Estou convencido de que pouca comida e muita atividade cerebral

Transcrição

Estou convencido de que pouca comida e muita atividade cerebral
Estou convencido de que pouca comida e
muita atividade cerebral garantem longa vida.
LUIZ A.B.C.
RIO DE JANEIRO - RJ - 2012
Capa e Diagramação: Jorge Henrique de M. Santos
Lista de Professores do Conselho Editorial da Coleção
“Saiba Mais Sobre”
Ficha Catalográfica na Fonte:
C35h
Castro, Luiz Antonio Barreto de
História sobre a ciência que vivi / Luiz Antonio Barreto de Castro. - Rio de
Janeiro : Âmbito Cultural, 2012.
208p. : il. ; 21 cm
ISBN: 978-85-86742-21-7
1. Castro, Luiz Antonio Barreto de. 2. Engenheiros agrônomos - Brasil Biografia. 3. Agronomia - Brasil. I. Título.
12-4994. CDU: 926.3
CDU: 929:631
13.07.12 23.07.12
037217
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Wanda Quilot – Universidade Valparaíso - Chile
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– Sumário –
– Apresentação
11
– Prefácio
15
– Nota do Autor
19
PARTE I
A HISTÓRIA DA CIÊNCIA
23
1 – Os primeiros anos na escola
25
2 – A universidade que encontrei
30
3 – Os primeiros anos na pesquisa
37
– 3.1 - A genética brasileira
42
– 3.2 - A ditadura militar e a rural de 1964 45
– 3.3 - A pós-graduação no Brasil 48
– 3.4 - A EMBRAPA
64
– 3.5 - A biotecnologia brasileira
82
PARTE II
A GESTÃO DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA
87
4 – Os anos do Padct 89
5 – O novo milênio - a ciência dos
fundos setoriais
108
6 – As políticas
114
6.1 - A Lei de Patentes
115
6.2 - A Lei de Cultivares
125
6.3 - A Lei de Biossegurança
112
6.4 - Acesso à Biodiversidade 131
7 – Os programas de ciência e tecnologia
e seus grandes desafios
135
7.1 - A Indústria Farmacêutica
138
7.2 - Desenvolvimento Regional e as Redes
140
7.3 - O Renorbio
146
8 – Reflexões finais
152
9 – Anexos
156
9.1 - A balança da justiça 156
9.2 - Liberação da soja transgênica 159
9.3 - A verdade sobre a campanha: por um
brasil livre de trasgênicos – Apresentação –
193
9.4 - Alcides Carvalho - (1913 - 1993)
199
9.5 - Hartwig gifts memorialize ‘Mr. Soybean’ 205
Prof. Dr. Lauro Xavier-Filho *
Tarefa árdua que me foi conferida pelo Prof. Dr. Luiz Antonio
Barreto de Castro, ou simplesmente Luiz ABC, quando me solicitou a
apresentação do seu livro “Histórias sobre a ciência que eu vivi”. Homem voltado à ciência, principalmente a genética, que nasceu durante
a segunda guerra mundial, no Rio de Janeiro. Este livro fala sobre o
desenvolvimento da ciência no Brasil, porém na realidade é uma autobiografia de um verdadeiro cientista brasileiro.
Ingressou na Escola de Agronomia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro onde teve o privilégio de ter excelentes professores propiciando um curso de agronomia de alto nível.
Em 1960, Ganhou bolsa de Iniciação Científica para trabalhar
em Genética de Hortaliças com Dalmo Giaccometti que concluíra recentemente mestrado na Universidade da Flórida. No final de 1964,
no IPEACS – Instituto de Pesquisa e Experimentação Agropecuária do
Centro-Sul, estabeleceu o Laboratório de Análise de Sementes, o qual
não chefiou por que foi aprovado para magistério superior na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
Conta o Luiz ABC, que de 1964 à 1968 foram os anos mais difíceis da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro por ação da ditadura militar. Em 1968, realizou o seu Master of Science na Universidade do Estado do Mississipi. Em 1970, de volta ao Brasil, participou do
12
Uma História Sobre a Ciência Brasileira
Conselho de Pesquisa e do Conselho Universitário da UFRRJ até 1973.
Em 1974, voltou aos Estados Unidos para iniciar o Ph.D na Universidade da Califórnia, em Davis, trabalhando com Fisiologia de Plantas.
Por sua vez, a EMBRAPA foi a responsável pelo financiamento de sua
bolsa de Ph.D, mesmo não sendo pertencente a esta empresa. Segundo Luiz ABC, “a EMBRAPA foi estabelecida no período da ditadura,
por isso fomentava projetos através de bolsas, o que possivelmente não
ocorreria em outra época”.
Antes de voltar ao Brasil, realizou estágio em Los Angeles, para
poder ampliar os seus estudos de biologia molecular na área de isolamento de RNAs mensageiros de proteínas de reserva de sementes. Dez
anos mais tarde, voltou aos EEUU como bolsista da “Rockfeller Foundation” para realizar o seu pós-doutoramento em biologia molecular.
Com esta visão de Sistema de Pós-Graduação, Luiz ABC utilizou este
modelo norte-americano para criação em 2005 da Renorbio, já com
ajuda da INTERNET.
Voltando ao Brasil em 1977, com seu Ph.D, verificou que com
seu salário não dava para sustentar sua família, foi quando foi contratado pela Companhia Brasileira de Armazenamento para melhoria das
macieiras, pois o Brasil era importador de maçã da Argentina e aí tudo
mudou com o crescimento da produção de maçãs em Santa Catarina,
passando a ser um estado exportador deste produto.
Na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro foi promovido à professor-adjunto. A partir de 1981, desligou-se da UFRRJ e foi
contratado como pesquisador III da EMBRAPA. Ainda nesse ano foi
admitido como membro da Academia Brasileira de Ciências.
Quando voltou ao CENARGEN, em 2000, conseguiu identificar
e expressar dois genes de plantas, um da castanha do Pará (Bertholletia
excelsa) e o segundo do tubérculo do inhame (Colocasia esculenta).
Em janeiro de 2004, Luiz ABC tentou e aceitou participar de um Centro Universitário particular em Brasília denominado UniCEUB, onde
a direção acadêmica acenou com a possibilidade em desenvolver uma
Luiz Antonio Barreto de Castro
Pós-Graduação em Biologia e criou um núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento em Ciências Biológicas, por problemas mais variados ele
achou que a sua experiência nesse tipo de IES foi decepcionante.
Em maio de 2009, foi a Biotecnology Industry Organization na
Georgia – USA, traçando um paralelo entre o desenvolvimento da Geórgia e o Brasil nos aspecto da biotecnologia. Conhecedor dos modelos
norte-americanos, participou de vários processos para o desenvolvimento da biotecnologia brasileira, à exemplo da criação da RENORBIO, sendo este o primeiro programa brasileiro em rede com visão de
promover o Desenvolvimento Biotecnológico do Nordeste, seguido do
BIONORTE, CONCERRADO e PROCENTROESTE, todos com intuito de promover áreas do Brasil com carência em desenvolvimento
científico nas mais diversas áreas.
Depois de séria enfermidade, o querido Luiz ABC diz sempre
que “voltei da minha luta contra a morte e ganhei como presente a expulsória (compulsória) já que fiz setenta anos” e afirmando “que pouca
comida e muita atividade cerebral garantem longa vida”.
* Presidente do Conselho Editorial da “Série Saiba Mais Sobre”
13
– Prefácio –
Isaac Roitman *
O livro “Histórias sobre a cência que eu vivi”, autobiografia
comentada de Luiz Antonio Barreto de Castro, também conhecido no
meio científico por Luiz ABC, é acompanhada de um rico relato do
panorama científico brasileiro nas últimas décadas, graças à sua larga
experiência vivida como gestor de Ciência, Tecnologia e Inovação, no
âmbito do Ministério de Ciência e Tecnologia, MCT.
Nesse sentido, o livro vem preencher uma lacuna na literatura,
em que são raras as obras que falam sobre importantes projetos e programas governamentais de C&T, sob a ótica de um observador pesquisador, ao mesmo tempo um gestor protagonista da história recente da
nossa ciência e tecnologia.
O texto é permeado por um humor refinado como ilustrado pelo
comentário de um recente concurso para Professor Titular, onde o autor
confessa que perdeu por velhice. As reflexões e comentários apresentados com riqueza de detalhes, na análise de erros e acertos nas políticas
de C&T, certamente enriquecerão o acervo de informações e poderão
servir como fonte de referência para se entender melhor os caminhos do
desenvolvimento da ciência brasileira.
16
Uma História Sobre a Ciência Brasileira
A leitura do livro com que nos brinda esse septuagenário jovial
é recomendada a todos os que se interessam pela a história do desenvolvimento da ciência brasileira nas últimas décadas, em especial aos
jovens que pretendem abraçar a carreira científica.
A descrição com detalhes da sua trajetória de vida, desde a educação básica no Rio de Janeiro, vale como confirmação da importância
de alguns requisitos na formação do bom cientista, tais como: uma boa
educação básica, iniciação científica quando ainda bem jovem, formação
acadêmica em centros de pesquisa de excelência, oportunidade de trabalhar sob a orientação de alguns mentores altamente qualificados, capazes
de exercer forte influência na vida sua profissional e pessoal.
Não sem motivo, o autor reconhece a influência marcante em
sua vida científica, de dois de seus mentores: Robert Goldberg (Universidade da Califórnia de Los Angeles) e Maury Miranda (Instituto
de Biofísica Carlos Chagas Filho da Universidade Federal do Rio de
Janeiro) com quem trabalhou durante 02 anos.
Luiz ABC teve a sorte do pleno acesso a todos esses fatores, e
talento para usufruir com vantagens dessas oportunidades. Em 1965, logo
após sua graduação em Agronomia na Universidade Federal Rural do
Rio de Janeiro, UFRRJ, em 1965, foi admitido no quadro de professores
da Instituição, de onde se afastou por um período para completar a sua
formação, com mestrado e doutorado nos Estados Unidos. Em 1981,
deixou a UFRRJ e aceitou o convite de seu antigo orientador de Iniciação
Científica, Professor Dalmo Giacometti, para trabalhar na EMBRAPA,
em Brasília, com o desafio de implantar a área de Biotecnologia Vegetal
no Centro Nacional de Recursos Genéticos, CENARGEN. Dez anos
após sua criação, o CENARGEN foi credenciado como Centro de
Excelência pelo ICGEB (Centro Internacional de Engenharia Genética e
Biotecnologia) de Trieste/Nova Déli.
Em 1991, Luiz Antonio aceitou o convite para integrar o quadro
do Ministério da Ciência e Tecnologia, na Coordenação de Políticas e
Programas, de onde comandou, por nove anos, o Programa de Apoio
Luiz Antonio Barreto de Castro
ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do País, PADCT, um dos
mais importantes programas de fomento à Ciência e Tecnologia implantados no País até então . Segundo ele, foi a melhor escola de gestão
de C&T que poderia frequentar. Em sua atividade de gestor no MCT, o
autor teve oportunidade de participar da formulação e implementação
de importantes políticas, projetos e programas.
De 2005 até o final de 2010, Luiz ABC esteve à frente da Secretaria de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento (SEPED)
do MCT, e foi presidente dos comitês gestores de 03 Fundos: Biotecnologia, Saúde e Agronegócios. Durante sua gestão na SEPED, Luiz
ABC colaborou de maneira decisiva na elaboração de mecanismos de
incentivo à inovação como a lei de patentes e a consolidação e controle
dos marcos legais, como a implantação da Comissão Técnica Nacional
de Biossegurança (CTNBIO) e do Conselho Nacional de Controle de
Experimentação Animal (CONCEA).
Mais recentemente, ainda no MCT, Luiz ABC, que sempre combateu a desigualdade regional na área de C&T, comandou a implantação
de um programa importante e de grande sucesso, a Rede Nordeste de
Biotecnologia (RENORBIO). Como ele bem descreve no livro, “tudo
começou quando Sergio Rezende, então Secretário de C&T de Pernambuco, no governo de Miguel Arraes, me fez um desafio: “ Por que você
não traz toda esta biotecnologia que vocês produziram no CENARGEN
para o Nordeste?” Esse desafio não era trivial e só poderia ser aceito e
concretizado por alguém com sólida formação e experiência científica
aliada a uma grande capacidade de trabalho.
A missão principal do RENORBIO seria a formação e o estabelecimento de massa crítica de profissionais, com competência em biotecnologia e áreas afins, para executar projetos de importância para o
desenvolvimento da região. Um dos pilares do projeto é o Núcleo de
Pós-Graduação que atualmente conta com mais de quatrocentos doutores vinculados a mais de quarenta instituições nos nove estados do
Nordeste, além do Espírito Santo, que também integra esta iniciativa.
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Uma História Sobre a Ciência Brasileira
A visão que se descortina a partir do Programa, é que o Nordeste gradativamente consolidará núcleos de excelência em Biotecnologia, fazendo convergir sua competência no sentido da utilização plena
dos recursos que certamente estimulará o desenvolvimento da indústria
de Biotecnologia no Nordeste, consolidado nos padrões de competitividade global.
Luiz Antonio Barreto de Castro
– Nota do autor –
O livro nos brinda ainda com dois anexos. O primeiro abordando a introdução de organismos transgênicos no Brasil e o segundo que
trata do desequilíbrio regional brasileiro e as redes de pesquisa e pósgraduação.
Tive o privilégio de trabalhar por três anos ao lado de Luiz ABC
no MCT. Acompanhei o dia a dia desse personagem inquieto, com incrível capacidade trabalho, criativo em todos os momentos e com um
espírito patriota de sonhar com um Brasil desenvolvido e justo. Acompanhei de perto, sua vontade de viver, em 2008, quando foi desenganado pela Medicina. Sua espantosa recuperação certamente foi inspirada
na vontade de continuar sua saga na luta para o desenvolvimento científico brasileiro. O exemplo de perseverança, a construção de legados
na vida científica de Luiz ABC registrada no livro, pode e deve ser um
exemplo para as novas gerações de cientistas brasileiros.
* Professor emérito da UNB, professor aposentado da Universidade de Brasília e
Membro Titular da Academia Brasileira de Ciências.
Luiz Antonio Barreto de Castro*
Sempre quis escrever um livro sobre ciência, que é a minha
agenda diária há cinquenta anos. Não um livro científico que fica obsoleto quando sai do prelo. Um livro sobre histórias da ciência que eu
vivi. Esta decisão ficou mais fácil quando encontrei o livro do Feynman
– Surely you are joking Mr Feynman. Este livro publicado em 1985
pelo nobelista de Física de 1965 e vendeu mais de 500 mil cópias, não
contando a sua experiência em Los Alamos, mas pelo senso crítico e de
humor com que abordou vários assuntos importantes, incluindo uma
análise sobre o sistema educacional brasileiro. Não tenho outra intenção senão contar com humor histórias sobre a ciência brasileira. Não
vou vender 500 mil cópias nem ganhar um prêmio Nobel. Aliás, mais
de uma vez me perguntaram porque o Brasil não tem um nobelista. A
última vez foi em um concurso para Professor Titular de Genética que
eu perdi por velhice. Respondi que certamente temos vários Prêmios
Nobel no Brasil. Eles estão no interior do País e ainda não os conhecemos porque o Brasil é grande e a ciência só agora começa a chegar no
interior. As olimpíadas de matemática vão ajudar. Esta pergunta foi feita para o Feynman em uma de suas últimas conferências na CALTECH,
por um jovem, não mais de dezesseis anos: “como se faz para ganhar
um Prêmio Nobel?” Ele disse sério: primeiro você deve descobrir uma
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20
Uma História Sobre a Ciência Brasileira
teoria nova. Depois deve comprová-la experimentalmente. O que nos
separa dos Prêmios Nobel do mundo é a segunda parte que custa muito
caro. Depois deste depoimento otimista, já entenderam que este livro
não será repleto de ressentimento como alguns dos livros que falam
da ciência do Brasil; o que não seria justificável se olharmos a ciência
que eu encontrei no final da década de cinquenta e a ciência de hoje.
Este livro, espero, suscitará polêmicas o que é o principal cardápio da
ciência. Todos os que me conhecem quando souberem que escrevi este
livro vão esperar a polêmica como seu tempero principal. Polêmica é
a ciência desde Galileu ou mesmo antes. Espero que este livro aponte
caminhos, não para os velhos como eu, mas para os mais jovens, para
que encontrem tanto entusiasmo para ingressar na ciência como eu encontrei quando o contexto era muito mais desafiador e desalentador.
História sobre a ciência que eu vivi é um livro que marca o final da minha vida em instituições públicas de ciência. Como as ICTs
privadas não valem a pena, pensei que estava na hora de escrever este
livro antes de morrer, o que quase aconteceu em 2008. Não escolhi este
caminho por vontade própria. Quando se faz setenta anos no Brasil se
recebe um cartão vermelho. Curioso verificar que isto não acontece nos
Estados Unidos onde o meu amigo Aron Kuppermann da CALTECH
continua ativo na ciência com dez anos a mais do que eu. Este livro não
pode deixar de ser um tanto autobiográfico. Só posso contar a história
que vivi, o que se reveste de uma dificuldade que espero conseguir vencer. Eu ainda estou vivo e vivos a maioria dos personagens com quem
convivi ao longo desta história. Como resolver este problema? No momento em que escrevo estas primeiras linhas não sei. Vou tentar ser
elegante com as pessoas, mas cáustico com os fatos, se for necessário.
Binômio difícil de exercitar
Um velho filósofo brasileiro: José Duarte, que provavelmente
poucos conhecem, disse duas coisas que influenciaram muito a minha
vida: No Brasil o que vale é a descarada coragem de afirmar. Afirmar
somente; mesmo sem conhecimento dos fatos. Verão que durante esta
história, esta ”mágica” é frequente. A segunda coisa foi: é preciso optar
muito cedo entre ter e ser. É óbvio que ambas as afirmações não podem
Luiz Antonio Barreto de Castro
ser atribuídas em sua origem ao velho Duarte, pai de um grande amigo,
Raul Duarte Ribeiro, com quem brigo sempre por causa dos transgênicos. Somadas, as duas afirmações tem implícitas uma grave crise, que
nos acompanha desde o descobrimento: a crise de caráter. Todos os dias
abrimos os jornais e encontramos exemplos desta crise que como diria
Estanislau Ponte Preta, assola o País. É lugar comum afirmar que ela
se apóia na impunidade diante da corrupção. Uma medusa que sobrevive embora algumas poucas cabeças ao longo da história tenhamos
eliminadas. Espero que este livro aos olhos dos mais eruditos apareça
como um livro revestido de certa ingenuidade. Ter esperança obriga
ao exercício de uma boa dose de ingenuidade. Prefiro isto ao cinismo
ou ao sarcasmo quase sempre de mãos dadas com a desesperança e o
desanimo. Espero que seja um livro alegre em que vou misturar um
pouco de muitas coisas que estão fora da ciência para que os jovens ao
passarem por experiências semelhantes tenham facilitada sua escolha e
sejam estimulados para seguir a carreira científica. É um livro para os
jovens, repito. Hoje aos setenta anos ainda me sinto como um estudante
de biologia que tem a ingênua esperança de morrer sabendo como funciona o processo de diferenciação celular. Como é um livro de história
não vou citar referências, o que seria cansativo para o leitor. Entretanto tudo o que cito pode ser encontrado no meu Currículo Lates. Vivi
nos meus quinze anos como Secretário do MCT, momentos engraçados
com personalidades importantes da história política brasileira. Às vezes
as cito principalmente para evidenciar que estas personalidade, mesmo
nos momentos mais delicados e difíceis, não perdem o senso de humor,
ingrediente indispensável aos brasileiros diante de tantos desafios que
teimam em perdurar sem solução à vista. Não perder o senso de humor
merece elogios. Nem sempre consegui esta ventura. Tenham paciência
com esta história e com a ingenuidade do seu autor.
*Engenheiro agrônomo - UFRRJ - 1962; M.Sc. (Agronomia/Tecnologia de Sementes) Mississippi State University - 1970; Ph.D. (Fisiologia de Plantas) - University of CaliforniaDavis - 1978; Pos-doc (Biologia Molecular) - University of California - L. A. 1986-1988.
21
Parte I
–
A HISTÓRIA
DA CIÊNCIA
1
– Os primeiros anos na escola –
Nasci durante a segunda guerra mundial no morro de Santa Teresa, bairro do Rio de Janeiro que, nos anos de 1940 e 1950, era uma espécie de Montmartre do Rio, atraído por pintores e pelos nazistas. Santa
Teresa era um bairro de castelos e pintores. Djanira, Gotuso e outros menos famosos pintavam nas ruas. Os castelos davam festas como as daria
Scott Fitzgerald, superavançadas mesmo para os dias de hoje. Era um
bairro de aristocratas no topo e de marginais nas franjas, hoje, completamente dominadas pelo narcotráfico. Naquela época, não havia crime
organizado e maconheiro era palavrão. Cresci soltando pipa, roubando
manga, jogando pelada na rua e vendo blocos de sujo nos carnavais, que,
quando passavam, os pais colocavam as crianças para dentro.
A guerra marcou minha vida de duas maneiras: a primeira, acordando-me de madrugada com o barulho de uma família francesa que fugia da guerra e da França, e se mudava para a nossa vizinhança. Era um
exemplo de que a guerra desgraçadamente move as pessoas. A segunda
foi verificar que muitos brasileiros eram simpáticos ao Eixo, mesmo na
minha família que, de ariana, só tem a metade. Da outra metade, tive
um tio que foi à guerra e voltou; e outro, que era simpático ao Eixo. O
meu pai lembrava a ele: “você de ariano não tem nada, tome cuidado”.
26
Uma História Sobre a Ciência Brasileira
O meu primeiro colégio, Menino Jesus, na década de 1940, era
numa casa lúgubre. Estudava-se em um porão, onde havia sempre um
cachorro precariamente preso. Todos temíamos que ele, um dia, se soltasse. A minha primeira professora, Dona Irene, me ensinou a escrever
com a mão direita, a única coisa que faço com esta mão até hoje. Não
consigo mais escrever com a esquerda. Os canhotos do meu tempo sofriam. O dono do colégio, seu Milton, era profundamente mal-humorado e brigão, mas, todo o dia, na década de 1940, enfileirava os alunos, tocava o Hino Nacional e hasteava a bandeira brasileira. Sabíamos
todos os hinos, além do Nacional, que eram impressos nas capas dos
cadernos dos grupos escolares. Curiosamente, décadas depois, quando
comecei a estudar nos Estados Unidos, verifiquei que aquilo era um
hábito corriqueiro naquele país. Tocava-se o Hino Nacional americano
antes de qualquer partida de qualquer esporte. No final dos anos de
1980, fui fazer um pós-doutorado na UCLA e minha filha Luiza, de
quatro anos, aprendeu a jurar a bandeira dos Estados Unidos, em dois
dias, sem saber o significado das palavras. Conto esta história porque,
durante as seis décadas em que vivi, no século passado, os brasileiros
não tinham nenhum orgulho da sua origem e ser honesto era burrice. As
piadas sobre o brasileiro eram sempre depreciativas, como a de Deus
que, chamado à ordem por não nos ter reservado nenhuma dificuldade
geográfica, desculpou-se: “Esperem, porque vocês vão ver o povo que
vai viver lá”. Os brasileiros tinham vergonha de si mesmos, de suas
origens. Os mais escurinhos, para jogar no Fluminense, só com pó de
arroz. Como diria mais tarde Nelson Rodrigues, o brasileiro tinha um
complexo de vira-lata que só agora, no novo milênio, parece que vai
nos deixar. Hoje, ouço hinos antes de partidas de futebol.
O velho Colégio Menino Jesus não tinha estrutura para preparar
ninguém para o chamado exame de admissão ao ginásio. Quando fui
para o Colégio São Bento não consegui passar na prova de admissão,
depois de três meses, e tive que fazer um quinto ano, antes de entrar
no ginásio. O Brasil tem um perverso exercício de reprovação impos-
Luiz Antonio Barreto de Castro
to mesmo a jovens como eu, à época, que experimentei esta decepção
aos dez anos. Quando se reprova um aluno transfere-se para ele toda
a responsabilidade de um contexto, que resultou em fracasso. Quase
sempre, o aluno é apenas parcialmente responsável pelo fracasso: devia
tirar cinco em matemática e tirei quatro. A decepção que senti quando
vi a minha nota está ainda viva na minha mente. Lembro-me, depois
de sessenta anos, dos mínimos detalhes: da minha roupa molhada e da
chuva que tive que enfrentar para contar esta “desgraça” em casa. Pais
compreensivos, como eu tive, ajudam. Podia ter sido muito pior.
O São Bento era um bom colégio em Letras e Filosofia, naquela
época, mas, na minha visão de hoje, fraco quando lá estudei em Matemática e Química. O professor de Matemática intimidava os alunos
fazendo contas ao contrário para se exibir. Isso não estimulava os adolescentes para o estudo da matemática, o que me fez muita falta no futuro. O de Química era míope quase cego. Tinha o apelido de CaCO3,
menos pela relação deste sal com a química e mais porque os seus óculos
eram muito grossos. Nas Letras, o São Bento era diferente. O colégio
ensinava Filosofia, de São Tomaz de Aquino aos mais modernos como
Immanuel Kant; aprendi Inglês e Francês em casa com a minha mãe e no
São Bento; e Português com o Mario Barreto, coautor da Antologia da
Língua Portuguesa. Ele chegava com um terno branco impecável; dava
aulas cronometradas e, de repente, tirava um relógio de ouro do bolsinho
do terno e dizia “por hoje é só”; saía tão impecável quanto havia entrado.
Incomparável com os cursos ginasiais de hoje, nos quais os professores,
que ganham seiscentos reais por mês, não podem comprar relógio algum, quanto mais de ouro. No São Bento, nunca tive aulas práticas de
Química e Física. Talvez, uma ou duas por ano. Por esta razão, até os
dezessete anos a Ciência não havia entrado em minha vida. A Literatura,
sim. Ainda longe da Ciência, ouvia do meu pai, Oscar Gomes de Castro,
médico, escritor de romances e jogador de xadrez, o mais significativo
conselho que recebi desde cedo, e que teve importância na minha carreira em Ciências no futuro. Ele estudava sempre e dizia: “o tempo perdido
27
28
Uma História Sobre a Ciência Brasileira
é o tempo que se passa sem estudar”. Ele estudava tudo, mas principalmente Psicologia e Psicanálise. Desde cedo, eu conheci, por seu intermédio, personagens importantes dessa área do conhecimento, de Freud
a Carl Jung. Gomes de Castro tinha o hábito da leitura, que rapidamente
incorporei, começando pelos portugueses, como Eça de Queiroz; por
seu contemporâneo francês Émile Zola e pelo pai da literatura brasileira,
Machado de Assis, para lembrar apenas alguns. Destes, passei para os
russos, Tolstoi e Dostoievski, sob o estímulo de outra importante influência na minha juventude, que foi a de Laércio Ribeiro, bancário,
meu vizinho em Santa Teresa, comunista, que não sei se ainda está vivo.
Tenho saudade do tempo em que a literatura me consumia quase todo o
tempo. Líamos até a noite, sentados na porta de casa, em Santa Teresa.
Quando me mudei para Copacabana, nos anos dourados, fui para
o Colégio Andrews. O meu professor de Química era nada mais nada
menos que Ernesto Tolmasquim, depois Presidente do CNPq. O de Física, Raymond Hebert, e não me lembro do nome do de Matemática. Só
me lembro de que ele deu zero a todos os alunos da turma em uma prova parcial do segundo ano científico, o que me fez repetir o ano. Novamente, fui apenas parcialmente responsável pelo meu fracasso. Pode-se
argumentar que São Bento e Andrews eram colégios caros e pagavam
bem aos seus professores. Ocorre que os mesmos professores ensinavam no Colégio Pedro II, que era federal e público. Temos um longo
caminho a recuperar na formação dos nossos jovens. Defendo que um
programa estadual deve ser financiado em parceria com o Governo Federal, destinando recursos para que recém-doutores tenham maior envolvimento com o ensino médio, recebendo, como contrapartida, recursos para as suas pesquisas e bolsas, de maneira que os jovens possam
iniciar sua formação científica nos laboratórios desses recém-doutores.
Formamos 11 mil doutores por ano em todo o país. Com salários de
seiscentos reais, entretanto, não é possível. A que distância estamos da
percepção pelos dirigentes públicos estaduais da importância de um
professor de ensino médio?
Luiz Antonio Barreto de Castro
Posso dizer que comecei a me interessar pela Ciência quando fui
para o Andrews. Era uma atmosfera interessante. Na década de 1950, tivemos um debate, à noite, preparado por alunos do curso científico, em
que, de um lado, se defendia a energia nuclear como potencial substituta da energia fóssil, que terminaria um dia. Do outro lado, estavam os
do petróleo é nosso. Em junho de 2006, cinquenta anos depois, compareci, em nome do Ministro da Ciência e Tecnologia, a um debate entre
Ministros da OCDE, em Paris, com a mesma agenda, e, por mais que
eu defendesse uma terceira possibilidade (energias renováveis), ouvi de
todos os Ministros de países desenvolvidos que eles iriam até a última
gota de petróleo e a última pedra de carvão. O que fazer com o CO2
emitido? Não é surpreendente que não tenhamos avançado nessa área
até agora. Voltarei a este assunto mais tarde.
29
Luiz Antonio Barreto de Castro
2
– A universidade que encontrei –
Entrei para a Escola Nacional de Agronomia da Universidade
Rural em 1959. Egresso de bons colégios, passei direto no vestibular,
sem cursinho, que já existia na época, mas que eu não tinha como pagar.
Gosto mais do sistema que gradualmente vem se instalando no Brasil,
o PAS e o Enem, em que os alunos se preparam durante os anos de secundário e, se tiverem aproveitamento superior, não precisam fazer vestibular. Acho o vestibular uma invenção desastrosa que, espero, acabe
um dia. Promove uma inversão de valores. Os professores de cursinho
só andam de carro importado.
Sair de Copacabana, nos anos dourados e em plena bossa nova
para viver na Universidade Rural, significou várias rupturas e mudanças de hábito. Ninguém sabia o que era Agronomia. Quando eu dizia
“Agronomia”, as pessoas perguntavam sempre: “Economia?” Quando eu
insistia na palavra “Agronomia”, a segunda e invariável pergunta era:
“Seu pai tem fazenda?” Ninguém entendia, naquela época, final dos anos
de 1950, que, escolhendo Agronomia, casei-me com a Biologia mais do
que seria possível, se escolhesse qualquer outra profissão. Na Rural, cada
um vivia por sua conta. Ninguém o acordava de manhã e o restaurante,
que era muito barato, fechava cedo e na hora certa. Quando íamos para
a aula de Mecânica Racional, eu e o Raul Ribeiro, nas segundas-feiras à
tarde, passávamos pelo campo de futebol e o Geraldo estava preparando
o material para o treino. Perdíamos a aula batendo bola, o que nos causou
uma dependência nesta disciplina. A Rural que encontrei exigia responsabilidade de alunos ainda jovens, mas tinha tudo a oferecer, e foi extremamente importante na minha formação científica. Embora houvesse pouca
Ciência na Universidade, e poucos doutores, os professores eram excelentes, com poucas exceções, e tínhamos aula o dia inteiro. Havia cientistas. Conheci alguns. Ângelo Moreira da Costa Lima era um deles; em
minha opinião, o pai da Entomologia brasileira. Não aguentava o calor e,
nas férias de verão, trabalhava seminu, para o espanto de alguns visitantes, que resolviam olhar pela janela do Departamento de Entomologia, no
prédio da Biologia. A Rural não tinha uma biblioteca decente e o Costa
Lima tinha que ir à Fiocruz para estudar, o que ele fazia regularmente.
Vou me esquecer de alguns nomes porque os cientistas da Rural eram
poucos. Quero fazer justiça ao Charles Frederick Robbs, de quem fui bolsista em 1960. O Charles formou os principais fitopatologistas brasileiros e a importância desse fato nunca teve o reconhecimento plenamente
devido. Aprendi com ele os postulados de Koch e a percepção de que o
sucesso na Ciência é exceção da rotina e não a regra. Em uma conferência a que assisti, muito mais tarde, ministrada pelo César Milstein - que
ganhou o Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina em 1984, com a descoberta dos anticorpos monoclonais - ouvi algo semelhante: “entre as boas
ideias e o Prêmio Nobel, temos que fazer os experimentos”. Apresentei
meu primeiro trabalho científico em um Congresso Nacional organizado,
inteiramente, por Diretórios de estudantes de Agronomia, em 1961, como
bolsista do Charles Robbs.
Tive o privilégio de assistir às aulas do Otavio Domingues que,
há cinquenta anos, falava na importância das raças nativas ou adaptadas
no Brasil como o ovino deslanado de Morada Nova, décadas depois
recuperado pela Emprapa Caprinos, em Sobral. Bons professores de
Química: Roberto Alvahydo, Paulo Costa Pereira; e de Solos, PetzvalLemos e Abeilard de Castro. Eugenio Izeckson da Zoologia. Cincinato
Gonçalves da Entomologia. Américo Grosszamnn da Genética, Roberto
31
32
Uma História Sobre a Ciência Brasileira
Meireles de Miranda e Sabugosa da Zootecnia. Vou fazer injustiça esquecendo muitos. A Rural era a elite na formação geral de agrônomos,
em minha opinião, embora não houvesse, na Genética, uma escola tão
forte como a da Esalq. O Américo Grossmann preconizava que teríamos espécies adaptadas para todas as regiões do Brasil, como se pode
ver hoje, com a uva do Vale do São Francisco e o trigo do Cerrado, que
está no Washington Post.
A universidade brasileira na década de 1950 era precária. Na verdade, havia pouca Ciência em Universidades no Brasil, na década de
1950, não era “privilégio” da Rural. Isto é diferente de dizer que não
havia Ciência no Brasil, na década de 1950. A Ciência no Brasil tem
uma história de muitos séculos. Formalmente, mais de cem anos, nos
Institutos como o Agronômico de Campinas, o Museu Goeldi, o Instituto
Oswaldo Cruz, e o Instituto Biológico de São Paulo. O Jardim Botânico
do Rio de Janeiro foi criado por D.João VI há mais de duzentos anos.
Havia muita influência de cientistas estrangeiros na ciência brasileira. O
Goeldi era suíço. Expedições de estrangeiros, principalmente botânicos,
que aqui vieram para coletar plantas, remontam há mais de três séculos.
A flora brasileira está espalhada na Europa e nos Estados Unidos, no
Kew Garden e em Nova York. Agora, estamos fazendo um esforço para
repatriar a nossa biodiversidade. Como teria sido a Mata Atlântica nos
idos de 1500, que, mesmo protegida pela corte portuguesa, no inicio
do século dezenove, com a lei conhecida popularmente como “madeira
de lei”, só nos oferece hoje 6% do que era no descobrimento? Alguns
cientistas vieram para o Brasil mais recentemente fugindo do nazismo.
Outros, muito antes. Franceses, alemães como Kramer e o Silberschmidt
contribuíram muito para a biologia brasileira, no Instituto Biológico de
São Paulo no IAC e na Esalq. Cientistas japoneses foram extremamente
relevantes para o desenvolvimento da agricultura brasileira. Hiroshi Ikuta, Shinobu Sudo, Hiroshi Nagai, entre outros. A presença dos japoneses
no Brasil é antiga. Em anos mais recentes, infelizmente, a influência
estrangeira vem se diluindo. Enquanto, para trabalhar na ciência americana basta fazer sucesso científico em qualquer lugar do mundo, no
Luiz Antonio Barreto de Castro
Brasil, fui uma vez procurado por um excelente bioquímico, nascido na
Ucrânia, que tentava se naturalizar brasileiro. Dizia: “Estou no Brasil, há
muito tempo. Casei com uma brasileira, tenho uma filha brasileira. Infelizmente, não consigo a minha certidão de nascimento, que foi emitida
pela União Soviética, porque ela não existe mais”. A exigência era do
Ministério das Relações Exteriores. No fim deu certo, mas tive que interceder no MRE, como Secretário do MCT. Uma vez, estava assistindo,
nos Estados Unidos, a um documentário sobre o programa nuclear americano. De repente, na tela da TV, uma fotografia com todos os físicos da
Universidade de Leipzig. Uma seta em cima de um deles. Disse o locutor: “Todos foram ou para os Estados Unidos ou para a União Soviética,
menos o da seta.” Se a nossa bandeira é verde e amarela, deveríamos
dar um “green card” para os excelentes cientistas que, mesmo poucos,
querem vir para o Brasil; e não um cartão vermelho.
Quando fizemos a opção de consolidar um sistema Universitário
no âmbito federal, copiamos da França, que é do tamanho do estado da
Bahia, e, por esta razão, nunca deu certo. Não me surpreende que não
tenhamos uma Universidade Federal Brasileira entre as cento e cinquenta melhores Universidades do mundo. As duas mais bem colocadas são
estaduais: a USP e a Unicamp. As Universidades não são federais porque resolvem problemas nacionais, mas para garantir verbas federais. A
UFRJ, para citar uma das melhores, não resolve nem os problemas da
Favela da Maré e da poluição da Lagoa Rodrigo de Feitas e da Baía da
Guanabara. As Universidades são federais para ter recursos do Governo Federal. Neste sentido, deveríamos seguir o modelo americano que,
no século dezenove, fez as “land grants”, e garante verbas federais até
hoje para as Universidades com base nos Morrill Acts de 1862 e 1890,
reconhecendo muito cedo a dificuldade de neutralizar as desigualdades
do desenvolvimento regional americano. O sistema Universitário americano é muito mais antigo, é verdade. Harvard tem 364 anos. O leste dos
Estados Unidos se desenvolveu muito mais cedo. Vejam a classificação
das Universidades da Ivy League, abaixo. As Land Grant Universities,
é fato, não estão entres as líderes do mundo, mas o sistema americano,
33
34
Uma História Sobre a Ciência Brasileira
que é estadual, insere as Universidades americanas entre as melhores do
mundo. Qual é a principal diferença? As Universidades estaduais americanas favorecem financeiramente os nascidos nos estados onde elas se
situam, que pagam um “tuition” (matrícula) muito baixo. Os estados,
mesmo os mais pobres, por esta razão, apoiam fortemente suas Universidades estaduais. Têm orgulho delas. Todos os anos, as Universidades
abrem suas portas para mostrar à sociedade o que estão fazendo. É preciso ver o orgulho estampado nas fisionomias dos visitantes. Isto sempre
acontece no dia do “home coming”, quando o time de futebol americano, depois de passar muitos jogos fora, volta para jogar em casa. É verdade que os Estados Unidos exercitam liberdade e independência legal
e política para os estados. Vivi muitos anos na Califórnia. Sempre que
há eleições é possível, reunindo assinaturas suficientes, fazer uma “proposition” que, se aprovada no voto, vira lei estadual. Exemplo: legalizar
a maconha, como propõem sempre os da ”Bay Area”. Limitar o salário
dos professores da UC equiparando-os ao maior salário do judiciário.
Esta última perde sempre porque o californiano sabe que, se limitar o
salário dos professores do UC System, eles vão para Boston. Aqui, os
salários das universidades federais são todos iguais. Como atrair professores para as regiões mais carentes? Por esta razão, entre as cinquenta
melhores Universidades do mundo, só sete estão fora dos Estados Unidos. Nenhuma na França. Uma vez, almoçando com o José Goldemberg,
em 1991, quando cheguei ao MCT pela primeira vez, contei esta história e ele me disse: “É constitucional, meu caro.” Não consegui tirar do
Goldemberg mais do que isto. Minha filha Elisa discorda frontalmente.
“Pelo menos o pobre não tem que pagar na Universidade Federal”, diz
ela. Na verdade, o pobre, via de regra, tem que pagar a uma Universidade privada, porque não entra em uma Universidade Federal. Agora
temos cotas e outros artifícios. Qual foi o fruto desta escolha? Hoje, menos de 5% dos alunos de graduação estão em Universidades Federais. A
maioria é de classe média alta ou superior. Na UNB, basta ver os carros
importados no estacionamento na frente do “minhocão”. Maior elitização do que ocorre no nível médio, também extremamente elitizado. A
seleção na UNB permite o ingresso apenas para os candidatos que estão
Luiz Antonio Barreto de Castro
a dois desvios padrões para a direita na curva de Gauss, que distribui os
alunos dos menos aos mais preparados.
Nos Estados Unidos, ocorre o oposto: alunos até a Universidade
não pagam nada. Depois, os nascidos em um dado estado pagam muito
menos na Universidade Estadual do estado onde nasceram. Todos sabem
o que eu acabo de relatar. São louváveis os esforços recentes para diminuir esta elitização das Universidades Federais, mas o problema está na
origem. O que fazer? Estamos caminhando no sentido inverso, mas, estabelecendo Universidades Federais no interior, há pelo menos a esperança
de que gradualmente transformemos estas Universidades em Universidades Estaduais. O “land grant” brasileiro do século vinte e um, cento e
vinte anos depois do americano. Se os estados adotarem as Universidades
Federais, podemos democratizar as Universidades, mas é preciso liberar
os salários. Como estimular professores a ir para a Amazônia? Pagando mais, como fizeram comigo na década de 1980, quando vim para
a EMBRAPA, em Brasília. Já houve esforços neste sentido. O Darcy
Ribeiro mais de uma vez. O Linaldo Cavalcanti, em Campina Grande.
O Warwick Kerr, na época do Geisel, no Inpa. Ficaram pelo caminho
porque tais decisões exigem que a ciência passe a ser uma prioridade
no Estado, e o eleitor vote no candidato que fizer esta escolha, e não no
que constrói estádio de futebol. Repito: é necessário estabelecer a ciência
como prioridade. Quem deu prioridade à ciência no Brasil? São Paulo.
A Fundação de Amparo à Pesquisa do estado de São Paulo (Fapesp) foi
criada há cinquenta anos (Lei Orgânica n.º 5.918, de 18 de outubro de
1960 e Decreto n.º 40.132, de 23 de maio de 1962), e destina 1% do seu
imposto para a pesquisa de São Paulo. Isto não aconteceu da noite para
o dia. Desde a Constituição Estadual de 1947, a Fapesp já tinha sido prevista. A Fapesp é uma vitória da Academia Paulista, liderada na época por
um grupo de cientistas, tendo à frente Adriano Marchini e Luiz Meiller.
Nos outros estados, o apoio às Faps quase sempre é espasmódico, com algumas exceções: Ceará, Minas Gerais, Amazonas e, mais recentemente,
Rio de Janeiro. Por quanto tempo? Quando este livro for publicado esse
quadro pode ter mudado. Um Governador apoia, mas o próximo pode
35
36
Uma História Sobre a Ciência Brasileira
não apoiar e até fechar a FAP, como quase aconteceu em Brasília recentemente. O que diferencia a Fapesp das outras é a sua independência de
gestão, imune às alternâncias de poder político, o que não ocorre com
nenhuma outra FAP no Brasil. Sei que vou, no mínimo, desagradar a muitos, mas esta é a verdade aos meus olhos. Por isso, São Paulo é um país
dentro do outro. Hoje, é lamentável dizer, a maior prioridade brasileira
indiscutivelmente é o futebol. A prova irrefutável desse fato é que quando
foi decidido que a Copa do Mundo de 2014 ia ser no Brasil, a maioria dos
estados, não se sabe como, encontrou dinheiro para construir ou adaptar
estádios, para ter pelo menos uma partida da Copa entre os afortunados
que sediarão o evento. Alguns desses estados não têm Fundação de Amparo à Pesquisa.
