Ações do Império no Velho Chico: A Fundação
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Ações do Império no Velho Chico: A Fundação
Ações do Império no Velho Chico.... Luna Ações do Império no Velho Chico: A Fundação de Petrolina, a Navegação no Rio São Francisco e o Projeto de Transposição de José Bonifácio Jairo Nogueira Luna (Jayro Luna) - UPE 1 1. Introdução Nesses anos de início do século XXI, já em sua segunda década, a questão da transposição da águas do Rio São Francisco tem levantado questionamentos dos mais exaltados, notadamente daqueles que se posicionam contra, em razão de argumentos ecológicos e relativos ao Meio-Ambiente. Não resta dúvida que a questão ambiental é daquelas de maior importância na conjuntura sócio-cultural e econômica, como também, se baliza em ações no âmbito político. Neste breve escrito, buscaremos demonstrar as ações do século XIX na época imperial que trataram do Rio São Francisco, como as expedições de Liais e Halfeld, expedições que tinham caráter cartográfico e exploratório à luz dos conhecimentos científicos da época, neste sentido eram expedições originais, haja vista que as anteriores tinham um caráter de desbravamento, de domínio sob populações indígenas, incluindo-se aí a ação jesuítica e de localização de jazidas minerais ou então eram expedições com objetivos mais gerais, de conhecimento cartográfico, etnográfico e geológico do interior do Brasil, não especificamente acerca do Rio São Francisco, como foram as expedições de Auguste Saint-Hilaire, Hartt Mawe, Martius e Spix. As nascentes do rio São Francisco já eram conhecidas, com destaque para a expedição de Auguste de Sain-Hilaire em 1819-1820, mas não foi seu propósito seguir pelo rio São Francisco sertão adentro, mas sim, ir na direção da região de Goiás, o que efetivamente fez. 1 Prof. Dr, Jairo Nogueira Luna, prof. Adjunto da UPE – campus Garanhuns. DIÁLOGOS – Revista de Estudos Culturais e da Contemporaneidade – N.° 8 – Fev./Mar. - 2013 208 Ações do Império no Velho Chico.... Luna Uma ação que naquela época teve menor impacto, mas que resultou nos dias de hoje na constituição da maior cidade às margens do São Francisco é a fundação de Petrolina, e aqui discutiremos as versões para sua fundação, destacando a ação do império neste episódio. Por fim, trataremos do projeto de transposição do Rio São Francisco idealizado por José Bonifácio de Andrada e Silva, em 1823. Visionário, mas que serviu, em certo sentido, de motivação para o imperador Dom Pedro II patrocinar a expedição de Halfeld e analisar as condições de sua navegabilidade e sua função como rio da “integração nacional”, título que ainda hoje carrega. 2. As Expedições de Liais e Halfeld. Emmanuel Liais, eminente astrônomo, matemático e botânico francês, veio ao Brasil em 1858 para fazer observações de um eclipse solar, permanecendo no país por vinte e anos fazendo serviços a pedido do Imperador D. Pedro II. Em 1865 publicou um livro intitulado Hydrographie du haut San-Francisco et du rio das Velhas, resultado de uma expedição realizada por ele em 1862. O objetivo da expedição na região do Alto São Francisco era definir quais as condições de navegabilidade tanto no rio São Francisco quanto no seu principal afluente, o Rio das Velhas. Liais não se preocupou em fazer o estudo do médio e baixo São Francisco, uma vez que este estudo já fora feito por Halfeld poucos anos antes. Liais concluiu que a navegabilidade do rio das Velhas era melhor do que a do Alto São Francisco, tanto pela profundidade do rio, quanto pelo volume médio de águas. Liais defendeu que o Rio das Velhas deveria receber em primeiro lugar as obras de melhoramento da navegabilidade. No plano de navegabilidade de Liais, o rio São Francisco deveria receber obras posteriores às desenvolvidas no rio das Velhas, mas aconselhava à construção de uma DIÁLOGOS – Revista de Estudos Culturais e da Contemporaneidade – N.