música e ruido: uma discussão sobre estes fenômenos no ensino

Transcrição

música e ruido: uma discussão sobre estes fenômenos no ensino
CADERNO DE FÍSICA DA UEFS 13 (02): 2603.1-11, 2015
MÚSICA E RUIDO: UMA DISCUSSÃO SOBRE ESTES
FENÔMENOS NO ENSINO MÉDIO DE FÍSICA
MUSIC AND NOISE: A DISCUSSION OF THESE PHENOMENA IN THE PHYSICS HIGH SCHOOL
Pedro Javier Gómez Jaime1, Roberto León Ponczek2
1
Doutorado em Difusão do Conhecimento, UFBA. [email protected]
2
Doutorado em Difusão do Conhecimento,UFBA. [email protected]
Este artigo trata sobre questões referidas ao ensino de Física, e propõe uma melhor compreensão dos efeitos do ruído
sobre o meio ambiente e a saúde humana. Sendo assim, tem como objetivo fazer possíveis abordagens sobre o tema
que vão além do ensino médio de acústica. Para a análise dos livros de ensino médio de Física se teve em
consideração seis categorias que foram criadas a partir das propostas que trazem os Parâmetros Curriculares
Nacionais, PCNs (2000). Tratam-se aspectos físicos da música, especialmente aqueles que estão vinculados ao
timbre, harmônicos, espectro acústico. Se propõe uma metodologia quantitativa para a análise de um fragmento de
“Tchori tchori”, música de Marlui Miranda, sendo o referido trecho tratado de forma que se permita visualizar a
diferença entre um espectro musical e o que se obtém para um sinal de ruído. O estudo teve seu início na análise
qualitativa dos conteúdos presentes nos capítulos referidos a Oscilações e Ondas Mecânicas nos livros do PNLEM do
ensino médio brasileiro e do primeiro ano do ensino cubano. Percebemos que existe carência de uma abordagem
sobre os efeitos nocivos do Ruído para a humanidade e sua relação com a Física.
Palavras chaves: Música. Ruído. Timbre. Livros Didáticos. Ensino de Física.
This article discusses issues related to the teaching of Physics, and proposes a better understanding of the effects of
noise on the environment and human health. As such, aims to make possible approaches on the subject beyond high
school education in acoustics. For the analysis of the high school books of Physics we took into account six
categories that were created from the proposals that bring the National Curricular Parameters, PCNs (2000). Physical
aspects of music, especially those related to timbre, harmonics, acoustic spectrum are discussed. A quantitative
methodology for the analysis of a fragment of “Tchori tchori” was proposed, music of Marlui Miranda, the stretch
treated so that helps illustrate the difference between a musical spectrum and that obtained for a noise signal. The
study began in the qualitative analysis of the contents in the chapters on Mechanical Oscillations and Waves in the
books of PNLEM of high school of Brazilian and Cuban education; where we perceive that there is lack of a collision
on the harmful effects of noise for humanity and its relationship with Physics.
Key words: Music. Noise. Timbre. Textbooks. Teaching physics.
INTRODUÇÃO
É sabido que nos documentos e diretrizes educacionais se propõe um tratamento da Física no
ensino médio que aproxime a ciência das atividades cotidianas dos estudantes. Isso tendo em conta
tópicos que lidem com questões relativas à Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente de forma que tributem
para uma formação integradora do estudante, colocando-o ao corrente de temas de tal dimensão nos dias
de hoje.
Neste sentido, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) do ano 2000 contêm propostas de
abordagem da Física na qual se opta pela eliminação do tradicionalismo do ensino da ciência, em
particular da Física, sugerindo fazer explícita a presença da Física no cotidiano das pessoas. Tais
sugestões são apresentadas nestes documentos normativos justamente pela manifesta dissociação dos
conteúdos da nossa ciência com a vida fora dos limites da escola.
