceição Aparecida, Nossa Senhora da Saúde,
Nossa Senhora de Nazaré e de São Sebastião.
O objetivo deste artigo é discutir as diversas
designações dadas ao espaço de comunidades ribeirinhas
a partir da realização de festejos religiosos; utilizando
para tanto abordagens teóricas e metodológicas de Mircea
Eliade, Zeny Rosendahl e Émile Durkheim.
2. AS DESIGNAÇÕES DADAS AO ESPAÇO DAS
COMUNIDADES
A forma de perceber a organização espacial para
o ribeirinho está em permanente relação com seu modo
de vida. As águas possuem grande destaque nesta
organização espacial, pois o movimento da cheia e da
vazante é fator de mudança conhecida e esperada pela
comunidade. Quando uma enchente ultrapassa a
expectativa, não é sinal de calamidade, pois esse modo
de vida já possui alternativas para contornar essa situação,
como, por exemplo, ocupar áreas de terras altas
temporariamente.
Esse espaço não é homogêneo, há diferenciações
no que se refere ao modo de organizar as moradias e
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
outros locais ligados ao cotidiano das pessoas. A festa
vem para mudar esse espaço, seja pelo seu caráter
aglutinador de pessoas (Rosendahl, 1999b) ou pelo seu
caráter ritual e religioso (Duvignaud, 1983). É no espaço
que as relações são travadas e o resultado fica lá impresso,
conseqüentemente temos no período da festa a
diferenciação espacial entre o sagrado e o profano. Fato
destacado por Durkheim (1989, p.73), já que “... cada
grupo homogêneo de coisas sagradas ou mesmo cada
coisa sagrada de alguma importância constitui um
centro de organização à volta do qual gravita um grupo
de crenças e de ritos...”. Todavia, é importante ressaltar
que essa diferenciação também é feita por intermédio de
acontecimentos ligados a mitos e símbolos das matas e
das águas, lógico que não ligado ao religioso/divino e
sim às crenças existentes no universo mental do grupo.
Rosendahl (1999a, p.233) define o espaço sagrado
“... como um campo de forças e de valores que eleva o
homem religioso acima de si mesmo, que o transporta
para um meio distinto daquele no qual transcorre sua
existência”; dentro da perspectiva da sacralidade do
espaço Eliade (1998, p.298) nos diz que a “...noção do
espaço sagrado implica a idéia da repetição da
hierofania primordial que consagrou este espaço
transfigurando-o, singularizando-o, em resumo,
isolando-o do espaço profano a sua volta...”.
A noção de espaço sagrado está desvinculada
do espaço profano, logo o espaço que podemos
considerar como sagrado dentro das comunidades é a
igreja. Para Rosendahl (1997, p.126) “a definição de um
lugar sagrado reflete a percepção que o grupo
envolvido, como simbolismo das formas espaciais varia
de grupo para grupo, dificilmente se pode generalizar
sobre os princípios da paisagem religiosa”. Um exemplo
disso está na localidade de São Carlos, onde existe o
Santo da Floresta, uma imagem de santo que foi
envolvido pelas raízes de uma gigantesca samaumeira e
que não se tem conhecimento de quem a colocou neste
local e nem quando isso aconteceu; na verdade, revestese de singularidades que somadas à vida dos moradores
constituem novos significados e símbolos, tornando-se,
assim, motivos de peregrinações, devoção e homenagens
por parte de alguns grupos. Esse fato ilustra a fé do
ribeirinho, pois mesmo que não haja uma igreja, sempre
existirá um espaço socialmente construído para o sagrado,
um locus de fé e de crenças.
A igreja aparece como um espaço dedicado ao
santo padroeiro da comunidade. Nas comunidades
ribeirinhas não é apenas a igreja que é o espaço para
orações e outros atos religiosos, também existem capelas
e casas de determinados moradores que constituem, por
inúmeros caminhos, lugares dedicados ao sagrado.
Portanto, as características básicas de uma igreja de uma
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
comunidade ribeirinha é que ela, além de ser o lugar onde
os moradores podem demonstrar sua fé e devoção e
receberem os sacramentos, são também locais em que
ocorrem reuniões especiais em que as decisões tomadas
são consideradas “separadas”, logo não se quebra com
facilidade o acordo feito. Há outros locais dentro da
comunidade onde podem ser realizadas essas reuniões,
como o centro comunitário, a escola, nas sombras das
árvores. Mas a igreja funciona como centro de decisões,
local onde o que é dito tem “mais valor” para seus
moradores.
Nesse sentido, a igreja representa um local único
e de grande importância para essas populações,
funcionando como centralizador das crenças do grupo.
O local onde observamos que os rituais passam a ser
representações do que existe dentro do modo particular
de acreditar nos preceitos promovidos pela igreja, o que
torna tais preceitos coletivos. E as cerimônias são
celebradas por um “presidente” ou “ministro”, que graças
a um papel de destaque exerce sua função social e é
designado, com isso exerce influência marcante na vida
religiosa da comunidade.
Os espaços caracterizados como profanos estão
ligados a atividades não-religiosas, voltadas para o
divertimento e o comércio. O espaço profano é definido
por Rosendahl (1999a, p. 239) “...como o espaço
desprovido de sacralidade, estrategicamente ao
“redor” e “em frente” do espaço sagrado”. O festejo
tem dentro de sua realização atividades voltadas para o
divertimento da população, é o caso do futebol, do forró
e das bancas de venda. São momentos distintos da
procissão e da celebração; portanto poderíamos, grosso
modo, classificá-los como profanos, mas ficamos ainda
na dependência de entendermos o significado que cada
grupo dá a essas atividades. Na verdade, não temos uma
fórmula de ver os fatos e diretamente classificá-los. Na
característica da cultura dos grupos tradicionais da
Amazônia, isso nos remete a uma grande aventura: a de
termos o real desprendimento de olharmos para as
manifestações sócio-culturais dos grupos e nos
aproximarmos o máximo possível desses valores. É um
caminho de descoberta, de aprendizado e de aventura
para o pesquisador e, muitas vezes, nas palavras do
ribeirinho, são “caminhos de águas perigosas, de
remansos e banzeiros”.
Os espaços utilizados para essas atividades estão
em volta da igreja, mas estão em constante ligação com o
espaço sagrado da igreja. Para Durkheim (1989, p.72):
A coisa sagrada é, por excelência, aquela que o
profano não deve, não pode impunemente tocar.
Certamente, essa interdição não poderia
desenvolver-se a ponto de tornar impossível toda
59
comunicação entre os dois mundos; porque se o
profano não pudesse de nenhuma forma entrar
em relação com o sagrado, este não serviria para
nada.
atividades realizadas durante a festas constituem
momentos onde o espaço ganha contornos diferentes
do que possui durante o cotidiano (...), cada morador
vive o espaço de uma maneira particular.”
Durante a festa ou nos momentos sagrados,
ocorrem outros acontecimentos. Há o consumo do lazer
e da diversão. O festejo representa o não-cotidiano, além
disso, o morador da comunidade utiliza-se desse momento
para divertir-se, fazer algo distinto do dia-a-dia.
O sagrado manifesta-se por intermédio da
hierofania (Eliade, 1992, 1998), significa dizer que algo
de sagrado revela-se na realidade vivida pelo homem.
Para Rosendahl (1997, p. 125) “o espaço sagrado se revela
não somente através de uma hierofania, mas também
por rituais de construção e, neste caso, os rituais
representam repetições de hierofanias primordiais
conhecidas”.
Para o ribeirinho, o fato de determinados
acontecimentos estarem presentes na festa não implica
que sua participação em um ou outro possa estar fora do
caráter religioso do festejo. O discernimento entre o que
vem a ser profano ou sagrado na festa está ligado aos
acontecimentos vistos de uma outra ótica. O ribeirinho
ao ser questionado a respeito se o forró é ou não festa de
santo, sua resposta será afirmativa, porque a festa
começou a existir junto com o grupo. É algo que não
pode ser dissociado, o festejo e o ribeirinho.
3. OS FESTEJOS RELIGIOSOS EM COMUNIDADES
RIBEIRINHAS E A MANIFESTAÇÃO DO SAGRADO
E DO PROFANO
Os festejos representam momentos de intenso
convívio entre os moradores das comunidades, as
relações estreitam-se, parentes que estavam distantes
encontram-se, amigos trabalham juntos nos preparativos
para a festa, a família reúne-se, entre outros aspectos. O
acontecimento possui seu modo próprio de ser realizado,
reflexo da maneira pela qual o grupo organiza sua vida.
Vindo a representar ritual de renovação do modo de
produção, do período que se inicia e que é voltado para
o plantio ou colheita dos produtos agrícolas das
comunidades.
Manifestações da cultura popular como as festas
religiosas são estudadas e definidas de diversas maneiras,
alguns autores como DaMatta (1997), Figueiredo (1999),
Duvignaud (1983), Rosendahl (1999a) e Maia (1999)
levantam questões que se referem ao caráter ritual,
religioso, político, organizativo, cultural e formador de
grupos sociais desse acontecimento.
Por conseguinte, a festa possui a capacidade de
fazer com que a comunidade, por alguns dias, saia de sua
rotina, passando um certo período de tempo com um
cotidiano diferenciado; assim Duvignaud (1983, p. 71)
afirma que “a festa é um período peculiar, apesar de
inteiramente integrado à sociedade, período no qual a
vida coletiva é extremamente intensa. Os fenômenos
relativos ao sagrado e à religião correspondem a
momentos de efervescência e de unanimidade.” Segundo
estudos recentes de Saraiva & Silva (2002, p. 204) “as
60
Além disso, Eliade (1998, p. 297) nos explica que a
manifestação do sagrado é imposta também ao homem, o
que implica dizer que o homem que vive nessa realidade
não a percebe, ele apenas a vive de uma maneira calma e
serena. Portanto, caracterizar essas hierofanias no
ambiente ribeirinho é uma tarefa complexa, visto que essas
manifestações são “diferentes” dentro do aspecto
observável das populações ribeirinhas.
Ademais, o mundo do ribeirinho é orientado pela
construção de uma rede de significados manifestos nos
símbolos e mitos da paisagem habitada. Dentro desse
modo de vida, Rosendahl (1999a, p. 231) nos diz que “a
palavra sagrado tem o sentido de separação e definição,
em manter separadas as experiências envolvendo uma
divindade, de outras experiências que não envolvam,
consideradas profanas.” Há uma linha tênue que separa
o sagrado do profano, muitas vezes é percebida durante
as festas religiosas, ou algumas vezes esses dois
momentos não acontecem, pois no decorrer do cotidiano
da comunidade as atividades realizadas não são remetidas
nem ao sagrado e nem ao profano.
As festas religiosas apresentam para os
moradores das comunidades ribeirinhas rituais e objetos
que remetem ao divino, à ligação do homem com Deus.
Podemos citar a procissão e a celebração como dois
momentos principais ligados ao sagrado. A procissão
para DaMatta (1997, p. 65) é definida como um desfile
especial; onde observamos características de ambos(o
sagrado e o profano), dentro de um mesmo momento,
pois a imagem do santo está com o povo e dele recebe na
rua (e não na igreja) suas orações, cânticos e piedade.
Nesse momento as pessoas rezam, pagam promessas e
penitências, o fazem para mediar seu contato com a
divindade.
Com efeito, Rosendahl (1999b, p. 61) nos diz que
“a prática religiosa de ‘fazer’ e ‘pagar’ promessas
constitui uma devoção tradicional e bastante comum
no espaço sagrado dos santuários católicos”. Assim,
ao elegerem uma imagem e em torno dela organizarem um
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
acontecimento capaz de modificar o tempo e o espaço,
essa devoção é a mais clara representação da hierofania.
A realidade vivida pelo homem ribeirinho está ligada ao
seu comportamento eminentemente religioso, e tal
comportamento está arraigado ao seu modo de vida, o
que é sustentado por Durkheim (1989, p. 68), pois
... todas as crenças religiosas conhecidas, sejam
elas simples ou complexas, apresentam um mesmo
caráter comum: supõem uma classificação das
coisas, reais ou ideais, que os homens
representam, em duas classes ou em dois gêneros
opostos, designados geralmente bem, pelas
palavras profano e sagrado.
O profano dentro da realidade ribeirinha é ainda
mais difícil de ser percebido, seja pelo seu caráter
inconstante, pois o ribeirinho não divide seu modo de
vida entre o sagrado e o profano; os acontecimentos que
envolvem a fé e devoção é que vão determinar a existência
de um ou de outro, ou mesmo de ambos.
Alguns estudiosos se referem ao profano como o
comércio e as danças. Todavia essa proposição não deve
ser levada ao pé da letra no estudo com populações
ribeirinhas, pois esses dois momentos fazem parte da
festa e são esperados com uma certa ansiedade pelos
moradores. O “baile” ou “forró” está presente em quase
todos os festejos e é uma das tradições da festa.
No que se refere ao comércio, há uma prática muito
comum que é a realização de leilões para angariar fundos
para a igreja do santo homenageado. Nesse sentido, então
não podemos considerar o leilão como uma atividade
caracteristicamente profana, as pessoas que compram
os objetos que são doados pelos moradores da
comunidade o fazem para ofertar ao santo uma parte do
que lhe é dado durante o restante do ano, o fruto de seu
trabalho e uma parte dele é ofertado ao santo.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os estudos geográficos de acontecimentos que
envolvam a fé e as crenças diferenciam no espaço o
sagrado e o profano. A igreja aparece como espaço
sagrado - local de orações, de celebrações, do encontro
do homem com o divino - o que está a sua volta, o
comércio, danças e divertimento, podem ser
caracterizados como profano. O que estamos levantando
neste artigo é que para o ribeirinho nem sempre essa é a
diferenciação que predomina. O que vai dar o caráter de
sacralidade ao espaço é a vivência baseada na relação
do devoto com o santo, ou seja, a maneira como o homem
se comunica com a figura do santo padroeiro; que será
traduzida na forma de festas religiosas.
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
As análises de Rosendahl (1999b, p. 108) acerca
do espaço sagrado e do espaço profano podem ser
somadas a nossa discussão, pois ela afirma que “o
fundamental da análise geográfica é que o espaço
sagrado se origina no imaginário coletivo e, portanto,
revela simbolismo que ultrapassa qualquer concepção,
seja ela tradicional ou pós-moderna.”
Por conseguinte, os aspectos aqui levantados
estão ligados a apenas um dos muitos aspectos
existentes no universo das populações ribeirinhas. Ao
abordamos um desses aspectos, ou seja, o que nos remete
ao mundo das crenças, estamos fazendo isso levando
em consideração que tanto o sagrado como o profano
são aspectos observáveis dentro desse modo de vida,
sendo, assim, passíveis de análise. O ambiente ribeirinho
constitui-se em um campo amplo para estudos voltados
para a cultura e estudos acerca das festas religiosas;
dentro da geografia, ainda são recentes dentro do país.
O espaço comunidades ribeirinhas não é
homogêneo e as mudanças podem ser observadas
através de diversos aspectos. O espaço pode ser o
mesmo, mas a concepção simbólica pode variar entre os
moradores e as pessoas que participam da festa religiosa.
O festejo nos permite observar que o caráter religioso
tem grande destaque dentro desta realidade. Portanto, o
caminho para a compreensão do sagrado e do profano é
apenas um dos aspectos inerentes à festa e que está
presente no modo de vida ribeirinho. O fator religioso
possui força e constitui um dos modificadores da
espacialidade do grupo que traz à tona momentos de
grande importância para o estudo do modo de vida, dos
costumes, do cotidiano, das representações simbólicas
e da religiosidade. Constitui-se, então, um amplo caminho
para o encontro e conhecimento do humano que é a
essência do papel da Ciência.
5. BIBLIOGRAFIA
CLAVAL, P. O tema da religião nos estudos geográficos.
Espaço e Cultura. UERJ - Rio de Janeiro, n. 7, p. 37-58,
jan/jun 1999.
CAPALBO, C. Espaço e religião. In: ROSENDAHL, Zeny;
CORRÊA, Roberto Lobato (Org.). Manifestação da
cultura no espaço. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1999. 248 p.
p.219-230.
DAMATTA, R. Carnavais, malandros e heróis - para
uma sociologia do dilema brasileiro. 6. ed. Rio de Janeiro:
Rocco, 1997.
DURKHEIM, É. As formas elementares de vida religiosa:
o sistema totêmico na Austrália. São Paulo: Paulinas,
1989.
61
DUVIGNAUD, J. Festas e civilizações. Fortaleza: Tempo
Brasileiro/UFCE, 1983.
ELIADE, M. Imagens e símbolos: ensaios sobre o
simbolismo mágico-religioso. São Paulo: Martins Fontes,
1991.
__________. Tratado de História das religiões. 2.ed.
São Paulo: Martins Fontes, 1998.
__________. O sagrado e o profano: a essência das
religiões. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
FIGUEIREDO, S. L. Ecoturismo, festas e rituais na
Amazônia. Belém: NAEA/UFPA, 1999.