° 8 – Fev./Mar. - 2013 209 Ações do Império no Velho Chico.... Luna estrada no baixo São Francisco até a cachoeira de Paulo Afonso, de modo a vencer a grande cachoeira. No entender de Liais se formaria um trecho navegável do Rio das Velhas até a Paulo Afonso com mais de 600 léguas 2 ou aproximadamente 2.800 km. Apontava, ainda, Liais sua preferência pelas obras de navegabilidade no rio das Velhas precedendo às do Alto São Francisco que a bacia do rio das Velhas passava por uma região mais densamente povoada, destacando-se cidades como Ouro Preto e Sabará. Posteriormente ao estudo de Liais, houve o estudo de Albuquerque Lima no período de 1881-1882 que confirmou a exatidão do trabalho de Liais. Só em 1888, vinte e seis anos a expedição de Liais é que as obras efetivamente começaram, concluídas parcialmente no final do império, em 1889. O engenheiro alemão Henrique Guilherme Halfeld chegou ao Brasil em 1825, fazendo parte do chamado Corpo de Estrangeiros, formado por Dom Pedro I para realizar uma série de trabalhos científicos, técnicos e artísticos no Brasil. Já no Segundo Império, Em 1852 foi encarregado de realizar o balizamento do rio São Francisco, tendo percorrido e explorado o rio com seus afluentes desde Pirapora até ao Oceano Atlântico em um total de mais de 2 mil km, resultando em um O extraordinário relatório consultado até os dias atuais 3 . relatório de Halfeld apresenta um minucioso estudo das povoações, das atividades econômicas, das condições de 2 A légua imperial, utilizada oficialmente no Brasil durante o império equivalia a 4.820 metros. Uma medida menor do que a légua terrestre antiga que era de 6.000 metros. 3 Exemplares raros deste relatório podem ser encontrados em alfarrábios e antiquários, em geral, por um preço exorbitante. Em 2009 encontrei um exemplar num famoso “sebo” de São Paulo, que o exibia à porta, como uma de suas principais raridades, fixando o preço de R$ 2.500 pelo volume. Um famoso alfarrábio londrino (Bernard Quaritch Ltd, que se orgulha de estar no ramo desde 1847) pede 16 mil libras pelo volume, ou cerca de 28.500 dólares, algo em torno de 55 mil reais. DIÁLOGOS – Revista de Estudos Culturais e da Contemporaneidade – N.° 8 – Fev./Mar. - 2013 210 Ações do Império no Velho Chico.... Luna navegabilidade e da cartografia do rio São Francisco. Halfeld considerou o rio plenamente navegável, necessitando poucos gastos para ajustes o trecho que vai de Pirapora até Juazeiro, o que chamou de “rio limpo”. Porém, o trecho que vai de Pão de Açúcar (AL) até Juazeiro considerou que era um trecho de muitas cachoeiras (entre elas, destacava-se a de Paulo Afonso) como de difícil solução para a navegação, apontando como solução de engenharia a construção de um canal paralelo ao rio. Porém, o elevado custo do canal já fora inclusive apontado pelo próprio Halfeld em seu relatório. Em 1859, o imperador D. Pedro II fez uma viagem da foz do São Francisco até a Cachoeira de Paulo Afonso, pernoitando em Pão de Açúcar. D. Pedro II narra em seu diário de viagem como foi sua estadia: "A vista do Pão de Açúcar é bonita.(...) Cheguei por volta das 8 ao Pão de Açúcar. Receberam-me com muito entusiasmo e um anjinho entregou-me a chave da vila. Defronte desta povoação há uma grande coroa de areia, que me cansou atravessar e com a luz dos foguetes, que não têm faltado por todo o rio(…) acordei antes das 5, e pouco depois das 6 fui dar um passeio pela vila. A matriz é pequena, mas decente, só tem inteiramente pronta a capela-mor, o resto achase coberto. Há uma bela rua direita longa e muito larga, e outra perpendicular também direita, porém menos longa e larga. Só vi uma casa de sobrado, a da Câmara, onde me hospedei." 