RICH
W O R L D
UNIVERSITY
COUNTRY SIZE VISIBILITY
RANK
FILES
1
2
3
20
Harvard University
1
1
1
2
Massachusetts Institute of Technology
3
6
2
5
Stanford University
7
4
28
4
University of California Berkeley
5
4
5
14
Cornell University
6
12
7
3
University of Washington
9
12
4
7
University of Minnesota
8
40
21
42
Johns Hopkins University**
8
8
32
9
University of Michigan
10
3
9
12
University of Wisconsin Madison
10
15
13
11
California Institute of Technology Caltech**
12
13
13
6
University of Texas Austin
26
11
9
13
University of Illinois Urbana Champaign*
14
27
10
29
University of Pennsylvania
5
31
2
15
Carnegie Mellon University
16
20
16
15
Columbia University New York
15
17
22
17
University of California Los Angeles
18
30
27
18
University of Maryland*
19
23
32
11
Purdue University
41
35
8
20
Texas A&M University
113 14
17
21
Pennsylvania State University**
22
33
18
21
University of North Carolina Chapel Hill
23
19
28
19
Michigan State University
14
23
41
24
Indiana University*
25
21
37
16
University of Florida
22
33
24
26
University of California San Diego
27
28
20
61
University of Cambridge
25
40
10
28
University of Arizona
29
32
39
7
Rutgers University
24
19
72
30
Yale University
31
39
22
46
New York University
16
42
53
32
University of Southern California
33
38
24
31
University of Virginia
33
36
25
34
Duke University
35
66
43
30
University of British Columbia
67
45
37
36
University of Toronto
37
48
30
40
University of Oxford
17
63
59
38
University of Tokyo
39
87
41
48
University of Pittsburgh
74
25
66
40
Princeton University
41
46
49
74
Virginia Polytechnic Institute and State University
42
44
59
81
Swiss Federal Institute of Technology ETH Zürich
77
60
34
43
North Carolina State University
44
70
71
33
Georgia Institute of Technology
65
47
27
45
University of Colorado Boulder
46
83
26
68
University of Chicago**
71
46
38
47
University of California Irvine
48
11
53
60
University of Utah
111 73
64
49
Norwegian University of Science & Technology
50
89
66
49
University of Edinburgh
3
– Os primeiros anos na pesquisa –
SCHOLAR
1
5
17
27
33
68
16
2
21
53
19
62
61
20
98
86
82
37
47
29
106
163
114
154
88
92
123
108
132
159
147
54
278
153
52
38
137
35
42
136
44
30
51
32
168
269
143
272
22
69
A Rural tinha uma vantagem adicional. Em frente, do outro lado
da estrada, funcionava o Instituto de Ecologia e Experimentação Agrícola – IEEA, vinculado ao Ministério da Agricultura. Muitos professores
da Rural, como o Roberto Alvahydo, por exemplo, faziam suas pesquisas no IEEA e moravam na Rural. Outros só iam à Rural para lecionar e
voltavam no mesmo dia ou no dia seguinte. No IEEA, encontrei o primeiro ambiente institucional que discutia ciência. A Johanna Dobereiner
começou sua pesquisa na década de 1950, no IEEA: o melhor exemplo
do que preconizava Milstein. Desacreditada pela maioria, com perseverança, escreveu uma das principais histórias de sucesso na agricultura
brasileira, com a fixação biológica de nitrogênio em Leguminosas e,
mais recentemente, em Gramíneas, que seus discípulos desenvolvem
hoje. Um deles, ex-aluno meu e monitor da disciplina que eu lecionava
na UFRRJ, Paulo Cavalcanti Gomes Ferreira, e Adriana S. Hemerly têm
o projeto mais avançado de fixação biológica de nitrogênio em Gramíneas, combinando o sequenciamento do genoma de Acetobacter, que
fizeram com o Sucest de cana de açúcar. As ferramentas moleculares de
hoje não estavam disponíveis para a Johanna naquela época. Levei anos
para financiar esse projeto pela Finep. Uma burocracia interminável na
38
Uma História Sobre a Ciência Brasileira
Finep e na UFRJ. Esse é o projeto científico mais importante para a
agricultura mundial e nunca teve o apoio que deveria.
O Dalmo Giacommetti, pesquisador do IEEA, tinha concluído
um MSc na Universidade da Flórida, em Gainesville, e contribuiu significativamente para a citricultura brasileira. Um dos seus trabalhos, publicado no California Citrograph (GIACOMETTI, D.C., Stem-pitting threat of Brazil citrus. California Citrograph, v.46, p.243-244, 1961.), foi,
à época, revolucionário. Dalmo mostrou que era possível proteger uma
planta de citrus de uma virose severa com uma estirpe fraca deste vírus
e assim assintomática. Muitos seguiram essa linha de pesquisa, em particular o Guerd Muller, meu contemporâneo na Rural, e o Álvaro Santos
Costa, do Agronômico de Campinas. Naquela época, estávamos ameaçados por várias doenças viróticas importantes (a Tristeza entre elas) e a
alternativa que acabou prevalecendo, sob a batuta do Silvio Moreira do
IAC, foi trocar os clones da época por clones novos sem doença. Hoje, a
engenharia genética, sem se lembrar do Dalmo Giacommetti, faz plantas
resistentes a vírus, expressando proteínas virais que, de alguma forma,
protegem a planta de infecções pelo vírus provavelmente bloqueando
receptores necessários para possibilitar a infecção viral. Atualmente, a
saúde humana pode pensar em bactérias modificadas que expressem
moléculas com grande afinidade para os receptores de H5N1. É preciso
identificar que bactérias podem executar essa tarefa em humanos, como
as endofíticas fazem em plantas. Elas existem em humanos. É preciso
usar modelos de plantas para encontrar soluções para a saúde humana.
Quando o Steward, na década de 1950, mostrou que havia células totipotentes em plantas, os médicos não deram muita bola. Hoje, se sabe que
quatro genes fazem uma célula somática humana perder essa memória e
funcionar como uma célula embrionária; e se fazem rotineiramente, no
Brasil, clones de animais, a partir de células somáticas.
Em 1961, ganhei uma bolsa de Iniciação Científica do CNPq para
trabalhar com o Dalmo Giacommetti. Era um projeto que eu achava inicialmente despretensioso do ponto de vista científico: caracterizar co-
Luiz Antonio Barreto de Castro
leções de espécies olerícolas. Queria ir para Genética. Todos queriam
ir para a Genética, depois que Watson e Crick descobriram, em 1953,
o código genético. Achava a Fitopatologia da época muito centrada no
controle químico. Visitávamos lavouras de tomate e recomendávamos
um coquetel de agrotóxicos, mesmo se o tomate não estivesse doente.
O coquetel incluía no mínimo dois inseticidas (um para mastigadores e
outro sistêmico para sugadores), um fungicida e um espalhante adesivo,
um óleo mineral para proteger o coquetel de uma lavagem pela chuva.
A planta de tomate ficava azul. Muitos anos depois, ouvi do Marcos Kogan - também contemporâneo da Rural, um dos maiores entomologistas
brasileiros, hoje, ao que saiba, trabalhando no Departamento de Crop
Protection da Universidade de Oregon - em um Congresso Internacional, no Brasil, a informação de que, desde a década de 1940, despejamos
dezenas de milhares de toneladas de inseticidas clorados nas plantas para
diminuir as perdas causadas pelas pragas. Essas perdas não diminuíram.
Então, está claro: quanto mais agrotóxico pior. As pragas se tornaram
resistentes. Ainda assim, gastamos mais de sete bilhões de dólares/ano
em agrotóxicos no Brasil: líderes mundiais e a conta sobe a cada ano.
Em 1960, lendo um Yearbook de Agricultura do USDA, publicado em 1953, Plant Diseases, verifiquei que plantas podiam ser geneticamente resistentes a doenças. Infelizmente, não a insetos. Aceitei
a bolsa do CNPq e o projeto porque minha intenção era atuar na área
de melhoramento genético para obtenção de variedades de hortaliças
portadoras de resistência genética a doenças. Esta atividade, que abracei mais tarde, tornou necessário estabelecer, inicialmente, coleções de
germoplasma de hortaliças, introduzidas principalmente dos estados da
Flórida e do Havaí, situados na mesma latitude do Rio de Janeiro, embora no hemisfério norte, nos Estados Unidos. As doenças que ocorriam
lá, ocorriam no Rio de Janeiro. Esses recursos genéticos foram utilizados como fonte de resistência às doenças mais importantes no estado do
Rio de Janeiro, o que mais tarde conseguimos fazer com certo sucesso
com a participação decisiva de outros pesquisadores da Rural, sob a
39
40
Uma História Sobre a Ciência Brasileira
liderança do Raul de Lucena Duarte Ribeiro. Foi a minha primeira relação direta com os recursos genéticos, em 1961. Vinte anos mais tarde,
o mesmo Dalmo Giacometti convidou-me para construir a engenharia
genética de plantas no CENARGEN da EMBRAPA. Graduei-me em
1962 e fui convidado para trabalhar com o Dalmo Giacometti na área de
Olericultura do IEEA – Instituto de Ecologia e Experimentação Agrícola. Depois de nove meses sem receber salários, fui contratado, em
outubro de 1963, como engenheiro agrônomo do Ministério da Agricultura, lotado no IPEACS - Instituto de Pesquisa e Experimentação
Agropecuária do Centro-Sul, que sucedeu ao IEEA. Nos meses sem
salário, pendurávamos, no único restaurante de estrada que concordava
com isto. Antes da EMBRAPA, que só seria criada dez anos depois, a
ciência agropecuária era realizada por Centros de Pesquisa regionais,
sendo o IPEACS o Centro da Região Centro Sul, com sede no Km 47.
Com o Dalmo, velho amigo já falecido, por sua relação com a Flórida e
com o Havaí aprendi, além do trabalho de coleção de germoplasma de
olerícolas, que já desenvolvia como bolsista do CNPq, alternativas para
o controle químico de pragas: o controle biológico que, por meio de um
inimigo natural trazido da Flórida, funcionava muito bem para controlar a Orthezia praelonga, praga dos citrus. É difícil entender como essa
área de tanto potencial para a agricultura é tão fraca, na EMBRAPA;
Rose Monnerat à parte.
Luiz Antonio Barreto de Castro
As instituições interagiam muito, particularmente do ponto de
vista internacional, antes do mundo da propriedade intelectual que temos hoje. Nos anos de 1963 a 1965, ainda no IPEACS, estava convencido de que o projeto de melhoramento genético, que prenunciava certo
sucesso, não chegaria aos agricultores porque não tínhamos uma lei de
sementes. Iniciei estudos na área de Tecnologia de Sementes em 1963.
O grupo mais forte nessa área estava localizado na Escola de Agronomia Eliseu Maciel, em Pelotas, Rio Grande do Sul. Fiz outros cursos e
quando voltei ao IPEACS, no final de 1964, estabeleci o primeiro Laboratório de Análise de Sementes, que não cheguei a chefiar porque fui
aprovado, em junho de 1965, para ingressar na carreira de magistério
superior da UFRRJ - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
Convenci-me, nesses anos de estudos em Tecnologia de Sementes, que
o Brasil estava no caminho errado ao “estatizar” a produção de sementes por influência do estado de São Paulo. A produção de sementes era
estatizada nesse estado e, com a de algodão, a estatização funcionava
com exclusividade: só o estado de São Paulo podia produzir sementes
de algodão. Quando o estado de São Paulo produzia mais semente de
algodão do que conseguia armazenar, carregava vagões ferroviários e
passeava com a semente para cima e para baixo. Em 1965, o Brasil
aprovou a sua primeira Lei de Sementes e tenho orgulho de ter participado desse processo com o Ney Araújo, então Presidente da Agroceres,
e Clovis Wetzel, da Universidade Federal de Pelotas, ambos já falecidos. Antes desta lei, se um saco de sementes fosse aberto e se encontrasse terra misturada com a semente, não se podia fazer nada. Leis
são importantes. A história da primeira lei de sementes é interessante.
Todos queriam contribuir, estabelecendo níveis de germinação e pureza
de sementes a serem reguladas por lei para cada espécie e região. Rapidamente, a lei cresceu e se tornou de exercício que se avizinhava complexo para não dizer impossível. Parecia uma lista telefônica. Estava
claro que estávamos no caminho errado. Resolvemos procurar um especialista americano, que tinha longa experiência na elaboração de leis
de sementes, nos Estados Unidos. Ele se chamava Al Carter e era pro-
41
42
Uma História Sobre a Ciência Brasileira
fessor da Universidade de Iowa. Mostramos a nossa lei. Ele riu e disse:
“Uma lei de sementes só precisa de um parágrafo - o que está dentro
da embalagem deve estar no seu rótulo”. Foi assim a primeira lei para
regular o comércio de sementes no Brasil: dois parágrafos. O segundo todos sabem: revogam-se as disposições em contrário. Uma dúzia
de geneticistas construíra a agricultura brasileira: Romeu Kihl – soja;
Ady Raul da Silva – trigo; Silvio Moreira e Dalmo Giacometti – citrus;
Alcides Carvalho – café; Ernesto Paterniani e Ricardo Magnavacca –
milho; Marcílio Dias e Flávio Couto – hortaliças; Clibas Vieira – feijão;
Raul Moreira – banana; Frederico Menezes Veiga - cana de açúcar e
Eleuzio Curvello – algodão. Eles, entretanto, só tiveram sucesso porque o Brasil, há mais de quarenta anos, aprovou sua lei de sementes.
Na base do sucesso da agricultura brasileira, está uma indústria de sementes construída a partir de 1965 e que tornou acessível, ao agricultor
brasileiro, os avanços da ciência, particularmente da EMBRAPA, nas
últimas quase quatro décadas. Aprendi que a genética não tem sucesso
sem uma indústria de sementes que, infelizmente, falta na África. Todos
os esforços internacionais nesse Continente esbarram nessa ausência e
os financiadores do mundo não se dão conta dessa realidade.
–
3.1 - A genética brasileira
Disse antes que uma dúzia de geneticistas construiu a agricultura brasileira: a história brasileira não faz justiça, pelo trabalho que
realizaram, a estes extraordinários cientistas que - a maioria, em um
período de vacas magras, - conseguiram resolver problemas importantes, que constituíam ameaças para setores da agricultura, que sempre
foram competitivos no Brasil. Não vou contar todas as histórias porque
não cabem neste livro. Já falei na importância do Romeu Kiihl para a
soja brasileira a qual, por suas mãos, saiu do Rio Grande do Sul para
chegar ao Vale do Gurgueia, no Piauí, e ao norte do Mato Grosso, re-
Luiz Antonio Barreto de Castro
solvidos, pela genética, os requisitos de foto, período que restringiam o
plantio da soja no Rio Grande do Sul. Romeu felizmente continua ativo.
Trouxe o conhecimento da genética de soja da Universidade do Estado
do Mississippi, onde foi aluno de mestrado e doutorado, orientado por
Edgard Hartwig, que morreu há três anos com 83 anos. É inacreditável
e justo o que a Mississippi State University construiu sobre a memória
de Hartwig, com justa razão (ver anexo). Eleuzio Curvello e Ricardo
Maganvacca são da era EMBRAPA. Vou falar mais à frente sobre a
incrível pessoa que foi Ernesto Paterniani. Alcides Carvalho trabalhou
toda a sua vida, 52 anos, no IAC - Instituto Agronômico de Campinas.
Sabia, antes de todos, que o Brasil teria que enfrentar a ferrugem do
café. Foi para a Estação experimental de Oeiras, em Portugal, e fez
todos os cruzamentos para obter variedades de café resistentes à ferrugem. Quando ele chegou estava tudo pronto e o Brasil resolveu esse
problema por causa do trabalho deste homem extraordinário. Carvalho
nasceu em 1913 e foi agraciado com o Prêmio Nacional de Ciência e
Tecnologia, em 1982. Em 1983, Alcides Carvalho recebeu, quando de
sua aposentadoria compulsória, aos 70 anos, uma homenagem especial:
o estado de São Paulo considerou-o “servidor emérito”, o que lhe permitiu continuar pesquisando e formando pesquisadores até 1993. Muito
pouco, só mais dez anos para este homem que morreu pobre, porque
os salários do IAC são ridículos. É importante ler um pouco da história
deste homem em entrevista que ele deu, em 1987, à Ciência Hoje. Um
homem como o Alcides Carvalho deveria viver no Copacabana Palace, com uma Mercedes na porta e motorista, com assistência médica
permanente, tudo pago pelo contribuinte ou pela indústria do café, que
ele salvou da derrocada. Comparem o trabalho deste homem e o seu
reconhecimento nacional com o do Hartwig.
A tristeza dos citrus entrou no Brasil na década de 1930. Conheci
esta história com detalhes conversando com o Gerd Muller, meu contemporâneo na Rural e braço direito do Álvaro Santos Costa, que talvez seja o maior virologista de plantas da história brasileira. O Dalmo
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Uma História Sobre a Ciência Brasileira
Giacometti e o Silvio Moreira, não sozinhos, é verdade, encontraram
as soluções que permitiram a sobrevivência da citricultura brasileira.
Disse-me o Gerd: “a nossa citricultura está novamente ameaçada. Estou
fora pela compulsória e não sei o que fazer. O problema do “greening”
pode ser muito pior”. O Gerd está em casa. Uma enciclopédia sobre
citricultura. Marcilio Dias e Hiroshi Ikuta são os pais da genética de
hortaliças no Brasil. Trouxeram ou digeriram para o país toda a base genética de macho esterilidade citoplasmática, o que possibilitou o desenvolvimento de híbridos das Brassicas e da cebola, no mundo. O Brasil,
entretanto, nunca desenvolveu uma indústria de sementes de hortaliças
de grande porte para utilizar esses avanços, já disponíveis na década
de 1960. Ainda importamos quase tudo, e os excelentes trabalhos do
Marcilio e do Ikuta não tiveram a capacidade de mudar o contexto que
citei. Isto não significa dizer que não tenhamos avançado na genética
de hortaliças, via ESALQ, em Piracicaba, e EMBRAPA Hortaliças, no
Distrito Federal. Durante anos, pensei que o Distrito Federal seria uma
região importante para a produção de sementes de hortaliças porque
não chove de julho a setembro, como o Vale do São Joaquim, na Califórnia. De certa forma, isto me estimulou para vir para o Cerrado.
Infelizmente, nada se desenvolveu no Cerrado comparável à Califórnia
e, como vim tarde para Brasília, minha vida tomou outro rumo.
Nos Estados Unidos, conheci Charles Rick, em Davis, na Califórnia. O pai da genética de tomate no mundo. O que mais impressionava no Charles Rick era a sua simplicidade. Quando morreu, como no
caso do Hartwig, no Mississippi, a UCDavis fez uma Fundação com o
seu nome com inteira justiça. O Bernard Fields, virologista de Harvard,
teve a mesma deferência. Conheci o pai da cebola híbrida nos Estados
Unidos, W. Jones, na década de 1960. Visitava uma empresa de produção de sementes de cebola em El Centro, Califórnia, a Desert Seed
Company, quando vi o Jones, que só conhecia de capa de livro. O dono
da empresa confirmou, era ele mesmo. Perguntei o que ele, já aposentado, estava fazendo ali. Ele me disse: “aqui ele faz o que quer fazer e
Luiz Antonio Barreto de Castro
ganha o que quer ganhar, desde que deixe o meu filho ir ao campo com
ele, sempre que ele estiver disposto”. Nenhum dos geneticistas citados que construíram a agricultura brasileira, tiveram este tratamento. O
Brasil, de um modo geral, não trata seus cientistas como vi nos Estados
Unidos. O que o Romeu Kihl, Silvio Moreira e Alcides Carvalho, para
não falar dos outros, fizeram pela agricultura brasileira foi muito mais
do que os cientistas americanos citados, fizeram pelo seu país. Não estou comparando a ciência de cada um, mas os resultados. A inteligência
da genética brasileira, em algumas áreas como café, cana e citrus, que
a EMBRAPA nunca abraçou, está nos Institutos como o Agronômico
de Campinas, que tem uma política salarial pífia e não consegue atrair
boas cabeças para ganhar salários de fome. Melhor que se integrassem à
EMBRAPA e seus pesquisadores tivessem o mesmo nível salarial, para
preservar as genéticas, que ainda não se perderam pelas mãos de algum
governador tresloucado, como alguns que já passaram por São Paulo.
–
3.2 - A ditadura militar e a Rural de 1964
A Rural era uma Universidade fortemente politizada. Havia defensores do comunismo entre seus professores, como havia redutos ainda simpáticos ao fascismo da década de 1940: professores que haviam
estudado na Alemanha. Em 1963, havia uma aproximação dos estudantes com políticos cubanos, um deles convidado pelo Diretório dos
estudantes para ministrar a conferência de abertura em um Congresso,
organizado pelo Diretório. Os ânimos começavam a se acirrar. No final do ano, a turma da Agronomia escolheu como patrono o camponês
brasileiro. Cheguei uma noite à Rural, já formado, e encontrei um forte
movimento estudantil de apoio ao Brizola, que falava pela Emissora
da Legalidade, nos primeiros dias da ditadura. Alguém tinha que levar
uma carta de apoio ao Brizola. Ronaldo Coelho, meu amigo de infância,
foi escolhido porque tinha uma motocicleta. Eu fui com ele, por soli-
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Uma História Sobre a Ciência Brasileira
dariedade, com aquela carta no porta luvas, parando em cada quartel
para revista. Quando chegamos ao Joá, o pneu da motocicleta furou e
tivemos que dormir lá. A carta só chegou tardiamente, ao meio dia do
dia seguinte. Um fracasso, a nossa missão subversiva.
Nunca tive nenhuma vocação comunista. Lia Bertrand Russel,
filósofo, pai do trabalhismo da Inglaterra, que me ensinou que o real
confronto será sempre entre o capital e o trabalho. Este confronto, que
ainda persiste no cotidiano do mundo, teve, e ainda tem, variantes. Entre elas, longos períodos em que o capital esteve inteiramente nas mãos
dos governos, o que ainda ocorre em alguns países. Outras formas de
forte opressão do trabalho pelo capital, como no século dezenove, foram sendo gradualmente modificadas sempre pela reação do trabalho
e nunca do capital. Não conheço nenhum caso na história em que o
detentor do capital tenha chamado o trabalhador e oferecido um salário
melhor. Há casos, entretanto, em que o trabalhador compra ações do capital da empresa, o que é bom. Entretanto, está claro que a maior potência mundial passa por uma revisão inevitável do seu capitalismo. Nos
quase cinquenta anos em que acompanhei a história americana nunca
imaginei que a classe média americana fosse dormir em barracas, como
aconteceu na crise de 2008, e que os americanos defenderiam invadir
Wall Street. Existem formas intermediárias de capitalismo em que o
governo assume responsabilidades sociais importantes com os impostos que a sociedade transfere para ele; ou seja, existem formas em que
os governos catalisam, com certo sucesso, a reação entre as duas partes
sempre em confronto: o capital e o trabalho. Os melhores exemplos
estão nos Países Nórdicos, onde o nível de corrupção é muito baixo. Difícil, no Brasil, onde se rouba até merenda escolar e seguro de defunto.
Adolfo Barreto, meu irmão, diz uma coisa que nos deixa tristes, mas é
verdade: o brasileiro se vende por um prato de comida.
Em 1964, estava convencido de que nada se poderia esperar de
positivo de uma revolução de esquerda no Brasil, a exemplo do que já
conhecíamos desde o início do século vinte, pela experiência de outros
Luiz Antonio Barreto de Castro
países. Com o fim da União Soviética, a realidade se tornou ainda mais
evidente mais tarde. Estava convencido, desde a minha juventude, por
outro lado, que uma ditadura de direita seria também indesejável, como
vimos durante o governo Vargas e de toda uma geração de ditadores,
que “infestaram” o mundo durante algumas décadas. Aliás, o Brasil
exorbitou com duas ditaduras que somaram quase quarenta anos. Ambas diziam ser anticomunistas, mas trouxeram a estatização típica desse
regime e não trouxeram benefícios para a saúde e educação, que eu vi
em Cuba, por exemplo.
Quando a ditadura militar começou, em 1964, houve um confronto não explícito entre as duas forças da Rural. O controle ficou nas mãos
de um Coronel chamado Mendonça, que chefiava o quartel de Paracambi. Foi nomeado interventor, um professor de estatística da ESALQ. Nunca entendi porque ele, um bom e conceituado professor de estatística,
aceitou esse cargo. Foram anos difíceis em que a Rural, que já era fraca
perdeu, como várias outras Instituições científicas brasileiras, inteligências importantes, que acabaram extraditadas, algumas como o professor
Américo Grosszmann, um dos poucos PhDs da Rural, título que conseguira em Cornell, e que de comunista não tinha nada. Perdemos outros
como o Fernando Braga Ubatuba e o Hugo de Souza Lopes, entre outros.
Era difícil ensinar na Rural na época da Ditadura. Todas as turmas tinham
um informante que, no primeiro dia de aula, começava a fazer perguntas
para descobrir a sua tendência política. Em pouco tempo, todos estavam
identificados, e quando íamos almoçar no refeitório, a fila parava quando
alguém tinha que sentar com um “dedo duro”. O exercício da ditadura,
sob a tutela do Coronel Mendonça e de um interventor que não mandava,
era apoiado por professores da ala anticomunista. Estes professores costumavam acender as luzes do cinema durante um filme e retirar supostos
subversivos. Voltei à Rural em 2010 e, para a minha alegria, vi alguns
alunos contemporâneos meus que julgava mortos. Não vi todos. Um deles, Presidente do Diretório Acadêmico, no início da ditadura, tinha um
crachá com sua fotografia de 1963, que dizia: “acredite: eu sou o Marcio
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Uma História Sobre a Ciência Brasileira
Biasoli”. Estava tão diferente, com uma longa barba branca, que nunca
o reconheceria na rua. Ser professor da Rural, de 1965 a 1968, significa
ter passado por anos difíceis. De bom, foi o início do tempo integral e a
dedicação exclusiva, em 1965; poucos se lembram do Jarbas Passarinho
como Ministro da Educação (o Reitor já era o Paulo Dacorso Filho), que
possibilitaria a consolidação da ciência nas Universidades brasileiras nas
décadas subsequentes. Se não fizemos mais foi pelas razões que já citei
antes: a maldição do sistema federal. Nenhum financiamento.
–
Luiz Antonio Barreto de Castro
Quando entrei na Rural, por concurso, para Instrutor de Ensino
Superior, em 1965, a Universidade tinha poucos mestres e, no início da
década de 1970, menos de cinco doutores. Em 1970, tínhamos somente
cinquenta e quatro cursos de doutorado em todo o Brasil. O programa
de pós-graduação brasileiro ganhou fôlego a partir da década de 1980.
Brasil: Evolução dos cursos de mestrado e doutorado,
de 5 em 5 anos, 1970/2005
3.3 - A pós-graduação no Brasil
nas décadas de 1960 e 1970
O contexto da década de 1960 era evidente: se, por um lado,
havia um livre intercâmbio de recursos genéticos e uma evidente disposição de Universidades americanas em interagir com Universidades
brasileiras - Universidades do Arizona com a Universidade Federal
do Ceará; a Universidade Federal de Viçosa coma Universidade de
Purdue; a Universidade de Wisconsin com a UFRGS, por outro lado,
praticamente não havia nenhum financiamento para a pesquisa agropecuária, antes da criação da EMBRAPA. O orçamento do IPEACS,
onde trabalhei de 1963 a 1965, ficava retido no MAPA até dezembro e
quando chegava, era impossível executá-lo de forma adequada e sem
“química”. Assim, ainda que tenha sido instituído o regime de tempo
integral e dedicação exclusiva nas Universidades, em 1965, era um bom
momento para consolidar a formação profissional, particularmente para
os que trabalhavam com agropecuária. Ainda era fácil conseguir bolsas
no exterior, mesmo para mestrado, por incrível que pareça. O regime
de tempo integral e dedicação exclusiva, instituído em 1965, permitiu
a construção de carreiras acadêmicas, por concurso, em Universidades
e estimulava a pós-graduação, menos na Rural, que não tinha convênio
com nenhuma Universidade americana.
Por esta razão, a produção científica de brasileiros, no início da
década de 1980, era meros 0.4% da produção mundial. Em trinta anos,
esse número foi multiplicado por seis. Nada no Brasil foi multiplicado
por seis em quarenta anos, mesmo as copas do mundo: ganhamos a
primeira em 1958 e a quinta em 2002.
Em 1965, a Universidade do Estado do Mississippi promoveu,
com recursos da USAID, uma viagem aos Estados Unidos para que
jovens pesquisadores brasileiros conhecessem a indústria de sementes
no Brasil, que ainda não existia, a não ser o sistema estatizado de São
Paulo, o que desestimulava o investimento privado. Fui a esta viagem
e conheci o que era uma Crop Improvement Association, sem fins lu-
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Uma História Sobre a Ciência Brasileira
crativos, que certificava a produção de sementes nos Estados Unidos.
Semente certificada só podia ser multiplicada por quatro gerações, cada
geração constituía uma classe com uma etiqueta colorida no saco: vermelha, amarela, azul e verde. Quero ressaltar a importância da Universidade do Estado do Mississippi na consolidação de uma indústria de
sementes no Brasil. Sem uma indústria de sementes seria impossível,
como já disse, fazer chegar a genética brasileira às mãos do agricultor.
Uma geração de jovens cientistas brasileiros foi treinada na Universidade do Estado do Mississippi para estabelecer a indústria de sementes no
Brasil e foram lideres importantes no desenvolvimento da agricultura
brasileira.
Artigos brasileiros publicados em periódicos
científicos indexados na Thomson/ISI, em relação à
América Latina e ao Mundo, 1981-2008
Fonte(s): Incites, da Thomson Reuters.
Elaboração: Coordenação-Geral de Indicadores - ASCAV/SEXEC - Ministério da Ciência e
Tecnologia. Atualizada em 27/11/2009
Para realizar seu trabalho no Brasil, a Universidade do Estado
do Mississippi fez um convênio com a Universidade Federal de Pelotas, sob a liderança do Clovis Wetzel, no Brasil, e do Dean Bunch,
na Mississippi State University, uma Land Grant. A Universidade do
Luiz Antonio Barreto de Castro
Estado do Mississippi, por meio do seu Laboratório de Tecnologia de
Sementes, chefiado por James Delouche, estava anos à frente da realidade tecnológica utilizada pela indústria de sementes de qualquer país
do mundo, mesmo a americana. Todas baseavam seu controle de qualidade na germinação e pureza de seu produto, dando pouca importância
à qualidade fisiológica da semente, particularmente aos conceitos de
vigor e envelhecimento de sementes como uma característica inexorável. Ambas as áreas estiveram na agenda do ”Seed Technology Laboratory”, da MSU, durante décadas, e foram objeto de teses de dezenas de
brasileiros, nessa área. Curiosamente, a indústria de sementes brasileira
ainda não utiliza vigor como um atributo de qualidade de sementes. O
Estado do Mississippi era um dos mais pobres dos Estados Unidos e os
anos de 1960 tinham sido marcados pelo assassinato do John Kennedy,
que havia ocorrido em novembro de 1963. Não queria ir para um estado
pobre, conservador, racista, ainda que a fisiologia de sementes fosse
boa. Estabeleci uma condição: iria para o Mississippi, mas a minha tese
seria com sementes de hortaliças na Califórnia. O Dean Bunch topou.
Fui com a Maria Lucia grávida da Elisa, que nasceu em maio de 1968,
no Mississippi, quando eu fazia exame final de Seed Physiology. Realizei, como bolsista da AID, o ”Master of Science” na área de Tecnologia
de Sementes, na Universidade do Estado do Mississippi, nos Estados
Unidos, no período de 1968 a 1970, com ótimas notas. Não havia grande desafio em conseguir notas tão altas em uma Universidade como o
Mississippi, onde a competição estudantil era menos acirrada. O desafio seria mais tarde, na Califórnia.
No período em que vivi no Mississippi, foram assassinados o Bob
Kenedy e o Martin Luther King. Conheci os “red necks”. Na noite em
que o Luther King foi assassinado, estava na biblioteca e ouvia gospel
cantado pelos negros, que celebravam uma missa em um templo para
todos os cultos, dentro da Universidade, em memória do Luther King.
De repente, o gospel começou a se misturar com o Dixie, que os sulistas
entoavam durante a guerra da secessão. A música foi aumentando e uma
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Uma História Sobre a Ciência Brasileira
pequena multidão de “red necks” chegou à praça, na frente da biblioteca,
onde a bandeira americana estava hasteada a meio mastro. Trocaram a
bandeira e hastearam a dos confederados. Os mais exaltados queimaram
a bandeira americana. Depois, os negros tiveram que terminar prematuramente o culto ante a violência dos manifestantes, que apedrejaram a
igreja. A polícia assistia a tudo. Entrou no carro e se afastou do incidente.
Quem falasse com preto era taxado de “negro lover”.
Embora no Mississippi, iniciei estudos sobre fisiologia de sementes de cenoura na Califórnia, com a assistência do Dr. John Atkins,
da ”Keystone Seeds”, onde trabalhei para obter material para a tese, no
período de julho a setembro de 1968. Desenvolvi experiência importante na rotina subjacente à produção de sementes de hortaliças do Estado
da Califórnia. Conheci, então, o Dr. James F. Harrington, que mais tarde
estimularia meus estudos na Universidade da Califórnia - Davis, em
Fisiologia de Plantas. Minha tese em qualidade fisiológica de sementes
de cenoura, realizada sob a orientação do Dr. James F. Hunter, da ”Mississippi State University”, revelou o nível de perda de vigor que ocorre
precocemente em sementes de cenoura antes da colheita, ainda no campo, e teve impacto na indústria de sementes da Califórnia. Relevantes
modificações no processo de produção, colheita e beneficiamento de
sementes desta Umbelífera, resultaram dessa simples tese. Na MSU,
conheci o Romeu Kiihl, que realizou mestrado e doutorado em genética
de soja com o Professor Hartwig, o qual, como já disse, é o maior geneticista dessa leguminosa em todo o mundo. Começa, nessa iniciativa,
a ameaça que mais tarde o Brasil passaria a constituir para os Estados
Unidos na produção de soja. Romeu Kiihl foi o pai da soja no Brasil.
De volta ao Brasil, em 1970, tudo parecia tranquilo. Emprestei
um pouco do meu tempo para a administração superior da Rural, como
membro do Conselho de Pesquisas da UFRRJ e, como tal, representante dos pesquisadores da UFRRJ, no Conselho Universitário da Instituição, até 1973. Depois de quase quatro anos dedicados ao ensino
e à pesquisa na UFRRJ, voltei aos Estados Unidos para iniciar o PhD
Luiz Antonio Barreto de Castro
na Universidade da Califórnia, em Davis, em Fisiologia de Plantas, a
partir de setembro de 1973, com mulher três filhos e bolsa da EMBRAPA, a única instituição brasileira que tinha uma estratégia robusta de
pós-graduação. Mais de 1200 foram treinados no exterior. Financiava
bolsas até para os que não eram da EMBRAPA, o que era o meu caso.
Hoje, dez em dez falam bem da EMBRAPA por tudo que ela realizou
nos últimos quase quarenta anos. Hoje, a EMBRAPA é uma unanimidade e nenhum acadêmico critica a EMBRAPA. Na década de 1970, os
acadêmicos a chamavam “filha da ditadura”. Já encontrei Secretário no
MCT que me disse que o único problema da EMBRAPA era não fazer
parte da Academia. Até hoje, não entendo o que ele quis dizer com isso.
Quando comparamos a nossa ditadura com a dos nossos “hermanos” é
forçoso reconhecer que a nossa teve alguns méritos. A EMBRAPA foi
uma dessas iniciativas que, se não fosse estabelecida na ditadura, dificilmente o seria em outra época.
O ano de 1973 marcou o início da engenharia genética nos Estados Unidos e no mundo, com os resultados de Herbert Boyer relativos
à expressão de insulina em Escherichia colli. Rapidamente, ele criou
a GENENTECH e as ações na bolsa explodiram. Quando assistimos à
conferência, no Departamento de Bioquímica de Davis, alguns se levantaram e protestaram, dizendo que os experimentos não poderiam ter
sido realizados porque não havia regras de biossegurança nos laboratórios. Todos vimos que o mundo da Biologia iria mudar radicalmente. Os
primeiros dez anos da engenharia genética, nos Estados Unidos - e isto
significa dizer no mundo - foram marcados por inúmeras controvérsias.
O UCSystem não estava preparado para ver seus professores privatizarem a ciência e ficarem ricos da noite para o dia. A academia de Davis
reagiu pela voz de um de seus mais renomados professores de Bioquímica: Paul Stumpf, que dizia que as teses estavam sendo defendidas a
portas fechadas e os estudantes impedidos de publicar seus resultados.
Foi a falta de biossegurança que provocou a Asilomar Conference on
Recombinant DNA, em fevereiro de 1975, em San Diego, organizada
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Uma História Sobre a Ciência Brasileira
por um dos pais da tecnologia, Paul Berg que, mais tarde, em 1980,
dividiria o prêmio Nobel em química com Walter Gilbert e Frederick
Sanger. A conferência tinha a intenção de discutir os possíveis prejuízos
que poderiam advir do uso indiscriminado da tecnologia do DNA recombinante em humanos. Embora não aberta ao público em geral, como
os modestos alunos de doutorado, como eu, por exemplo, cerca de 140
pessoas se reuniram entre biologistas, médicos e advogados. A conferência teve o mérito de exigir que todos os laboratórios voluntariamente
utilizassem protocolos para garantir o uso seguro da tecnologia do DNA
recombinante. O tema foi parar no NIH – National Institute of Health que produziu, em prazo curto, esses protocolos que estão em uso desde
a década de 1970. Depois da conferência de Asilomar e dos protocolos
do NIH os ânimos se acalmaram. Ainda assim, recentemente, houve
um óbito na Pensilvânia, por recombinação viral em um experimento
de terapia gênica. Na verdade, essa era a maior preocupação dos pais da
tecnologia: uso de vetores virais em terapia gênica. Os problemas não
acabaram nesse ponto. Muito foi prometido e muitas decepções se acumularam em função de falsas promessas. Vou citar algumas a que assisti mais de perto. Fui convidado, pelo Dr. William Breidenbach, para
o recém-estabelecido PGL - Plant Growth Laboratory, que foi criado
por estímulo da engenharia genética. Este laboratório fez convergir, de
vários departamentos da UC Davis, inúmeros cientistas com interesse
em Biologia Molecular; Fisiologia e Bioquímica Vegetais para fazer um
grande projeto na nova área. Entre eles, Ray Valentine, que trabalhava
em Fixação Biológica de Nitrogênio em Gramíneas, que veio de UC San
Diego com toda a sua equipe e suas famílias e com recursos para desenvolver seu projeto, que tinha como modelo Klebsiella pneumoniae. Havia
uma grande expectativa de inserir os genes NIF no genoma de cloroplastos ou no genoma cromossomal para permitir que Gramíneas fixassem nitrogênio. O exemplo do Valentine com uma equipe grande de cientistas,
com suas famílias, em um único projeto, nunca saiu da minha memória
e tentei copiá-lo mais tarde no CENARGEN. Entretanto, a equipe do
Valentine, ainda que extremamente competente em biologia molecu-
Luiz Antonio Barreto de Castro
lar, nunca teve sucesso para obter Gramíneas fixadoras de nitrogênio; o
que a Dobereiner, com brilhantismo, conseguiu com outros organismos
mais tarde. Quando Dobereiner começou a mostrar seus resultados com
Azospirillum foi uma decepção no laboratório do Valentine. Os genes
NIF nunca funcionaram em Gramíneas, embora transferidos pelo Cocking em Nottingham.
Johanna Dobereiner (esquerda), uma das maiores cientistas brasileiras aparece na foto
recebendo uma comenda da Ordem do Mérito Judiciário. Modesta diante da extraordinária
agenda de sucesso que realizou em Fixação de Nitrogênio em Leguminosas e Gramíneas
na EMBRAPA , que começou antes da criação da instituição, e que mesmo depois da sua
morte em 2002, continua dando frutos pelas mão dos seus discípulos.
Outras duas grandes decepções estavam reservadas para os laboratórios de Davis. Entendia-se ser possível selecionar, em cultura
de tecido, células resistentes a soluções salinas que dariam origem a
plantas também resistentes à salinidade. Vi um grande experimento no
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Uma História Sobre a Ciência Brasileira
Departamento de Agronomia, com plantas de alfafa potencialmente resistentes à salinidade, ser pulverizado com uma solução salina. Não
sobrou uma planta. Essa expectativa demonstrava total desconhecimento de Biologia do Desenvolvimento. Uma falsa promessa retumbante, que revelava também total desconhecimento dessa disciplina, veio
do Peter Carlson, pai dos protoplastos, em Michigan, que entendia ser
possível simplesmente pela remoção da parede celular de células vegetais selecionar mutantes de células vegetais em cultura como se fossem
bactérias. Cobrava quinhentos dólares por conferência e naquele tempo
era muito dinheiro. Nunca se desenvolveu uma planta geneticamente
modificada importante a partir de protoplastos, que hoje é uma tecnologia quase esquecida. O Plant Growth Laboratory resolveu atacar um
grande desafio da engenharia genética: não se conseguia regenerar soja
a partir de cultura de tecidos. Como Davis tinha em seus muros os pais
dos hormônios vegetais (com exceção do Frederick Steward de Cornell, que lançou o princípio da totipotência em células vegetais tendo
cenoura como modelo), os cientistas do PGL se reuniram e desenharam
um elegante experimento com um gradiente de todos os três principais
hormônios vegetais (IAA, Giberellin e Citokinin) e submeteram soja
em cultura de tecido a este gradiente. Postulavam que alguma combinação daria certo e “voilà”, eis que surge uma plantinha em certo gradiente que foi saudada com entusiasmo. O próprio Steward, que dava
uma conferência em Davis, foi olhar o resultado. Chamou os pais do
experimento e disse: “pode ser que este experimento repetido dê certo,
mas esta planta é de fumo”. Correria para cancelar a ”press release” que
tratava esse experimento como o primeiro grande feito do PGL. Que me
lembre, o experimento nunca mais foi repetido. Da mesma forma, em
Israel, me ofereceram vacina contra aftosa por engenharia genética há
trinta anos. Nunca aconteceu.
Não quero minimizar a importância do estabelecimento do PGL.
Outras coisas deram certo e o exercício de convergência, e outros que
conheci na UC Davis, tiveram profunda influência em toda a minha car-
Luiz Antonio Barreto de Castro
reira, percepção e atuação profissional posterior. Na verdade, na década
de 1970, muito se prometia e pouco se entregava por falta de ciência.
Em 1976, fui a Corvalis/Oregon apresentar os resultados da minha tese.
À noite, houve um “simpósio” em que compareceram todos os especialistas de engenharia genética de plantas, do mundo. Cabiam dentro de
uma sala não muito grande. Depois de algumas horas de reflexões sobre
o futuro, admitiram que tudo, no futuro, iria ser feito em tubo de ensaio.
Nem uma indústria de sementes seria mais necessária. Nem mesmo o
melhoramento genético. As plantas do futuro seriam obtidas por variação somaclonal em placas de Petri. Eu, ali sentado, provavelmente
o único agrônomo, vi, com clareza, que faltava muita ciência, particularmente biologia do desenvolvimento, para que chegássemos àquelas
metas. Um delírio que colocou a engenharia genética e o melhoramento
genético em lados antagônicos. Na verdade, nada foi obtido por variação somaclonal ou cultura de protoplastos. Essa conduta, repito, criou
um abismo entre a genética clássica e a engenharia genética, que levamos anos para neutralizar. A genética passou a ver na engenharia genética sua principal ameaça.
Sempre procuro aglutinar competências complementares para
somar massa crítica ao conhecimento amplo em biologia, como faziam
em Davis. A biologia deve convergir para obter os melhores resultados,
como vou explicar mais tarde. Quando iniciei meus trabalhos de tese
em biologia molecular: isolamento, caracterização e síntese ”in vitro”
de globulinas 11S de sementes de soja (Glycine max L.), Davis oferecia
exatamente isto. Verifiquei que tinha que aprofundar meus conhecimentos em imunologia, o que fiz com o Dr. Terence Murphy, do Departamento de Botânica da UC Davis, e em síntese “in vitro” de proteínas,
a partir de polissomos, com o Dr. Richard Jones, do Departamento de
Olericultura da UC Davis, recém-chegado do laboratório do Dr. Brian
Larkins da Universidade de Purdue, pioneiro nessas pesquisas com milho. Todos faziam parte do PGL e isso era superconfortável. Meu trabalho de tese foi apresentado em Davis, em seminário que recebia, na
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Uma História Sobre a Ciência Brasileira
Luiz Antonio Barreto de Castro
audiência, o Dr. Robert B. Goldberg, que se transferira, recentemente,
da Universidade de Wayne/Detroit, onde estudava complexidade de genomas, para a UC Los Angeles.