MAIA, C. E. S. Ensaio interpretativo da dimensão espacial
das festas populares: proposições sobre festas
brasileiras. In: ROSENDAHL, Zeny; CORRÊA, Roberto
Lobato (Org.). Manifestação da cultura no espaço. Rio
de Janeiro: EdUERJ, 1999. 248 p. p. 191-218.
ROSENDAHL, Z. O Espaço, o sagrado e o profano. In:
ROSENDAHL, Zeny; CORRÊA, Roberto Lobato, (org.).
Manifestação da cultura no espaço. Rio de Janeiro:
EdUERJ, 1999. 248 p. p. 231-247.
_____________. Hierópolis: o sagrado e o urbano. Rio
de Janeiro: EdUERJ, 1999b.
_____________. O sagrado e o espaço. In: CASTRO, I.
E.; GOMES, P. C. C.; CORRÊA, R. L. (org.). Explorações
geográficas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997. p. 119154.
62
___________. Diversidade, religião e política. Espaço
e Cultura. UERJ, Rio de Janeiro, n. 11/12, p. 27-32, jan/
dez 2001.
SARAIVA, A. L.; SILVA, J. C. Estudo do processo de
recriação do espaço ribeirinho através das festas
religiosas. Pesquisa & Criação n. 1, 2002. In: SEMINÁRIO
DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA, 9, Porto Velho, 08 a 11 de
Julho de 2002, Resumos. Porto Velho, PROPEX/EDUFRO,
2002, p. 197-205.
SILVA, J. C. et. al. Nos banzeiros do rio - ação
interdisciplinar em busca da sustentabilidade em
comunidades ribeirinhas da Amazônia. Porto Velho (RO):
EDUFRO, 2002.
SILVA, J. C. Mito e lugar. 1994. Dissertação (Mestrado.
Dep. de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas) - Universidade de São Paulo. USP.
___________. O rio, a comunidade e o viver. 2000. Tese
(Doutorado. Dep. de Geografia da Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas). Universidade de São Paulo.
USP.
SILVA, M. G. S. N. O espaço ribeirinho. São Paulo:
Terceira Margem, 2000.
TRINDADE, L. S. Conflitos sociais e magia. São Paulo:
Hucitec, Terceira Margem, 2000.
WAGLEY, C. Uma comunidade amazônica: estudo do
homem nos trópicos. 3. ed. São Paulo: EDUSP/ITATIAIA,
1988.
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
Árvore da Vida: a Raiz e a Seiva da Memória
Elizabeth Moraes Liberato *
Resumo: Ser idoso, em nossa sociedade, é sobreviver: ao tempo e às dificuldades. Neste percurso,
vivendo/sobrevivendo, o idoso foi e continua sendo o expectador e agente de conquistas e
realizações; existindo, continua exercendo sua condição de ator: é o ser das relações concretizadas,
do vínculo entre as épocas e as gerações. Daí sua importância na construção da memória da
sociedade. Na Faculdade da 3.a Idade – UNIVAP, São José dos Campos, criada em 1991, realizamos
esta pesquisa, com objetivo de compreender como os alunos percebem a si próprios e o mundo à sua
volta, pela reconstituição de sua trajetória de vida, cujos dados fenomenológicos arquivados na
memória constituem lembranças e sensações e levam à reflexão; a recomposição desse quebracabeça existencial, a junção dessas peças contribui para a compreensão do quadro mais amplo da
realidade da vida. Os idosos que participaram deste estudo nos mostram suas raízes construídas em
bases sólidas; as suas lembranças evocam o passado, mas dão ênfase à construção do presente,
expressam suas preocupações, em face de um mundo cujo ritmo de mudanças trouxe melhorias,
sobretudo, crises que têm repercutido na educação, no desemprego, causando instabilidade social.
Os idosos precisam ser respeitados e ouvidos, para que se possa planejar um futuro melhor, nesse
movimento contínuo da vida e de construção da história da humanidade.
Palavras-chave: Memória, lembrança, idoso, sociedade.
Abstract: Being elderly in our society is a survival lesson: beating time and difficulties. Living and
surviving in our society, the elderly have been, and still are, the audience and agent of conquests
and achievements. Existing, they carry on with their acting role: the agents of the concrete actions,
of the connection between eras and generations. That is why they are so important for the construction
of the memory of our society. At the “Senior Citizen College”, established in 1991 at Universidade
do Vale do Paraíba (UNIVAP), São José dos Campos, SP, we carried out a research in order to
understand the degree of perception the elderly students have of themselves and of the surrounding
world Through the he reconstitution of their life trajectories whose phenomenological data archived
in their memory, constitute memories and sensations that lead to reflection. The reconstitution of
that existential puzzle, putting together the pieces, contributed to a wider understanding of the
reality of life. The elderly that participated in this study demonstrated that their roots are built on
solid ground. Their memories evoke the past but emphasize the present. They express their worries
about a world whose changes brought improvements but also crises in areas like education and
labor, resulting in social instability. The elderly must be respected and heard in order to plan a
better future for everyone, considering life’s continuous evolution and the construction of the history
of mankind.
Key words: Memory, elderly, society.
“Em mim, também, foram destruídas muitas coisas
que julgava iriam durar para sempre, e novas
coisas se edificaram, dando nascimento a penas
e alegrias novas, que eu não poderia prever
então, da mesma forma que as antigas se me
tornaram difíceis de compreender.” (Proust, 1957,
p. 39).
“Uma lembrança é um diamante bruto que
precisa ser lapidado pelo espírito. Sem o
trabalho da reflexão e da localização, seria uma
imagem fugidia.” (Bosi, 1994, p. 81).
* Professora e Pró-Reitora de Avaliação da UNIVAP.
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
63
1. OS CAMINHOS DA MEMÓRIA
Para a criança, a essência da cultura é transmitida
através da fidelidade da memória. O adulto norteia suas
ações pelo presente, porém busca no passado tudo o
que se relaciona com suas preocupações atuais (Bosi,
1994). Por outro lado, o idoso é o repositório da memória
social, sendo valorizado em maior ou menor escala
conforme a cultura de cada sociedade; muitas vezes, por
não agregar valor como força de trabalho, sofre
discriminação e isolamento, o que pode ocorrer no seio
da própria família e na sociedade, que permanecem alheias
ao seu potencial e à sua experiência acumulada, cuja
transmissão é importante para humanizar a vida presente.
vai paulativamente individualizando a memória
comunitária e, no que lembra e no como lembra,
faz com que fique o que signifique. O tempo da
memória é social...” (p. 31).
A experiência de cada um, quando recuperada da
memória, pode reconstituir a história humana. O idoso,
como sujeito histórico significativo, ao lembrar os
elementos de vida e da estrutura social de seu passado,
superpondo ao seu hoje, irá expressar as mudanças
decorrentes da passagem do tempo, no seu modo de
apreendê-lo em todos os seus aspectos; explicita, assim,
para todos nós a dinâmica da sociedade.
Devemos atentar, então, para o fato de que
Assim expressa Barros, quando analisa os fatores
resultantes dessa exclusão que se caracteriza, em seus
“enfoques básicos, por uma diminuição de áreas de
contato social e por um processo de reclusão na família;
ou seja, a perda das áreas sociais através da
aposentadoria ou da viuvez passa a conferir à família
uma importância fundamental nas relações sociais dos
velhos” (Barros, 1998, p. 162).
O que se constata é que ser idoso, em nossa
sociedade, é sobreviver: ao tempo, às dificuldades, aos
tropeços, às instabilidades, à destruição. Neste percurso,
vivendo/sobrevivendo, o idoso foi e continua sendo o
expectador e agente de conquistas e de realizações;
sobretudo, existindo, continua exercendo sua condição
de ator: é o ser das ações e reações, das relações
concretizadas, do re-fazer, do vínculo entre as épocas e
as gerações. Daí sua importância na construção da
memória da sociedade.
Para Ferreira, “abordar a memória como processo
social foi algo que veio interligado com a velhice”
(Ferreira, 1998, p. 208).
Para o idoso, as lembranças pessoais reconstituem
e reinterpetram os acontecimentos dos quais foram
participantes; nesse processo, reconstroem-se os
suportes da memória, considerada por Ferreira como “o
‘locus’ privilegiado da construção da identidade
social” (Ferreira, 1998, p. 208). A memória é a ligação
entre a pessoa e o seu mundo, aquela estabelece a
interface entre o individual e o social.
Diz Marilena Souza Chauí na apresentação do livro
de Bosi (1994), elogiando a autora pelo seu trabalho:
“Descrevendo a substância social da memória –
a matéria lembrada – você nos mostra que o
modo de lembrar é individual tanto quanto
social: o grupo transmite, retém e reforça as
lembranças, mas o recordador, ao trabalhá-las,
64
“a memória e a lembrança aparecem, pois, subsumidas nesse processo de definição de identidades, de afirmação do sujeito num universo de
profundas alterações, cujo ritmo vertiginoso
desafia a permanência de valores e representações sobre o mundo vivido, num contexto de
rápida desintegração dos liames que unem os
sujeitos ao passado” (Ferreira, 1998, p. 208).
É importante a valorização da memória, o respeito
aos fatos passados que consolidam o presente e o futuro
da humanidade. “A terceira idade é guardiã da memória
coletiva, intérprete privilegiada dos ideais e valores
humanos que mantêm e guiam a convivência social.
Nela se encontram as raízes do presente – alicerce da
modernidade” (João Paulo II, 2002).
Reafirmando Bosi (1994), no estudo das
lembranças das pessoas idosas é possível verificar uma
história social, com características que referenciam
aspectos familiares e culturais reconhecíveis.
Esse tipo de estudo deve ser processado na
instituição que desenvolve programas com idosos,
incentivando, junto a eles, a reconstituição das vivências
que permearam e permeiam as diferentes etapas de sua
vida. O programa institucional poderá alcançar melhor
percepção das necessidades e expectativas dos idosos,
assim como potencializar a retomada de seus interesses
e de renovadas formas de convivência social.
Neste sentido é que este presente estudo foi
proposto na Faculdade da 3.a Idade - Universidade do
Vale do Paraíba - UNIVAP, São José dos Campos - SP,
abrindo espaço para a ampliação do conhecimento sobre
os idosos.
2. PROJETO DE PESQUISA
Introdução: A Faculdade da 3.a Idade da UNIVAP,
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
criada em 1991, desenvolve este projeto em São José dos
Campos, Caçapava e Campos do Jordão. É um projeto de
cunho socioeducativo voltado para oferecer às pessoas
com idade acima de 45 anos oportunidade de
desenvolvimento pessoal e participação social, através
dos Módulos: Saúde Física e Mental, Interação Sócioeducativa, Socialização e Participação e Expressão
Sensível e Corporal; desenvolve suas atividades através
de aulas, palestras, eventos, passeios, excursões, coral,
teatro e outras. O Curso de Atualização Cultural tem a
duração de 2 semestres, após o que o aluno recebe um
Certificado. O Centro de Estudos Avançados da 3.ª Idade
– CEATI, foi criado em 1993 e tem garantido a permanência
do aluno na Faculdade da 3.ª Idade em atividades
modulares que se renovam a cada semestre; muitos
alunos freqüentam o CEATI num período de tempo que
se estende há 8 anos, o que demonstra o atendimento às
suas expectativas e o papel relevante desempenhado pela
Faculdade da 3.ª Idade. Considerando a importância de
conduzir estudos que nos levem a melhor conhecer
nossos alunos e, de forma cuidadosa, transferir esse
conhecimento para a realidade do idoso, propusemos a
realização desta pesquisa, cujo resultado poderá nos
permitir um enfoque mais compreensivo em nossas ações,
dentro do Projeto e uma visão mais ampla de nossa
sociedade.
Objetivo: Compreender como as pessoas
percebem a si próprias e o mundo à sua volta, pela
reconstituição de sua trajetória de vida, simbolizada em
seu crescimento e desenvolvimento natural. Esses dados
fenomenológicos arquivados na memória constituem
lembranças e sensações que devem ser recuperadas e
organizadas de forma inteligível, levando à reflexão,
recompondo um quebra-cabeça existencial, cuja junção
de peças contribui para a compreensão do quadro mais
amplo da realidade da vida.
Metodologia: O estudo foi realizado com a
utilização de uma dinâmica: “Pesquisando a memória – o
lugar da lembrança”, usando a simbologia da Árvore da
Vida (Anexo 1), como se fosse possível compará-la ao
ser humano, com a apresentação de um desenho que
representasse a si próprio, a árvore com suas raízes,
tronco e seus galhos. Participaram do estudo 62 pessoas
da Faculdade da 3.ª Idade - UNIVAP, São José dos
Campos, na maioria mulheres, de 60 a 82 anos, amostra
significativa dos alunos dessa faixa etária, que
corresponde a 123 alunos dos 230 inscritos no Projeto.
Os participantes, sem nenhuma diretividade em suas
manifestações, escreveram palavras com significados
próprios para cada um, que identificassem suas raízes,
suas bases, enquanto lembranças de tempos passados
que os fortaleceram para alcançar o crescimento de uma
árvore frondosa, sua estrutura atual, cujos galhos
representam os elementos que, hoje, fazem parte de sua
pessoa como um todo.
Assim, as palavras foram tomadas como fios
condutores da evocação espontânea, para atravessar
determinados períodos de tempo e quadros de referência
cultural, para enfim alcançar o lembrar individual e
coletivo.
As palavras assinaladas foram transcritas e
agrupadas, quando apresentando sentidos próximos, em
categorias: Família, Valores, Sentimentos, Características,
Lembranças, Religião, Vivência, Fatos/acontecimentos,
Trabalho, Visão de mundo (o que percebem), conforme o
quadro abaixo:
HOJE, NOSSAS VIDAS
NOSSAS RAÍZES, NOSSAS BASES
1) Família
1) Família
antepassados – avós
pais
mãe muito amiga, ótimo coração
pai, gênio oposto, severo
educação rígida
pai e mãe muito corretos
irmã – irmãos
tios
primas
casamento
gestação, filhos
filhos entraram na Faculdade e se formaram
casamento dos filhos, netos
pais
irmãos
casamento
esposo companheiro
filhos
o futuro dos filhos
realização profissional dos filhos
evolução cultural dos filhos
desejar o que existe de melhor para os filhos
netos
elos de ligação: filhos, netos e novos familiares
bisnetos
suporte de família
sentimento de família
viuvez
família: fica menor o espaço que ocupa hoje
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
65
HOJE, NOSSAS VIDAS
NOSSAS RAÍZES, NOSSAS BASES
66
2) Valores
2) Valores
respeito
educação
padrões morais e cívicos muito exigentes
padrões severos de comportamento
boa formação
caráter
aprendizado
perseverança
honestidade
harmonia
liberdade
humanidade
Moral e respeito
Boa formação
Honestidade
Responsabilidade
Sinceridade
Ajuda ao próximo
Fraternidade
Solidariedade
Comunhão
3) Sentimentos
3) Sentimentos
amor, sinceridade (herança para passar para os filhos)
alegria
solidariedade
felicidade
amor
afetividade
carinho
muita felicidade
amizades, amigas, amigos
menos amigos e laços maiores
companheirismo
franqueza
ajuda, apoio
compreensão
segurança
esperança
amor e admiração à natureza, animais
sabedoria
tristeza
dúvidas
medo
4) Características
4) Características
saúde física
sociabilidade
organização
personalidade
responsabilidade
insegurança
timidez
alegria
gosto por resolver problemas
vontade de romper barreiras
busca de autonomia
independência
gosto pela dança
simples, sem vaidade
submissa
timidez
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
NOSSAS RAÍZES, NOSSAS BASES
HOJE, NOSSAS VIDAS
5) Lembranças
5) Lembranças
infância
ambiente familiar
ambiente físico
bom exemplo de vida (do avô e do pai)
casa/segurança
cidade onde nasci
terra natal
festas da infância
grupo escolar onde fiz o primário
escola e professores
castigos, caso não obtivesse resultado nos estudos
amigas
adolescência
infância
lanche: pão, manteiga e açúcar
juventude
morte do pai
falta do pai (firmeza, coragem)
saudade do tempo que não volta mais
o tempo perdido
saudades
6) Religião
6) Religião
Deus
certeza de que Deus é infinito, maravilhoso
vida de fé
menor religiosidade
7) Vivência
7) Vivência
Vida muito dirigida para a economia doméstica,
para o lar
lições de vida
experiência adquirida
vida regrada, relativa prosperidade
dificuldades da vida
poderia ter tido vida mais calma e mais divertida
descoberta de mim mesma
o que percebemos à nossa volta
mais compreensão da vida
convivência
presenças queridas e fortes marcam nossas mentes
luta e vontade de viver
alegria de viver
aproveitar o momento presente
vontade de me expandir, viver
sentir-me realizada
a facilidade de se comunicar
modificação para melhor
novos relacionamentos
entrosamento na sociedade
vejo um mundo melhor
8) Fatos/acontecimentos
8) Fatos/ acontecimentos
2ª Guerra Mundial
racionamento
progresso
a grande evolução educacional
os mitos religiosos
a evolução da ciência
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
67
HOJE, NOSSAS VIDAS
NOSSAS RAÍZES, NOSSAS BASES
9) Trabalho
trabalhadora
a importância do trabalho
o amor pelo trabalho
profissão
aposentadoria
perda do esforço de 20 anos de trabalho
desemprego dos filhos e genro
10) Visão de Mundo: o que percebem/visão crítica
mentiras
egocentrismo
indiferença
ódio
violência
miséria
desorganização
situação financeira
desemprego
o grande número de desempregados
a economia inconstante (o futuro da família)
insegurança
desunião nas famílias
a mudança de relacionamento (relações) da família
hoje
os filhos pouco respeitam os pais
falta de educação das crianças nas escolas
o mundo chama as crianças cada vez mais cedo
a rebeldia dos adolescentes
as mudanças de comportamento
as grandes mudanças ecológicas
degradação do meio ambiente
desenvolvimento da ciência, clones
massificação tecnológica (globalização)
mais agressões
guerras, injustiça
grandes conflitos mundiais
o desrespeito das autoridades com a humanidade
países procuram o poder
comunicação fica mais fácil (internet, fax,
imprensa); porém, mais nos distanciamos
Durante a atividade, foi construída, com o grupo,
uma grande Árvore da Vida, em que todas as palavras
foram fixadas, para que se percebessem os aspectos de
vida dos participantes, agrupados numa grande
expressão coletiva.