4 Na visão política do Império a região do Rio São Francisco estava estrategicamente colocada como o caminho natural para a integração de um império tão grande e ao mesmo tempo tão vazio. O rio São Francisco no seu sentido sul-norte, partindo da região das Gerais, para o qual já existiam estradas 4 Recentemente, completanto 150 anos da viagem do Imperador, foi instituída a rota turística denominada “Viagem do Imperador” onde turista pode refazer o percurso, passando pelos famosos cânions do Rio São Francisco, por Xingó e Piranhas. DIÁLOGOS – Revista de Estudos Culturais e da Contemporaneidade – N.° 8 – Fev./Mar. - 2013 211 Ações do Império no Velho Chico.... Luna até o Rio de Janeiro, desde o século anterior (XVIII) devido ao escoamento da mineração, e este rio seguindo pelo sertão da Bahia e depois num sentido Oeste-Leste até o Oceano Atlântico, relativamente próximo a Recife, era uma estrada natural para um projeto de integração nacional e desenvolvimento do interior do Brasil. As obras realizadas no Rio das Velhas, já no ocaso do Império apontavam a direção da política do Império referente à concretização deste projeto. 3. O Rio da Integração Nacional e o Plano de José Bonifácio. No início do século XIX, José Hipólito da Costa e lodo depois José Bonifácio defenderam a mudança da capital para o interior do Brasil, com preferência para a região das nascentes do Rio São Francisco ou suas vertentes. O argumento de ambos centrava-se no fato de dizer que a capital do Brasil não podia ficar no Litoral, região sujeita ao ataque fácil dos navios de outras nações. Mas ao lado dessa preocupação de estratégia militar, é bom lembrarmos que tanto José Hipólito da Costa quanto José Bonifácio eram maçons. Tomados pela simbologia e pela ritualística maçônica, o conceito de centro era fundamental para a concepção de espaço. No centro da Estrela Flamejante – símbolo maçom que é uma estrela de cinco pontas, pentagramática – está colocado um “G”, letra significativa no simbolismo maçônico. Outro símbolo maçônico é o “Selo de Salomão Centrado”, formado por um hexagrama (estrela de seis pontas, resultado da intersecção de dois triângulos) com um ponto no centro. Outro elementos simbólico interessante é a noção de movimento sinistrocêntrico (movimento circular no sentido anti-horário) e o movimento dextrocêntrico (movimento circular no sentido horário). Para a ritualística maçônica considera-se importante o movimento sinistrocêntrico: DIÁLOGOS – Revista de Estudos Culturais e da Contemporaneidade – N.° 8 – Fev./Mar. - 2013 212 Ações do Império no Velho Chico.... Luna “A giração real do sistema solar é sinistrocêntrica. Por conseqüência, como a Loja representa o Universo e os Oficiais, os planetas, parece lógico fazer com que estes circulem no sentido real. Mas, nesse caso, entramos em choque com a tradição, que considera todo movimento sinistrocêntrico maléfico.” (BOCUHER, p. 128) José Hipólito da Costa num artigo publicado no Jornal do Brasil, em março de 1813, intitulado Planos de Colonização e Catequese e Dificuldades do Rio Como Capital escreve: “(...) um país do interior, central e imediato às cabeceiras dos grandes rios; edificariam ali uma nova cidade, começariam por abrir estradas que se dirigissem a todos os portos do mar e removeriam os obstáculos naturais que tem os diferentes rios navegáveis (...). Este ponto central se acha nas cabeceiras do famoso rio de São Francisco. Em suas vizinhanças estão vertentes de caudalosos rios, que se dirigem ao norte, ao sul, ao nordeste e ao sueste (...).” Em julho de 1816, José Hipólito da Costa retoma o tema em um artigo no Correio Braziliense. Num texto intitulado População. Nova Capital do Brasil (Nova capital, novas estrada e medidas para a criação de povoados) escreve: “É ordinariamente junto aos rios aonde se acham as melhores situações para edificar povoações; e um destacamento de tropas, junto com os trabalhadores na estrada; e as pequenas datas de terras aos que as quiserem cultivar, formarão em breve outras tantas DIÁLOGOS – Revista de Estudos Culturais e da Contemporaneidade – N.