Bob Goldberg resolveu adotar o modelo que utilizei na minha
tese – “Seed Storage Proteins” – em suas pesquisas na UCLA, onde ele
trabalhou, posteriormente, por mais de três décadas com extraordinário
sucesso, o que o levou, com justiça, à Academia de Ciências dos Estados
Unidos. Com o Dr. Goldberg, antes de voltar ao Brasil, realizei estágio
em Los Angeles, em 1976, para ampliar meu treinamento em biologia
molecular, na área de isolamento de RNAs - mensageiros de proteínas
de reservas de sementes. Dez anos mais tarde, na década de 1980, voltei
como bolsista da ”Rockfeller Foundation”, para realizar meu pós-doutoramento no seu laboratório. Somos grandes amigos. Um dos maiores
mestres, que já tive, que criou o Seed Institutte integrado por seus excelentes ex-alunos e ainda ativo. Minha tese foi defendida em 1977 e o UC
System permitiu que William Breidenbach, Richard Jones (ex Purdue) e
Robert B. Goldberg (UCLA) figurassem em meu comitê de tese, o que
causou certo constrangimento à academia da UC Davis.
A experiência na Universidade da Califórnia consolidou dois
conceitos na minha formação profissional: o primeiro, relativo ao modelo UC System de pós-graduação, um sistema aberto, composto de
”Graduate Groups” (grupos ou núcleos de pós-graduação) que envolvem e promovem integração interdepartamental e interinstitucional
já que todos os ”campi” da Universidade da Califórnia integram este
sistema. Pós-graduação em rede, na década de 1970, mesmo antes do
advento da informática e da Internet! O UCSystem tinha uma linha telefônica exclusiva que chamavam “tieline”: ligava-se para qualquer um
no UCSystem, via tieline, e os cientistas de Davis diziam com orgulho
“qualquer coisa que você queira fazer em ciência procure pela “tieline”
que alguém está fazendo no UCSystem”. Utilizei esse modelo para criar
o RENORBIO recentemente, em 2005, já com a ajuda da INTERNET,
como vou detalhar mais tarde.
Em 1984 compareci a Gordon Conference, em New Hampshire. o mais importante Congresso sobre Biologia Molecular de Plantas, convidado pelo Bob Goldberg. Na foto aparecem os mais importantes cientistas da área, que em 1977, quando defendi minha tese,
cabiam em uma sala média. Sou o sexto na terceira fila da direita para a esquerda. Bob
Goldberg é o décimo sentado na primeira fila da esquerda para a direita.
Plant Molecular Biology (Junho 6 -11 - da esquerda para direita)
Fila 1 - B. Ward, A. Siegel, R. Fraey, Frank Cannon, D. Lonsdale, D. Verma, B. Larkins, T. Hall, Elaine
Tobin, B. Goldberg, H. Sanger, W. Werr, M. Freeling, I. Furner, A. Garciarubio, R. Berlani, Tom
Sims, E. Mooz, P. Collins, L. Leutwiler.
Fila 2 - J. Harada, L. Dure, G. Helmer, R. Schilperoort, A. Handa, G. Wullems, P. Peterson, M. Van
Montagu, I. Potrykus Walt Ream, Karen Howard, R. Hammond, Donald Miles, J. Mottinger, B. Taylor,
AndyJackson, R. Fischer, N. Murai, L. Taylor, R. Johns.
Fila 3 - Luiz Herrera-Estrella, M. Yelton, K. Kindle, M. Schuler, L. Vodkin, S. Spiker, T. Guilfoyle, R.
Nagao, L. Crossland, J. Hirschberg, Candace Collmer, C. Somerville, M. Wu, C. Schmidt, L. de Castro,
Jeff Bennetzen, Mary Alleman, S. Evola, R. Quatrano, D. Bisaro.
Fila 4 - H. Baumlein, P. Conley, R. Pohlman, Andrew Hiatt, M.Byrne, T. Palva, B. Boston, E. Wurtzel,
B. Hohn, J. Polacco, A. Simon, B. Goodman, A. Branch, Bob Symons, A. Rafalski, W. Brown, G. Collins,
G. Nester, Steve Rogers.
Fila 5 - George Bruening, N. Nielson, P. Staswick, Marci Lillis, L. Gehrke, Linda Thomashow, Barry
Chelm, N. Young, S. Poethig, G. Galau, R. Meagher, R. Riedel, Jan Leemans, L. Comai, A. Howarth, W.
Barnes, J. Miksche, S. Mische, Robin Hightower, L. Willmitzer, K. Macky.
Fila 6 - N. Yadav, Dirice, D. Shattuck-Eidens, S. Heinz, P. Moses, F. Nagy, J. Silverthorne, A. Cheung,
M. Shannon, P. Chourey, C. Basset, B. Kottorn, D. Klessig, R. Flavell, Fred Ausebel, B. Staskawicz,
D. Bourque, B. Matthews, L. Howard.
Fila 7 - June Medford, S. Gelvin, J. Aldrich, P. Quail, S. Curtis, A. Binns, J. Kemp, Dick Backer, R.
Christofferson, N. Brisson, Bob Iyer, R. Levin, P. Goldsbrough, J. Okamuro, G. Brown, C. Reeves, D.
Robertson . D. Hildebrand, David Garfinkel.
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Uma História Sobre a Ciência Brasileira
Robert B.Goldberg , com justiça pela trabalho relevante que prestou na formação de recursos humanos brasileiros em seu Laboratório na UCLA, recebeu do Governo Brasileiro
pelas mãos do Presidente Fernando Henrique Cardoso, a Ordem Nacional do Mérito Científico. Na foto ele aparece durante o evento ao lado do Vice Presidente Marco Maciel.
O segundo exemplo que absorvi do ”Plant Growth Laboratory”
foi sua estratégia voltada para promover integração interdisciplinar para
o desenvolvimento da biotecnologia, somando massa crítica e complementando competências, fórmula vitoriosa também para competir para
a captação de recursos, o que também introduzi com avanços possíveis,
agora, na era da WEB, no RENORBIO. A revista Science publicou, em
2008, uma comparação entre a produção científica de grupos que têm interação multi-institucional com grupos em que esta interação não existe.
Verifica-se que, nos últimos trinta anos, a produção científica dos primeiros é ascendente e a do segundo grupo é descendente. Verifiquei que
estamos no caminho certo.
Luiz Antonio Barreto de Castro
Conclui o PhD na UC Davis com ”grade average A minus” (3.7) e
regressei ao Brasil em 1977. Quando voltei para o Brasil verifiquei que o
meu salário não dava para sustentar a minha família. Tive que trabalhar,
pela primeira vez na minha vida, como consultor para o setor privado na
área de fisiologia vegetal na Sociedade de Engenharia IMESTER Ltda.
O projeto visava a estabelecer instalações de unidades frigoríficas para
conservação de fruteiras de clima temperado, particularmente maçã, no
estado de Santa Catarina, sob contrato, para a CIBRAZEM - Companhia
Brasileira de Armazenamento. Esses estudos serviram de base para o
desenvolvimento extraordinário que a produção de maçã representa hoje
para o país. Fui seduzido quando visitei São Joaquim, em Santa Catarina. Na época, as macieiras não tinham mais do que meio metro de altura.
Na minha infância, maçã era importada da Argentina. Havia uma época
no ano em que importávamos o que havia de pior. Tudo mudou com o
crescimento da produção de maçã em Santa Catarina como profetizara
o Americo Grossmann.
Na Rural, felizmente fui promovido a Professor-Adjunto da
UFRRJ, mas não dispunha de recursos para estabelecer um laborató-
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Uma História Sobre a Ciência Brasileira
rio e realizar pesquisas, na área de engenharia genética de plantas, na
UFRRJ, área, então, praticamente desconhecida no Brasil. Nenhuma
planta havia, até 1977, sido geneticamente modificada. Quando convidado, em 1977, pelo Marcelo Barcinski para uma conferência sobre
engenharia genética de plantas, encontrei uma audiência incrédula. Perguntavam por que eu tinha tanta certeza que estas plantas seriam obtidas no futuro. Respondi que, se a engenharia genética havia chegado
às bactérias e leveduras as plantas estavam no ”pipeline”. O Maury
Miranda, que assistia em pé, na porta, me chamou e disse: “o pior que
pode acontecer com você é não ter um laboratório para trabalhar”.
Abriu o seu laboratório para que eu trabalhasse com proteínas de feijão,
enquanto ele trabalhava com o complexo Bitorax de Drosophilla sp.
Quando pareci assustado com o convite, ele, com a sua sabedoria, disse: “é tudo a mesma coisa”. Vinte anos depois, na era genômica, todos
concordam com o Maury. Em 1977, antes do advento da era genômica,
só o Maury enxergava essa evidência. Por dois anos, trabalhei no Instituto de Biofísica da UFRJ - Universidade Federal do Rio e Janeiro,
como professor-visitante, atendendo ao generoso convite do saudoso
Professor Maury Miranda, um dos pioneiros da biologia molecular aplicada ao conhecimento da biologia do desenvolvimento em organismos
superiores no Brasil1.
Voltei à UFRRJ em 1979 e, com auxílio do CNPq, foi possível
estabelecer condições laboratoriais mínimas no Departamento de Horticultura da UFRRJ, para desenvolver pesquisas voltadas para a análise
da variabilidade de proteínas de sementes em germoplasma de feijão
(Phaseolus vulgaris L.). Passei a colaborar regularmente com os cursos
de pós-graduação em Ciência do Solo e Tecnologia de Alimentos da
UFRRJ, lecionando a disciplina Bioquímica Vegetal e correlata. Recomeçava minha carreira de pesquisa e pós- graduação em bases um
1
O Professor Maury Miranda, já falecido, trabalhava desde o início da década de 1970 com
genes homeóticos do complexo bitorax de Drosophilla sp. , como modelo para entendimento
do processo de expressão dos chamados "Early Genes", o mesmo modelo que produziu recente Prêmio Nobel para um cientista da Caltech.
Luiz Antonio Barreto de Castro
pouco melhores. Nessa ocasião, fui eleito representante dos professores-adjuntos da UFRRJ, no Conselho de Ensino Pesquisa e Extensão da
Universidade e, a partir de 1980, fui também indicado como professor
credenciado pelo Conselho de Pós-graduação em Genética, do Instituto
de Biologia da UFRRJ.
No início da década de 1980, houve uma longa mobilização de
professores contra a Reitoria. O motivo: a morte do estudante George
Ricardo Abdala, atropelado na rodovia que passa em frente ao campus.
Quase imediatamente, os estudantes se mobilizaram, pedindo maior
segurança no campus universitário, melhoria no atendimento médico
e no Posto de Saúde. Olhando retrospectivamente, eram reivindicações banais, que poderiam ser resolvidas com relativa tranquilidade.
Na noite do dia 20 de setembro de 1979, o estudante George Ricardo
Abdala morreu vítima de um atropelamento na Rodovia Rio-São Paulo,
no trecho entre a Rural (km 47) e o km 49, onde residia boa parte dos
alunos não alojados da Universidade: trecho, à época, mal sinalizado e
pouco iluminado. Os alunos, sob o impacto da morte do colega e inconformados com os graves problemas de segurança, organizaram-se para
reivindicar, junto à Reitoria, melhores condições de acesso à zona residencial (ciclovia e iluminação), policiamento mais efetivo e aumento
do número de médicos no ambulatório da Rural. Foram formadas várias
comissões para irem às salas de aula explicar as propostas. No Instituto
de Zootecnia, um grupo de alunos se encontrou com o jovem professor Walter Motta Ferreira, quando ia entrar na sala do professor Edson
de Assis Mendes, que ministrava a disciplina de Zootecnia II. Amigo
particular do estudante morto, o professor, visivelmente em estado de
tensão, após ter passado a noite no velório, prevendo a possibilidade de
ocorrer algum tumulto, propôs transmitir pessoalmente o aviso. Em troca, os alunos deveriam se retirar do Instituto. Porém, quando o professor Walter estava fazendo a comunicação, um dos alunos da comissão
entrou na sala de aula e criticou o Serviço Médico da Universidade. O
clima era de tensão. Num gesto inesperado, os alunos da turma se reti-
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Uma História Sobre a Ciência Brasileira
raram da sala de aula. O professor Edson comunicou o fato ao subchefe
do Departamento de Produção Animal, professor José Alberto Baptista,
que o aconselhou a permanecer em sala até o fim do período e lançar
falta aos alunos que se retiraram. Na mesma tarde, procurou o professor
Walter e o aconselhou a se manter distante dos desdobramentos que os
fatos teriam. O professor Walter Motta Ferreira foi sumariamente demitido pelo Reitor, Arthur Orlando Lopes da Costa. O episódio tomou
conta da Universidade por quase um ano e sobre ele todos os membros
da comunidade foram chamados a se posicionar, assim como o próprio
governo e a sociedade fluminense. Entramos em greve contra o Reitor e
não demos as notas no fim do ano. Ninguém colou grau em dezembro.
Fomos todos parar na Policia Federal para tocar piano. Os mais jovens,
para quem direciono este livro, talvez não saibam que tocar pianos é
deixar suas digitais na Policia. O delegado de plantão começou o interrogatório: nome? Geraldo Dusi. Profissão? Engenheiro agrônomo. Formação? Ph.D. Ele parou e chamou o segundo: Nome? Jair Rocha Leal.
Profissão? Engenheiro agrônomo, Formação? PhD. No quarto PhD, ele
parou e disse: “todo o mundo embora. Tanto ladrão e eu prendendo um
monte de PhDs. Fora todo mundo”. Acabamos dando as notas e foi um
final feliz. Os alunos nunca estiveram contra nós. Muitos pais, sim.
–
3.4 - A EMBRAPA
A EMBRAPA foi criada em 1973, em plena ditadura, por cientistas principalmente das regiões Sudeste e Sul. Ao invés de centros regionais, como tínhamos anteriormente, a EMBRAPA se estruturou por
culturas: soja, trigo, algodão. Pensei no que aprendi com o Grosszmann.
Temos que fazer plantas para os diferentes climas e solos; um dia, a soja
vai chegar ao Piauí. Como é possível ter um Centro de soja em Londrina? Não vai dar certo. De fato, a soja chegou ao Piauí décadas depois.
A EMBRAPA Soja perdeu vários dos seus cientistas em um desastre de
Luiz Antonio Barreto de Castro
avião levando a soja para o Maranhão, onde fariam ensaios com novos
cultivares. Algumas estratégias que a EMBRAPA utilizou durante a sua
estruturação só funcionaram porque vigorava a ditadura. Hoje, seria
impossível. Escolheram seus fundadores, para integrar a EMBRAPA,
os que entenderam ser os melhores pesquisadores do SNPA - Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária; leia-se, o conjunto dos Institutos Regionais. Os que não foram escolhidos ficaram no MAPA em
atividades administrativas. Os ”excluídos” se sentiram pesquisadores
de segunda classe. Muitos, durante suas atividades no MAPA, não facilitavam a vida da EMBRAPA, por causa deste histórico incidente. A
única compensação é que se aposentaram com salário integral. Os que
optaram pela EMBRAPA têm um Fundo de Aposentadoria Privada, a
CERES que, somada ao INSS, não chega à metade da aposentadoria
dos que ficaram no MAPA. A EMBRAPA foi um sucesso, embora não
tenha se transformado em uma verdadeira empresa, uma “holding”,
capaz de criar outras empresas. Fugindo do sistema da CERES e em
busca de uma aposentadoria integral a EMBRAPA esteve ameaçada de
se transformar em um sistema que adotaria o regime jurídico único, o
que seria uma lástima. Fiz uma proposta, ainda na década de 1980, que
a EMBRAPA fizesse uma espécie de EMBRAPAPAR com ações na
bolsa e direito de patentes efetivo aos inventores. Na PETROBRAS,
quem desenvolve patentes, recebe ações. Eu sei: petróleo e agronegócio
são muito diferentes, mas a EMBRAPA deve remunerar melhor seus
cientistas mais produtivos ou eles vão deixá-la.
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Uma História Sobre a Ciência Brasileira
Quando a EMBRAPA, pela mão do Dalmo Giacommetti, chefe
do Cenargen, me convidou para ir para Brasília era uma proposta irrecusável, do ponto de vista financeiro, científico e logístico, particularmente
depois do incidente do Walter Motta Ferreira. Eles financiaram uma casa
para mim, via Caixa Econômica Federal. Se fizermos isto na Amazônia, muita gente aceita. Pedi licença na UFRRJ e fui para Brasília trinta
anos atrás. A partir de 1981, desliguei-me da UFRRJ e fui contratado
como pesquisador III da EMBRAPA. Pensei no que dizia o Jânio: “no
Brasil, nem porteiro de cinema pede demissão”. Eu e ele pedimos. Em
1981, Marcelo, meu filho mais novo, foi atropelado no Rio e ficou em
estado de coma por um ano. Isto equivale a um estado de guerra em que
a morte pode chegar a qualquer momento por uma ligação telefônica.
Na UTI, verifiquei que o Marcelo tinha infecções hospitalares com diferentes agentes infecciosos e resolvi introduzir na UTI uma capela de
fluxo laminar, que a VECO me emprestou. Um filtro HEPA diminuiu as
infecções e, coincidência ou não, o Marcelo saiu do coma e foi para casa
no Natal de 1982. Foi uma luta que, entretanto, já estava perdida porque
não sabíamos que, nas primeiras transfusões, ele havia contraído HIV.
Provavelmente, um dos primeiros casos de HIV por transfusão de sangue no Brasil. Morreu de insuficiência respiratória quinze anos depois.
Este foi o único problema que eu tive na vida até 2008, quando tive o
segundo que, talvez, conte mais tarde nas reflexões finais.
O estabelecimento da área de engenharia genética no CENARGEN, do zero, desde a construção do primeiro laboratório, sem equipe,
resultou mais difícil do que antecipei. Como o Centro não dispunha
de instalações nem recursos específicos para a área de engenharia genética, resolvi visitar os Estados Unidos, que havia deixado em 1977.
Visitei, na Califórnia, a UC DAVIS e a UCLA, e, na Costa Leste, principalmente, Harvard, onde conheci duas personalidades importantes:
William Haseltine e Bernard Fields, ambos atuando na área da saúde
humana com interesse na área de vacinas. Bernard Fields, virologista brilhante, preconizava o uso de vacinas que bloqueariam receptores
Luiz Antonio Barreto de Castro
celulares, diferentes das formas imunológicas, que nunca tiveram sucesso com organismos complexos, como os protozoários causadores de
importantes doenças no Brasil e no mundo, chamadas negligenciadas.
Teria feito uma carreira ainda mais espetacular se não tivesse falecido
precocemente vítima de um câncer de pâncreas.
Ainda se prometia muito com poucos resultados. Muitos projetos não prosperaram por falta de ferramentas mais avançadas, como as
que temos hoje, e de conhecimentos mais aprofundados em biologia do
desenvolvimento. Todo projeto de transferência de tecnologia custava
um milhão de dólares Chegavam à minha sala e diziam “tenho vacina
contra febre aftosa por DNA recombinante”, o que nunca aconteceu,
como já disse. Como definir uma agenda para o CENARGEN? Eram
poucos os especialistas em bioquímica e fisiologia vegetal no Brasil à
época e, praticamente, não havia especialistas na área de biologia molecular de plantas. Acresce que, em 1981, nenhuma planta transgênica
havia sido desenvolvida no mundo, o que só ocorreria na Bélgica, na
Universidade de Ghent, em 1983, quando Luiz Herrera Estrella engenheirou uma planta de fumo resistente a um antibiótico. Não havia recursos específicos para engenharia genética de plantas na EMBRAPA,
que dependia muito de acordos internacionais com o BID. Procurei seus
representantes que, elegantemente, tentaram me convencer de que não
havia futuro para o Brasil em uma área tão competitiva mundialmente.
Um deles me disse que apostar no Brasil, nessa área, seria como apostar
em um ”azarão” em uma corrida de cavalos. O caminho de consolidar
a engenharia genética no CENARGEN e depois na EMBRAPA foi, por
todas as razões citadas, longo e difícil. Na minha viagem de volta dos
Estados Unidos, essa dificuldade fica evidente, quando se verifica que,
embora tivesse sido formalmente contratado em 1981 para estabelecer
e coordenar a implantação e o desenvolvimento da área de engenharia
genética de plantas no Centro Nacional de Recursos Genéticos, somente exerci essa função, formalmente, a partir de 21 de agosto de 1985,
após quatro longos anos. Entretanto, não fosse a minha transferência
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Uma História Sobre a Ciência Brasileira
para a EMBRAPA/CENARGEN, não seria possível estabelecer, facilmente, no Brasil, naquela época, uma agenda que se desenvolveu por
vinte e cinco anos posteriormente e que incluía a identificação, isolamento, caracterização, clonagem, transferência e expressão de genes
para a produção de plantas transgênicas, na qual fomos pioneiros no
Brasil, desde a década de 1980. Os resultados profissionais de toda a
equipe, nesse sentido, só foram possíveis em função do comprometimento e determinação do Dalmo Giacometti, chefe do Centro Nacional
de Recursos Genéticos - CENARGEN, e do Eliseu Alves, então Presidente da EMBRAPA, para estabelecer a área de engenharia genética de
plantas na EMBRAPA, tendo, no CENARGEN, o núcleo estratégico
disseminador dessa iniciativa e no qual se situavam os recursos genéticos da EMBRAPA. O Eliseu, ainda vivo, diz, generosamente, sempre
que me encontra, que eu fui o melhor recurso genético que ele trouxe
para a EMBRAPA. Foi fundamental, também, escolher um, apenas um,
grande projeto científico que, embora muito ambicioso na época, tinha
foco e impediu a dispersão de esforços: obter plantas transgênicas de
feijão, com melhor qualidade nutricional, a partir da transferência e expressão de uma albumina 2S de castanha-do-pará rica em metionina. O
que determinou a escolha e como foi que isto aconteceu? Três fatores:
primeiro, o projeto tinha que ter a perspectiva de gerar um produto de
interesse social. Feijão é base da alimentação das populações mais pobres do Nordeste e sua proteína não tem mais do que 1% de metionina, aminoácido essencial para o desenvolvimento cerebral na primeira
infância. Segundo, o projeto tinha que ser ambicioso para despertar o
interesse de cientistas, que antes trabalhavam em doença de Chagas e
Malária e vieram para o CENARGEN para trabalhar com plantas, e de
jovens que vieram gradativamente para o CENARGEN, atraídos por
esta nova área da ciência. Não podia ser mera repetição. Tinha que produzir ciência nova. Finalmente, o projeto tinha que permitir o exercício
de uma agenda completa em engenharia genética de plantas: identificação, isolamento, caracterização, clonagem, transferência e expressão de
genes para a engenharia genética de plantas.
Luiz Antonio Barreto de Castro
John Fobes, meu colega em Davis, me apresentou ao Philip
Filner, da Universidade de Michigan, que havia se transferido para a
ARCO – Atlantic Rischfield Company, multinacional do petróleo. Ele
havia lido um trabalho em uma revista científica de botânica que identificava uma proteína da castanha com alto teor de metionina. Fobes disse
a ele que eu estava tentando aumentar o nível de metionina na proteína
de feijão. Ele me mandou uma carta: “send me the nuts”. Eu mandava
as castanhas, ele publicava e incluía o nosso nome. Se seguisse esse caminho, nunca desenvolveríamos a engenharia genética na EMBRAPA.
Ele mandou uma segunda carta já trabalhando com o timbre da ARCO,
dirigida ao Dalmo Giacommetti, dizendo que eu estava obstruindo o
caminho da ciência. Resisti à intimidação da ARCO. Começamos estudando, com detalhes, o produto da expressão do gene da 2S da castanha-do-Pará, porque tínhamos plantas de castanha-do-Pará enxertadas
na EMBRAPA em Belém, que eram baixas, e permitiam que estudássemos a acumulação da proteína em frutos de todas as idades. Não tínhamos tecnologia para sequenciar todas as proteínas e verificamos,
rapidamente, que seria necessário estabelecer uma parceria internacional. O projeto despertou o interesse do grupo do Marc Van Montagu,
da Universidade de Ghent, justamente o que apresentava os resultados
mais promissores em engenharia genética de plantas. Fizemos um grande e, posso dizer, financeiramente generoso acordo com a Universidade de Ghent, que permitiu o estabelecimento da PGS – “Plant Genetic
Systems”, empresa criada ao lado da Universidade de Gent e mais tarde
vendida para a Merck, por muito dinheiro. Era o único caminho para
o acesso aos avanços nessa área e os resultados foram compensadores.
Mandamos gradativamente nossos jovens e não tão jovens cientistas
para o exterior, muitos para a Bélgica, outros para laboratórios importantes na Europa e nos Estados Unidos, como Nottingham, e UCLA.
Perdemos alguns, mas a equipe de mais de quarenta PhDs, que hoje
atua no CENARGEN, não fica nada a dever aos melhores centros de
biologia molecular agropecuária. Podemos dizer que se consolidou, a
partir da década de 1980, uma iniciativa científica institucional impor-
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Uma História Sobre a Ciência Brasileira
tante nas áreas de biologia molecular de plantas e biotecnologia, nas
quais o CENARGEN tem publicado, nos últimos anos, inúmeros trabalhos científicos em revistas indexadas de alto impacto, além de patentes
obtidas no país e no exterior. A iniciativa somente se materializou graças à coragem e ao pioneirismo de Eliseu Alves e Dalmo Giacometti,
que viram, na engenharia genética, precocemente, ainda no início da
década de 1980, área que deveria merecer prioridade na EMBRAPA,
dado à sua importância para o país, mormente no que se refere à agropecuária, onde o Brasil tem vocações indiscutíveis. Tiveram o discernimento de propor o CENARGEN como instituição-âncora para essa
iniciativa, na EMBRAPA, pela convergência indiscutível entre recursos
genéticos e biotecnologia, agora mais evidente do que nunca. O desenvolvimento da biotecnologia no CENARGEN contou, inicialmente,
com o João Batista Teixeira, um dos pioneiros da cultura de tecidos
na EMBRAPA e, igualmente, com o esforço de alguns abnegados pesquisadores, a maioria egressos da UNB, como Eugen Gander, Fátima
Grossi, Mauro Carneiro, Genaro Paiva, Elibio Rech, Rodolfo Medina,
Francisco Aragão e Carlos Bloch, para citar apenas alguns. Os últimos,
praticamente foram formados no CENARGEN, já que para lá foram
apenas com a graduação com exceção do Francisco Aragão. Rodolfo
Aramayo Medina, que orientei no Mestrado, é hoje Associate Professor
na Universidade do Texas A&M. Muitos outros chegaram depois e seria
interminável citá-los. Técnicos de alto nível, como Carlos Rodrigues e
Eliana Santana, também egressos da UNB, vieram para o CENARGEN
que, também, na área de reprodução animal, fez a melhor escola do
país, a partir dos trabalhos do Roberto De Bem, pioneiro dos avanços
em reprodução animal no Brasil, já falecido, e cujos ensinamentos tiveram sequência pelas mãos do Rodolfo Rumpf, pai da bezerra Vitória,
da Lenda os primeiros bovinos clonados no Brasil. O Roberto De Bem
criou um projeto com a cara do velho Otavio Domingues; chamava-se
Arca de Noé. Nesta arca, ele colocou todas as raças de animais nativos
e adaptadas do Brasil.
Luiz Antonio Barreto de Castro
Roberto De Bem foi o precursor da moderna reprodução animal no Brasil.Tudo que aconteceu depois da inseminação artificial. Nesta foto ele aparece com justiça recebendo comigo
a Ordem do Mérito Judiciário da Suprema Corte do Trabalho. Entretanto ele não foi o pai
da bezerra Vitória que foi feita por um dos seus discípulos, Rodolfo Rumpf. Roberto De
Bem morreu precocemente de um câncer no pâncreas.
Vitória foi o primeiro clone de bovinos feito na América Latina .Eu era chefe do CENARGEN em 2000 e o Rodolfo Rumpf me ligou um domingo de manhã. Lá estava Vitria protegida por uma vaca de aluguel que não deixava ninguém se aproximar da cria . A Vitória
viveu muito, diferente da Dolly que morreu cedo. Depois dela vieram outras, Lenda foi a
segunda. Hoje clonar bovinos é uma tecnologia de absoluto domínio do setor privado. Sem
entender porque o Senado está propondo uma lei para regulamentar a clonagem animal.
Será um absurdo.
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Uma História Sobre a Ciência Brasileira
O CENARGEN continua uma instituição atraente. Em recente concurso, isto ficou evidente pelo número de PhDs que ingressou
na EMBRAPA para receber um salário inicial em nível de Mestrado.
A partir de agosto de 1986, o CENARGEN recebeu, formalmente, a
responsabilidade de atuar em biotecnologia, passando a se denominar
Centro Nacional de Recursos Genéticos e Biotecnologia. O CENARGEN foi credenciado, em 1986, como Centro Afiliado do Centro Internacional de Engenharia Genética e Biotecnologia - ICGEB, com sede
em Trieste e Nova Délhi. O Programa Nacional de Pesquisas em Biotecnologia Agropecuária, agora denominado Desenvolvimento de Pesquisas Básicas em Biotecnologia, financia projetos de pesquisa, nesta
área, desde 1989 até o presente. O CENARGEN é atualmente o centro
de pesquisa mais avançado em Biotecnologia Agropecuária do Brasil,
tendo, recentemente, obtido, juntamente com a COPERSUCAR, as primeiras plantas transgênicas produzidas no país e os primeiros clones
de bovinos do país. A equipe do CENARGEN conseguiu clonar e expressar, em sistema heterólogo, o primeiro gene de plantas no Brasil: a
proteína 2S de castanha do Pará (agora castanha do Brasil), bem como,
em conjunto com a Plant Genetic Systems, obteve patentes na área de
engenharia genética de plantas em cinco países, mesmo antes da nova
lei de patentes promulgada no Brasil em 1996.
Foram dez anos de experiência como pesquisador da EMBRAPA, no CENARGEN, que consolidaram, na minha formação profissional, o conceito da necessidade de cooperação internacional adequada
(não o que propôs a ARCO) com centros avançados como ferramenta
indispensável para que centros de pesquisa do terceiro mundo possam
produzir avanços em áreas de fronteira da ciência, como a engenharia
genética de plantas. Vou enfatizar este conceito: grande parte do sucesso que tivemos se deve ao acordo que, em meados da década de 1980,
o CENARGEN celebrou com a Universidade de Gent, na Bélgica, que
tinha forte relação com a ”Plant Genetic Systems” e com o INRA, em
Versailles, na França, em cultura de tecidos e, mais recentemente, com
a UCLA em Biologia do Desenvolvimento. Conseguimos, por meio
dessas cooperações, não somente formar grande parte dos nossos profissionais em biologia molecular e cultura de tecidos, mas também pro-
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Uma História Sobre a Ciência Brasileira
Luiz Antonio Barreto de Castro
duzir cientificamente em nível internacional. A esses acordos outros se
seguiram com o setor público e privado, mesmo diante do novo cenário
de proteção intelectual. Nesse período, aprendi que existem cadeias do
conhecimento, como o melhoramento genético, a biologia molecular,
a tecnologia de sementes e, finalmente, a indústria de sementes. Essa
cadeia foi responsável pelo sucesso da agropecuária brasileira. Na área
farmacêutica, não há uma cadeia semelhante. O Brasil não faz inovações em fármacos, como a EMBRAPA faz em agricultura e, por esta
razão, importa quase todos os nossos produtos farmacêuticos, fruto da
tecnologia do DNA recombinante.
Hoje, seria impensável transferir dinheiro para a PGS, como fizemos com o aval do Banco Central, na década de 1980. A atual ditadura
da União diria que estávamos transferindo dinheiro para uma conta fantasma em nosso nome. Na verdade, a primeira Diretoria da EMBRAPA,
na ”Nova República” cancelou a nossa cooperação com Ghent e a PGS
foi vendida depois para a Merck por centenas de milhões de dólares. As
plantas geneticamente modificadas se instalaram no mundo e o Marc
Montagu, foi cotado, em 2010, para receber o Prêmio Nobel; recebeu
um título de Professor Honoris Causa da UFRJ, por iniciativa do Antonio Paes de Carvalho, em 1997. Convidou-me gentilmente para fazer
um pronunciamento sobre a cooperação que tivemos e sua importância
para o Brasil. Quando cheguei ao auditório lá estavam todos que compareceram incrédulos ao Seminário em que fui convidado pelo Marcelo
Barcinski, em 1978. Antes de começar, olhei bem para eles e disse: “I
told you”. Pena que o Maury lá não estivesse. Aliás, sobre o Maury tenho
uma história importante para contar que envolve um dos personagens
mais importantes da ciência agropecuária brasileira: Ernesto Paterniani,
falecido recentemente. Ernesto era uma destas figuras extraordinárias que
generosamente conduziu-me à Academia Brasileira de Ciências. Inesquecível. Quando disse ao Maury que iríamos fazer um feijão mais rico
em metionina ele disse ao Ernesto: “fácil, faz um poliMet: um pedaço
de DNA que codifique para metioninas”. O Maury era um craque em
Biologia do Desenvolvimento, mas não ligava muito para a Bioquímica de proteínas com suas enzimas proteolíticas que exigiam cuidado e
reclusão de moléculas em células de armazenamento. O pior foi que ele
Ernesto Paterniani, o pai da genética de plantas no Brasil que produziu os maiores avanços nos estudos fundamentais e aplicados no melhoramento genético do milho. Fez uma
transição importante para a engenharia genética de plantas no Brasil quando se tornou
membro da CTNBIO, um dois maiores estudiosos da lei de biosegurança brasileira durante
a sua fase mais difícil.
fez uma aposta com o Paterniani dizendo que eu ia conseguir esta proeza,
que se revelou depois muito mais difícil do que antecipáramos. Quem
ganhasse pagava um jantar de camarão para o outro. O Maury faleceu e a
aposta se transferiu para mim. Um dia, o Paterniani me procurou e disse:
“fiz esta aposta porque, como vários geneticistas, achávamos que a engenharia genética estava no caminho errado e estava. Hoje, embora você
não tenha este feijão, o CENARGEN fez outros, o que prova o conceito.
Não precisa pagar a aposta”. Acho que a engenharia genética agora está
no caminho correto. Gostaria que ele estivesse aqui para que eu pudesse pagar aquele jantar, que ele generosamente não quis receber. Era um
homem nobre e de caráter. O que escrevo neste livro sobre ele é pouco e
não lhe faz justiça. Hoje, como não tenho mais laboratório, o Diogenes
Santos, da PUC do Rio Grande do Sul, está me ajudando a terminar este
projeto, o que quero fazer antes de morrer. Na verdade, o Carlos Bloch
está sintetizando os peptídeos que serão testados pela Denise Cantarelli
da PUC/RS para alergenicidade. Explico melhor: sabemos que a proteína
é alergênica, embora tenha 17% de metionina. Pedi ao Diógenes Santos,
da PUC-RS, para sintetizar o gene ou seus peptídeos componentes elimi-
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Uma História Sobre a Ciência Brasileira
nando domínios de aminoácidos, que são conservados entre as proteínas
alergênicas do tipo das albuminas 2S. É uma tentativa que não garante
que a nova forma da proteína perderá a alergenicidade, mas é um “good
shot”. Hoje, temos tecnologia para sintetizar genes, o que não tínhamos
na década de 1980. Os primeiros resultados não deram certo como aprendi com o Charles Robbs. Temos que continuar tentando. O meu sonho
é ver, na capa do NY Times: Feijão engenheirado melhora a qualidade
nutricional da dieta dos pobres do semiárido. Feijão resistente a vírus, o
Francisco Aragão e o Josias Farias fizeram de uma forma mais elegante
do que pensaram em suas épocas Roger Beachy e todas as multinacionais
que fizeram plantas resistentes a vírus. Eles usaram o silenciamento de
genes que deu o Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina a Craig Mello da
University de Massachusetts e Andrew Fire da Stanford University, em
Palo Alto, em 2006. O vírus não se replica nas plantas resistentes. A diferença entre uma planta resistente e uma suscetível e de zero de infecção
pelo vírus para 100% nas susceptíveis, nas quais o vírus é transmitido por
um inseto como vemos na foto abaixo. Hoje, o Elibio Rech e o Francisco
Aragão são os líderes mundiais na engenharia genética de leguminosas.
Na década de 1980, ninguém sabia fazer engenharia genética de leguminosas, muito menos de feijão, que era comida de pobre. Diante deste
problema, e das dificuldades que chegaram com a Nova República, a
PGS pulou fora. Hoje, o preço do feijão subiu muito. O Francisco tem
um financiamento para colocar o gene da 2S da castanha do Pará devidamente modificado pelo Diogenes Santos, em Vigna, feijão de corda que é
a principal fonte de proteína do semiárido.
Em 1986, recebi, da ”Rockfeller Foundation”, uma Biotechnology Career Fellowship para realização de pós-doutoramento na Universidade da Califórnia, Los Angeles, onde atuei, no Departamento de
Biologia, em pesquisas sobre Biologia Molecular voltadas para o controle da expressão gênica em espécies tuberosas, no período de setembro
a dezembro de 1986-1988, sob a orientação inigualável do Professor
Robert B. Goldberg. A partir de 1989, a bolsa foi renovada pela ”Rockfeller Foundation” e continuei, na qualidade de ”Visiting Schollar”, nos
períodos de janeiro a março de 1989 a 1992, no Departamento de Biologia da UCLA, continuei pesquisas sobre o tema citado. Nesse período,
Luiz Antonio Barreto de Castro
identifiquei, caracterizei e estudei a expressão de genes de inhame, que,
clonados, foram posteriormente expressados em sistema heterólogo por
Genaro de Paiva, pesquisador do CENARGEN, e por outros pesquisadores do Centro; linha de pesquisa que deu frutos até 1995. O Robert
Goldberg é sinônimo de excelência. Além do Maury, nenhum pesquisador teve influência mais importante na minha vida. Somos amigos há
quase quarenta anos e pela minha mão ele recebeu a Ordem Nacional
do Mérito Científico das mãos do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Teve que comprar um terno e sapatos porque ele só anda de jeans
e tênis.
Voltei à EMBRAPA em junho de 1999 para ser Titular da Secretaria de Propriedade Intelectual. Essa experiência acrescentou ao meu
currículo experiência intensiva nas negociações com o setor privado.
Particularmente, celebramos pela EMBRAPA um acordo de cooperação internacional com a MONSANTO para inserir o gene RR no genoma de cultivares de soja, que resultam do melhor programa de melhoramento desta leguminosa para os trópicos, liderado à época pelo Romeu
Kiihl. O gene citado permite conferir resistência ao herbicida glifosato
em soja. A MONSANTO não tinha um programa de melhoramento de
soja à altura do da EMBRAPA. Foi uma longa e difícil negociação em
que, na prática, demonstramos que as leis de cultivares e de patentes
no Brasil são compatíveis. A EMBRAPA ficou com o direito garantido
à proteção de seus cultivares e a MONSANTO a uma taxa tecnológica
por força das patentes concedidas para esta tecnologia no país. Uma das
cláusulas garante à EMBRAPA retorno pela taxa tecnológica cobrada
pela MONSANTO. A primeira parcela, de R$ 8 milhões, foi transferida
pela Monsanto que, entretanto, já ganhou com os royalties dessa tecnologia mais de 300 milhões. Essa experiência me valeu alguns convites
como experto da OMPI - Organização Mundial de Propriedade Intelectual, para demonstrar que as leis brasileiras de patentes e cultivares são
compatíveis, o que publiquei mais tarde na revista da ABPI (Associação Brasileira de Propriedade Intelectual).
A minha passagem pelo CENARGEN, no início deste século, foi
muito difícil, particularmente quando Lula foi eleito para a Presidência.
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Uma História Sobre a Ciência Brasileira
Tinha sido aprovado em dezembro de 1999, em Concurso Público, para
exercer a Chefia Geral do CENARGEN, mandato que, em princípio, deveria se estender de janeiro de 2000 a janeiro de 2004, quando o meu contrato terminaria. Pela regra, eu poderia me candidatar para um novo período em concurso assim como o Presidente da República o faz por eleição
também pública. Em 2002, fui entrevistado antes de o Lula tomar posse.
O jornalista perguntou: “o senhor sabe que o Presidente da República é
contra os transgênicos?” Respondi: “Não. Ele sabe que plantas resistentes
a insetos reduzem o uso de agrotóxicos? Ser contra estes transgênicos
estimula o uso de agrotóxicos”. No dia seguinte, o jornal afirmava: Chefe do CENARGEN diz que o Presidente Lula é a favor de agrotóxicos.
Começou uma campanha pelo SINPAF (Sindicato da Embrapa) que foi
ao presidente da Embrapa. Por iniciativa própria ou motivado pelo
SINPAF, ele me chamou. Perguntou–me, em seu gabinete: “Você não se
sente desconfortável trabalhando com transgênicos na EMBRAPA, que é
contra transgênicos?” Só faltou dizer como Luiz XIV, o rei sol: o Estado
sou eu. Eu disse que trabalhava com transgênicos na EMBRAPA desde
1981. Ele insistiu: “Você não tem outros planos para o futuro?” Pensei:
“ele vai me despedir.” Respondi: “Tenho, mas não passam por este gabinete, mas tenho um contrato com a EMBRAPA que pode ser rescindido”.
Tenho certeza de que não fui despedido porque coincidentemente, na semana seguinte, fui admitido como membro da Academia Brasileira de
Ciências. Era mais difícil despedir um membro da Academia.
É impressionante a frequência com que os países usam caminhos
políticos para prejudicar a ciência. Isto não é só no Brasil. Os irmãos
Terrones, os melhores cientistas em Nanotecnologia, foram praticamente expulsos do México. Quando era chefe geral do CENARGEN, fomos
invadidos por uma multidão de representantes da campanha “Por um
Brasil Livre de Transgênicos”. Estavam desde os que são pagos pelo
Príncipe Charles no Brasil até o MST. O mais enfurecido era um padre,
que brandia o acordo da EMBRAPA com a Monsanto, e pedia que
eu o rasgasse porque havíamos vendido a EMBRAPA para a Monsanto.
O dinheiro deste acordo permitiu ao Francisco Aragão pagar os estudos
de biossegurança para que o feijão resistente a vírus chegue às mãos
dos pequenos agricultores, que não têm dinheiro para pulverizar suas
Luiz Antonio Barreto de Castro
lavouras com inseticida para matar o vetor do vírus.
Quando voltei ao CENARGEN, em 2000, os cientistas tinham
agora, em um novo prédio, seus próprios laboratórios e seus próprios
projetos. Foi uma dispersão de esforços desastrosa. Nos meus primeiros dez anos no CENARGEN, identificamos e expressamos dois genes
importantes de plantas. Um, da semente da castanha-do-Pará – Bertholletia excelsa; outro, do tubérculo do inhame, Colocasia esculenta. Nos
vinte anos subsequentes nenhum novo gene da EMBRAPA foi ainda
expresso em plantas.
Trabalhamos com genes de multinacionais que ficam, por conta
do patenteamento desses genes, com o maior pedaço dos lucros, como
vemos na matriz acima: o que chamamos “technology fee”, que volta
para a empresa dona do gene, incide sobre a produção da “commodity”e
é muito mais do que recebe, por exemplo, a EMBRAPA pelo cultivar
registrado, “royalty” que incide sobre a produção de sementes. Bem ou
mal, outro acordo já foi feito pela EMBRAPA com a BASF usando este
modelo. Não posso atribuir apenas a esse fato não termos encontrado
novos genes. Parte do problema foi a lei de biossegurança e as campanhas contra transgênicos. Curioso que, vinte anos antes, tivesse sob os
meus ombros a construção da engenharia genética na EMBRAPA e vinte anos depois voltasse para construir sua área de genoma e proteoma.
