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GT 19: Juventudes, territorialidades e identidades.
ESTILO CULTURAL BREAK: A DANÇA COMO
EXPRESSÃO E MANIFESTAÇÃO JUVENIL.
Adriana Loiola do Nascimento (Bolsista-PIBIC-CNPq/UFPI)1
[email protected]
Maria do Carmo Alves do Bomfim (Professora Orientadora)2
[email protected]
RESUMO
O Movimento Hip Hop é constituído de quatro elementos: o Rap (música), o Break
(dança), o Grafite (artes plásticas) e o DJ (som). A dança Break, não diferente das
outras vertentes representa uma forma de expressão e manifestação juvenil. Dentro
deste segmento de dança, existem as batalhas, que são as competições entre as
Crews (grupos de Break). Este trabalho busca apresentar a prática juvenil Break por
meio da análise das batalhas praticadas entre as Crews, entendidas como espaços
permeados por saberes e significados. O mesmo tem por base a pesquisa
desenvolvida “Juventudes, Música e Estilos: construção de uma Cultura de Paz,
pelos grupos de Rap e Break, em Teresina-PI”, fundamentada nas discussões
propostas por Almeida (2002), Carrano (2003), Diógenes (1998), Ribeiro (2011),
Sousa (2011) dentre outros.
1
Graduanda do Curso de Licenciatura em Pedagogia da Universidade Federal do Piauí-UFPI.
Integrante do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação, Gênero e Cidadania – NEPEGECI.
2
Doutora em História e Filosofia da Educação pela PUC/SP. Professora Adjunta do Departamento de
Fundamentos da Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal do Piauí-UFPI. Coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação, Gênero e
Cidadania – NEPEGECI.
Batalhas Break: a dança que vem das ruas
O Movimento Hip Hop é constituído de quatro elementos: o Rap (música), o
Break (dança), o Grafite (artes plásticas) e o DJ (som). A dança Break é a segunda
vertente mais praticada entre os jovens hiphopianos3, sendo antecedida apenas pela
música Rap, e não diferente das outras vertentes representa uma forma de
expressão e manifestação juvenil. As danças praticadas são substanciadas por
passos provocantes e inusitados, que revelam a capacidade criadora destes jovens.
Gestos que possuem significados e que elevam a autoestima dos grupos juvenis.
Dentro deste segmento de dança, existem as batalhas, que são as
competições entre as Crews (grupos de Break). Tais competições são gerenciadas
por regras criadas pelos próprios jovens, com a delimitação do tempo e espaço, que
definem o momento e o território de cada grupo. Sousa (2011), assim nos explica o
sentido semântico do termo batalha:
No cerne do vocabulário “batalha”, encontra-se a ideia de empreender
esforços para vencer adversidades, resolver problemas, criar saídas. A
noção de batalha cria um campo semântico no qual figuram as acepções
de colisão, conflito, peleja, contenda, duelo, encontro, ataque, vitória,
derrota, morte e vida. As imagens que podem ser construídas a partir daí
permitem a associação do conceito às táticas militares e remetem a
cenas em que oponentes belicosamente se enfrentem em disputa por
algo ou algum bem. (SOUSA, p. 130, 2011.).
Na dança Break, as batalhas (fotos 1 e 2) configuram-se em disputas por
maneiras diversas de dançar ou gerenciar um passo novo e provocante. Neste
sentido as Crews, ensaiam coreografias ritmadas e abusam de piruetas, que
fascinam os jurados.
3
A expressão Hiphopianas, é usada no texto para designar a prática das vertentes do Movimento Hip
Hop.
Fotos 1 e 2: 1ª Battle Old Style Crew, promovida pela Crew Style do bairro Dirceu I, em Teresina-PI.
Fonte: Arquivo pessoal das pesquisadoras.