° 8 – Fev./Mar. - 2013 213 Ações do Império no Velho Chico.... Luna aldeias nos lugares em que se empreenderem tais obras.” No mês seguinte, em agosto daquele ano, no artigo Programa Para o Desenvolvimento do Brasil se lê: “O distrito das Minas é como uma espécie de reservatório; aonde nascem rios que se dirigem para todos os pontos da costa do Brasil; e além das campinas do rio Doce se encontram braços do rio de S. Francisco; aonde há situações as mais belas para se edificar a capital do Brasil; porque dali se pode abrir com facilidade a navegação interior para todos os pontos das costas; e estradas diretas, para todas as cidades das províncias, com iguais distâncias de uma extremidade à outra do Brasil.” Assim, para Hipólito da Costa era urgente que o Brasil construísse uma capital no interior para facilitar o povoamento das terras, além das necessidades estratégicas de defesa. Neste mesmo artigo, o autor toma como exemplo de progresso americano os Estados Unidos, que desde a independência tem seguido no sentido da interiorização construindo cidades e estradas. Em 1821, José Bonifácio já defendia a necessidade da implantação de uma nova capital no interior do Brasil, e como José Hipólito, entendia que esta deveria ficar junto a um importante rio, no caso o São Francisco. Em 1822, em publicação anônima da Tipografia Rolandiana, atribuída a José Bonifácio, se lê uma explicação acerca da necessidade de construção da nova capital no interior do Brasil, chegando a sugerir o nome de Brasília. Neste texto se lê: DIÁLOGOS – Revista de Estudos Culturais e da Contemporaneidade – N.° 8 – Fev./Mar. - 2013 214 Ações do Império no Velho Chico.... Luna “A necessidade e a prudência obrigam a adotar-se este artigo. A necessidade, porque o Brasil somente poderá ser grande império reunido, e povoado; e eis o que se consegue com a nova capital. Ela fica 100 léguas com pouca diferença ao norte, e sul, e quase outras tantas a leste, e ao oeste 100; ficam por tanto suas relações com as províncias mais apertadas; comunicável ao Pará, Maranhão, Rio Grande, e S. Paulo, e mais províncias, que para o futuro se criarem pelos grandes rios Paraguay, e Amazonas; à Bahia pelo rio de S. Francisco, etc. A povoação se concentra no lugar mais fértil do Reino, entretanto que a Costa será sempre habitada pelos atrativos do comercio; a capital fica no abrigo de toda a invasão, em estado de defender e mesmo expulsar o inimigo, quando se tenha apoderado de alguma cidade marítima; ao alcance de rechaçar as pretensões dos vizinhos; o que jamais será possível estando a Capital em outro qualquer ponto; e em quanto as circunstâncias não permitirem outras medidas, uma só universidade nos seus arredores bastará a todas as Províncias. A prudência: porque este é o único meio de evitar as rivalidades que se descobrem entre as Províncias.” Em 1823, na sessão de 9 de junho da Assembléia Constituinte, o deputado França lê um texto de José Bonifácio que solicita o projeto de criação da nova capital do Brasil, logo ao início retoma a denominação da nova capital: “Parece muito útil, até necessário, que se edifique uma nova capital do Império no interior do Brasil para assento da corte, da assembléia legislativa e dos tribunais superiores, que a Constituição determinar. Esta capital poderá chamar-se Petrópole ou Brasília.” DIÁLOGOS – Revista de Estudos Culturais e da Contemporaneidade – N.° 8 – Fev./Mar. - 2013 215 Ações do Império no Velho Chico.... Luna Mais adiante no texto começa o questionamento sobre o local mais adequado para construção da nova capital e define assim o melhor sítio: “Os sítios que me parecem mais apropriados são: 1º, as vizinhanças da confluência do rio das Velhas com o de S. Francisco; 2º, as vizinhanças em que o rio Preto se reúne ao de Paracatu; 3º, finalmente, um local qualquer da península que formam os rios de S. Francisco, do Ouro e de Paracatu.” Desse modo, o Rio São Francisco se configurava, tanto para José Hipólito da Costa, quanto para José Bonifácio o local ideal para a construção da nova capital, tinham em mente a facilidade de navegação no sentido norte-sul, a interiorização e a possibilidade de construção de estradas ligando ao Rio de Janeiro, além de defenderem também a construção de portos no Espírito Santo e na região da foz do Rio São Francisco. Existe um mapa desenhado por José Bonifácio em que este faz um levantamento dos afluentes do Rio São Francisco e DIÁLOGOS – Revista de Estudos Culturais e da Contemporaneidade – N.