68
3. ANÁLISE
Iniciamos a análise citando Bosi:
“um dos aspectos mais instigantes do tema é o
da construção social da memória. Quando um
grupo trabalha intensamente em conjunto, há
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
uma tendência de criar esquemas coerentes de
narração e de interpretação dos fatos,
verdadeiros ‘universos de discurso’, ‘universos
de significado’, que dão ao material de base uma
forma histórica própria, uma versão consagrada
dos acontecimentos. O ponto de vista do grupo
constrói e procura fixar a sua imagem para a
história.” (Bosi, 1994, 67).
É o que procuramos alcançar com este trabalho,
tomando os aspectos mais significativos que podem
espelhar determinado grupo, em seu tempo e em sua
história.
Os dados que sobressaem apontam, nas
“Raízes”, para a importância da família, a sua constituição
e ampliação, uma educação mais rígida, os laços familiares,
a preocupação com os filhos, o nascimento dos netos.
Nessa base, encontram-se os valores e
sentimentos que valorizavam o respeito, a educação, o
amor, a solidariedade; as características relevam a
sociabilidade, a responsabilidade, mas estava presente a
insegurança e a timidez.
Nas lembranças aparece novamente o ambiente
familiar, o exemplo de vida dos pais e avós; a cidade
natal, as festas da infância, a escola, as amigas, a
adolescência.
A religião é o sentido de Deus. Enquanto vivência,
a vida era mais dirigida para o lar, enquanto o fato marcante
foi a 2.ª Guerra Mundial.
No hoje, “Nossas Vidas”, a família ainda é o
elemento mais presente, embora percebam que fica cada
vez menor o espaço que ela ocupa na sociedade.
Os valores permanecem ligados à moral, ao
respeito, à responsabilidade, mas ampliaram-se para
outros mais solidários, citando fraternidade e ajuda ao
próximo.
Os sentimentos cresceram em sua expressão: amor,
afetividade, felicidade, amizades, amor à natureza; aparece
a esperança, a segurança para uns e a tristeza, dúvidas,
medo para outros.
As características atuais indicam alegria, busca
de autonomia, vontade de romper barreiras; mas ao lado
da independência encontram-se ainda presentes a timidez
e a submissão.
Nas lembranças que resgatam do passado, a
infância traz o sabor do lanche da escola, (pão, manteiga
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
e açúcar), a juventude; as perdas, as saudades; as
expressões “tempo perdido” e “tempo que não volta
mais” indicam a percepção de que a vida passou e que
não retorna.
Com respeito à religião, afirmam maior certeza e fé
em Deus, aparecendo, no entanto, menor religiosidade.
A vivência trouxe o aprendizado, lições de vida,
maior compreensão das coisas, experiência, embora
tenham existido dificuldades; é grande a vontade e a
alegria de viver, ainda existe a expectativa de realizações,
de buscar novos relacionamentos, considerando mesmo
que o mundo mudou para melhor. Os acontecimentos
marcantes citados são a grande evolução educacional e
científica e os mitos religiosos.
No quadro atual surgiu a categoria Trabalho,
possivelmente não citada nas “Raízes”, por se tratar de
maioria de mulheres, cuja vivência, como expressaram,
era mais dirigida ao lar, não caracterizada como trabalho,
na acepção atribuída, então, na sociedade. Hoje, se
reconhecem como trabalhadoras. Os homens,
minoritários, e algumas mulheres que exerceram uma
profissão, se encontram aposentados; preocupam-se com
o desemprego dos filhos e genros, o que pode significar
que os ajudam ou continuam a contribuir para a
manutenção da casa.
E surgem palavras, categorizadas em Visão de
Mundo, enquanto visão crítica do que percebem no
mundo atual: predominância do egocentrismo,
indiferença; a crua realidade da violência e da miséria.
Suas preocupações se voltam para as questões da
economia, que se refletem na família, que causam
insegurança, desemprego. Retratam uma família que hoje
se encontra mudada nas formas de relacionamento; seus
valores básicos chocam-se em face da situação de filhos
que pouco respeitam os pais, em face da escola que não
educa e da rebeldia dos adolescentes. Reportam-se às
mudanças de comportamento; preocupam-se com as
questões ecológicas, com os caminhos que o avanço
das ciências pode levar, considerando os efeitos da
massificação tecnológica e a globalização. O sentido da
paz é buscado quando apontam um mundo caracterizado
pelas agressões, injustiças e guerras, atentos ao
desenrolar dos grandes conflitos mundiais, que
consideram como resultado da busca do poder e um
desrespeito à humanidade.
Alertam para o fato de que a comunicação fica
cada vez mais facilitada, pelos modernos meios de
comunicação, mas, por outro lado, cada vez mais as
pessoas se distanciam, no seu dia-a-dia e nos seus
relacionamentos.
69
4. CONCLUSÃO
O projeto da Faculdade da 3.ª Idade, nestes 11
anos, vem alcançando seus objetivos, constituindo-se
em um espaço que proporciona aos alunos formas
ampliadas de integração e participação, criando novas
representações sociais que superam as conotações
depreciativas que a sociedade incorpora sobre o
envelhecimento e que podem desvalorizá-los; dessa
forma, contribui para novas posturas e para o
aprimoramento da qualidade de vida.
A sociedade precisa estar preparada para a
interação intergeracional, para implementar a
comunicação entre as gerações.
A memória social é o eixo da socialização; resgatála é valorizar a experiência para a construção de novas
ações criativas, que, com certeza, trazem em si o poder
das transformações.
Os idosos que participaram deste estudo nos
mostram suas raízes construídas em bases sólidas; as
lembranças evocam o passado, mas dão ênfase à
construção do presente, retrato de uma geração cujos
valores se assentam na família. São pessoas que
demonstram grande afetividade, alegria de viver, são
portadores de fé e de esperança. Por outro lado,
expressam suas preocupações, ante um mundo cujo ritmo
de mudanças trouxe melhorias mas, sobretudo, crises que
têm repercutido na educação, no desemprego, causando
instabilidade social. Alertam para o distanciamento das
pessoas.
Fazem a denúncia dos riscos da violência que
permeia todas as relações, alcançando seu auge nos
grandes conflitos mundiais.
Podemos concluir que, enquanto representantes
do passado, são pessoas presentes que precisam ser
respeitadas e ouvidas, para que se possa planejar um
70
futuro melhor para as gerações que as sucederão, nesse
movimento contínuo da vida e de construção da história
da humanidade.
“O rosto de Elrond parecia eterno, nem velho
nem jovem, embora nele se escrevesse a memória
de muitas coisas, alegres e tristes (...) Parecia
venerável, como um rei coroado com muitos
invernos, e ao mesmo tempo vigoroso como um
guerreiro experiente, no auge da força” (Tolkien,
2001).
5. BIBLIOGRAFIA
BARROS, M. M. L. de. Testemunho de vida: um estudo
antropológico de mulheres na velhice. In: Velhice ou
terceira idade? Estudos antropológicos sobre
identidade, memória e política. Rio de Janeiro: Fundação
Getúlio Vargas, 1998.
BOSI, E. Memória e sociedade. Lembranças de velhos.
São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
FERREIRA, M. L. M. Memória e velhice: do lugar da
lembrança. In: Velhice ou terceira idade? Estudos
antropológicos sobre identidade, memória e política. Rio
de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998.
JOÃO PAULO II. Palavras sobre o idoso. Discurso de
setembro, 2002.
MORAES, M.; BARROS, L. (Org). Velhice ou terceira
idade? Estudos antropológicos sobre identidade,
memória e política. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio
Vargas, 1998.
PROUST, M. Em busca do tempo perdido. No caminho de
Swann. Porto Alegre: Globo, 1957.
TOLKIEN, J. R. R. O senhor dos anéis. São Paulo: Martins
Fontes, 2001.
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
ANEXO 1:
DESENHO UTILIZADO PARA A DINÂMICA DO EXERCÍCIO
“ÁRVORE DA VIDA”.
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
71
Base Tecnológica para o Desenvolvimento
em Engenharia Biomédica
Walter dos Santos *
Resumo: A Engenharia Biomédica é a mobilizadora da pesquisa tecnológica voltada para a
produção de equipamentos médico-hospitalares. Sem uma base tecnológica, suportada pela
Normalização, a Metrologia e a Qualidade, essa pesquisa não se dará. O engenheiro em biomédica
deve ter formação profissional voltada para a pesquisa tecnológica. Quando se conclui uma pesquisa
científica, geralmente finalizando com uma dissertação acadêmica ou publicação em revista
especializada ou em anais de congresso, nesse momento ou mesmo um pouco antes, já deve ter
começado o processo de pesquisa tecnológica. A oportunidade, a adequação, a importância, a
utilidade dos resultados começaram a ser verificadas no cenário sócio-econômico. Os agentes
externos, tais como Governo, Indústria, Comércio, Incubadoras, Universidade, Institutos,
Laboratórios Independentes, Propriedade Industrial, interessados no fomento e resultados, interagem
com a pesquisa tecnológica através da Engenharia.
Palavras-chave: Tecnologia, desenvolvimento, Engenharia Biomédica, norma técnica, metrologia,
qualidade.
Abstract: Biomedical Engineering is the technological research mobilizing effort directed to the
production of medical-hospital equipment. Without a technological base supported by
Standardization, Metrology and Quality this research will not exist. The biomedical engineer must
have his/her professional education based on the technological research. The process or
technological research must start when a scientific research is concluded, generally with an academic
dissertation or paper for specialized media or meeting, or even before. Opportunity, appropriateness,
importance, usefulness of the results are verified in the social-economic context. External agents
like the Government, Industry, Commerce, Universities, Independent Laboratories, Industrial Patent
Firms, interested in foments and results interact with the technological research having the
Engineering as an interface.
Key words: Technology, development, biomedical engineering, standards, metrology and quality.
1. INTRODUÇÃO
No sentido de compor uma visualização da
dinâmica da pesquisa tecnológica é feita uma
interpretação da interação dos dois saberes: o conhecer
e o fazer. Ciência e Tecnologia formam um par de
metodologias, que se completam, mas não se confundem.
Tendo a Engenharia como mobilizadora da pesquisa
tecnológica é necessário identificar a sua base
operacional. A constituição dessa base é vista como
suportada por três pilares: a NORMALIZAÇÃO, a
METROLOGIA e a QUALIDADE.
A Engenharia Biomédica se apresenta como
oportuna desenvolvedora nacional com forte conotação
* Professor da UNIVAP.
72
de utilidade social. Os equipamentos médico-hospitalares
representam um desafio tecnológico atual.
A caracterização da dinâmica da pesquisa
tecnológica na sua base leva a concluir que a formação
do engenheiro em biomédica deve voltar-se para o
profissional pesquisador e que os ciclos de vida das
conquistas tecnológicas estão, aceleradamente,
tornando-se mais curtos.
2. CIÊNCIA E TECNOLOGIA
Entende-se que progredir, em termos humanos, é
adquirir conhecimentos e constatá-los na realidade da
natureza. Estes dois aspectos do caminho percorrido pela
pesquisa, na busca da verdade, mostram um estado
dicotômico a ser consolidado pelo trabalho intelectual
associado à capacidade de realização.
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
Com esta forma de observar pode-se ter Ciência
como conhecimento e Tecnologia como a capacidade de
realização, buscando, ambos, o Desenvolvimento.
C I Ê N C I A
T E C N O L O G IA
D E S E N V O L V IM E N T O
As metodologias científica e tecnológica não
podem ser unificadas, pois apresentam fundamentos e
objetivos peculiares.
Tecnológica Brasileira a plataforma de meios materiais,
operacionais e organizacionais disponíveis para a
pesquisa e o desenvolvimento tecnológico.
De forma bem simples tem-se o Saber Porquê
(know-why) e o Saber Fazer (know-how). O resultado é
uma nova verdade, quando estes dois saberes se
amalgamam ou, em termos de desenvolvimento, mais um
degrau se sobe no progresso humano.
Essa plataforma pode ser visualizada como
apoiada em três grandes pilares, que se identificam como:
NORMALIZAÇÃO, METROLOGIA e QUALIDADE.
3. DESENVOLVIMENTO DA ENGENHARIA
BIOMÉDICA
ENGENHARIA, palavra que deriva de engenho,
engenhar, criar e realizar praticamente, solucionando
problemas que ultrapassam os limites naturais do ser
humano, ampliando sua capacidade de realização pessoal
e social.
Se a Engenharia se voltava, há alguns anos, para
áreas de Engenharia Civil, Mecânica, Elétrica, Química
etc., hoje se evidencia a necessidade da Engenharia
Nuclear, Mecatrônica, Espacial, Ambiental, Genética,
Biomédica etc.
É preciso saber fazer aquilo do qual se sabe o
porquê. O conhecimento deve se transformar em realidade
natural, socialmente útil.
Onde se encontram Ciência e Tecnologia, a
ENGENHARIA age de forma objetiva e inteligente, tendo
como orientação a utilidade social da conquista de
desenvolvimento e progresso.
A Engenharia Biomédica tem, diante de si, um
panorama denso de situações e oportunidades para uma
ação proativa com relação à Ciência e à Tecnologia.
Entretanto, essas metodologias não podem se
movimentar sem a existência de uma base constituída de
elementos organizacionais, operacionais, materiais etc.
4. BASE TECNOLÓGICA BRASILEIRA
Entende-se, neste trabalho, como Base
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
Procurando fugir aos efeitos festivos e
promocionais que essas palavras representam, ter-se-á a
NORMALIZAÇÃO como a capacidade, organização e
participação para a geração das Normas Técnicas; a
METROLOGIA, como a existência de padrões,
laboratórios, equipamentos de transferência, pessoal
qualificado, rastreabilidade regional, nacional e
internacional; e a QUALIDADE, como sistemas internos,
procedimentos, administração e certificação.
Entretanto, essa BASE TECNOLÓGICA se torna
estática e inerte se não houver um móvel ativador,
identificando oportunidades, necessidades, recursos e
objetivos, que aí estão presentes. Esse móvel ativador é
a ENGENHARIA. Por isso, a formação do engenheiro
deve ser aprimorada, buscando os necessários
conhecimentos e habilidades tecnológicos. Há que se
pensar na formação executiva e administrativa e também
na formação para a pesquisa tecnológica.
Circundando essa plataforma tem-se, de forma
simplificada, o GOVERNO, o COMÉRCIO, a INDÚSTRIA,
as INCUBADORAS, a UNIVERSIDADE, os
INSTITUTOS, os LABORATÓRIOS INDEPENDENTES
e a PROPRIEDADE INDUSTRIAL.
O GOVERNO, através dos orçamentos anuais,
contemplando os ministérios da Educação, da Indústria
e do Comércio, da Saúde, da Ciência e Tecnologia, da
Agricultura, entre outros, tem, permanentemente,
construído parte dessa BASE TECNOLÓGICA. Assim,
têm-se os laboratórios nacionais do INMETRO (Instituto
Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade
Industrial), que com o CONMETRO (Conselho Nacional
de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial)
constituem o SINMETRO (Sistema Nacional de
Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial).
73
Agências de financiamentos, Finep (Financiadora de
Estudos e Projetos), Fapesp (Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo), BNDES (Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) etc.
contribuem para facilitar a localização de recursos
financeiros para os projetos e programas de
Desenvolvimento Tecnológico.
de tecnologia etc.
Os LABORATÓRIOS INDEPENDENTES são
instalações especializadas em certificação metrológica,
oferecendo condições de aferição e calibração do
equipamento de controle e produção industrial. Outros
há que certificam a qualidade de produtos através de
laboratórios de ensaios.
