DIVORCIO NA HORA SEM CULPA? “No-fault divorce”, ou divórcio
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DIVORCIO NA HORA SEM CULPA? “No-fault divorce”, ou divórcio
DIVORCIO NA HORA SEM CULPA? “No-fault divorce”, ou divórcio sem culpa, constitui o acto pelo qual se dissolve o casamento e que não requer um acto negativo pela outra parte nem procedimentos de prova dessa culpa. Usualmente é apresentado através de uma petição perante um tribunal família sem o autor ter de provar a culpa do réu, e sendo um acto potestativo não depende da vontade ou objecções da contra parte. Remonta a 1 de Janeiro de 1970 a criação deste instituto legal, no estado norteamericano da Califórnia, onde por essa altura advogados e juízes se revoltaram contra o sistemático e recorrente uso de ficções legais para preencher falsamente os requisitos imperativos legais para o divórcio. Entretanto foi estendido a todos os demais estados norte-americanos, e gradativamente a países da União Europeia, como a Alemanha (1976), Suécia (1987), Noruega (1991) e mais recentemente Espanha e França (2005), que decalcaram, em grande medida, a inovação norte-americana, adaptando-a em sede de direito comparado ao direito de base românica. Não é aqui o espaço nem o momento para dissertar sobre as origens históricas do divórcio, contudo, é bom recordar algum traçado pertinente, a saber, do pioneirismo de Portugal na instauração do divórcio em 1910, pondo termo à perpetualidade universal até então enraizada numa sociedade católica monárquica tradicionalista. A título de exemplo comparativo, por essa lei um dos requisitos era o abandono conjugal por três ou mais anos (da qual ainda permanece a reminiscência no artigo 1871, al. a) do Código Civil actual, mesmo passados 98 anos!). Era, pois, ora de acompanhar a evolução social, cultural, e ainda religiosa, atenta a laicidade actual do Estado em que vivemos. Temos, então, que até 2001 eram os cônjuges desavindos ou por acordo obrigados a recorrer aos tribunais em qualquer caso; com o Decreto-Lei 272/2001 em vigor desde 1 de Janeiro de 2002 passa ineditamente a ser possível a instauração do procedimento extrajudicial de divórcio por mútuo consentimento na conservatória de registo civil da área de residência; e mais recentemente com o SIMPLEX (DL 324/2007) passa convenientemente a ser possível a entrega do requerimento conjunto de divórcio por acordo em qualquer uma das 326 conservatórias de registo civil portuguesas, e ao mesmo tempo é abolida a necessidade de entrega de qualquer documento a instruir a mesma (v.g. certidões de nascimento ou casamento, etc.), reduzindo drasticamente os prazos em vários meses. Mais recentemente vimos ainda nascer um projecto português merecedor de vários prémios e referências internacionais, dando lugar ao Divórcio na Hora.Com, com um prazo total de uma hora nos casos mais simples, e uma a quatro semanas nos mais complexos, sendo todo tratado à distância e pela via electrónica fazendo uso do cartão do cidadão, com custos substancialmente mais reduzidos (199 euros) versus os honorários de advogados praticados no mercado (500 a 5.000 euros). Também nesta senda as Lojas Jurídicas conseguiram através da advocacia de proximidade reduzir sobejamente os custos burocráticos e tempos de espera. Os projectos de lei nº 232/X (Bloco Esquerda [BE]) e 509/X (Partido Socialista [PS]) agora consubstanciados no Decreto nº 232/X, aprovado pela Assembleia da República com os votos favoráveis dos Grupos Parlamentares do PS (voto vencido da Deputada Matilde Sousa Franco), BE, PCP, PEV, Deputada Não Inscrita Luísa Mesquita, e ainda por seis deputados do PSD, parecem-nos na sua essência bastante ponderados, e transversais politicamente da esquerda à direita acompanhando a supra referida evolução social e o movimento liberal nesta área que tem vindo a ocorrer nalguns dos países mais desenvolvidos europeus, e ainda nos países de raiz românica de que fazemos parte. São nele motivos objectivos para divórcio: a) A separação de facto por um ano consecutivo; b) A alteração das faculdades mentais do outro cônjuge, quando dure há mais de um ano e, pela sua gravidade, comprometa a possibilidade de vida em comum; c) A ausência, sem que do ausente haja notícias, por tempo não inferior a um ano; d) Quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a ruptura definitiva do casamento. Face ao exposto, e com o devido respeito, parece-nos portanto incongruente o veto de ontem do Presidente da República (PR) ao considerar que «as suas implicações para uma indesejável desprotecção do cônjuge ou do ex-cônjuge que se encontre numa situação mais fraca – geralmente, a mulher –, bem como, indirectamente, dos filhos menores» por invocação de que a mulher ficaria «numa posição mais débil, não devendo a lei, por acção ou por omissão, agravar essa fragilidade, bem como, por arrastamento, adensar a desprotecção que indirectamente atingirá os filhos menores», nem sequer, da nossa humilde e modesta prática de 11 anos no direito familiar conseguimos vislumbrar algum cônjuge que incorre reiteradamente em crime continuado de violência doméstica ou maus tratos a recorrer a este novo instituto jurídico para dele tirar partido, além de que em sede de contestação ou reconvenção poderia sempre a contra-parte defender-se. Já, por seu turno, e em abono da justiça se diga que quanto ao mais, haverá contudo algum fundamento, no nosso entendimento, a saber: quanto a manter-se como alternativa residual o regime do divórcio culposo, ao invés de por termo de forma absoluta e definitiva a tal solução; o mesmo concordamos relativamente ao novo regime de despesas familiares que racionaliza de forma indesejável os afectos e a confiança implícitas numa relação profunda como a do casamento, que se pretende distante dos demais contratos; e por fim, reprovamos igual e veementemente a revogação retroactiva do regime de bens supletivo ou préconvencionado, privilegiando em certos casos um dos cônjuges e fazendo tábua rasa de um regime livre e consolidado de anos ou décadas. Resta agora ao PS confirmar o voto por maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções, como já tem (PS+BE+PCP+PEV+NINSC+PSD=142 Deputados = 61%), devendo o PR promulgar o decreto no prazo de oito dias (Cf. artigo 136, nº 2 da Constituição da República Portuguesa), ou ainda expurgar ou ajustar alguma norma que, não sendo inconstitucional, possa ser mais sensível à direita política, visando a criação de uma estabilidade numa matéria tão transversal que não se quer ver alterada a cada legislatura. Por Januário Lourenço, Jurista [email protected]