Algumas pessoas nos questionavam pelo fato de sermos físicos e músicos, assim como sobre a
relação existente entre as duas áreas. A mais freqüente associação que encontramos entre nossos
interlocutores sobre o assunto foi que a Física tem relação com as ondas sonoras. Outros, apenas
conseguiam dizer que a Física tinha sido para eles uma matéria que lhes tinha dado muitos problemas
2603.1
Jaime e Ponczek
CADERNO DE FÍSICA DA UEFS 13 (02): 2603.1-11, 2015
durante os anos de ensino médio. Que esta ciência, para eles não é mais do que a prova de uma
aprendizagem memorística de equações, comumente chamadas de fórmulas nesse nível.
Alguns possíveis argumentos que foram percebidos como problemáticos e que justificariam tais
questões, seriam que tal distanciamento é reflexo da nossa atuação em sala de aula ou ainda, ao próprio
desconhecimento mencionado nas nossas palavras introdutórias.
Durante a etapa de procura de informações temos encontrado textos, artigos e trabalhos na
literatura de maneira geral, que visam às potencialidades que a música possui, as quais favorecem a
educação, o ensino de idiomas, a percepção e compreensão de eventos relativos ao som, sua relação com
algumas matérias da escola, assim como com outras áreas do conhecimento, incluindo o vínculo entre
Física e Música e com os efeitos do ruído sobre a saúde dos seres humanos. Porém, no que se refere ao
ensino de Física, a literatura é escassa, se limitando à discussão do comportamento físico de alguns
instrumentos musicais e não se trata o assunto referido ao ruído como agente contaminante do entorno e
seus efeitos malignos para a saúde humana.
Dessa forma, se faz evidente a falta de uma abordagem sobre a contaminação ambiental causada
pelos altos níveis de som (ruído) a que somos expostos diariamente nas nossas cidades.
A preocupação com os níveis de ruído em relação com o ambiente é principalmente por questão de
saúde. Segundo Carneiro (1999) desde 2500 anos atrás estas questões constituíam um problema. Os
primeiros relatos sobre a surdez datam desta época em que moradores das proximidades das cataratas do
Rio Nilo, desde então estabeleciam um vínculo causal entre o ruído e a perda da audição. Também
descrições sobre sons ambientais provocados por meios de transporte relacionados aos animais
incomodavam, na Roma Antiga, as pessoas que se encontravam nas imediações.
No que diz respeito à Física, pensamos que é importante levá-la a sala de aula para discutir o
conhecimento físico relativo aos fenômenos do cotidiano, à cultura, aos eventos nos quais o estudante está
em contato constantemente. Nesse sentido, Zanetic chama a atenção com a seguinte colocação, se
referindo à Física:
Ela deve participar da formação cultural do cidadão contemporâneo, pois está
relacionada com outras áreas do conhecimento e está imersa no desenvolvimento
histórico da humanidade.
Quando se fala de cultura, raramente a física comparece na argumentação. Cultura é
quase sempre evocação da obra literária, sinfonia ou pintura, cultura erudita, enfim.
Tal cultura, internacional ou nacional traz à mente um quadro de Picasso ou de
Tarsila, uma sinfonia de Beethoven ou de Villa Lobos, um romance de Dostoievski ou
de Machado de Assis, enquanto que a cultura popular faz pensar em capoeira, no
samba de Noel ou em um tango de Gardel. Dificilmente, cultura se vincula com o
teorema de Godel ou com as equações de Maxwell! (Zanetic, 2006, p. 49).
Por esta razão, pensamos que é necessário explicitar em aulas o vínculo dos conteúdos de Física
com outras disciplinas, em particular, com os eventos sonoros do cotidiano como a Música e, em especial,
com a poluição ambiental devida aos altos níveis de som (ruído) a que somos expostos em nossas cidades.
METODOLOGIA
Inicialmente foi feita uma análise interpretativa dos temas: Movimento Harmônico, Movimento
Ondulatório e Ondas Sonoras nos livros de Física do Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio
2603.2
CADERNO DE FÍSICA DA UEFS 13 (02): 2603.1-11, 2015
Física e Ruído...