Entretanto, na minha volta, tive apoio do Ministro do MAPA, Pratini de
Morais, a quem faço reconhecimento público.
Quando sai do CENARGEN em 2003, ambas as áreas estavam
ativas e com a melhor infraestrutura laboratorial possível. Concurso
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Uma História Sobre a Ciência Brasileira
público trouxe uma nova geração de jovens cientistas para o CENARGEN e rapidamente o Centro passou a atuar nos genomas funcionais de
vassoura-de-bruxa (estrutural) café, banana, e eucalipto, para citar os
mais importantes. Essa realidade mudou dramaticamente com o tempo.
Os sequenciadores de hoje fazem uma bactéria em horas. Aliás, realmente não faz sentido investir em máquinas caríssimas, que se tornam
obsoletas rapidamente. Fiz isso na década de 1980. Todas as máquinas
que eu havia comprado na década de 1980 estavam no estacionamento
quando voltei: sucata. Ademais, não temos meios de fazer manutenção
destas máquinas. No CENARGEN, o único laboratório que tem máquinas caras funcionando é o do Carlos Bloch que é por isso o pesquisador
mais produtivo cientificamente de toda e EMBRAPA. Mais fácil e muito mais barato é pagar pelo serviço. As máquinas de sequenciamento do
futuro vão permitir que, em um escritório médico, o paciente saia com
o seu genoma na mão. Todos os SNPs que podem indicar e antecipar a
possibilidade de problemas patológicos no futuro.
Quando voltei em 2000, o CENARGEN não era mais o mesmo.
Não consegui, em um curto período, vencer divergências e a dispersão
de esforços. Elaborei um grande projeto denominado INOVAGENE
para neutralização da ação de nematoides (ver Trabalhos Técnicos nº
20, no meu currículo Lattes), tentando convergir um grande número em
torno de um grande projeto. Considero este projeto um dos mais bem
elaborados que já realizei até hoje. Não consegui financiamento nesta
nova EMBRAPA que encontrei mais burocrática, com dirigentes menos
corajosos e talvez menos competentes. Aprendi que, além dos ensinamentos do César Milstein, dirigentes em C&T, além de perseverança,
têm que ter competência e coragem. Foram somente quatro anos que
não consegui prolongar, pelas razões citadas. Hoje, olho para o CENARGEN um pouco como o Rei Lear, da peça de Shakespeare.
Tentei voltar, depois de sair da EMBRAPA, ao convívio universitário aceitando, pela primeira vez, atuar em um centro universitário
privado em Brasília, denominado UniCEUB. A Direção Acadêmica
Luiz Antonio Barreto de Castro
Antonio Paes de Carvalho (o primeiro à esquerda), em um Congresso que organizamos pela
Sociedade Brasileira de Biotecnologia, criado por ele no início da década de 90, foi um dos
precursores da Biotecnologia brasileira. Criou empresas importantes que ainda preside.
Tenho a satisfação de ainda receber convites para fazer palestras de abertura de Congressos Científicos muito depois de ja ter saído da EMBRAPA , como este de Genética Molecular de Plantas que me permitiu contar um pouco da história que está neste livro.
acenou com a possibilidade de desenvolver uma pós-graduação em biologia e criou um Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento em Ciências
Biológicas – NPDCB, no Centro Universitário, onde comecei a trabalhar em janeiro de 2004. Durante dois longos anos, tentei todas as fórmulas possíveis para promover a pós-graduação em ciências biológicas,
sem sucesso. Como a massa crítica de doutores era pequena, firmei um
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82
Uma História Sobre a Ciência Brasileira
Acordo de Cooperação com a EMBRAPA. As propostas foram na linha de um Mestrado Profissionalizante, um Curso de Aperfeiçoamento
Modular em Biotecnologia e mesmo um Mestrado Acadêmico. Quaisquer das fórmulas esbarrou sempre em dois fatores: ou uma forte reação
contra a EMBRAPA, entre os docentes do UniCEUB, ou uma falta de
massa crítica para construir uma proposta sem a EMBRAPA, que fosse
aceitável pela CAPES. Saí em Janeiro de 2006, quando já era Secretário
de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do MCT, na
verdade, desde agosto de 2005.
A minha experiência em uma IES privada foi decepcionante.
Não quero generalizar, mas, excluídas as Católicas e outras IES correlatas, de cunho religioso, não há, com poucas exceções pontuais que
conheci, mentalidade científica nas IES privadas, o que é lamentável,
porque mais de 90% do corpo discente no Brasil está nessas IES. Não
tenho uma fórmula para resolver este assunto, que é preocupante nacionalmente. Os alunos pagam caro, são, na maioria, pobres, trabalham
e estudam, e não podem ser reprovados. São mal preparados educacionalmente porque os melhores e mais ricos conseguem espaço nas
Universidades públicas. A minha proposta para o velho amigo Jorge
Guimarães, formado comigo na Rural em 1962, como Veterinário, foi a
de estabelecer um Aperfeiçoamento Tecnológico treinando por um ano
graduados de Biologia para ingressar na indústria nascente de Biotecnologia no Brasil, sobre a qual vou falar a seguir.
–
3.5 - A biotecnologia brasileira
O tema da biotecnologia brasileira, que tratarei a seguir, permanece como um grande desafio para o Brasil. Em maio de 2009, fui à
Biotecnology Industry Organization, na Geórgia, EUA. A Biotecnologia brasileira é do tamanho da Geórgia: mais ou menos trezentas empresas. As da Geórgia têm faturamento muito maior do que as nossas.
Luiz Antonio Barreto de Castro
Continuo achando que é uma área de grande potencial e vai dar certo.
São quarenta anos de esforço ainda sem sucesso. O primeiro programa de Biotecnologia no Brasil é da década de 1980. Nessa época, não
tínhamos massa crítica. Não tínhamos um arcabouço legal adequado,
nem de patente nem de biossegurança. Não tínhamos dinheiro privado;
tínhamos inflação. Na verdade, o Brasil não tinha moeda. Quem chegasse a Nova York não via a moeda brasileira porque os responsáveis
pelo Banco Central inventavam acrobacias com a moeda. Tentavam
controlar a inflação por decreto. Chico Lopes, em uma rápida passagem pela presidência do Banco Central em 1999, permitiu que o real
se desvalorizasse. O câmbio flutuante sem bandas. Perdeu o emprego.
Foi acusado de mau economista e corrupto. Houve uma crise aguda de
desvalorização do real, que lhe custou o cargo e passou. Hoje, todos se
queixam de uma supervalorização do real. As administrações posteriores conseguiram manter a inflação sob controle, o câmbio livre flutuando chegou a uma posição de equilíbrio consistente; a taxa de juros mais
baixa, embora ainda alta, foi fruto da curta passagem do Chico Lopes
pelo Banco Central, em minha opinião. A consequência: temos moeda.
Agora, chegamos a Nova York e lá está o Real. Devemos isto ao Chico
Lopes, que disse que o rei estava nu. Não ganhamos nenhum prêmio
Nobel em Economia. Francamente, sem trocadilho.
Por incrível que pareça, na década de 1980, logo após a criação
do MCT, fizemos os melhores cientistas brasileiros em Biotecnologia,
uma missão à Europa para negociar projetos de cooperação nesta área
com a Bélgica, França, Alemanha. Quando me lembro, não posso deixar
de comparar aquele exército, que incluía importantes líderes brasileiros, como Antonio Paes de Carvalho, Diógenes Santiago Santos, Jorge
Guimarães Marcos dos Mares Guia, Isaias Raw, entre outros que depois
contribuíram para avanços importantes da Biotecnologia no Brasil à
Incrível Armata de Brancaleone da Nortia. Antonio Paes de Carvalho
criou o Polo BioRio, que ainda vai nos dar muitas alegrias. Diogenes
Santiago Santos e Jorge Guimarães criaram importante Polo de Biotecnologia na FURGS. Isaias Raw fez do Instituto Butantã a principal
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84
Uma História Sobre a Ciência Brasileira
instituição brasileira na área farmacêutica. O Marcos dos Mares Guia?
Sobre ele, escrevi e publiquei o seguinte texto:
PERDEMOS UM GUIA
No final de agosto, faleceu Marcos dos Mares Guia. Professor da UFMG, cientista de renome internacional, Marcos foi,
antes de tudo, um semeador de conhecimento, de ciência. Fazia
isto sem cessar em todos os níveis: dos estudantes mais jovens
aos mais altos dirigentes do país e, o que é mais interessante,
sempre com a mesma linguagem franca, simples, otimista, inteligente, energética, à frente do seu tempo, e de um senso de humor
fino e levemente irônico, sutil, somente perceptível por aqueles
que o conheciam mais de perto. Nos vinte anos em que tive o privilégio de conviver com o Marcos, menos tempo do que gostaria,
por circunstâncias profissionais que nos afastaram, deixei com
ele uma dívida de aprendizado, não somente de ciência, mas de
filosofia de vida, de coragem, diante dos maiores problemas pessoais, que tivemos em comum, e principalmente de viver com
a perseverança de construir, sempre indignado com a lentidão
com que conseguíamos atingir nossos objetivos. Sem deixar, entretanto, que esta indignação abalasse a sua perseverança, nem
sua diplomacia e elegância no negociar dos problemas.
Foi o fundador da Biotecnologia brasileira, com grande sucesso, desenvolvendo a ciência brasileira, a química, a
bioquímica. Criando políticas, tecnologia, fundando empresas
como a BIOBRAS, valente diante da competição internacional e
hábil diante das oscilações políticas de C&T, que não permitem
traçar rumos seguros em longo prazo; sem falar das invenções
econômicas brasileiras que até recentemente revogavam a lei
de oferta e procura. Nada o detinha. Não havia problema que
não resolvesse. Marcos nos deixa em um momento em que ainda
não conseguimos sequer comercializar um produto da biotecnologia agropecuária no Brasil. Em que a EMBRAPA, como o
país, passa por crises difíceis. Onde estiver, está indignado te-
Luiz Antonio Barreto de Castro
nho certeza, mas perseverante pela ação dos que o conheceram.
Sua ausência teria um efeito devastador, não fosse o que todos
aprendemos com ele no exercício da ciência, da inovação, da
coragem: um símbolo de resistência que a todos inspira e estimula. Marcos foi um daqueles homens, que, como dizia Exupéry
em “Terra dos Homens”, tem vergonha de uma tragédia que não
está ao seu alcance resolver e se orgulha de uma vitória feita
por outros. Sua principal qualidade é de ter sido responsável
por todos os problemas do mundo que, se tivesse tempo, teria
contribuído para resolver. Perdemos um Guia, ganhamos uma
responsabilidade a mais: não decepcioná-lo. À sua família, a
nossa solidariedade e tristeza por ele ter nos deixado, sobretudo
desta forma inexplicável.
Luiz Antonio Barreto de Castro
Chefe Geral do CENARGEN/EMBRAPA
POST-SCRIPTUM
Quando este livro já estava pronto, faleceu Ricardo Renzo Brentani, o mestre da oncologia e um dois pais da biotecnologia brasileira,
foi quem primeiro expressou insulina em E.coli no final da década de
setenta. Deixou um vazio na minha vida. Brentani reunia competência
e coragem. Coragem sem competência é um desastre. Competência sem
coragem é uma frustração permanente. Brentani tinha uma irreverência
aliada a um fino senso de humor peculiar. Uma noite na Globo, teve que
interagir com um padre gaúcho que curava câncer com babosa. Depois de
falar, o jornalista virou-se para o Brentani: professor, o que o senhor acha
destas pesquisas? O Ricardo ato continuo disse: chame a polícia, exercício ilegal da profissão. O resto do seu discurso foi cada vez pior.
Que falta faz o Brentani!
85
Parte II
A EMBRAPA visitou Cuba em 1990. Fiz parte da equipe. A foto mostra o dia em que fui
escolhido para uma visita ao Fidel Castro. Cuba vivia uma crise por falta de recursos do
Leste Europeu. No dia em que chegamos começou a Guerra de Golfo. Fidel fez investimentos importantes em Biotecnologia em Cuba mas que não a elevaram a uma indústria
importante internacionalmente. Diante da crise que o país vivia, durante a qual não recebia
pelo açúcar que vendia, porque a União Soviética estava em profunda modificação política,
sugeri a ele que vendesse álcool de cana de açúcar para os Estados Unidos. Ele me falou:
“Barreto, el problema de Cuba es alimentário”.
–
A GESTÃO DE
CIÊNCIA
E TECNOLOGIA
4
– Os anos do Padct –
A minha carreira na gestão de ciência e tecnologia que se estendeu de 1991 a 1999 teve o
reconhecimento de me conferir duas legendas: a Ordem Natural do Mérito Científico e a
Grã Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico durante o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Ao meu lado, recebendo a mesma comenda no segundo evento,
Luciano Coutinho, velho amigo dos idos do PADCT. Quando escrevia este livro, ele era
presidente do BNDES.
O amigo Sergio Rezende costuma repetir com frequência: “a ciência brasileira é muito jovem”. Na verdade, a institucionalização federal da ciência no Brasil é recente. A Academia Brasileira de Ciências
é de 1916. A SBPC é de 1948. O CNPq foi criado no Governo Dutra
em 1951. A ideia de estabelecer uma instituição com essas características é mais antiga e emana de iniciativas de Acadêmicos da Ciência e
Tecnologia das primeiras décadas do século vinte. A FINEP, empresa
pública vinculada ao MCT, foi criada em 24 de julho de 1967. O Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) foi criado pelo Decreto 91.146,
em 15 de março de 1985. Para os jovens saberem, o MCT tem como
competências os seguintes assuntos: política nacional de pesquisa científica, tecnológica e inovação; planejamento, coordenação, supervisão e
controle das atividades da ciência e tecnologia; política de desenvolvimento de informática e automação; política nacional de biossegurança;
política espacial; política nuclear e controle da exportação de bens e
serviços sensíveis. As Agências, seus empregados e dirigentes, sempre olham o MCT como os sulistas que perderam a guerra da secessão
nos Estados Unidos. A criação do MCT significou considerável perda
de poder para as Agências que tratavam de suas questões diretamente
com os Presidentes da República que, até hoje, os nomeiam. Tinham
90
Uma História Sobre a Ciência Brasileira
alto grau de autonomia. Fez sentido criar um Ministério para cuidar
da Ciência e Tecnologia, no Brasil? Os Estados Unidos não têm este
instrumento. São as Agências como o CNPq e a FINEP (eles não têm o
equivalente a uma FINEP) que trabalharam seus interesses diretamente
no Congresso e com os Presidentes. Penso que foi importante criar o
MCT para cumprir uma ação catalisadora e coordenadora e diminuir os
conflitos históricos, que sempre existiram entre as Agências; mas que as
Agências choram até hoje, choram e, quando podem, não obedecem aos
Ministros. É tenso. Digo isto depois de quinze anos de exercício como
Secretário. O mais impopular que já passou pelo MCT.
Em 1991, fui convidado pelo então Ministro da Ciência e Tecnologia, José Goldemberg, para a área de Coordenação de Políticas e
Programas do MCT. Passava por uma fase bastante produtiva da minha
carreira. Em 1992, publicamos um artigo na capa do Plant Cell. Por que
decidi aceitar? Em 1991, o CENARGEN fez uma eleição para substituir
o Chefe Geral que se afastava. Tive apoio da grande maioria: do porteiro
ao mais graduado pesquisador do Centro. O Presidente da EMBRAPA,
à época, escolheu outro para o comando do CENARGEN. Pensei: não
sirvo para ser chefe do CENARGEN, mas sirvo para ser Secretário no
MCT. Aceitei em um impulso e hoje me arrependo. Perdi o meu laboratório e o meu vínculo com a ciência experimental para sempre.
Luiz Antonio Barreto de Castro
Servi a cinco Ministros da Ciência e Tecnologia, de julho de
1991 a junho de 1999, em particular, ao Ministro Israel Vargas, de outubro de 1992 a dezembro de 1998, de quem guardo boas lembranças.
Na verdade, quando o Vargas começou a sua gestão como Ministro, não
nos conhecíamos muito bem. Aprendi a respeitar e admirar o Vargas
assistindo à sua luta incessante para construir uma nova realidade para
a ciência e a tecnologia no Brasil, durante governos, particularmente o segundo da sua gestão, que não priorizavam ciência e tecnologia
como deveriam e como faziam os países desenvolvidos. Seus pedidos
se arrastavam nas mãos do Presidente Fernando Henrique. Com perseverança, ele conseguiu mudar um paradigma com a criação do primeiro
Fundo Setorial no âmbito do MCT, o Fundo Setorial do Petróleo e Gás
Natural, que significava uma renúncia fiscal federal para ciência e tecnologia, fato a que todos da área financeira de todos os governos sempre abominaram. Daí em diante, tudo ficou mais fácil e outros criaram
dezesseis. Essa luta nos uniu e desenvolvemos uma amizade que ainda
cultivo, embora, infelizmente, não nos vejamos com frequência.
A minha principal tarefa era cuidar do PADCT, um Programa
que tinha recursos de empréstimos feitos pelo Brasil junto ao Banco
Mundial. Encontrei um contexto complicado. O FNDCT, que tinha investido o equivalente na moeda de hoje a 800 milhões de reais, em
1978, viu este valor cair para a metade em 1982 e para 200 milhões em
1984. Helio Barros é quem melhor conhece esta história. O PADCT
fez seu primeiro empréstimo e começou a operar em 1986. Durante
todo o período de funcionamento do PADCT, que acompanhei de 1991
até 1999, o sistema federal de C&T passou por uma fase de escassez
de recursos que começou no início da década de 1980 e começou a
melhorar com a criação dos Fundos Setoriais, em 1999. Já conhecia e
atuava no PADCT, tendo participado de um dos seus Grupos Técnicos
- Biotecnologia, constituído por cientistas que estabeleciam as prioridades em cada área considerada estratégica; um conceito exercitado,
pela primeira vez no país, pelos que conceberam o PADCT. Embora
o programa tenha sido criado com o aval das Agências, o Presidente
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Uma História Sobre a Ciência Brasileira
Luiz Antonio Barreto de Castro
da FINEP, à época, disse, em reunião pública, a que assisti, na condição de Secretário Técnico da Biotecnologia, quando o MCT começou
a funcionar, que o PADCT era um programa inútil e que nunca deveria
ter sido criado. Quando cheguei, em 1991, no governo Collor, fomos
ao fundo do poço. Praticamente, não havia dinheiro para ciência e tecnologia. O Goldemberg que me apelidou de Luiz ABC e disse: “vou
conseguir dinheiro com o presidente, mas o sistema tem que funcionar”. Efetivamente, o dinheiro veio pelas mãos do Goldemberg que, em
seguida, mudou de Ministério. Em 1991, o PADCT estava concluindo a
sua primeira fase em que tinha realizado um investimento da ordem de
172 milhões de dólares, durante cinco anos. Uma média de 60 milhões
de reais ao ano. De 1991 a 1999 conseguimos, graças principalmente
ao PADCT, manter um nível de investimento da ordem de 200 milhões
de reais ao ano. No total, o PADCT, em suas três fases, investiu cerca
de 600 milhões dólares, cerca de 120 milhões de reais ao ano. Em 1991,
concluímos o PADCT em sua primeira fase. E executamos toda a fase
dois do PADCT, que investiu cerca de 280 milhões de dólares nas áreas
chamadas estratégicas e, até hoje, tem com uma distribuição regional de
recursos sofrível. Dois terços dos recursos para a região sudeste. Outra
crítica séria que se fazia ao PADCT é que os resultados não chegavam
à indústria. Muito C e pouco T.
Para avaliar o PADCT II, fizemos uma amostra de 6500 cientistas financiados e comparamos, utilizando como referência o “Citation
Index”, suas performances de 1981 a 1996, final do PADCTII. Todos
os que receberam recursos foram incluídos. Foi possível comparar suas
performances em cada setor em um período em que não havia o PADCT
com o período em que o PADCT funcionou. Os resultados foram positivos, como vemos abaixo, na maioria das áreas, mas não em todas. Não
dá para mostrar todas as áreas porque são muitas.
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Uma História Sobre a Ciência Brasileira
Em 1995, o Brasil decidiu negociar a terceira fase do PADCT
para tentar fazer a ciência chegar à indústria. Havia realizado e tinha
sido aprovado em Concurso Público para o cargo de Chefe-Geral do
CENARGEN, em novembro de 1995, com o Plano de Trabalho intitulado USBIO - Uso Sustentável da Biodiversidade. Como negociava o
PADCT III, não pude aceitar o cargo. Nunca avançamos nessa área no
Brasil, até hoje, por razões políticas, ou falta de políticas, como vamos
ver mais tarde.
AGREGATE VALUE TO THE PRODUCTS OF BIODIVERSITY – A STRATEGY TO REVERT THE TREND OF
DEFORESTATION IN THE AMAZON
Source: CASTRO, L. A. B. . Sustainable
use of Biodiversity - Components of a
Model Project for Brazil. Brazilian Journal of Medical and Biological Research,
v. 29, p. 687-689, 1996.
Luiz Antonio Barreto de Castro
Fomos a Washington com um time de craques: Helio Barros, Ivan
Rocha,Wladimir Longo, entre outros. Na primeira reunião, um Diretor
do WB disse: “Não acredito na relação universidade-empresa abaixo
do Equador. Aliás, a única experiência interessante é a da Fundação
Chile”. Minha reação inicial, olhando para a turma, foi a de levantar e
ir embora. Respirei e disse: “O Brasil nunca mais vai voltar ao Banco
Mundial para negociar nenhum projeto em ciência. Este é o último. A
Alemanha, o Japão e a Inglaterra não vêm, não é? Nós também não vamos voltar”. A profecia ou maldição parece que perdura até os dias de
hoje. Nunca mais voltamos. Mas conseguimos negociar o PADCTIII,
que tinha a expectativa de ser um Programa em duas fases: 150 milhões
de dólares para a primeira; se desse certo, mais 150 milhões. Começamos em 1997. O programa ia bem até janeiro de 1999 quando o Vargas
saiu e o Fernando Henrique colocou o Bresser Pereira como Ministro.
O PADCT teve algumas virtudes: criou o primeiro sistema em WEB
para gestão de C&T, o REAACT. Quando o REAACT foi desenhado
e começou a operar não sabíamos quantos pesquisadores existiam no
Brasil. Era uma vergonha chegar no Banco Mundial, como fizemos para
negociar o PADCT III, e dizer que não sabíamos exatamente quem fazia
ciência no Brasil. Na verdade, antes do PADCT e do REAACT cada
Agência tinha uma base de dados em papel, precariamente informatizada. Não havia um sistema único de currículos, como hoje é o LATTES.
Quando criamos o CNCT- Cadastro Nacional de C&T, a primeira base
curricular em WEB que precedeu o LATTES, foi uma grita geral nas
Agências. Tínhamos que lançar editais do PADCT III e não tínhamos
um sistema AdHoc informatizado, que era um módulo fundamental do
REAACT.
Pasmem, o REAACT selecionava os AdHoc eletronicamente
eliminando conflitos de interesse tanto quanto possível. Os AdHocs
recebiam os projetos eletronicamente e apresentavam seus pareceres
eletronicamente. Só nos reuníamos no final para bater o martelo selecionando os melhores projetos. O REAACT foi o melhor sistema de
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Uma História Sobre a Ciência Brasileira
Luiz Antonio Barreto de Castro
pel de enrolar peixe”. Um desastre. No segundo edital, tudo funcionou
bem. Eu ficava em casa e via as propostas entrando eletronicamente.
Um sucesso que fizemos na década de 1990 e nunca mais se repetiu nos
quinze anos subsequentes.
gestão de C&T que eu já vi, incluindo os sistemas da NSF e NIH. No
primeiro edital foi difícil, porque o sistema não permitia fazer o “download” dos formulários. Fui chamado ao CNPq. O Presidente olhou para
mim e disse: “Quer dizer que você criou um sistema de currículos em
que os próprios pesquisadores atualizam seus dados?” Eu disse: “Isso
mesmo”. “Quer dizer”, perguntou o Presidente, “que se um garrafeiro
quiser colocar seu currículo no seu sistema pode?” Eu disse: “Pode.
Só que, Presidente, o dia em que um garrafeiro abrir o nosso sistema e
colocar o seu currículo, o Brasil virou a Suíça”. Ele ficou me olhando e
disse: “É, pensando bem...”. Oferecemos, eu e o Silvio Meira, o REAACT para a FAPESP na década de 1990. O Peres me disse que estava
pensando em ver o que havia na NSF. Eu disse: “Não perca tempo, já
estivemos lá.” Quinze anos depois, comprou uma versão “customizada” do REAACT do CESAR. Ainda brinquei com ele: “Vocês demoram
a decidir.”
Informação no Brasil tinha dono. Cada Agência competia com
a outra. Quando pedimos ao CNPq para ceder a base curricular deles
para montar o CNCT tivemos que assinar um documento dizendo que
aquele sistema era provisório. Quando recebemos a base de dados, todos os CVs estavam desatualizados. Derrubou o sistema de informática
do MCT. O Silvio Meira, sutil como sempre, disse pra mim: “Isto é pa-
Ser o Secretário Executivo de exercício mais longo na história
do Programa PADCT - de julho de 1991 a junho de 1999 - foi a melhor
escola de gestão de C&T que eu poderia frequentar. O PADCT investiu,
como já disse, US$ 600 milhões, no período de 1986 a 1997, financiando cerca de seis mil cientistas em mais de trezentas instituições
brasileiras e deixou algumas contribuições importantes. A primeira foi
o exercício de seleção de projetos pelos pares (“peer review”) que existe na ”Royal Society”, UK, desde o século dezoito, mas que, no Brasil,
teve no PADCT seu mais importante instrumento de implementação. A
segunda, cuja saga já contamos parcialmente, foi a construção do primeiro sistema em WEB de gestão de C&T, o REAACT, que, concebido
conceitualmente pela equipe do PADCT, que eu coordenava, teve seu
software engenheirado pelo CESAR - Centro de Estudos Avançados do
Recife, vinculado à UFPE, e dirigido pelo Sílvio Meira (http://reaact.
cesar. org. br ou www. cesar. org. br). A primeira base curricular de dados em WEB feita para o REAACT, denominada CNCT, rapidamente,
estimulou a adesão de mais de quarenta mil currículos. Este módulo do
REAACT permitiu que se estabelecesse um sistema completo de gestão
de C&T para financiamento de projetos que, vou enfatizar, começava
com o lançamento de editais e os projetos formulados eram virtualmente analisados por Comitês Ad Hoc extraídos do CNCT, sem conflitos de
interesse, também virtualmente, os quais, depois de aprovados, o REAACT permitia um completo processo de acompanhamento e avaliação
de cada projeto “on line”. À frente do seu tempo, este sistema, que nunca teve similar no Brasil, precedeu o LATTES e depois do surgimento
desta base curricular, o REAACT perdeu seu contato com o CNCT e
nunca conseguimos vinculá-lo ao LATTES, ou seja, voltamos à estaca
zero: não temos mais um sistema de acompanhamento e avaliação de
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98
Uma História Sobre a Ciência Brasileira
C&T no MCT. Nada contra o LATTES, mas perdemos o REAACT e
não o substituímos por nada. A terceira lição, que o PADCT me ensinou, foi formular programas com uma definição clara de metas, objetivos, atividades e resultados com indicadores mensuráveis de avaliação.
Esta metodologia, denominada ”Logical Frame Work – Log Frame”
(ver Trabalhos Técnicos nº. 14, anexos no CV Lattes), foi utilizada para
a elaboração do PADCT III, na década de 1990, e consta do seu ”Program Implementation Plan - PIP”, aprovado pelas partes (Banco Mundial/BIRD e Governo do Brasil, por meio do Senado Federal).
Em 2001, os recursos do PADCT III foram utilizados para financiamento de projetos que se convencionou chamar Instituto do Milênio.
Eu já havia saído do MCT, e nunca entendi como recursos formalmente
aprovados pelo Senado, para um programa que tinha metas, fruto de um
empréstimo governamental, que foi negociado com dificuldade, pode
ser simplesmente desviado para outra finalidade não prevista no acordo.
Interrompia-se um programa que tinha treze anos de funcionamento e
substituía-se por outro que não era nada. Não tinha regras claras; não
tinha metas definidas. Forjou-se, no edital, um Comitê Ad Hoc internacional (o único americano era uma antropóloga) imitando o GEA, cuja
finalidade no PADCT era outra. O GEA, no PADCT, não tinha função
AdHoc. Era um Comitê de Gestão Externa ao Programa que se reunia
anualmente para avaliar seu andamento e o das Agências. O falso GEA
do Milênio pagou oitocentos dólares /dia para este Comitê AdHoc que
ficou duas semanas no Brasil para selecionar, aprovar e financiar projetos que nunca foram avaliados adequadamente. Nenhum para a agricultura. A EMBRAPA apresentou dezessete. Fiz um artigo que publiquei
no Correio Brasiliense sob o título “Agricultura sem Ciência”. Neste
artigo, disse que o país, no mesmo dia em que anunciava uma safra recorde, anunciava um apoio a projetos de pesquisa sem nenhum projeto
para agricultura. Sarcástico, afirmei: “Deve ser porque estamos seguindo como estratégia a carta de Pero Vaz de Caminha: nesta terra, em se
plantando, tudo dá”. Esta iniciativa foi uma página negra na história da
Luiz Antonio Barreto de Castro
ciência. Escrita no vácuo do PADCT III, e antes do estabelecimento dos
Fundos Setoriais, propôs uma relação Universidade Empresa que era
exatamente a função do PADCT III. Não questiono a qualidade dos projetos financiados. Alguns dos grupos têm sucesso e perduram com bom
desempenho. Questiono a forma de desviar recursos sem uma política
clara. Depois do PADCT, o Programa Milênio acabou, como é óbvio.
Que consequência tiveram os projetos financiados? Encontrei uma tese
que tenta avaliar os projetos financiados pelo Instituto do Milênio. Li a
tese e retirei os seguintes comentários:
Extraído da Tese de Lucas Roberto da Silva Dias,
orientado por Ester Dal Poz
Programa Institutos do Milênio 2001-2003
(PADCT III – MCT)
O Programa Institutos do Milênio (2001-2003) integrante do
PADCT III
Plano de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico é um dos componentes para incentivo ao desenvolvimento
científico tecnológico formulado pelo Governo brasileiro fundado nas diretrizes gerais e específicas do PPA – Plano Plurianual
de 1996-1999. O PADCT III tinha como objetivo geral aumentar a competitividade do setor produtivo e a melhor apropriação
socioeconômica dos resultados dos esforços direcionados pelo
programa. Para tanto, foram definidos três objetivos básicos
(MCT;1998):
1. Criar ambiente para a cooperação tecno-científica entre o setor privado e o governamental, através do apoio à
implementação de atividades de transferência científicotecnológicas e geração de inovações;
99
100
Uma História Sobre a Ciência Brasileira
2. Capacitação de capital humano visando às demandas
dos setores acadêmico e produtivo;
3. Financiar a PD&I para a aplicação de conhecimento
científico e tecnológico em áreas selecionadas de relevância para o desenvolvimento nacional.
Formulado pelo MCT – Ministério da Ciência e Tecnologia e, executado pelo CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, o Programa Institutos do
Milênio visou à interação entre universidades e empresas para
ampliar a capacitação tecnológica do setor produtivo e o fortalecimento da competência científica e tecnológica nacional em
áreas estratégicas para o desenvolvimento do país (MCT, 1998).
Planejado para integrar grupos de pesquisa em redes, objetivou potencializar a base nacional instalada de laboratórios e
favorecer a integração com centros internacionais de pesquisa,
estendendo os padrões de excelência a um número crescente de
instituições em diferentes regiões do país (CNPq, 2007). Em
2001, o Programa Institutos do Milênio contou com empréstimos do Banco Mundial para apoio a 17 projetos (apresentados
no Quadro 4) sendo que, até 2003, foram investidos R$ 90 milhões em pesquisas nas áreas da saúde, meio ambiente, agricultura, novos materiais, nanociências e estudos do potencial da
área de Recursos do Mar e regiões como o Semiárido nordestino
(MCT, 2007).Os dezessete projetos aprovados.
Quadro 4 – Institutos do Milênio:
Projetos Aprovados em 2001
Fonte: CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
Luiz Antonio Barreto de Castro
101
DESCRIÇÃO INFORMAÇÕES
Grupo I
Institutos com excepcional nível científico e/ou tecnológico em suas áreas de atividade, com papel decisivo para
elevar a competência nacional nestes campos do conhecimento.Recursos financeiros: R$ 60 Milhões.
1
Avanço Global e Integrado da Matemática Brasileira
Impulsionar o desenvolvimento da matemática, fortalecendo a interação com áreas da C&T e sua aplicação no
setor produtivo. Impactos nas áreas: petróleo, clima imprevisão do tempo, energia elétrica, transição de fase e
linguística, bio-matemática e matemática financeira.
2
Instituto do Milênio para Evolução de Estrelas
Galáxias na era dos grandes telescópios.
e
Desenvolvimento de projetos instrumentais, formação e
qualificação de pessoal na área de astronomia. Envolve
mais de 80% dos astrônomos brasileiros e 17instituições
de pesquisa.
3
Fábrica de o Milênio.
Realizar atividades de pesquisa e desenvolver soluções
para fortalecer a capacidade tecnológica e gerencial de
pequenas e médias empresas do setor de autopeças.
4
Instituto do Milênio de Materiais Complexos.
Compartilhar informações sobre a criação, aperfeiçoamento, conhecimento e aplicação de materiais com propriedades específicas como ópticas, elétricas e mecânicas, com
grande potencial de aplicação científica ou tecnológica.
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Uma História Sobre a Ciência Brasileira
Luiz Antonio Barreto de Castro
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5
10
Instituto Multidisciplinar de Materiais Poliméricos.
Instituto de Investigação em Imunologia.
Rede de pesquisadores das áreas de química, física e engenharias, coordenada em pesquisas e aplicações de propriedades elétricas e/ou ópticas de materiais poliméricos.
Estudar aspectos genômicos, fisiopatológicos, farmacológicos e epidemiológicos de doenças como: alergia, transplante, câncer, infecção, autoimunidade e imunodeficiência.
6
11
Instituto de Informação Quântica.
Estudos e métodos para caracterizar, transmitir, armazenar, compactar e utilizar computacionalmente a informação contida em estados quânticos e transferência da informação quântica entre a matéria e a luz. Aplicações em
algoritmos computacionais.
Bioengenharia Tecidual: Terapias
doenças crônico-degenerativas.
celulares para
Introduzir, desenvolver e capacitar a nova área médica da
Medicina Regenerativa, doenças crônico-degenerativas e
traumáticas com terapias celulares e/ou teciduais.
7
12
Instituto de Nanociências.
Integração
Investigar sistemas nano estruturados, reconhecidos como
prioritários para o desenvolvimento tecnológico em microeletrônica, optoeletrônica, fotônica,telecomunicações
e bioengenharia. Congrega 66 pesquisadores de várias
especialidades e de 21 instituições brasileiras.
Mapeamento genético das frutas cítricas, identificando os
genes resistentes a doenças, contribuindo às estratégias de
controle de pragas.
8
Rede de Pesquisa em Sistema em Chip, Microssistemas
e Nanoeletrônica.
Pesquisa e integrar os grupos de microeletrônica das universidades e empresas. Impulsionar a pesquisa em microeletrônica no país, via esforços e experiências multidisciplinar.
9
Estratégias
13
Água - uma visão mineral
Integrar etapas da mineração com o meio ambiente, visando à eficiência na recuperação da água por meio de
processos de beneficiamento e de novas tecnologias de
materiais para o tratamento da água utilizada.
14
Mudanças
integradas para estudo e controle da tu-
berculose no Brasil.
Novas drogas e vacinas, testes diagnósticos e avaliação clínico-operacional.Desenvolver novas tecnologias para controle e tratamento da Tuberculose e formar recursos humanos
multidisciplinar e multi-institucional.
de melhoramento genético, genoma fun-
cional e comparativo de citrus.
de uso de solo na
Amazônia:
climáticas e
na reciclagem de carbonos.
Estudar os impactos do uso do solo amazônico no clima,
na qualidade da água, no ciclo de carbono e nos ciclos
biogeoquímicos essenciais à manutenção da floresta. Integração de 13 IPES e 95 pesquisadores.
104
Uma História Sobre a Ciência Brasileira
15
Núcleo de Estudos Costeiros.
Estudar a estrutura, o funcionamento e a história evolutiva dos manguezais e estuários da costa norte brasileira,
importantes na economia da Amazônia.
Grupo II
Institutos atuantes em áreas estratégicas, definidas segundo as prioridades do programa de Ciência e Tecnologia
do MCT.
Recursos financeiros: R$ 30 Milhões.
16
Semiárido: Biodiversidade, Bioprospecção
Recursos Naturais.
e
Conser-
vação de
Unir IPES para soluções e melhorias das condições de
vida no semi-árido (11,5% do território nacional). Pesquisas nas áreas de: biodiversidade, bioprospecção, conservação de recursos genéticos e conservação de recursos
hídricos.
17
Oceanografia: Uso
teiros.
e apropriação de recursos cos-
Formação de consórcio entre IPES na área da Ciência do
Mar. Formação de rede para estudos de sistemas costeiros.
Monitorar, compreender e predizer problemas relativos à
pesca, maricultura, biodiversidade, qualidade ambiental,
erosão e uso e ocupação costeira.
Luiz Antonio Barreto de Castro
Existem poucos estudos de avaliação de C&T no Brasil. Essa infelizmente não é uma cultura que se consolidou no país. Encontrei, entretanto, esta tese de mestrado que avaliou a iniciativa dos Institutos do
Milênio. Talvez em um período curto a relação Universidade-Empresa
não pudesse ser exigida, mas a tese faz um levantamento sobre todas
as patentes obtidas no USPTO, no período de 2004 a 2008. Nenhuma
tem relação com os projetos financiados. Mais tarde fui convidado pelo
Banco Mundial para escrever o documento de conclusão do PADCT III.
Recusei. O conceito de Instituto do Milênio foi inicialmente defendido
pelo Chile, que convidou a todos no Governo Frey para responder a pergunta: pode a ciência ser globalizada? A delegação brasileira era chefiada pelo Ministro Vargas, mas, nessa discussão, começaram a aparecer
sinais de interesse por esta iniciativa: Instituto do Milênio, que tinha
defensores no governo brasileiro e curiosamente no “staff” do Banco
Mundial. Como Secretário do Ministro Vargas, assisti a esta discussão,
que teve como consequência a criação de Institutos do Milênio no Chile, único lugar onde eles ainda funcionam, pode-se dizer bem. Avaliei
outros, por convite, no México, na Venezuela e na Colômbia. Não se
fala mais neles. Muito menos no Brasil.
Em síntese, o PADCT III teve vida curta. Foi desativado na gestão do Ministro Bresser Pereira (1999). Em Janeiro de 1999, ninguém
sabia que o PADCT ia acabar. O Bresser Pereira e o Carlos Pacheco
convidaram todos os Secretários de C&T dos estados para propor uma
parceria financeira. Não esqueço uma das frases do Bresser, na minha
frente: “Dizem-me que tudo o que o Luiz ABC está fazendo está dando
certo; mas vou mudar”. Na mudança, lá se foi o REAACT e depois o
PADCT III, cujos recursos foram aplicados em Projetos do Milênio,
como descrevi antes. O Banco Mundial, para minha surpresa, aceitou
que o programa fosse mutilado em 90 milhões. Depois, eu fui embora
de volta para a EMBRAPA. A experiência que vivi no MCT, nos anos
1990, e a frustração de ver um Programa bem-sucedido desaparecer
no meio do caminho, substituído por outro mal estruturado, em uma
105
106
Uma História Sobre a Ciência Brasileira
alternância de ministros do mesmo partido político, colocou diante dos
meus olhos o seguinte contexto:
•Os países pobres não conseguem proteger o setor de C&T de
interferências de natureza políticas e /ou ideológicas, que provocam a
interrupção de projetos de sucesso, como aconteceu com o PADCT, no
MCT, em 1999, e com o desenvolvimento da engenharia genética de
plantas, no CENARGEN, até 2002;
•Não se conseguem convencer os Executivos responsáveis pela
política de finanças do país, que eles devem tratar C&T de uma forma
prioritária e diferenciada de outros setores. Apesar da importância do
PADCT, nunca fui recebido por Executivos do alto escalão da área financeira federal, mesmo sendo Secretário Nacional.
Estes fatos, que ocorrem com histórica frequência, provocam
descontinuidade nos investimentos e no desenvolvimento da C&T nos
países em desenvolvimento, o que nos diferencia dos países desenvolvidos, menos afetados por problemas sociais, o que facilita sua missão de preservar com prioridade seus setores de C&T. O Brasil, como
outros países em desenvolvimento, precisa proteger seus sistemas de
C&T de influências que resultam de alternâncias de poder político; formular corretamente seus programas de C&T e avaliá-los com rigor.(Ver
“Strategies to assure adequate scientific outputs by developing countries – a scientometric evaluation - Brazilian PADCT as a case study
– Cybermetrics Volume 9, 2005: issue 1, paper 1)”. A avaliação correta
dos investimentos em C&Té a única estratégia capaz de permitir o estímulo de maiores investimentos na área. Muitos cientistas importantes
dizem abertamente que, depois que recebem os recursos, ninguém do
governo os procura para saber os resultados, só para receber a prestação de contas. A história da presença do PADCT na ciência brasileira pode ser recuperada pelos “Informes PADCT”, que tive o cuidado
de incluir no meu currículo para que, como sempre acontece, não se
apague da memória da sociedade esta partitura de sucesso, a qual eu
tive a honra de ser um dos seus regentes, por um longo período, mas
Luiz Antonio Barreto de Castro
que teve outros regentes importantes: Wladimir Pirro e Longo, Antonio
MacDowel, Helio Barros e foi, na verdade, construído pela academia
brasileira. Hoje, estou convencido de que é possível para as Agências
terem transparência, com um sistema em WEB que funcione como um
observatório, com links para todas as bases de dados importantes, de
modo a permitir diariamente um relatório sobre tudo que foi feito na
Agência. Estou trabalhando nesse instrumento. Está tudo pronto. Para
isso, as Agências têm que se comprometer com a transparência. Esta é
a parte mais difícil.
107
Luiz Antonio Barreto de Castro
5
– O novo milênio –
a ciência dos fundos setoriais
A ciência brasileira começou a mudar dramaticamente com a
criação dos Fundos Setoriais. Esse esforço começou ainda na gestão
do Ministro Vargas. O primeiro Fundo Setorial foi criado em 1999: CT
Petro Petróleo e Gás Natural. Com essa mudança de paradigma, o governo abria mão de recursos de impostos para ser aplicados em C&T.
Uma renúncia fiscal aprovada pelo Governo Federal e endossada pelo
Congresso. Em minha opinião, um gol de placa do Ministro Vargas. Isto
permitiu, pela primeira vez, estabelecer por lei recursos para a C&T em
áreas estratégicas. Passamos a saber que orçamento teríamos no ano
seguinte. Qualquer iniciativa baseada em empréstimo com o Banco
Mundial perdeu o sentido. O modelo PADCT ficou obsoleto. Ele só
funcionou na década de 1980 e 1990 porque protegia os investimentos
de C&T contra a inflação que, no governo Sarney, na Nova República,
chegou a 1% ao dia. O PADCT permitiu, de 1986 a 1994, que os investimentos em C&T resistissem a desvalorizações cambiais que corresponderam a dezesseis dígitos (só perdeu para Alemanha de 1920)
de 1965 a 1994 e quatro trocas de moedas seguidas. Isso porque o empréstimo era em dólares. Curioso que essa circunstância, que vencemos
com o PADCT, não tenha o reconhecimento devido. Aron Kuppermann,
consultor do Banco Mundial e um grande amigo, dizia: “Este programa
existe para que os recursos cheguem aos laboratórios em valor real e no
tempo adequado”. A segunda parte era mais difícil, como já vimos, mas
melhorou no governo Itamar e gestão do Ministro Vargas. Tudo isso
perdeu o sentido primeiro com o Plano Real, que começou oficialmente
em 27 de fevereiro de 1994, com a publicação da Medida Provisória nº
434, no governo Itamar, e com os Fundos Setoriais que começaram em
1999, no governo Fernando Henrique. Ainda assim, um dia, o Carlos
Pacheco me convidou para uma reunião e disse: “Venha ver como institucionalizamos o PADCT.”, e me mostrou o CGEE, que faria a gestão
dos Fundos Setoriais. O PADCT tinha deixado uma marca. A marca
da transparência. Na verdade, essa era a ideia. Na verdade, depois do
PADCT, nunca mais tivemos transparência na gestão de C&T. O Pacheco realista dizia, com muita graça: “A três portas de distância do meu
gabinete, ninguém mais me obedece.” Não poderíamos, como vaticinei,
passar a história com empréstimos para C&T, no Banco Mundial. Hoje,
fazem isto países que não têm Fundos Setoriais. A Uganda é um deles.
