Untitled - Tradição Planalto Editora
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Sumário NÚMERO 02 - ANO 01 - DEZEMBRO 2015 ENTREVISTA 04 CULTUR A - TEATRO Mia Couto: Narrar o lado menos bonito e que muitas vezes não é falado também é parte do ofício do escritor CANJERÊ 08 21 Madame Satã: A História de um Brasileiro por Muitos Outros NOTÍCIAS Casarão das Artes: Dois Anos de AfroCultura 22 GENTE DO CANJERÊ ENSAIO 10 24 Cida Santos e Nêga Badu: A Beleza da Mulher Refletida nos Acessórios OLHAR SOCIAL ÁFRICA 12 26 Centro de Educação e Cultura Flor do Cascalho: Cultura afro-brasileira como estratégia de educação e inserção social • Pelé do Volei • Exposição Gullah, Bahia, África • Notícias de Moçambique Literatura Negra ou Afro-Brasileira? TIC´s: Da Compensação dos Longos Anos de Marginalização MATÉRIA DE CAPA CULTUR A - DANÇA 14 28 FAN: O Festival de Arte Negra de Belo Horizonte em tempos de ataques à humanidade NEGÓCIOS 18 Companhia de Dança Bataka CULTUR A - LITER ATUR A Projeto Capacita Empreendedores Afro-brasileiros 31 Poemas Edimilson Pereira Ano 01 - Edição 02 Dezembro de 2015 ISSN 2447-1143 - PUBLICAÇÃO ONLINE Valorização e promoção da cultura africana e afro-brasileira Expediente A REVISTA CANJERÊ É UMA PUBLICAÇÃO TRIMESTRAL DO INSTITUTO CULTURAL CASARÃO DAS ARTES E TRADIÇÃO PLANALTO PRODUÇÕES VISUAIS E EDITORIAIS LTDA. FOTO DA CAPA Foto: Ricardo S. G. Modelos: Rosália Diogo, Denilson Torinho e Ibrahima Gaye INSTITUTO CULTURAL CASARÃO DAS ARTES Marcial Ávila PRESIDENTE Rosália Diogo PRESIDENTA DE HONRA Virgínia Marques VICE-PRESIDENTA EDITORIAL Ricardo S. Gonçalves EDITOR EXECUTIVO Sandrinha Flávia EDITORA Leonardo Oliveira DIAGRAMAÇÃO Maria Luiza Viana ILUSTRAÇÃO Rodrigo Marçal Santos Paulo Roberto Antunes REVISÃO COMERCIAL Tradição Planalto (31) 3226-2829 MATÉRIA DE CAPA PUBLICIDADE Leônidas Oliveira CONSELHO EDITORIAL FAN: O Festival de Arte Negra de Belo Horizonte em tempos de ataques à humanidade Carlos Serra UNIVERSIDADE EDUARDO MONDLANE - MOÇAMBIQUE Edimilson de Almeida Pereira UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA - BRASIL Eduardo de Assis Duarte UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS - BRASIL Filinto Elísio CABO VERDE Ibrahima Gaye CENTRO CULTURAL CASA ÀFRICA - BRASIL-SENEGAL Maria de Mazzarelo Rodrigues MAZZA EDIÇÕES - BRASIL Marcial Ávila CASARÃO DAS ARTES - BELO HORIZONTE/MG - BRASIL Maria Nazareth S. Fonseca PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA MINAS GERAIS - BRASIL Editorial Novembro para os amantes da cultura negra As conquistas do povo negro no Brasil são resultados de grandes lutas e mobilizações que merecem ser respeitadas. O Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, é reservado para uma profunda análise dessa temática social de grande relevância para sociedade brasileira e, em especial, para a população afro-brasileira. Neste mês, militantes e pesquisadores da cultura africana e afro-brasileira de todo o Brasil se desdobram para atender as demandas oriundas de vários seguimentos que querem ressaltar a trajetória de luta e resistência da comunidade negra. Apesar das ações se concentrarem com mais força no mês de novembro, é importante ressaltar que o respeito à diversidade e às relações raciais deve ser trabalhado o ano inteiro, como bem fazem os dedicados militantes da causa. A Revista Canjerê, em seu segundo número, destaca importantes vitórias de pessoas que lutam e se mobilizam frequentemente para conquistarem seus espaços na sociedade. Pessoas empoderadas que, por meio de suas lutas, incentivam outras pessoas. A Revista traz ainda uma valiosa contribuição para os amantes da cultura negra. Trata-se do Festival de Arte Negra (FAN) realizado em Belo Horizonte (MG). O evento é o símbolo de afirmação negra na cidade. A matéria de capa, escrita por Leônidas de Oliveira, presidente da Fundação Municipal de Cultura (FMC), traz um panorama do FAN desde sua criação, passando pela temporada que antecedeu o festival, as diretrizes e os preparativos para a 8ª edição. A foto de capa destaca o trio de curadoria, porta voz da comunidade negra na construção do festival. É importante destacar que cada texto, matéria, artigo e entrevista da revista traduzem o compromisso da equipe em reconhecer, fomentar e disseminar amplamente as ricas iniciativas relacionadas à cultura africana e afro-brasileira Olusegun Michael Akinrulli INSTITUTO YOURUBÁ - BRASIL - NIGÉRIA Patricia Gomes (Guiné Bissau) UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA - BRASIL Rosália Diogo CASARÃO DAS ARTES - BELO HORIZONTE/MG - BRASIL COLABORARAM NESTA EDIÇÃO Adriana Borges, Denilson Tourinho, Equipe do Casarão das Artes, Edimilson Pereira, Evandro Passos, Maria Luiza Viana, Maria Nazareth Fonseca, Mia Couto, Oluségun Akínrúli, Rosália Diogo, Sandrinha Flávia e Samira Reis Agradecemos a todos da equipe Casarão das Artes e parceiros do Brasil e do exterior que aceitaram o desafio de construir essa importante fonte de informação e pesquisa. AV. BERNARDO MONTEIRO, 414 - SANTA EFIGÊNIA 30150-280 - BELO HORIZONTE/MG - TELEFONE: (31) 3273 0601 [email protected] RUA LINDOLFO DE AZEVEDO, 192 - SL. - NOVA SUIÇA 30421-265 - BELO HORIZONTE/MG - TELEFONE: (31) 3226-2829 [email protected] Sandrinha Flávia EDITORA R EVISTA CANJ ERÊ - 3 E n tre v i s ta Mia Couto Narrar o lado menos bonito e que muitas vezes não é falado também é parte do ofício do escritor “O peso da oralidade é enorme e transportá-la para a escrita é como visitar um outro país”, essa frase do escritor Mia couto traduz a escrita literária Moçambicana. Couto associa-se aos escritores que preferem utilizar “formas desviantes”, ou seja, àqueles que dominam as regras do que é considerado padrão para a língua, mas preferem escrever por meio das mudanças lexicais ou sintáticas que estão presentes no discurso usual. Pode-se observar, na produção literária do autor, que ele se distancia da padronização literária construída na Europa e cria um processo que é pautado pelo alinhamento à fala dos moçambicanos e, para tanto, faz inovações nos planos do léxico e da sintaxe. Mia Couto explora a própria natureza humana em sua escrita, sempre atento às raizes culturais de sua terra, e às mazelas sociais e políticas. Escrever em um país onde muita gente fala português vindo de outra língua, e que ao mesmo tempo quer esquecer o período de guerra implica em uma recriação social dos seus textos. Mia Couto (Antônio Emílio Leite Couto) nasceu na Beira, Moçambique, em 1955. Com catorze anos de idade publicou alguns poemas no jornal Notícias da Beira. Em 1972 mudou-se para Lourenço Marques para estudar medicina, mas não terminou o curso, decidiu seguir a profissão de jornalista. Trabalhou como diretor da Agência de Informação de Moçambique, na revista semanal Tempo e no jornal Notícias. Seu primeiro livro de poesia “Raiz de Orvalho” foi publicado em 1983. Em 1985 abandonou o jornalismo e continuou seus estudos na área biológica. Mia Couto coleciona um acervo rico em poesias, contos, crônicas, romances e livros infantis. É membro da Academia Brasileira de Letras, como sócio correspondente, eleito em 1998. Recebeu uma série de prêmios literários, entre eles o Prêmio Camões de 2013, o mais prestigioso da língua portuguesa, e o Neustadt Prize de 2014. Possivelmente, Couto é o escritor africano mais conhecido no Brasil. Seus livros são traduzidos em 24 países. Várias das suas obras têm sido adaptadas para o teatro e cinema, bem como traduzidos para alemão, francês, castelhano, catalão, inglês e italiano. Em entrevista à pesquisadora Rosália Diogo, Mia Couto fala sobre literatura e também das questões relacionadas às diversidades culturais existentes no mundo e nos seres. O meu entendimento, junto com vários teóricos, é de que a Literatura não é meramente um processo de fruição, de deleite distanciado da possibilidade de reflexões acerca de questões