(PNLEM) e no livro de Física para o primeiro ano do ensino médio cubano. Esta análise foi realizada a
partir de questões que revelam o vínculo entre os princípios físicos que regem estes temas e suas
aplicações aos eventos sonoros relativos à música e ao ruído. Para tal, nos baseamos na análise de
documento, de forma a poder ver como é tratado o conhecimento e se é enfocado de forma que os
estudantes percebam o vínculo com a música e com a contaminação sonora. Sendo assim, nosso trabalho,
neste artigo, se sustenta numa visão interpretativa dos temas acima citados nos livros de Física para o
ensino médio, segundo previsto pelo PNLEM (2009):
[...] o interpretativismo emerge em contraposição ao positivismo, em uma tentativa de
compreender e explicar a realidade humana e social. Aproxima aos contrários, busca
derivações culturais e situa historicamente interpretações da vida social mundial.
(Crotty, 1998, p.66-67)
Para dar início à descrição dos pressupostos teóricos e metodológicos, sob os quais se sustenta
nosso estudo, pensamos pertinente dizer que foi feita uma análise para interpretar o discurso apresentado
pelos autores sobre os temas citados nos livros. Desta forma, para começar este trabalho se seguiu uma
visão qualitativa, pois se buscava inicialmente obter dados devidos à interpretação de como foram
tratados os conteúdos referidos e à descrição desses temas em questão (Bonilla, Willcox, 2004). Por outra
parte, fizemos uso de uma metodologia quantitativa no que se referiu ao estudo do comportamento
harmônico do trecho escolhido da música Tchori-Tchori de Marlui Miranda, na qual foi utilizada a
transformada rápida de Fourier. A escolha de Tchori-Tchori não tem maiores explicações que o
reconhecimento à qualidade da música indígena, da autora e de sua obra, assim como à banda que a
acompanhou “Uakti”, a qual explora o timbre dos instrumentos que utiliza. Este último processo nos
permitiu obter o espectro acústico do trecho musical para compará-lo com o espectro de um sinal de
ruído.
O LIVRO DIDÁTICO. AS CATEGORIAS DE ANÁLISE
Foram nos livros de Física do PNLEM (2009) e no livro de Física do primeiro ano do ensino
médio cubano onde analisamos a relação da Física com os fenômenos sonoros, especificamente o ruído e
a música. Isto, levando em consideração a existência de parâmetros que devem favorecer a visualização
deste vínculo e a relação de nossa ciência com outras áreas nas quais o ser humano se desenvolve.
Para Fracalanza (2003), existem critérios que devem estar presentes nos livros, os quais guardam
relação com as sugestões dos PCNs para o ensino de ciência no Brasil. São eles:
♦
Integração ou articulação dos assuntos abordados.
♦
Textos, ilustrações e atividades diversificadas que mencionem ou tratem situações do
contexto de vida do estudante.
♦
Informações atualizadas e linguagem adequada.
♦
Estímulo à reflexão, ao questionamento e à crítica.
Em particular, o livro serve de apoio à compreensão dos conteúdos da escola, neles devem
aparecer, implícita ou explicitamente, as ideias que figuram nos critérios apontados. Por exemplo,
concepções de arte, ciência, meio ambiente, tecnologia e de outros contextos dos quais o estudante faz
parte também.
2603.3
Jaime e Ponczek
CADERNO DE FÍSICA DA UEFS 13 (02): 2603.1-11, 2015
A coerência entre os livros, o trabalho do professor em sala de aula e os parâmetros curriculares
nacionais podem, entre outros fatores, contribuir para a criatividade e a reflexão que se requer do
estudante para a compreensão do mundo.
Os livros analisados são os seguintes de acordo com a Tabela 1.
Tabela 1: Livros Analisados.
nº
Ano
Livros
Volume
Autores
Editorial
1
1989
Física Primeiro Ano
Único
Grupo de autores
Pueblo y Educación
2
2005
Curso de Física
2
Máximo e Alvarenga
Scipione
3
2005
Física
Único
Alberto Gaspar
Ática
4
2005
Física, Ciência e Tecnologia
2
Carlos Magno e Paulo
César Martins
Moderna
5
2005
Física
Único
Sampaio e Calçada
Saraiva
6
2005
Universo da Física
3
Sampaio e Calçada
Scipione
7
2005
Física
Único
Aurélio Gonçalves e
Carlos Toscano
Scipione
Foram levadas em consideração no procedimento de análise adotado para os temas de interesse
durante a realização deste artigo categorias que revelam as sugestões dos PCNs (2000) para o ensino de
Física. Estas categorias são declaradas a seguir:
a)
Abordagem epistemológica (AE).
b) Abordagem histórica do tema (AH).
c)
Relação com o cotidiano (RC).
d) Exercícios propostos (EP).
e)
Poluição sonora (PS).
f)
Relação Física e Música (RFM).
