Construção e Validação Virtual de um Vetor de Expressão

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Construção e Validação Virtual de um Vetor de Expressão
II Workshop de Tecn. da Inf. aplicada ao Meio Ambiente – CBComp 2004
Seqüenciamento de DNA
Construção e Validação Virtual de um Vetor de
Expressão Policistrônico
A. L. Rodrigues; A. O. S. Lima
Resumo—Os avanços contemporâneos na área da biotecnologia
possibilitaram a geração de uma grande quantidade de
informações. Devido a necessidade de organizar a imensa
quantidade de dados gerada, surgiu a bioinformática,
possibilitando o estudo e manipulação dos mesmos. Este trabalho
descreve a metodologia computacional utilizada para o
desenvolvimento de um vetor de expressão policistrônico, por
meio dos programas Jellyfish 1.5 (Labvelocity) e Gene Runner
3.05 (Hastings Software). O vetor criado por meio desses
programas, foi posteriormente avaliado in vitro, e comportou-se
como previsto pelos procedimentos de validação computacionais,
sendo capaz expressar duas das enzimas de degradação da
celulose.
Palavras-chave—Vetores de expressão, policistrônico, plasmídio,
primers, bioinformática, clonagem, âmplicon.
C
I. INTRODUÇÃO
OM o desenvolvimento da engenharia genética e da
genômica, uma grande quantidade de dados foram
gerados, surgindo a necessidade da criação de meios que
tornassem possíveis a organização e o estudo dos mesmos.
Surgiu a bioinformática, que caracteriza-se pelo
desenvolvimento de ferramentas computacionais, criadas com
intuito de auxiliar na resolução de problemas das diversas
áreas da biologia [3]. Dentre as aplicações para as ferramentas
de bioinformática, as simulações de reações moleculares são
freqüentemente empregadas durante as etapas do
desenvolvimento das pesquisas; como na área da biologia
molecular; na qual sua utilização minimiza o tempo e a
probabilidade de erro durante a realização de experimentos.
Amplamente utilizada em estudos de genética e biologia
molecular, a molécula de DNA consiste de um polímero
composto por quatro monômeros: adenina, guanina, citosina e
timina; representados pelas letras A, G, C, e T
respectivamente. Assim, pode-se representar esta molécula
por meio de seqüências variáveis dessas quatro letras.
Segundo o dogma central da biologia molecular o DNA
possui a informação para síntese da molécula de RNAm, que
por sua vez codificará uma proteína. Vetores de expressão,
como plasmídios, são moléculas de DNA circulares, que
podem ser utilizadas para fazer com que determinados
organismos tornem-se aptos a expressar proteínas de outros
organismos, como por exemplo, a produção da insulina
humana realizada por bactérias; visando o tratamento de
Apoio financeiro – programa PIBIC, Conselho
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Nacional
pacientes diabéticos. Um vetor de expressão policistrônico é
capaz de codificar a síntese de uma molécula de RNAm, que
possui a informação para a produção de duas ou mais
proteínas; as quais poderão ser geradas ao mesmo tempo. Para
a criação de vetores de expressão, é necessária a realização de
vários passos, nos quais diferentes requisitos devem ser
satisfeitos. Entre eles pode-se destacar: a localização de sítios
de restrição adequados para inserção de fragmentos de DNA
exógeno no vetor e o desenho de iniciadores ou primers
(pequenas moléculas de DNA) necessários à sub-clonagem de
moléculas de DNA. Assim, para se satisfazer todos os
requisitos necessários à criação e validação de vetores, faz-se
necessário o uso de programas computacionais específicos,
que auxiliarão o pesquisador na construção dessas moléculas.
Estes programas devem ser capazes de realizar cálculos para
determinação de propriedades físico-químicas do DNA, e
reconhecer determinados padrões nas seqüências de
nucleotídeos dessa molécula. Este trabalho demonstra a
utilização dos programas Jellyfish 1.5 (Labvelocity) e Gene
Runner 3.05 (Hastings Software), para a construção de um
vetor de expressão policistrônico, e a verificação de sua
funcionalidade in vitro, para a expressão de duas enzimas
necessárias à degradação da celulose.