sociais, culturais e políticas. Eu concordo com você. No caso da literatura moçambicana, por exemplo, em especial ao ler sua obra, a de Paulina Chiziane, a de Ungulani Ba Ka Khosa, acredito tratar-se de escritas que me permitem conhecer um pouco mais da realidade moçambicana. Compartilho a ideia. Penso que o autor não pode furtar-se a essa relação com a realidade. Há nessas escritas uma visão do mundo, uma defesa de valores presentes na obra, sem dúvida. Foto: Albino Moisés Rosália Diogo DOUTORA EM LETRAS/LITERATURA. PÓS-DOUTORA EM ANTROPOLOGIA SOCIAL. PRODUTORA CULTURAL DO INSTITUTO CULTURAL CASARÃO DAS ARTES É UMA DAS CURADORAS DO FESTIVAL DE ARTE NEGRA DE BELO HORIZONTE/2015 4 - R EV ISTA CA NJERÊ Percebo que vocês, escritores, abordam muito das questões sócio-político-culturais que tenho observado ao andar por aqui, nos países africanos. Li, recentemente, duas obras suas: E se Obama fosse africano e outras inter-invenções e O país do queixa andar. Fiquei pensando como é possível um escritor falar de maneira tão simples para um leitor que não é das sociedades “ Muita gente olha para a África pensando que ela é um país que vive entre os cristãos e os mulçumanos. Não é exatamente assim” R REVISTA EVISTA CANJ ERÊ - 5 africanas sobre as questões políticas de tais países na atualidade. Acho que o escritor é, digamos assim, uma fonte importante para se perceber alguns elementos. Moçambique é um país que tem pessoas que não escrevem. O fato de agora termos muitos moçambicanos que escrevem não significa que Moçambique seja um país onde a escrita predomine. O que eu quero dizer é que o peso da oralidade é enorme e transportá-la para a escrita é como visitar um outro país. Então, a escrita literária moçambicana traz esse outro lado. Um lado de quem olha mais para o interior. Os escritores estão contando histórias a partir desse sentimento. Acho que os escritores moçambicanos estão falando de dentro. O peso da oralidade, assim como no Brasil, provavelmente, dá o tom da nossa escrita. O que surpreende por aqui é que não seja, toda a gente, escritor, criador. Vivemos em um ambiente de tal maneira instigador de histórias que é um privilégio. coisa que se prefere esquecer, embora seja recente. No norte do país, onde houve mais gente que foi transportada pelo processo de escravidão, é uma lembrança que não se quer ter. Até porque junto com ela vem muita coisa que não se quer lembrar. Havia zonas do país que eram cúmplices do processo escravocrata, como a Província de Cabo Delgado, onde havia conflitos entre os macuas, os macondes e os muendes. Não eram meramente conflitos étnicos entre tribos. Hoje são histórias mal resolvidas. Havia várias outras zonas com elites escravocratas, várias regiões de onde saiam negros para serem escravizados. Acho que acontece a mesma coisa com esse silenciamento sobre o lugar da mulher, o lugar dos homens, dos jovens. Aqui, o jovem encontra, na sociedade, um paraíso para ele porque ele não tem um espaço definido e tem que criar o seu próprio mundo. Por aqui acontecem coisas que provavelmente não são imaginadas no Brasil. “Acho que os escritores moçambicanos estão falando de dentro. O peso da oralidade, assim como no Brasil, provavelmente, dá o tom da nossa escrita” Fazemos parte das nações com situações de conflito muito mal resolvidos que estão procurando ajustarse e apanhar um lugar na história. Como ocorreu devido à guerra entre a Renamo e a Frelimo, por exemplo, onde ainda noto conflitos que foram mal resolvidos. De que maneira esses conflitos mal resolvidos afetam o dia a dia do povo de Moiçambique? Os moçambicanos têm muito receio em tocar em certas questões. As pessoas precisam ir em círculo, de maneira concêntrica, espiralar e só chegan ao assunto depois de muitas voltas. Eu noto um receio de despertar fantasmas, demônios que estão em uma gaveta. A escravatura é um fenômeno que ocorreu em muitos sítios deste país. Houve escravos, mas as pessoas preferem não se lembrar disso. Há muito mais memória sobre o escravo no Brasil, na África Ocidental do que em Moçambique. Aqui, é uma 6 - R EV ISTA CA NJERÊ Você disse que a visão brasileira sobre Moçambique é muito simplista. Cite um exemplo. As religiões africanas, por exemplo. O candomblé é uma invenção brasileira, mesclada por vários matizes de religiões de vários lugares da África e mesmo do Brasil. Na áfrica, não se tem o Candomblé. Ele é brasileiro. Há uma diferença enorme entre a cultura religiosa brasileira e a moçambicana. Eu acho importante isso porque se, no Brasil, eu não souber nada, por exemplo, sobre a religião católica, eu saberei dizer muito pouco sobre a cultura daquele país. Isso porque todos os brasileiros são marcados profundamente pelos valores pregados por essa religião. Por ela se pensa sobre a ética, sobre o que é bom ou mau, o que é fundador e o que não é. Muita gente olha para a África pensando que ela é um país que vive entre os cristãos e os mulçumanos. Não é exatamente assim. A situação é muito mais profunda, muito mais complexa, muito mais estruturante. Há outra religião que não tem nome e para a qual, às vezes, dão o nome de animista. Mas isso é falso. Uma parcela das pessoas vive com a ideia de Deus como o Criador e não é nesse sentido que se confere à alma a condição de objeto de culto. Não é isso. Também as práticas consideradas animistas não são práticas que se pode nomear ou folclorizar. Isso é importante. É o que permite fazer uma literatura que constrói uma relação com o tempo, com os mortos, não com a morte. A morte não existe enquanto fenômeno. Veja a forma como, por exemplo, a feitiçaria está presente numa escritora como a Paulina Chiziane, como elemento regulador, muito mais regulador que o estado, que os fenômenos arbitradores do estado. Ela apresenta, em seus escritos, ora uma mulher que se comporta ou que vive dentro dessa regulação, ou uma mulher que não pode ser enquadrada fora dela. Portanto, o peso que tem esse estigma, esse momento de regulação, alcança níveis inimagináveis na literatura e na cultura de Moçambique. Colegas meus, que são biólogos muito bons, têm uma visão bem científica do mundo, mas, ao mesmo tempo, na cabeça deles, existe um lugar para esse outro universo dos fenômenos da feitiçaria. É uma coisa muito curiosa para se saber: ministros, gente do banco, parece que estão todos do outro lado da modernidade, pois uma parte de si está virada para esses fenômenos. Quando chegam ao gabinete, por exemplo, a primeira coisa que fazem é uma cerimônia para limpar o gabinete daquilo que seja reminiscência de outros etc. No Brasil No Brasil a Editora responsável pela sua obra é a Companhia das Letras. • MULHERES DE CINZAS (2015) • NA BERMA DE NENHUMA ESTRADA (2015) • TERRA SONÂMBULA - EDIÇÃO DE BOLSO (2015) • CONTOS DO NASCER DA TERRA (2014) • VOZES ANOITECIDAS (2013) • A MENINA SEM PALAVRA (2013) • CADA HOMEM É UMA RAÇA (2013) • A CONFISSÃO DA LEOA (2012) • ESTÓRIAS ABENSONHADAS (2012) • E SE OBAMA FOSSE AFRICANO? (2011) • ANTES DE NASCER O MUNDO (2009) • O FIO DAS MISSANGAS (2009) • O GATO E O ESCURO (2008) • VENENOS DE DEUS REMÉDIOS DO DIABO (2008) • TERRA SONÂMBULA (2007) • A VARANDA DO FRANGIPANI (2007) • O OUTRO PÉ DA SEREIA (2006) • O ÚLTIMO VOO DO FLAMINGO (2005) • UM RIO CHAMADO TEMPO, UMA CASA CHAMADA TERRA (2003) Foto: Albino Moisés Cada homem é uma raça, Mia? Eu prefiro ver o mundo assim. Quando eu ando aqui pelas ruas, às vezes acho que minha raça sou eu mesmo, mas provavelmente eu vivo em uma situação particular. Por exemplo, pelo fato de ser muito conhecido, reconhecido na rua, muita gente se aproxima de mim, me diz coisas muito bonitas, coisas que estão muito acima desse laço de identidade vinculado à raça. Quando estou a sair, por exemplo, no aeroporto, trabalhadores, pessoas que eu gosto de ouvir conversam comigo. Eu sinto que me aproximar dessas pessoas faz parte do meu ofício de escritor. Não