° 8 – Fev./Mar. - 2013 216 Ações do Império no Velho Chico.... Luna planeja a localização da nova capital, pode-se perceber a um canto do mapa um desenho de um círculo dividido em fatias, simulando uma rosa dos ventos em que se pode ler “Capitania do Rio São Francisco”, “Capitania da Bahia”, entre outras coisas. O círculo sugere uma idéia de centralização, ou seja, que a partir de uma capital no interior as distâncias enormes entre a atual capital e as grandes províncias do norte e as províncias do Sul seriam equilibradas e relativizadas. Os planos destes dois homens só não foram adiante porque em 1823 Dom Pedro I dissolve a assembléia constituinte, num golpe. Constava, pois, no projeto da constituição, o predomínio do poder legislativo sobre o executivo, o que contrariou profundamente D. Pedro I, já que tinha ideais absolutistas e centralizadores. Por conta deste fato, ainda no mesmo ano, em 12 de novembro, o imperador, usando forças militares, cercou e dissolveu a Assembléia Constituinte pois não aceitou ter seus poderes limitados. Este episódio ficou conhecido como a “Noite da Agonia”. Aqueles que reagiram ao golpe do imperador foram presos e expulsos do país, entre os quais, José Bonifácio que se exilou na Europa. Gabriel Pereira de Oliveira em interessante artigo acerca das origens do projeto de transposição do Rio São Francisco, escreve: “Em 1847, o deputado provincial pelo Crato, ‘o Dr. Marcos Antonio de Macedo, que foi o explorador competente que nos deu atestados de suas indagações [...] assegurou, conforme um mappa que levantou e impremio, a praticabilidade do canal’ 5 , antes apenas 5 JAGUARIBE, Domingos. Contribuição para a canalisação do Rio São Francisco ao Rio Jaguaribe. Acompanhado do mapa dos estudos feitos pelo Dr. Tristão F. de Alencar Lima. Bruxelas: Imp. Gustave Fischlin, 1894. p. 10. DIÁLOGOS – Revista de Estudos Culturais e da Contemporaneidade – N.° 8 – Fev./Mar. - 2013 217 Ações do Império no Velho Chico.... Luna idealizado, entre o São Francisco e o Jaguaribe, o qual se desejava tornar perene. Embora essa proposta já fosse fala da bem antes, ainda no século XVIII, não havia ainda estudos técnicos sobre sua execução, sendo esse um momento importante.” 6 4. Um Adendo: O Nome da Cidade de Petrolina. A cidade de Petrolina é hoje a maior cidade às margens do Rio São Francisco, situada num sítio que marca a mudança de rota do Rio São Francisco, deixando a linha norte-sul e se configurando na linha oeste-leste, no sentido do Atlântico. Surgida a partir das atividades missionárias de um capuchinho italiano chamado Henrique, a pedido do vigário de Boa Vista, padre Manoel Joaquim da Silva, lança a idéia de construção de uma capela e a começa em 1858 sob a denominação de capela de Nossa Senhora Rainha dos Anjos, terminada em 1860, quando recebe a imagem da padroeira, vinda de Boa Vista. O nome Petrolina tem sido tratado sob controvérsia. Diferentes explicações tem sido dadas para a origem do nome, entre as quais, destacamos: 1) O escritor Santana Padilha deixou escrito em seu livro Pedro e Lina 7 que o nome da cidade se daria pelo fato de os dois primeiros moradores se chamarem Pedro e Lina e na ocasião do seu casamento o Frei Henrique, de sotaque italiano, ao pronunciar seus nomes fez-se ouvir Petrolina. O mesmo autor 6 OLIVERIA, Gabriel Pereira. Um Império íntegro e moderno: propostas de canalização do rio São Francisco entre 1847 e 1877. Artigo apresentado na ANPUH-CE, 2012. Disponível em: http://www.ce.anpuh.org/1342404043_ARQUIVO_artigo_AnpuhCE.pdf 7 PADILHA, Antônio Santana. Pedro e Lina. Romance, editora Pernambuco, 242 páginas, 1980. DIÁLOGOS – Revista de Estudos Culturais e da Contemporaneidade – N.