ASPECTOS FÍSICOS DO TIMBRE COMO ELEMENTO DO SOM: HARMÔNICOS E
ESPECTRO ACÚSTICO
O timbre é dos atributos do som (Loureiro e Bastos, 2006), o que maior complexidade apresenta,
pois não está associado unicamente a uma dimensão física, portanto, não pode ser especificado
quantitativamente no sistema de notação musical. Neste sentido, estes autores defendem a ideia do timbre
ser percebido devido à interação de propriedades dinâmicas e estáticas que influem em aspectos
psicológicos e musicais a partir de um complexo conjunto de entes auditivos. Falar de timbre no que diz
respeito a questões científicas, acústicas e educativas implica levar em consideração o comportamento
harmônico que forma parte do evento sonoro de um único instrumento, família homogênea de
instrumentos, som ou voz. Este elemento do som está vinculado com a estrutura harmônica, ou seja, com
os componentes de freqüência que possui um som específico. A análise da contribuição harmônica de
2603.4
CADERNO DE FÍSICA DA UEFS 13 (02): 2603.1-11, 2015
Física e Ruído...
uma música de Marlui Miranda, intitulada “Tchori tchori”, nos permitiu identificar aqueles harmônicos
que tem maior destaque dentro do fragmento musical em questão. Tal identificação nos possibilitou
mostrar a diferença entre o espectro obtido para um fragmento musical e o gráfico espectral de um ruído.
À presença de harmônicos com suas respectivas freqüências e amplitudes devem os instrumentos
musicais, os eventos sonoros que reconhecemos diariamente e a voz humana, seu timbre característico.
Os harmônicos de um som são a maior prova da existência de um som complexo e dão a este uma série de
características particulares que permitem identificá-lo e o definem. Dessa forma, cada harmônico
componente de um som joga um papel fundamental e determinante.
No que se refere aos primeiros harmônicos de um som, é válido dizer que a intensidade destes vai
diminuindo com a freqüência o que é possível visualizar na Figura 1 (espectro acústico). Sendo assim, os
harmônicos de ordem superior perdem importância à hora de comprovar a qualidade de um som. Os
harmônicos, em matéria de fenômenos sonoros, são freqüências múltiplas de uma fundamental, portanto,
um harmônico é uma freqüência componente de um som emitido.
Devido à dependência do timbre com a complexidade do movimento vibratório que o originou é
impossível estabelecer uma unidade de medida ou escalas que possibilitem a comparação de sons com
respeito ao seu caráter tímbrico. Neste sentido, a partir da análise tímbrica de um som o que se pode obter
é um espectro acústico. Neste artigo, a utilização de tal princípio tem sido fundamental para conseguir a
análise harmônica do fragmento escolhido de “Tchori- Tchori”, pois este (o espectro) possibilita a
obtenção de um gráfico com a distribuição dos harmônicos com seus valores relativos de freqüências e
intensidades. Tal espectro constitui um diagrama de freqüência dos tons parciais que formam parte do
som, em função da amplitude de cada um deles (ver a Figura 1 e a Figura 2). No caso da primeira delas
constitui o espectro que temos tomado para exemplificar o que tem sido discutido até aqui neste item; a
Figura 2 representa a contribuição harmônica do fragmento musical estudado. As cristas na Figura 1
definem cada um dos harmônicos que compõem o som, sua freqüência relativa é representada no eixo X e
a intensidade do mesmo é medida no eixo Y.
180
3000
160
140
2500
120
Amplitude
Amplitude
2000
1500
100
80
60
1000
40
500
20
0
0
0
1000
2000
3000
4000
5000
6000
0
Freqüência
2
4
6
8
10
Freqüência
Figura 1: Espectro Acústico do fragmento de “TchoriTchori”.
