Curso História do Brasil II

Transcrição

Curso História do Brasil II
História do Brasil Império
Aula IX
Objetivo: analisar as forças políticas do Império.
A) Luzias e Saquaremas.
“Nada tão parecido com um saquarema como um luzia no poder” (provérbio
imperial).
As designações “luzias” e “saquaremas” surgiram para identificar as forças políticas
no império, principalmente, no segundo reinado, após a reordenação de forças ocorridas
no período regencial. A denominação luzia surge no cenário dos movimentos liberais de
1842. Idealizado pelos liberais como uma revolução, que reuniria as províncias de Minas
Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, o movimento seria facilmente derrotado. Os liberais
mineiros foram derrotados pelo barão de Caxias, na batalha de Santa Luzia. Daí a
denominação de santa-luzia, ou simplesmente, luzias. Já a denominação saquarema
surge em 1845, quando o subdelegado da vila de Saquarema, no afã de favorecer a
vitória do governo (liberal) nas eleições, expede uma ordem contra todos os que não
obedecessem à lista do governo. Joaquim José Rodrigues Torres e Paulino José Soares
de Sousa, que possuíam interesses no local, livrariam os seus protegidos dos desmandos
do delegado. Deste modo, por saquaremas ficariam conhecidos os protegidos deste
grupo, principalmente, a parte fluminense do partido conservador, liderados por:
Rodrigues Torres (Visconde de Itaboraí), Paulino José Soares de Sousa (Visconde do
Uruguai) e Eusébio de Queiroz; a “Trindade Saquarema”.
Mas do que indicar igualdade de princípios entre as forças políticas, o provérbio
demonstra a submissão dos luzias aos saquaremas, resultado do processo de
estabilização política efetuado sob a égide conservadora.
B) “Um Império e três mundos”.
Apesar da diferença que os separava, luzias e saquaremas, comungavam a mesma
análise do processo de revoltas, que haviam conturbado as duas décadas que se
seguiram a abdicação. Ambos separavam os movimentos feitos pela “flor da sociedade
brasileira”, no Rio Grande do Sul (1835-1845), em São Paulo e Minas gerais (1842) e em
Pernambuco (1848), dos efetuados pela “escória da população”. Partilhavam um
sentimento aristocrata que revelava o caráter essencial da sociedade do período, que a
independência não modificara. Era uma sociedade colonial e escravista, onde, além da
economia, as relações pessoais e raciais possuíam um importante papel. Essa visão de
mundo aristocrática percebia a sociedade imperial divida em três grupos: a “boa
sociedade” (o mundo do governo), a gente miúda (o mundo da desordem) e os escravos
(o mundo do trabalho).
A “boa sociedade” era composta por aqueles que possuíam liberdade e
propriedade, constituindo-se em elementos desprestigiados aqueles que não possuíam
nem uma coisa, nem outra. Estes atributos encontravam-se tão intrinsecamente ligados a
ponto do primeiro depender do segundo. A constituição brasileira de 1824 consagraria
esta relação. Apesar de na constituição em nenhum momento, aparecer citada a palavra
“escravo”, ao consagrar as ideias de liberdade e propriedade como base da cidadania
(artigo 179), esta excluía os cativos, sem a posse de uma ou de outra, de tal classificação.
Excluídos de tais direitos (liberdade e propriedade) os escravos não eram considerados
pessoas, mas sim coisas. Não eram cidadãos.
Tomando-se somente o atributo da propriedade, percebe-se a divisão entre aqueles
que são proprietários somente de suas pessoas, e aqueles que são proprietários de
outros. Entre cidadãos ativos e cidadãos não ativos. Os que possuem e os que não
possuem escravos. Ilmar Rohloff de Mattos sugere que o critério censitário eleitoral, na
constituição de 1824, de renda mínima, seria uma metáfora para esta situação.
Os cidadãos ativos, pertencentes à sociedade política, em contraposição à
sociedade civil, o conjunto dos cidadãos, seriam aqueles destinados ao governo da
sociedade. Isto significaria governar os escravos, vistos neste momento como o “inimigo
inconciliável”, estabelecendo uma relação entre o mundo do governo e o mundo do
trabalho, baseada em um controle que se exercia continuamente.
A “boa sociedade” dividia então o foco de sua atuação entre o governo da casa e o
governo do Estado. Governar a casa consistia no governo da família, tendo em vista o
controle da terra e da escravaria; promover a interiorização das relações de poder
vivenciadas por dominadores e dominados. Deter o monopólio da violência no mundo
privado. Governar o Estado consistia em trazer ordem às relações do mundo do governo
com o mundo do trabalho. Garantir a situação que lhe conferia o status de classe
dominante, jogando com a pressão inglesa pelo fim do tráfico e com os levantes de
escravos.
Sem pertenceram ao mundo do governo, nem ao mundo do trabalho, os homens
livres e pobres, em sua maioria mulatos e negros forros, vagavam desordenadamente
pela terra, aumentando a sensação de insegurança da “boa sociedade”, reforçando o
discurso da ordem. Agregados, vadios, moradores; “a pobreza” era vista pelos membros
da “boa sociedade”, pelo mundo do governo, como a “mais vil canalha aspirante”, que se
aproveitava dos movimentos das elites para colocar ideias de igualdade social.
Produtos do sistema colonial, de base mercantil escravista, esses homens livres e
pobres habitavam entre o mundo do governo e o mundo do trabalho, não possuindo lugar
na sociedade, que lhes negaria a humanidade, atribuindo a eles a barbárie e a
animalidade.
As fronteiras entre os três mundos seriam mantidas, e reforçadas, como elemento
básico de constituição de um projeto de nacionalidade. A ideia de nação dos fundadores
do Império, não era aquela do “conjunto dos indivíduos, livres e iguais”. A nação destes
compreendia a manutenção e a hierarquização dos três mundos. Fundar o império,
consolidar a monarquia e garantir a separação dos mundos foram as etapas do processo,
em que os setores dominantes da sociedade colonial viriam a constituir uma identidade
enquanto classe social. Os elementos constituintes dos mundos do governo, da desordem
e do trabalho, respectivamente, o povo, a plebe e os escravos, comporiam uma sociedade
singular, pois somente ao povo caberia a sua direção.
A consolidação monárquica, garantia da unidade, se apoiava assim na defesa da
permanência dos três mundos. Os fundadores do império brasileiro, no dizer de Ilmar R.
de Mattos, “tinham os olhos na Europa e os pés na América”. “Olhos na Europa” porque
ambicionavam construir uma sociedade “civilizada”, semelhante àquelas, e de serem
reconhecidos como pertencentes ao mundo civilizado. Mantendo, portanto, a relação com
o curso das mudanças ocorridas na Europa, tentando vincular-se a elas, mesmo que
apenas no campo do discurso, e da forma de governo. Os “pés na América” porque
implantavam medidas que visavam manter a divisão entre os mundos, frente às pressões
externas (Inglaterra) e internas (as revoltas populares e de escravos), visto que, sobre
esta divisão estava alicerçada a manutenção da dominação econômica e social.
Fonte bibliográfica:
Ilmar R. de Mattos O Tempo Saquarema.

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