A INDÚSTRIA e o COMÉRCIO têm-se adaptado
às suas necessidades mínimas operacionais, investindo,
para uso próprio, nos chamados laboratórios de
calibração, no que se refere à METROLOGIA, e nos
laboratórios para o Controle da QUALIDADE.
A PROPRIEDADE INDUSTRIAL, mais conhecida
como patente industrial, é a forma de proteger os direitos
de invenção e autoria. É um importante indicador do
progresso tecnológico.
As INCUBADORAS se constituem na forma de
incentivar e fomentar a ação empreendedora. São
ambientes, como o próprio nome sugere, para a gestação
das inovações tecnológicas.
Atualmente, a necessidade para acompanhar os
países desenvolvidos e emergentes (em desenvolvimento) tem evidenciado a importância do Desenvolvimento
Tecnológico.
À UNIVERSIDADE cumpre a destacada função
formadora do profissional, de maneira metódica e
pedagógica, com os conhecimentos e as habilidades
específicas da área escolhida. Esta posição de destaque
a torna merecedora das atenções, acolhimento e proteção,
além de evidenciar a sua responsabilidade no processo
do desenvolvimento tecnológico.
O engenheiro freqüentemente procura ajustar, no
seu campo de atividade profissional, seus conhecimentos e habilidades quanto a ADMINISTRAR e quanto a
PESQUISAR TECNOLOGICAMENTE.
Os INSTITUTOS representam aqui a forma de agir
nos mais variados setores de interesse da sociedade
brasileira. São institutos de ensino, de pesquisa científica,
A Fig. 1 mostra, de forma linear, a proporção entre
administrar e pesquisar para a situação profissional na
atividade de Engenharia. Também a formação de nível
superior deve contemplar esta situação, equilibrando, da
mesma forma, Administração e Pesquisa.
A
D
M
I
N
I
S
T
R
A
Ç
Ã
O
P
E
S
Q
U
I
S
A
ADMINISTRADOR
T
E
C
N
O
L
Ó
I
C
A
PESQUISADOR
Fig. 1 - Campo de atividade profissional.
A interação desses agentes, que representam a
envoltória da demanda e da oferta de tecnologias,
mobilizando a BASE TECNOLÓGICA, se dá através da
ENGENHARIA, realizando a PESQUISA TECNOLÓGICA.
Outros aspectos de extrema importância devem
ser considerados, tais como o CICLO DE VIDA da
DEMANDA, do PRODUTO e da TECNOLOGIA, bem
74
como o PLANEJAMENTO com ESTRATÉGIA
direcionada para a INOVAÇÃO TECNOLÓGICA
(Siemens, 2001).
Para ilustrar os conceitos apresentados tem-se a
Fig. 2, mostrando a importância da ENGENHARIA na
mobilização da PESQUISA TECNOLÓGICA.
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
Administração
Universidade
Institutos
Laboratórios independentes
Propriedade industrial
N
O
R
M
A
L
I
Z
A
Ç
Ã
O
E
N
G
E
N
H
A
R
I
A
Governo
Comércio
Indústria
Incubadoras
Q
U
A
L
I
D
A
D
E
Tecnologia
BASE
TECNOLÓGICA
M
E
T
R
O
L
O
G
I
A
Fig. 2 - Dinâmica da Base Tecnológica.
A indústria de equipamentos da área da saúde
vem sendo estimulada pelas conquistas recentes em
automação computadorizada, variedade de sensores,
memórias digitais, velocidade de microprocessadores,
arquitetura e sistemas operacionais de computadores,
novos materiais e processos de fabricação etc. A par
desses estímulos vem ampliando a demanda por serviços
médico-hospitalares suportados pelo governo, em
programas de saúde pública, bem como por clínicas e
hospitais privados, onde atuam as organizações e
cooperativas de assistência médico-hospitalar e a
medicina privada.
5. CONCLUSÃO
1. A Ciência busca o conhecer e a Tecnologia, o
fazer. São indissociáveis. O Desenvolvimento se produz
na interface Ciência-Tecnologia.
2. A Engenharia Biomédica, na sua larga amplitude
de atendimento, não pode prescindir de um forte domínio
das metodologias científica e tecnológica.
3. A pesquisa tecnológica somente será possível
se houver uma Base Tecnológica constituída das
atividades Normativa, Metrológica e da Qualidade.
4. A pesquisa tecnológica será mobilizada pela
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
75
atividade de Engenharia. A formação acadêmica deverá
ser orientada na direção tecnológica com ênfase nessa
metodologia de pesquisa.
5. A diversidade dos agentes interessados no
fomento e resultados da pesquisa tecnológica representa
uma força permanente e de abrangência nacional. É a
garantia para qualquer empreendimento significativo.
6. A formação do engenheiro deve se tornar mais
objetiva quanto à metodologia tecnológica. O enfoque
sobre rudimentos científicos e teóricos precisa ser
acompanhado por práticas laboratoriais, ensaios,
experimentação com modelos, projetos etc.
7. É a Engenharia que, na Base Tecnológica, realiza
a Pesquisa Tecnológica com objetivos e metodologia
próprios. É a função interativa do engenheiro com
formação em pesquisa.
8. Uma forte diferença entre as metodologias
científica e tecnológica está em que, enquanto na Ciência
os resultados e descobertas são duráveis, na Tecnologia
o ciclo de vida das conquistas tecnológicas são cada vez
mais curtos. Por isso, a variável tecnológica precisa estar
na base estratégica dos planos de desenvolvimento.
76
9. Os agentes, que representam o fomento e a
demanda tecnológica, agem sinergicamente através da
Engenharia, levando-a a realizar a Pesquisa Tecnológica
sobre a Base Tecnológica suportada pela Normalização,
Metrologia e Qualidade.
10. A Base Tecnológica para o Desenvolvimento
da Engenharia Biomédica demanda engenheiros com
formação biomédica preparados para a pesquisa
tecnológica. Deverão, entretanto, encontrar uma Base
Tecnológica para a realização das pesquisas.
6. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
SIEMENS. Tecnologia: estratégia para a competitividade.
São Paulo: Nobel, 2001.
UNIVAP. Catálogo 1995/1996 do IP&D da Univap. São
José dos Campos, 1996.
CNPq. Ciência e tecnologia: alicerces do
desenvolvimento. São Paulo: Cobram, 1994.
TEIXEIRA Jr, A. S. Instrumentação e sua interação com
o desenvolvimento tecnológico do Brasil. Revista
Educação Brasileira, CRUB, Brasília. v. 9, n. 103, 2° sem.
1983.
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
O Terceiro Setor na Internet
Celeste Marinho Manzanete *
Roberta Baldo *
Gino Giacomini Filho **
Resumo: Este trabalho visa fazer uma análise comparativa dos ‘sites’ de entidades do Terceiro
Setor, da cidade de São José dos Campos. A partir da falência de um Estado de bem-estar social, e
perante a complexidade da situação enfrentada pela população brasileira e mundial, o Terceiro
Setor surge como uma alternativa na busca de soluções. A Internet pode ser uma ferramenta de
divulgação para esta nova ordem social. Porém, a utilização desta ferramenta de forma eficiente
requer conhecimentos técnicos prévios, nem sempre levados em consideração na hora de se
“encomendar a construção” de uma ‘home-page’ para a entidade. Para fazer esta análise, foram
acessados quatro ‘sites’ disponíveis na internet, no período de 24 a 28 de junho de 2002. O objetivo
foi levantar se as entidades terceiro-setoristas utilizam esta ferramenta de divulgação, que é a
internet, de maneira eficiente. Para isso, foi utilizado um modelo de ‘sites’, proposto por Tom
Venetianer, através do qual serão analisados itens como design, conteúdo, atualização,
navegabilidade e divulgação.
Palavras-chave: Internet, terceiro setor, ferramenta de divulgação.
Abstract: This work has the purpose of making a comparative analysis about the Third Sector’s web
sites in Sao José dos Campos. With the failure of the State-provided welfare and in the presence of
the complex situation faced by people in Brazil and all over the world, the Third Sector was born as
an alternative for the searching for f solutions. The computer network can be an important tool for
this new social organization. However, the efficient use of that tool requires some previous technical
knowledge, that has not been always considered before the construction of a homepage for a social
entity. To make this analysis, it was accessed four web sites available in the Internet were accessed
during the period between august 24 and 28, 2002. The purpose was to discover if the third-sector
entities use it as a divulgating tool for their work in an efficient way. To prepare this, we used a web
site model suggested by Tom Venetianer, through which some topics like design, content, updating,
divulgation, etc., will be analyzed.
Key words: Internet, third sector, divulgation tool.
1. INTRODUÇÃO
A evolução tecnológica, principalmente o
computador e a Internet, possibilitou um novo meio de
comercialização e comunicação entre empresa e
consumidor.
Estima-se que existam 180 milhões de
computadores no mundo ligados na Internet, dos quais
aproximadamente cinco milhões no Brasil, sendo que aqui
está crescendo três vezes mais por ano que no resto do
mundo. Espera-se atingir a marca de um bilhão de
computadores logo no início do século XXI. Segundo
dados publicados em dezembro de 1999 pela Gazeta
Mercantil, nesse ano foram vendidos 100 milhões de PCs
no mundo e, em 2000, espera-se vender mais
computadores pessoais que televisores no mundo.
Entidades do Terceiro Setor apresentam grande
resistência quanto ao seu engajamento neste “mundo
tecnológico” e novo. O argumento mais presente é a falta
de recursos para a manutenção da própria instituição,
que dirá um recurso tecnológico deste porte. Porém, é
preciso desmistificar esta visão. A internet hoje
apresenta-se como um meio de divulgação barato e de
grande alcance, até mesmo na captação de recursos para
a entidade.
* Professora da UNIVAP.
** Professor da UMESP.
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
77
2. DEFINIÇÕES
renda, cinema, teatro, música, literatura, patrimônio, artes
plásticas, entre outros.
2.1 Definindo Terceiro Setor
Está cada vez mais difundida nos vários setores
da sociedade a idéia de que a atual situação do mundo
requer atenção especial das empresas para sua dimensão
social. O sociólogo alemão Claus Offe, professor da
Universidade de Humboldt (Alemanha), defende que
“está em curso uma gigantesca reforma nas relações do
cidadão com o governo”.
Esta nova ordem social surgiu em decorrência da
falência do Estado do bem-estar social, que era o principal
provedor de serviços sociais aos cidadãos. A falência
do Estado e o apogeu do liberalismo, com a concepção
do Estado Mínimo, paralisou o Primeiro Setor, que é o
próprio Estado.
Toda expectativa de melhores serviços sociais foi
canalizada para o papel do Estado como órgão regulador
desses serviços e para o crescimento da pobreza e da
exclusão social. A baixa qualidade dos serviços e seus
altos custos só fizeram aumentar a legião dos excluídos e
dos desassistidos. Milhões de cidadãos tornaram-se
órfãos do Estado do bem-estar social, morto, enterrado e
esquecido pelos escombros deixados pela onda liberal
que, tendo começado na Inglaterra, alastrou-se por todo
o mundo.
Mal ou bem, o Estado do bem-estar funciona. Pois
era o Primeiro Setor que atuava no campo social. Com a
apologia do mercado, este Segundo Setor mostrou sua
verdadeira face: o seu ímpeto concentrador de renda, o
favorecimento das elites, a promoção da desigualdade
social e a exclusão social.
Na concepção de Claus Offe, é a nova ordem
social que surge, sendo a sua principal base a estruturação
e o funcionamento do Terceiro Setor.
As empresas, públicas ou privadas, queiram ou
não, são agentes sociais no processo de desenvolvimento. A dimensão delas não se restringe apenas a uma
determinada sociedade, cidade, país, mas no modo com
que se organiza e principalmente atua, por meio de
atividades essenciais. Nos países desenvolvidos, de
economia de mercado, as empresas introduzem variáveis
sociais nos critérios de gestão e desenvolvimento.
Há cada vez mais a necessidade de demonstrar à
sociedade que não se progride sem a pureza do ar, a
preservação das florestas e a dignidade da população.
Várias empresas no Brasil desenvolvem, há vários anos,
nos mais diferentes campos, projetos sócio-culturais:
educação, meio ambiente, crianças de rua, geração de
78
A atuação de um Estado grande e de um Governo
forte é substituída pelo surgimento de uma ação
comunitária forte, atuante, reivindicatória e mobilizadora.
À ação estatal ineficiente, precária e insuficiente, porque
não atende às demandas sociais da população, sobrevém
uma ação comunitária capaz de prover o cidadão dos
serviços sociais básicos.
Para Offe, “ao lado do Estado e do mercado,
entidades comunitárias como as ONG’s e as igrejas vão
formar uma nova ordem social”.
“Assim, emerge uma nova concepção do Estado.
Não mais o Estado burocrático totalizante, o
Estado do bem-estar social, e nem tampouco o
Estado Mínimo dos liberais. Deparamo-nos com
um novo Estado: o Estado inserido no novo pasto
social. O Estado comprometido com a sociedade
civil, cujo papel dominante é o exercício pleno
do seu poder social, controlando os excessos do
mercado, das empresas inescrupulosas, dos
burocratas perdulários e corruptos, regulamentando serviços prestados pela iniciativa privada,
realizando investimentos sociais e atuando em
parceria com as empresas e a sociedade civil na
busca de soluções duradouras para a eliminação
do déficit social. (...)
Tais entidades formam entre si uma extensa rede
de solidariedade social. É onde o cidadão vai
encontrar a solidariedade sem interesses, como
afirma Offe. Por exemplo, o cidadão desempregado recebe donativos da igreja, assume trabalho
voluntário no hospital ou escola local através
da associação de pais de alunos ou da
cooperativa dos médicos, engaja-se num mutirão
da comunidade para terminar a obra da sua casa,
organizado pela associação de moradores. E
pode até mesmo encontrar emprego numa ONG
que atua na comunidade onde reside, ou defende
uma causa social de seu interesse ou
identificação.” (Melo Neto e Fróes, 1999, p. 54).
Esta ordem supera em vitalidade, legitimidade e
harmonia a ordem da burocracia estatal (Primeiro Setor),
e a ordem econômica do mercado (Segundo Setor). Ordem
que nasce da desordem social existente, com expressão
institucional, que se encontra no Terceiro Setor.
As definições para Terceiro Setor ainda são
discutidas e existem diversas visões a respeito do tema.
O objetivo deste texto não é fechar a discussão, nem
resumi-la a apenas uma vertente. Estão apresentadas a
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
seguir, a visão de personalidades que conhecem o
conceito e que dedicam suas vidas ao estudo do trabalho
neste ramo da sociedade.
Para Claus Offe, sociólogo alemão:
“(...) ao lado do Estado e do mercado, entidades
comunitárias como as ONG´s e as Igrejas vão
formar uma nova ordem social (...). Para atuar
nesta nova ordem social, surgem outras
instituições sociais: entidades filantrópicas,
entidades de direitos civis, movimentos sociais,
ONG´s, organizações sociais, agências de
desenvolvimento social, órgãos autônomos da
administração pública descentralizada,
fundações e instituições sociais das empresas.
Tais entidades, juntamente com o Estado e a
sociedade civil, constituem o que denominamos
Terceiro Setor.” (Melo Neto e Fróes, 1999, p. 2-4).
O Prof. Luis Carlos Merége da Fundação Getúlio
Vargas, que possui um trabalho de reconhecimento
nacional na área do Terceiro Setor, afirma que: “O Estado,
a iniciativa privada e os cidadãos reunidos em benefício
de causas sociais. Essa definição aparentemente
ingênua representa um dos mais modernos conceitos
econômicos surgidos no Brasil nos últimos anos: o
Terceiro Setor.” (Melo Neto e Fróes, 1999, p. 6).
Para a socióloga Profª Ruth Cardoso, Terceiro
Setor é: “uma nova esfera pública, não necessariamente
governamental; constituída de iniciativas privadas em
benefício do interesse comum; com grande participação
de organizações não-governamentais; e compreendendo
um conjunto de ações particulares com o foco no bemestar público.” (Melo Neto e Fróes, 1999, p. 8).
Para Mario Aquino Alves, pesquisador da FGV:
“o espaço institucional que abriga ações de caráter
privado, associativo e voluntarista que são voltadas
para a geração de bens de consumo coletivo, sem que
haja qualquer tipo de apropriação particular de
excedentes econômicos que sejam gerados nesse
processo.” (Melo Neto e Fróes, 1999, p. 9).