O Carlos Pacheco e o Mauricio Mendonça, durante a gestão do Ministro Sardenberg, criaram muitos, se não quase todos, os Fundos que
temos hoje e têm um grande mérito de terem conseguido essa façanha.
109
110
Uma História Sobre a Ciência Brasileira
Com os Fundos Setoriais a C&T brasileira mudou dramaticamente. Os Fundos garantem continuidade aos programas, como o
PADCT conseguia, só porque tinha recursos aprovados pelo Senado. É
fácil verificar graficamente que os investimentos em C&T aumentaram
exponencialmente depois dos Fundos Setoriais, mas principalmente no
governo Lula. A área financeira do governo Fernando Henrique achava
que ciência era para país rico. Nem com todo o prestígio e esforço do
Ministro Vargas, que ainda ficou o primeiro período do governo Fernando Henrique, os Ministro do dinheiro obedeciam ao Presidente. O
Itamar nunca falou sobre ciência. Deixava tudo nas mãos do Ministro
Vargas acertadamente. O Collor ficou pouco tempo. Uma vez, o Ministro Jaguaribe, que me chamava de meu cientista, levou-me para uma
audiência com o Presidente. Ele chamou o Ministro Marcilio Marques
Moreira e disse textualmente. “Tudo o que o Ministro Jaguaribe pedir,
atenda. Tem o meu sinal verde”. O Jaguaribe queria recursos para o
Projeto de Cooperação com a China, via INPE. Era um projeto caro,
é verdade. Voltou exultante. Temos um Presidente de luxo. No dia seguinte, ligou e ligou atrás do dinheiro, sem sucesso. Chamou o Ministro
Marques Moreira. Eram amigos, e disse: “Marcilio, começou o balé
da tergiversação”. O Ministro Jaguaribe não perdia o senso de humor,
mesmo nos momentos mais difíceis. Uma vez, tivemos problemas na
Amazônia com o Mestrinho que chamava o INPA de hotel de estrangeiros. O governador nos recebeu com toda a pompa para um jantar e começaram a falar de vinhos de redutos recônditos da França que o Mestrinho, para surpresa do Jaguaribe, conhecia todos. Na saída, perguntei:
“Então, Ministro, qual foi a sua impressão do Governador?” Ele disse:
“É um primitivo inteligentíssimo”. Nunca ouvi definição melhor.
É verdade que a percepção governamental sobre C&T pode ter
mudado devido ao esforço histórico, que fizemos, de forma consistente,
de formar recursos humanos. Este esforço é ímpar e não existe igual
na história contemporânea brasileira. Imune às alternâncias de poder
político mais conflitantes, o Brasil treinou, literalmente, dezenas de milhares de jovens cientistas, a partir do início da década de 1970, no país
e no exterior. Em quarenta anos, como já dissemos, multiplicou por
seis sua contribuição científica relativa no mundo. Esta contribuição
Luiz Antonio Barreto de Castro
cresce no contexto mundial com uma velocidade tão grande quanto a
dos Países do G7. Uma história de sucesso, que coloca o Brasil, nas capas das melhores revistas científicas, particularmente na era genômica,
em que tivemos contribuição relevante em muitas áreas. A história da
EMBRAPA, estabelecida em 1973, na qual a engenharia genética de
plantas começou em 1981, se confunde com o extraordinário sucesso
da agropecuária brasileira. As notícias sobre o sucesso da EMBRAPA
são publicadas a cada semana nas melhores revistas. A EMBRAPA é a
maior empresa de pesquisa agropecuária do mundo. Com escritórios em
todos os continentes. Maior do que o ARS americano, do que o CSIRO
australiano e do INRA francês. Nunca, no Brasil, tivemos um momento
tão adequado para mostrar à sociedade brasileira o que a ciência brasileira pode fazer em seu benefício. Temos a maior diversidade biológica,
competência científica, a melhor genética para os trópicos e os genes dos
quais precisamos podem ser facilmente identificados e caracterizados.
Por que esses avanços não impactam a qualidade de vida da sociedade brasileira? Por três razões principais:
A primeira dificuldade está na gestão de C&T de orçamentos de
bilhões que crescem a cada ano, felizmente. A gestão centralizada no
Governo Federal, mais especificamente na FINEP, está se tornando cada
ano mais difícil. Os orçamentos crescem, mas o prédio e a equipe da
FINEP não crescem. Dois caminhos são necessários: dividir a gestão financeira com Bancos, como faz a FAPESP, e aumentar as parcerias com
Governos Estaduais, o que já vem acontecendo de forma crescente.
A segunda dificuldade eu chamei antes de “Ditadura da União e
o exercício competente da legislação em vigor”. Por razões provavelmente justificáveis conceitualmente, os Tribunais de Conta são cada dia
mais rigorosos com o uso de dinheiro público. Isto, como é óbvio, não
se aplica só para C&T e é intrinsecamente bom. Melhor do que avalizar
a corrupção desenfreada que assola o país. Qualquer lei , aprendi, deve
ser justa e viável no seu exercício. Leis cada dia mais rígidas e inviáveis
no seu exercício estimulam a sua burla e, como se diz popularmente,
não pegam. Como funcionam essas leis no mundo? São justas e exequíveis no seu exercício. Impedem a corrupção? Claro que não. A corrup-
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112
Uma História Sobre a Ciência Brasileira
ção é um fenômeno mundial. Como se age no exterior? Há um extraordinário sistema em ação para coibir o enriquecimento ilícito. A culpa
não é da lei é do seu usuário. A lei 8666 de 1993, que cuida de contratos
e licitações públicas, é boa? É claro que é boa. As leis mais novas que
estimulam a inovação são boas? É claro que são boas. Quando alguém
burla a lei deve ser preso. Não é culpa da lei. A lei 8666 é continuamente emendada porque alguém ou não quer seguir a lei; ou a interpreta
erradamente; ou consegue burlar a lei. A EMBRAPA tinha total autonomia quando foi criada. Eu contratei o Eugen Gander, quando ele estava
fazendo um “Sabatical” na França, porque precisava dele na França.
Hoje, o acordo que citei com a PGS, que fizemos na década de 1980,
seria impossível, porque efetivamente dezenas desviaram dinheiro do
Brasil para paraísos fiscais e não foram presos. Querem que indique
alguns? Melhor não. Alguns até já morreram, mas em liberdade. Como
é possível resolver as dificuldades atuais de financiamento nacional e
internacional para atividades de C&T eminentemente voltadas para a
pesquisa em nível internacional? Como é possível inserir o Brasil no
cenário internacional? Muito difícil. Hoje, com a proibição generalizada e a ditadura da União que, infelizmente, não coíbe a corrupção,
porque sempre se vai burlar a lei, o Brasil está excluído dos grandes
projetos internacionais de ciência. Temos Bancos no exterior, mas não
podemos utilizá-los. O PADCT tinha conta no exterior e comprava a
custo de catálogo. Hoje, pagamos o triplo por um equipamento ou reagente porque não podemos comprá-lo em moeda local junto ao fabricante. A importação, que é fácil para alguns, de fato não é fácil. Como
as regras de gestão são de exercício inviável, não conseguimos atrair o
capital privado, como fazem os países desenvolvidos que paralelamente
utilizam indicadores de desempenho confiáveis, como citei. O financiamento às atividades de C&T, em todo o mundo, tem recebido, de
forma crescente, a presença do setor privado, particularmente no novo
século. No Brasil, estamos distantes desta meta. Melhoramos em anos
mais recentes por causa dos Fundos Setoriais, que destinam legalmente
recursos de impostos para C&T e em função dos investimentos de grandes empresas: notadamente, a PETROBRAS. Ainda estamos longe dos
países mais ricos. Se o setor empresarial investisse no Brasil o que in-
Luiz Antonio Barreto de Castro
veste nos países mais ricos, estaríamos em outro patamar. Leis recentes
começam a atrair e estimular investimentos privados em C&T.
Investimentos nacionais em pesquisa e desenvolvimento (P&D)
financiados pelo Governo e pelo Setor empresarial, em relação
ao produto interno bruto (PIB), em anos mais recentes.
Fontes: Organisation for Economic Co-operation and Development, Main Science and
Technology Indicators 2009/2 e Brasil: Sistema Integrado de Administração Financeira do
Governo Federal (Siafi). Extração especial realizada pelo Serviço Federal de Processamento
de Dados (Serpro).
Elaboração: Coordenação-Geral de Indicadores - ASCAV/SEXEC - Ministério da Ciência e
Tecnologia. Atualizada em 05 /10/2010
113
Luiz Antonio Barreto de Castro
6
– As políticas –
a construção dos marcos legais
As leis recentes que estimulam a inovação estão chegando mais
perto das expectativas dos empresários. O contexto dos marcos legais,
entretanto, ainda é muito avesso para permitir grandes investimentos
pelo setor empresarial. Os empresários brasileiros não são diferentes
dos empresários estrangeiros (muitos acham que são). O Brasil tem
uma circunstância diferente de países que têm inflação perto de zero.
Mesmo hoje, que a taxa de juros já caiu muito, ainda é quase o dobro
da inflação. Risco zero e rendimento duas vezes maior do que a inflação
é um binômio difícil de bater. Quando a taxa de juros chegar perto da
inflação o investimento empresarial em P&D&I vai aumentar. E até
lá? Temos que encontrar caminhos atraentes para o investimento empresarial. A Lei Rouanet de C&T, que o Jorge Guimarães e o Ronaldo
Mota fizeram, no MEC, chegou perto. Falta uma definição ampla de
ICT. Ora bolas, ICT é Instituição de Ciência e Tecnologia, pode ser
pública ou privada. O Jorge me explicou que o parlamento está mudando a lei. Acho difícil. Mudar leis logo no início pode ser necessário.
Nenhuma lei nasce perfeita. A outra lei, a do Bem, permite às empresas,
que investem em P&D, deduzirem inteiramente impostos devidos ao
Governo Federal. A dedução é automática, enfatiza o Ronaldo Mota.
Uma lei moderna. Os empresários ainda não se familiarizaram com ela.
Uma vez visitei o CENARGEN da Coreia. Gostei de uma tecnologia de
controle de pragas por bactérias. No dia seguinte, recebi a visita de um
coreano que me deu um cartão no qual se lia: Insect Biotech. Perguntei
quantos empregados tinha a empresa. Respondeu: Um, o CEO, que sou
eu. Criou a empresa de um dia para o outro. Ainda estamos longe disto.
É preciso entender que tempo é a variável mais cruel. Quando visitei a
CELERA, empresa do Craig Venter, ganhei um boné que dizia: “Time
matters. Discovers cannot wait”.
–
6.1 - A Lei de Patentes
A circunstância de ser o Secretário de Políticas Programas do
MCT, por quase nove anos, na década de 1990, colocou-me à frente de
importantes debates para o estabelecimento de marcos legais, sem os
quais seria ou será impossível desenvolver as aplicações da Biologia
no Brasil. Já falei de passagem na lei 8666, que não ajudei a construir.
É óbvio que só legislações não bastam, mas sem legislações adequadas é impossível. Quero, entretanto, enfatizar os marcos legais que se
relacionam com a revolução da biologia ou, como chamam alguns, a
revolução gênica. Na década de 1960, a biologia não tinha chegado
ao mercado. O intercâmbio de recursos genéticos era intenso, como já
disse. A engenharia genética começou na década de 1970. A biologia
chegou rapidamente ao mercado e com ela as discussões sobre o patenteamento da vida, que se estendem até hoje. O Brasil tinha uma lei de
patentes de 1973. Proibia o patenteamento de produtos químicos, mas
de biologia nem se cogitava. Com a experiência de Herbert Boyer, que
já contei, a lei ficou obsoleta no ano em que foi sancionada. Na década
de 1980, mais especificamente em dezembro de 1980, os Estados Uni-
115
116
Uma História Sobre a Ciência Brasileira
dos estabeleceram a Bahy Dole ACT ou University and Small Business
Patent Procedures Act, que tratava de patentes resultantes da atividade
de instituições federais de pesquisa. Birch Bahy era um Senador de Indiana e Bob Dole do Kansas, estados que não estão entre os mais ricos.
Não é mais possível fazer intercâmbio de material genético, como antigamente. Para tudo que se recebe temos que assinar um MOU – Memorandum of Understanding. No governo Collor, fomos “estimulados”
a assinar o acordo de TRIPS – Agreement on Trade Related Aspects of
Intelectual Property Rights. Essa decisão nos levou a rever inúmeras
leis e criar outras que não tínhamos. A primeira, como é óbvio, foi a
Lei de Patentes 9279 de 1996. Longas discussões no Congresso. Os
mais exaltados diziam que uma Lei de Patentes, que incluísse química
e biologia destruiria, pela ordem, a FIOCRUZ e a EMBRAPA. Afinal,
em que inovava a lei de patentes na área da Biologia?
Art. 18. Não são patenteáveis:
I - o que for contrário à moral, aos bons costumes e à segurança, à ordem e à saúde pública;
II - as substâncias, matérias, misturas, elementos ou produtos de qualquer espécie, bem como a modificação de suas
propriedades físico-químicas e os respectivos processos de obtenção ou modificação, quando resultantes de transformação do
núcleo atômico; e
III - o todo ou parte dos seres vivos, exceto os micro-organismos transgênicos que atendam aos três requisitos de patenteabilidade - novidade, atividade inventiva e aplicação industrial
- previstos no art. 8º e que não sejam mera descoberta.
Parágrafo único. Para os fins desta Lei, micro-organismos
transgênicos são organismos, exceto o todo ou parte de plantas
ou de animais, que expressem, mediante intervenção humana
Luiz Antonio Barreto de Castro
direta em sua composição genética, uma característica normalmente não alcançável pela espécie em condições naturais.
O Artigo 10º deixa claro:
Art. 10. Não se considera invenção nem modelo de utilidade:
IX - o todo ou parte de seres vivos naturais e materiais
biológicos encontrados na natureza, ou ainda que dela isolados,
inclusive o genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural
e os processos biológicos naturais.
Portanto a lei permite o patenteamento de microorganismos (não
de genes) transgênicos e não permite o patenteamento de plantas cultivares que não constituem atividade inventiva. Para plantas adotamos
modelo sui generis que veremos mais a frente. Na verdade comparada
a outras leis é uma lei tímida. Não porque não aceite a patente de descoberta, mas porque considera descoberta a identificação, caracterização,
estudo de funcionalidade e aplicação industrial de uma molécula obtida
da natureza. A biodiversidade brasileira é vazia de patentes de produtos,
embora seja possível a patente de processos que envolvam produtos
da biodiversidade. Patentes de produtos e processos da biodiversidade
exige anuência do CGEN, orgão que legalmente domina há dez anos
o acesso da ciência a biodiversidade brasileira que vem gradualmente
diminuindo. O CGEN exige que o depósito de patente ateste que teve
autorização para coletar o material biológico , para muitos recursos genéticos. A lei que regula o acesso a biodiversidade é uma escrecência
e o CGEN está sendo processado pelo Ministério Público, acusado de
improbidade administrativa por facilitar, segundo acusa o MP, a biopirataria de espécies da biodiversidade brasileira em favor de ONG internacional Natural Source Internacional Ltda. (Inquérito Civil Público no
1.15.000.000.240/2009-72), como veremos a seguir.
117
118
Uma História Sobre a Ciência Brasileira
Concessão de patentes pelo Instituto Nacional de Propriedade
Industrial (INPI), segundo origem do depositante, 1995-2006
Fonte: Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI).
Elaboração: Coordenação-Geral de Indicadores - ASCAV/SEXEC - Ministério da Ciência e
Tecnologia. Atualizado em 04/09/2007
Pedidos e concessões de patentes de invenção junto ao escritório
norte-americano de patentes (USPTO), segundo países de origem
selecionados, 1980-2009
Brasil
Anos
1980
1981
Argentina
México
Coréia do Sul
Pedidos
Concessões pedidos
concessões Pedidos
concessões Pedidos
concessões
53
24
18
43
8
66
23
56
55
25
77
99
45
33
64
17
1982
70
27
35
18
70
43
68
14
1983
57
19
35
21
73
34
78
26
1984
62
20
40
20
77
43
74
30
1985
78
30
39
11
81
35
129
41
1986
68
27
56
17
69
37
162
46
1987
62
34
42
18
70
54
235
84
1988
71
29
32
16
74
45
295
97
1989
111
36
32
20
77
41
607
159
1990
88
41
56
17
76
34
775
225
1991
124
62
59
16
106
42
1.321
405
1992
112
40
59
20
105
45
1.471
538
1993
105
57
56
24
82
50
1.624
779
1994
156
60
75
32
105
52
1.354
943
1995
115
63
65
31
99
45
1.820
1.161
1996
145
63
78
30
97
46
4.248
1.493
1997
134
62
77
35
110
45
1.920
1.891
1998
165
74
119
43
141
57
5.452
3.259
1999
186
91
96
44
147
76
5.033
3.562
2000
240
122
138
65
180
107
5.882
3.699
2001
247
127
146
58
220
95
6.792
3.783
2002
288
113
109
54
167
93
7.757
3.755
2003
333
150
123
68
213
93
9.614
4.198
2004
287
192
118
57
211
113
13.388
4.590
2005
340
93
92
37
217
88
16.643
4.811
2006
333
152
133
39
229
93
21.963
5.835
2007
385
112
166
52
216
89
23.589
6.882
2008
499
131
139
46
269
78
25.507
8.410
2009
-
146
-
47
-
-
-
9.401
Fonte: U.S. Patent and Trademark Office (USPTO).
Elaboração: Coord. Geral de Indicadores - ASCAV/SEXEC - Ministério da Ciência e Tecnologia.
Luiz Antonio Barreto de Castro
A lei de patentes sofre com dois instrumentos que afetam seu
desempenho. Em 2000, quando José Serra era Ministro da Saúde e em
um momento em que Antonio Carlos Magalhães estava no exercício da
Presidência, a lei de patentes foi modificada para exigir que a concessão
de patentes, na área farmacêutica, dependesse de anuência prévia da
ANVISA. Não existe no mundo dispositivo semelhante. Seria o mesmo
que vincular a concessão de patentes pelo USPTO à anuência prévia do
FDA ou o EPO depender de anuência prévia do EMEA. Impensável.
Em 2010, como Conselheiro da ANVISA, disse que reconhecia a existência da lei, mas que ela não fazia sentido. Concordaram em fazer um
painel para discutir o assunto. Com dificuldade, incluí, entre os palestrantes, o Presidente do INPI, que, acreditem, não estava convidado, e
de um representante do EPO, para o qual tivemos que pagar a passagem
e estadia. O painel foi uma farsa. Os que citei, foram os únicos que analisaram, com objetividade, o instrumento patente como fator importante
no contexto da indústria farmacêutica. Os oito demais palestrantes, para
minha surpresa, foram contrários a patentes de um modo geral e com
veemência na área farmacêutica. Verifiquei que todos os que militam
na área pública da saúde são contrários a TRIPS e a patentes na área
farmacêutica. No painel, o Presidente do INPI foi vilipendiado, na sua
ausência, por um deputado que não entende do tema e nunca deveria
ter sido convidado. Reconheço que a possibilidade de patenteamento
de organismos vivos trouxe um complicador para o instrumento de
patentes, que jamais deveria ter sido antecipado quando celebramos a
Convenção de Paris, no século dezenove. Assisti a uma mesa redonda
na BIO, em Chicago, há três meses, no ano de 2010, oferecida pelos
maiores especialistas na área de patentes em todo o mundo. Reconhecem que há uma crise. Ações judiciais intermináveis na área de patentes
de organismos vivos. Por outro lado, sem patentes, ninguém se arrisca
a fazer investimentos de longo prazo na área farmacêutica, por exemplo, para desenvolver produtos que nem sempre chegam às farmácias.
Publiquei um artigo sobre essa problemática no Nature Biotechnology
explicando que a indústria farmacêutica brasileira só será consolida-
119
120
Uma História Sobre a Ciência Brasileira
da se conseguir unir as empresas de capital nacional com empresas de
capital internacional. As empresas farmacêuticas, que são menores e
têm raízes no Brasil, só têm um instrumento para fazer parcerias com
as empresas multinacionais: patentes, que refletem sua inteligência e
competência inovadora. Visitei essas empresas. Elas têm estas patentes.
Por que as parcerias são importantes? Para que as empresas de capital
nacional cheguem ao mercado global da indústria farmacêutica, que é
de uma ordem de grandeza de trilhões de dólares. Hoje, as empresas
de capital nacional não estão capitalizadas para realizar os testes clínicos, principalmente em sua fase III, que custa centenas de milhões de
dólares. Parcerias entre empresas brasileiras e grandes empresas multinacionais aproveitam a inteligência da empresa brasileira e impedem
que elas, sem capacidade de competir, sejam compradas por multinacionais, como vimos no traumático caso da BIOBRAS e muitos outros.
Empresas brasileiras têm mercado e marca, além de inteligência. Um
exemplo não tão recente, a SEMP (Sociedade Eletro Mercantil Paulista), fundada em 1942, na cidade de São Paulo. No início, sua principal
atividade foi a fabricação de rádios. No ano de 1951, a SEMP lançou o
mais sofisticado rádio da época, o AC431, que ganhou o carinhoso apelido de “capelinha” e atingiu grande sucesso de vendas até meados da
década de 1970, já na versão transistorizada PT-76, mas com o mesmo
design. Confirmando mais uma vez seu pioneirismo, em 1972, a SEMP
deu grande passo no mercado e lançou o primeiro televisor 20” em cores do país. O ano de 1977 foi de grande importância para a SEMP, pois
nessa época, a empresa celebrou um acordo de participação acionária e
tecnológica com a Toshiba Corporation do Japão que originou a SEMP
TOSHIBA.Uma parceria de vinte e três anos. O que tinha a SEMP que
atraiu a Toshiba Corporation do Japão? Credibilidade, história, competência, marca, mercado.
A arrecadação de royalties pela EMBRAPA, em função de suas
atividades, principalmente relacionadas às leis de patentes e cultivares,
ainda é pequeno, mas vem crescendo nos últimos anos. O oposto do que
Luiz Antonio Barreto de Castro
pregavam os cavaleiros do apocalipse. Os números não indicam que a
Lei de Patentes tenha produzido as consequências que foram antecipadas pelos mais pessimistas embora, como todos sabem, o desempenho
do Brasil, comparado com o da Coreia, em termos de patentes concedidas no USPTO, seja pífio. Isto, entretanto, não pode ser atribuído à
nova lei de patentes, porque o Brasil já tinha perdido a corrida para a
Coreia de 1980 a 1995, ou seja: antes da nova lei de patentes, que foi
promulgada em 1996. Embora o número de depósitos brasileiros seja
muito pequeno, ele cresceu em 12 anos depois da lei de 1996, por um
fator de 3.44. Nos quinze anos anteriores à lei de patentes, esse fator foi
2.16; da mesma forma, o desempenho da EMBRAPA melhorou depois
de 1995. Poderia ter crescido, se não tivesse que conviver com o arcabouço legal, que citei.
Não é possível competir com a Coreia. A Coreia patenteia no
mesmo diapasão dos europeus e americanos. Vou enfatizar dois produtos que não patenteamos pela lei brasileira, que são fundamentais para
a parceria que estamos propondo: extratos de plantas e biofarmacêuticos. O INPI revelou que não consegue patentear nestas áreas por falta
de autorização do CGEM; lembram? Aquele que está recebendo um
processo do Ministério Público. Em biofarmacêuticos, 200 produtos já
foram aprovados. Apenas dois não são proteínas. Vamos competir com
o mundo fora das proteínas.
121
122
Uma História Sobre a Ciência Brasileira
Luiz Antonio Barreto de Castro
entramos para a UPOV que é um serviço semelhante de alcance internacional para impedir que nossas cultivares fossem levadas impunemente
para outros países. A UPOV foi criada em 1961 e seus estatutos revistos
várias vezes. Adotamos a UPOV modelo 1971, que garante o direito
da melhoria a sobre o material propagativo, mas não sobre as lavouras.
Este princípio foi revisto em 2008 porque a lei brasileira de sementes é
muito permissiva quanto ao direito do agricultor de conservar sementes
para uso próprio. O direito foi introduzido na lei para proteger o pequeno agricultor, mas chegou a um ponto que produtores de milhares de
soja usavam esse princípio e não precisavam comprar sementes.
–
6.2 - A Lei de Cultivares
Como admitimos que adotaríamos um modelo “sui generis” para
proteção intelectual de plantas que, no Brasil, não podem ser patenteadas, tivemos que criar a Lei de Cultivares.Lei Nº 9.456, de 25 de abril
de 1997. Uma cultivar, diferente das patentes, pode ser uma descoberta.
Tem que ser nova, ou seja: distinta de variedades existentes, estável por
muitas gerações homogênea e caracterizada por um número de descritores, que varia com a espécie e a distingue das demais. Outra revolta
geral. Como proteger intelectualmente o trabalho dos melhoristas, que
devia ser livre, porque era feito com dinheiro da sociedade? TRIPS exigia alguma forma de proteção. O que a princípio não entendia, era por
que muitos melhoristas eram contra uma lei que dava direito a eles. Depois, entendi que muitos melhoristas achavam melhor fazer as variedades e levar para suas fazendas, antes de lançá-las no mercado. O Brasil
vem exercendo, durante os anos aos quais sucederam a lei de cultivares,
liderança, até certo ponto confortável, sobre as cultivares brasileiras,
que eram desviadas para outros países, sem que tivéssemos como reclamar. Criamos o SPC – Serviço de Proteção de Cultivares no MAPA e
A EMBRAPA perdeu muito espaço recentemente em milho e
soja, que estão sob o controle de empresas privadas. Temos que reagir.
123
124
Uma História Sobre a Ciência Brasileira
Luiz Antonio Barreto de Castro
–
A cada ano o Ministro da Ciência e Tecnologia fazia a abertura do calendário da CTNBIO que se reunia mensalmente. Na foto, o Ministro Sérgio Rezende faz a abertura do
calendário da CTNBIO que precedeu a eleição do Presidente Walter Colli, que fez trabalho
importante durante a sua gestão.
Quando ainda era Chefe do CENARGEN fui visitar a soja geneticamente modificada resistente a glifosato que se cultivava no Rio Grande do Sul e que chegou a Tupaceretã e outras
cidades do Estado oriunda da Argentina, antes que aprovássemos a soja RR na CTNBIO
em 1998. Uma das críticas que se fazia a soja resistente à herbicida é que ela não fixava
N2, o que se vê facilmente na foto que não era procedente. A soja chamada “maradona”
salvou o produtor de soja do Rio Grande do Sul que não tinha meios de controlar as ervas
daninhas de sua lavoura.
6.3 - A Lei de Biossegurança
Para promover o desenvolvimento científico e tecnológico da
Biotecnologia, uma das leis mais importantes foi a Lei de Biossegurança, que regula todos os aspectos de construção, uso e liberação de organismos geneticamente modificados. A minha familiaridade com o tema
resulta de, mesmo antes de me transferir para o MCT, ter sido consultor
do Banco Mundial para elaborar ”Biosafety Guidelines for the PADCT/
Biotechnology”, primeiras diretrizes na área de biossegurança, adotadas oficialmente por um programa de governo no Brasil, sem o qual o
Banco Mundial não celebraria o contrato com o governo brasileiro, que
regeu o PADCT II, em 1986. A Lei de Biossegurança, aprovada em
2005, foi precedida de longas discussões, mas sua aprovação terminou
de forma tranquila. Fui eleito Presidente da Comissão Técnica Nacional
de Biossegurança – CTNBIO, por três mandatos consecutivos, de julho
de 1996 a julho de 1999, e participei por mais um ano na CTNBIO, por
convite do Ministro Ronaldo Sardenberg. A engenharia genética que
construímos no CENARGEN teria sido muito mais relevante para a
agricultura brasileira, não fosse o Brasil vítima de uma campanha “Por
um Brasil livre de transgênicos”, que tem assolado o país nos últimos
dez anos (sete dos quais uma verdadeira moratória) e que ainda está
viva e ativa. As instituições brasileiras, só em 2009, conseguiram liberar um produto da engenharia genética brasileira sem cooperação com
empresas multinacionais. Até recentemente, poucas plantas transgênicas foram liberadas em geral, para não dizer somente duas (ver análise
sobre a soja RR em anexo), de 1995 a 2005. De 2005 em diante, depois
da lei que o Lula aprovou, melhorou muito este obscurantismo, que nos
assolou e teve influência europeia. Lamentavelmente, condenaram-se
os melhores centros de pesquisa científica da Europa: o Laboratório do
Jeff Schell, no “Max Planck Institute”, na Alemanha, parceiro do Marc
Van Montagu, que, com ele, construiu a tecnologia de engenharia genética de plantas (via Agrobacterium tumefasciens, pela engenharia gené-
125
126
Uma História Sobre a Ciência Brasileira
tica de plasmídeos Ti), mas desapareceu sem recursos. Jeff Schell faleceu em seguida. Pensei que havia falecido por depressão ou outra doença
do gênero. Disse-me o Montagu, quando nos encontramos em 2010, que
o Jeff Schell foi vítima de doença neurodegenerativa. O ”Plant Breeding
Institute”, na Inglaterra, perdeu seus cientistas para os Estados Unidos.
Perdeu também expressão, o Laboratório do Professor Cocking, em
Nottingham, ”pai” dos métodos balísticos, onde o Elibio Rech, do CENARGEN, fez seu doutorado para ser o “pai” dos métodos balísticos no
Brasil, com várias patentes nesta área. A engenharia genética, na Europa, foi destruída tal como a genética moderna de Morgan no Stalinismo.
Fiz um discurso neste sentido na WIPO, em 2002, (ver no CV Lattes,
Comunicações e Resumos Publicados em Anais de Congressos ou Periódicos, item 3). Esta campanha, de origem europeia, liderada pelo Príncipe Charles e pelo ‘Greenpeace’, começou quando o primeiro produto
geneticamente modificado chegou ao mercado agrícola mundial, em
1995, e não apresentou ao mundo, em mais de quinze anos, nenhuma
evidência científica que justificasse a condenação aos transgênicos que
apregoam. No Brasil, ela teve o efeito inverso do que pretendia, porque,
proibida a soja RR, liberada pela CTNBIO, em1997, aumentou desordenadamente o uso da soja contrabandeada da Argentina, ao ponto de
chegarmos a um momento a 50% de soja considerada “pirata” pela indústria de sementes, na medida em que não sofria qualquer fiscalização
pelos órgãos federais. Em audiência pública, fui inquirido pelo Senador
Capiberibe do Partido Comunista: “O Senhor era Presidente da CTNBIO quando a soja RR entrou ilegalmente no Brasil?” Disse que sim.
Continuou: “A que o Senhor atribui este fato?” (tenho notas taquigráficas). Respondi, sarcástico: “À geografia: como o Brasil faz fronteira
com a Argentina, os agricultores brasileiros viram a soja RR na Argentina e trouxeram para o Brasil”. Visitei os municípios produtores da soja
denominada “Maradona” em Cruz Alta, Passo Fundo e Tupãceretã, entre outros. Lavouras absolutamente limpas, sem nenhuma erva daninha.
Um agricultor me mostrou um boleto de rifa. Disse: “Estava rifando a
minha propriedade para pagar ao Banco do Brasil. A RR me tirou do
Luiz Antonio Barreto de Castro
Em 1997 a CTNBIO aprovou a liberação comercial da soja RR tardiamente porque esta
soja já havia entrado no Brasil oriunda da Argentina. No dia em que, como Presidente da
CTNBIO, anunciei a liberação da Soja RR, a sala do MCT no térreo foi invadida pelo Greenpeace com coroas de flores de defunto anunciando que a Biodiversidade brasileira seria
destruída. Quinze anos depois foi a Convenção da Diversidade Biologica que provocou a
destruição da biodiversidade em todo o mundo.
buraco”. A soja RR, que entrou pela Argentina, teve muitos problemas.
Os agricultores do Rio Grande do Sul não queriam comprar soja convencional, que se acumulava nos armazéns. A China disse, com razão,
que não importaria soja do Brasil porque a soja não tinha fiscalização
nem era legal. O Presidente da República do Brasil, Luiz Inácio Lula da
Silva, decidiu corajosamente liberar a soja resistente ao herbicida glifosato no país e, em seguida, com a nova lei de biossegurança de 2005, o
número de plantas GM liberado comercialmente, aumentou, como citei.
Centenas de milhões de toneladas de alimentos transgênicos são consumidas por bilhões de seres humanos e pela pecuária mundial, nos últimos quinze anos, sem ter provocado danos à saúde humana ou ao meio
ambiente. A Organização Mundial da Saúde afirmou que os transgênicos liberados mundialmente não apresentam riscos para a saúde humana maior do que seus parentes convencionais. O Presidente Luiz Inácio
127
128
Uma História Sobre a Ciência Brasileira
Lula da Silva ficou do lado da ciência e da EMBRAPA, a quem ouviu,
por meio dos cientistas do CENARGEN. Queriam os ambientalistas
queimar mais 1 milhão de ha da soja RR que vieram da Argentina, e que
valiam perto de 1 bilhão de dólares. Na apresentação da EMBRAPA, ao
final, o Presidente Lula perguntou: “Esta soja fez mal a alguém?” Silêncio na audiência. Perguntou, então: “Algum problema ambiental grave?” Silêncio de novo. Finalmente, disse: “Sempre fui contra transgênicos. Na verdade, me diziam que os transgênicos eram uma mal. Diante
da apresentação da EMBRAPA, tenho que mudar de opinião. Não posso queimar 1 bilhão de dólares sem uma razão forte que o justifique”.
Fez bem o Presidente. Tem ao seu lado, também, as Academias de Ciência do Terceiro Mundo, Reino Unido, Estados Unidos, China, Índia,
México e a do Brasil. Quando este assunto estava nas mãos do Fernando Henrique Cardoso, ele o evitou para não “prejudicar” a campanha do
José Serra. A justiça, com exceção da Juíza Celene Almeida, ficou sempre do lado do Greenpeace. Os juristas falam sobre este assunto com o
maior desembaraço. Profeticamente, preveem efeitos irreversíveis ao
ambiente. Afirmam que as sementes de soja transgênica não germinam.
Resolveram condenar a competência da ciência brasileira, segundo
eles, sem possibilidades de competir com as multinacionais. São doutores em economia; vaticinam o fracasso econômico do Brasil com a
transgenia, sem olhar para a agricultura da Argentina, que está chegando aos nossos calcanhares com essa tecnologia, na soja, no milho e no
algodão. Propõem estudos de impacto ambiental que, na prática, já foram feitos em todo o mundo, incluindo o Brasil. Mais de trinta países já
liberaram comercialmente a soja resistente ao glifosato. Os juízes desconsideraram sistematicamente as Leis de Biossegurança. Legalmente,
não aprenderam com o sábio voto da Juíza Celene Almeida, um marco
na história jurídica mundial relativa a OGMs, que encerrou sete anos de
moratória sobre o uso de transgênicos no Brasil.O Juiz Prudente, que
interrompeu o desenvolvimento da Biotecnologia agropecuária no Brasil, por este caminho que acabo de descrever, refere-se aos transgênicos
em sua “sentença” como: “organismos que darão origem a uma esqui-
Luiz Antonio Barreto de Castro
sita civilização de aliens hospedeiros com fisionomia peçonhenta, a
comprometer definitivamente, em termos reais, e não fictícios, a sobrevivência das futuras gerações de nosso planeta.” Escreveram esses
juízes, na história brasileira, o primeiro caso, desde o descobrimento,
em que uma tecnologia é proibida, e condenaram todo o esforço de
trinta anos da ciência brasileira que, nesta área, viu os recursos desaparecerem com a sentença judicial contrária à engenharia genética de
plantas, em 1997. Proferida pelo Juiz Prudente, esse é o contexto da
biossegurança no Brasil, mesmo depois que uma nova lei foi aprovada
em 2005, dez anos depois da primeira, e regulamentada no mesmo ano.
A campanha por um Brasil livre de transgênicos, repito, continua viva.
Durante trinta anos, construímos, na Embrapa, uma rede avançada
de biotecnologia agropecuária, sendo o CENARGEN, que chefiei de
2000 a 2003, o principal centro de desenvolvimento de organismos geneticamente modificados no Brasil e, certamente, um dos mais competentes da América Latina. Fomos submetidos, repito, a uma verdadeira
moratória judicial de 1997 a 2005, que causou o completo desaparecimento dos recursos para as pesquisas na área da engenharia genética de
plantas. As ações do Ministério do Meio Ambiente; das ONGs, apoiadas pelos sindicatos e pela Justiça, paralisaram a ciência e politizaram o
seu cenário no Brasil. Ciência e política não se misturam. A política não
pode obstruir o fluxo do conhecimento, como aconteceu na Rússia, de
Stalin que ficou a favor de Lixento e contra a genética moderna do Morgan; e está acontecendo no Brasil, na Europa e em outros países da
América Latina, como o México. Laboratórios foram queimados na
UFRGS e o fato não foi devidamente apurado pela administração. Essa
obstrução favorece os nossos competidores internacionais, como os Estados Unidos, e as empresas multinacionais, produtoras de agrotóxicos,
que custam à agricultura brasileira mais de US$ 7 bilhões/ano e milhares de vidas. No mundo, mais e mais países adotam a biotecnologia com
o objetivo de incrementar o agronegócio e promover o desenvolvimento científico e socioeconômico. Segundo a ISAAA, um recorde de 14
milhões de agricultores grandes e pequenos, em 25 países, plantaram
129
130
Uma História Sobre a Ciência Brasileira
134 milhões de hectares de plantas geneticamente modificadas em
2009, 7 % ou 9 milhões de hectares a mais do que em 2008. O número
cresce a cada dia. Foram registradas áreas recordes de cultivo para todas as quatro principais culturas. Pela primeira vez, a soja GM ocupou
mais de três quartos dos 90 milhões de hectares de soja mundialmente;
o algodão quase metade de todos os 33 milhões de hectares plantados
com algodão, no mundo; o milho, mais de um quarto dos 158 milhões de
hectares mundiais de milho e a canola, mais de um quinto dos 31 milhões de hectares de canola, no mundo. No Brasil, 21.4 milhões de ha
são cultivados com plantas GM, quase a metade da área destinada à
agricultura, no país. Criar impedimentos ao desenvolvimento das atividades dos cientistas, nesta área, e impedir o livre acesso dos agricultores
a esta tecnologia é um duro golpe contra a agricultura nacional e contra
a competitividade internacional dos produtos agrícolas brasileiros.
Luiz Antonio Barreto de Castro
–
6.4 - Acesso à Biodiversidade
Na década de 1980, quando cheguei à EMBRAPA, o acesso à
biodiversidade era absolutamente livre. No CENARGEN, havia um
grande mapa do Brasil, todo espetado com alfinetes que assinalavam
as expedições de coleta de plantas, que foram feitas, pelos botânicos do
Centro a todos os ecossistemas brasileiros, desde 1974, quando o CENARGEN foi criado. O mapa ainda está lá. Foram literalmente centenas. Em 1990, no governo Sarney, foi promulgado o Decreto No. 98.830
que estabelecia regras para expedições em que participassem estrangeiros. Um plano de trabalho era apresentado ao CNPq para aprovação.
Do material coletado (para fins científicos), uma duplicata deveria ser
deixada no Brasil, sob a responsabilidade da instituição parceira da instituição estrangeira. A Convenção sobre Diversidade Biológica - CDB
é um dos principais resultados da Conferência das Nações Unidas para
o Meio Ambiente e o Desenvolvimento - CNUMAD (Rio 92), realizada
no Rio de Janeiro, em junho de 1992. A CDB criou um conceito novo
em seu artigo 1º: o conceito de repartição de benefícios. Diz o artigo 1º
da CDB, que trata dos Objetivos da Convenção:
Os objetivos desta Convenção, a serem cumpridos de acordo
com as disposições pertinentes, são a conservação da diversidade biológica, a utilização sustentável de seus componentes e a repartição justa
e equitativa dos benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos, mediante, inclusive, o acesso adequado aos recursos genéticos
e a transferência adequada de tecnologias pertinentes, levando em conta
todos os direitos sobre tais recursos e tecnologias, e mediante financiamento adequado.
A CDB, já no seu preâmbulo, estabelece que as partes contratantes da CDB são os Estados (países):
Reafirmando que os Estados têm direitos soberanos sobre os
seus próprios recursos biológicos.
131
132
Uma História Sobre a Ciência Brasileira
A princípio, a CDB foi entendida por todos como um instrumento que garantiria aos Estados (Parties) soberania sobre seus recursos
genéticos, o que foi muito positivo para países megadiversos como o
Brasil, que se apressou a assiná-la em primeiro lugar. Significava dizer
que ninguém poderia fazer uso de recursos genéticos do Brasil sem
repartir benefícios com o Brasil, onde estes recursos genéticos teriam
sido obtidos. Na esfera do Executivo, entretanto, começou a prosperar
um esforço de utilizar o Princípio da Repartição de Benefícios para
que este princípio fosse incorporado a uma legislação nacional. Em um
Congresso Internacional, na Dinamarca, fiz a proposta de estabelecer
uma forma de direito aos que conservam a biodiversidade. Era um direito não exclusivo denominado “Biokeepers Right”. Entretanto, um
anteprojeto, para garantir a repartição de benefícios para detentores de
conhecimentos tradicionais, foi elaborado pela Senadora Marina Silva,
com a intenção de assegurar às comunidades tradicionais estes direitos
que, assim, teriam direito a benefícios derivados da utilização de recursos genéticos. A Casa Civil à época havia instituído um Grupo de
Trabalho para elaborar uma legislação nacional que não contrariasse a
CDB. Participei das discussões. Não havia discordância entre os integrantes do GT sobre os princípios da CDB, inclusive o de repartição de
benefícios, mas uma lei nacional estabelece regras para serem seguidas
entre pessoas físicas e jurídicas. A CDB estabelece regras para serem
seguidas entre as Partes = Países. As discussões no GT seguiam com
lentidão, até que uma Medida Provisória foi aprovada sob a liderança
do MCT, à época, para contornar ação de uma OS denominada BIOAMAZONIA, que celebrou com a NOVARTIS um acordo de prospecção
de produtos de interesse industrial, a partir de micro-organismos. Este
acordo provocou um grande clamor em setores da academia brasileira.