é bom ouvir que, eventualmente, não se comunga determinadas ideias com o outro por ser branco ou negro. Portanto, eu prefiro que as pessoas não façam um discurso muito racializado. REVISTA CANJ ERÊ - 7 C a n je rê Casarão das Artes Dois anos de Afro-cultura Equipe Casarão das Artes Aniversário de 2 Anos O aniversário de dois anos do Instituto Cultural Casarão das Artes ocorreu no dia 31 de agosto com uma extensa programação. O evento reuniu músicos, dançarinos e expositores que fazem parte da história do Casarão e da cultura negra da cidade. A programação foi bem diversificada. A arte-educadora Madu Costa apresentou uma intervenção literário-musical, o trio formado por Natália Brant, Renato e Rodrigo Marçal preparou um repertório especial de música popular brasileira, o rapper Ice Band e o Dj Cubanito lançaram o CD Hip Hop – Educação para a Vida. A festa contou também com a performance da Cia de Dança Evandro Passos, e a apresentação de samba ficou por conta do cantor Edmar Boaventura. Houve ainda a exposição fotográfica intitulada “Casarão 2 Anos” que mostrou a história da trajetória do Instituto Cultural, além de feira de produtos étnicos e o desfile de lançamento da marca de acessórios Nêga Badu. As atrações não pararam por aí: o Casarão das Artes lançou, durante o evento, a Revista Canjerê, publicação trimestral, produzida pela equipe do Instituto em parceria com a Tradição Planalto Produções Visuais e Editoriais LTDA. Virada Cultural 2015 Por ocasião da Virada Cultural de Belo Horizonte, no dia 12 de setembro, foram realizados dois eventos intitulados Canjerês da Virada. O primeiro, diurno, foi a palestra Feminino, Negro-identidade e Auto aceitação, proferida por Maria Rosa, designer gráfico e fotógrafa. A artista, por meio de uma abordagem fotográfica, falou sobre os estágios de consciência pelos quais as mulheres negras podem passar, em decorrência do racismo, até alcançarem a auto aceitação. A outra agenda do dia foi realizada à noite. Foi feito um tributo à Billie Holiday pelos 100 anos de seu nascimento e a B.B. King pelo seu falecimento. A homenagem ficou por conta dos Djs Rafael Roots, Leo Olivera e do pintor Marcial Ávila. Tributo a Mandela No dia 17 de setembro foi realizado o Canjerê Nelson Mandela. Tributo ao sul-africano, nascido em 1918, que morreu em 2013. Foi o maior líder pró-libertação da África em relação ao colonialismo. Ficou preso durante 27 anos por causa da sua luta contra o apartheid. O Casarão das Artes, coerente com o propósito de valorizar e promover a cultura africana, convidou o filósofo e mestre em história, Marcos Cardoso, para dar luz ao entendimento acerca do processo libertário desse homem do século XX. Chica da Silva Em outubro, no dia 10, uma edição muito especial do Projeto Canjerê foi realizada na Casa da Chica da Silva, em Diamantina. Chica, mulher negra, fora a que, contrariando todas as regras e expectativas, se impôs na sociedade tijucana ao se casar com o contratador dos diamantes, um dos homens mais ricos do Reino de Portugal. Juntos viveram uma das mais bonitas histórias de amor inter-racial da história do Brasil. Por ocasião do Canjerê Chica da Silva, aconteceram várias atividades artístico-culturais que valorizaram o evento tais como as narrativas históricas sobre a ex-escravizada e as culturas negras tradicionais realizadas pelos pesquisadores Erildo Nascimento de Jesus, Urânia Ferreira, Robson Di Brito e Paulo Henrique Lacerda Gonzaga. Houve ainda o lançamento do livro Bino, o menino africano da cor do algodão, parceria do artista plástico Marcial Ávila com a pedagoga e pesquisadora Rosa Margarida de Carvalho Rocha. As apresentações artísticas ficaram por conta do Grupo de Maracatu Estrela da Serra, da Cia de Dança Evandro Passos, da cantora e arte-educadora Madu Costa, da Cia de Dança Bantos do Baú e do artista plástico Marcelo Brant. O Canjerê, em Diamantina, atraiu a curiosidade de dezenas de pessoas que manifestaram o interesse em conhecer um pouco mais das ações desenvolvidas pelo Instituto Casarão das Artes, visando a valorização e promoção da cultura negra. Homenagem à Fela Kuti No dia dezesseis de outubro, o Casarão das Artes, junto com o Centro Cultural Casa África, celebrou, pelo sexto ano consecutivo, o tributo ao músico e ativista nigeriano Fela Kuti. O evento contou com uma sessão comentada do documentário “Music is the weapon” (A música é a arma), dirigido em 1982 por Jean-Jacques Flori e Stéphane Tchal Gadjieff, com as presenças do nigeriano e fundador do Instituto de Inovação Social e Diversidade Cultural, Ayòbámi Akínrúlí, do historiador e filósofo Marcos Cardoso e de Leo Olivera Dj, professor, pesquisador e membro do Casarão das Artes. Em seguida o público foi animado com um baile ao som de Fela Kuti, contando com RAFAEL ROOTS (Beat Selecter), GEO (Simbarerê Sound), LEO OLIVERA (Jazzatronica) e IBRABAMBA (Africando). Fotos: Equipe Casarão das Artes Arte: Leonardo Oliveira 8 - R EV ISTA CA NJERÊ REVISTA CANJ ERÊ - 9 G e nte d o C a n je rê Cida Santos e Nêga Badu A beleza da mulher refletida nos acessórios Samira Reis FORMADA EM COMUNICAÇÃO SOCIAL COM HABILITAÇÃO EM JORNALISMO, MBA EM COMUNICAÇÃO INTEGRADA, RESPONSÁVEL PELO BLOG BAÚ DA PRETA Foto: Ricardo S. G. 10 - REV ISTA CA NJ E RÊ Seja nos eventos produzidos pelo Casarão das Artes ou em outras feiras realizadas pela capital mineira, lá está Cida Santos, responsável pela marca Nêga Badu, com seus colares, brincos e um sorriso contagiante capaz de tirar qualquer mau humor ou tristeza do corpo. Quem conhece as peças produzidas pela empresária logo se encanta com a receptividade, a boa prosa e o capricho que cada acessório exposto reflete aos olhos de quem o vê. Uma profusão de cores, pedraria, flores combinadas com elementos da cultura africana. Antes de se tornar dona do próprio negócio, Santos vivenciou diversas experiências no mercado de trabalho. Aos nove anos, já trabalhava como empregada doméstica. Depois foi comerciária, gerente de lanchonete e hoje atua por conta própria. “Quando olho minha trajetória, digo: tirei o pé do quarto de empregada e hoje sou empresária. Não é fácil. Produzir, gerenciar, vender, mas amo muito tudo isso que faço”, diz. O artesanato é uma paixão antiga na vida da empreendedora. Criava flores, broches e colares de fuxico para uso próprio. Não dava outra, por onde passava, sempre havia interessados. “A base do meu trabalho é o tecido, e procuro usar vários tipos de materiais como madeira, coco, pedrarias, tudo que eu vejo que possa deixar a peça mais bonita e diferente”, acrescentou. Quando o assunto é o Casarão, Cida se desdobra em elogios: “Um dia, eu estava no Casarão e fiquei olhando as pessoas que lá estavam: escritores, doutores, artistas, professores e todos me tratando como igual. Isso só faz a gente querer crescer e melhorar”. Nos eventos de que participa, é comum ver o marido e os filhos que dão mostras de seguirem o caminho artístico da mãe. João é modelo e dá os primeiros passos na poesia. Raisla também mostra o talento, na passarela e fora dela, como uma aspirante a estilista. Cida abre o melhor sorriso ao exaltar o talento deles. Cada um com sonhos e toda uma vida pela frente. O diálogo e a educação, segundo ela, são essenciais na construção da identidade dos filhos. “No momento em que começam a ter a vida social fora de casa, o primeiro local em que eles vivem socialmente é a escola. A gente vê que nem todos os pais tem essa preocupação de ensinar a respeitar as diferenças, até mesmo alguns educadores passam por cima disso. Ver filhos reclamarem que colegas de classe riram ou falaram mal da cor da pele, do cabelo crespo é horrível, chega a doer . Sempre procuro um jeito de amenizar esses problemas mostrando nosso valor, nossa beleza e incentivando-os a ver o mundo com outro olhar, informando que é a partir deles que as situações vão melhorar e vamos ter um