A batalha exposta acima concentrou três das quatro vertentes constituintes
do Movimento Hip Hop: o Rap, o Dj e
mais especificamente da prática Break,
faltando apenas o Grafite. Recorro aos escritos do diário de campo para descrever
as observâncias desta batalha.
Estou escrevendo no momento em que está acontecendo a batalha, o que é interessante,
pois estou no espaço, vendo e vivenciando este momento com os/as jovens rappers, b’boys
e b’girls, e sendo assim, posso descrever os fatos com maior fidelidade possível. Esta é a
primeira Battle Old Style Crew, promovida pela Crew Style do bairro Dirceu I, zona sudeste
da cidade de Teresina. A batalha conta com a participação de 16 (dezesseis) Crews, vindas
das cidades de Oeiras-PI, Uruçuí-PI, Picos-PI, Teresina-PI, Caxias-MA e São Luís-MA.
Cada Crew pagou uma taxa simbólica de inscrição na batalha, no valor de R$ 50,00. As
batalhas acontecem no estilo 5 x 5 (cinco versus cinco), que representam a quantidade de
b’boys e/ou b’girls que podem representar cada Crew. A ordem das batalhas acontece
mediante sorteio dos pares de Crews para a competição. Os duelos seguem o estilo mata
mata, onde em cada disputa uma Crew elimina a outra. A eliminação acontece por meio dos
votos dos jurados, que observam os passos, as coreografias e as danças de cada grupo e
assim elegem aquela que, segundo seus requisitos, conseguiram melhor desempenho,
passos inusitados e mais aplausos do público. Algo bastante interessante nesta batalha é a
presença de uma b’girl na banca de jurados, composta por mais dois jurados b’boys. A
presença feminina também tomando decisões e contribuindo para a sentença final das
batalhas. (DIÁRIO DE CAMPO, 09 de março de 2012. 20h32min).
A delimitação do tempo e espaço, que definem o momento e o território de
cada grupo. Este espaço é delimitado pelo traçar de uma linha ao chão, que não
admite ultrapassagem fora do tempo determinado. Para divulgação das batalhas os
jovens produzem cartazes e panfletos, como ilustrado a seguir.
4
Foto 1: Produção de Cartaz, divulgando evento do grupo “Afro Soul” .
Fonte: Arquivo pessoal das pesquisadoras.
Cada batalha conta com a presença de juízes que conhecem a essência dos
movimentos de dança Break e entendem as dinâmicas das danças praticadas. Essa
atividade sempre se inicia com a apresentação dos jurados, por meio de danças que
especificam suas habilidades, seus papéis. As batalhas se desenvolvem por meio de
rodadas, cada uma possuindo um tempo limite para acontecer.
Dentro deste tempo estabelecido, cada grupo possui chances para praticar
movimentos audaciosos, provocando o grupo concorrente e impressionando os
jurados. Dentro desta disputa por movimentos novos e inusitados, os jovens criam
gestos de provocação e reprovação frente a algumas situações, como por exemplo:
batem os cotovelos, anunciando que o passo praticado pelo grupo concorrente já
havia sido praticadas, abrem o punho no alto para afirmarem que concordam com o
movimento que está sendo dançado, tentam aproximação ao grupo concorrente
(porém sem toques), numa atitude de provocação.
Todos esses gestos são simbologias, que se expressam em linguagens e
que se manifestam com a prática da dança. Um aspecto importante a destacar nas
batalhas, são as premiações, muitas vezes, quantias em dinheiro que levam os
grupos a passarem meses ensaiando, criando passos inusitados, na tentativa do
melhor preparo para vencer a batalha. Dentre muitos movimentos, são comuns em
rodas de batalhas de dança break: piruetas, pulos, rodar o corpo no chão, exibição
4
Afro Crew – Grupo de Break, que participou da pesquisa intitulada “Juventudes, Música e Estilo:
construção de uma cultura de paz pelos grupos de rap de Teresina. A pesquisa, em nível de Iniciação
Científica, ocorreu nos anos de 2010 e 2011 e contou com a participação de mais dois grupos: “A
Irmandade” e grupo “Relatos Periféricos”, ambos de dança rap.
dos músculos (como sinônimo de força), o constante pegar na genitália masculina
como sinônimo de poder e masculinidade.