II. MATERIAIS E MÉTODOS
A. Busca por Sítios de Restrição
O plasmídio pEglA, descrito por Lima et al [1], foi
utilizado para a criação do vetor policistrônico. Este plasmídio
é constituído por uma seqüência de 5068 nucleotídeos. No
interior dessa seqüência nucleotídica, podem ocorrer sítios de
restrição (seqüências de 4-6 pares de bases), os quais são
reconhecidos por enzimas capazes de digerir o DNA em
pontos específicos. Essas enzimas são conhecidas como
enzimas de restrição, e representam uma das principais
ferramentas utilizadas na engenharia genética.
Este plasmídio possui a informação para a síntese de uma
das enzimas que promove a degradação da celulose, a enzima
endoglicanase A (EglA). O amplicon obtido a partir do
plasmídio pBglA [2], foi inserido no plasmídio pEglA. Este
amplicon possui a informação para a síntese de outra enzima
de degradação da celulose, a enzima β-glicosidase A (BglA).
A fim de possibilitar a sub-clonagem direcional do gene
que codifica a enzima BglA no plasmídio pEglA é
de
A. L. Rodrigues e A. O. S. Lima - Centro de Ciências Tecnológicas da
Terra e do Mar, Universidade do Vale do Itajaí, R. Uruguai, 458, Itajaí-SC
88302-202, Brazil. (e-mail: [email protected]).
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fundamental determinar quais enzimas de restrição estão
presentes nestas moléculas. No presente projeto, objetivou-se
a escolha de enzimas que estavam presentes somente no sítio
de restrição múltipla do plasmídio pEglA e que não estavam
contidas no gene que codifica a enzima BglA. A fim de
determinar a existência de sítios de restrição presentes no
plasmídio pEglA e na enzima BglA, suas respectivas
seqüências foram analisadas pelo programa Jellyfish 1.5 [5].
Para tanto, foram realizadas várias etapas descritas a seguir.
Inicialmente, foi selecionada a opção File/New/DNA
Sequence. Neste momento um novo documento com o nome
New DNA Sequence foi criado na janela Project. A seqüência
do plasmídio pEglA foi copiada a partir de um documento de
texto e “colada” na janela Sequence do programa Jellyfish. A
guia Restriction Enzymes foi selecionada, e na caixa Cut with
foi selecionada a opção All enzymes. Também se deixou
destacado o parâmetro Cut at unique sites only. Neste
momento foram mostrados todos os sítios para enzimas de
restrição disponíveis no plasmídio pEglA.
B. Desenho de Primers para Obtenção do Amplicon
Uma vez determinado o par de enzimas de restrição que
poderia ser usado para a sub-clonagem do gene BglA [2], o
próximo passo foi desenhar um par de primers contendo esses
sítios. Cada um desses primers foi desenhado de forma que
possuísse um dos dois sítios de restrição. Além disso, um
deles deveria apresentar homologia em relação ao início do
gene e o outro a parte final do gene que codifica a enzima
BglA. Para tanto, a seqüência nucleotídica do gene BglA foi
analisada por meio do programa Jellyfish 1.5. Após a inclusão
da seqüência do plasmídio pBglA (contendo o gene BglA) no
programa, foi selecionada a guia Manipulate, e então o botão
Find ORFs (Figura 1). Essa ferramenta, encontra as fases de
leitura abertas (ORF – open reading frame), ou seja, a parte
do gene que é codificada em proteína.
Fig. 1. Apresentação do Jellyfish na etapa de busca da ORF.
Seqüenciamento de DNA
As possíveis seqüências de primers foram posteriormente
analisadas no programa Gene Runner 3.05 [6]. Neste
programa foi selecionada a opção Analysis/oligo analysis; que
abriu a janela Oligo Analysis. Na caixa Oligo dessa janela, foi
inserida a seqüência de DNA selecionada para o primer
adiante (Figura 2). Utilizou-se a opção Switch oligos para se
inserir a seqüência de DNA selecionada para o primer reverso.
Foi acionado o botão OK; e o programa Gene Runner
determinou algumas das características físico-químicas dos
primers selecionados, tais como: a melting temperature (Tm),
que deve ficar entre 50-65 ºC e variar o mínimo possível entre
os primers adiante e reverso; a formação de hairpins loops
(que são os anelametos intra-primer) deve ser evitada; a
porcentagem de C-G, que deve ficar entre 50-70 % e evitar o
anelamento primer-primer. Estas características foram
modificadas pela adição ou remoção de nucleotídeos nas
seqüências dos primers.