° 8 – Fev./Mar. - 2013 218 Ações do Império no Velho Chico.... Luna em Petrolina: No Tempo, No Espaço e Na Vez comenta no levantamento da história da cidade que um morador se instalara na rota da cidade de Juazeiro e auxiliava os viajantes no trajeto de passagem do rio, “Sabe-se que esse morador tinha o nome de Pedro e que o lugar era conhecido como ‘Passagem’.” 8 2) Outra história menciona a existência de uma pedra linda que havia na margem do rio, pedreira da qual foi retirada matériaprima para a construção de um dos maiores monumentos históricos da cidade, a Igreja Catedral. A tal “pedra linda” deu origem ao nome. 3) Seu nome foi em homenagem ao então Imperador Dom Pedro II e sua esposa Dona Leolpodina. Originariamente era denominada "Passagem de Juazeiro", face a localização da vizinha cidade de Juazeiro, na margem oposta do Rio São Francisco no Estado da Bahia, sendo ponto de apoio do desenvolvimento da zona sertaneja do Estado, com vias de acesso para os Estados do Piauí, Ceará, Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Entre as três versões a mais crível, mas nem por isso se garante a verdadeira é a terceira, sendo a versão que acreditamos ser a correta. Quanto à primeira versão aqui apresentada não nos parece razoável supor que o engano do frei ao celebrar o casamento de Pedro e Lina – personagens a rigor lendárias, pois não existe comprovação histórica e documental das mesmas – tenha dito Petro e Lina e que isto tenha servido de motivo à denominação da cidade. Esta seria a única explicação para que Pedro se transformasse em Petro, uma vez que se fosse uma origem popular, não se justificaria a latinização. Além de uma inconsistência nas datas, uma vez que o próprio Santana Padilha considera que este Pedro já há 8 PADILHA, Antônio Santana. Petrolina: No Espaço, No Tempo, Na Vez. Recife, Centro de Estudos de História Municipal FIAM, 1982. p. 21. DIÁLOGOS – Revista de Estudos Culturais e da Contemporaneidade – N.° 8 – Fev./Mar. - 2013 219 Ações do Império no Velho Chico.... Luna muito trabalhava ali em 1799, tendo sido a primeira capela edificada não por Frei Henrique, mas por Frei Ângelo só em 1817, com a ajuda do morador local chamado Inácio Rodrigues de Santana. O dito Frei Henrique só após 1841 é que vai aparecer em cena. Quanto à segunda versão, a tal pedra linda ainda hoje tem localização inexata, havendo mesmo argumentos geológicos para se duvidar da sua existência e de que tenha servido de material de base para a construção da capela. É mais provável, dada as condições de construção de capelas na época que se tenha utilizado diferentes pedras disponíveis no sítio mais próximo. A terceira versão é a mais razoável, uma vez que o imperador fizera uma viagem no Rio São Francisco em 1859 da foz até Pão de Açúcar e esta viagem ficara como um grande acontecimento que logo entrou no imaginário popular. Flávio Guerra destaca a importância desta viagem para a política de desenvolvimento do local: “Tomou alguma providências, empíricas é verdade, mas válidas para o tempo, como recomendações para o desenvolvimento da navegação fluvial, a abertura de uma estrada de ferro dentro da região, e determinando o levantamento geográfico da imensa área e seu rio, com a feitura igualmente de um minucioso Atlas, trabalhos esses entregues, como já dissemos antes, ao engenheiro dinamarquês Henrique Guilherme Fernando Halfeld.” A expedição de Halfeld foi em 1854 e foi a mais completa viagem exploratória e cartográfica do Rio São Francisco até então. Em 1868, o engenheiro Carlos Krauss fez um estudo do Rio São Francisco do porto de Piranhas-AL até a cachoeira de Sobradinho. Como observa Fernando da Matta Machado “O governo imperial considerava de alto interesse DIÁLOGOS – Revista de Estudos Culturais e da Contemporaneidade – N.