Tais expressões juvenis apresentam-se como possibilidades de reflexões
sobre os conhecimentos produzidos no cotidiano das pessoas que habitam as áreas
periféricas das cidades brasileiras. Conhecimentos pouco difundidos e valorizados,
como bem nos aponta Almeida
Para o saber formal acadêmico, os conhecimentos fabricados nesse
território são o outro, aqueles grupos de saberes pertencentes ao senso
comum, que não possui legitimidade científica. Entretanto, ao fugir da
configuração do sistema de representações, aquele campo se apresenta
como possibilidade de novas aprendizagens, de novas relações. Faz-se
necessário entender que esse “outro” pode contribuir e muito para a
compreensão de possíveis formas de produção de valores, identidades e
mesmo, no campo da geografia, sobre a construção simbólica de
territórios. (ALMEIDA, 2002, p. 85).
Corroborando com tal afirmação, este trabalho registra parte da pesquisa
“Juventudes, Música e Estilos: construção de uma Cultura de Paz, pelos grupos de
Rap e Break em Teresina-PI”, desenvolvida no período compreendido entre julho de
2010 a agosto de 2011, tendo o seguinte objetivo: compreender a influência dos
estilos culturais Rap (Grupos “A Irmandade” e “Relatos Periféricos”) e Break (Grupo
“Afro Soul”), para a construção de uma Cultura de Paz nas comunidades onde vivem
seus protagonistas, por meio da análise de suas produções musicais e da dança.
O grupo “A Irmandade” atua na Vila Bom Jesus e bairro Areias, zona sul de
Teresina; “Relatos Periféricos”, desenvolve suas atividades no bairro Vila Operária,
zona norte dessa capital e o Grupo de Break “Afro Soul” realiza seus treinos numa
escola pública da rede estadual de ensino no bairro Promorar, zona norte da referida
cidade. Tendo como base a pesquisa realizada, este trabalho busca apresentar a
prática juvenil Break e, através da análise, destacar as batalhas praticadas entre as
Crews, como espaços permeados por saberes e significados, da mesma forma que
outras manifestações, fundamentando-se nas discussões propostas por Diógenes
(1998), Almeida (2002), Carrano (2003), Ribeiro (2011), Sousa (2011) dentre outros.
Linguagem, roupas, marcas corporais, danças, criação de regras e um estilo
próprio, a forma de se organizarem em grupos e o modo de andarem, tudo isso
esboça significados, sentidos, revelam uma história e se configuram em saberes.
Tudo isto nos desfia a perceber o cotidiano periférico com suas representações e
como um ambiente carregado de potencialidades; nos desafia ainda a ver esse outro
conhecimento não institucionalizado, que possui finalidades, apresenta sentidos e
saberes que são aprendidos na “correria” da vida dos seus/suas integrantes. Jovens
produtores/as de cultura e potencialidades, que protagonizam suas histórias e
buscam, através de suas práticas, ganharem visibilidade e reconhecimento da
sociedade.
O Surgimento do Movimento Hip Hop em Teresina: tecendo histórias5
O movimento Hip Hop surgiu no final da década de 1960 como um
movimento de jovens negros e hispano-americanos dos guetos pobres do Bronx,
nos arredores de Nova Iorque - EUA. Por meio de manifestações artísticas, esse
movimento representou uma saída para expressão e identificação de uma juventude
que vivenciava situações de exclusão econômica, educacional e racial.
Como já registrado inicialmente, o movimento Hip Hop é composto de quatro
elementos: o rap (música), o break (dança), o grafite (artes plásticas) e o DJ (som).
