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O REI MALUCO E A RAINHA MAIS AINDA
A história nos leva a um reino para lá de fantástico, onde o Rei é quem
faz pão porque o padeiro prefere pintar quadros, a Rainha é quem dá
aula quando a professora está de folga, uma moça vive debruçada à
beira de um poço procurando encontrar-se lá dentro, uma velhinha
toma conta da Torre do Sono para não deixar ninguém dormir e todos
procuram um estafilágrio, coisa que ninguém sabe o que é.
É para esse lugar que a menina Heloísa viaja, convidada por uma
formiga falante que aparece inesperadamente em seu quarto.
Heloísa estranha muito os costumes do povo, que se veste como
bem entende e diz tudo que lhe dá na telha. As pessoas, por sua
vez, também a consideram muito esquisita e acham que ela sofre
de “dicionário”, mal que acomete quem se prende demais aos
significados mais óbvios das palavras e dos fatos.
Sempre ocupado no desempenho de mil tarefas, o Rei, que não usa
coroa, explica a Heloísa que só será coroado no dia em que provar
que sabe, realmente, prestar serviços ao povo. Mas isso, longe de incomodá-lo, parece deixá-lo muito satisfeito.
Quanto à Rainha, leva para todos os lugares uma enorme bagagem que aparentemente não serve para nada
e, embora tão disposta a servir como o marido, tudo que faz redunda num completo desastre.
Dialogando, e frequentemente discutindo, com os novos conhecidos, Heloísa vai aos poucos descobrindo
faces até então insuspeitadas da realidade, às quais ora resiste, ora se rende. Isso tudo em meio às impagáveis
aparições do Rei Ajuizado e de seu Juiz, que tentam em vão estabelecer a ordem que consideram justa e
chegam a ameaçar com pena de morte quem “procurar coisas que já não tenham sido achadas”.
DUAS LEITURAS POSSÍVEIS
Este livro pode ser lido de duas maneiras. Uma delas, a mais simples, é lê-lo como uma história divertida,
cheia de lances engraçados e absurdos.
A outra é procurar os seus sentidos ocultos, o chamado “segundo discurso”. O professor encontra, a seguir,
um detalhamento de personagens e situações, para auxiliá-lo nessa segunda forma de leitura (que não é
absolutamente obrigatória, pois ler para divertir-se é também uma boa opção).
PERSONAGENS E SITUAÇÕES
Heloísa – É uma menina muito formal e presa a regrinhas, que aos poucos vai descobrindo que a realidade
tem outras faces, além das mais óbvias.
Formiga – A princípio pequenina, aparece à noite no quarto de Heloísa para convidá-la a ir ao Reino do
Rei Maluco. Heloísa irrita-se com a conversa dela, que foge aos lugares-comuns onde se sente à vontade,
mas acaba por aceitar a viagem. A Formiga então cresce e fica do tamanho de Heloísa. A Formiga representa
o anseio pela descoberta, pelo novo.
A Moça do Poço – A Moça do Poço é a alma, debruçada sobre si mesma, procurando conhecer-se. Tudo a
ver com o que Heloísa foi fazer naquele Reino.
A Velhinha da Torre do Sono – O sono de que se trata aqui é o sono existencial,
é o viver como se estivesse adormecido, a fuga, a negação. Heloísa procura a
Torre três vezes. Na primeira, quando está com medo do sucesso (homenagem),
medo esse que acompanha as pessoas muito mais do que se pensa. Depois,
quando ameaçada de cair em depressão (pobre viúva). E da terceira vez, quando
se depara com os seus lados que considera mais feios (hipopótamo). A cada vez
que vai para a Torre, ela quer interromper sua viagem de autoconhecimento,
mas a velhinha não deixa. Ela está lá para isso, para que a vida continue. Tem
mil anos, tem milhões de anos, é a vida que nada detém.
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O REI MALUCO E A RAINHA MAIS AINDA
Povo do Reino – O povo que Heloísa encontra, logo ao chegar ao reino, vestido das maneiras mais
extravagantes e dizendo coisas aparentemente absurdas, representa aquela outra realidade a que
podemos nos entregar quando estamos livres das tarefas práticas e das amarras da lógica. É o que fazem
os poetas, os artistas, os inventores. Por isso, nesse reino é sempre feriado: trabalha-se, mas todo trabalho
ali é feito com alegria.