mundo melhor. Não vai ser fácil, mas vamos tentando”, desabafa . Cida por si só já é um espelho tanto para a família como para os amigos, clientes. Reflete a mulher negra, empoderada, cheia de garra, capaz de proporcionar vida longa a Nêga Badu. “Para 2016, quero expandir as vendas, montar modelos novos de colares e outros acessórios”, finalizou REVISTA CANJ ERÊ - 1 1 Olhar Social Centro de Educação e Cultura Flor do Cascalho Cultura afro-brasileira como estratégia de educação e inserção social Adriana Borges JORNALISTA, ESPECIALISTA EM HISTÓRIA DA CULTURA E DA ARTE, BLOGUEIRA E PRODUTORA CULTURAL O Centro de Educação e Cultura Flor do Cascalho movimenta há 13 anos o Aglomerado Morro das Pedras, em Belo Horizonte. O espaço preserva a cultura ancestral de matriz africana, oferecendo oficinas de dança afro, capoeira Angola e percussão para crianças e adolescentes. Além de produtores de cultura local, o centro possui um estúdio de gravação profissional, o Estúdio Escola, que oferece aulas de áudio para jovens e possibilita a gravação de mestres da cultura do Morro. O Flor do Cascalho é um núcleo da Associação Cultural “Eu Sou Angoleiro” (Acesa), entidade que promove a prática, a difusão, a pesquisa e a divulgação da capoeira Angola e da dança afrobrasileira. Fundada por Mestre João Angoleiro há mais de 20 anos, a associação visa formar agentes culturais, contribuir para a diminuição dos preconceitos sociais e raciais, fortalecer a identidade cultural brasileira e a conquista de cidadania das comunidades negras, indígenas e afrodescendentes em situação de risco social. O Núcleo tem aulas abertas de dança e capoeira toda última segunda-feira do mês das 18 às 20 horas. Um dos coordenadores do Centro, Ricardo Manaus, conduz todo o trabalho de maneira coletiva. “Na cultura africana, o líder 12 - REV ISTA CA NJ E RÊ escuta mais e deixa os jovens aprenderem a liderar. Aqui, as relações são colocadas de forma horizontal, permitindo que as pessoas possam se manifestar e demonstrar seus saberes. Assim, elas vão se empodeirando de nossa casa. Por isso, acredito que somos uma referência cultural e social dentro da comunidade”, explica Manaus. A parceria do Centro com a Escola Municipal Hugo Werneck, através do Projeto Escola Integrada, faz com que o trabalho se amplie e atinja toda a comunidade. “A importância do Centro para as pessoas pode ser medida pela melhoria visível da autoestima de todos. Eu percebo que eles passam a se enxergar melhor e que há um encontro com a liberdade. Há uma integração, um resgate cultural tão forte que gera uma força interior que os capacita a lutar por sua realização pessoal”, observa Manaus. Para a antropóloga e professora de dança afro, Carmen Virgolino, o trabalho do Centro é uma forma de resistência cultural. “A partir da matriz africana, que envolve dança de terreiro, dança cênica, religiosidade, capoeira, samba, congado e frevo, nós dialogamos com as crianças. Ensinar a cultura enriquece a formação e valoriza a identidade negra”, afirma. História O Morro das Pedras surgiu na década de 1950, a partir da ocupação de moradores removidos de favelas da região. O Aglomerado enfrentou problemas como infra-estrutura, saneamento, assistência social e especulação imobiliária. Hoje, quase todas as suas vilas estão urbanizadas. A comunidade é um berço de festas tradicionais e artistas. O núcleo Flor do Cascalho nasceu em 2002, a partir dos treinos de capoeira Angola no campo da Barraginha, no Morro do Cascalho, no bairro Grajaú. Em 2005, a Acesa, através de doações, adquiriu o lote da casa. Em 2008, o Flor do Cascalho se torna um “Ponto De Cultura”. No mesmo ano, implementa um PIM (Ponto de Internet Municipal). O núcleo ainda atua na área da saúde, através do Ambulatório de Medicina Chinesa e Popular “Vicente da Missia”, que atende principalmente a população feminina com mais de 40 anos. O Flor do Cascalho fica localizado na rua Marco Antônio, 250 – Aglomerado Morro das Pedras. Fotos: Rosália Diogo REVISTA CANJ ERÊ - 13 FOTO: Divulgação FAN M até r i a d e C a pa FAN O Festival de Arte Negra de Belo Horizonte em tempos de ataques à humanidade Leônidas Oliveira MSC. PHD. PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO MUNICIPAL DE CULTURA DE BELO HORIZONTE O Festival de Arte Negra – FAN – é realizado pela Prefeitura Municipal de Belo Horizonte desde o ano de 1995, ocasião em seque integrou às celebrações do tricentenário da morte de Zumbi dos Palmares, herói nacional e símbolo da resistência cultural da população negra do Brasil. O evento movimentou a cidade que assistiu, fascinada, à ocupação de suas ruas, praças e teatros por artistas oriundos de diversos pontos da África e das diásporas negras. A partir da segunda edição, em 2003, o festival ganhou caráter permanente com periodicidade bienal. Da mesma forma, reforçou sua contribuição comodifusor da arte negra no Brasil e sua fundamental importância para se compreender a origem e a inserção das diversas vertentes das culturas de matrizes africanas. Em nossa gestão frente à Fundação Municipal de Cultura, tivemos a alegria de, em 2013, ocupar diversos espaços da cidade com atrações do festival que teve como tema Um Lugar no Mundo: Afroamérica. Foram mais de sessenta apresentações que duraram mais de 10 dias. A curadoria trouxe para a 7ª edição um jeito mineiro, jeito do mundo. Um FAN afro-mineiro, pois quanto mais mineiro, mais universais Minas e BH se tornam. Com o tema Encontros, a programação do 8º Festival de Arte Negra/2015 se organiza em torno de três eixos principais. O primeiro eixo, o das apresentações artísticas, buscará oferecer à cidade uma programação diversificada com 14 - REV ISTA CA NJ E RÊ artistas locais, nacionais e internacionais. O eixo da formação e intercâmbio oferecerá cursos, oficinas, bate-papos entre artistas locais e convidados com uma vigorosa tendência para contemplar estudantes, professores, pesquisadores, além dos demais interessados. Ainda dentro desse eixo, acontecerão ações voltadas para a reflexão e registro da memória do festival. Por último, o eixo das Atividades Especiais apresenta o Ojá como a grande ação focada na economia criativa, além de Rodadas para refletir sobre a realização dos festivais de Arte Negra no Brasil e a produção criativa para o segmento. O trabalho da curadoria lança seu olhar sobre aquelas obras que se instalam nos caminhos, nas passagens, nas encruzilhadas. Que interrompem o passo do pedestre, que provoca o acaso, o encontro e o reencontro. Nesse sentido, a nobreza e beleza do Circuito Cultural Praça da Liberdade, o Parque Municipal, a Praça da Estação, o viaduto da Floresta e vários outros espaços serão palco dos diálogos que serão realizados durante o FAN. O festival pretende acolher, de maneira solidária e em sinergia com diversos fazedores de artes, as diversas manifestações culturais de matriz africana em curso em todos os cantos da cidade. Como demonstrado ao longo dos seus vinte anos de existência, o Festival de Arte Negra vem se consolidando como evento de grande importância para o estado de Minas Gerais, tanto no que tange à valorização das culturas de REVISTA CANJ ERÊ - 15 matrizes africanas, quanto à democratização do acesso aos bens artísticos, contribuindo, dentre outras possibilidades, para a internacionalização da capital mineira, para a movimentação da cadeia produtiva do setor e para a promoção da diversidade cultural. O FAN é ação regular e contínua da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte para a promoção e fomento da produção artística vinculada à Arte Negra. Ao dedicar-se às manifestações artísticas e culturais de matriz africana, o festival coloca em evidência expressões que valorizam todo um universo de valores, símbolos, ritos e conhecimentos que fazem parte da construção histórica e cultural do Brasil, mas que é preterida por diversas práticas preconceituosas que