Meus amigos comunistas me procuraram; diziam, indignados: “Vendemos a Amazônia para a NOVARTIS”. Esta reação foi tão forte que o
CEO mundial da NOVARTIS, que veio da Suíça para assinar o acordo, voltou para a Suíça sem assiná-lo e a NOVARTIS nunca mais teve
negócio com o Brasil. A pressão no MCT teve como consequência a
elaboração de Medida Provisória aprovada no governo Fernando Henrique, em 2000, e reeditada tantas vezes que transferiu para o Ministério
do Meio Ambiente o controle do acesso à biodiversidade, mesmo para
atividades científicas. Seu exercício, na última década, praticamente
teve o efeito de proibir o acesso à biodiversidade para a identificação de
substâncias bioativas de interesse farmacológico. A Medida Provisória
é operada por um Comitê Gestor – CGEN, sediado no Ministério do
Meio Ambiente, que já citei. Para coletar amostras da biodiversidade, é
preciso licença do IBAMA, mas para identificar moléculas em material
coletado, vivo ou morto, é preciso licença do Instituto Chico Mendes,
criado pela Ministra Marina Silva, quando no exercício do MMA. A
regra promove o absurdo de exigir que o Instituto Butantã peça licença
ao Instituto Chico Mendes para identificar componentes moleculares
importantes para a indústria farmacêutica, a partir de venenos de cobras, que integram a coleção do Butantã. Todos os setores do Executivo entendem que é necessária uma nova lei. Entretanto, nunca conseguimos promulgar, via Congresso, uma lei neste sentido. Ela esbarra
principalmente no desentendimento entre o Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento – MAPA e o Ministério do Meio Ambiente
que infelizmente querem fazer leis separadas. Na verdade, estas pastas
são as que têm menos a dizer sobre o assunto, que diz respeito, mais de
perto, ao Ministério da C&T e da Saúde. Como se tudo não bastasse,
está agora o CGEN sendo investigado pelo Ministério Público, acusado
de favorecimento de Biopirataria a uma ONG internacional, como já
citado.
Devo admitir que a CDB não produziu nenhum benefício aos
países que a ratificaram e o pior: o Protocolo de Cartagena, derivado
da Convenção de Diversidade Biológica, é um dos maiores entraves
ao desenvolvimento brasileiro. Aprovado em um fim de semana, por
um acordo de lideres, passou a constituir política pública. Afirmo que
o protocolo foi pensado como uma estratégia para minar a Lei de Biossegurança de fora pra dentro, em um de seus momentos de vulnera-
134
Uma História Sobre a Ciência Brasileira
bilidade, quando o Embaixador Sardemberg era Ministro de Ciência
e Tecnologia, com instrumentos denominados “legally binding”. Com
base neste Protocolo, o Brasil poderá ter um dia que rotular seus navios
quando exportarmos soja para a União Europeia, sob o pretexto de informar à sociedade europeia. Isto foi proposto com base no Protocolo
de Cartagena pela Ministra Marina Silva, na COP da CDB, em Curitiba.
O Protocolo de Cartagena não trouxe, repito, nenhum benefício para as
partes que integram a CDB e ao Brasil só trouxe malefícios e nenhum
beneficio. Por essas razões, quando o Fórum de Competitividade da
Biotecnologia no Brasil produziu uma Política para Competitividade
da Biotecnologia Brasileira, as questões relativas aos marcos legais
adequados surgem como maior obstáculo ao exercício dessa política.
A CDB não cumpriu suas metas nem no que diz respeito a diminuir
a destruição da biodiversidade, no mundo, e inexplicavelmente quer
agora celebrar um Regime Internacional para garantir a repartição de
benefícios entre as partes (países). Que benefícios, se ninguém acessa a
biodiversidade? A biodiversidade mundial segue sendo destruída aceleradamente e em Conferência das Partes continuam as discussões sobre
repartição de benefícios. Em Nagoya, em novembro de 2010, chegamos a esse interminável conjunto de reuniões sobre a CDB. A revista
Science publicou um longo testemunho que demonstra que a CDB foi
incompetente para impedir que a biodiversidade em todo o mundo fosse gradualmente destruída, embora sob a vigência e responsabilidade
da CDB, que nada conseguiu para impedir essa destruição gradual e
crescente. No Brasil, como em todos os países em que se localizam florestas tropicais, a destruição foi devastadora. No Brasil, em vinte anos,
só na Amazônia, uma área do tamanho da Alemanha. A Biodiversidade
não teve seu valor agregado aumentado, o que poderia estimular o uso
crescente da Biodiversidade para fins de Bioeconomia. A CDB passou
quase vinte anos em discussões estéreis, sem consequência para o uso
da Biodiversidade. Esperamos que ela desapareça. Seguros, estamos,
todos, que ela não serviu à Biodiversidadede do planeta.
7
– Os programas de ciência e
tecnologia e seus grandes desafios –
Na década de 1990, os programas tinham poucos recursos. Costumo dizer: as instituições de C&T são pobres e os programas paupérrimos. A maioria não produziu consequências de grande impacto para
atingir metas que pretendiam atingir. De qualquer forma, destaco o Programa Recursos Humanos para Áreas Estratégicas/RHAE, que ainda
existe com tímidos recursos, mas vem gradualmente perdendo a sua
força diante de novos instrumentos legais e programáticos, que surgiram a partir da metade da última década. O Programa Piloto para Conservação das Florestas Tropicais surgiu de uma expectativa do Ministro
Goldemberg de levantar com o G7 1.5 bilhões de dólares. Fomos com
os melhores embaixadores brasileiros a Genebra e conseguimos trazer
250 milhões de dólares para a decepção do Goldemberg. Coordenei as
ações do Programa Piloto das Florestas Tropicais, no que diz respeito
aos seus componentes de Ciência e Tecnologia - Centros de Excelência
e Pesquisas Dirigidas - desde a fase de negociação, com o Banco Mundial, de dezembro de 1991 a setembro de 1994, até a fase de implementação, de setembro de 1994 a 31 de janeiro de 1995. Depois de mais de
uma década de exercício, afirmo que este programa não teve nenhuma
consequência de impacto para as florestas tropicais nem conseguiu impedir o desflorestamento, que ainda é o principal desafio da região.
136
Uma História Sobre a Ciência Brasileira
1
Hoje, considero que programas dessa natureza fazem mais mal
do que bem. Os alemães só queriam utilizar seu dinheiro para demarcar terras indígenas. Muitas das missões internacionais, que chefiei ou
integrei, não produziram avanços e infelizmente consumiram tempo e
dinheiro dos dirigentes e do contribuinte. Cito duas que não têm tido
consequências que justifiquem o custo e o tempo a elas devotados: o
”Codex Alimentarius” e a Convenção da Diversidade Biológica. Entretanto, como enfatizei antes, cooperação internacional constitui instrumento importante para permitir competitividade e inserção internacional. É importante, portanto, que se estabeleça uma agenda adequada e
rigorosa de ações internacionais. Cito dois exemplos para enfatizar este
contexto: acompanhei toda a trajetória do ICGEB – Centro Internacional de Engenharia Genética e Biotecnologia, que tem sede em Trieste e
Nova Délhi. Participei de várias missões internacionais como integrante do ”Board of Governors”, do ICGEB. Antes do meu retorno ao MCT,
como titular da SEPED, em agosto de 2005, fiz uma Exposição de Motivos ao Secretário Cylon Gonçalves, a seu pedido, propondo que o Brasil abandonasse o ICGEB. Cylon não seguiu a minha posição. Voltei ao
MCT e fiz uma proposta ao ICGEB de realizar um Seminário no Brasil
para transferência de biotecnologias (ver no currículo Lattes, Organização de Eventos, item 1). O resultado foi bom, mas sem consequências.
Não mudei de opinião. O segundo exemplo que vou citar é a COI, que
o Brasil integra há duas décadas. Integra, mas não tem nenhum projeto
Luiz Antonio Barreto de Castro
de relevância no Oceano Atlântico que desperte interesse internacional. Em Junho de 2006, na reunião da COI, em seguida a uma reunião
com Ministros da OECD, em Paris, à qual já me referi, verifiquei que
o Brasil tem tudo para propor um grande projeto para avaliar os efeitos
de emissão de CO2 na Costa Atlântica. Esse projeto vai dar visibilidade
ao país, internacionalmente, e será fácil, internamente, congregar os
esforços da Marinha do Brasil, da Petrobras (que tem um grande projeto
nesta área) e de toda a comunidade oceanográfica brasileira, para que o
Brasil tenha um grande projeto oceanográfico, que reflita os efeitos do
CO2 no Atlântico Sul. Considero uma das mais preocupantes realidades
mundiais as mudanças climáticas que resultam de emissões de CO2.
Os avanços científicos recentes nesta área afirmam que será possível
neutralizar os efeitos de emissões de CO2, simulando, artificialmente
emissões de SO2 semelhante às erupções vulcânicas, como aconteceu
com vulcão Pinatubo, em junho de 1991, que diminuiu a temperatura
do planeta, o que se convencionou denominar geoengenharia. Proponho que o Brasil estabeleça florestas na Amazônia, cuja função é captar
CO2, como alternativa ao que propõe a Petrobras de armazenar o CO2
em aquíferos. Baseio minha proposta nos avanços publicados na revista
Science, de agosto de 2006, que mostra como é possível controlar o
ciclo celular em leveduras tornando o processo mitótico mais lento pelo
controle da expressão de proteínas especificas. Se isto é possível em
levedura, é possível fazer o mesmo em espécies florestais. Como dizia
o Maury Miranda, é tudo a mesma coisa. O que vamos fazer se não for
possível controlar o nível de CO2 na atmosfera e o aquecimento global
fizer com que o nível dos oceanos comece a subir? Temos que desanilizar a água dos oceanos, como publiquei no Brazilian Journal em 2010.
Falta água no mundo. Mais de um bilhão não têm acesso à água potável.
Desertificação afeta ¼ do planeta.
137
138
Uma História Sobre a Ciência Brasileira
–
7.1 - A Indústria Farmacêutica
Voltei ao MCT como Titular da SEPED, Secretaria de Políticas
e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento, por convite do Ministro
Sérgio Machado Rezende, o que aconteceu em agosto de 2005. Enfrentei dois desafios com prioridade: promover o desenvolvimento de uma
indústria farmacêutica e criar mecanismos para reduzir as desigualdades regionais, que vou explicitar depois. Avancei muito pouco quanto
ao primeiro, cuja política é da agenda do Ministério da Saúde. Procurei
estimular a relação Universidade – Empresa com editais, que foram um
fracasso, porque as empresas não estão preparadas para investir em projetos de alto risco, como os que se relacionam ao desenvolvimento de
fármacos e medicamentos. É um longo trajeto que termina na ANVISA,
que tem uma diretoria que estabelece qual preço deve ser cobrado pelo
novo fármaco ou medicamento. Procurei paralelamente criar melhores
condições para a produção de animais de laboratório. Durante décadas,
o MCT, por meio de suas agências, particularmente a FINEP, tentou,
pelos de editais, convidar e financiar instituições para estabelecer biotérios de criação e experimentais para fazer frente a uma necessidade que
tem impedido a consolidação de uma indústria farmacêutica no Brasil:
criação, manejo e fornecimento de animais para ciência. Toxicologia
pré-clínica, para avaliação de segurança e periculosidade de novas moléculas candidatas a uso terapêutico humano. Aos editais compareceram
sempre instituições públicas em Universidades ou Instituições de Pesquisa, que receberam recursos substanciais e a demanda persiste. Quando escrevo estas linhas ainda não produzimos animais de laboratório.
Inúmeros exemplos de insucesso podem ser descritos. A USP tem um
biotério exemplar e nunca produziu um camundongo para testes préclínicos. Os animais da FIOCRUZ não são sadios. A USP de Ribeirão
Preto não produz animais de qualidade. Estabeleci, já como Secretário
da SEPED, um grupo de trabalho com a participação de todas estas
instituições para diagnosticar as causas de insucesso. Todas apontaram
Luiz Antonio Barreto de Castro
para uma dificuldade de gestão necessária aos biotérios, incompatível
com a rotina de instituições publicas que:
1- São obrigadas a operar exercitando legislações que impedem
tomadas de decisão com base na qualidade;
2- Fazem greve e não trabalham em feriados. Animais precisam
de atenção diária 365 dias /ano;
3- Seus pesquisadores não concordam em pagar pelos animais
fornecidos pelas instituições nas quais atuam.
Procuramos conhecer a realidade dos países desenvolvidos. Nos
Estados Unidos, poucas empresas, menos de cinco, garantem todos os
estudos pré-clínicos e clínicos para a indústria farmacêutica americana, tendo acesso a todos os animais necessários para o país. Visitei os
stands destas empresas quando estava na BIO, em Atlanta, em 2009.
Perguntei se não teriam interesse no mercado brasileiro. Responderam
que o mercado, mesmo em conjunto com a Argentina, é muito pequeno. Aliás, a USP tentou trazer uma grande empresa para o Brasil sem
sucesso. A empresa é a Jackson Laboratory em Maine. Procurei a Charles Rivers. Preferiu a China. Em todos, os animais são fornecidos por
instituições privadas. Na Bio, em 2010, em Chicago, visitei a MPI, no
Michigan, que tem 14% do mercado de pré-clínicos e clínicos nos Estados Unidos. Vieram ao Brasil, em 2010, a meu convite. Não há, no
exterior, um caso em que instituições públicas sejam responsáveis pelo
fornecimento de animais para testes pré-clínicos. Procuramos, no Brasil, instituições com experiência na criação e fornecimento de animais
de laboratório e competência em toxicologia pré-clínica, para avaliação
de segurança e periculosidade de novas moléculas candidatas a uso terapêutico humano. Encontramos duas: o Instituto Royal e o BIOAGRI.
Este último, localizado em Piracicaba, com instalações em Planaltina,
que visitamos pessoalmente, realiza ensaios de toxicologia pré-clínica
para avaliação de segurança de novas moléculas para uso agropecuário, em geral, particularmente para a área de veterinária. É um biotério
experimental privado que não cria, mas importa animais e não demons-
139
140
Uma História Sobre a Ciência Brasileira
trou, a princípio, interesse em ampliar seu portfolio de atividades, que
atende a multinacionais, nunca tendo recebido qualquer financiamento
público. O Instituto Royal foi responsável pelos estudos toxicológicos
pré-clínicos de todos os produtos registrados na ANVISA que tiveram
estes testes realizados no Brasil. Biotérios para a criação e uso de animais de laboratório é um negócio. Biotérios experimentais para atuar
com animais produzidos por outros podem e funcionam em instituições
públicas no Brasil e no exterior. Na verdade, nos Estados Unidos, tudo
funciona com 10 trilhões de PIB. Muitas são as variáveis que dificultam
a consolidação de uma indústria farmacêutica no Brasil. Estamos lentamente avançando nessa área na FINEP. Quando lerem este livro este
tema poderá estar obsoleto, ou não, como diria Caetano.
–7.2 - Desenvolvimento Regional e as Redes
Garantir investimentos para P&D deveria ser a maior prioridade
de cada estado, se pensarmos que a renda/capita do Nordeste é menos
da metade da renda/capita da região Sudeste, que é um quarto da renda/
capita da Suíça, que é a 17ª no mundo. É óbvio que, quando se observa
a renda/capita dos estados, o Distrito Federal não pode contar, porque
inclui o Legislativo e o Judiciário. É significativo, entretanto, verificar
que dos dez estados de renda/capita mais baixa no Brasil nove são do
Nordeste. Da mesma forma, quando se comparam os países, vários que
estão no topo da lista são paraísos fiscais ou países árabes integrantes
da OPEC, que não servem de referência para o Brasil. Grifei alguns
que estão mais próximos da realidade brasileira. Estamos com esforço
na faixa de dez mil dólares. A maioria dos países que podem servir de
referência tem renda/capita na faixa de trinta a quarenta mil dólares.
Não adianta ser a quinta economia do mundo como se propala, que é o
destino reservado ao Brasil, se a renda/capita não for multiplicada por
três. A fisiologia ensina que todos os organismos superiores crescem
Luiz Antonio Barreto de Castro
141
e se diferenciam (growthanddevelopment). A diferenciação ocorre ao
longo do crescimento desde o embrião. Crescimento sem diferenciação
não funciona. Esta é a minha visão da economia. Diferenciação em fisiologia é como desenvolvimento em economia. Não se podem tratar
diferentes como iguais. Não se pode tratar o Nordeste como o Sudeste.
O Brasil curiosamente já é a sexta economia do mundo, mas sua renda/
capita é a centésima.
Seria o caso de criar FAPs, nos moldes da FAPESP, nos dias de
hoje? Provavelmente, não. O maior desafio do país é promover maior equilíbrio no seu desenvolvimento regional. Portanto, deveríamos rever as Leis
e Decretos que criaram as FAPs, em outros estados, para que elas tivessem,
na sua agenda P&D: Pesquisa e Desenvolvimento. Se o novo modelo da
FAPS for de P&D a gestão poderia incluir especialistas em desenvolvimento, além de cientistas. Qual deveria ser o perfil destes especialistas em
desenvolvimento? O fundamental é que eles tenham a convicção de que,
quanto mais intensa for a relação entre C&T, maior o PIB/capita, como
vemos abaixo, em estudo do IPEA de avaliação dos Fundos Setoriais.
PRODUTO INTERNO BRUTO/POPULAÇÃO
RENDA PER CAPITA EM REGIÕES BRASILEIRAS:
REGIÕES
SUDESTE
CENTRO OSTE
SUL
NORTE
NORDESTE
US$
8. 141
7. 686
6. 951
3. 814
3. 552
R$
15. 468
14. 603
13. 207
7. 247
6. 749
PRODUTO INTERNO BRUTO/POPULAÇÃO
RENDA PER CAPITA EM ESTADOS BRASILEIROS:
ESTADO
DISTRITO FEDERAL
SÃO PAULO
RIO DE JANEIRO
ESPIRITO SANTO
SANTA CATARINA
RIO GRANDE DO SUL
PARANÁ
US$
21. 418,95
11. 930,00
10. 128,95
9. 475,26
9. 386,32
8. 783,68
8. 268,95
R$
40. 696
22. 667
19. 245
18. 003
17. 834
16. 689
15. 711
142
Uma História Sobre a Ciência Brasileira
MATO GROSSO
AMAZONAS
MINAS GERAIS
MATO GROSSO SUL
GOIÁS
RORAIMA
RONDONIA
AMAPÁ
TOCANTIS
ACRE
SERGIPE
BAHIA
RIO GRANDE DO NORTE
PERNAMBUCO
PARÁ
CEARÁ
PARAÍBA
ALAGOAS
MARANHÃO
PIAUÍ
7. 870,53
6. 864,74
6. 588,95
6. 532,11
6. 077,89
5. 544,21
5. 431,58
5. 396,84
4. 695,26
4. 625,79
4. 585,26
4. 098,42
4. 003,68
3. 861,58
3. 687,89
3. 236,32
3. 208,95
3. 083,16
2. 718,42
2. 453,68
Fonte:http://www.indexmundi.com/g/r.aspx?c=xx&v=67&l=pt
(CIA World Factbook - Janeiro 1, 2009)
14. 954
13. 043
12. 519
12. 411
11. 548
10. 534
10. 320
10. 254
8. 921
8. 789
8. 712
7. 787
7. 607
7. 337
7. 007
6. 149
6. 097
5. 858
5. 165
4. 662
Luiz Antonio Barreto de Castro
143
O BRASIL NO CENÁRIO INERNACIONAL
SISTEMA NACIONAL DE
INOVAÇÃO: DIFERENTES
CORRELAÇÕES EM C&T
RELAÇÃO ENTRE
CIÊNCIA, TECNOLOGIA
E PIB PER CAPITA
144
Uma História Sobre a Ciência Brasileira
A ciência tem que produzir desenvolvimento. É possível que a
desconfiança maior dos dirigentes, quando pensam na absoluta autonomia da ciência como funciona no modelo da FAPESP, é que esta
ciência não tenha consequência para o desenvolvimento nem para a
qualidade de vida das pessoas. Acabam optando pelos estádios de futebol. Fiz esta proposta muitas vezes, discutindo o PAC da Amazônia. É
óbvio que não existe este plano, mas a Amazônia nunca terá recursos
para promover seu desenvolvimento, se continuarmos a transferir, para
essa região, como fazemos, milhões de reais. A ordem de grandeza é de
bilhões, como aconteceu com Brasília. O que agrada é ouvir do Luiz
Hildebrando, de Rondônia, uma vida dedicada ao controle da malária,
dizer que uma hidroelétrica vai investir 1 bilhão de reais /ano em C&T,
durante dez anos no estado. Se a moda pega, vamos finalmente tratar
a Amazônia com a prioridade devida, o que nunca aconteceu até hoje.
É possível, se verificarmos que os estados recolhem 254 bilhões reais
de impostos todos os anos, mais de 90% ISS. Embora a Amazônia recolha de impostos cerca de ¼ do que recolhe São Paulo, 1% de 224 bilhões seriam recursos de um porte que a região nunca viu. O Brasil não
vai reduzir as desigualdades regionais com os instrumentos que utiliza
hoje. Atualmente, o Governo Federal se compromete a destinar 30%
do investimento em PD&I nas regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste, somadas. Em um exercício federal, que mostraremos abaixo, todo
o investimento em PD&I do Governo Federal no Brasil é da ordem
de R$ 3,5 bilhões, 30% deste total equivale a R$ 1,05 bilhão, o que
é comparável ao orçamento da FAPESP. Há uma relação direta entre
C&T e PIB regional como veremos abaixo. Já tínhamos mostrado que
esta relação existe também entre os países. Os desafios da Amazônia
são da ordem de bilhões, como publicou a Science recentemente. Só
o desflorestamento pode custar, em dez anos, 18 bilhões de dólares. O
exercício de uma política econômica austera, nesses últimos anos, tirou
o Brasil de devedor para credor do FMI. Em plena crise, a dedução do
IPI revigorou a indústria automotiva, a linha branca e a construção civil
em plena crise, que se abateu na economia mundial. Se, com vontade
Luiz Antonio Barreto de Castro
política, o governo reverter parte do imposto que recebe dos estados
da Amazônia, estabelecer um fundo administrado pelas FAPs e entregar às instituições como EMBRAPA, INPA, GOELDI, FIOCRUZ,
IPEPATRO, EVANDRO CHAGAS entre outras, a tarefa de propor e
executar um programa para desenvolver a Amazônia, em oito anos esta
iniciativa terá sucesso. Igualmente, o Brasil poderá negociar como novo
credor do FMI um Endowment Fund para a Amazônia, para atrair, com
liderança, aporte de recursos de outros países. Na hipótese de se tratar
de um empréstimo inicial do Brasil, de 10 bilhões de dólares, 1% deste
capital/ano corresponde a 100 milhões de dólares. Este montante poderia ser acrescido de renúncia fiscal de impostos dos estados da Amazônia e aporte de recursos de outros países.
145
146
Uma História Sobre a Ciência Brasileira
Custeio e investimento
Luiz Antonio Barreto de Castro
frente dos bois. Tive que interromper o esforço; deixei o Ministério e
voltei para a EMBRAPA. Em 2003, os astros se alinharam: Jorge Guimarães, na CAPES; Sergio Rezende na Presidência da FINEP; Hélio
Barros, Rafael Luchesi e Cláudio Marinho nas Secretarias de C&T dos
três maiores estados do Nordeste: Ceará, Bahia e Pernambuco. Comecei de novo, ainda como Chefe Geral do CENARGEN. Sem apoio do
Presidente da EMBRAPA, que dizia que eu não era da EMBRAPA,
tinha que viajar sem recursos da EMBRAPA. Um dia em Fortaleza,
em 2003, os nove Secretários de C&T do Nordeste se uniram e fui
convidado a elaborar o Programa RENORBIO, eleito por eles como “o
Programa de Biotecnologia do Nordeste”. Esta carta foi denominada a
“Carta de Fortaleza”, assinada em agosto de 2003, que me outorgava o
título de Coordenador do RENORBIO.
Produção cientifica mundial de
1975 a 2005 em função
–7.3 - O RENORBIO
Tudo começou quando o Sergio Rezende, então Secretário de
C&T de Pernambuco, no governo Miguel Arraes, me fez um desafio:
“Por que você não traz toda esta biotecnologia que vocês produziram
no CENARGEN para o Nordeste?” Eu era, então, Secretário do Ministro Vargas, em 1998, e não do CENARGEN, mas resolvi começar a
conceber um grande Programa de Biotecnologia para o Nordeste, nos
moldes dos “Graduate Group do UC System”. Visitei diversas universidades no Nordeste e fiz várias conferências. Tive reuniões com reitores,
em Brasília. Um dia, em Alagoas, em 1998, disse em público que a biotecnologia tinha que expressar, em caprinos, substâncias contra diarreia
neonatal. Receptividade total, até que o já Ministro Bresser Pereira deu
uma entrevista dizendo que investir no Nordeste era colocar o carro na
O meu mandato era precário, mas os Secretários vieram a Brasília e conseguiram do Ministro Roberto Amaral R$ 2.5 milhões para o
RENORBIO. Consegui mais cinco milhões por emenda ao orçamento
da bancada do Nordeste no Congresso Nacional. Contratamos, por edital, cinco projetos com orçamentos de R$ 1.5 milhões cada, sendo um
deles o de caprinos transgênicos. Com este investimento, conseguimos
147
148
Uma História Sobre a Ciência Brasileira
os primeiros caprinos GM, expressando uma proteína modelo GCSF,
que pretendemos levar ao mercado. Estamos agora próximos de expressar lisozima e lactoferrina em leite de caprinos, por meio de uma parceria com a UCDavis. James Murray e Elizabeth Maga já têm resultados
promissores e não existe diarreia neonatal na Califórnia. Temos agora a
possibilidade de realizar o que pensei ser possível em 1998.
Os recursos só foram transferidos no início da administração do
Ministro Eduardo Campos, em 2004, que fez a portaria que criou o
Programa, definindo sua Missão Institucional: acelerar o desenvolvimento da região Nordeste, integrando a formação de recursos humanos ao desenvolvimento científico e tecnológico em Biotecnologia, na
geração de impactos socioeconômicos relevantes e ambientalmente
sustentáveis, e na geração de contribuições para melhoria da qualidade
de vida da população. O Programa RENORBIO definiu uma proposta científica caracterizada, conceitualmente, no estudo da biologia de
maneira convergente, relacionando espécies biológicas geneticamente
distantes pela funcionalidade de seus genes, partindo do pressuposto
de que a utilização de tecnologias avançadas permitirá o estudo das
bases moleculares que regulam as funções gênicas e os produtos da sua
expressão, bem como dos mecanismos que as relacionam com a biologia do desenvolvimento de plantas, animais e microorganismos. Essa
abordagem no tratamento da Biotecnologia é a mais adequada diante
do cenário científico internacional. Vejam que, no ápice da pirâmide,
existe outra figura hipotética: o MERCONORDESTE.
Camila e Tinho: os primeiros caprinos transgênicos da América Latina.
Luiz Antonio Barreto de Castro
Não tenho nenhuma dúvida de que, um dia, teremos o MERCONORDESTE, que certificará todos os produtos da região. O RENORBIO pretende melhorar a renda/capita da região. Se não conseguirmos
isto, o programa será uma frustação, pelo menos para mim.
Como Secretário do SEPED, já em 2005 e 2006, destinei mais
vinte e cinco milhões para o RENORBIO, oriundos de Fundos Setoriais
de Biotecnologia, Agronegócios e Saúde. Agora, o RENORBIO acaba
de receber apoio da CAPES, na forma de bolsas e recursos para o mais
revolucionário curso de pós-graduação já aprovado pela CAPES. Está
tudo no portal do RENORBIO. (www. renorbio. org.br) Agradeço, também, os recursos que possibilitaram estabelecer os elementos de gestão
do programa, oriundos do MCT, por iniciativa do então Ministro Eduardo Campos, inicialmente, quando eu ainda não era Secretário do MCT,
e depois dos Fundos Setoriais de Biotecnologia e de Saúde. O MCT fez
nova portaria para o RENORBIO, mas sem dinheiro, em 2011. Temos
que criar uma Associação de Amigos do RENORBIO para viabilizá-lo
independentemente das alternâncias no poder político. O RENORBIO
tem mais de quatrocentas teses de Doutorado, entre concluídas e em
andamento, e depositou quase duzentas patentes.
149
150
Uma História Sobre a Ciência Brasileira
Criei outras redes nas regiões Norte e Centro Oeste. Este é o
caminho adequado quando a massa crítica de P&D não é abundante.
Não posso fazer qualquer crítica ao extraordinário trabalho da CAPES
que, via pós-graduação, produziu o crescimento que vimos da ciência,
ao longo das últimas três décadas. Entretanto, novos modelos são necessários. Regiões de menor massa crítica em C&T devem fazer convergir seus cursos de pós-graduação para obterem melhores resultados.
A Califórnia fazia isto na década de 1970. O curso de PhD, que fiz em
Davis, em Fisiologia Vegetal, tinha um Graduate Group com 100 PhDs
em Fisiologia, Bioquímica, Química, Biofísica, Botânica. Um currículo
vasto. Exigia-se primeiro um número de créditos chamados básicos:
“Core Curricullum” e depois o estudante podia escolher se queria Fisiologia Celular, Molecular ou Ecossitemática. Se as disciplinas não
fossem oferecidas em Davis o aluno podia, quase sempre no verão,
procurar estas disciplinas em outros campi. Veremos, mais tarde, que
hoje temos muitas outras razões para seguir um modelo semelhante.
Os cursos de pós-graduação, no país, não podem continuar crescendo
exponencialmente. Escrevi um capítulo para a CAPES sobre as Redes
de Pesquisa e Pós-Graduação que saiu no PNPG-2011-2020.
Luiz Antonio Barreto de Castro
151
Luiz Antonio Barreto de Castro
8
– Reflexões finais –
Já disse que tive dois problemas na minha vida. O primeiro foi
quando sustentei uma longa luta para trazer o Marcelo de volta a uma
vida normal, o que não foi possível. Foi uma luta de quinze anos e ao
final ele faleceu. Contraíra HIV provavelmente em uma das primeiras
transfusões de sangue, depois do acidente. Depois destes quinze anos,
compreendi que tive um problema na minha vida e foi este. O segundo
disse que talvez contasse. Em agosto de 2008, fui fazer uma cirurgia
no ombro, para reduzir uma bursite; o médico disse que era uma cirurgia simples. Nunca vou saber exatamente o que aconteceu. Entrei
em coma e fiquei 30 dias; desenvolvi uma rabdomiolise que afetou os
rins. Todos os que me visitaram disseram que eu estava morto. Não haveria recuperação possível. Era tão improvável, que algumas pessoas,
mais tarde, me encontraram na rua e ficavam me olhando, como se eu
fosse um fantasma. Nestes casos, brincava: aquele morreu, eu sou um
clone. Cláudia, minha mulher, me transferiu do “Prontomorte” para o
Santa Luzia com a ajuda de meus amigos Hélio Barros e Genaro Paiva. Um dia, abri o olho e ela me disse: “Agora está tudo bem, vamos
voltar para casa”. Tentei mexer um dedo e não consegui. Não sabia o
que havia acontecido. Pensei: estou paraplégico. Não conseguia falar.
Ouvia o que me contavam. Tudo tinha parado de funcionar, menos o
coração, fiel, nenhuma parada cardíaca. Rim, uma lástima. Diziam que
eu necessitaria de dois anos para voltar a falar. Cantar, nem pensar. Minhas cordas vocais estavam piores do que as do Chet Baker depois que
não pagou aos “drug dealers”. Aprendi uma coisa interessante: morrer
é muito fácil. Dá trabalho para os outros. Comecei a me perguntar por
que eu não morrera. O que faz um homem não morrer e continuar vivo?
Lembrei-me do Guillaumet, da Terra dos Homens, escrito pelo Antoine
Saint Exupéry. Já havia escrito este texto e colocado num quadro.
Naquele quarto de Mendoza em que passei a noite você
adormeceu afinal - um sono de esgotamento. E eu pensava: Se
alguém falar a Guillaumet de sua coragem ele dará de ombros.
Mas seria traí-lo também celebrar sua modéstia. Ele está muito
além dessa qualidade medíocre. Se dá de ombros é por sabedoria. Sabe que, uma vez no centro do perigo, os homens não se
horrorizam mais. Só o desconhecido espanta os homens. Mas
para quem o enfrenta ele cessa de ser o desconhecido. Sobretudo
se é olhado com essa gravidade lúcida. A coragem de Guillaumet, antes de tudo, um efeito de sua probidade. Sua verdadeira
qualidade não é essa. Sua grandeza é a de sentir-se responsável. Responsável por si, pelo seu avião, pelos companheiros
que o esperam. Ele tem nas mãos a tristeza ou a alegria desses
companheiros. Responsável pelo que se constrói de novo, lá, entre os vivos, construção de que ele deve participar. Responsável
um pouco pelo destino dos homens, na medida de seu trabalho.
Um desses seres amplos que aceitam o destino de cobrir largos
horizontes com suas folhagens. Ser homem é precisamente ser
responsável. É experimentar vergonha em face de uma mi­
séria que não parece depender de si. É ter orgulho de uma
vitória dos companheiros. É sentir, colocando a sua pedra, que
contribui para construir o mundo. Querem confundir homens
assim com os toureiros e os jogadores. Gaba-se o seu desprezo
153
154
Uma História Sobre a Ciência Brasileira
da morte. Mas eu dou bem pequena importância ao desprezo da
morte. Se ele não tem suas raízes em uma responsabilidade aceita é apenas sinal de pobreza ou excesso de mocidade. Conheci
um suicida moço. Não sei mais que desgosto amoroso o levou
a colocar cuidadosamente uma bala no coração. Não sei a que
tentação literária cedeu calçando suas mãos de luvas brancas.
Mas eu me lembro de ter sentido em face daquele triste espetáculo uma impressão que não era de nobreza, mas de miséria. Ali,
atrás daquele rosto amável, sob aquele crânio de homem, não
havia existido nada. Apenas a imagem de alguma tola mocinha
igual às outras. Pensando nesse destino magro eu me recordo
também de uma verdadeira morte de homem. A morte de um jardineiro, que me dizia: “Você sabe, às vezes, trabalhando. com a
enxada na mão, eu suava. Minha perna doía com o reumatismo,
e eu praguejava contra aquela escravidão. Pois olhe, hoje, hoje,
eu queria estar com a enxada na mão, trabalhando, trabalhando... Trabalhar com a enxada hoje me parece uma coisa bonita!
A gente se sente tão bem, tão livre, quando está trabalhando a
terra! E, além disso, quem é que vai cuidar de minhas árvores,
agora?” Ele deixava uma terra a cultivar. Deixava um planeta
a cultivar. Estava ligado pelo amor a todas as terras e a todas
as árvores da terra. Era ele o generoso, o pródigo, o Grande
Senhor! Era ele, como Guillaumet, o homem corajoso quando
lutava, em nome de sua Criação, contra a morte.
In: “Terra dos Homens”,
Quando li pela primeira vez Terra dos Homens minha vida mudou, se justificou. Coloco este trecho de Terra dos Homens, aqui, neste
livro, para que todos os jovens se lembrem de que ser homem é ser
responsável. Não morri porque tinha a expectativa dos meus amigos
que acreditavam que eu não morreria. Jorge Guimarães acreditava. O
Sergio Rezende ficou otimista e disse “vamos tirar você daqui”. Come-
Luiz Antonio Barreto de Castro
cei uma luta de volta: primeiro mexendo um dedo e agora, depois de
um longo período, voltei a cantar como antes. Coloquei este trecho aqui
para agradecer a todos os que acreditaram que eu não morreria. Resolvi
não morrer porque tive uma enorme solidariedade dos amigos e quando
isto acontece, como dizia Guillaumet, o que você faz, nem um bicho
faz; só um homem faz. Voltei da minha luta contra a morte e ganhei de
presente a expulsória, já que, em 2009, fiz setenta anos. Estas reflexões
incluem este interessante instrumento que se chama expulsória. Já falei como se tratam os cientistas nos Estados Unidos e como se tratam
os cientistas no Brasil. Nos Estados Unidos não existe uma expulsória
como no Brasil. Deve ser porque os Estados Unidos é um país muito
pobre que não pode dispensar seus cientistas produtivos com mais de
setenta anos. O Brasil, por outro lado, é um país muito rico, que pode se
dar ao luxo de dispensar os que têm mais de setenta anos, bons ou não.
Esta circunstância, parafraseando Guimarães Rosa, que diz que o sapo
pula por precisão, nos obriga a montar uma nova estratégia de vida; é o
que pretendo fazer. Alternativamente, poderia ficar em casa esperando
a morte chegar. Disse antes que morrer e fácil, mas esta nova forma
de esperar pela morte é muito difícil. A única atitude aceitável, diante
da morte, é ser surpreendido por ela, com indignação diante de tudo o
que falta por ser feito, como o jardineiro de Terra dos Homens. Estou
convencido de que pouca comida e muita atividade cerebral garantem
longa vida. Ainda não aprendi a cuidar da primeira parte. Entretanto,
como para muitos sou um clone, posso surpreender nesta nova velha
fase da minha vida. Vou trabalhar no setor privado.
155
Luiz Antonio Barreto de Castro
9
– Anexos –
–
9.1 - A BALANÇA DA JUSTIÇA
E OS TRANSGÊNICOS NO BRASIL
Luiz Antonio Barreto de Castro*
Não existe, na história contemporânea brasileira, iniciativa mais
democrática e consistente do que o esforço brasileiro para construir
a sua competência científica. Imune às alternâncias de poder político
mais drásticas, o Brasil treinou literalmente dezenas de milhares de
jovens cientistas, a partir do início da década de 1970, no país e no
exterior. Em trinta anos, triplicou sua participação científica relativa no
mundo. A contribuição científica do Brasil, no contexto mundial, cresce
a uma velocidade tão grande quanto a dos países do G7. Uma história
de sucesso, que coloca o Brasil, nas capas das melhores revistas científicas, particularmente na era genômica, em que estamos entre os mais
avançados. A história da EMBRAPA, estabelecida em 1973, na qual
a engenharia genética de plantas começou em 1981, se confunde com
o extraordinário sucesso da agropecuária brasileira. Nunca no Brasil
tivemos um momento tão adequado para mostrar à sociedade brasileira
o que a ciência brasileira pode fazer. Temos a maior diversidade bio-
lógica, competência científica, a melhor genética para os trópicos e os
genes que precisávamos. Vamos colocar este contexto em um dos pratos da balança da justiça.
No outro prato da balança, vamos colocar uma campanha europeia liderada pelo Greenpeace, que recrudesceu quando o primeiro
produto geneticamente modificado chegou ao mercado agrícola mundial. Esta campanha não apresentou ao mundo, nos últimos oito anos,
nenhuma evidência científica, que justifique a condenação aos transgênicos, que apregoam. Seu líder mundial é o Príncipe Charles que,
convenhamos, é, no mínimo, irônico, quando se apresenta na defesa da
sustentabilidade do planeta.
O Presidente da República não tem obrigação de entender as
profundidades da ciência, mas antes de tomar a decisão recente de liberar a soja no Rio Grande do Sul, imagino, deve ter feito duas perguntas
fundamentais: 60 milhões de hectares cultivados com plantas transgênicas, em todo o mundo, incluindo, há sete anos, a Argentina e o Rio
Grande do Sul, provocaram algum impacto ambiental negativo? Resposta: Nenhum impacto negativo constatado. Os impactos no Sul, ao
contrário, são positivos. Centenas de milhões de toneladas de alimentos
transgênicos consumidos por bilhões de seres humanos e pela pecuária
mundial, nos últimos oito anos, podem ter provocado danos à saúde
humana? Resposta da Organização Mundial da Saúde: os transgênicos
liberados mundialmente não apresentam riscos para a saúde humana
maior do que seus parentes convencionais. O Presidente ficou do lado
da ciência e da EMBRAPA, a quem ouviu por meio dos cientistas do
CENARGEN e tem o respaldo das Academias de Ciência do Terceiro
Mundo, do Reino Unido, dos Estados Unidos, da China, da Índia, do
México e do Brasil.
Para que lado pende a balança da justiça? Para o lado da ciência?
Pasmem: para o lado do Greenpeace. Os juristas falam sobre transgênicos com o maior desembaraço. Profeticamente, preveem efeitos irre-
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Uma História Sobre a Ciência Brasileira
versíveis ao ambiente. O primeiro que decretou a moratória contra os
transgênicos, em 1998, disse literalmente em sua sentença: “a engenharia genética utiliza genes alienígenas, que darão origem a uma esquisita
civilização de “aliens hospedeiros com fisionomia peçonhenta”, a comprometer definitivamente, em termos reais, e não fictícios, a sobrevivência das futuras gerações de nosso planeta”. O último, para um jornal
de Brasília, disse que as sementes de soja transgênica não germinam.
Qual será o segredo dos gaúchos, que usam suas próprias sementes há
sete anos? Teimam em condenar a competência da ciência brasileira,
segundo eles, sem possibilidades de competir com as multinacionais,
o que é curioso, porque competimos com o mundo com sucesso. São
doutores em economia, vaticinam o fracasso do Brasil com a transgenia, sem olhar para a agricultura argentina, que está chegando aos
nossos calcanhares com esta tecnologia. Propõem estudos de impacto
ambiental que, na prática, já foram feitos em todo o mundo, incluindo o Brasil. Mais de trinta países já liberaram comercialmente a soja
em questão. Desconsideram sistematicamente a lei de biossegurança
e fazem coro com as ONGs contra a Comissão de Biossegurança, que
foi intimada a comparecer à Polícia Federal, no dia 15 de outubro. Legalmente, não aprenderam com o sábio voto da Juíza Selene Almeida,
um marco na história jurídica mundial relativa a OGMs. Escreveram,
na história brasileira, o primeiro caso, desde o descobrimento, em que
uma tecnologia é proibida e condenaram todo o esforço de trinta anos
da ciência brasileira que, nesta área, viu os recursos desapareceram com
a primeira sentença judicial contrária à engenharia genética de plantas,
em 1997. A sociedade vai perguntar algum dia porque a justiça seguiu
este caminho. Espero que saibam responder.
* Membro da Academia Brasileira de Ciências
Luiz Antonio Barreto de Castro
9.2 - liberação da soja transgênica
pela CTNBIO
Sobre o processo de liberação da soja transgênica pela
CTNBIO, analisada tecnicamente em função dos argumentos que
constituem a sentença do juiz Antonio Souza Prudente, que impediu
a comercialização de plantas transgênicas no Brasil, desde 1998, e em
resposta à campanha “por um Brasil livre de transgênicos”, que propõe
a revisão da decisão da CTNBIO relativa à liberação da soja RR.
Introdução
O advento da engenharia genética foi marcado pela experiência do professor Herbert Boyer da Universidade da Califórnia que,
em 1973, conseguiu expressar o gene de insulina humana na bactéria
Escherichia coli de ocorrência habitual no intestino dos seres humanos.
Os primeiros resultados positivos com plantas transgênicas, entretanto,
só ocorreram no início da década de 1980, com algumas espécies de
solanáceas, cultivando-se a bactéria Agrobacterium tumefasciens com
tecidos vegetais que, após a transformação genética mediada pela bactéria, eram regenerados in vitro para produzir plantas adultas. Marco,
neste sentido, foi o trabalho de Herrera Estrella, cientista mexicano, o
primeiro a transformar uma planta de fumo com um marcador para resistência a antibiótico, em 1981, na Universidade de Ghent, na Bélgica.
A empresa Plant Genetic Systems, da Bélgica, otimizou esta tecnologia
modificando por engenharia genética a bactéria citada, para que ela não
causasse tumores em plantas, como era característico da espécie. A técnica não teve sucesso com gramíneas e leguminosas em que se incluem
as principais espécies de interesse agrícola, como a soja, o milho e o
trigo. A regeneração da soja, a partir de cultura de células e protoplas-
159
160
Uma História Sobre a Ciência Brasileira
tos, perseguida por inúmeras instituições de pesquisa em todo o mundo,
não foi obtida com sucesso após muitos anos de investigação. A transformação de gramíneas e leguminosas somente foi possível depois que
universidades americanas e inglesas, entre elas Cornell e Nottingham,
desenvolveram um método balístico (particle gun). Este método utiliza
cultura de tecidos como meristemas, que são de fácil regeneração, para
produzir plantas adultas transformadas, não sendo necessária a cultura
de células e/ou protoplastos para obtenção de plantas adultas. O método
exige um rigoroso exame molecular e fenotípico das plantas transformadas para determinação do modo de herança dos genes transferidos,
para garantia de que as transformações, das quais resultam as plantas
transgênicas, são estáveis, geração após geração, e livres de efeitos ambientais (pleiotrópicos). A engenharia genética e os métodos moleculares de análise e avaliação fenotípica, corretamente aplicados, como têm
ocorrido com as plantas transgênicas, já liberadas para comercialização
em vários países, permitem absoluta segurança quanto a estes requisitos,
mas exigiram cerca de vinte anos de desenvolvimento científico.