No Brasil, o Hip Hop chegou no início da década de 1980 em São Paulo, por
intermédio dos dançarinos de break, sendo posteriormente divulgado nos bailes e
nas lojas específicas de música negra. As ruas e as praças dos grandes centros
urbanos tornaram-se espaços para a socialização dessa manifestação cultural
juvenil. Ribeiro e Cardoso, assim contextualizam o surgimento da nomenclatura
Break
Na década de 1980, nasceu a nomenclatura Braek, e surgiu
paralelamente na outra Costa dos Estados Unidos, o Locking e o
Popping, também com influências da Black Music, com dinâmicas
corporais diferenciadas. Na época não havia divisões entre elas, com
base em pesquisas, depoimentos, documentários e até mesmo
observando-se filmes da década de 1980, pode-se afirmar que os
dançarinos realizavam um mix destes estilos, todos dançavam tudo, ou
tinham uma preferência por apenas uma das danças, mas sabiam alguns
elementos básicos das outras danças. (RIBEIRO e CARDOSO, 2011, p.
18).
O surgimento do movimento Hip Hop em Teresina tem início na década de
1990. Neste período ainda não se constituía em “movimento”. Eram apenas jovens
5
A construção deste tópico do trabalho teve por base o texto da Professora Lila C. X. Luz, da
Universidade Federal do Piauí, intitulado: Grupos Juvenis em Teresina e a Organização do Hip Hop
(2006).
que se encontravam para conversar, trocar ideias, debater problemas, tanto
pessoais quanto da esfera pública. Geralmente moravam próximos uns dos outros e
se encontravam nas esquinas perto de suas casas.
Black House era uma casa abandonada localizada na esquina da Rua
Quintino Bocaiúva com a Rua Amazonas, nas proximidades do Clube do Marquês.
Esta casa tornou-se o primeiro centro de organização do movimento Hip Hop
teresinense e nela os/as jovens se encontravam para conversar, ouvir músicas,
ensaiar passos de dança, e a partir desses encontros começaram a gestar e a nutrir
uma preocupação com a organização de grupos e do movimento em solo piauiense.
Black House reunia de forma positiva os dançarinos da periferia da cidade de
Teresina, sediando bailes, que agrupavam jovens de diferentes locais, sobretudo do
bairro Marquês e adjacências.
Os grupos constituíam um espaço de socialização e autonomia. O estilo
cultural Hip Hop tornou-se um espaço de construção de saberes, convivência e
afirmação positiva das identidades juvenis. É no espaço socializador deste estilo,
que os jovens constroem amizades e se divertem uns com os outros nos grupos.
Essas
agregações
possibilitam
a
elevação
da
autoestima,
confiança,
responsabilidade e visibilidade pública.
Neste aspecto, ainda na década de 1990, o Movimento Hip Hop teresinense,
começou a receber influências dos meios de comunicação, que passaram a exibir
como conteúdos de lazer clips, que constituíam novas performances de dança. De
inicio, os/as jovens que participavam dos grupos tinham como dimensão central, a
questão do lazer e pouco se preocupavam com as ideias difundidas pelo movimento.
Os primeiros grupos de Break limitavam suas participações nos bailes e encontros,
apenas com o desejo de dançar.
O Rap surgiu para complementar à dança, através de letras provocantes e
ritmos para melhorar as coreografias. Com as trilhas sonoras proporcionadas pela
música Rap, os jovens passaram a suscitar passos cada vez mais inusitados e,
consequentemente, acirravam-se ainda mais as competições entre os grupos nos
bailes, regidas pelo desejo de vencer.
A partir de 1992, o movimento Hip Hop teresinense começou a receber
influência de bandas nacionais, sendo exemplo os “Racionais”. A partir de então,
os/as jovens teresinenses, a ele integrados, passaram a vincular as letras das
músicas que compunham à realidade que vivenciavam. Diante disso, eles/elas
despertaram para a consciência de sujeitos excluídos, que tinham na música um
elemento de protesto e visibilidade pública, ideias sempre defendidas pelo
movimento Hip Hop.