2.2 Terceiro Setor e áreas de atuação
Segundo a legislação vigente, lei federal número
9.790 de 23 de março de 1999, referente às Organizações
da Sociedade Civil de Interesse Público:
“A qualificação instituída por esta Lei,
observado em qualquer caso o princípio da
universalização dos serviços, no respectivo
âmbito de atuação das Organizações, somente
será conferida às pessoas jurídicas de direito
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
privado, sem fins lucrativos, cujos objetivos
sociais tenham pelo menos uma das seguintes
finalidades:
I – promoção da assistência social;
II – promoção da cultura, defesa e conservação
do patrimônio histórico e artístico;
III – promoção gratuita da educação,
observando-se a forma complementar de participação das organizações de que trata esta Lei;
IV – promoção gratuita da saúde, observandose a forma complementar de participação das
organizações de que trata esta Lei;
V – promoção da segurança alimentar e
nutricional;
VI – defesa, preservação e conservação do meio
ambiente e promoção do desenvolvimento
sustentável; (este parágrafo é somente um
exemplo. Deve-se colocar nele as finalidades da
entidade, sejam elas de caráter social, cultural,
assistencialista, entre outras.)
VII – promoção do voluntariado;
VIII – promoção do desenvolvimento econômico
e social e combate à pobreza;
IX – experimentação, não lucrativa, de novos
modelos socioprodutivos e de sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e créditos;
X – promoção de direitos estabelecidos,
construção de novos direitos e assessoria jurídica
gratuita de interesse suplementar;
XI – promoção da ética, da paz, da cidadania,
dos direitos humanos, da democracia e de outros
valores universais;
XII – estudos e pesquisas, desenvolvimento de
tecnologias alternativas, produção e divulgação
de informações e conhecimentos técnicos e
científicos que digam respeito às atividades
mencionadas neste artigo.
Parágrafo único. Para os fins deste artigo, a
dedicação às atividades nele previstas
configura-se mediante a execução direta de
projetos, programas, planos de ações correlatas,
por meio da doação de recursos físicos, humanos
e financeiros, ou ainda pela prestação de serviços
intermediários de apoio a outras organizações
sem fins lucrativos e a órgãos do setor público
que atuem em áreas afins.” (Venetier, 1999, p. 162).
2.3 Internet como ferramenta de divulgação
O cenário atual, com a chegada das novas
tecnologias e o advento da Internet, transformou as
maneiras como pessoas e empresas comunicam-se entre
si. Para o Terceiro Setor a Internet pode ser uma grande
ferramenta de divulgação das OSCIPs (Organizações da
Sociedade Civil de Interesse Público), já que elas, muitas
vezes, precisam de parceiros para dar continuidade aos
79
seus trabalhos. Em São José dos Campos essa ferramenta
é pouco utilizada. Em uma busca em sites como: Yahoo Cidades - São José dos Campos, Evanguarda.com.br,
www.sjc.com.br, foram encontrados apenas quatro sites
de entidades do Terceiro Setor. Já estão conectados à
rede mundial de computadores: o Gacc (Grupo de Apoio
à Criança com Câncer), a Vale Verde (Associação de
Defesa do Meio Ambiente), a Sociedade São Vicente de
Paula (ligada à Igreja Católica) e a FUNDHAS (Fundação
Hélio Augusto de Souza).
8. Atualização: Os sites que trabalham com vendas
devem ser atualizados, principalmente os itens: preços,
divulgação de promoções e de novos produtos .
3. METODOLOGIA
inglês.
A metodologia consistiu na aplicação do modelo
de Venetier (1999) para a análise de sites da internet.
12. Divulgação: impressos da empresa, material
publicitário, press-releases, correspondência eletrônica,
usos de hiperlinks, comprando espaço de divulgação.
9. Navegabilidade: Estruturação lógica e funcional
das informações, facilitando as buscas do internauta.
10. Hiperlinks: Classificação por critérios lógicos,
atualização e utilidade para o público- alvo.
11. Idioma: toda página deve conter pelo menos o
Venetier (1999) descreve alguns elementos que
precisam ter numa página para que seja um site de
sucesso:
1.Nome: para ele, a escolha do nome é muito
importante; em algumas empresas o nome se confunde
com a marca, isso faz delas um grande sucesso. Como
exemplo, o autor cita a Amazon, que tornou-se sinônimo
de livraria virtual.
2. Endereço: O endereço é a URL da página, que
facilita o processo de busca, o registro em mecanismos
de busca, de preferência os que são mais conhecidos
pela comunidade virtual.
13. Banner: Os banners são propagandas na
internet, assim como nos jornais e revistas, criou-se uma
padronização do tamanho. O padrões são medidos em
pixels (pontos por polegada), sendo três os mais
utilizados:
- Banner de largura inteira: 468 x 60 pixels .
- Banner de meia largura : 234 x 60 pixels.
- Minibanner: 88 x 31 pixels.
A partir deste modelo, foram analisados os quatro
sites das entidades joseenses.
Análise dos sites
3. Criar um produto virtual: A partir de agora, a
palavra produto virtual passa a significar a chamada
presença eficaz na Internet. Não basta estar no
ciberespaço, é preciso promovê-lo.
4. Design: Este elemento é de extrema importância.É todo o desenvolvimento gráfico: diagramação, arte,
ilustração. Para o autor, toda página deve ter, logo no
topo, uma síntese clara de seu conteúdo e objetiva
responder às perguntas: “para que serve esta página e o
que irei encontrar nela?” (Venetier, 1999, p. 162).
5. Conteúdo: “O conteúdo de um site é representado por todos os elementos textuais, visuais e sonoros,
desde que contribuam para a comunicação de idéias e de
informações úteis aos visitantes.“Riqueza e utilidade e
atualização”.
6. E-mail: Utilizar diversos recursos da Internet
para oferecer serviços como: webcasting, serviços de
assistência técnica, formulários eletrônicos versus e-mail
7. Grupos, listas, fóruns de discussão e chats:
Proporcionar ao internauta esse tipo de serviço.
Segundo o modelo de Venetier, dos quatro sites
analisados, conforme Tabela 1, três apresentam endereços
com o nome / sigla da instituição, o que facilita na busca
de informações. O site da Sociedade São Vicente de Paulo
possui endereço gratuito, portanto, sem constar o nome
da entidade.
Todos os sites analisados criaram um “produto
virtual”, portanto trabalhando de forma a divulgar a
existência do endereço eletrônica e da entidade. É possível
encontrar todos eles em sites de busca como o
google.com ou o yahoo.com.
O conteúdo apresenta-se distribuído de forma
coerente no site do Gacc, apresentando bem a instituição
e dando opções de ajuda e participação na entidade. Já o
da Fundhas não é lógico quanto à localização das
informações nas páginas que compõem o site. É difícil
localizar o que se precisa neste site, inclusive um e-mail
para o contato com a Fundação. Nos outros sites,
entretanto, o e-mail está na página principal, ou então
no link fale conosco / quem somos.
Dois sites apresentam listas de links, o da SSVP e
80
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
o da Vale Verde. Nos outros, não há lista de links, nem
fóruns ou chats de discussão.
Quanto à data de atualização, em sua maioria é
feita mensalmente – sites Vale Verde e Gacc. No site da
Fundhas, é impossível saber quando foi feita a última
atualização. Já o da SSVP, a data é de mais de 1 ano atrás.
Quanto à navegabilidade, a mais fácil de se navegar
é a do Gacc, é também a mais rápida. A página da Vale
Verde também é fácil de carregar, mas tem carregamento
lento das páginas subseqüentes. Na página da Fundhas
o layout não é fluido, e na da SSVP há links de acesso
impossível.
No quesito hiperlinks, o site da SSVP não tem a
apresentação da entidade, seus objetivos e missão. Os
da Fundhas e da Vale Verde apresentam seus link´s fora
de uma seqüência lógica de navegabilidade. Apenas o
do Gacc é que apresenta uma seqüência lógica em seus
links. Todos os sites têm seus conteúdos apenas em
língua portuguesa.
Através de seus materiais impressos: folders,
cartões, cartazes e cartas – as entidades: Gacc, Vale Verde
e Fundhas, divulgam seu endereço eletrônico. Já a SSVP
não utiliza seu material impresso para esta finalidade.
A única página que tem banners é a da SSVP, que,
por se tratar de uma página de divulgação gratuita, abriga
a propaganda de todos os tipos de produtos e serviços
que o provedor determinar.
Tabela 1 - Análise dos sites
Cor
Vale Verde
Fundhas
SSVP
Tipologia
Verdana, tamanho
Cores do logo,
7,5 para os textos
com contraste
em geral
Fonte Arial,
Contraste do
tamanho 7,5 para
fundo com
as chamadas e
fontes, sem
Verdana 10 para
vínculo com as
cores do logotipo os textos
Fundo com
Fonte Palatino
marca d´água
Linotype, tamanho
que dificulta a
12 para os textos
leitura
Gacc
Base em azul,
com cores
alegres
Verdana, tamanho
8 nos textos e
títulos
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através desta pesquisa, pode-se concluir que
poucas entidades do Terceiro Setor em São José dos
Campos possuem página na internet para divulgar suas
atividades. Mesmo se tratando de uma mídia de custo
bastante inferior em relação às outras, o Terceiro Setor
ainda não tem nesta ferramenta de divulgação uma aliada.
As poucas entidades que possuem algum tipo de
home-page ou contato via e-mail não têm a preocupação
de uma atualização constante e um acesso freqüente para
a manutenção da página.
Dentre as entidades pesquisadas, fica clara a
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
Diagramação
Leve, com poucas fotos
e textos bem
distribuídos
Com o logotipo do lado
direito e barra de
ferramentas pouca
lógica. Apresentas fotos
pequenas no espaço
Fotos
Poucas, nítidas e de bom
gosto
Trabalhadas e com
filtros coloridos
Pouco atrativa, com
marca d´água no fundo
que dificulta o acesso
Pouco nítidas e de
assuntos não relevantes ao
grande público
Alegre, em vista do
público atendido, mas
com diagramação
confusa.
Bem distribuídas na
página, porém um pouco
escuras e com
enquadramento
comprometido
preocupação de duas delas em manter a qualidade e
atualidade da informação. Já as outras não apresentam
nem mesmo a data da última atualização dos dados.
Há por fim a constatação de uma necessidade em
qualificar os gestores do Terceiro Setor para as novas
mídias e as tecnologias mais recentes, e apresentar-lhes,
de maneira objetiva, esta que pode ser uma grande aliada
na divulgação e no crescimento do trabalho realizado
por cada uma delas: a INTERNET.
4. BIBLIOGRAFIA
CAMARGO, M. F. et al. Gestão do terceiro setor no
Brasil. São Paulo: Futura, 2001. p. 180-181.
81
MELO NETO, F. P.; FRÓES, C. Responsabilidade social
& cidadania empresarial – a administração do terceiro
setor. Quaitymark, 1999.
VENETIER, T. Como vender seu peixe na internet: um
guia prático de marketing e comércio eletrônico. Rio de
Janeiro: Campus, 1999, p. 162.
4.1 Sites consultados
http://members.fortunecity.com/cjcpjg/
www.gacc.com.br
www.valeverde.org.br
www.fundhas.org.br
www.google.com.br
www.yahoo.com
www.sjc.com.br
www.evanguarda.com.br
82
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
Efeito do Coeficiente Volumétrico de Transferência de
Oxigênio na Produção de Xilitol em Biorreator de
Bancada
Solange Inês Mussatto *
Inês Conceição Roberto **
Resumo: A influência do coeficiente volumétrico de transferência de oxigênio (KLa) na bioconversão
de xilose em xilitol por Candida guilliermondii FTI 20037 foi avaliada utilizando o hidrolisado
hemicelulósico de palha de arroz como meio de fermentação. As fermentações foram realizadas em
um biorreator de bancada a 1,3 vvm e 30°C, sob diferentes velocidades de agitação (500, 300 e 200
rpm) que proporcionaram valores de KLa de 52, 15,4 e 5,5 h-1, respectivamente. Os resultados
obtidos mostraram que a bioconversão foi dependente da taxa de aeração empregada, sendo que o
maior valor de rendimento do processo em xilitol (YP/S = 0,84 g/g) foi obtido com a utilização de um
KLa de 15,4 h-1. O aumento deste parâmetro de 15,4 para 52 h-1 proporcionou uma queda de 52% no
rendimento em xilitol e um aumento de 130% no crescimento celular. A diminuição do KLa de 15,4
para 5,5 h-1 não interferiu na produção de células e não foi capaz de promover um rendimento em
xilitol superior ao obtido com a utilização do KLa de 15,4 h-1.
Palavras-chave: Xilitol, palha de arroz, KLa, Candida guilliermondii.
Abstract: The influence of oxygen transfer volumetric rate (KLa) for the bioconversion of xylose into
xylitol by the yeast Candida guilliermondii FTI 20037 was evaluated using rice straw hemicellulosic
hydrolysate as fermentation medium. The fermentations were carried out in a bioreactor at 30°C
and 1.3 vvm, under different stirring rates (500, 300 and 200 rpm) which resulted in KLa values of
52, 15.4 and 5.5 h-1 respectively. According to the results obtained, the bioconversion was dependent
on the aeration rate employed, the best xylitol yield (YP/S = 0.84 g/g) being achieved with the use of
KLa = 15.4 h-1. The increase of this parameter to 52 h-1 promoted a decrease of 52% on xylitol yield,
and an increase of 130% in cellular growth. The decrease of the KLa value to 5.5 h-1 did not result in
any difference in the cell formation and the xylitol yield was lower than that attained with the use of
KLa = 15.4 h-1.
Key words: Xylitol, rice straw, KLa, Candida guilliermondii.
1. INTRODUÇÃO
Resíduos lignocelulósicos como a palha de arroz,
o bagaço de cana-de-açúcar e a madeira de eucalipto
vêm sendo constantemente aproveitados no processo
biotecnológico de produção de xilitol (edulcorante
alimentar com propriedades e aplicações farmacêuticas
relevantes) (Mussatto e Roberto, 2001; Alves, Felipe,
Silva, Silva e Prata, 1998; Cannettieri, Almeida e Silva,
Felipe, 2001). Entretanto, um dos principais fatores que
*
Doutoranda em Biotecnologia Industrial FAENQUIL 2002.
** Professora/Pesquisadora do Departamento de
Biotecnologia na FAENQUIL.
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
influenciam a fermentação dos hidrolisados obtidos a
partir destes materiais lignocelulósicos é a capacidade
produtiva do microrganismo, que varia com as condições
de cultivo utilizadas no processo de bioconversão.
A bioconversão de xilose em xilitol por leveduras
é regulada principalmente pela disponibilidade de oxigênio
no meio de fermentação. Quando em anaerobiose ou em
tensões de oxigênio muito baixas, as leveduras
fermentadoras de xilose são incapazes de oxidar o NADH
completamente, o que provoca a excreção do xilitol. Porém,
quando o oxigênio é fornecido em excesso, a levedura
desvia o piruvato da fermentação e segue pela via do
ácido tricarboxílico, ocorrendo maior formação de massa
celular (Laplace, Delgenes, Moletta e Navarro, 1991).
Desta forma, para que um processo fermentativo ocorra
83
de forma eficiente, é de grande importância determinar o
fluxo de oxigênio capaz de proporcionar uma utilização
balanceada da fonte de carbono, tanto para o crescimento
do microorganismo como para a fermentação
(Winkelhausen e Kuzmanova, 1998).
No presente trabalho avaliaram-se diferentes
valores de coeficiente volumétrico de transferência de
oxigênio, com o objetivo de melhorar os resultados da
bioconversão de xilose a xilitol pela levedura Candida
guilliermondii, a partir de hidrolisado hemicelulósico de
palha de arroz.
2. METODOLOGIA
Obtenção, Concentração e Tratamento do Hidrolisado
alçada de células, proveniente do repique em meio de
manutenção, para tubos de ensaio contendo água
destilada estéril. Alíquotas de 5 mL desta suspensão
celular foram transferidas para frascos Erlenmeyer de 500
mL contendo 200 mL do meio contendo (g/l): xilose: 20,0;
sulfato de amônio: 3,0, cloreto de cálcio dihidratado: 0,10
e extrato de farelo de arroz: 20,0. Os frascos foram
incubados a 30 °C em agitador rotatório (Tecnal TE-420)
a 200 rpm, por 24 horas. Após este tempo as células foram
separadas por centrifugação a 1100xg por 20 minutos, e
ressuspensas diretamente no hidrolisado tratado
(contendo cerca de 85 g/L de xilose) que compôs o meio
de fermentação. As soluções de todos os componentes
foram preparadas separadamente e esterilizadas a 121°C
por 20 minutos, exceto a solução de xilose que foi
autoclavada a 112°C por 15 min.
A palha de arroz foi inicialmente seca ao sol e
cominuída em moinho tipo martelo a um tamanho de 1cm
de comprimento e 1mm de espessura. O hidrolisado
hemicelulósico foi obtido por catálise ácida em reator
confeccionado em aço-inox AISI 316 com capacidade de
350 litros, munido de aquecimento indireto por resistência
elétrica por camisa de óleo térmico. As reações foram
realizadas com H2SO4 (98% p/p), na concentração de
100 mg/g de matéria seca, a 121 oC por um tempo de 30
minutos, mantendo uma relação sólido:líquido de 1:10.