As primeiras plantas transgênicas,
a soja
RR e as questões ambientais
Pelas razões citadas, as primeiras plantas transgênicas só começaram a ser testadas experimentalmente no campo, em 1986, nos
Estados Unidos. As empresas Calgene e Monsanto desenvolveram as
primeiras cultivares transgênicas, respectivamente: o tomate com maturação retardada e a soja tolerante ao herbicida glifosate; princípio ativo
de vários herbicidas liberados comercialmente entre os quais o Round
Up, fabricado pela empresa citada. A análise pela CTNBIO, deste caso
específico, levou em consideração anos de experimentação de campo
nos Estados Unidos, que garantiram que as cultivares transgênicas, obtidas a partir de linhagens também transgênicas de soja, exibissem a
necessária estabilidade para dar origem a outras cultivares transgênicas
em outros países.
Luiz Antonio Barreto de Castro
Esta segunda fase do trabalho da empresa Monsanto, realizada
em outros países, comprovou a transferência mendeliana dos genes transferidos para tolerância à glifosate para cultivares adaptados para diversas condições edafo-climáticas, utilizando-se métodos convencionais de
melhoramento genético, em que se incluem cruzamentos entre a cultivar
ou linhagem transgênica e cultivares adaptados, seguida de retrocruzamentos sucessivos, até que todas as características comerciais da cultivar
adaptada sejam recuperadas, simultaneamente com o gene de interesse,
doado pela cultivar ou linhagem transgênica transformada inicialmente.
Assim, foram obtidas as primeiras cultivares transgênicas da
empresa Monsanto, no Brasil, que utilizaram as cultivares adaptadas para as diversas condições brasileiras oriundas da empresa FT,
(iniciais de Francisco Terazawa geneticista egresso do Centro de Soja
da Embrapa, em Londrina) tradicional no melhoramento genético
de soja no Brasil, particularmente para as regiões do cerrado e sudeste
brasileiros.
Por esta razão, é absolutamente improcedente a afirmação de
que, para a liberação comercial das cultivares transgênicas da empresa
Monsanto, a CTNBIO não observou as variações edafo-climáticas brasileiras, já que as cultivares denominadas MONSOY se comportam essencialmente como as antigas cultivares FT, apenas com a incorporação
do gene de tolerância à glifosate. Tecnicamente, as cultivares MONSOY podem ser vistas comoessencialmente derivadas das cultivares
FT, segundo a terminologia definida na lei de cultivares.
Independente deste fato, as cultivares em questão foram experimentalmente testadas em Ponta Grossa, Cascavel, Palotina e Londrina,
no Paraná; Goiatuba, Morrinhos, Vicentópolis e Itumbiara, em Goiás;
Planaltina, no DF; Teresina, no Piauí; Boa Vista, em Roraima e Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, antes do deferimento pela CTNBIO
do pedido de liberação comercial da soja Round Up Ready, solicitado
pela empresa Monsanto, que ocorreu em setembro de 1998. Quin-
161
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Uma História Sobre a Ciência Brasileira
ze testes de campo foram realizados previamente nas diversas regiões
citadas, representativas dos principais ecossistemas em que se cultiva a
soja no Brasil, para testar adaptabilidade das cultivares citadas.
Por esta razão, a CTNBIO afirma no seu comunicado de número
54, de 29 de setembro de 1998 (publicado no diário oficial da união,
número 188, de 1º de outubro de 1998, seção 3, página 56), que contém
o parecer conclusivo da CTNBIO, em resposta à solicitação da Monsanto, para liberação comercial da soja round up ready, no item a1.3, no
capítulo referente aos elementos ambientais analisados:
A.1.3. O evento de inserção do transgene está molecularmente caracterizado e não foram observados efeitos pleiotrópicos
decorrentes desta inserção, em estudos conduzidos em diversos ambientes.
Com efeito, este mesmo processo de introgressão do gene
mutante de epsps, que causa nas plantas tolerância ao glifosate, foi
utilizado por agricultores gaúchos provavelmente logo após a liberação da soja RR, na Argentina. Como consequência, cultivares
com o gene RR foram desenvolvidos e adaptados para as diversas
regiões do Rio Grande do Sul e são utilizados em escala comercial
há seis anos, sem qualquer impacto ambiental negativo. Ao contrário, os impactos ambientais, segundo os agricultores, são positivos
porque reduzem a erosão do solo em associação com o plantio direto e diminuem os efeitos dos herbicidas de pós-emergência, antes
utilizados sobre a lavoura de trigo que sucede à da soja.
Surpreende igualmente que a decisão nº 99 da ação cautelar
inominada não mencione o comunicado 54 citado, o que fazemos
abaixo, para restabelecer a verdade sobre a matéria, uma vez que,
neste comunicado, estão, com todo rigor científico, respondidas todas as questões suscitadas pelos cientistas de renome da SBPC, citados na ação, bem como as questões que foram objeto de interesse
de organizações governamentais, também interessadas na matéria,
Luiz Antonio Barreto de Castro
em que se incluem o IDEC e o Greenpeace. Transcrevemos o comunicado também para comprovar que, em nenhum momento, a
CTNBIO utilizou o termo desregulamentação que, na verdade, não
existe no vernáculo. Ao contrário, a decisão da CTNBIO propõe,
pela primeira vez na história da biossegurança mundial, um mecanismo de regulamentação do uso comercial de plantas transgênicas
pelo monitoramento científico de plantios comerciais de transgênicos, medida que recentemente vem sendo proposta pelos países da
Europa, com base em sugestão da UK Royal Society, academia de
ciências do Reino Unido e de outras academias de ciência inclusive
a do Brasil.
Da mesma forma, não nos parece tecnicamente justificável incluir, na argumentação da ação, testemunhos da pesquisadora da Embrapa, Dra. Eliana Fontes, apoiando uma das primeiras avaliações feitas
pela Dra. Conceição Gama, no decorrer da análise pela CTNBIO da solicitação da Monsanto, testemunhos que, naquele momento, foram contrários aos argumentos acima apresentados. A Dra. Conceição Gama
não acompanhou a análise da matéria até o seu final. Do contrário, não
usaria, ela mesma, em seu parecer, a palavra “desregulamentação”. A
Dra. Eliana Fontes, ao final da análise, votou de acordo com o parecer da CTNBIO. Registre- se que o parecer conclusivo da CTNBIO
teve votação favorável de 19 membros da CTNBIO, incluindo os
representantes dos Ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura
e Abastecimento, que nunca contestaram a fiscalização dos ensaios
de campo realizados com a soja transgênica em pauta. O voto contrário foi da representante da Procuradoria de Defesa do Consumidor, instruída pelo Ministério da Justiça a votar desta forma, em
função de questão não resolvida do ponto de vista legal sobre rotulagem de produtos transgênicos que, a bem da verdade, a própria
CTNBIO, em seu parecer conclusivo, reconhece como tal.
163
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Uma História Sobre a Ciência Brasileira
“Ministério da Ciência e Tecnologia
Secretaria Executiva
Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBIO
Comunicado n.º54, de 29 de setembro de 1998
O Presidente da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBIO, no uso de suas atribuições legais, e de acordo com
o artigo 2º, inciso XIII, do decreto n.º 1.752, de 20 de dezembro de
1995, torna público que a referida comissão, em reunião extraordinária realizada no dia 24 de setembro de 1998, apreciou e proferiu
decisão no seguinte processo administrativo:
I-Processo n.º 01200.002402/98-60.
Interessado: Monsanto do Brasil Ltda.
CGC: 61.740.049/0001-75.
Endereço: Rua Paes Leme, 524, CEP: 05424-904, São Paulo
- SP, telefone: (011) 817-6256, fax: (011) 817-6254.
Assunto: solicita da CTNBIO liberação comercial de soja geneticamente modificada tolerante ao herbicida round up ready.
Ementa: a interessada vem requerer a liberação comercial
da soja round up ready, bem como de qualquer germoplasma derivado da linhagem “glyphosate tolerant soybean” (GTS) 40-30-2
ou de suas progênies geneticamente modificadas para tolerância ao
herbicida round up®. Esta solicitação compreende a livre prática
de atividades de cultivo, registro, uso, ensaios, testes, transporte,
armazenamento, comercialização, consumo, importação e descarte da referida soja. A interessada colecionou informações sobre a
caracterização molecular, desenvolvimento de genótipos, segurança ambiental, segurança alimentar e dados bibliográficos da soja
round up ready, submetidas juntamente com sua solicitação à co-
Luiz Antonio Barreto de Castro
missão técnica nacional de biossegurança - CTNBIO, que analisou
o pedido e emitiu parecer técnico conclusivo. O presente pedido
refere-se, apenas, à soja transgênica para o gene cp4-epsps (promotor 35s, região de peptídeo de trânsito para o cloroplasto, região
de codificação para a enzima 5-enolpiruvato-chiquimato-3-fosfato
sintase - epsps, região 3’ do gene nopalina sintase) que confere tolerância ao referido herbicida.
Decisão: a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança CTNBIO concluiu, em sua 5ª Reunião Extraordinária, realizada
no dia 24 de setembro de 1998, a avaliação de biossegurança (ambiental e alimentar) sobre o uso, em escala comercial, do cultivar de
soja geneticamente modificada “round up ready”. O parecer técnico
conclusivo refere-se aos genótipos derivados da linhagem de soja
GTS 40-3-2 ou de suas progênies, tolerantes ao herbicida glifosate,
de acordo com a solicitação encaminhada à CTNBIO pela empresa
Monsanto do Brasil Ltda. (processo n.º 01200.002402/98-60).
A. Análise do processo
A CTNBIO concluiu que não há evidências de risco ambiental ou de riscos à saúde humana ou animal, decorrentes da utilização da soja geneticamente modificada em questão. Tal conclusão
baseou-se nos seguintes elementos:
A.1. Elementos ambientais
A.1.1. A soja é uma espécie predominantemente autógama, cuja
taxa de polinização cruzada é da ordem de 1,0%. Trata-se de espécie
exótica, sem parentes silvestres sexualmente compatíveis no Brasil. Assim sendo, a polinização cruzada com espécies silvestres no ambiente
natural não é passível de ocorrência no território nacional.
A.1.2. A soja é uma espécie domesticada, altamente dependente da espécie humana para sua sobrevivência. Portanto, não há
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Uma História Sobre a Ciência Brasileira
razões científicas para se prever a sobrevivência de plantas derivadas da linhagem GTS 40-3-2 fora de ambientes agrícolas. Além
disso, na ausência de pressão seletiva (uso do glifosate), a expressão
do gene inserido não confere vantagem adaptativa.
A.1.3. O evento de inserção do transgene está molecularmente caracterizado e não foram observados efeitos pleiotrópicos
decorrentes desta inserção, em estudos conduzidos em diversos ambientes.
A.1.4. Existem, no Brasil, pelo menos três espécies conhecidas
de plantas daninhas que são naturalmente tolerantes ao herbicida
glifosate: poaia branca (richardia Brasiliensis); trapoeraba (commelina virginica); erva quente (spermacoce latifolia). A utilização
do glifosate no Brasil não ocasionou, nas últimas décadas, o aparecimento de outras espécies de plantas daninhas a ele tolerantes.
A introdução de cultivares tolerantes ao glifosate não aumentará a
pressão de seleção sobre as plantas daninhas, em termos de concentração do glifosate (produto/área).
A.1.5. Não há evidências de que a utilização rotineira do herbicida glifosate nas lavouras de soja no Brasil tenha efeito negativo
no processo de fixação biológica de nitrogênio. Esta observação está
baseada em ensaios realizados por entidades governamentais e privadas brasileiras, onde o uso continuado do herbicida não afetou a
nodulação e a produtividade dos cultivares de soja. O gene marcador nptii, que confere resistência à kanamicina, não foi transferido
para a linhagem GTS 40-3-2.
A.1.6. Não há indicação de que o uso de cultivares derivados
da linhagem GTS 40-3-2 levará a alterações significativas no perfil
e na dinâmica de populações de insetos associados à cultura da soja
convencional.
Luiz Antonio Barreto de Castro
A.2. Elementos da saúde humana e animal
A.2.1. A CTNBIO concluiu que a introdução do transgene
não altera as características da composição química da soja, com
exceção da acumulação da proteína transgênica cp4 epsps. Esta
conclusão de equivalência de composição química é baseada em
avaliações realizadas através de metodologia científica, publicadas
em revistas científicas indexadas e de circulação internacional. A
segurança da proteína cp4 epsps, quanto aos aspectos de toxicidade
e alergenicidade, também foi comprovada. É importante registrar
que, após a utilização da soja geneticamente modificada e de seus
derivados na América do Sul, central e do norte, na Europa e na
Ásia, não foi verificado um só caso de desenvolvimento de reações
alérgicas em humanos que não fossem previamente alérgicos à soja
convencional. Adicionalmente, é importante registrar que indivíduos sensíveis à soja convencional continuarão sensíveis à soja transgênica e, portanto, não deverão fazer uso deste produto.
A.2.2. A análise dos resultados descritos na literatura não confirmou um possível aumento, na soja geneticamente modificada, da
concentração de proteínas que reagem com uma combinação de soros
de pacientes alérgicos à soja convencional. De fato, os artigos científicos disponíveis e citados sobre a matéria mostraram que a expressão
do transgene não resultou no aumento dos níveis de proteínas reativas,
especialmente daquelas de peso molecular próximo a 30 kilodáltons,
a uma combinação de soro de indivíduos sensíveis à soja comercial
(Burks and Fuchs, 1995, Journal of Allergy and Clinical Immunology,
96: 1008-1010). Os autores do artigo científico acima mencionado afirmaram que “nossos estudos demonstram que a introdução do gene
codificador da proteína epsps, que confere tolerância a glifosate, não
causou modificação discernível, qualitativa ou quantitativamente, na
composição de proteínas alergênicas endógenas de soja em qualquer
dos cultivares resistentes à glifosate analisados”.
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168
Uma História Sobre a Ciência Brasileira
B. Parecer técnico conclusivo
Fica aprovada a solicitação encaminhada à CTNBIO pela
empresa Monsanto do Brasil Ltda. (processo 01200.002402/98-60),
obedecendo às determinações abaixo:
B.1. A CTNBIO determina que o monitoramento dos plantios comerciais dos cultivares de soja derivados da linhagem GTS
40-3-2 deverá ocorrer por um período de cinco anos, com o objetivo
de proceder a estudos comparados das espécies de plantas, insetos
e micro-organismos presentes nas lavouras. A verificação de eventuais alterações consideradas significativas para a biossegurança
poderá resultar na suspensão imediata dos plantios comerciais.
B.2. A solicitante se comprometerá a viabilizar áreas de plantio e se responsabilizará pelo monitoramento científico, necessário
para a geração de informações complementares, que serão supervisionadas por técnicos especializados nomeados pela CTNBIO.
As informações deverão ser obtidas concomitantemente ao plantio
comercial da cultura. As áreas, suas localizações e dimensões, serão estabelecidas conjuntamente pela CTNBIO e pela Monsanto
do Brasil Ltda., e deverão localizar-se em regiões edafo-climáticas
representativas da cultura da soja.
B.3. O monitoramento da área contemplará:
B.3.1. A variação da composição específica da comunidade de
plantas daninhas da área, sendo necessário incluir a composição e
magnitude da reserva de sementes no solo, como parte da avaliação;
B.3.2. A eventual incidência de plantas daninhas “escape”
determinando se a resistência ao herbicida glifosate resultou da
transferência do transgene;
Luiz Antonio Barreto de Castro
B.3.3. A avaliação periódica da dinâmica populacional de organismos indicadores: insetos, patógenos e microrganismos fixadores de nitrogênio e solubilizadores de fosfatos;
B.3.4. O envio do relatório anual à Secretaria Executiva da
CTNBIO, até o dia 15 de junho seguinte ao ano agrícola específico.
B.4. As áreas de monitoramento serão franqueadas à auditoria científica pela sociedade civil organizada interessada, mediante
autorização prévia da CTNBIO e com a presença de fiscal do ministério da agricultura.
B.5. A solicitante informará na embalagem do produto que,
eventualmente, os usuários da nova tecnologia poderão receber visitas técnicas da CTNBIO, nos termos definidos anteriormente.
C. A CTNBIO reserva-se ao direito de rever, sempre que, justificadamente, julgar necessário, as diretrizes listadas no item b.
D. A CTNBIO entende que, por razões de natureza jurídica relativas à rotulagem e à autorização de plantio, permanece
pendente a utilização comercial da soja geneticamente modificada
“round up ready”.
E. Resulta do inciso III, artigo 7º, da lei 8.974/95, e do seu decreto regulamentador n.º 1752/95, que o ato da CTNBIO constitui
parecer conclusivo de caráter técnico do ponto de vista da biossegurança e não é autorizativo para determinar o plantio da soja em
questão. Esta é uma prerrogativa legal de outros órgãos federais
competentes.
Informações complementares: solicitações de maiores informações deverão ser encaminhadas, por escrito, à secretaria executiva da CTNBIO, ministério da ciência e tecnologia, esplanada dos
ministérios, bloco e, salas t-15/t-17, cep 70067-900, Brasília - DF,
e-mail [email protected], ou através do fax (061) 317-7682. O
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Uma História Sobre a Ciência Brasileira
processo encontra-se à disposição dos interessados, para consulta,
na secretaria executiva da comissão.
Luiz Antonio Barreto de Castro
Presidente da CTNBIO “
(publicado no diário oficial da união n.º 188 de 1º de outubro
de 1998, Seção 3 - página 56)
A este respeito manifesto-me como presidente da CTNBIO, à
época, cientista que sou, pioneiro da engenharia genética de plantas no
Brasil e edificador desta atividade no CENARGEM - Centro Nacional
de Recursos genéticos e biotecnologia da EMBRAPA, onde atuei por
quinze anos desde 1981, para citar documento público, extensivamente divulgado em várias audiências públicas, levado a efeito na câmara dos deputados e no senado federal, sob o título “considerações do
presidente da CTNBIO sobre a soja transgênica tolerante ao glifosate”,
que cito ao longo desta análise pelo seu caráter público, pela lógica da
minha argumentação e para esclarecer aos que me têm vilipendiado, ignorando os fatos e movidos por interesses que certamente não são compatíveis com o interesse público, nos quais me pautei durante quarenta e
um anos de profissão. Mais tempo do que a idade dos meus detratores.
“À CTNBIO cabe por força da lei emitir parecer conclusivo
a respeito da biossegurança do produto, ao final da análise de cada
processo a ela submetido com o objetivo de comercialização de produtos transgênicos. A CTNBIO analisa as solicitações citadas caso
a caso. A CTNBIO considera todos os questionamentos interpostos, mas não tem no processo de avaliação da comercialização de
produtos transgênicos, de acordo com a lei, que responder a cada
interlocutor que apresenta estes questionamentos. Ao interessado,
no caso a Monsanto do Brasil, coube, portanto, o ônus da prova de
que o seu produto (soja round up ready) não teria efeito deletério
Luiz Antonio Barreto de Castro
ao homem e ao meio ambiente. Neste processo, todas as relevantes
considerações tecidas pela SBPC, IDEC e Greenpeace foram encaminhadas à Monsanto, a quem cabe respondê-las na íntegra. As
respostas da Monsanto sempre estiveram disponíveis na CTNBIO
para exame destes signatários. Quando a CTNBIO concluiu o seu
exame do processo, ela emitiu seu parecer conclusivo no comunicado de nº54, publicado no Diário Oficial da União de 01/10/1998,
que responde a todas as questões relevantes formuladas pela sociedade”.
A primeira observação que compete fazer é que as decisões da
CTNBIO são públicas, não estabelecem jurisprudência como afirma a
decisão nº 99 do egrégio magistrado, juiz federal, Antonio Souza Prudente, já que a comissão analisa as solicitações dos interessados, caso
a caso. A segunda observação é que de fato à Monsanto coube, por lei,
o ônus da prova.
Por esta razão, todas as questões suscitadas pelas instituições que
analisaram o documento da Monsanto como o IDEC o Greenpeace e a
SBPC tinham que ser encaminhadas pela CTNBIO para serem respondidas pela Monsanto e não pela CTNBIO. A CTNBIO, como citado no
artigo do seu presidente, cabe, após completa análise da matéria, emitir
um parecer conclusivo que, como vamos demonstrar, responde a todas
as questões que são objeto desta ação.
Sobre a possibilidade de que espécies daninhas tolerantes ao
herbicida se desenvolvam, a partir da espécie transgênica esclarece o
comunicado nos itens 1.1 e 1.2 no capítulo referente às questões ambientais:
“A.1.1. A soja é uma espécie predominantemente autógama,
cuja taxa de polinização cruzada é da ordem de 1,0%. Trata-se de
espécie exótica, sem parentes silvestres sexualmente compatíveis no
Brasil. Assim sendo, a polinização cruzada com espécies silvestres no
ambiente natural não é passível de ocorrência no território nacional.
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Uma História Sobre a Ciência Brasileira
A.1.2. A soja é uma espécie domesticada, altamente dependente da espécie humana para sua sobrevivência. Portanto, não há
razões científicas para se prever a sobrevivência de plantas derivadas da linhagem GTS 40-3-2 fora de ambientes agrícolas. Além
disso, na ausência de pressão seletiva (uso do glifosate), a expressão
do gene inserido não confere vantagem adaptativa.”
A CTNBIO reconhece, em seu comunicado nº 54, que, de fato,
existem espécies que, por razões genéticas, são naturalmente tolerantes
ao glifosate. Entretanto, o uso do glifosate no Brasil, por mais de duas
décadas, não ocasionou o aparecimento de novas espécies daninhas,
como esclarece o comunicado:
“a.1.4. Existem, no Brasil, pelo menos três espécies conhecidas de plantas daninhas que são naturalmente tolerantes ao herbicida glifosate poaia branca (richardia Brasiliensis); trapoeraba
(commelina virginica); erva quente (spermacoce latifolia). A utilização do glifosate no Brasil não ocasionou, nas últimas décadas, o
aparecimento de outras espécies de plantas daninhas a ele tolerantes. A introdução de cultivares tolerantes ao glifosate não aumentará a pressão de seleção sobre as plantas daninhas, em termos de
concentração do glifosate (produto/área).”
Da mesma forma, a utilização de glifosate em associação com
o cultivar transgênico não aumentará a pressão de seleção sobre ervas
daninhas suscetíveis ao herbicida. Quanto à possibilidade de que a utilização do herbicida em associação com a cultivar transgênica tenha
efeito sobre a flora microbiana do solo, como suspeitam os cientistas da
SBPC, esclarece o comunicado:
A.1.5. Não há evidências de que a utilização rotineira do herbicida glifosate nas lavouras de soja no Brasil tenha efeito negativo
no processo de fixação biológica de nitrogênio. Esta observação está
Luiz Antonio Barreto de Castro
baseada em ensaios realizados por entidades governamentais e privadas brasileiras, onde o uso continuado do herbicida não afetou a
nodulação e a produtividade dos cultivares de soja.
Da mesma forma, com respeito ao possível efeito da cultivar sobre as populações de insetos, diz o comunicado em seu item 1.6:
A.1.6. Não há indicação de que o uso de cultivares derivados
da linhagem GTS 40-3-2 levará a alterações significativas no perfil
e na dinâmica de populações de insetos associados à cultura da soja
convencional.
A soja RR e as questões relativas aos riscos a saúde humana
Sobre as questões relativas à segurança alimentar, decorrentes
da utilização das cultivares transgênicas tolerantes ao glifosate, particularmente no que diz respeito à alergenicidade da soja transgênica,
questão apresentada pelos cientistas da SBPC, também o comunicado
da CTNBIO é peremptório em seu capítulo intitulado “elementos da
saúde humana e animal”:
A.2.1. A CTNBIO concluiu que a introdução do transgene
não altera as características da composição química da soja, com
exceção da acumulação da proteína transgênica cp4 epsps. Esta
conclusão de equivalência de composição química é baseada em
avaliações realizadas através de metodologia científica, publicadas
em revistas científicas indexadas e de circulação internacional. A
segurança da proteína cp4 epsps, quanto aos aspectos de toxicidade
e alergenicidade, também, foi comprovada. É importante registrar
que, após a utilização da soja geneticamente modificada e de seus
derivados na América do Sul, Central e do Norte; na Europa e na
Ásia, não foi verificado um só caso de desenvolvimento de reações
alérgicas em humanos que não fossem previamente alérgicos à soja
convencional. Adicionalmente, é importante registrar que indivíduos
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Uma História Sobre a Ciência Brasileira
sensíveis à soja convencional continuarão sensíveis à soja transgênica e, portanto, não deverão fazer uso deste produto.
A.2.2. A análise dos resultados descritos na literatura não
confirmou um possível aumento, na soja geneticamente modificada,
da concentração de proteínas que reagem com uma combinação de
soros de pacientes alérgicos à soja convencional. De fato, os artigos
científicos disponíveis e citados sobre a matéria mostraram que a
expressão do transgene não resultou no aumento dos níveis de proteínas reativas, especialmente daquelas de peso molecular próximo
a 30 kilodáltons, a uma combinação de soro de indivíduos sensíveis
à soja comercial (Burks and Fuchs, 1995, Journal of Allergy and
Clinical Immunology, 96: 1008-1010). Os autores do artigo científico acima mencionado afirmaram que “nossos estudos demonstram que a introdução do gene codificador da proteína epsps, que
confere tolerância à glifosate, não causou modificação discernível,
qualitativa ou quantitativamente, na composição de proteínas alergênicas endógenas de soja em qualquer dos cultivares resistentes à
glifosate analisados”.
Os cientistas da SBPC compararam o perfil eletroforético do
cultivar transgênico com o da linhagem GTS 40-3-2 doadora do
gene epsps que não é uma linhagem comercial e não possui proteínas alergênicas.
Por razões ainda não conhecidas, esta linhagem é de fácil
transformação, o que não ocorre com linhagens e cultivares de
soja; se tivessem comparado corretamente o perfil de linhagens
comerciais não transgênicas, que incluem proteínas alergênicas de
peso molecular variável, próximos de 30 kd, teriam verificado que
a soja transgênica é tão alérgica quanto a soja convencional, posto
que o nível de alergenicidade da cultivar transgênica é determinado
pelos sucessivos retrocruzamentos realizados com as sojas comer-
Luiz Antonio Barreto de Castro
ciais, após o cruzamento inicial realizado com a linhagem transgênica não comercial, para que a cultivar transgênica resultante readquira as características comerciais desejáveis para sua utilização
agrícola. Por isso, a conclusão dos cientistas Burks e Fuchs, publicada
no Journal of Allergy and Clinical Immunology,96: 1008 -1010, (1995)
transcrito no parecer conclusivo da CTNBIO:
“nossos estudos demonstram que a introdução do gene codificador da proteína epsps, que confere tolerância à glifosate, não
causou modificação discernível, qualitativa ou quantitativamente,
na composição de proteínas alergênicas endógenas de soja em qualquer dos cultivares resistentes à glifosate analisados”. (O grifo é
nosso.)
Este fato é evidenciado na prática pelo que afirma a CTNBIO em
seu comunicado também sobre a mesma questão suscitada pela SBPC.
Registre-se a preocupação da CTNBIO no sentido de esclarecer que os
indivíduos que são alérgicos à soja convencional o serão igualmente à
soja transgênica.
“é importante registrar que, após a utilização da soja geneticamente modificada e de seus derivados na América do Sul, Central
e do Norte; na Europa e na Ásia, não foi verificado um só caso de
desenvolvimento de reações alérgicas em humanos que não fossem
previamente alérgicos à soja convencional. Adicionalmente, é importante registrar que indivíduos sensíveis à soja convencional continuarão sensíveis à soja transgênica e, portanto, não deverão fazer
uso deste produto.”
O parecer da CTNBIO escreve, em 1998, uma página nova na
biossegurança mundial, que agora todos estão gradualmente adotando.
Sobre as críticas ao parecer da CTNBIO, mais uma vez citamos o
documento público de autoria do presidente da CTNBIO, publicado na
ocasião que, lamentamos, não tenha sido objeto de análise pelo autor da
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Uma História Sobre a Ciência Brasileira
Luiz Antonio Barreto de Castro
decisão judicial Antonio Souza Prudente nem dos deputados que, por incompetência má fé ou desespero, sistematicamente assinam agora cartas
que procuram manchar a imagem do presidente da CTNBIO, à época.
ainda assim, a CTNBIO estabeleceu, como consta do comunicado
supracitado, uma rigorosa estratégia de monitoramento dos plantios comerciais pelo período de cinco anos.
“a análise explicitada no comunicado supracitado revela sobejamente o tratamento prudente que a CTNBIO dedicou à matéria, regulamentando o procedimento a ser exercitado nos plantios
comerciais da soja em questão e não “desregulamentando-o”, como
se afirma. Termina a CTNBIO informando que todo o processo está
à disposição dos interessados no endereço da CTNBIO, o que mais
uma vez contraria as alegações que implicam não terem sido respondidas às relevantes considerações tecidas pelos signatários”.
Este monitoramento que, na prática, verificará pari-passu
qualquer possível efeito positivo ou detrimental de caráter ambiental (portanto, qualquer impacto ambiental negativo), decorrente do
uso do produto transgênico, se relaciona ao que em biossegurança
se denomina gerenciamento de risco ou risk management permitindo, por intermédio deste acompanhamento, a qualquer momento,
retirar o produto do sistema nacional de registro de cultivares e,
por conseguinte, do mercado de sementes e da indústria de alimentos, através dos órgãos de fiscalização e controle do ministério da
agricultura e do abastecimento. Vários exemplos práticos deste
procedimento, por razões outras que a utilização de transgênicos,
ocorreram na agricultura em nível nacional e mundial. Alguns
exemplos no Brasil são a ferrugem do café, a tristeza dos citrus e
o cancro cítrico. Em nível internacional, a helmintosporiose, fungo
que incidiu sobre todas as linhagens utilizadas na produção de híbridos de milho, obrigou a uma substituição mundial da genética
em uso e a phyloxera obrigou a França a substituir todos os seus
vinhedos por porta-enxertos resistentes ao fungo provenientes dos
Estados Unidos.
Também se afirma que “inexistem estudos de impacto ambiental em solo brasileiro, bem como é completo o desconhecimento
das consequências do consumo de alimentos geneticamente modificados na saúde do consumidor”. A soja em questão foi repetidamente testada em solos brasileiros nos últimos três anos e é cultivada
mundialmente em escala comercial nos Estados Unidos, Argentina
e Canadá, em uma área que é da ordem de 15 a 20 milhões de hectares. Seria preciso raciocinar por absurdo e concluir que todos os
países, principalmente desenvolvidos, que utilizam tal produto, e
outros da engenharia genética em saúde, agricultura e na indústria de fermentações, estariam submetendo suas sociedades a riscos
não avaliados. A produção mundial de soja transgênica tolerante ao
herbicida glifosato e de seus derivados nos países citados é superior
a toda produção de soja brasileira. Não há qualquer caso documentado de prejuízo à saúde humana como consequência do consumo
deste alimento geneticamente modificado.
Apesar de todos os elementos analisados pela CTNBIO indicarem que, do ponto de vista da biossegurança ambiental e alimentar, a utilização da soja transgênica não apresenta risco ambiental
ou à saúde humana, como explicitado em seu parecer conclusivo,
Tem sido também afirmado publicamente que a CTNBIO
não tem regras atinentes à segurança alimentar, comercialização
e rotulagem de transgênicos, o que não corresponde à verdade. Os
pedidos de liberação no meio ambiente de OGM são analisados com
base na instrução normativa no3, da CTNBIO, publicada no DOU
no221, seção 1, páginas 23.691 a 23.694, de 13.11.96. Estas normas
aplicam-se à liberação planejada no meio ambiente de vírus, células ou organismos multicelulares geneticamente modificados no
Brasil ou no exterior. Os impactos considerados nesta instrução
177
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Uma História Sobre a Ciência Brasileira
normativa incluem possíveis efeitos sobre a saúde humana e animal, impactos sobre outros organismos, sobre a segurança pública,
e sobre a qualidade e sustentabilidade do meio ambiente. Caso o
OGM venha a ser produzido para o consumo humano ou animal, as
questões da seção l da IN nº3, referentes a “organismos consumidos
como alimento”, são sempre consideradas. Pareceres técnicos de
outros países são sempre levados em consideração.”
Diante das considerações citadas, contestamos o raciocínio incluído no magnífico parecer do ilustre Procurador da República Dr.
Aurélio Veiga Rios, citado na sentença, parafraseando uma pesquisadora da open university na Grã-Bretanha, Mae-Wan-Ho, que nos conduz à conclusão de que todos os países, principalmente desenvolvidos,
que utilizam tal produto, e outros da engenharia genética em saúde,
agricultura e na indústria de fermentações, estariam submetendo suas
sociedades como cobaias, a riscos não avaliados.
Colocamos, no outro prato da balança, toda a comunidade científica de países como os Estados Unidos e o Canadá, que produzem
40% de toda a produção científica mundial, e da própria Organização
Mundial da Saúde para formular a simples pergunta:
Seriam os cientistas destes países irresponsáveis, omissos e
incompetentes a ponto de permitir a livre comercialização da soja
transgênica tolerante ao herbicida round up em seus países, submetendo suas populações aos riscos que se apregoam nesta decisão?
Acrescentamos, ao depoimento do presidente da CTNBIO, que
o Brasil terá que substituir toda a área plantada com cacau na Bahia,
particularmente em função da conhecida doença fúngica denominada
“vassoura de bruxa”. Terá igualmente que substituir gradativamente
toda a área cultivada com banana no país, em função de outra doença
fúngica que igualmente dizimará a bananicultura brasileira (como a
vassoura de bruxa, com relação ao cacau), denominada sigatoka negra, oriunda da América Central, à qual todas as cultivares de banana,
Luiz Antonio Barreto de Castro
em uso comercial no país, são susceptíveis. Louve-se o esforço extraordinário do Centro de Mandioca e Fruticultura da EMBRAPA, em
Cruz das Almas, que já tem cultivares resistentes a ambas as doenças
e já inicia o processo de substituição das lavouras citadas. Cabe ainda
considerar que problemas como os citados não são provocados pela
engenharia genética, como se argumenta na decisão com relação ao
milho, em relação à susceptibilidade ao fungo helmintorporium, que
causou grande prejuízo mundial, muito antes do advento da engenharia genética.
O parecer conclusivo da CTNBIO sobre a liberação da soja RR e a
obrigatoriedade prévia de estudo de impacto ambiental
Gostaríamos de enfatizar que a argumentação citada pelo presidente sobre a decisão da CTNBIO de fazer o monitoramento da soja
RR, após a comercialização, faz sentido por razões que são confidenciadas pelo autor da sentença quando afirma:
“nos meus quinze anos de magistratura federal e mais de
trinta de vida forense, posso testemunhar, por onde passei exercendo jurisdição - Acre, Rondônia e Pará (Santarém onde instalei a
justiça federal), a mais bárbara degradação ambiental de nossos
rios, flora e fauna diante da impotência e irresponsabilidade dos
órgãos governamentais”
Cabe à pergunta se, na experiência relatada, estudos de impacto
ambiental, que em muitos dos casos certamente foram realizados, tiveram o poder de impedir tal agressão ambiental.
O entendimento que motivou a decisão da CTNBIO é de que
o monitoramento científico, que será feito após a comercialização, de
forma absolutamente transparente, porque será realizado por especialistas “competentes e independentes”, como cita a decisão nº 99 (folha
33), corresponde a um verdadeiro e único possível estudo de impacto
ambiental, como afirma o presidente da CTNBIO:
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Uma História Sobre a Ciência Brasileira
Este monitoramento que, na prática, verificará “pari passu”
qualquer possível efeito detrimental de caráter ambiental (portanto qualquer impacto ambiental negativo) decorrente do uso do produto transgênico se relaciona ao que em biossegurança se denomina gerenciamento de risco ou “risk management”, permitindo, por
intermédio deste acompanhamento, a qualquer momento, retirar o
produto do sistema nacional de registro de cultivares e, por conseguinte do mercado de sementes e da indústria de alimentos, através
dos órgãos de fiscalização e controle do ministério da agricultura e
do abastecimento.
Os exemplos citados anteriormente atestam esta efetiva possibilidade. O monitoramento científico será realizado ainda que a
CTNBIO considere, com base na sua análise de risco preliminar e
nos ensaios experimentais de liberação planejada da soja round up
ready já realizados, que a “atividade não será potencialmente causadora de impacto ambiental”. Por esta razão, não solicita previamente estudo de impacto ambiental de acordo com o que estabelece
a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 225, parágrafo 1º, que
somente estabelece a aplicação de EIA neste caso:
IV- Exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação ambiental, estudo prévio de impacto ambiental. (O grifo é nosso.)
A CTNBIO entende que não há dano provável, como claramente explicita no parecer conclusivo, objeto do comunicado nº 54, citado
anteriormente; e, na fase experimental de liberação planejada do OGM
no meio ambiente, procedeu exatamente como preconiza a decisão 99
(folha 34):
Determinou que fossem realizados, “antes do uso comercial do
produto monitoramento fiscalizado, testes (quinze testes citados es-
Luiz Antonio Barreto de Castro
pecificamente neste documento) para só depois considerar a solicitação
da empresa Monsanto.
Obviamente que, se em qualquer dos testes houvesse dano
significativo à CTNBIO,não teria analisado a solicitação da empresa
Monsanto. Na verdade, a CTNBIO, neste particular, antes de examinar
o pedido da empresa Monsanto de liberação comercial da soja round
up ready, determinou procedimento experimental exatamente como o
IDEC estabelece em seu pedido de reconsideração às fls. 498/526:
Deve “o plantio da soja transgênica ser restrito ao necessário para realização de testes e do próprio EIA/RIMA em regime
monitorado e em áreas de contenção delimitada e marcada com
a vedação de que sejam comercializados os frutos obtidos com os
testes (fls. 496)”.
Portanto, cabe esclarecer que a CTNBIO procedeu, em termos
de biossegurança, exatamente como procedem todos os países do mundo que realizam avaliação de risco (“risk assessment”) e em absoluta
consonância com o que estabelece a sua Instrução Normativa nº 3, publicada no DOU nº 221, seção 1, páginas 23.691 a 23694 de 13/11/1996
que, para transgênicos, possibilita cumprir fielmente a resolução do
CONAMA nº 001/1986 ressalvadas apenas questões socioeconômicas,
que não fazem parte da legislação de biossegurança. Senão, vejamos:
Previamente à autorização dos ensaios experimentais de liberação planejada, no meio ambiente da soja resistente ao round up ready,
a CTNBIO realizou:
“uma análise dos impactos ambientais do projeto e de suas alternativas através da identificação, previsão da magnitude e interpretação da importância dos prováveis impactos relevantes, discriminando os impactos positivos e negativos (benéficos e adversos, diretos e indiretos imediatos e longo prazo temporários e permanentes, seu grau
de reversibilidade: suas propriedades cumulativas e sinérgicas”.
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Esta análise, que norteou previamente cada experimento realizado com a soja round up ready, foi seguida da supervisão dos ensaios de
campo até que a empresa Monsanto, tendo realizado ensaios genótipo/
ambiente em diferentes regiões representativas da área de produção de
soja no Brasil, solicitou liberação do transgênico em escala.
A CTNBIO interpretou esta solicitação como prenúncio de que
a empresa caminhava para produção comercial. Esta solicitação, que
correspondia à produção de sementes básicas de cultivares transgênicos
em diversas regiões particularmente em Goiás, não foi autorizada pela
CTNBIO, com se fosse mais um ensaio experimental, e deu margem a
que a Monsanto desse entrada, em junho de 1998, ao seu pedido de análise pela CTNBIO, com vistas à produção comercial da soja round up
ready. Estas áreas de cultivo de transgênicos passaram, (posteriormente
ao parecer favorável da CTNBIO), para a responsabilidade do Ministério da Agricultura e do Abastecimento, para cumprir as formalidades da
Lei de Cultivares nº. 9456 de 25/04/1997.
A CTNBIO entendeu, entretanto, que não poderia realizar uma
verdadeira avaliação de impacto ambiental, em nível de cultivos comerciais, com base em avaliações experimentais e a partir da elaboração de
um EIA, na forma como estabelece o IDEC, em sua reconsideração, ou
à própria resolução nº 001 do CONAMA. Diga-se de passagem, que o
CONAMA nunca estabeleceu, até o momento, qualquer especificação
sobre como realizar estudos de impacto ambiental com plantas transgênicas. A CTNBIO entendeu, de acordo com a sua instrução normativa
nº 3, que os ensaios experimentais, em pequena escala, não poderiam
ser extrapolados para uma escala comercial. Daí, a proposta da CTNBIO de realizar monitoramento científico de cultivos em escala comercial, embora em nenhum dos mais de dez países em que os cultivares
round up ready foram liberados para comercialização, tal solicitação
tenha sido apresentada a qualquer empresa, como pré-requisito para tal
comercialização deste ou de qualquer dos seus cultivares transgênicos,
Luiz Antonio Barreto de Castro
de um modo geral. Realmente, como diz a sentença 99:
“a simples realização do EIA, demonstrando os acertos de
suas premissas ambientais, daria à Monsanto e à CTNBIO o
argumento definitivo sobre o assunto, afastando qualquer dúvida
sobre eventuais efeitos danosos decorrentes do descarte deste OGM
no meio ambiente”.
A CTNBIO não entendeu desta forma. A nosso ver, considerou
insuficiente a realização de um EIA no formato tradicional, o que, em
grande parte, já teria sido satisfeito pela fase experimental de liberação
comercial da soja round up ready, como descrevemos.
Assim, a Monsanto foi obrigada a atender a CTNBIO como determinado em seu parecer conclusivo, porque este parecer é cientificamente lógico e seguro, do ponto de vista da biossegurança da atividade.
Diz o parecer conclusivo da CTNBIO, neste particular:
B.1. A CTNBIO determina que o monitoramento dos plantios comerciais dos cultivares de soja derivados da linhagem GTS
40-3-2 deverá ocorrer por um período de cinco anos, com o objetivo
de proceder a estudos comparados das espécies de plantas, insetos e
microrganismos presentes nas lavouras. A verificação de eventuais
alterações consideradas significativas para a biossegurança poderá
resultar na suspensão imediata dos plantios comerciais.
B.2. A solicitante se comprometerá a viabilizar áreas de plantio e se responsabilizará pelo monitoramento científico, necessário
para a geração de informações complementares, que serão supervisionadas por técnicos especializados nomeados pela CTNBIO. As
informações deverão ser obtidas concomitantemente ao plantio comercial da cultura. As áreas, suas localizações e dimensões, serão
estabelecidas conjuntamente pela CTNBIO e pela Monsanto do
Brasil Ltda., e deverão localizar-se em regiões edafo-climáticas representativas da cultura da soja.
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184
Uma História Sobre a Ciência Brasileira
B.3. O monitoramento da área contemplará:
B.3.1. A variação da composição específica da comunidade de
plantas daninhas da área, sendo necessário incluir a composição e
magnitude da reserva de sementes no solo, como parte da avaliação;
B.3.2. A eventual incidência de plantas daninhas “escape”
determinando se a resistência ao herbicida glifosate resultou da
transferência do transgene;
B.3.3. A avaliação periódica da dinâmica populacional de organismos indicadores: insetos, patógenos e microrganismos fixadores de nitrogênio e solubilizadores de fosfatos;
B.3.4. O envio do relatório anual à secretaria executiva da
CTNBIO, até o dia 15 de junho seguinte ao ano agrícola específico.
B.4. As áreas de monitoramento serão franqueadas a auditoria científica pela sociedade civil organizada interessada, mediante
autorização prévia da CTNBIO e com a presença de fiscal do ministério da agricultura.