Neste período, veio para Teresina Lamartine, membro da Entidade Quilombo
Urbano da cidade de São Luís, no estado do Maranhão, que contribuiu de forma
expressiva para organização e consolidação do Hip Hop teresinense. Lamartine
reunia os/as jovens e explicava as estruturas organizativas e ideias defendidas pelo
movimento.
As atividades organizadas em Teresina passaram a receber influências de
membros do movimento Hip Hop de outros estados, em especial do Ceará. Uma das
atividades desenvolvidas era a realização de rodas nas praças, o que culminou na
organização dos primeiros festivais (MH2O do Ceará) e, em decorrência, o
aparecimento dos primeiros b’boys6.
O movimento Hip Hop teresinense organizado, conforme Lila Xavier (2006),
surgiu no final de 1992, nos arredores dos bairros Mocambinho e Marquês. Através
dos bailes, em que ocorriam as competições de dança, os jovens passaram a
frequentar outras comunidades, resultando no surgimento de novos grupos. Desse
período em diante, surgiu à necessidade da criação de uma instituição que
aglutinasse todos os grupos de Raps e de Break de Teresina. Nasce então, a
entidade Questão Ideológica (Q.I.), localizado no bairro Parque Piauí, zona sul
dessa capital, tornando-se uma forte referência do Movimento Hip Hop piauiense.
A Prática Cultural Hip Hop como Manifestação da Diversidade Cultural e
Aglutinação de Saberes
O estilo cultural Hip Hop é um espaço de construção e multiplicação de
saberes, convivência amistosa, socialização e afirmação positiva de identidades
juvenis. É nesse espaço que os jovens ampliam os seus processos de socialização,
alicerçam vínculos de amizades e (re)criam suas próprias práticas de lazer, sem a
tutela de outros/as. Essas agregações, além de possibilitarem muitos benefícios, já
6
Dançarinos de Break.
mencionados neste texto, sedimentam os modos de ver, de sentir e de interagir, nos
vários contextos onde convivem.
Visualizar a prática cultural Hip Hop, como uma ferramenta de difusão de
saberes e expressões juvenis, nos remete a reconhecer que nela ocorre uma prática
educativa formando corpos e consciências, perpassando as redes sociais,
ultrapassando espaços institucionalizados e nos desafia a enxergarmos os contextos
cotidianos, tidos como costumeiros, porém são espaços carregados de sentidos e
intencionalidades (re)construídos permanentemente, cujas finalidades implicam a
troca de experiências e aprendizados não formais. Com esta perspectiva, Carrano
corrobora, dizendo que
A materialidade da vida, as configurações sociais e o cruzamento de
redes de subjetividades estabelecem contextos que devem ser
considerados como efetivamente educativos, desde uma perspectiva de
educação que se amplia para além dos horizontes estritamente
pedagógicos. (CARRANO, 2003, p. 15-16).
Jovens que em sua maioria não possuem o aprendizado escolarizado, por
inúmeros fatores: necessidade de ajudar na renda familiar, culminando na inserção
precoce no mundo do trabalho, constituição familiar muito cedo, falta de recursos
financeiros, dentre outros fatores. Em contrapartida, encontramos nos becos das
favelas, nas relações que os jovens compartilham entre si e na própria conjuntura do
movimento Hip Hop teresinense, ações carregadas de sentidos, significados, que
desbocam em aprendizagens e novas formas de existir. Por meio de gírias, gestos,
criações, ações e palavras próprias os jovens expressam a realidade de exclusão
que vivenciam e denunciam o sistema capitalista como o maior responsável pelas
desigualdades sociais no Brasil e em muitos outros países.