Ao final das hidrólises o material foi submetido a um
processo de filtração a vácuo, sendo o filtrado
(hidrolisado hemicelulósico) conservado a 4 °C.
Os ensaios foram conduzidos em um fermentador
de bancada modelo BIOSTAT B (B. Braun Biotech
International) de 2 litros de capacidade total, com
controlador de temperatura, agitação, aeração e pH,
munido com duas turbinas com 6 pás planas. As
velocidades de agitação utilizadas foram: 500 rpm, 300 rpm
e 200 rpm, que proporcionaram valores de KLa de 52 h-1,
15,4 h-1 e 5,5 h-1, respectivamente. O volume de meio foi
fixado em 1000 mL, a temperatura mantida em 30 °C e a
aeração em 1,3 vvm, durante as 72 horas do decorrer da
fermentação.
Com o objetivo de aumentar a concentração de
xilose a um valor nove vezes maior que o inicial, o
hidrolisado foi concentrado sob vácuo em evaporador
com capacidade de 4 litros, a uma temperatura de
aproximadamente 70 ± 5 oC. Posteriormente, para reduzir
a concentração dos compostos tóxicos provenientes do
processo de hidrólise, o hidrolisado concentrado foi
tratado através da alteração do pH original (0,4) para pH
8,0, pela adição de NaOH (pastilhas), seguido de sua
redução para o pH inicial de fermentação (6,5) pela adição
de H2SO4 (72% p/p). Após cada alteração do pH, o
precipitado foi removido por centrifugação a 1100xg por
15 minutos.
O acompanhamento das fermentações foi realizado
retirando-se amostras para verificação da concentração
celular, glicose, xilose e xilitol. O crescimento foi
acompanhado por medida das absorbâncias a 600 nm em
espectrofotômetro. As amostras foram devidamente
diluídas para uma faixa de leitura entre 0,05 a 0,5 unidades
de DO. A concentração celular foi determinada utilizandose a equação obtida da regressão linear dos dados de
uma curva de calibração entre peso seco e absorbância.
Processo Fermentativo
O microrganismo utilizado foi a levedura Candida
guilliermondii FTI 20037, selecionada para produção de
xilitol (Barbosa, Medeiros, Mancilha, Schneider e Lee,
1988). A cultura foi mantida repicada em tubos de ensaio
contendo ágar malte inclinado e conservada em geladeira
a 4 oC. Um repique com cerca de 24 horas foi utilizado
para o preparo do inóculo.
O inóculo foi preparado transferindo-se uma
84
Acompanhamento Analítico dos Experimentos
As concentrações de glicose, xilose e xilitol foram
determinadas por Cromatografia Líquida de Alta Eficiência
(HPLC), nas condições: coluna BIO-RAD Aminex HPX87H (300 x 7,8 mm); temperatura: 45°C; eluente: ácido
sulfúrico 0,01N; fluxo 0,6 ml/min; volume de amostra: 20
µl; detector: índice de refração.
3. RESULTADOS
A produção de xilitol a partir de hidrolisados
lignocelulósicos vem sendo estudada através de
diferentes processos que levam em conta tanto a influência
das variáveis operacionais, como a presença de
compostos no hidrolisado, que interferem no processo
de bioconversão.
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
Neste trabalho, o efeito do coeficiente volumétrico
de transferência de oxigênio (KLa), uma das variáveis de
influência em processos de bioconversão, foi avaliado
na bioconversão de xilose a xilitol por Candida
guilliermondii, a partir de hidrolisado hemicelulósico de
palha de arroz. As Figuras 1, 2 e 3 apresentam as
concentrações de glicose, xilose, xilitol e células durante
os processos fermentativos conduzidos com KLa de 52;
5,5 h-1 e 15,4, respectivamente.
Fig. 3 - Concentração (g/L) de glicose (T), xilose (l),
xilitol (•) e células (s) durante o processo
fermentativo conduzido com um KLa = 15,4 h-1.
Fig. 1 - Concentração (g/L) de glicose (T), xilose (l),
xilitol (Ž) e células (s) durante o processo
fermentativo conduzido com um KLa = 52 h-1.
Fig. 2 - Concentração (g/L) de glicose (T), xilose (l),
xilitol (•) e células (s) durante o processo
fermentativo conduzido com um KLa = 5,5 h-1.
As Figuras 1, 2 e 3 revelam que independente do
valor de KLa utilizado, a glicose foi totalmente consumida
pela levedura durante as primeiras 24 horas do processo
fermentativo. De acordo com a literatura, em meios
contendo misturas de açúcares as hexoses são
consumidas preferencialmente, pois inibem o
metabolismo da D-xilose através da inativação do sistema
de transporte de xilose (repressão catabólica) (Webb e
Lee, 1990). Tal comportamento não foi verificado no
presente trabalho, uma vez que em todos os ensaios
realizados o consumo de xilose ocorreu simultaneamente
ao de glicose. Lee, Ryu e Seo (2000), analisando a
fermentação de produção de xilitol através de processo
batelada alimentada (“fed-batch”), observaram que em
fermentações com meios contendo mistura de açúcares,
a glicose é usada como fonte de energia para o
crescimento celular e na regeneração de cofatores,
enquanto a xilose é o substrato utilizado para a conversão
em xilitol.
Analisando o consumo de xilose verificou-se que
o aumento da taxa de aeração do processo, de um KLa de
15,4 para 52 h-1, promoveu um aumento de 90% no
consumo desta pentose, o que refletiu em um aumento
de 345% na produção de massa celular. Porém, a
diminuição do valor de K La de 15,4 para 5,5 h -1
praticamente não interferiu no consumo de xilose e nem
na produção de células. Comportamento similar a este foi
observado por Martínez, Silva e Felipe (2000) na
fermentação de hidrolisado de bagaço de cana-de-açúcar,
também para a produção de xilitol. Segundo estes autores,
o aumento do KLa do processo de 10 h-1 para 30 h-1
promoveu um aumento de 27% no consumo de xilose e
636% no crescimento celular.
No presente trabalho, a utilização de um KLa de
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
85
5,5 h-1 proporcionou um consumo de xilose de apenas
22,2% , com um crescimento celular máximo de 5,1 g/L e
uma produção de xilitol de 13,3 g/L após 72 horas de
fermentação. Quando o KLa foi aumentado de 5,5 para
15,4 h-1, apesar de o consumo de xilose ter sido inferior,
houve um aumento na capacidade produtiva da célula,
que conseguiu produzir a mesma quantidade de xilitol
encontrada anteriormente (cerca de 13 g/L). A utilização
de um K L a ainda maior (52 h -1 ); apesar de ter
proporcionado um aumento no consumo de xilose, não
melhorou os valores de produção de xilitol. Roberto,
Mancilha e Sato (1999) também verificaram que para
valores de KLa superiores a 15 h-1 nenhuma diferença
significativa nos níveis de concentração de xilose e xilitol
foi observada. Este fato demonstra que a determinação
de um nível adequado de aeração é necessário para se
atingir uma bioconversão de xilose em xilitol de maneira
eficiente.
O efeito do coeficiente volumétrico de
transferência de oxigênio nos parâmetros fermentativos
do processo de produção de xilitol pode ser observado
na Tabela 1.
Tabela 1 - Efeito do coeficiente volumétrico de transferência de oxigênio nos parâmetros fermentativos de
produção de xilitol a partir de hidrolisado hemicelulósico de palha de arroz.
KLa
(h-1)
5,5
15,4
52
∆S
(%)
22,2
17
48,4
X
(g/L)
5,1
5,6
14,5
P
(g/L)
13,3
12,2
16,7
YP/S
(g/g)
0,69
0,84
0,44
YX/S
(g/g)
0,05
0,08
0,32
QP
(g/L.h)
0,18
0,17
0,23
∆S, consumo de xilose; X, concentração celular final; P, concentração de
xilitol; YP/S , fator de conversão de xilose em xilitol; YX/S , fator de conversão
de xilose em células; QP , produtividade volumétrica em xilitol.
Através desta tabela observa-se que os valores
do coeficiente de transferência de oxigênio utilizados não
interferiram na produtividade do processo. Entretanto,
apesar de em todos os casos a concentração final de
produto ter sido praticamente a mesma, o rendimento do
processo em xilitol diminuiu de 0,84 para 0,44 g/g, quando
o valor de KLa foi aumentado de 15,4 para 52 h-1. Neste
caso, o aumento da taxa de transferência de oxigênio
provocou um maior consumo de xilose, porém, como
conseqüência do excesso de oxigênio fornecido ao meio,
ocasionou um desvio no metabolismo da levedura, da
produção de xilitol para a formação de células. Quando o
KLa foi reduzido de 15,4 para 5,5 h-1, os valores dos
parâmetros do processo fermentativo ficaram muito
próximos, porém o rendimento em xilitol foi 18% menor.
4. CONCLUSÕES
Os resultados obtidos neste trabalho mostraram
que a determinação do nível de aeração mais adequado
ao processo é fundamental para melhorar a bioconversão
de xilose em xilitol e atingir elevados rendimentos no
processo.
Dentre as condições aqui avaliadas, a utilização
de um KLa de 15,4 h-1 mostrou ser a mais adequada,
86
proporcionando um rendimento em produto de 0,84 g/g e
uma produtividade volumétrica de 0,17 g/L.h, após 72
horas de fermentação. Entretanto, estudos para
otimização deste parâmetro devem ser realizados, de forma
a proporcionar também elevados valores de produtividade
volumétrica em xilitol e, desta forma, contribuir para que
o processo seja realizado com maior rapidez e eficiência.
5. AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem à FAPESP e ao CNPq, o
apoio financeiro concedido para execução deste trabalho.
6. REFERÊNCIAS
ALVES, L. A.; FELIPE, M. G. A.; SILVA, J. B.; SILVA, S.
S.; PRATA, A. M. R. “Pre treatment of sugar cane
bagasse hemicellulose hydrolysate for xylitol production
by Candida guilliermondii”. Applied Biochemistry and
Biotechnology, v. 70-72, pp. 89-98, 1998.
BARBOSA, M. F. S.; MEDEIROS, M. B.; MANCILHA, I.
M.; SCHNEIDER, H.; LEE, H. “Screening of yeasts for
production of xylitol from d-xylose and some factors which
affect xylitol yield in Candida guilliermondii”. Journal
of Industrial Microbiology, v. 3, p. 241-251, 1988.
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
CANNETTIERI, E. V.; ALMEIDA E SILVA, J. B.; FELIPE,
M. G. A. “Application of factorial design to the study of
xylitol production from Eucalypus Hemicellulosic Hydrolysate”. Applied Biochemistry and Biotechnology,
v. 94, p. 159-168, 2001.
LAPLACE, J. M.; DELGENES, J. P.; MOLETTA, R.;
NAVARRO, J. M. “Alcoholic fermentation of glucose and
xylose by Pichia stipitis, Candida shehatae, Saccharomyces cerevisiae and Zymomonas mobilis: oxygen requirement as a key factor”. Applied Microbiology and
Biotechnology, v. 36, p. 158-162, 1991.
LEE, W. J.; RYU, Y. W.; SEO, J. H. “Characterization of
two-substrate fermentation processes for xylitol production using recombinant Saccharomyces cerevisiae containing xylose reductase gene”. Process Biochemistry,
v. 35, p. 1199-1203, 2000.
MUSSATTO, S. I.; ROBERTO, I. C. “Hydrolysate detoxification with activated dharcoal for xylitol production by
Candida guilliermondii”. Biotechnology Letters, v. 23,
p. 1681-1684, 2001.
ROBERTO, I. C.; MANCILHA, I. M.; SATO, S. “Influence of KLa on bioconversion of rice straw hemicellulose
hydrolysate to xylitol”. Bioprocess Engineering, v. 21,
p. 505-508, 1999.
WEBB, S. R.; LE, H. “Regulation of d-xylose utilization
by hexoses in pentose-fermenting yeasts”. Biotechnology Advances, v. 8, p. 685-697, 1990.
WINKELHAUSEN, E.; KUZMANOVA, S. “Microbial
conversion of d-xylose to xylitol”. Journal of Fermentation and Bioengineering, v. 86, p. 1-14, 1998.
MARTÍNEZ, E. A.; SILVA, S. S.; FELIPE, M. G. A. “Effect
of the oxygen transfer coefficient on xylitol production
from sugarcane bagasse hydrolysate by continuous
stirred-tank reactor fermentation”. Applied Biochemistry and Biotechnology, v. 84-86, p. 633-641, 2000.
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
87
Obtenção e Purificação de Quitosana a Partir de Resíduos
de Camarão em Escala Piloto
Niege Madeira Soares *
Catarina Moura **
Sheila Vasconcelos **
Jaques Rizzi ***
Luiz Antônio de Almeida Pinto ***
Resumo: A quitina, β-(1-4)-N-acetil-D-glucosamina, é o segundo mais abundante biopolímero
natural depois da celulose e é encontrado nos exoesqueletos de crustáceos, carapaça de fungos e
outros materiais biológicos e é a principal provedora da quitosana, β-(1-4)-D-glucosamina. Cidades
portuárias, como a cidade do Rio grande, possuem uma grande concentração de indústrias
pesqueiras, que geram anualmente grandes quantidades de resíduos de pescado, principalmente
de camarão. O camarão, em sua constituição, possui de 5 a 7% de quitina, que pode ser extraída dos
resíduos e transformada em quitosana, que possui alto valor no mercado e pode ser utilizada em
várias áreas devido sua estrutura possuir um grupamento amino disponível, que a mantém com
características mais interessantes que a quitina. O objetivo deste trabalho é produzir quitosana em
escala piloto e purificá-la para que esta possua características semelhantes ao produto comercial.
As etapas de obtenção da quitina são as seguintes: desmineralização, desproteinização,
desodorização. Para a produção de quitosana faz-se uma desacetilação alcalina rigorosa, que
retira a molécula acetil da quitina transformando esta em quitosana. A purificação da quitosana é
feita utilizando-se a capacidade policatiônica da quitosana em soluções ácidas, de onde esta é
precipitada através da adição de uma solução alcalina.
Palavras-chave: Resíduos de camarão, quitina, quitosana, escala piloto, purificação.
Abstract: Chitin, β-(1-4)-N-acetyl-D-glucosamine, is the second most abundant natural biopolymer
after cellulose and is found in the exoskeletons of crustaceans, the cells of fungi and other biological
materials. It is the main source of chitosan, β-(1-4)-D-glucosamine. Ports like the city of Rio Grande
have a large number of fish-related industriesfactories, which generate large volumes of fish residues,
particularly from prawns, every year. Prawns contain 5 to 7% of chitin, which can be extracted from
the residues and transformed into chitosan. Chitosan has a high market value and can be used in
many areas since its structure has an amino-available grouping which means that it has more useful
characteristics than chitin. The aim of this study is to produce chitin and chitosan on a pilot scale
and purify the obtained chitosan so that it has similar characteristics to the commercial product.
The steps for obtaining chitosan are as follows: demineralization, deproteinization and then
deodorization. To produce chitosan, rigorous alkaline deacetylation was carried out to remove the
acetyl molecule of the chitin, transforming it into chitosan. Chitosan is purified using its polycationic
capacity in acid solutions, from which it is precipitated by adding an alkaline solution.
Key words: Residues of prawns, chitin, chitosan, pilot scale, purification.
*
Graduação em Engenharia Química - Conselho
Nacional de Pesquisa - PIBIC/CNPq - Fundação
Universidade Federal do Rio Grande.
[email protected]
** Graduação em Engenharia de Alimentos - Fundação
Universidade Federal do Rio Grande.
*** Departamento de Química - Fundação Universidade
Federal do Rio Grande.
88
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
1. INTRODUÇÃO
O nome quitina é derivado da palavra grega
“quiton”. É o segundo mais abundante biopolímero sobre
a terra, depois da celulose, é uma N-acetilglucosamina.
Quitosana é o nome utilizado pela forma acetil substituída
da quitina que é composta primeiramente por Nglucosamina. A quitosana tem três tipos de grupos
funcionais reativos, um grupo amino como ambos grupos
hidroxila primário e secundário nas posições C-2, C-3 e
C-6, respectivamente. As modificações químicas destes
grupos têm provido numerosas aplicações em diferentes
áreas (Craveiro, 1999).
A quitina, por existir em grande quantidade na
natureza, e seu produto, a quitosana, ter grande valor no
mercado, torna-se viável sua obtenção pelo
reaproveitamento dos resíduos de camarão e de outros
crustáceos. A quitosana possui uma variedade de
utilizações como: área médica, tratamento de efluentes,
clareamento de óleos e vinhos, pode ser utilizada na forma
de filmes que possuem várias composições e funções
distintas. A biodegradação da quitina é muito lenta nos
resíduos de crustáceos. A acumulação de grandes
quantidades de resíduos providos das indústrias de
processamento de pescado tem se tornado uma das
principais preocupações em relação à preservação do
meio ambiente (Shahidi, Arachchi e You, 1999). No Rio
Grande a grande concentração de indústrias de
processamento de alimentos do mar, por conseguinte, de
resíduos de camarão, gera uma preocupação para que
estes tenham utilização economicamente viável, o que
justifica o objetivo do presente estudo de obtenção de
um produto de alto valor agregado como a quitosana a
partir destes resíduos.