B.5. A solicitante informará na embalagem do produto que,
eventualmente, os usuários da nova tecnologia poderão receber visitas técnicas da CTNBIO, nos termos definidos anteriormente.
C. A CTNBIO reserva-se ao direito de rever, sempre que, justificadamente, julgar necessário, as diretrizes listadas no item b.
O Ministério da Agricultura e do Abastecimento e o da Ciência e
Tecnologia, por meio da CTNBIO, são responsáveis pela aprovação das
diretrizes que deverão ser seguidas pelos responsáveis, na realização do
monitoramento e na sua supervisão. O monitoramento será realizado por
profissionais competentes e independentes cujos currículos e experiência pregressa serão examinados e previamente aprovados pela CTNBIO. A
empresa Monsanto viabilizara as áreas, como consta do parecer conclusivo da CTNBIO, e arcará com os custos do monitoramento científico.
Ficou entendido, na última reunião da CTNBIO, que os responsáveis pela
Luiz Antonio Barreto de Castro
realização do monitoramento não poderão ser membros da CTNBIO, para
garantir a independência do processo, já que os membros da CTNBIO se
posicionaram quanto às possibilidades de risco da atividade.
A sentença judicial contesta, a nosso ver, uma das medidas
mais importantes da CTNBIO, em seu parecer conclusivo, no sentido de regulamentar o uso comercial do cultivar transgênico roundup ready, que é o citado monitoramento científico de plantios comerciais da soja transgênica, em questão. Ressaltamos, mais uma
vez, que nenhum dos países que utilizam comercialmente a soja
transgênica round up ready fez esta exigência à empresa Monsanto
ou realizou tal monitoramento proposto pela CTNBIO. Propugna
a sentença judicial de forma simples e reticente diante da complexidade da biologia que:
“se o produto é realmente seguro não há razão para submetêlo a um monitoramento com regras que revelam o perigo do dano
ambiental”.
Vamos rever os objetivos do monitoramento científico, conforme
consta do parecer conclusivo da CTNBIO. O monitoramento tem:
“o objetivo de proceder a estudos comparados das espécies
de plantas, insetos e microrganismos presentes nas lavouras. A verificação de eventuais alterações consideradas significativas para a
biossegurança poderá resultar na suspensão imediata dos plantios
comerciais.
Já argumentamos anteriormente que a interrupção de plantios comerciais é possível e viável, desde que alterações, que indiquem qualquer possibilidade de dano, sejam verificadas. Por outro lado, como os
estudos são comparados e, neste caso, aos métodos convencionais não se
pode descartar a possibilidade de que ocorram impactos positivos,como
estabelece a resolução do CONAMA. Estudo recente, divulgado pela
aenda - Associação das Empresas Nacionais de Defensivos Agríco-
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Uma História Sobre a Ciência Brasileira
las, constatado por todos os agricultores gaúchos, reconhece que a utilização de tecnologia round up em associação com o plantio direto da
soja transgênica resultará na eliminação de vários herbicidas utilizados
habitualmente na produção tradicional da soja no Brasil, entre os quais,
herbicidas de pré-emergência e seletivos de pós-emergência para ervas
daninhas de folha larga e estreita. Esta eliminação poderá, sem dúvida,
ser benéfica para a microbiota do solo.
É de interesse da CTNBIO verificar se há de fato fluxo significativo do gene que confere tolerância ao glifosate para outras cultivares
de soja, o que é indesejável para a empresa do ponto de vista comercial.
Os efeitos sobre os insetos benéficos e insetos pragas são de baixíssima
probabilidade de ocorrência bem como o fluxo gênico para outras ervas
daninhas cuja probabilidade de ocorrência é praticamente nula, para
não falar para as espécies silvestres de soja, que somente ocorrem na
China, centro de origem da soja.
Ainda assim, os estudos cumprirão tudo o que foi determinado
pela CTNBIO. As informações constituem um acervo científico importante do ponto de vista da biossegurança e mais que tudo oferece
a oportunidade de um exercício efetivo de monitoramento cientifico
com transgênicos em escala comercial, o que certamente estabelecerá
uma experiência científica importante e inédita, colocando o Brasil na
liderança das pesquisas em biossegurança. Por todas as razões citadas,
a determinação da CTNBIO é mais estimulante do ponto de vista científico e de biossegurança. Entretanto, se for sentença do julgamento do
mérito desta ação cautelar, que se proceda ao EIA tradicional, em lugar
do monitoramento científico, simplifica-se, perigosamente, a responsabilidade da empresa Monsanto, a quem caberá cumprir tal determinação judicial.
Cabe ainda considerar que também incumbe ao Estado constitucionalmente promover e incentivar o desenvolvimento científico, a
pesquisa e a capacitação tecnológicas tendo, em vista o bem público
Luiz Antonio Barreto de Castro
e o progresso das ciências bem como o desenvolvimento do sistema
produtivo nacional (art.218 parágrafos 1o e 2o, CF).
A decisão da CTNBIO sobre a soja RR, o princípio da precaução e a
questão da rotulagem de transgênicos
Outra questão, objeto da sentença, diz respeito ao princípio da
precaução. O documento do presidente da CTNBIO, citado anteriormente sobre este assunto, convoca relatório dos representantes do Ministério da Ciência e Tecnologia, quando este assunto foi objeto de um
longo debate, na última reunião da conferência das partes relativa à
convenção da diversidade biológica em Cartagena, e um dos motivos
que resultaram em um impasse ao cabo do qual não houve consenso e
todos os países voltaram de mãos vazias. Diz o presidente da CTNBIO,
em seu documento:
“várias alegações são feitas contra a utilização de transgênicos em geral, por organizações não governamentais, com base no
princípio da precaução. Este princípio, que não faz parte da legislação de biossegurança brasileira nem de nenhum dos artigos da
Convenção da Diversidade Biológica- CDB, a não ser do seu preâmbulo. Não é um princípio de aceitação de todos os países, pelas
razões que se seguem. Diz o princípio, como literalmente traduzido
do preâmbulo da CDB:
“onde há uma ameaça de redução significante ou perda de
diversidade biológica, a falta de total certeza científica não deveria
ser utilizada como uma razão para adiar medidas para evitar ou
minimizar tal ameaça”.
Uma das maiores dificuldades para adoção do princípio de
precaução por instrumentos legais de todos os países é que a história da ciência, particularmente das ciências biológicas, não convive
com o que se denomina total certeza científica – “full scientific certainty”. Nunca houve absoluta certeza científica em ciência biológica
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Uma História Sobre a Ciência Brasileira
e nunca haverá. Baseado neste princípio, os produtos transgênicos
para a saúde ou para a agropecuária nunca seriam utilizados no
mundo. A ciência biológica, em geral, e a engenharia genética, em
particular, operam com níveis favoráveis de probabilidade quando atuam em atividades de risco e minimizam tais riscos com as
estratégias de precaução(diferente do princípio de precaução) que
foram adotados mundialmente em biossegurança, desde meados
da década de 1970, após a conhecida Conferência de Azilomar na
Califórnia, que estabeleceu tais princípios através de instrumentos
produzidos pelo High - National Institute of Health. São estes os instrumentos com que opera a CTNBIO: “risk assessment”- avaliação
de risco e “risk management” gerenciamento de risco. Exercitando-se tais princípios corretamente, como faz a CTNBIO e muitos
institutos semelhantes no mundo, nunca qualquer produto transgênico causou prejuízo ambiental ou à saúde humana. O único caso
conhecido, e citado continuamente, de prejuízo à saúde humana,
ocorrido no Japão, em decorrência da utilização comercial de triptofano, a partir de uma bactéria transgênica, ocorreu precisamente
por causa da não observância destas estratégias de precaução. Portanto, não há em ciência que possa contestar a assertiva apresentada pelas ONGS:
“não é porque ainda não há prova de que ela (referindo-se
à soja) possa comprometer a saúde humana no presente, que essa
soja geneticamente alterada pode ser considerada inofensiva para
o ser humano”.
Embora todos os argumentos de análise que a CTNBIO utilizou, em nível nacional e mundial, que se apoiam em sólida base cientifica quanto ao uso comercial da soja, sejam amplamente favoráveis
à inexistência de risco ambiental ou humano, do ponto de vista probabilístico, não há qualquer cientista no mundo que possa afirmar que a
soja venha a ser prejudicial a alguém no futuro ou o contrário.
Luiz Antonio Barreto de Castro
Aplicado à Convenção da Diversidade Biológica, como estabelece
a decisão judicial em sua argumentação, por todas as razões que constam
do parecer conclusivo da CTNBIO, o princípio não foi agredido porque
o risco da soja transgênica afetar a diversidade biológica brasileira foi
considerado de baixíssima probabilidade, respeitadas as considerações de
caráter filosófico/cientifico, feitas pelo presidente da CTNBIO.
“a CTNBIO, por lei, tem a prerrogativa de decidir se deseja
realizar qualquer estudo de impacto ambiental relativo a organismos transgênicos. Diz o artigo 2o inciso xi do Decreto 1752 que regulamenta a lei de biossegurança 8974/95: “compete à CTNBIO:
exigir como documento adicional, se entender necessário, Estudo
de Impacto Ambiental (EIA) e respectivo Relatório de Impacto no
Meio Ambiente (RIMA) de projetos e aplicação que envolvam a
liberação de OGM no meio ambiente, além das exigências especificas para o nível de risco aplicável”. Grifamos as palavras “documento adicional e, se entender necessário” para que o público
compreenda que a CTNBIO pode, de acordo com a lei, decidir sem
solicitar os documentos adicionais citados, e os solicitará se entender necessário. Isto se aplica a situações em que a CTNBIO não
tenha elementos suficientes para chegar a uma conclusão com as
informações disponíveis. A CTNBIO entendeu que estes documentos não eram necessários, no caso da soja transgênica resistente
ao herbicida round up e é perante a opinião pública, responsável
por tal decisão. A CTNBIO analisou a questão da soja transgênica
resistente ao herbicida round up exaustivamente. Acompanhou a
sua evolução experimental e liberação comercial em todo o mundo. Analisou todas as evidências relativas à sua segurança para a
alimentação humana e animal e liberação ambiental. Não encontrou nenhuma evidência real que justificasse a não aprovação do
seu uso em escala comercial no Brasil. Nenhum argumento apresentado pelo IDEC, ou pelos cientistas que representaram, nesse
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Uma História Sobre a Ciência Brasileira
episódio a SBPC, ou por qualquer outra organização interessada
deixou de ser analisado criteriosamente. Ainda assim, a CTNBIO
vai acompanhar, sobre diversos aspectos, o uso comercial da soja
e de qualquer outro produto transgênico que venha a ser liberado
comercialmente no Brasil, porque esta estratégia, como já dissemos
anteriormente, faz parte da conduta correta de gerenciamento de
risco do ponto de vista da biossegurança, embora nem todos os países adotem tal postura. A CTNBIO não está sozinha nesta posição.
Da mesma forma, decidiram países como os Estados Unidos, Canadá, México, Argentina, para citar apenas alguns que já liberaram a
soja citada para plantio e que já ocupa cerca de 15 milhões de ha.
A CTNBIO tem absoluta convicção que sua decisão não fere nem a
constituição, nem a Eco 92, simplesmente porque nenhuma degradação ambiental advirá do uso comercial da soja em questão pelo
fato da soja ser transgênica. Não creio que a comunidade científica brasileira, especializada no tema, discorde, em sua maioria, da
decisão da CTNBIO. Como também não discordam as academias
de ciências dos Estados Unidos, do Canadá e, por último, da Inglaterra (ver UK Royal Society em seu documento “Embargoed Until,
2 september 1998 – Genetically Modified Plants”.); entretanto, há
sempre opiniões conflitantes. Lembrem-se da saga de Galileu, de
Oswaldo Cruz, quando fazia as primeiras campanhas para erradicar a febre amarela. Cientistas renomados morreram no Brasil
negando a existência dos genes. A realidade é que a comunidade
científica dos países, em que esta soja está sendo utilizada comercialmente, não estaria silente se os que discordaram da decisão da
CTNBIO tivessem razão. A CTNBIO opera de forma absolutamente pública. Todos os processos e decisões da CTNBIO são públicos.
O que a opinião pública precisa também saber é que existe uma
campanha mundial liderada pelo Greenpeace, que não nega esta
liderança, para impedir o desenvolvimento da biotecnologia e em
Luiz Antonio Barreto de Castro
particular das plantas transgênicas de uso agrícola no mundo. Embora os primeiros produtos da engenharia genética de plantas sejam plantas resistentes a herbicidas, os próximos produtos, que já
estão sendo cultivados em áreas próximas de 10 milhões de há em
alguns países do mundo, serão, em muito curto prazo, responsáveis
pela redução de inseticidas, que hoje custam à agricultura mundial
cerca de 10 bilhões de dólares, sem falar nos problemas ambientais decorrente do seu uso. A conta que o Brasil paga anualmente
pelo uso de agrotóxicos é de cerca de 2.5 bilhões de dólares. Não é
possível competir desta forma. A biotecnologia será portanto responsável por uma agricultura que resolverá os seus problemas pela
via biológica e não química. Muitas das grandes empresas multinacionais, que sempre utilizaram produtos químicos para o combate
a doenças e pragas da agricultura, adotam agora a via biológica.
Outras certamente seguirão a mesma trajetória em futuro próximo. Não há alternativa. A transformação da agricultura química
em uma agricultura biológica, que substitui o nitrogênio químico
pela fixação biológica do nitrogênio, como fez o Brasil com a soja,
e que terá plantas resistentes a insetos e a fungos, ao invés de utilizar inseticidas e fungicidas, para citar apenas alguns exemplos, não
será instantânea. Ela está ocorrendo gradualmente, mas felizmente
ocorrerá de forma inevitável. Alguns ainda relutam. Que interesse
os motiva? Espero que não sejam os mesmos adeptos da revolução
verde que, no passado, incentivaram uma agricultura fortemente dependente de insumos químicos, produzidos em boa parte na
Europa, precisamente agora o berço das principais reações contrárias à biotecnologia aplicada agricultura, e que ainda pratica
esta versão de agricultura do passado e por, esta razão, subsidiada
e sem capacidade de competir internacionalmente. Vai haver no
mundo espaço para mercados diversos. Embora a CTNBIO não
tenha em seu mandato o direito de atuar em outra área, que não
191
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Uma História Sobre a Ciência Brasileira
a que se relaciona com a biossegurança, não cabendo, portanto, à
comissão analisar aspectos de mercado. É obvio que, se persistirem
preferências por produtos não transgênicos em “mercados importantíssimos” como afirma o IDEC em seu documento, certamente
será tecnicamente possível atendê-los. Basta que os preços sejam
compensadores; isto já ocorre em um crescente mercado, que é a
chamada agricultura orgânica”.
Sobre a rotulagem, a CTNBIO observa com interesse a iniciativa
do executivo no sentido de encontrar uma solução para a rotulagem
de produtos transgênicos, que satisfaça o Código de Defesa do Consumidor particularmente quanto ao seu artigo nº 31, ponto de vista do
presidente da CTNBIO, sobre este assunto em seu documento público,
já citado.
Finalmente, motivados por estes argumentos, cabe contestar a
expectativa absolutamente apocalíptica que consta da decisão de que a
engenharia utiliza genes alienígenas,
“que darão origem a uma esquisita civilização de “aliens hospedeiros” com fisionomia peçonhenta, a comprometer definitivamente, em termos reais, e não fictícios, a sobrevivência das futuras
gerações de nosso planeta”.
Onde estão no mundo estes seres? A prevalecer tal expectativa,
compromete-se o futuro da biotecnologia tão necessária ao desenvolvimento do país. A afirmação revela um total desconhecimento da engenharia genética, que nunca utilizou um gene que não fosse meticulosamente caracterizado e conhecido, da mesma forma que o produto de sua
expressão, as proteínas, cuja função bioquímica se apoia em décadas de
estudos científicos. Diferente é o mundo da síntese química, que fabrica
remédios e agrotóxicos, estes sim absolutamente desconhecidos dos organismos vivos e seus metabolismos não sendo, portanto, surpreendente que, nas bulas dos remédios e agrotóxicos, estes sempre venenosos,
sejam incluídas laudas e laudas de contraindicações o que, entretanto,
Luiz Antonio Barreto de Castro
não impede o seu uso indiscriminado, particularmente recomendado
e defendido por empresas europeias, que dominam estes mercados e
são as maiores opositoras à engenharia genética, na área de plantas; e
“curiosamente”, não na área da saúde, que utiliza a mesma engenharia
genética, mas que neste caso constitui seu interesse comercial.
–
9.3 - A verdade sobre a campanha:
Por um Brasil livre de transgênicos
Luiz Antonio Barreto de Castro*
Existe uma campanha que se intitula “Por um Brasil Livre de
Transgênicos” que tem como representante, no Legislativo, um deputado federal do PV, pelo estado da Bahia que recentemente liderou uma
campanha: “Fora Barreto” para forçar a minha demissão do Cenargen, EMBRAPA Recursos Genéticos e Biotecnologia, que dirijo desde
janeiro de 2000. Sem apoio da Diretoria Executiva da EMBRAPA, que
me hipotecou solidariedade, ele e mais dezessete deputados (alguns retiraram suas assinaturas) protocolaram ofício ao Presidente da República, no início de julho, pedindo o meu afastamento do CENARGEN, sob
o argumento de que sou uma ameaça à soberania do país. Com relação a
esta última campanha, já manifestei o meu ponto de vista ao Presidente
da República, em carta protocolada em seu Gabinete. Anexei o Anuário
da Academia Brasileira de Ciências - Novos Membros 2003, no qual,
nas páginas 70-73 há uma síntese do meu curriculum vitae, para que ele
possa verificar que estudo biologia há quarenta e dois anos, dos quais
trinta foram dedicados à biologia molecular e para que ele veja também
a quem tenho servido todos esses anos.
193
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Uma História Sobre a Ciência Brasileira
Esta resposta, entretanto, não é adequada, porque mais uma vez
sou agredido no que tenho de mais precioso na vida: a minha honra e
credibilidade profissional, e não na minha competência. O que o deputado Edson Duarte, que não conheço, não relata quando fala nas
tecnologias avançadas que o CENARGEN desenvolve, é que em 1980
vim para o CENARGEN exatamente para construir, nessa instituição, a
biotecnologia agropecuária do país e, recentemente, nos últimos quatro
anos, a sua área genômica, com sucesso. O meu primeiro projeto no
CENARGEN, na Embrapa, foi melhorar a qualidade da proteína do
feijão e a dieta das populações mais pobres do Brasil, transferindo um
gene da castanha do Pará. Este produto nunca foi liberado por razões
de biossegurança, porque existem pessoas alérgicas à proteína da castanha do Pará. Como consequência deste trabalho, entretanto, o CENARGEN, no qual exerço atualmente a posição de Chefe Geral, clonou e
expressou o primeiro gene de planta no Brasil, em 1991.
Não existe uma frase verdadeira no que afirma o deputado contra
mim e contra a CTNBIO. Todas as decisões da Comissão, cuja maioria
dos seus integrantes é de cientistas com doutorado, são públicas e foram apoiadas na melhor ciência, inteiramente em consonância com as
decisões tomadas mundialmente. Não há um argumento de qualidade
científica nas campanhas do Greenpeace do IDEC e da ASPTA, em suas
críticas aos transgênicos liberados comercialmente, até hoje, em todo
o mundo. Os argumentos foram desmoralizados com ciência e estes
argumentos científicos nunca foram contestados. Em quase dez anos
de uso absolutamente generalizado da soja RR no mundo, nunca houve
qualquer efeito prejudicial à saúde humana ou ao meio ambiente, o que
evidencia que a CTNBIO e o resto do mundo estavam certos. Para verificar os impactos ambientais desta soja, no Brasil, é fácil: basta visitar
3 milhões de hectares no Rio Grande do Sul e verificar que os impactos
são positivos. Durante oito anos no MCT, tentei afastar as ideologias
políticas das decisões da Biotecnologia no Brasil e colocar no seu lu-
Luiz Antonio Barreto de Castro
gar a ciência, sem sucesso. A minha posição a favor de transgênicos,
quando avaliados positivamente pelas regras de biossegurança, não é
radical, é científica, e pode mudar, se cientificamente for convencido do
contrário. Gostaria que a campanha apontasse uma, apenas uma, consequência prejudicial ao meio ambiente ou à saúde humana decorrente
das decisões da CTNBIO. Fui acusado de corrupção como todos os
membros da CTNBIO exatamente por integrantes desta campanha que
não serve aos interesses do país. Esta facção radical, que inclui o deputado autor da campanha, e que não existe somente no PV, acusa, julga
e condena com base em ótica fascista própria. Se alguém contraria seus
argumentos é corrupto e contra os interesses do país; uma ameaça à
soberania do Brasil. Têm eles o privilégio e a exclusividade da honestidade? O Presidente Lula não perde por esperar. Se algum dia seguir
pelo caminho que escolhi, de defender cientificamente os transgênicos,
estará imediatamente a serviço das multinacionais. Os brasileiros têm
que respeitar a competência científica de suas instituições. Particularmente, a EMBRAPA, que tenho orgulho de ter servido por duas décadas. É ofensivo ouvir sempre, quando os nossos cientistas negociam
com multinacionais, que eles são corruptos e/ou incompetentes e ter o
CENARGEN invadido pelo MST, como ocorreu ano passado.
O bom senso, que adotei por toda a vida, não deixa dúvida de
que países como os Estados Unidos, Argentina, Canadá, Austrália,
Nova Zelândia, China e Índia, que produzem mais de 50% da ciência
do mundo, não submeteriam suas populações a uma aventura. Portanto,
quando decidimos sobre a questão de transgênicos na CTNBIO, tínhamos clareza sobre as nossas decisões e não, como diz o deputado e
a campanha “Por um Brasil Livre de Transgênicos”, submeteríamos a
sociedade brasileira a experiências como cobaias. Se estávamos errados, pelo menos temos o consolo de ver ao nosso lado vinte prêmios
Nobel; oito Academias Nacionais de Ciência; a FAO e a Organização
Mundial da Saúde. Se estávamos errados, mais uma vez, peço que me
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196
Uma História Sobre a Ciência Brasileira
mostrem uma, somente uma vítima; um problema ambiental causado
pelos transgênicos, que não são inerentemente seguros, mas que, após
avaliação cuidadosa de risco, como fizemos na CTNBIO, podem ser
liberados com segurança no nosso país; mais até do que o que observamos no mundo. Cegos à realidade, os adeptos da campanha “Por Um
Brasil Livre de Transgênicos” preferem ignorar os milhões de hectares
cultivados com a soja RR no Rio Grande do Sul e na Argentina, que só
trouxeram benefícios econômicos para os agricultores e para o meio
ambiente dessas regiões, reduzindo drasticamente o banco de sementes
de ervas daninhas no solo, que não eram mais controladas pelos herbicidas de pós-emergência em uso, sem falar nos prejuízos que estes herbicidas causavam à cultura do trigo subsequente a da soja no Rio Grande
do Sul e sem falar na redução da erosão do solo, que esta tecnologia
possibilita em associação com o plantio direto.
Este desabafo, Senhor Presidente, não foi o que me estimulou
a escrever esta carta. Se eu estivesse apenas diante de uma campanha
pessoal trataria disto sozinho, sem buscar solidariedade onde quer que
fosse, como sempre tenho feito na vida, responsável por minhas atitudes, segundo a visão de Exupéry em Terras dos Homens, segundo a
qual ser homem é ser responsável.
O que me levou a escrever esta carta é a minha responsabilidade
pública. Ficou evidente aos autores da Campanha “Por um Brasil Livre
de Transgênicos” que destruir o ex-presidente da CTNBIO não possibilitaria a eles alcançar seus objetivos. Assim, eles mudaram de tática.
Primeiro o site do Greenpeace recrudesce os ataques à minha pessoa,
como ex-Presidente da CTNBIO (o que é irrelevante neste momento)
mas relata, o que é importante, que o deputado Edson Duarte, no dia 22
de julho, em pronunciamento na Câmara, anunciou que estaria dando
entrada a uma representação junto ao Ministério Público Federal e solicitando abertura de investigação à Controladoria Geral da União, com
Luiz Antonio Barreto de Castro
o objetivo de revisar a decisão da CTNBIO, favorável à liberação da
soja transgênica resistente ao herbicida glifosate, em setembro de 1998.
Com efeito, chegou ao meu conhecimento o Requerimento Nº 729/03,
eivado de mentiras, de autoria do deputado Edson Duarte, apresentado
à Câmara dos Deputados, sugerindo nova análise do processo de liberação. O documento corta e cola frases soltas de notas taquigráficas da
última reunião (5a Extraordinária), sobre este tema, em 1998, para criar
a mentirosa ilusão de que a CTNBIO tratou esse assunto de forma incompetente e irresponsável, sob minha coação totalitária .
Em cinco anos, aprendi como funcionam essas artimanhas jurídicas e advirto aos integrantes da CTNBIO, como farei no Legislativo
e junto às autoridades do Executivo e do Judiciário, sobre a estratégia
que a campanha supracitada pretende desenvolver, utilizando o deputado Edson Duarte. O mais alto escalão do governo do Presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, com sabedoria, decidiu tratar o assunto transgênicos sob a ótica da ciência, sem ideologismos e politicagens, o que
conduzirá, estou certo, a uma decisão na forma de um projeto de lei
que, aprovado, nos libertará desta moratória judicial que, há cinco anos,
aprisiona a agricultura e mais recentemente a ciência.
Este entendimento entre o Executivo e o Legislativo precisa ser
neutralizado pelos advogados das campanhas “Por um Brasil Livre de
Transgênicos e Fora Barreto” que são, na verdade, a mesma campanha.
Sabedores de que não há nenhuma argumentação científica consistente
que possam utilizar para se opor às decisões da CTNBIO e da fraqueza de sua posição, diante da evidência clara de que não há qualquer
efeito prejudicial que possam apresentar a respeito da soja em questão,
em um gesto desesperado, vão tentar os artífices da campanha citada:
neutralizar este consenso que se aproxima, via imprensa e Ministério
Público, tentando reverter a decisão da CTNBIO que terá, assim, sua
credibilidade questionada com a violência costumeira. O Ministério
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Uma História Sobre a Ciência Brasileira
Luiz Antonio Barreto de Castro
Público terá certamente um representante esperando de braços abertos
esta iniciativa para endereçá-la a um Juiz que, como já aconteceu no
passado, com uma liminar, poderá impedir o exercício do projeto de lei,
que venha a ser aprovado pelo Legislativo , e estender a moratória por
mais cinco anos.
integrantes da CTNBIO, com quem tive a honra de trabalhar por quatro
anos, que o fizeram, com grande sacrifício de suas carreiras profissionais, e, finalmente, a própria CTNBIO, com o objetivo claro de perpetuar a moratória que, sob a égide dessa campanha, abate a agricultura
brasileira há cinco anos, com prejuízos incalculáveis para o país.
No passado, o Juiz que interrompeu o desenvolvimento da Biotecnologia agropecuária, no Brasil, por este caminho que acabo de descrever, refere-se aos transgênicos em sua “sentença” como organismos
“que darão origem a uma esquisita civilização de aliens hospedeiros com fisionomia peçonhenta, a comprometer definitivamente, em
termos reais, e não fictícios, a sobrevivência das futuras gerações
de nosso planeta”. É óbvio que esta visão apocalíptica e ridícula que,
entretanto, tirou o sono de muitos, nunca se materializou. O objetivo
maior, entretanto, foi alcançado: cinco anos de obscurantismo. A meta
no curto prazo da campanha “Por um Brasil Livre de Transgênicos”,
(curiosamente o Brasil não é com Z), neste momento, é impedir que o
Rio Grande do Sul plante legalmente a soja RR. Para tal, basta suscitar
a dúvida. Criar a falsa impressão de que todo o trabalho sério realizado
pela CTNBIO foi na verdade uma grande conspiração para atender aos
interesses das multinacionais, a serviço do que todos na CTNBIO desonestamente se curvaram sob a batuta diabólica do Presidente da CTNBIO. Pinçando na 5ª Reunião Extraordinária, realizada em setembro de
1998, frases soltas, fora do contexto, tentam dar falsa impressão que
tudo foi feito em três meses, enquanto, no mundo, este assunto levou até
cinco anos. Assim, Senhor Presidente, como cidadão brasileiro, solicito
formalmente, em nome do interesse público, cópia de todas as Atas, de
todas as Reuniões Ordinárias e Extraordinárias, que constituem toda a
história da CTNBIO, inclusive as que sucederam ao Comunicado relativo à liberação da soja RR, publicado em Outubro de 1998, para que,
sozinho, se for o caso, eu tente desmoralizar esta campanha sórdida,
que procura comprometer, a mim principalmente, mas também àqueles
* Membro da Academia Brasileira de Ciências
9.4 - ALCIDES CARVALHO - (1913 - 1993)
Entrevista concedida a Vera Rita da Costa (Ciência Hoje).
Publicada em julho de 1987.
Há 52 anos Alcides Carvalho se dedica ao estudo da genética, da
evolução e do melhoramento do café. Em 1935, recém-formado pela
Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), em Piracicaba
(SP), foi convidado para trabalhar no Instituto Agronômico de Campinas
(IAC), onde Carlos Arnaldo Krug organizava a Seção de Genética,
concentrando esforços no estudo do cafeeiro e do milheiro. Alcides
começou então a colaborar no “Plano geral de estudos do cafeeiro”,
que previa o estudo das populações dessa planta e dos seus mecanismos
de reprodução, análises genéticas e citológicas e pesquisas relacionadas
à fisiologia, à química e à tecnologia do produto. Praticamente todos
os cultivares plantados atualmente no Brasil tiveram origem na Seção
de Genética do IAC, de que esse pesquisador foi chefe de 1948 a 1981.
Doutor honoris causa pela Esalq, agraciado com o Prêmio Nacional de
Ciência e Tecnologia em 1982, Alcides Carvalho recebeu, em 1983,
quando de sua aposentadoria compulsória, aos 70 anos, uma homenagem
especial: o Estado de São Paulo considerou-o “servidor emérito”, o que
lhe permite continuar pesquisando e formando pesquisadores.
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Uma História Sobre a Ciência Brasileira
Gostaríamos, inicialmente, que nos falasse sobre sua origem e
contasse como nasceu sua vocação científica.
Na minha família ninguém trabalhava com pesquisa. Meu pai
foi administrador de uma fazenda de café e posteriormente trabalhou
num cartório de paz e registro civil, em São Pedro do Turvo (SP).
Quando tinha seis anos fui morar em São Pedro e de lá voltei, aos doze
anos, para Piracicaba, para trabalhar e estudar à noite. Como naquele
tempo eram poucos os cursos secundários, o estudante fazia escola de
comércio. Formado na Escola de Comércio Moraes Barros, resolvi
entrar para a Esalq. Quando me graduei, o dr. Krug, que era chefe da
Seção de Genética do IAC, me convidou para vir a Campinas, conhecer
o Instituto e ver se me interessava em trabalhar com café. Vim, gostei e
aqui permaneci. Tive a rara oportunidade de trabalhar com café a vida
toda. Achei que era extremamente importante trabalhar com uma planta
que tanta riqueza trouxe a São Paulo. Não tive uma vocação especial.
Gostei da idéia, da planta, e continuei trabalhando até agora.
Como era o IAC quando o senhor começou a trabalhar? A
Seção de Genética já existia?
A Seção de Genética estava sendo organizada. O dr. Krug fizera o
curso secundário na Alemanha, a graduação na Esalq e a pós-graduação
nos Estados Unidos. Ele organizou pessoalmente os planos de estudo
de várias culturas de interesse para São Paulo, principalmente o café e
o milho. Naquela ocasião, em 1932, estava-se começando a produzir
milho híbrido, e o dr. Krug deu início aos estudos voltados para sua
produção aqui. É interessante saber que São Paulo foi a primeira região,
fora dos Estados Unidos, a produzir milho híbrido com linhagens
selecionadas em instituições locais. Quando vim para cá, no início
de 1935, os trabalhos com café estavam começando e, como não se
conheciam as variedades de Coffea arabica, iniciou-se um estudo sobre
taxonomia e sobre a biologia da reprodução do café, com o objetivo
de ter informações sobre o modo como os cultivares dessa espécie se
Luiz Antonio Barreto de Castro
multiplicavam na natureza. Deu-se início, também, à pesquisa sobre
os métodos de melhoramento aplicáveis ao cafeeiro. Estudos básicos
relativos à citologia, genética, biologia da reprodução, e mesmo os de
sistemática e evolução, eram realizados tendo-se em vista sua aplicação
ao melhoramento. A finalidade precípua era conseguir linhagens mais
produtivas, para que o Brasil pudesse posteriormente melhor competir
no mercado internacional. Todo o material coletado, tanto de variedades
como de espécies de café, foi sendo conservado em coleção, no “banco
de germoplasma”, mantido até hoje em Campinas, um dos mais
completos do mundo.
Como era encarada essa busca de aumento de produção numa
época de superprodução de café?
Na época parecia utópico, porque justamente em 1932/33 o
Brasil não sabia o que fazer com o enorme volume de café armazenado.
Milhares e milhares de sacas estavam sendo queimadas e só a cinza
era aproveitada, usada como adubo nas lavouras. Falar em iniciar
um trabalho de melhoramento para aumentar a produção parecia um
absurdo. Mas o dr. Krug previa que, após a eliminação de tantos cafezais,
chegaria o momento de implantar novas lavouras.Os lavradores,
por essa ocasião, deveriam poder dispor de sementes de linhagens
selecionadas, altamente produtivas e de boa qualidade. Valia a pena,
então, começar a trabalhar, para que pudéssemos, dali a quinze ou vinte
anos, dispor dessas linhagens. Tive a rara oportunidade de participar,
com o dr. Krug, dos primeiros trabalhos de melhoramento genético do
cafeeiro e desenvolvê-los até agora. O dr. Krug teve grande influência
na formação técnica de todos os que trabalharam com ele no IAC. Além
dos conhecimentos científicos, tinha rara capacidade de organização,
orientando todas as pesquisas em andamento na Seção de Genética.
A partir de que momento as pesquisas sobre melhoramento de
café começaram a ser reconhecidas, valorizadas?
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Uma História Sobre a Ciência Brasileira
As pesquisas foram iniciadas em 1934. Uns dez anos depois
começaram a aparecer os primeiros resultados de interesse para os
cafeicultores. As primeiras seleções foram feitas com o café burbomvermelho, porque era a variedade mais cultivada em São Paulo e diferente
daquela que se plantava anteriormente, a arábica ou nacional. O burbomvermelho era bem mais produtivo e as seleções realizadas chegaram a dar
100% a mais que as da variedade arábica. Em 1936, a Seção de Genética
começou a estudar o café caturra, que veio do Espírito Santo. Era um
café de porte baixo e muito produtivo. O porte baixo é valioso - facilita
a colheita e os tratos fitossanitários. O caturra, por falta de vigor, não
se adaptou bem às condições de São Paulo, mas foi aproveitado para
agrupamento com o mundo-novo, dando origem ao catuaí, que é de
excepcional valor. Tem porte pequeno, alta produtividade e rusticidade.
Aliás, o aparecimento do caturra, de pequeno porte e produtivo, provocou
verdadeira revolução na cafeicultura. Tanto assim que vem sendo usado
até hoje em todos os centros experimentais de melhoramento cafeeiro
para a obtenção de cultivares de porte reduzido.
Como foi feita a introdução dessas variedades na cafeicultura?
Qual era a receptividade dos cafeicultores?
A introdução de novas variedades é sempre gradual, a cafeicultura
vai sendo transformada aos poucos. O IAC tem estações experimentais
em vários locais do estado, onde as linhagens de café em estudo são
avaliadas. Quando se verifica que uma dada linhagem vai indo bem
simultaneamente nessas diferentes estações, inicia-se a distribuição de
pequenas quantidades de semente a lavradores de diversas regiões do
Estado.As melhores linhagens são multiplicadas pela Seção de Café do
IAC e também por agricultores interessados em estabelecer campos de
multiplicação de sementes. Esses campos são orientados por técnicos
da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (Cati), que fiscalizam
também a venda direta de sementes aos lavradores. Em pouco tempo as
linhagens mais promissoras chegam até eles.
Luiz Antonio Barreto de Castro
Como é feita a seleção de variedades? Quais são as etapas do
trabalho?
O café mundo-novo, por exemplo, começou a ser estudado
quando se soube que, na região de Araraquara, uma plantação de
café chamava a atenção pelo vigor e pela produtividade. Técnicos
do IAC visitaram a fazenda, no município de Mundo Novo, hoje
Urupês, e colheram sementes das melhores plantas, selecionadas como
matrizes. Essas sementes foram plantadas nas estações experimentais
do instituto onde, durante vários anos, suas produções individuais
foram acompanhadas. Em geral, o período de avaliação das progênies
se estende por vinte anos. No caso especifico do mundo-novo, depois
de dez anos as sementes começaram a ser distribuídas, dado o imenso
valor que o material apresentava.
O senhor se referiu às análises genéticas. Por que são feitas?
O objetivo primeiro de nossas análises genéticas do cafeeiro é
determinar quais são os fatores genéticos responsáveis pela herança
das principais características da espécie Coffea arabica. É um trabalho
demorado, mas que, além do valor teórico, tem utilidade prática: quando
se conhece o material do ponto de vista genético, tem-se a base para
os trabalhos de melhoramento. É uma pesquisa empolgante, embora o
cafeeiro não ofereça muitos fatores de fácil reconhecimento para essa
análise. Talvez por ser uma espécie tetraplóide.
Como sente o fato de ter trabalhado, durante trinta anos,
sem a certeza de chegar a resultados práticos? Como é fazer ciência
básica?
Não se vê o tempo passar. Todos os anos fazemos numerosos
cruzamentos, tentando conseguir combinações melhores. É evidente que,
de todo o material analisado, apenas algumas combinações se mostram
mais promissoras que as já existentes. Mas quando se consegue uma
linhagem mais produtiva isso tem grande reflexo econômico, porque
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Uma História Sobre a Ciência Brasileira
o café é uma planta perene.Em 1970, quando a ferrugem chegou ao
Brasil, não fomos pegos de surpresa, porque havia anos estávamos
trabalhando com material portador de resistência genética ao fungo.
Havíamos previsto que a ferrugem chegaria a Campinas, uma vez que
temos aqui um aeroporto internacional. Desde 1953 vínhamos estudando
material com resistência ao agente da ferrugem, proveniente da África
e da Índia. Como não tínhamos a ferrugem no país, contávamos com a
colaboração dos técnicos do Centro de Investigação das Ferrugens do
Cafeeiro, em Oeiras, Portugal. Híbridos desse material resistente e dos
nossos cultivares, bem como todas as principais seleções de C. arábica
e de híbridos interespecíficos, foram para lá, para serem analisados.
Quando a ferrugem chegou, já sabíamos qual era o material que melhor
resistia a ela, que fatores genéticos poderiam ser transferidos para os
nossos cultivares e o que deveria ser feito dali por diante.Os trabalhos
foram ampliados consideravelmente com a realização de numerosos
experimentos e pesquisas sobre os tipos de resistência que se optem
ao agente da ferrugem. O impacto da chegada da doença ao Brasil foi,
assim, bastante atenuado, e os lavradores foram persuadidos de que
a cafeicultura não iria desaparecer, como de fato não desapareceu. A
colaboração com Portugal foi valiosa.
O senhor sempre esteve ligado ao IAC. Nunca pensou em ir
para a universidade?
Tive oportunidade de ir para a universidade, mas achei preferível
continuar fazendo aquilo que sei fazer, isto é, trabalhar com o cafeeiro.
Gosto muito do trabalho que executo. Acho ótima a colaboração com
todas as universidades, ela é extremamente benéfica. Às vezes dou
aulas em alguns cursos. Prefiro dar palestras, mostrando as plantas no
campo, para que os alunos conheçam as variedades e espécies de café
e as dificuldades existentes no estudo de uma planta perene, que leva
quatro anos de semente a semente.
Ao cabo de 52 anos de trabalho no IAC, como o senhor avaliaria
o instituto?
Luiz Antonio Barreto de Castro
O IAC tornou-se uma instituto de prestígio internacional.
O importante é que o governo sempre forneça verba suficiente
para o prosseguimento e a ampliação das pesquisas. Para festejar
condignamente esse aniversário de cem anos, o governo poderia admitir
mais pesquisadores e técnicos, o que permitiria ampliar os trabalhos com
o cafeeiro, que julgamos ser de muito interesse para nossa economia.
Embora o café esteja se deslocando para outros estados brasileiros,
acreditamos que São Paulo - que tem tradição no cultivo do cafeeiro,
clima e solos apropriados para esse cultivo e propriedades dotadas das
instalações necessárias à produção de café de boa qualidade - deve
continuar a participar da produção brasileira com pelo menos 30%,
como vem fazendo nestes últimos quinze anos.
– 9.5 - Hartwig gifts memorialize ‘Mr. Soybean’
University Relations News Bureau (662) 325-3442 February 04, 1997
A $208,000 contribution to Mississippi State from a Leland
widow will establish an endowed fund to continue the research of
her late husband, a longtime university employee and internationally
recognized agronomist.
Winifred B. Hartwig of Leland has named Mississippi State as
the beneficiary of the charitable gift annuity, which will establish the
Edgar E. and Winifred B. Hartwig Endowed Fund for Excellence. The
annuity also will provide Mrs. Hartwig with an income for life.
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Known in agronomy circles as “Mr. Soybean,” Edgar Hartwig
died last May at age 83. During a career that spanned more than half
a century, he is credited with developing 90 percent of the soybean
varieties grown in the South. He was an adjunct professor of agronomy
at Mississippi State at the time of his death.
The Hartwig Fund for Excellence primarily will support graduate
assistantships in the department of plant and soil sciences.
In addition, Mrs. Hartwig is designating the university as the
beneficiary of her estate, according to Charles Weatherly, director of
development for the Division of Agriculture, Forestry, and Veterinary
Medicine.
“When the university receives the bequest, it will substantially
boost the Hartwig Fund for Excellence,” Weatherly said. It also will
establish the proposed Edgar E. and Winifred B. Hartwig Endowed
Chair in Plant Breeding, also in the plant and soil sciences department,
he added.
Hartwig was a world-class research scientist whose work
benefited many countries around the world, said university President
Donald Zacharias.
“Dr. Hartwig’s name is synonymous with soybeans across the
country and the world,” Zacharias said. “His work through the years
brought great recognition not only to himself but to this university and this
state. Through Mrs. Hartwig’s generosity and love, her husband’s important
work will continue at Mississippi State for many years to come.”
In a separate tribute to the researcher, the Mississippi Soybean
Promotion Board is pledging $200,000 to Mississippi State to establish
the Hartwig Endowed Fund for Soybean Research at the Mississippi
Agricultural and Forestry Experiment Stations Delta Branch in Stoneville.
A native of Minnesota, Edgar Hartwig received a bachelor’s degree
from the University of Minnesota and master’s and doctoral degrees in
Luiz Antonio Barreto de Castro
agronomy and plant breeding from the University of Illinois.
He came to Mississippi States Delta Branch of the Mississippi
Agricultural and Forestry Experiment Station in Stoneville in 1949
as a USDA research agronomist for soybean production research. He
previously had worked with the Florida and North Carolina agricultural
experiment stations.
Hartwig’s research is credited with making soybeans a viable
crop in the Mid-South and a leading cash crop in the United States. A
leading aspect of his work was the breeding of multiple-pest-resistant
varieties. His collection of publications and papers, housed at the Delta
Branch, will be made available for student instruction and research at
Mississippi State.
Winifred Hartwig, also a native of Minnesota, received a
bachelors degree in home economics from the University of Minnesota,
where she met her husband. Through the years, she has been a teacher, a
homemaker, a grower of roses, and an accomplished artist.
Weatherly said that the Hartwig Fund for Excellence has been
the beneficiary of several memorial gifts from friends and associates of
Edgar Hartwig, with additional memorial gifts anticipated.
Persons interested in contributing to the endowed fund can contact
Weatherly in Mississippi States Office of Development at. (601) 3253410.
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