O Rei Maluco – O rei tem a loucura da extrema bondade, da extrema tolerância, do extremo desejo de
servir. Na vida prática seria impossível alguém viver tudo isso em tais extremos. Mas ele é uma figura
simbólica (como todos nesta história). Representa qualidades indispensáveis para o nosso bom equilíbrio
interno: dádiva e ação (sua bondade é ativa).
A Rainha Mais Ainda – A Rainha, com seus desastres e avoamentos, é um outro lado nosso. Ninguém
progride em linha reta, faz parte do crescimento o errar e o acertar e é talvez por isso que o Rei e o povo
acham perfeito tudo que a Rainha faz. Sabem que sem erros não há avanços.
O Rei Ajuizado – É exatamente aquele lado formal e cheio de regrinhas (que não deixa espaço para o
novo). Ele não suporta que Heloísa se abra para realidades diferentes e quer sempre enquadrá-la. Mas ele
é útil, na medida em que é da tensão entre as forças renovadoras e conservadoras que surge o
crescimento. Quem só quisesse o novo explodiria.
Juiz – É aquele lado nosso que só quer julgar, sem nem ter tentado compreender. Crime para ele é tudo
que não está na moldura do já visto e já conhecido.
Costureiras – Elas nos falam da costura dos fatos psíquicos, que tem de ser feita em silêncio. Só depois é que
o trabalho vem à luz do dia e então podemos ver o que construímos sem saber. É o que acontece a Heloísa.
Ela trabalha pelo seu lado, guiada pela Formiga, e as costureiras trabalham por outro lado, dentro da floresta
do inconsciente. No fim, tudo é trabalho da própria Heloísa, em seu esforço de autoconhecimento. O livro é
sobre isso, sobre alguém que desperta para a necessidade de conhecer-se em nível mais profundo que o
convencional. Tanto pode ser uma criança, como um adulto e até um velho. Todo tempo é tempo.
Princesa – É novamente a alma, trabalhando em seus níveis mais profundos.
O Palhaço – É a agitação, o riso, a frivolidade, tentando encobrir lados mais problemáticos (a viúva, o
hipopótamo).
O plebiscito – Mostra que só a própria pessoa pode resolver mexer-se e sair dos impasses que a vida lhe
apresenta. Por mais que todos votem para escolher se Heloísa deve ou não ir ao baile de camisola,
prevalece a decisão que ela acaba tomando, pois “não existe maior maioria do que a pessoa mesma”.
A camisola – Mostra que só podemos conseguir seja o que for com os recursos que temos (quem só tem
uma camisola ou vai ao baile de camisola mesmo ou não vai a baile nenhum).
O vestido de baile – É o resultado de todo o trabalho feito, às vezes inconscientemente.
Esses são apenas alguns aspectos do texto, que apresenta dezenas de
caminhos possíveis para ser interpretado. Tudo nele é simbólico e o simbólico
é inesgotável.
Mas os aspectos apresentados são um bom ponto de partida para a conversa
com crianças. Sem nada impor, o adulto pode suscitar interessantes trocas de
ideias sobre esses temas e vários outros que o livro apresenta.
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POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS
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Conhecer uma narrativa em que se sucedem fatos aparentemente absurdos, que são entretanto ligados
por um sentido oculto (o chamado “segundo discurso”).
Descobrir que existem diversos modos de narrar uma história, que não são forçosamente os mais
habituais. No caso deste livro, a história é contada quase todo o tempo através de diálogos.
Estimular o leitor a usar suas associações de ideias, seus sentimentos e posições pessoais para interpretar
o texto. Mostrar que essa interpretação nunca será uma conclusão definitiva, mas um caminho possível
entre muitos outros.
Relacionar os usos e costumes vigentes em nosso mundo concreto e atual com os usos desse reino
atemporal, em que responder “de nada” é falta de educação. (p. 21)
Observar como o texto verbal escrito e a ilustração podem dialogar entre si e complementar-se.
“Nisso veio vindo pelo riacho um barquinho embandeirado, com os seguintes dizeres: `Barco para
quem não tem medo de juízes.´” (p. 99)
Estimular o desejo de descoberta e crescimento (metáfora da formiga, companheira e guia de Heloísa),
em contraposição à inércia e ao comodismo do já visto.