2. METODOLOGIA EXPERIMENTAL
2.1 Produção de quitosana: Para a produção de
quitosana a matéria-prima utilizada foram resíduos de
camarão, obtidos nas indústrias locais da cidade do Rio
Grande, e armazenados no freezer do Laboratório de
Operações Unitárias/FURG a aproximadamente –18°C.
O procedimento para a produção de quitosana
pode ser representado pelo fluxograma apresentado na
Figura 1.
Resíduos de camarão
Limpeza dos resíduos
Desmineralização
Desproteinização
Desodorização
Secagem
Desacetilação
Secagem
Quitosana
Fig. 1 - Fluxograma representativo da produção de quitosana.
Uma massa de 15 kg de resíduos foi colocada em
um tanque com agitação, onde foi adicionada uma
solução ácida, tendo essa etapa por objetivo a redução
do teor de cinzas da matéria-prima. Terminada esta etapa,
o reagente em excesso é retirado por lavagens com água.
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
A etapa de desproteinização é feita com solução
alcalina, sendo a principal função dessa etapa a redução
do teor de nitrogênio protéico dos resíduos de camarão.
O reagente é novamente retirado, através de lavagens, e
assim se obtém a quitina úmida.
89
A etapa de desodorização consiste na purificação
da quitina, onde há uma redução do odor característico
dos resíduos de camarão e despigmentação
(clareamento).
A quitina é então seca, em um secador de bandejas
por quatro horas a 80°C, onde a umidade alcançada fica
em torno de 5-6%.
aquecimento e agitação, projetado propriamente para a
reação de conversão da quitina em quitosana, onde é
colocada uma solução alcalina concentrada a elevada
temperatura. A quitosana é seca nas mesmas condições
da quitina, até sua umidade comercial, de 6-8%.
2.2 Purificação da quitosana: O processo de
purificação é ilustrado pelo diagrama de blocos
apresentado na Figura 2.
A quitina seca é então colocada em um reator com
Quitosana Seca
Dissolução
Filtração
Precipitação
Centrifugação
Secagem
Quitosana Purificada
Fig. 2 - Diagrama de blocos para o processo de purificação da quitosana.
Partindo-se da quitosana seca (6 - 8% umidade),
prepara-se um sal com concentração de quitosana 1%,
em uma solução de 1% de ácido acético, onde se obterá
a quitosana dissolvida, já que esta possui solubilidade
em ácidos orgânicos diluídos (até pH de aproximadamente 6,0). A solução é filtrada para que seja possível
retirar o material que não foi dissolvido e se obter uma
solução com menor quantidade de impurezas. A quitosana
é precipitada em soluções alcalinas até pH de aproximadamente 12,5. Após é feita a neutralização com ácido até pH
7,0. A separação é feita por centrifugação. A secagem é
feita em um secador de bandejas, até a umidade comercial,
onde assim se obtém a quitosana purificada.
2.3 Metodologia Analítica: As análises de cinzas,
umidade e N-total foram feitas segundo as normas da
A.O.A.C (1995). Onde o ensaio de cinzas é feito pelo
método de mufla, umidade pelo método de estufa e
análise de N- total pelo método de Kjeldahl, seguindo os
fatores de conversão de proteína, quitina e quitosana,
6,25; 14,0 e 11,0, respectivamente.
90
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os resultados obtidos pela análise de N- corrigido,
em base úmida, por etapas da produção, são apresentados
na Tabela 1.
Tabela 1 - Resultados obtidos para N-corrigido
Etapa
Matéria-prima
Desmineralização
Desproteinização
Desodorização
Quitosana (úmida)
N-corrigido (%)
13,0 ± 0,4
6,7 ± 2,1
5,7 ± 1,5
4,3 ± 0,8
12,0 ± 1,0
Os resultados apresentados na Tabela 1, para Ncorrigido, são os obtidos por uma relação entre o N-total
do método analítico de Kjeldahl e os fatores de correção
da proteína, quitina e quitosana.
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
Para análise de umidade e cinzas foram feitos
ensaios, em cada etapa do processo em base úmida,
conforme as Tabelas 2 e 3.
Tabela 2 - Resultados para análise de umidade
Etapa
Matéria-prima
Desmineralização
Desproteinização
Desodorização
Desacetilação
Umidade B.U. (%)
78,5 ± 2,5
85,5 ± 1,5
87,5 ± 2,5
86,0 ± 1,0
80,0 ± 1,0
Tabela 5 - Caracterização da quitosana para as
análises de umidade, cinzas e N-corrigido
Umidade
(%)
6,0±1,0
Cinzas
(%)
10,0±1,0
N-quitosana
(%)
84,0± 1,0
A quitosana produzida apresentou N- total na faixa
de 39,0±1,0%, onde, utilizado o fator de conversão da
quitosana, o N- quitosana ficou como apresentado na
Tabela 5, acima.
A quitosana obtida pelo processo de purificação
apresentou a caracterização segundo a Tabela 6.
Tabela 3 - Resultados para análise de cinzas
Etapa
Matéria-prima
Desmineralização
Desproteinização
Desodorização
Desacetilação
Cinzas (%)
7,5 ± 0,5
0,6 ± 0,4
0,35 ± 0,05
1,2 ± 0,2
0,07 ± 0,01
Pela análise da Tabela 2 pode-se notar que a
matéria-prima apresentou umidade variando entre 76,0 e
80,0% e que esta aumentou ao longo das etapas para
obtenção da quitina devido à adição de soluções aquosas
e lavagens do processo. A Tabela 3 mostra que a matériaprima apresentou teor de cinzas entre 7,0 e 8,0% e na
etapa de desmineralização, caracterizada pela redução
deste teor, houve uma queda considerável, mostrando a
eficiência desta etapa.
A Tabela 4 apresenta o rendimento do processo
por etapas, com relação à matéria-prima inicial.
Tabela 4 - Rendimento por etapas do processo em
relação a massa de matéria-prima inicial.
Etapa
Matéria-prima
Desmineralização
Desproteinização
Desodorização
Desacetilação
% (mat. prima)
59,5 ± 0,5
40,5 ± 0,5
33,5 ± 1,0
5,0 ± 1,0
2,5 ± 0,5
Pela análise da Tabela 4, pode-se concluir que o
rendimento diminui a cada etapa do processo, devido à
redução mássica característica de cada uma das etapas.
Tabela 6 - Caracterização da quitosana purificada para
as análises de umidade, cinzas e N-corrigido
Umidade
(%)
4,0±1,0
Cinzas
(%)
-traços-
N-quitosana
(%)
96,0± 1,0
Foram feitos ensaios de caracterização da
quitosana comercial para esta ser utilizada como
parâmetro comparativo com a quitosana purificada obtida.
Os resultados destes ensaios foram que a umidade da
quitosana comercial encontrou-se na faixa de 5,0±1,0%,
as cinzas ao nível de traços e a percentagem de Nquitosana na faixa de 95,0±1,0%.
Observando-se estes resultados pode-se concluir
que a quitosana purificada obtida teve uma caracterização
semelhante à da quitosana comercial.
4. CONCLUSÃO
A metodologia experimental para a produção de
quitosana em escala piloto mostrou-se adequada, pois
apresentou resultados similares aos encontrados na
literatura.
O rendimento em quitina seca permaneceu na faixa
de 5 - 6% e o rendimento de quitosana seca de 2 - 3%, em
relação à massa inicial de resíduo de camarão utilizado.
A quitosana purificada obtida apresentou
caracterização semelhante à quitosana comercial.
5. REFERÊNCIAS
AOAC - Association of Official Analytical Chemists,
1995.
A Tabela 5 apresenta os resultados para o produto
final (quitosana seca), obtida em escala piloto.
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
91
CRAVEIRO, A. A.; CRAVEIRO, A. C.; QUEIROZ, D. C.
Quitosana: a fibra do futuro. Fortaleza: Parque de
Desenvolvimento Tecnológico - PADETEC, 1999, 124p.
DALLABRIDA, V. F. Otimização do processo de obtenção
de quitosana a partir de cascas de camarão. Rio Grande,
105p. Relatório Final da BIC/FURG, 2000.
92
ROBERTS, G.A.F.; DOMSZY, J. G. Int. J. Biol. Macromol.,
p. 374-377, 1982.
SHAHIDI, F.; ARACHCHI, J. K. V.; YOU, J. J. Food
applications of chitin and chitosan. Trends in Food
Science & Technology, v. 10, p. 37, 1999.
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
Drogas Farmacológicas para o Alívio da Espasticidade em
Pacientes com Esclerose Múltipla: Uma Revisão
Bibliográfica
Claudia Franco *
Resumo: A espasticidade é caracterizada por uma condição anormal do tônus muscular encontrada
em várias patologias advindas de lesões no Sistema Nervoso Central. Dentre elas, a Esclerose
Múltipla tem sido alvo de várias pesquisas voltadas a fármacos que promovem o alívio da
espasticidade. Apesar de algumas drogas disponíveis no mercado produzirem um efeito terapêutico
variável e efeitos colaterais indesejáveis, estudos realizados com fármacos como Gabapentin,
Baclofen e Tizanidine mostraram bons resultados sem produzir efeitos colaterais significantes.
Palavras-chave: Espasticidade, esclerose múltipla, fármacos.
Abstract: Spasticity is an abnormal condition of the muscle tone, found in many pathologies of the
Central Nervous System. Among those pathologies, Multiple Sclerosis has been the target of several
researches on drugs that might relieve the symptoms of spasticity. Although some drugs available in
the market produce variable therapeutic effects and undesirable side effects, studies carried out
with drugs like Gabapentin, Baclofen and Tizanidine, showed good results without significant side
effects.
Key words: Espasticity, multiple sclerosis, drugs.
1. INTRODUÇÃO
A espasticidade é uma condição clínica resultante
de lesões no Sistema Nervoso Central e pode ser
responsável por causar disfunções motoras graves a um
indivíduo portador desta síndrome.
Caracteriza-se por padrões alterados de atividades
das unidades motoras, levando a contrações,
movimentos de massa e anormalidades do controle
postural (Mansini, 2000).
Existem várias causas para a espasticidade; entre
elas, estão as doenças desmielinizantes como a esclerose
múltipla. Esta doença crônica e auto-imune possui
prevalência e incidência bastante variáveis. Segundo
Tilbery (2000), tem sido considerada uma forte
preocupação para os Órgãos de Saúde NorteAmericanos, acometendo atualmente 300.000 indivíduos
entre 20 a 40 anos de idade. Ao longo do tempo, vários
estudos foram realizados para aliviar a espasticidade em
pacientes portadores de esclerose múltipla, a fim de
* Professora e mestranda em Bioengenharia - UNIVAP
2003.
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
prevenir perdas funcionais graves. Esta condição motora,
caracterizada pela hipertonicidade muscular, pode gerar
dificuldades ao paciente para assumir a posição sentada,
o que o impossibilitaria de realizar transferências e o
levaria à dependência para as atividades cotidianas como
vestir-se e higienizar-se, afetando, assim, a sua qualidade
de vida.
2. MÉTODOS
Foi realizada uma revisão de literatura utilizando o
site da Google, com as palavras-chave: spaticity/multiple
sclerosis, sendo retirados 25 artigos científicos. Desses
25, 8 trabalhos destinaram-se ao estudo farmacológico
para esta condição clínica.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Vários estudos sobre os efeitos farmacológicos
para o alívio da espasticidade, causada por esclerose
múltipla, foram realizados nos últimos 30 anos.
Esses fármacos atuam como depressores das
ações dos motoneurônios gama, responsáveis em grande
parte pela hiperexcitabilidade dos músculos, resultante
da interrupção do sistema supra-segmentar.
93
Entre as drogas mais antigas usadas para diminuir
a espasticidade está o Baclofen. Estudos realizados sobre
seu efeito clínico demonstraram sua ação minimizadora
da espasticidade associada ao alívio da dor causada por
espasmos. Apesar de a medicação ter surtido alguns
efeitos colaterais como sonolência, vômitos e náuseas,
essas sensações foram bem toleradas pelos pacientes
portadores de esclerose múltipla. Nenhum dos estudos
observou alterações hepáticas, renais ou na função
hematológica dos pacientes (Sawa e Paty, 1979; Feldman
et al., 1978; Sachais et al.,1977).
Tratamentos realizados com o fármaco Tizanidine
também demonstraram significantes resultados para o
controle do clono e espasmos, além da redução do tônus
muscular observado no grupo comparado em relação ao
placebo. Seus efeitos sobre a espasticidade foram
observados após a primeira semana do início do
tratamento e foram mantidos até uma semana após cessar
a terapia. Os pacientes também apresentaram boa
tolerância aos efeitos colaterais (Smith et al.,1994; United
Kingdom Tizanidine Trial Group, 1994).
A Gabapentin é a droga que apresenta estudos
mais recentes para o tratamento da espasticidade causada
por esclerose múltipla. Seus efeitos foram analisados
entre grupos controles e placebos, através de escalas
como de Ashworth, Escala de Freqüência de Espasmos,
Escala de Clono, Escala de Avaliação Global, Escala da
Resposta de Babinsk e avaliações por eletromiógrafo
(EMG). Apesar de alguns resultados demonstrarem
pequenas variações entre as escalas, em geral os estudos
com Gabapentin concluíram que este fármaco reduz
significantemente a espasticidade nos grupos controlados
em relação ao placebo, sem produzir efeitos colaterais
importantes (Cutter et al., 2000; Dunevsky e Perel, 998;
Mueller et al., 1997).
4. CONCLUSÃO
As propostas de tratamento para aliviar ou
controlar a espasticidade são diversas e, até então,
nenhuma delas conseguiu promover a cura definitiva
desta condição patológica. Os fármacos apresentados
neste trabalho mostraram um bom resultado para o
tratamento da espasticidade causada por esclerose
múltipla. Medicação como o Baclofen tem sido utilizada
em outras doenças neurológicas como a paralisia cerebral,
oferecendo respostas similares para o alívio da
espasticidade. Portanto, a utilização dos remédios
94
Gabapentin, Baclofen e Tizanidine como proposta
complementar às outras terapias no tratamento da
espasticidade mostra-se promissora, merecendo mais
pesquisas.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CUTTER, N. C.; SCOTT, D. D.; JOHNSON, J. C.;
WHITENECK, G. Gabapentin’s efectts on spasticity in
MS. Arch. Phys. Med. Rehabil. v. 81, n. 2, p. 164-9. 2000.
DUNEVSKY, A.; PEREL, A. B. Gabapentin for relief of
spasticity associated with multiple sclerosis. Am. J.
Phys.Med. Rehabil. v. 77, n. 5, p. 451-4. 1998.
FELDMAN, R. G.; KELLY-HAYES, M.; CONOMY J. P.;
FOLEY, J. M. Baclofen for spasticity in multiple sclerosis.
Neurology. v. 28, n. 11, p. 1094-1098. 1978.
MANSINI, M. Espasticidade. In: MELO-SOUZA, S. E.
Tratamento das doenças neurológicas. Rio de Janeiro:
Guanabara/Koogan. p. 780-783. 2000.
MUELLER, M. E.; GRUENTHAL, M.; OLSON, W. L.;
OLSON, W. L. Gabapentin for relief of upper motor
neuron symptoms in multiple sclerosis. Arch. Med.
Rehabil. v. 78, n. 5, p. 521-514. 1997.
SACHAIS, B. A.; LOGUE, J. N.; CAREY, M. S. Baclofen,
a new antispastic drug. Arch. Neurol. v. 34, n. 7, p. 422428. 1977.
SAWA, G. M.; PATY, D. W. The use of baclofen in
treatment of spasticity in multiple sclerosis. Can. J.
Neurol. Sci. v. 6, n. 3, p. 351-354. 1979.
SMITH, C.; BIRNBAUM, G.; CARTER, J. L.;
GREENSTEIN, J.; LUBLIN, F. D. Tizanidine treatment of
spasticity caused by multiple sclerosis. Neurology. v. 44,
n. 11 suppl. 9, p. S34-42; S42-3. 1994
TILBERY, C. P. Esclerose múltipla. In: MELO-SOUZA, S.
E. Tratamento das doenças neurológicas. Rio de Janeiro:
Guanabara/Koogan. p. 559-561. 2000.
UNITED KINGDOM TIZANIDINE TRIAL GROUP.
Tizanidine in the treatment of spasticity caused by multiple
sclerosis. Neurology. v. 44, n. 11 suppl 9, p. S70-8. 1994.
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
Resenha
ARENDT, Hannah. A Condição Humana. 7 ed. Trad. Roberto Raposo. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 1995. 338p.