° 8 – Fev./Mar. - 2013 220 Ações do Império no Velho Chico.... Luna colocar a produção agrícola das terras adjacentes ao rio disponível ao comércio nacional e internacional.” (MACHADO, p. 57). Uma análise de lingüística histórica do nome Petrolina corrobora esta terceira versão. Primeiramente vejamos a origem do município de Petrolândia, também margeando o Rio São Francisco. Em 1877, a região recebeu a visita do Imperador D. Pedro II, que ordenou a construção de um cais e de uma ferrovia que ligava economicamente o alto e o baixo São Francisco. Em 1887, a sede do município de Tacaratu é transferida para o povoado de Jatobá que, mais tarde, seria elevada à categoria de cidade em 1º de julho de 1909. O município recebeu a atual denominação em homenagem ao Imperador D. Pedro II. Nesta viagem de 1877, o imperador Dom Pedro fez amplo uso da fotografia 9 . Petrópolis, a capital de verão do império, foi fundada em 1847. Durante 40 anos Petrópolis ficou sendo por cerca de cinco meses de cada ano a capital do império. Logo, próximo, fundou-se Teresópolis em 1891 – já na República, originada de um povoado que já existia por ali desde 1855, denominação dada em homenagem à rainha, esposa de Dom Pedro II, Dona Teresa Cristina. Lembremos que uma das sugestões de nome dada por José Hipólito da Costa e posteriormente por José Bonifácio para uma nova capital do Brasil, no interior, era além de Brasília, o nome de Petrópole. Evidentemente, como o projeto não vingou, o nome se tornou o da capital de verão do segundo império. 9 Dom Pedro II tornou-se o primeiro brasileiro fotógrafo quando adquiriu uma câmera de daguerreótipo em março de 1840. Criou um laboratório fotográfico em São Cristóvão e outro de química e física. Ele também construiu um observatório astronômico no paço. DIÁLOGOS – Revista de Estudos Culturais e da Contemporaneidade – N.° 8 – Fev./Mar. - 2013 221 Ações do Império no Velho Chico.... Luna O nome Petrópolis, sem maiores conhecimentos de latim, se pode dizer que é “cidade de Pedro”, quanto a Petrolândia, facilmente se traduz por “terra de Pedro”, quanto a Petrolina parece derivar de Petro + línea, ou “linha de Pedro”, ou seja, a cidade ficava na “linha do rio são Francisco”, fazendo parte, pois, de importante ponto no projeto de navegabilidade comercial do rio. O advento da República evidentemente, aos olhos modernos, foi um avanço em termos de regime político para o Brasil, porém, nossa capenga república, apesar das virtudes do regime, abandonou projetos imperiais por considerá-los inadequados ou por que eles pudessem ainda repercutir a lembrança do imperador que era muito admirado pelo povo. Assim, o Rio São Francisco só galgará nova importância política nos planos governamentais depois de 1950, assim como a idéia de construção de uma nova capital no interior do Brasil. REFERÊNCIAS BOUCHER, Jules. A Simbólica Maçônica. São Paulo, Pensamento, 1989. DOLHINIKOFF, Miriam(org.). José Bonifácio de Andrada e Silva: Projetos Para o Brasil. São Paulo, Cia. das Letras, 1998. GUERRA, Flávio. Os Caminhos do São Francisco. Recife, Secretaria de Estado de Educação e Cultura, 1974. MACHADO, Fernando da Matta. Navegação do Rio São Francisco. Rio de Janeiro, Topbooks, 2002. OLIVERIA, Gabriel Pereira. Um Império íntegro e moderno: propostas de canalização do rio São Francisco entre 1847 e 1877. Artigo apresentado na ANPUH-CE, 2012. Disponível em: http://www.ce.anpuh.org/1342404043_ARQUIVO_artigo_Anp uhCE.pdf DIÁLOGOS – Revista de Estudos Culturais e da Contemporaneidade – N.° 8 – Fev./Mar. - 2013 222 Ações do Império no Velho Chico.... Luna PADILHA, Antônio de Santana. Petrolina: No Tempo, No Espaço, Na Vez. Recife, Centro de Estudos de História Municipal / FIAM, 1982. DIÁLOGOS – Revista de Estudos Culturais e da Contemporaneidade – N.° 8 – Fev./Mar. - 2013 223