Utilizam prefixos e/ou sufixos, reduzem as palavras, possuem uma língua
própria, não temem nem medem as expressões usadas. Um vocabulário que exigiu
de nós pesquisadoras um estudo, para que pudéssemos dialogar com os jovens
sem afetar a dinamicidade e vivacidade de suas expressões.
Jovens que possuem uma maneira singular de se vestirem. Suas roupas, em
sua maioria, são pretas com símbolos e desenhos americanos representando o
movimento Hip Hop original, aquele dos “guetos” norte-americanos. São roupas
largas, camisas grandes, tênis chamativos, coloridos e com cadarços bem folgados.
A esta vestimenta somam-se o uso de toucas, gorros ou bonés grandes.
E por que não falar das marcas corporais, que também são atravessadas de
sentidos, histórias, exclusão e significados? São simbologias corporais que falam,
gritam, anunciando histórias mudas, silenciosas, de jovens que foram marcados seja
através das tatuagens, dos cortes, furadas ou queimaduras, que Diógenes (1998) as
definem como cartografias do corpo ou signos da violência. “Gritos mudos”, que só
se evidenciam através do olhar aguçado e da escuta sensível. É preciso ampliarmos
nossa capacidade de percepção e nos despirmos de toda espécie de preconceito,
para podermos entender que cada símbolo ou marca corporal possui uma história e
adquire um significado específico na vida de cada jovem.
As danças praticadas, configuradas no Break, são substanciadas por passos
provocantes e inusitados, que revelam uma capacidade criadora e de resistência
inimagináveis.
As
expressões
juvenis
hiphopianas
apresentam-se
como
possibilidades de reflexões sobre os conhecimentos que são produzidos no
cotidiano (e não em momentos específicos) dos/as jovens que fazem esse
movimento. É, em essência, a vida deles/as.
Como pesquisadoras/es, precisamos nos debruçar cada vez mais sobre o
cotidiano das pessoas que moram fora das áreas centrais das cidades, a fim de
construir novos olhares e escuta sensíveis, a fim de compreender as simbologias,
as produções e transgressões aí produzidas, numa perspectiva histórica e cultural,
em especial das pessoas jovens.
Juventudes, Dança e Estilos: entrecruzando olhares sobre a prática juvenil
Braek
A dança e a música estão presentes na vida de todas as pessoas,
principalmente na dos jovens. Elas constroem vínculos e sedimentam identidades,
personalidades, jeitos de viver e de agir. Podemos verificar que existem muitos
“grupos juvenis” que cultivam a dança Break e a música Rap em nossa sociedade.
Cada grupo com seu estilo de vestir, andar, falar e com seu estilo musical. São
grupos de jovens repletos de simbologias: cores, estilos e maneiras de ser, com
especificidades próprias.
Percebemos, assim, a dança e a música como principais produtos culturais
consumidos pelos/as jovens B’boys e B’girls, uma de suas atividades mais
importantes para a socialização de seus integrantes. Ao longo do tempo a dança
tem sido forte aliada às classes mais desfavorecidas da sociedade, dando voz a
quem não tem oportunidade de falar nos meios de comunicação de massa.
Destacamos ainda que a dança entre os/as jovens B’boys e B’girls é instrumento
configurador de suas múltiplas identidades, além de transformar-se em fonte de
protestos, denúncias e representação da realidade juvenil periférica.
Vemos cotidianamente no cenário das cidades, cenas de violências urbanas,
envolvendo, em sua maioria, como autores/as e/ou vítimas jovens homens e jovens
mulheres. Na contemporaneidade muitos debates têm versado sobre as juventudes,
principalmente os/as jovens pobres que vivem em situação de vulnerabilidade social.
Esses jovens têm menos acesso às atividades culturais da cidade, como um todo.
Por isso criam formas alternativas de lazer nos grupos aos quais pertencem.