Elizabeth Moraes Liberato *
A TRAMA DA CONDIÇÃO HUMANA
“Respostas são dadas diariamente no âmbito da
política prática, sujeitas ao acordo de muitos;
jamais poderiam se basear em considerações
teóricas ou na opinião de uma só pessoa, como
se se tratasse de problemas para os quais só existe
uma solução possível” (p. 13).
Hannah Arendt, filósofa e pensadora política,
nasceu em 1906, na Alemanha; faleceu em 1975. Foi aluna
de Heidegger, Husserl e Karl Jaspers. Sua obra,
considerada uma das mais originais do pensamento no
séc. XX, reflete, basicamente, sobre a teoria e a prática
políticas. O livro A Condição Humana foi publicado em
1958; a autora escreve no Prólogo: “limitou-me, de um
lado, a uma análise daquelas capacidades humanas gerais
decorrentes da condição humana, e que são permanentes,
isto é, que não podem ser irremediavelmente perdidas
enquanto não mude a própria condição humana” (p. 14).
O pensamento de Hannah Arendt, em seu livro
“A Condição Humana” ressalta que todo diálogo deve
ser aberto às diferentes idéias e experiências para que
ocorra necessária reflexão das ações.
Para se refletir sobre a Condição Humana é preciso
considerar, inicialmente, as atividades fundamentais:
labor, trabalho e ação.
O labor representa o processo biológico que vai
da geração inicial ao declínio, expresso pelas
necessidades essenciais à vida do homem e que
asseguram a sobrevivência da espécie humana.
Diferentemente de todas as coisas vivas, os seres
humanos imprimem ao movimento cíclico de sua chegada
e partida do mundo, uma expressão de indivíduos únicos,
singulares e irrepetíveis. Isto atribui ao ciclo vital uma
dinâmica e diversidade impressas na própria história da
humanidade.
O significado da vida seria linear se designasse
um intervalo de tempo, uma trajetória com começo e fim,
movida por uma força motriz; ao contrário, é um evento
pleno de significados, de sentidos que expressam e
traduzem as diferentes formas de apreensão da realidade
que não é estática, que se move e adquire sempre novas
configurações.
Através do trabalho o homem produz as coisas
necessárias à sua existência e que, muitas vezes, a
transcende. Para Marx é “a mais humana e produtiva das
atividades do homem” (cit. p. 116).
A ação corresponde à pluralidade, é ligada ao
coletivo, à expressão da vida política, porém respeitando
as individualidades. A ação cria “ corpos políticos” e a
história. Está sempre ligada à capacidade de agir e criar
algo novo.
Ao contrário da natureza humana, a Condição
Humana é a soma das atividades e capacidades do homem.
Deve-se ter presente que as condições do existir humano
- natalidade, mortalidade – criam para as ciências o seu
objeto de estudo, mas as explicações daí decorrentes
não podem excluir o sentido filosófico de que não somos
“meras criaturas terrenas”.
O homem, ser pensante, pode discernir e
transcender sua materialidade, transformando potencial
e possibilidades em ações criativas. O homem, ser social
e político, se expressa pela “vita activa”, num mundo que
não teria sentido se, desde seus primórdios, não se
reconhecesse a sua presença e atividade. “Nenhuma vida
humana (...) é possível sem um mundo que, direta ou
indiretamente, testemunhe a presença de outros seres
humanos” (p. 31).
Em Aristóteles encontra-se a expressão “bios
politikos”, cujas atividades constituintes seriam a ação
(praxis) e o discurso (lexis) capacidades afins do ser
humano que as realiza no plano social e político.
* Professora e Pró-reitoria de Avaliação da UNIVAP.
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
95
Assinala Arendt: “A pluralidade humana,
condição básica de ação e do discurso, tem o duplo aspecto
de igualdade e diferença. Se não fossem iguais, os homens
seriam incapazes de compreender-se entre si e aos seus
ancestrais, ou de fazer planos para o futuro e prever as
necessidades das gerações vindouras. Se não fossem
diferentes, se cada ser humano não diferisse de todos os
que existiram, existem ou virão a existir, os homens não
precisariam do discurso ou da ação para se fazerem
entender” (p. 188).
No alter – o outro - está implícito a pluralidade de
seres singulares, terreno das distinções e partilhas.
Perceber e compreender o outro permite o agir coletivo
que sedimenta o terreno das trocas essenciais ao homem.
Pelo discurso e pela ação os homens se comunicam
e se inserem no mundo, desde o nascimento, quando se
percebem como seres viventes e são estimulados a
movimentar-se, a agir. “O fato de que o homem é capaz
de agir significa que se pode esperar dele o inesperado,
que ele é capaz de realizar o infinitamente improvável”
(p. 191).
Responder à questão: Quem és? tem o significado
de uma revelação através de palavras e atos. O ator precisa
ser autor, anunciando-se, sinalizando e assumindo uma
identidade. O silêncio oculta; o anonimato mantém as
pessoas fora do cenário histórico; o isolamento é
privação.
Por outro lado, existem discursos que nada
revelam, nada desvendam. Expor-se é manifestar-se, é
entregar ao outro as chaves do seu próprio domínio, o
que só é possível quando as pessoas estão com as outras,
num plano de convivência.
A cada ação corresponde uma reação, uma
resposta, que, como círculos que se expandem, atingem
cada vez um número maior de pessoas. A ação política é
desencadeadora de um número ilimitado de relações,
transpõe os limites da singularidade e da particularidade,
para alcançar o conjunto maior, a universalidade: a
revelação do homem como sujeito coletivo.
O fluxo contínuo do discurso e da ação interpreta
e reinterpreta a história. As realizações contidas no ato
vivo e na palavra falada, na concepção aristotélica,
representam a energeia (efetividade), a obra do homem,
cujo fim não se esgota em si mesma.
Na sociedade moderna, em que os fins justificam
os meios, desvirtua-se e degrada-se a condição essencial
da atividade humana. A aparência tem maior peso no
96
mundo das coisas, perde-se o sentido do relacionamento
humano.
O poder de destruição e a falta de responsabilidade
nos atos, sem avaliação das possíveis conseqüências
desastrosas, espelham o processo de depredação que se
instaura na sociedade. Restringe-se a capacidade de
liberdade do ser humano, que ao criar a teia de relações
enreda-se de tal forma que já não se encontra como ser
íntegro, nem tem ao seu redor possibilidades essenciais
ao seu pleno existir.
Essa expropriação do ambiente natural e social
caracteriza, na era atual, a alienação do sujeito coletivo, o
alheiamento às causas verdadeiras.
A ciência tem alcançado patamares jamais
cogitados, muitas experiências suscitam questões éticas
até mesmo sobre a possibilidade de se criar e recriar a
vida; chega a extrapolar a compreensão dos limites que a
mente do homem pode atingir.
Em busca de certezas, no seu caminhar filosófico
e histórico, o homem se defronta, em relação ao futuro,
com a perplexidade de um processo vital que o desafia a
rever suas convicções. Nada está tão claro ou firmado;
suas posições têm de ser revistas a cada momento.
Assim, a moderna concepção do mundo incorpora
o embate entre a matéria e a mente, entre o infinitamente
pequeno e o infinitamente grande; deve levar ao
reencontro da unidade e da pluralidade, da capacidade
de contemplar, criar e agir.
Através dos tempos, a diversidade da
CONDIÇÃO HUMANA tem afirmado o bem supremo
que é a vida como experiência de liberdade, condição
primeira e única para o homem, que sem ela nega sua
própria natureza.
A capacidade de pensar e agir não é prerrogativa
de poucos, intelectuais, cientistas, mas deve ser assumida
por todos os membros da sociedade, reafirmando a
experiência de estarem ativos, capazes de produzir
histórias que iluminem a existência humana e ações que
alcancem a realização de todos, pela efetivação de direitos,
num processo de construção que não é individual, mas
coletivo.
O discurso, assim, deixa de ser a simples
composição de palavras, mas convoca ao agir, adquire a
força que se liga ao “elan” vital, pela capacidade de somar
o ato de pensar à ação que transforma e reafirma a
CONDIÇÃO HUMANA.
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
NORMAS GERAIS PARA A PUBLICAÇÃO
DE TRABALHOS NA REVISTA UNIVAP
A Revista UniVap é uma publicação de divulgação científica da Universidade do Vale do Paraíba (UNIVAP), que
procura cumprir com a sua tríplice missão de ensino, pesquisa e extensão. Assim, a pesquisa na UNIVAP tem,
dentre suas funções, a de formar elites intelectuais, sem
as quais não há progresso. Esta publicação incentiva as
pesquisas e procura o envolvimento de seus professores e alunos em pesquisas e cogitações de interesse social, educacional, científico ou tecnológico. Aceita artigos originais, não publicados anteriormente, de seus docentes, discentes, bem como de autores da comunidade
científica nacional e internacional. Publica artigos, notas
científicas, relatos de pesquisa, estudos teóricos, relatos
de experiência profissional, revisões de literatura, resenhas, nas diversas áreas do conhecimento científico,
sempre a critério de sua Comissão Editorial e de acordo
com o formato dos artigos aqui publicados.
Solicita-se observar as instruções a seguir para o preparo dos trabalhos.
1. Os originais devem ser apresentados em papel
branco de boa qualidade, no formato A4 (21,0cm x 29,7cm)
e encaminhados completos, definitivamente revistos, com
no máximo 15 páginas, digitadas em espaço 1,5 entre as
linhas. Recomenda-se o uso de caracteres Times New
Roman, tamanho 12, em 2 vias, acompanhadas de
disquete (de 3,5"), de computador padrão IBM PC, com
gravação do texto no Programa Word for Windows e, se
possível, enviar o Artigo pelo e-mail [email protected].
Somente em casos muito especiais serão aceitos trabalhos
com mais de 15 páginas. Os títulos das seções devem ser
em maiúsculas, numerados seqüencialmente, destacados
com negrito. Não se recomendam subdivisões excessivas
dos títulos das Seções.
2. Língua. Os artigos deverão ser escritos preferencialmente em Português, aceitando-se também textos em
Inglês e Espanhol. No caso do uso das línguas Portuguesa e Espanhola, deverá ser anexado um resumo em
Português (ou Espanhol) e em Inglês (Abstract).
3. Os trabalhos devem obedecer à seguinte ordem:
- Título (e subtítulo, se houver). Deve estar de acordo
com o conteúdo do trabalho, conforme os artigos aqui
apresentados.
- Autor(es). Logo abaixo do título, apresentar nome(s)
do(s) autor(es) por extenso, sem abreviaturas, com asterisco, colocado logo após o nome completo do autor ou
autores, remetendo a uma nota de rodapé relativa à(s)
informação(ões) referentes às instituições a que
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003
pertence(m) e às qualificações, títulos, cargos ou outros
atributos.
- Resumo. Com no máximo 500 palavras, o resumo deve
apresentar o que foi feito e estudado, seu objetivo, como
foi feito (metodologia), apresentando os resultados, conclusões ou reflexões sobre o tema, de modo que o leitor
possa avaliar o conteúdo do texto.
- Abstract. Versão do resumo para a língua Inglesa. Caso
o trabalho seja escrito em Inglês, o Abstract deverá ser
traduzido para o Português (Resumo).
- Palavras-chave (Key words). Apresentar de duas a cinco palavras-chave sobre o tema.
- Texto. Deve ser distribuído de acordo com as características próprias de cada trabalho. Um trabalho pode, por
exemplo, ter uma Introdução, um Desenvolvimento, Considerações Finais e Referências Bibliográficas. De um
modo geral, contém: a) Introdução, b) Material e Métodos, c) Apresentação e Análise dos Dados d) Resultados, e) Discussão f) Conclusões, Recomendações ou
Considerações Finais, g) Agradecimentos (quando necessário), h) Referências Bibliográficas.
- Citações dentro do texto. As citações textuais longas
(mais de três linhas) devem constituir um parágrafo independente. As menções a autores no decorrer do texto
devem subordinar-se ao esquema sobrenome do autor,
data (Novo, 1989, p. 20). Se as idéias dos autores forem
apresentadas de modo interpretado e resumido, portanto não sendo “textuais”, devem trazer apenas o sobrenome do autor e a data. Ex.: Segundo Demo (1991),
nenhum texto diz tudo. As linhas não dizem tudo. As
entrelinhas muitas vezes dizem mais. Caso o nome do
autor já estiver no texto, indica-se apenas a data entre
parênteses. Ex.: Segundo dados do SEBRAE (1993), o
grupo de áreas destinadas às lavouras temporárias ficava em torno de 7% do total das terras. Se a citação for
textual, deve-se adicionar o número da página. Ex.: Segundo Jaime Lerner (1992, p. 20), “A cidade
ambientalmente correta evita a industrialização forçada,
rejeita as indústrias poluentes...”.
- Refências Bibliográficas. Elas devem ser apresentadas no final do trabalho, em ordem alfabética de sobrenome do(s) autor(es), como nos seguintes exemplos:
a) Livro: SOBRENOME, Nome. Título da obra. Local de
publicação: Editora, data. Exemplo:
PÉCORA, A. Problemas de redação. 4.ed. São Paulo:
Martins Fontes, 1992.
97
b) Capítulo de livro: SOBRENOME, Nome. Título do capítulo. In: SOBRENOME, Nome (org.). Título do livro.
Local de publicação: Editora, data. Página inicial-final.
Exemplo: LACOSTE, Y. Liquidar a geografia... liquidar a
idéia nacional? In: VESENTIN, José William (org.).
Geografia e ensino: textos críticos. Campinas: Papirus,
1989. p. 31-82.
c) Artigo de periódico: SOBRENOME, Nome. Título do
artigo. Título do periódico, local de publicação, volume
do periódico, número do fascículo, página inicial-página
final, mês(es). Ano. Exemplo: ALMEIDA JÚNIOR, M. A
economia brasileira. Revista Brasileira de Economia, São
Paulo, v. 11, n.1, p. 26-28, jan./fev. 1995.
d) Dissertações e Teses: SOBRENOME, Nome. Título
da dissertação (ou tese). Local. Número de páginas (Categoria, grau e área de concentração). Instituição em que
foi defendida. data. Exemplo:
CECCATO, V. Proposta metodológica para avaliação
da qualidade de vida urbana a partir de dados
convencionais de sensoriamento remoto, Sistema de
Informações Geográficas e banco de dados georrelacional. São José dos Campos, 140 p. (INPE-5457-TDI/499).
Dissertação (Mestrado em Sensoriamento Remoto) Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, 1992.
e) Outros casos: Consultar as Normas da ABNT para
Referências Bibliográficas.
4. As figuras (desenhos, gráficos, ilustrações, fotos) e tabelas devem apresentar boa qualidade e serem
acompanhados de legendas breves e claras. Indicar, no
verso das ilustrações, escritos a lápis, o sentido da figura, o nome do autor e o título abreviado do trabalho. As
figuras devem ser numeradas seqüencialmente com números arábicos e iniciadas pelo termo Fig., devendo ficar
na parte inferior da figura. Exemplo: Fig. 4 - Gráfico de
controle de custo. No caso das tabelas, elas também
devem ser numeradas seqüencialmente, com números
arábicos, e colocadas na parte superior da tabela. Exemplo: Tabela 5 - Cronograma da Pesquisa. As figuras e
tabelas devem ser impressas juntamente com o original e
quando geradas no computador deverão estar gravadas
no mesmo arquivo do texto original. No caso de fotografias, desenho artístico, mapas etc., estes devem ser de
boa qualidade e em preto e branco.
98
5. O encaminhamento do original para publicação
deve ser feito acompanhado do disquete e com a indicação do software e versão usada.
6. O Corpo Editorial avaliará sobre a conveniência
ou não da publicação do trabalho enviado, bem como
poderá indicar correções ou sugerir modificações. A cada
edição, o Corpo Editorial selecionará, dentre os trabalhos considerados favoráveis para publicação, aqueles
que serão publicados imediatamente. Os não
selecionados serão novamente apreciados na ocasião
das edições seguintes.
7. Os conteúdos e os pontos de vista expressos nos
textos são de responsabilidade de seus autores e não
apresentam necessariamente as posições do Corpo Editorial da Revista UniVap.
8. Originais. A Revista não devolverá os originais
dos trabalhos e remeterá, gratuitamente, a seus autores,
cinco exemplares do número em que forem publicados.
9. O Corpo Editorial se reserva o direito de introduzir alterações nos originais, com o objetivo de manter a
homogeneidade e a qualidade da publicação, respeitando, porém, o estilo e a opinião dos autores.
10. Endereços. Deverá ser enviado o endereço completo de um dos autores para correspondência. Os trabalhos deverão ser enviados para:
UNIVERSIDADE DO VALE DO PARAÍBA - UNIVAP
PRÓ-REITORIA DE INTEGRAÇÃO
UNIVERSIDADE/SOCIEDADE
Conselho Editorial da Revista UniVap
Av. Shishima Hifumi, 2.911 - Bairro Urbanova
CEP 12244-000 - São José dos Campos - SP
Telefone: (0 12) 3947-1036
Fax: (0 12) 3947-1211
E-mail: [email protected]
Revista UniVap, v.10, n.18, 2003