Fig. 2. Apresentação do GeneRunner 3.05 durante a etapa de análise de
primers.
C. Simulação Virtual da Criação do Vetor Policistrônico
Após a determinação das seqüências dos primers, foi
construído virtualmente (Jellyfish 1.5) o vetor de expressão
policistrônico pEglABglA. Para tanto, à seqüência do gene
BglA foram inseridos os primers adiante e reverso,
respeitando, as regiões de sobreposição. A seqüência de DNA
delimitada por estes dois primers foi copiada e “colada” em
um novo documento. Foi simulada a digestão desse amplicon
com enzimas de restrição (Restriction Enzymes – Jellyfish),
cujos sítios de restrição foram incluídos nos primers, como
descrito anteriormente. O segmento resultante foi denominado
BglA amplicon digerido. Também foi simulada a digestão do
plasmídio pEglA com as enzimas selecionadas. A seqüência
de DNA desse plasmídio, compreendida entre os dois sítios de
restrição das enzimas utilizadas, foi excluída, e neste intervalo
foi inserido o BglA amplicon digerido, criando-se assim o
vetor policistrônico (pEglABglA). Finalmente foi verificada a
presença das ORFs correspondentes as enzimas EglA e BglA,
como mencionado anteriormente.
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D. Teste in vitro do Vetor Policistrônico
Para a sub-clonagem do gene BglA no plasmídio pEglA, foi
realizada a amplificação do gene BglA por meio de uma
reação em cadeia da polimerase (PCR) [4]. O produto da
reação em cadeia da polimerase foi analisado por meio de uma
eletroforese em gel de agarose 1% [4]. O plasmídio pEglA e o
amplicon do gene BglA, foram digeridos separadamente com
as enzimas BamHI (Amersham Biosciences) e PstI
(Fermentas). Após a digestão, o amplicon BglA e o plasmídio
pEglA, foram purificados com o Kit GFX PCR – DNA and
Gel Band Purification (Amersham Biosciences) conforme o
protocolo do fabricante. Para a realização da reação de ligação
foram adicionados em um tubo, na relação 1:4, o plasmídio
pEglA e o amplicon da BglA, respectivamente. A esta mistura
foi adicionada a enzima DNA ligase, capaz de ligar
fragmentos de DNA. Após o período de ligação, o produto
obtido foi inserido em células competentes de Escherichia
coli, por meio de choque térmico com cloreto de cálcio [4].
Posteriormente, as células foram avaliadas quanto a produção
das enzimas BglA e EglA.
III. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Após a verificação da localização de sítios de restrição no
vetor pEglA e no gene da BglA, foram identificadas as
enzimas de restrição capazes de cortar essas duas moléculas
em locais fora dos genes EglA, BglA e AmpR. Como resultado
são apresentados na Figura 3 os sítios presentes no plasmidio
pEglA. A partir desses resultados, foram selecionadas as
enzimas de restrição BamHI e a PstI, que atuam nos sítios de
restrição GGATCC e CTGCAG respectivamente. A escolha
dessas duas enzimas, permitiu a clonagem direcional do
amplicon BglA, no plasmídio pEglA, criando-se assim o vetor
policistrônico pEglABglA. A inclusão dos sítios de restrição
BamHI no primer adiante e PstI no primer reverso, teve como
parâmetro de escolha, o posicionamento desses sítios de
restrição, no plasmídio pEglA, permitindo a replicação do
gene BglA permanecesse sob controle do gene EglA.
Seqüenciamento de DNA
Os referidos primers além de possuírem os sítios de
restrição mencionados, também deveriam ser homólogos ao
gene BglA. Para tanto, a seqüência do gene foi analisada e
constatou-se que esta era composta por 1317 pares de bases.
Para o desenho dos primers, foram selecionadas as regiões
que flanqueavam a ORF do gene BglA. As seqüências
selecionadas para o desenho dos primers foram: 5´
AACATTATCGAATCAAACCAG 3´, para o primer adiante
e 5´ AGAACATTAAGCTCACCTAA 3´ para o primer
reverso. Em seguida, à estas seqüências foram adicionados
sítios de restrição. As seqüências nucleotídicas assim obtidas,
(primer adiante - 5´ AACAGGATCCAATCAAACCAG 3;
primer reverso - 5´ AGAACCTGCAGCTCACCTAA 3´, com
sítios de restrição apresentados em negrito) foram analisadas
no programa Gene Runner 3.05. Como resultado verificou-se
que as características físico-químicas obtidas para o primer
adiante foram Tm de 63,2 ºC; %CG de 42,9 % e a formação
de um hairpin loop de dG 4,3; e para o primer reverso as
características obtidas foram Tm de 61,5 ºC; %CG de 50 %; e
nenhum hairpin loop, satisfazendo assim os requisitos
necessários a funcionalidade dos primers.
