O Momento da Morte

Transcrição

O Momento da Morte
O MOMENTO DA MORTE
(Excerto de Graça e Coragem contido em The Essential Ken Wilber)
Tradução de Ari Raynsford (www.ariray.com.br)
Todas as principais tradições de sabedoria afirmam que o verdadeiro momento da morte é uma
oportunidade extremamente importante e preciosa pela seguinte razão: no momento da morte, a
pessoa abandona o corpo físico denso e, aí, as dimensões mais elevadas – a sutil e a causal –
resplandecem imediatamente na consciência do morto. Se a pessoa conseguir reconhecer essas
dimensões espirituais superiores, pode atingir a iluminação instantaneamente, alcançando-a muito
mais facilmente do que quando em um corpo físico denso e obstrutivo... Essa explicação baseia-se
no sistema tibetano, que parece ser o mais completo e, em essência, é coerente com tradições
místicas do mundo inteiro.
O ser humano possui três níveis ou dimensões principais: densa (corpo), sutil (mente) e causal
(espírito). Durante o processo da morte, os níveis inferiores da Grande Cadeia dissolvem-se
primeiro, começando pelo corpo, pela sensação e percepção. Quando o corpo dissolve-se (para de
funcionar), as dimensões mais sutis da mente e da alma destacam-se e, então, no momento real da
morte, quando todos os níveis se dissolvem, o puro Espírito causal brilha na consciência da pessoa.
Se ela puder reconhecer esse Espírito como sua verdadeira natureza, a iluminação acontece na hora
e a pessoa retorna permanentemente ao Ente Supremo, como Ente Supremo.
Se não ocorrer o reconhecimento, a pessoa (a alma) entra no estado intermediário, o bardo, que,
diz-se, dura uns poucos meses. O nível sutil emerge e, finalmente, o nível grosseiro emerge; a
pessoa, então, renasce em um corpo físico para iniciar uma nova vida, trazendo com ela, na sua
alma, a sabedoria e a virtude (mas não memórias específicas) que porventura tenha acumulado na
vida anterior. 1
O que quer que possamos pensar sobre o conceito de reencarnação, ou do bardo, ou de estados após
a morte, uma coisa parece certa: se você acredita plenamente que alguma parte sua compartilha do
divino, se você crê firmemente que tem acesso a algum tipo de Espírito que transcende seu corpo
mortal de algum modo, então o momento da morte é crucial, porque nesse ponto o corpo mortal é
extinto e se algo continua, esse é o momento de descobrir, não é mesmo?
1
O Capítulo 7 de O Olho do Espírito, intitulado Nascido de Novo, é a resposta de Wilber a críticas de Stan
Grof. Nele encontrei o seguinte texto relacionado ao tema em questão:
“O fato de o fulcro 0 ser o ‘início da vida’, em termos desta vida, não significa que é o começo da
linha da consciência. Devemos manter em aberto a possibilidade de que, antes do fulcro 0, haja os
domínios completos do bardo (e das vidas passadas)...
No modelo do Budismo Tibetano (que apresentei em O Projeto Atman), a psique ou consciência
individual é composta de duas essências distintas ou gotas (tigle). No centro profundo de cada ser humano
há o âmago vazio da consciência dividido em duas camadas ou duas gotas: (1) a “gota indestrutível de uma
vida” que se desenvolve durante uma vida particular, mas perece com a morte biológica e (2) dentro ou no
interior da gota indestrutível de uma vida, a “gota indestrutível eterna”, que dura até a Budidade e, assim,
transmigra de vida para vida até a Iluminação radical. Na minha terminologia, essa gota interior é o ser
psíquico/sutil – ao qual também me refiro deliberadamente como “alma”, uma vez que ele também dura até
a verdadeira ressurreição espiritual no Divino Domínio causal/não-dual do puro Vazio. (Isso, como veremos,
é muito similar à distinção de Aurobindo entre a consciência frontal, que se desenvolve nesta vida, e o ser
profundo/psíquico que transmigra).
Em geral, para este modelo Tibetano/Aurobindo/Wilber-II, o mais alto nível de evolução estável
alcançado numa dada vida permeia a gota indestrutível eterna e é levado para a próxima vida, usualmente
não como memórias específicas, mas como um modo de adaptação. Como expliquei em O Projeto Atman,
quanto mais evoluída é a alma, menos envolvida está (isto é, menos ela esquece sua origem superior e
quididade), e isso continua até a Iluminação radical, quando então a alma é completamente incorporada ou
absorvida (negada e preservada) no Espírito Não-nascido original ou Vazio radical, que simplesmente é a
transparência luminosa deste e de cada momento.”