oprimem nossas raízes. Por isso mesmo, o FAN abraçará projetos que fortalecem as reflexões do festival em torno do respeito às diferenças e em prol da preservação da vida, tais como as campanhas Que Diferença Faz, e Reaja ou Será Morto, Reaja ou Será Morta. Afora isso, o debate acerca da intolerância religiosa ganhará corpo durante o festival como forma de reafirmar a política municipal de respeito e valorização das diversas culturas que se entrelaçam no tecido social brasileiro. O festival apresenta à cidade uma programação diversificada que é constituída por várias linguagens artísticas: música, artes visuais, artes cênicas, manifestações populares, entre outras. O FAN é da cidade! Como tal, deve intervir e intervém nos diversos territórios de BH por meio dos Centros Culturais, demais unidades da FMC – PBH e eventuais parceiros. Para orientar as ações do festival, as atividades são orientadas segundo as seguintes diretrizes: I Descentralização da distribuição dos eventos e ações; que consiste no espalhamento de atividades do festival pelas regionais e equipamentos de cultura. II Democratização do acesso ao bem artístico-cultural; que consiste na promoção do acesso aos bens culturais e aos equipamentos culturais por todos os segmentos sociais nos variados territórios da cidade. III Diversidade artística e cultural; que consiste em oferecer, dentro da programação, diversas linguagens artísticas (teatro, dança, música, artes plásticas, performances, manifestações tradicionais e cultura popular) provenientes da produção local, nacional e internacional. IV Formação e Intercâmbio Cultural; que consiste na oferta de atividades de formação, via Arena da Cultura e Centros Culturais, fortalecendo suas respectivas atividades e as ações institucionais da FMC. V Gestão Otimizada; que consiste no desenho de estratégias de gestão para a otimização de recursos e ações de produção e realização do festival. 16 - REV ISTA CA NJ E RÊ Foto: Rosália Diogo Ampliação da comunicação e divulgação das ações para maior apropriação da população Desde maio, o festival realiza a Temporada FAN 2015. Essa iniciativa consiste em parceria com as iniciativas dos artistas locais que promovem eventos no período que antecede o festival – 26 a 29 de novembro. Na parceria, o festival oferece divulgação e recebe também a divulgação do evento. Desse modo, a 8ª edição tem sido divulgada durante sete meses de modo direto e indireto. É importante destacar que 2015 é o primeiro ano da Década dos Afrodescendentes, instituída pela Organização das Nações Unidas – ONU. São diversas movimentações políticas e culturais em torno desse período celebrativo, e a Fundação Municipal de Cultura não se furta ao engajamento nessas agendas. Convidamos vivamente o público a abraçar o festival de maneira intensa. Um salve às diferenças e às diversidades. REVISTA CANJ ERÊ - 17 Ne g ó c i o s Projeto capacita empreendedores afro-brasileiros fotografia ainda no curso. “Sempre gostei de fotografia, mas não imaginava comprar uma câmera profissional, era uma realidade distante para mim. A minha primeira câmera era usada, comprei de um amigo, foi assim que nasceu a Jotagraphia”, diz. Por meio da internet, João conheceu o Projeto Brasil Afro Empreendedor (PBAE) que acontece em 11 capitais brasileiras e visa dar oportunidade de crescimento e desenvolvimento econômico para empresas e empreendimentos conduzidos por afro-brasileiros, por meio de cursos e atividades de capacitação. O PBAE é uma iniciativa da sociedade civil, demandada ao SEBRAE Nacional, coordenada pelo Instituto Adolpho Bauer (IAB/Curitiba-PR), pelo coletivo de Empresários e Empreendedores Negros Afro-brasileiros de São Paulo (CEABRA/ SP) e pela Associação Nacional dos Coletivos de Empresários e Empreendedores Afro-brasileiros (ANCEABRA). O empresário relata que após se matricular no PBAE, houve muita mudança na forma de gerir a Sandrinha Flávia GRADUANDA EM JORNALISMO (UNI-BH), RADIALISTA NA NOSSA RÁDIO BH MESTRE DE CERIMÔNIAS, PRODUTORA DE EVENTOS E CONSELHEIRA DE MODA DA ACMINAS O caminho entre identificar uma oportunidade e transformála em um negócio lucrativo e sólido requer ação, conhecimento e dedicação. Esbarrar na falta de recursos ou de tempo são problemas comuns entre as pessoas que começam a empreender e precisam investir tempo e dinheiro em seu próprio negócio sem largar o emprego. Essa é a realidade de muitos negros brasileiros que subiram para a classe média por meio do empreendedorismo. De acordo com levantamento feito pelo SEBRAE, com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), 50% dos donos de negócio são afrodescendentes. O designer gráfico e fotógrafo João Paulo de Oliveira Mendes, 27, engrossa essa estatística. Formado como Técnico em Comunicação Visual pelo SENAI, João descobriu a paixão pela 18 - REV ISTA CA NJ E RÊ O fotógrafo João Paulo de Oliveira Mendes conhecido como Jotapê Mendes tem aperfeiçoado sua empresa com as orientações do PBAE Michele Fernandes investiu R$150,00 no início da empresa que tem o foco na moda afro. Foto: Magno Gonçalves Foto: Jotapê Mendes REVISTA CANJ ERÊ - 19 Teatro empresa. “Como sou prestador de serviço, grande parte do tempo estou produzindo e não sobra muito tempo para planejar a empresa. Hoje tenho noção de quanto vale o meu serviço e de como fazer cálculo de vendas”, ressalta. A empresária Michele Fernandes, 31, explica que também conheceu o projeto por meio das redes sociais. “Quando vi que poderia ter uma formação com pessoas que entendem a problemática de ser mulher, negra e empreendedora, eu logo entrei no curso”, destaca Michele. Dona da empresa Boutique de Krioula, a empresária começou seu negócio em 2012 com apenas R$ 150. Foi o grafiteiro e marido Célio Henrique quem incentivou a esposa a fazer de sua paixão, os turbantes, um negócio lucrativo. De acordo com a empresária, a experiência em escrever o plano de negócio possibilitou vários ajustes na empresa como o controle do fluxo de caixa e a formação de preço de venda, explica. O Projeto em BH Segundo a consultora do projeto em Minas Gerais, Makota Kizandembu, o Projeto tem mudado significativamente a vida dos afroempreendedores em Belo Horizonte. “O que vemos são profissionais mais cientes das fraquezas e fortalezas dos seus empreendimentos. Os que pretendem iniciar a vida de empresário estão conhecendo as reais possibilidades, alguns estão até expandindo seus negócios para novas áreas”, frisa. Para o Consultor Técnico Nacional e Coordenador Executivo do Projeto, João Carlos Nogueira, o empreendedorismo negro é uma das saídas para por fim às desigualdades raciais no país. “Precisamos, enquanto sociedade, fazer uma reflexão sobre as desvantagens que os negros ainda têm no mercado de trabalho. O Brasil é uma nação multirracial, pluriétnico, mas no setor produtivo e econômico, apesar de sermos a maioria entre micro e pequenas empresas, ainda convivemos com a hegemonia dos grupos dos não negros. São esses que ainda têm maior renda e detêm privilégios por conta das estratégias e alianças que fazem entre si”, finaliza. João Carlos Nogueira no lançamento do livro sobre Afroempreendorismo. Foto: Divulgação PBAE 20 - REV ISTA CA NJ E RÊ Madame Satã A história de um brasileiro por muitos outros João Francisco dos Santos, vulgo Madame Satã. Suas qualidades lhe renderam apelidos e lugar na história popular brasileira. Nordestino, neto de Pilama Brasília Casú, negra escravizada pela tradicional família Damião, em Glória do Goitá, município agreste de Pernambuco, João fez fama na cidade do Rio de Janeiro. Fama que veio da destreza do nordestino negro, de religião de matriz africana, pobre, analfabeto, capoeirista, homossexual, artista e boêmio, vivendo num opressor centro urbano do período pósabolição. As histórias de João Francisco dos Santos se tornaram manchetes de jornais, filmes, livros e espetáculos artísticos. O mais