O envolvimento de jovens nesta prática cultural torna-se importante, tendo
em vista que a mesma contribui para mediar situações de conflito como prevenção à
violência, melhorando, assim, a convivência comunitária, além de ser um meio de
reivindicações de possibilidades dignas para suas vidas, bem como protestos contra
a pobreza e a exclusão, aos quais estão submetidos.
Compreendemos que os jovens sentem-se livres e autônomos por meio do
estilo Break, traduzidos em produção de cultura, uma vez que através de suas
coerografias de dança transmitem as necessidades e conflitos da comunidade. E
mais, com seus eventos e suas criações de dança os grupos juvenis se unem e
trocam experiências, fortalecendo suas culturas e valores.
Os jovens do movimento Hip Hop, se utilizam de marcas identitárias que se
evidenciam no corpo (tatuagens, cortes, queimaduras, marcas de tiros), no
vestuário, nas andanças sempre em grupo, na territorialização própria e na denúncia
permanentemente da violência. Assim, esses jovens buscam uma identidade juvenil
através de uma cultura construída por eles mesmos.
Os/as jovens B’boys e B’girls, encontram-se em um determinado grupo
social, para o qual as instituições clássicas de socialização (escola e trabalho) nem
sempre apresentam referências de valores em suas vidas, sendo a família para eles,
aquela que tem maior significado em termos de agência formativa. Assim, as
expressões culturais -dança e música- assumem um papel na recriação de suas
identidades individuais e coletivas, por meio da adesão aos valores cultivados e
difundidos nos seus próprios contextos.
Através do consumo cultural próprio, os jovens do Movimento Hip Hop
estabelecem trocas sociais e possuem acesso a diferentes estilos. Dayrell (2005)
reforça esta característica quando afirma que: “O estilo constitui [...], uma
combinação hierarquizada de elementos culturais, na forma de textos, artefatos e
rituais, que no nosso caso, tem na música o elemento central” (Dayrell. 2005. p. 41).
Nessa perspectiva, o estilo passa a constituir a essência do grupo. Esta
convivência é uma das formas de sociabilidade mais presentes entre os jovens, pois
são espaços de trocas de experiências, espaços de lazer, construção de amizades,
de pertencimento e de autonomia. A adesão de um estilo constitui elemento
fundamental para a criação, fortalecimento e manutenção de um grupo.
São as práticas e os fazeres cotidianos desses jovens praticantes do
Movimento Hip Hop que alimentam esta discussão. Jovens excluídos, social e
culturalmente, que, como bem nos alerta Dayrell (2005), “jovens que vivenciam
formas frágeis e insuficientes de inclusão social”. Mas, ao mesmo tempo criando
formas de resistências e lutas, resistindo às exclusões que vivenciam em seu
cotidiano. As práticas de resistências são expressas através da música, da dança e
de outras artes cultivando uma sensibilidade de justiça, ao denunciarem e
protestarem
contra
situações
de
vulnerabilidade
como:
exclusão
social,
preconceitos, racismos e indiferenças, para anunciar outros futuros.
Entretanto, esta juventude mesmo pobre e marginalizada, concebida por
muitos como periculosa e delinquente, é que fortalece formas alternativas
transformadoras de ser jovem no mundo contemporâneo. Oliveira e Sgarbi traduzem
muito bem esta perspectiva ao afirmarem que
Muitos de nossos protagonistas não são representantes daqueles grupos
sociais que estamos acostumados a ver habitar o centro dos discursos
acadêmicos ou da vida cultural valorizada socialmente. E é por este
motivo que eles estão aqui, para serem lidos e vistos como produtores
de saberes, de fazeres e de práticas culturais significativas e relevantes,
tanto para a sociedade brasileira quanto para o entendimento dela.
(OLIVEIRA E SGARBI, 2002, p. 17).