2603.5
Figura 2: Contribuição harmônica do fragmento de
“Tchori- Tchori”.
Jaime e Ponczek
CADERNO DE FÍSICA DA UEFS 13 (02): 2603.1-11, 2015
SOBRE FÍSICA E RUÍDO NO MEIO AMBIENTE
Até aqui temos tratado aspectos relativos ao timbre como elemento do som; apontando aspectos
relativos a sons que podem resultar agradáveis. Agora voltando novamente ao ensino de Física, pensamos
pertinente explicitar nos manuais didáticos, nas aulas e atividades de laboratório, referentes aos tópicos de
interesse aqui citados, que não todos os sons são musicais e que não todos nos são agradáveis.
Lamentavelmente somos expostos a muitos deles com certa regularidade. O ruído é um dos problemas
mais relevantes e um dos que mais nos afeta na cotidianidade. Sua dimensão no nível social é
significativa nos dias de hoje. As fontes que o produzem são diversas passando pelos meios de
comunicação (carros de som, trios elétricos), meios de transporte, atividades de comércio e industriais.
Nos últimos anos têm sido várias as sentenças relativas a organizações de saúde que reconhecem o ruído
como um ente de risco sanitário a tal ponto que a legislação laboral reconhece a surdez (hipoacusia) como
acidente de trabalho devido à exposição dos trabalhadores ao ruído. Questões como estas são
promulgadas nos PCNs (2000) para o ensino de Física no Brasil, mas não aparecem nos livros de Física
do PNLEM (2009).
Neste sentido, os textos deveriam tratar a questão do ruído desde uma perspectiva Física,
aproveitando os temas em que tem sido centrado este artigo. Tendo em conta definições de ruído que o
apresentam como a emissão de energia originada por um fenômeno vibratório que é detectado pelo
ouvido e provoca sensação de incômodo.
Segundo o Observatório de Saúde e Meio Ambiente de Anda Lucía (OSMAN) o ruído está
integrado por dois componentes de igual importância, um de natureza física (a perturbação de um meio
elástico); o outro de caráter subjetivo que é a sensação de incômodo.
Tanto os livros de Física, como as discussões em sala de aula de Física, em concordância com os
PCNs (2000), devem tratar o comportamento do ouvido humano o qual permite que este seja capaz de
perceber e suportar sons correspondentes a níveis de pressão entre 0-120 dB. Este último nível define
aproximadamente o umbral de dor. Valores superiores aos 120 dB podem causar danos físicos em nosso
órgão auditivo.
Neste sentido, o ensino de Física hoje demanda uma linha divisória entre o ensino tradicional de
Física do qual tanto se tem falado e escrito, e um ensino de nossa ciência que gere significados para os
estudantes. E melhor ainda, que sejam capazes de aplicá-lo em suas atividades a favor da sociedade e do
contexto no qual se encontrem inseridos.
FONTES DE RUÍDO URBANO E PROBLEMAS DE SAÚDE.
As fontes consideradas como principais na geração de ruído em ambientes urbanos são as
seguintes:
Trânsito e transportes: constituem a principal fonte de contaminação acústica ambiental.
Ruído industrial: este tipo de ruído contém tanto altas como baixas freqüências,
componentes tonais e padrões temporais desagradáveis.
Construção e serviços: aqui se encontram os ruídos causados por trabalhos de construção
e escavação de prédios. Os serviços de coleta de lixo e limpeza.
2603.6
CADERNO DE FÍSICA DA UEFS 13 (02): 2603.1-11, 2015
Física e Ruído...
Atividades domésticas e de ócio: motores de água em zonas residenciais, bombas de calor
e sistemas de ventilação, música com alta intensidade e ruídos causados por vizinhos.
Com todas estas fontes estamos bem identificados e assim mesmo todas afetam nosso sistema
auditivo; razão essencial de nosso bem-estar se levamos em consideração a definição de ruído da OMS; o
incômodo provocado pelo ruído pode ser considerado um problema de saúde. Exemplos destes são:
A depressão é um problema de saúde que em determinados casos aparece relacionada
com a constante exposição ao ruído.
Os problemas de insônia causados pelo ruído afetam o desenvolvimento cognitivo.