recente exemplar dessas obras é o musical montado em Belo Horizonte “Madame Satã” que estreou em janeiro de 2015 com grande aceitação de público que tem lotado os teatros e motivado matérias em jornais, revistas, textos acadêmicos e proporcionado participação em festivais e mostras de artes. Um dos fatos que desperta atenção nessa montagem teatral é a projeção de que o sistema social opressor, em que viveu João Francisco dos Santos de 1900 a 1976, continua o mesmo no Brasil do século XXI, um perverso sistema social de preconceitos, opressões e crimes de ódio. Como ato de resistência e luta contra essas atrocidades, o espetáculo opta pelo discurso direto, informativo, reflexivo e pelo amor. Denilson Tourinho ATOR, PRODUTOR CULTURAL, EDUCADOR, PÓS-GRADUADO EM AFRICANIDADES PELA UNB Foto: Guto Muniz REVISTA CANJ ERÊ - 2 1 No tí c i a s Pelé do Vôlei “Gullah, Bahia, África” em Salvador Um exemplo de resistência e poder negro Foto: Divulgação Pelé do Vôlei, assim como a maior parte da população afrobrasileira, nasceu de uma família pobre e numerosa. Teve que ser internado na FEBEM, aos dez anos, pela própria mãe, a partir da morte do seu pai. Até aí, não há novidade ao compararmos com os descendentes de africanos em um país que escravizou esse grupo social durante séculos. Aos 16 anos, Pelé do Vôlei teve a oportunidade no esporte que foi o grande responsável pela sua formação não só como atleta, mas como cidadão, conquistando o tricampeonato brasileiro de voleibol pelo FiatMinas, o bicampeonato sulamericano e por 7 vezes, eleito o melhor atacante do Brasil. Ao retornar de uma vitoriosa temporada na Itália, inaugura 2 escolas de vôlei nas quais Pelé do Vôlei desenvolvia seu sonho de revolução social. Seu próximo passo tem sido representar a sociedade como um vereador da cidade de Belo Horizonte. Samba na Roda da Saia Assim como é o caso do presidente dos EUA, Barack Obama, a visibilidade e o poder político de um negro são fundamentais para ressignificar a autoestima da comunidade negra em qualquer parte do mundo. Pelé do Vôlei, comprometido com o social e por estar ciente de que é um modelo para a sua etnia, apoia, com equipamentos esportivos, centenas de iniciativas desportivas que necessitam de contribuição para a sua sustentabilidade. Neste espaço, destaca-se a trajetória desse político como forma de se acentuar a valorização da pessoa negra. Nesse caso, reconhecendo o valor de um homem negro que teve mobilidade social e é respeitado na sociedade. De fato, sua história de vida é relevante na medida em que a sociedade brasileira é marcada por relações racista. Parabéns pela estimulante carreira e exemplo de perseverança, vereador Pelé do Vôlei. A Fundação Pedro Calmon/Secretaria de Cultura do Estado da Bahia (FPC/SecultBa) – por meio da Biblioteca Virtual Consuelo Pondé – e o Consulado Geral dos EUA no Rio de Janeiro trazem para Salvador a exposição “Gullah, Bahia, África”, que documenta a vida e parte da pesquisa desenvolvida por Lorenzo Dow Turner, primeiro linguista afro-americano. A exposição conta com a curadoria de Alcione Meira Amos. Prof. Lorenzo Dow Turner Coleção Lorenzo Dow Turner, arquivos do Anacostia Community Museum, Smithsonian Institution, doação de Lois Turner Williams De 24/11 a 31/01/2016 - Exposição aberta ao público Palacete das Artes R. da Graça, 289 - Graça. Horário de funcionamento: De terça a sexta-feira, das 13 às 19h Sábados, domingos e feriados, das 14 às 19h. Notícias de Moçambique Entre os dias 23 e 25 de Outubro, a cidade de Matola, em Moçambique, se transformou em uma cidade literária porque lá foi realizado o I Festival Literário do país - Festival Literatas. A iniciativa foi do Movimento Literário Khupaluxa. As escritoras Rosália Diogo, presidenta de honra do Casarão das Artes e Madu Costa, madrinha do Casarão representaram o Brasil no evento, que teve como tema “Memória: um museu contemporâneo”. O Samba na Roda da Saia surgiu em 2014 com o intuito de Na ocasião, Rosália aproveitou para lançar em Moçambique a Revista Canjerê e o livro Bino - O menino africano da cor de algodão, recém lançado no Brasil, escrito pelo presidente do Casarão, Marcial Ávila e por Rosa Margarida de Carvalho Rocha, com ilustrações de Marcial Ávila. colocar a mulher como protagonista de grupos de Samba – até então local demarcado pela figura masculina – e tem feito a alegria de mulheres e homens em Belo Horizonte. O grupo, idealizado por Rosane Pires, completou 1 ano em atividade e comemorou a data no dia 07 de novembro no Espaço Copacabana, em Beagá. No dia 25 de outubro, realizou apresentação na Feira do Mineirinho. No mês de novembro, no dia 18, o samba foi na Conferência Municipal LGBT, no dia 13, teve samba no bar Purarmonia e no dia 23 na estação ecológica da UFMG. O grupo também se apresentou, em setembro, na Conferência Municipal de Mulheres de Contagem. 2 2 - REV ISTA CA NJ E RÊ Foto: Ricardo Rico Mais informações : https://www.facebook.com/sambanarodadasaiaBH/?fref=ts/ Divulgação: Mazza Publicações REVISTA CANJ ERÊ - 2 3 Ensaio LITERATURA NEGRA OU AFRO-BRASILEIRA? Maria Nazareth Soares Fonseca PROFESSORA ADJUNTA IV APOSENTADA DA UFMG - PROFESSORA ADJUNTA III DA PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS, RESPONSÁVEL PELA ÁREA DAS LITERATURAS AFRICANAS DE LÍNGUA PORTUGUESA NO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS 1 Ver http://www1.folha.uol.com.br/ ilustrada/2015/03/1606652-negra-emsalao-do-livro-causa-furor-diz-autorabrasileira.shtml 24 - REV ISTA CA NJ E RÊ Muitos escritores brasileiros que se assumem negros e integram ações incisivas contra a exclusão dos descendentes dos escravizados africanos, na sociedade brasileira, por vezes mostram-se resistentes ao uso de expressões como “literatura negra”, “literatura afrobrasileira” ou “literatura afrodescendente”, porque reconhecem que tais expressões acabam por rotular - e até mesmo guetizar - a produção literária. Por que ninguém precisa chamar de “literatura branca” a literatura produzida por escritores brancos, perguntam alguns? Outros, ao contrário, consideram que essas expressões fazem emergir sentidos que ficam escamoteados pelo termo “literatura” e consideram que, no leque das significações permitidas pela expressão “literatura negra” ou “literatura afro-brasileira”, ficam resguardados os valores de um segmento social que sofre diferentes formas de exclusão na sociedade brasileira. Essas discussões são importantes para se compreenderem diferentes modos de se lidar com a exclusão de pessoas e grupos vigente na sociedade brasileira. É certo que não precisamos dizer “literatura branca” quando nos referimos à literatura produzida por escritores brancos, mas é fácil perceber que esse segmento não precisa ser enfaticamente nomeado para legitimar suas ações e produções. É diferente o que acontece com outros segmentos, por isso, os escritores negros e as escritoras negras, quando aparecem no cenário literário do país, são caracterizados pelos modos como a sociedade os percebe: “escritor negro”, “escritora negra”. Não é o que acontece com Carolina Maria de Jesus, sempre referida como “escritora negra”, “favelada”? A fala da escritora Conceição Evaristo, na Feira do Livro de 2015, em Paris, é, nesse sentido, sintomática e muito lúcida. A escritora, ao ser entrevistada, aludiu ao espanto de muitos com relação à presença dela dentre os escritores brasileiros presentes na Feira do Livro: “Sei que meu caso chama atenção porque não é muito comum um escritora brasileira negra participar de uma feira internacional. “A gente fica como gruta rara” 1. É nesse circuito apontado por Evaristo que as expressões “literatura negra”, “poesia negra”, “cultura negra” vêm circulando com maior ou menor intensidade. Pode-se dizer que um maior questionamento da invisibilidade de negros e negras no espaço literário deu-se a partir do momento em que tivemos de enfrentar