“– Você poderia nem ter saído da cama.
– É mesmo. É o que muitas pessoas fazem. Quando suas formigas as convidam, viram para o outro lado
e continuam a dormir.” (p. 19)
Conscientizar sobre a importância e sobre a dificuldade de se alcançar o autoconhecimento (metáfora
do poço): “A moça olhava tão atentamente para dentro do poço que nem levantou os olhos. Heloísa
aproximou-se cheia de curiosidade:
– Que está fazendo aí?
– Estou me procurando. É claro que eu estou dentro desse poço, mas não consigo achar-me.” (p. 37)
ABORDAGENS INTERDISCIPLINARES
LÍNGUA PORTUGUESA
a – Usar a sonoridade das rimas para levar as crianças a brincar com
palavras e ideias, sem se preocupar com o encadeamento lógico.
“– Vento do sul, grito no azul – exclamou a mocinha vestida de
bailarina.
– As neves breves – respondeu a velha do aquário, olhando por
cima dos óculos.
– Breves e leves – concordou um senhor gordo, de patins.
– Leves e flocos – acrescentou a bailarina.
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– Flocos ou blocos? – perguntou um homem de avental branco, todo salpicado de tinta.” (p. 13/14)
As crianças gostam de rimas e podem inventar, em grupo, vários jogos verbais como esse.
b – Brincar com palavras e seus antônimos: “Você nunca me atrasa. Você só me adianta.” (p. 73)
Procurar outros antônimos com as crianças, não necessariamente no livro.
c – Observar como, pelo sentido da frase, é possível descobrir o significado de palavras de uso pouco
comum, como “farnel” e “lacaios” (p. 26); “toga” (p. 57); “cordato” (p. 58), “esperançar-se.” (p. 85)
Ajudar a criança a perceber que é lendo bastante que se enriquece o vocabulário sem nem sentir.
d – Mostrar como, no processo de criação, pode-se inventar palavras novas (licença poética).
“– Folgo em vê-la abraçada com esse hipopótamo – disse a moça, com gentileza.
– É, mas ainda não posso pensar muito que ele é um hipopótamo, porque me desabraço e começo a
berrar – confessou Heloísa.” (p. 121)
e – O livro tem várias referências, explícitas ou implícitas, a outros textos da literatura universal. Procurar
com as crianças essas referências em:
e1 – A bela adormecida
“– Que bonito trabalho! O que é isso, que a senhora está fiando?
Mas a velhinha era muito esperta. Apontou para uma vassoura que estava atrás da porta e avisou:
– Se tentar dormir, leva uma vassourada!” (p. 45)
e2 – Alice no país das maravilhas
“– O seu também seria confuso se você tivesse que viver olhando para dentro de um poço,
vendo sair tudo, menos você mesma”. (p. 63)
e3 – Pinóquio (a terra onde era sempre feriado) e outros que ocorram.
ARTE
• Mostrar como a ilustração pode compor, ampliar e complementar o texto.
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TEMAS DE CIDADANIA
ÉTICA NO PODER
• Embora o livro trate de um reino mítico, a figura do Rei pode, em várias ocasiões, servir como exemplo
de ética no poder.
“O Rei, com a maior boa vontade, procurou esclarecer Heloísa sobre os costumes do país:
– Já reparou que eu não tenho coroa? Pois é. Só serei coroado no dia em que todos neste reino se
convencerem de que sei mesmo prestar serviços. Isso pode ser daqui a uma semana, ou daqui a vinte
anos.” (p. 20)
• Procurar, com as crianças, outras situações em que o Rei se mostra ético, magnânimo, e mais
preocupado com o bem comum do que consigo mesmo.
IMPORTÂNCIA DO DIÁLOGO
• Mostrar como o diálogo, longe de servir apenas para a troca superficial de
informações, pode levar ao enriquecimento pessoal. É o que acontece com
Heloísa ao longo da história. Discordando, concordando, perguntando,
respondendo, tirando conclusões, mas dialogando sempre com os outros,
é que ela vai se descobrindo.
• Propor o tema: – Pode haver convívio sem verdadeiro diálogo?
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