É nesse emaranhado de relações possíveis que visualizamos a quebra da
unanimidade e da obviedade, facilitando nosso mergulho na realidade das
experiências cotidianas e no entrelaçar de suas aprendizagens, reconhecendo
diversas formas de realizar um sonho ainda utópico de um mundo mais igualitário,
que considera a pluralidade de seu povo. Ressaltamos ainda que, embora o
Movimento Hip Hop seja composto de quatro elementos (Rap, Break, Grafite e Dj),
nosso trabalho se detém a apenas um deles: o Break.
Considerações finais
As práticas culturais juvenis são espaços de construção de saberes e de
socialização, por meio de práticas educativas diversas. São manifestações que
contribuem para o enfrentamento da violência nos espaços familiares, no interior das
escolas, das comunidades onde vivem, que resultam na construção de identidades
juvenis positivas, individuais e coletivas. Os jovens veem essas práticas como
alternativa de existir cultivando convivências amistosas, de lazer, de enfrentamento
de conflitos individuais e sociais, e espaço de reivindicações de políticas públicas
para as juventudes e combate às situações de injustiça social e de construções de
outras formas de ver, sentir e interagir no mundo contemporâneo.
É através da música e da dança, principais produtos culturais consumidos
pelos jovens hiphopianos, que adquirem autonomia e transformam-se em
protagonistas de suas histórias. As juventudes pobres e marginalizadas traçam
práticas de resistências, expressas por meio de suas manifestações denunciando e
protestando contra todo tipo de exclusão social.
Por meio da dança os jovens
ganham espaço, visibilidade e tecem experiências que, somadas ao contexto e as
especificidades de cada um, constroem suas múltiplas identidades.
Compreender e reconhecer estas atuações juvenis como construtoras de
saberes é deixar-se contaminar por outra cultura, outra ideologia e costumes.
Valorizar a diversidade cultural significa saber conviver com as diferenças, significa
entendermos que não existe raça, crença, costumes, ideologias, saberes, inferiores
ou superiores. Significa construirmos um mundo mais igualitário e justo, onde cada
contexto possui sua importância e papel.
O Hip Hop é um exemplo nítido de manifestação e cultura juvenil. Através
dos estilos, danças, músicas e do grafite, os jovens tornam-se protagonistas de suas
realidades e buscam difundir sua cultura e realidades. A prática cultural Hip Hop,
como fonte de denúncias, protestos e visualização de uma juventude na maioria
pobre, negra e periférica; mas também como fonte de socialização e saberes
juvenis, caracterizados pelo estilo, territorialização, marcas que definem as
identidades juvenis, criação de letras, danças e desenhos inusitados que refletem o
cotidiano periférico, fabricação de cartazes onde divulgam os eventos que
promovem, execução de projetos que visam maior integração comunitária, tudo isso
requer
planejamento,
sistematização,
tempo,
portanto
são
também ações
educativas, que precisam ser reconhecidas e articuladas ao conhecimento científico
escolar.
Referências
ALMEIDA, Lenildo Gomes de. Redes de conhecimento nas rodas de samba. In:
OLIVEIRA, Inês Barbosa de; SGARBI, Paulo. (orgs.). Redes culturais, diversidade
e educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
CARRANO, Paulo César Rodrigues. Práticas sociais educativas na cidade.
In:______. Juventudes e cidades educadoras. Rio de Janeiro: Vozes, 2003. p. 1527.
DAYRELL, Juarez. A Música entra em cena: o rap e o funk na socialização da
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DIÓGENES, Glória. Cartografias da cultura e da violência: gangues, galeras e o
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OLIVEIRA, Inês Barbosa de; SGARBI, Paulo. (orgs.). Redes culturais, diversidade
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RIBEIRO, Ana Cristina; CARDOSO, Ricardo. Dança de Rua. São Paulo: Átomo,
2011.
SOUSA, Ana Lúcia Silva. Letramentos de reexistência: poesia, grafite, música,
dança: HIP HOP. São Paulo: Parábola Editorial, 2011.

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