a questão da nossa identidade cultural e assumir as contradições acirradas decorrentes do fato de o Brasil se ver como uma democracia racial. Como democracia racial se a maioria de negros, negras, índios e índias continuam fora dos circuitos culturais e artísticos? Quando as contradições afloraram de forma mais constante, os preconceitos contra os descendentes de africanos tornaram-se mais evidentes e muitas vezes não foram contestados e até assumidos como não ofensivos. No campo das discussões sobre a literatura produzida por negros, afro-brasileiros ou afrodescendentes persiste a interrogação: o que seria, num Brasil que se diz mestiço, uma literatura negra? Afro-brasileira? Afrodescendente? Que traços a distinguiriam da literatura “não negra”? Talvez, se pudesse dizer que a condição afro-brasileira (negra, afrodescendente) da literatura possa se constituir como ruptura com os contratos de escrita legitimados e como disposição para evidenciar, no texto literário, “um sujeito que escolhe a diáspora e que expressa sua oposição nas construções de (...) de quilombos móveis, de identidades plurais, de etnicidades cruzadas.”2 A expressão “literatura negra” está presente nos títulos de antologias poéticas publicadas no Brasil a partir do final da década de 1970. Negros são os Cadernos Negros, publicados a partir de 1978, em São Paulo, Negra se nomeia a Antologia contemporânea da poesia negra brasileira (1982), organizada pelo poeta Paulo Colina e a coletânea Poesia negra brasileira (1992), organizada por Zilá Bernd. Em todas essas coleções – que reúnem, em sua maioria, poemas – a questão negra se acentua, porque elas apresentam criações de autores que, na atualidade, começam a furar o cerco da invisibilidade para que seus textos possam circular no meio acadêmico e em programas de literatura destinados ao ensino fundamental, médio e superior. Essa nova realidade advém, como indica Eduardo de Assis Duarte, organizador da antologia Literatura e afrodescendência (2011), obra em 4 volumes, da “necessidade de permanentemente se revisitar e desconstruir a narrativa de nova história literária.”3 2 Ver CANEVACCI, Massimo. Sincretismos:uma exploração das hibridações culturais. São Paulo: Studio Nobel, 1996, p. 10 3 Ver site: http://www.letras. ufmg.br/literafro/data1/artigos/ artigoeduardoafrodescendencias.pdf Foto: Ricardo S.G. REVISTA CANJ ERÊ - 2 5 Á fr i c a TIC´S Da compensação dos longos anos de marginalização Olúségun Michael Akínrúli CÔNSUL HONORÁRIO DA NIGÉRIA EM BELO HORIZONTE. PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO CULTURAL YORUBÁ A tecnologia da informação parece ser a última do exercício do direito graças à plataforma de mídia chance de trazer de volta a esperança para os social. Hoje, por meio da Internet, sabe-se como as africanos. As plataformas móveis e da Internet têm eleições dos estados africanos são manipuladas, às aumentado o acesso e melhoria da agricultura, vezes até com apoio do exército nacional. O Brasil educação, saúde e serviços de governança para não é exceção. A população brasileira marginalizada as comunidades que normalmente são as mais e discriminada pela raça, na sua maioria são pessoas afetadas pela falta de serviços sociais. De acordo com de origem africana e índios nativos, cujos anseios uma pesquisa realizada pela Fundação Rockefeller, de se conectarem de volta a suas raízes podem ser além de melhorar a prestação de serviços sociais realizados pela Internet. A desigualdade de renda é essenciais, a tecnologia da outro problema que a Internet vai informação e comunicação (TIC) “Se essa era passar ajudar a reduzir. Tanto os africanos está gerando um crescimento sem ser explorada, o quanto a diáspora africana, que transformador - crescimento que continente africano muitas vezes se encontram em cria caminhos sustentáveis para situações economicamente sair da pobreza. e suas diásporas desfavorecidas, podem gerar renda Cerca de 60% dos poderão perder uma a partir do bom uso da Internet. As desempregados africanos são grande oportunidade empresas sociais, como Paradigm jovens. Países como Marrocos, Initiative, Nigéria PIN e Leap Gana, África do Sul, Quênia, de reescreverem suas África, são exemplos de iniciativas Nigéria e Egito estão explorando histórias.” africanas que estão surgindo para maneiras de gerar várias preparar os jovens para a indústria oportunidades possíveis para a sua juventude através das TIC. Na Nigéria, por de TIC. Essa tendência é, sem dúvida, uma mudança exemplo, os jovens estão começando a ter mais na paisagem de desemprego na África e em outras autonomia ao utilizarem TIC para gerar renda a partir comunidades marginalizadas pelo mundo. Ummeli, da da indústria de entretenimento Nollywood, turismo, África do Sul, Harambee, e Afrilink, de Quênia, Afripay música, serviços financeiros, outsourcing e assim por da Nigéria são incubadoras que contribuem para o diante. Os africanos também estão empregando a crescimento africano através de criação de emprego. Jovens artistas africanos que costumavam tecnologia móvel e de telecomunicação para engajar seus governos, observando e assegurando que eles queimar o óleo da meia-noite para trazer as suas artes construam instituições democráticas sólidas, a partir para o espaço de mercado, tidos como amadores 2 6 - REV ISTA CA NJ E RÊ e rejeitados por agenciadores e produtores culturais, têm descoberto nos últimos tempos o caminho para entregar as suas artes para o público global. Além de possibilitar geração de renda, a Internet tornou possível a divulgação dos seus anseios - a criação de uma nova África desprovida de problemas econômicos e sociopolíticos. Não se pode deixar de mencionar o impacto da rede mundial de computadores na indústria de brinquedo tradicionalmente dominada pelas bonecas ocidentais. O empresário nigeriano Taofic Okoya, responsável pela fabricação das bonecas africanas intituladas como “Queen-ofAfrica”, já superou a famosa Barbie americana em vendas, pelo menos no mercado africano. Além disso, os africanos estão usando a Internet para criar sua própria TV online. Organizações como Buni.Tv e Sahara Reporters estão usando a internet para educar, denunciar a corrupção e mobilizar os africanos a se levantarem contra seus líderes corruptos - uma missão em que outras grandes mídias no continente não teriam se aventurado sem ter seus sinais cortados. A renda das mulheres tem melhorado. W.TEC é um exemplo de ONG que contribui para melhorar a utilização e conhecimento das TIC entre as mulheres, permitindolhes o acesso a oportunidades de geração de renda e oportunidade de interagir entre si para produção coletiva. Não há dúvida nenhuma de que essa democratização dos meios de comunicação tem promovido circulação de informação, mobilização política, divulgação de trabalhos artísticos, trocas de experiências e arranjos produtivos, permitindo que os africanos e a diáspora negra possam reescrever suas histórias. Talvez, a única maneira que os africanos e sua diáspora, quase sempre marginalizados e discriminados, tenham para ligar as pontes e colaborarem para o crescimento coletivo seja aproveitar as inúmeras vantagens das tecnologias da informação e comunicação. Se essa era passar sem ser explorada, o continente africano e suas diásporas poderão perder uma grande oportunidade de reescreverem suas histórias. Essa é uma possibilidade para os africanos e seus irmãos na diáspora compensarem os longos anos de marginalização. Foto: Albino Moisés REVISTA CANJ ERÊ - 27 A Companhia Bataka, antes chamada Companhia Evandro Passos, nasceu do aprendizado do Evandro Passos no grupo de Marlene Silva e da ligação dele com os movimentos sociais interessados nas discussões acerca da cultura afro-brasileira. A experiência de Passos como bailarino, coreógrafo, militante e participante do Grupo de Dança da Marlene extrapolava os limites da dança. Nesse