Uma vez determinada a seqüência nucleotídica dos primers,
esses foram utilizados na construção in silico do vetor
policistrônico pEglABglA. Para tanto, foi simulado o processo
de amplificação, digestão (com a utilização das enzimas de
restrição BamHI e a PstI) e sub-clonagem. Por fim, no vetor
obtido constatou-se a presença dos genes de interesse e sua
correta orientação. Tais resultados indicaram que a construção
do vetor estava correta, e que produção das enzimas BglA e
EglA seria viável (Figura 4).
Fig.4. Representação do plasmídio policistrônico pEglABglA obtido após
simulação in silico.
Fig. 3. Sítios de restrição reconhecidos pelo programa Jellyfish como
presentes no plasmídio pEglA.
Após o tratamento enzimático (enzimas BamHI e PstI) do
amplicon BglA e do plasmídio pEglA, e sua ligação in vitro;
células competentes de E. coli DH5α foram transformadas
com o vetor obtido. As células obtidas após o procedimento
de transformação foram inoculadas em meio de cultura Luria
Bertani adicionado de X-gal, ampicilina e carboximetilcelulose; e cultivadas por 20 h a 37 ºC. Após o período de
incubação, foram avaliados o desenvolvimento de colônias
com coloração azul. Estas colônias azuis puderam ser
visualizadas devido a ação da enzima BglA sobre o substrato
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cromogênico X-gal (Figura 5A), permitindo seleção de
colônias que expressam o gene BglA, e que são resistentes a
ampicilina devido ao gene para a enzima β-lactamase,
presente no plasmídio pEglA. Em seguida as colônias azuis
foram testadas quanto à ação da enzima EglA (Figura 5B), por
meio da coloração do meio de cultura utilizado, com o
reagente vermelho Congo [1]. Assim foi possível a seleção de
colônias que possuíam os genes BglA e EglA, demonstrando a
funcionalidade do vetor policistrônico desenvolvido.
Seqüenciamento de DNA
bacharel em Ciências Biológicas pela UNESP de Rio ClaroSP. Obteve título de mestre (1997) e doutor (2001) em
agronomia junto ao Departamento de Genética da ESALQUSP, Piracicaba-SP. Concluiu em 2002 o pós-doutorado em
Genética na ESALQ-USP, Piracicaba-SP.
Fig. 5. A – Colônias de Escherichia coli expressando o gene da β-glicosidase
A (BglA), que degrada o substrato X-gal. B- Colônias de Escherichia coli
expressando o gene da endoglicanase A (EglA), que degrada o substrato
carboximetil-celulose.
No presente trabalho o emprego de programas para análise
de seqüências de DNA, tais como o Jellyfish e Gene Runner
permitiram a construção e a simulação in silico da
funcionalidade de um vetor policistrônico (pEglABglA),
capaz de expressar duas celulases. Os resultados apresentados
evidenciam a importância da bioinformática como ferramenta
para a simulação de processos biológicos, tais como a
construção de moléculas de DNA quiméricas [2].
IV. REFERÊNCIAS
[1]
[2]
[3]
[4]
[5]
[6]
[7]
A. O. S. Lima; f. D. Andreote; M. C. Quecin; m. H. P. Fungaro; JR. W.
Maccheroni; J. L. Azevedo. “Molecular Characterization of a
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M. Júnior; W. L. Araújo; M. C. S. Filho; A. A. Pizzirani-Kleiner; J. L.
Azevedo. Molecular Characterization of a novel β-1-4-endoglucanase
from an endophytic Bacillus pumilus strain. Applied Microbiology and
Biotchnology. 2004. (Submetido).
V. BIOGRAFIAS
A. L. Rodrigues é aluno do curso de graduação em Ciências
Biológicas da UNIVALI, Itajaí-SC. É bolsista do CNPq,
Programa PIBIC. A. O. S. Lima é professor junto ao curso de
Ciências Biológicas da UNIVALI, Itajaí-SC. É licenciado e
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