A provocação de doenças psicossomáticas.
Distúrbios
comportamentais
nos
seres
humanos,
problemas
neurológicos
e
endocrinológicos.
Tais efeitos podem ser atenuados com a elaboração de programas educativos e de medidas para a
fiscalização dos níveis de ruído.
A Física no ensino médio é uma fonte que abre espaço para a discussão destes aspectos.
Especificamente na divulgação e compreensão dos efeitos do ruído no meio ambiente e principalmente no
que se refere a questões de saúde e contaminação ambiental.
RESULTADOS OBTIDOS, CONSIDERAÇÕES E PROPOSTAS DE ABORDAGENS
Uma vez feita a análise dos livros do PNLEM (2009) e do livro de Física do primeiro ano da
escola cubana, nos propomos apresentar os resultados desta análise, focando nas categorias sobre as quais
nos baseamos para a revisão das obras e destacando principalmente aquelas que são objeto deste artigo:
Relação com a música e a Poluição sonora. É válido chamar a atenção que as nossas categorias revelam
sua vigência e coerência com as propostas dos PCNs (2000).
Ao validar os conteúdos que foram de nosso interesse no trabalho, com elas percebemos que
existem divergências entre algumas das obras do PNLEM (2009) e dos PCNs (2000). A Tabela 2 mostra
o que encontramos a partir da análise dos livros.
Tabela 2: Análise dos livros a partir das categorias.
AE
L
I
B
R
O
S
1
2
3
4
5
6
X
X
ϕ
ϕ
X
X
X
X
X
Φ
X
X
Φ
X
X
X
X
AH
RC
EP
PS
RFM
LEGENDA
AE - Abordagem Epistemológica.
AH - Abordagem Histórica.
RC - Relação com o Cotidiano.
2603.7
7
Jaime e Ponczek
CADERNO DE FÍSICA DA UEFS 13 (02): 2603.1-11, 2015
EP - Exercícios Propostos.
OS - Poluição Sonora.
RFM - Relação Física e Música.
X - Representa a presença da categoria no tema de interesse que analisamos dentro do livro em
questão.
ϕ - Representa a presença da categoria, mas não se apresenta vinculada com a música nem com a
poluição sonora.
Com a análise realizada através da categoria RFM conseguimos perceber que um dos fatores que
dificulta a visualização da relação entre Física e Música pela sociedade em sua amplitude é a insuficiente
discussão apresentada nos livros a favor deste vínculo. Por outro lado, percebemos uma deficiência
respeito à coerência entre os livros de Física do PNLEM (2009) e as proposições apresentadas nos PCNs
(2000). Nesse sentido, nenhuma das obras induz à reflexão sobre os problemas de poluição sonora,
categoria PS, e sua influência na saúde humana. Não existe abordagem ambientalista que leve as pessoas
a tomar partido a favor da preservação do meio ambiente, no que se refere ao som.
Referindo-nos à música estudada a Figura 2 mostra o destaque na contribuição harmônica nas
bandas de freqüências 3 e 4 respectivamente situadas nos intervalos (125-250 Hz) e (250-500 Hz). A
partir deste resultado é importante ressaltar para o estudante que cada um dos intervalos se refere a
intervalos de freqüências audíveis para o ser humano e que estes harmônicos com esta característica são
chamados de harmônicos presentes o que conseqüentemente abre uma brecha para fazer alusão às
freqüências infra e ultrassônicas. Dessa forma, existirá visivelmente para o estudante vínculo entre o
conteúdo que recebe em aula com aquele da sua vida cotidiana. Válido explicitar que, ainda que as outras
contribuições por bandas sejam menores, elas definem o timbre do som que ouvimos. Enfim, que se
constituem numa série de elementos do saber físico relativo à música que podem estar ao alcance do
estudante aproximando-o da Física de forma que nossa disciplina ganhe significado para eles.
Fazendo uma rápida visualização da Tabela 2, se percebe que a categoria menos favorecida pelos
autores dos livros de Física analisados é a Poluição Sonora (PS). Nesse sentido, no que se refere a esta
categoria consideramos válida a sua existência nestes capítulos, pois possibilita apontar a diferença que
existe entre ruído e som, de forma que, com esse tratamento, se possibilita a coerência que deveria existir
entre os livros didáticos e os Parâmetros Curriculares Nacionais. Propomos, portanto, que este ponto seja
iniciado com a definição destes dois elementos sonoros e os efeitos que estes podem provocar nos seres
humanos.