grupo, ele logo assumiu a função de contextualizar para o grupo nossa dança, resgatando a herança africana na sociedade brasileira. Consequentemente, isso fez com que Marlene o incumbisse de apresentar o grupo, e atuar como mediador cultural entre o público e o processo criativo dos espetáculos. Dessa forma, Evandro desenvolvia-se no grupo de Marlene, num exercício reflexivo de contextualização da prática de dança frente à cultura brasileira. Ele relacionava a Dança Afro com a história dos negros africanos para cá trazidos em razão da escravidão, e com isso acumulava conhecimento teórico e prático a respeito das manifestações da cultura afro. Fundada no encerramento da “Semana da Consciência Negra”, promovida em 1982 pelo Sindicato dos Bancários da capital mineira com a proposta de resgatar a imagem de Zumbi dos Palmares como ativista negro e de elencar a valorização da cultura negra naquela agremiação, a Companhia Bataka apresentou um espetáculo criado especialmente para aquele espaço. No dia 20 de novembro de 1982, a sede do Sindicato no centro de Belo Horizonte foi aberta ao público para uma palestra e uma apresentação. A palestra, feita por Evandro Passos, aconteceu antes do espetáculo e trouxe a discussão dos conteúdos da dança e cultura afro. Os temas abordados foram: a origem da Dança Afro, a contextualização das coreografias a serem apresentadas e a história da influência africana no Brasil e em Minas Gerais. A necessidade de falar ao Dança Compahia de Dança BATAKA Resgatando a herança africana na sociedade brasileira por meio da dança Evandro Passos Mestre em Artes Cênicas pela UNESP, bolsista FORD 2008, pós-Graduado em Estudos Afro e Africanos pela PUC/Minas e diretor da Associação Sociocultural Bataka Foto: Ricardo S.G. Foto: Ricardo S.G. 2 8 - REV ISTA CA NJ E RÊ REVISTA CANJ ERÊ - 29 L iteratu ra público sobre as heranças africanas que envolvem a negritude no país respondia ao crescimento de grupos e companhias de dança, teatro e música afro em Belo Horizonte e no Brasil, naquele período. A cultura afro-brasileira iniciava sua mobilização e alcançaria seu ápice com as comemorações do Tricentenário de Zumbi dos Palmares. Acertada a referida apresentação no sindicato, foi aberta uma inscrição para interessados em participar do projeto artístico cultural. Inscreveramse quinze jovens: parentes, amigos e vizinhos de sindicalistas que tomaram conhecimento da proposta de criar o espetáculo Valeu Zumbi. Como a ideia era propiciar um espaço de valorização da arte negra, não houve processo de seleção dos participantes. A proposta era integrar a comunidade interessada, brancos e negros. O primeiro contato com os inscritos foi uma conversa de apresentação do projeto. Observou-se o interesse e a disponibilidade para a montagem e o processo de ensino/aprendizagem da dança e cultura de matriz africana. De modo geral, a maioria dos participantes eram jovens negros da periferia de Belo Horizonte, que se dispuseram a frequentar a sede do Sindicato, localizada na região central da cidade, longe de suas comunidades. No segundo encontro iniciaram-se os ensaios do espetáculo, a partir de um roteiro coreográfico já determinado por pesquisa prévia. Foi considerado o pouco tempo, de dois meses, de que se dispunha para os ensaios e a montagem. Os ensaios ocorriam três vezes por semana e, quando necessário, eram agendados encontros extras nos finais de semana. No total, ocorreram quinze ensaios de três horas cada. O que representa uma soma de 45 horas. O elenco foi composto por quinze bailarinos dispostos a realizar uma proposta coreográfica que tinha como tema a morte de Zumbi dos Palmares. A partir de 2009, a Companhia de Danças Bataka transformou-se na Associação Sociocultural Bataka. Agregam-se na instituição artistas como Marcial Ávila, atualmente vice-presidente e responsável pelo figurino e cenografia dos espetáculos. Evandro Passos recebe Mérito Artístico da Classe Artística O coreógrafo, educador social, ator e pesquisador Evandro Passos recebeu da Câmara Municipal e SATED/MG a Comenda de Mérito Artístico, reconhecimento concedido a mineiros que se destacam na criação ou interpretação artística, nas áreas de teatro, cinema, televisão, música, artes plásticas, arquitetura e artesanato. A entrega da homenagem foi no dia 10 de novembro de 2015 na Câmara Municipal de Belo Horizonte. Evandro aprofundou seus conhecimentos em Dança e Teatro, especialmente no que relaciona a cultura brasileira, afro-brasileira e africana. A opção por esta temática ja levou o artista inclusive a UNESCO quando em 1996 ganhou o prêmio da UNESCO ACHBERG. 30 - REV ISTA CA NJ E RÊ POESIAS Edimilson de Almeida Pereira POETA, PROFESSOR DE LITERATURA PORTUGUESA E LITERATURAS AFRICANAS DE LÍNGUA PORTUGUESA NA UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA ZEOSÓRIO Para bateria e colher de pedreiro o mesmo braço, ritmos diferentes. Nas duas o empenho para se esquecer os andaimes: casa e melodia são mais ou menos um giro pelos dentes. Não há que mordê-las nem tirar suas luvas. Quando muito, se puder, estendê-las na tarde. Assento um piso como um músico tocando improviso: sei as curvas que evito e aquelas a que me abandono. Uma prima pede o favor, evêm as chuvas – que lhe conserte o telhado. A cunhada, que levante um muro na horta. A outro parente, por saúde, não cobro nada. Mas aos de fora, dado que fazem meu salário, arrecado na medida de um espetáculo. Afino martelos para não estragar os pregos: metais são a cozinha da banda, se a sua chama falha, que fiasco. No mês vencido, sem dinheiro, acertei de consertar serviço alheio. É a urla mudar o ritmo de quem esperou moradia e viu o tempo perdido. Se alguém errou a vez da batida, nem prumo nem balanço: só avaria. Mais fácil dançar na lama de sapato branco. Com bateria e colher de pedreiro um homem faz seus meios e a si mesmo como puder. (Do livro Sociedade Lira Eletrônica Black Maria, In: Zeosório blues: obra poética 1, 2002) Foto: Renato Davidson Pimenta REVISTA CANJ ERÊ - 31 TV Assembleia 20 anos A gente não mede esforços para estar junto de você. Músico morando sozinho Músico morando sozinho a si também absorve. Na reza da lógica que move o movimento. A ele correm espíritos segundo o repertório. Tanta música estampe ao rés dos músculos. Convergem em si notas todos os incêndios. Inda mais quando ele explora os silêncios. Silêncio nas cordas como se esperasse. A ele correm espíritos com não instrumentos. E quanto som se perca mais puro resultado. De canção ou negócio que em zero ficasse. A Assembleia de Minas está presente em todo o Estado. Só neste ano, as comissões de deputados já percorreram mais de 60 mil quilômetros, fiscalizando ações, promovendo debates e escutando a opinião dos mineiros. E, mesmo quando a Assembleia não vai até a sua cidade, você pode acompanhar e participar de tudo o que acontece aqui, através do Portal e da TV Assembleia. A emissora, que está comemorando 20 anos, transmite as atividades parlamentares ao vivo e oferece uma programação exclusiva, com notícias, eventos, debates e conteúdo educativo, 24 horas por dia. As nossas portas estão sempre abertas para você. (Do livro Veludo Azul, In: Zeosório blues: obra poética 1, 2002) Ondas Domingo na cidade ruge nas veias. O desejo de vê-lo é ferida certeira, febre piscando a lanterna de espelhos. O casal desvia da paisagem, sua foto se cola ao destino de quem passa. Ouve-se o ruído desse contato, regressam horas de outros domingos. Talvez com amigos, sem alvo ou tiro. Domingo para mesa e baile onde apareçam noivos usando flores de um antigo jogo. O que salva o domingo é a ausência de sangue como se outro tempo emprestasse seu calendário Assista à TV Assembleia pelo canal da sua cidade ou pelo portal: almg.gov.br/tv (Do livro Veludo Azul, In: Zeosório blues: obra poética 1, 2002) Ilustração: Maria Luiza Viana 32 - REV ISTA CA NJ E RÊ ALMG Timóteo