recorte 10 outubro 2015 Assistente social - Biblioteca

Transcrição

recorte 10 outubro 2015 Assistente social - Biblioteca
GAZETA DO POVO
COLUNISTAS
Foto: Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo / Arte: Felipe Lima
JOSÉ CARLOS FERNANDES
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Adriana Matias vai de volta pro Recife
30/10/2015
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00h01
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[email protected]
Texto publicado na edição impressa de 30 de outubro de 2015
Até o fim de novembro, a assistente social Adriana Matias, 44 anos, vai fechar as malas,
sair de braço dado com o marido e as filhas, alugar a casa de Colombo e voltar para sua
terra: a capital pernambucana. Hoje é seu último dia de trabalho no Centro Educacional
Marista Irmã Eunice Benato – ali no Portão 3 da PUCPR –, mas as despedidas
começaram faz uma semana. Foram um pré-carnaval de Olinda. Não faltaram
lágrimas, recuerdos de Ypacaraí, refrigerantes com mimos e, sobretudo, palavras inspiradas
de adeus, ditas com o lindo sotaque recifense dessa mulher que nos adocicou ao longo de
duas décadas de convivência. Valeu, guria.
Ouvir a voz de Adriana é uma experiência e tanto, em mais de um sentido. Sabe aquele
palavrório das ONGs, governos, igrejas, partidos de esquerda, grupos de gênero,
ambientalistas e coisa e tal? Pois é – às vezes soam como uma overdose de bom
mocismo. Mas, em se tratando dela, formam cordéis encantados. Só nossa amiga para
usar de suingue e malemolência ao falar “todos e todas”, “consultar as bases”,
“empoderamento”, “saberes”. A explicação para tamanha destreza verbal é só uma –
Adriana Matias “aprendeu a falar” com o movimento social. É sua língua.
Foi educadora de rua, preceptora de jovens, membro de ONGs do
barulho, o bicho. Sobretudo, foi ela mesma
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Nascida e criada nos morros recifenses, conheceu de perto a pobreza e seus tentáculos –
na pele e na despensa. Até hoje morre de medo de temporal, tantas vezes, na infância, viu
aguaceiros desabarem barracos em que moravam seus coleguinhas. A mãe, dona Josefa,
temia que a casa de rejunte de barro onde morava a família tivesse o mesmo destino.
Rezava feito uma romeira do Juazeiro, mas também saía em protesto, pedindo barreiras
às autoridades. Ver a indignação brechtiana da mãe teria sido a primeira experiência
política de Adriana. A segunda se deu quando conheceu o padre Reginaldo Veloso.
Reginaldo é conhecido pelas músicas que compunha, pela dobradinha com dom Hélder
Câmara e pelas enxaquecas que causava à hierarquia da Igreja. Para Adriana, é o homem
bom que a resgatou da alienação, provocando-a a reagir. Em vez de amargura, ação.
Virou o que virou. Adolescente, cortava os cabelos da turma do morro e engatinhava
naquela que se tornou sua especialidade – a mobilização popular. Tempos depois, quando
desembarcou em Curitiba, já era uma expert, escolada em socorrer os necessitados e
protestar contra os caretas.
Acumulou milhagens no setor social. Foi educadora de rua, preceptora de jovens, membro
de ONGs do barulho – como Iddeha e Cefúria –, o bicho. Sobretudo, foi ela mesma – uma
mulher ligada nas quatro pilhas, dada a fazer revoluções por minuto. Garanti para ela que
não ia fulanizar esse pequeno texto de despedida. “A gente não faz nada sozinha, faz
junto”, reivindica com seu jeitão de líder comunitária à beira de subir nas tamancas. Pois
aqui vai a promessa – gente, faltariam páginas, fossem citados todos os partners listados
por Adriana. Uma lista telefônica. Não lhe atirem mágoas ao rosto: juro por Deus Nosso
Senhor que ela lembrou o mundo, incluindo a tia do cafezinho e a da limpeza.
A última ação na qual se embrenhou deve entrar para a história. Trata-se de um fórum
para abrigar as mães da Vila das Torres cujos filhos foram assassinados pelo tráfico. O
grupo completou um ano em setembro e acaba de ganhar um nome oficial – Mulheres
Guerreiras. Em parceria com as assistentes sociais Heloísa Selma Siqueira de Lima, do
Grupo Marista, e Ana Paula Greca, da prefeitura – para citar duas –, Adriana conseguiu o
que muitos julgavam pedido para o Papai Noel. Hoje há Rosas, Margaridas e Hildas
falando de seus Giovanis, Lucas, Felipes e Cahuês.
A torcida é para que essa trupe ganhe tanta relevância quanto as Mães da Praça da Sé,
de São Paulo, e as Mães pela Igualdade (organização LGBT do Rio de Janeiro), fora as
internacionais – Mães Afroamericanas, dos EUA; Damas de Branco, de Cuba; e, por
supuesto, as Mães da Praça de Maio, da Argentina. Mas nossas mater dolorosas da vila não
se veem pontificando o noticiário. Ainda se acostumam a usar a palavra, santo remédio
para afugentar a culpa e o medo. Aprenderam umas expressõezinhas novas com a moça
de Recife, boa de prosa. Soube que lhe deram abraços fortes ao saber que está de partida
– e um “obrigado”, sussurrado no ouvido.
Em tempo. Adriana Matias volta ao Recife para cuidar dos pais idosos. Vai morar no Morro
da Conceição. Reginaldo Veloso, que não é mais padre, se desdobra para recebê-la com
festa de panos e anéis. Ela mal vê a hora de lhe contar o que fez com as palavras que ele,
um dia, lhe deu de presente.
DESPEDIDA DE ADRIANAAMPLIAR
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A assistente social Adriana Matias volta para Recife depois de 23 anos de serviços prestados a
Curitiba. Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo
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