Som, num sentido restrito, segundo Calvo –Manzano (1991) é toda sensação agradável produzida
por movimentos vibratórios de altura definida e de proveniência fácil de estabelecer. Outra definição que
se pode discutir em sala de aulas é que são considerados sons todos aqueles complexos sonoros que
obedecem à Lei de Fourier. Ou seja, a composição de uma freqüência fundamental com uma série de
harmônicos próprios. Mas, esta última exclui outras manifestações sonoras que identificamos como sons,
embora não se ajustem à lei de Fourier. Este é o caso dos instrumentos placófonos e membranófonos. É
aceita de maneira geral uma definição de som que versa sobre a sensação agradável que se produz no ser
humano independente das características do complexo sonoro e de como o som tenha sido produzido.
2603.8
CADERNO DE FÍSICA DA UEFS 13 (02): 2603.1-11, 2015
Física e Ruído...
Por sua parte, ruído é a mistura complexa de freqüências diferentes as quais produzem no ouvinte
freqüentemente uma sensação desagradável. Fisicamente o ruído é um som de grande complexidade,
resultante da superposição inarmônica de sons provenientes de variadas fontes. Sendo assim, sua
composição não admite nem segue nenhuma lei ou ordem de formação.
Achamos pertinente propor a análise em aulas de Física de espectros obtidos, por exemplo, para o
fragmento de “Tchori tchori “ representado na Figura 1 e o espectro de um sinal de ruído representado na
Figura 3, nos quais o estudante possa perceber visualmente o descrito até aqui. Assim como também os
efeitos negativos que podem causar no ser humano a exposição a altos valores de intensidade sonora.
Figura 3: Espectro Acústico de um sinal de Ruído.
CONSIDERAÇÕES
A discussão sobre estes aspectos tanto desde o ponto de vista musical como desde o ponto de vista
do ruído permitirá que os estudantes percebam as diferenças entre um e outro evento: a regularidade que
se percebe no primeiro caso referido a espectros musicais e a irregularidade devida à complexidade do
conjunto sonoro (ruído). Tudo com o objetivo de incrementar o conhecimento, em favor da saúde e do
cuidado com o meio ambiente, que se procura com o ensino de Física.
Basta reparar na Figura 1 (espectro musical) onde existem freqüências harmônicas e onde a
amplitude destas diminui com o aumento da freqüência. Além disso, se distingue facilmente o harmônico
de maior amplitude que representa a freqüência fundamental do fragmento de musical.
Por sua vez, o espectro de ruído representado na Figura 3 nos oferece outras informações. Como se
pode ver a onda resultante não é periódica e não apresenta harmônicos. Tais irregularidades têm sua
repercussão no incômodo como é percebido o ruído, pois quando somos submetidos a este tipo de evento
chegamos a sentir irritação. O que demonstra o efeito psicológico devido à estrutura inarmônica do sinal o
qual é visivelmente diferençável do sinal musical (periódico) da Figura 1.
Apresentar este tema em aula de Física implica que o estudante deva sair dela sabendo que o ruído
é resultante da superposição inarmônica de sons que nos chegam de fontes diversas. Tratar estes aspectos
coloca a Física ao alcance dos estudantes, contextualizando o conhecimento e explicitando a aplicação
destes saberes no dia-a-dia. Somos nós, professores de Física, os encarregados não só de transmitir o
conhecimento da nossa disciplina, mas de fazer visível para os estudantes que estes saberes formam parte
do contexto social, científico e tecnológico que vive a humanidade.
2603.9
Jaime e Ponczek
CADERNO DE FÍSICA DA UEFS 13 (02): 2603.1-11, 2015
REFERENCIAS
ABDOUNUR, O. J. Matemática e Música: o pensamento analógico na construção de significados. São
Paulo: Escrituras, 1999.
BONILLA, M. P.; Willcox, M. R. Guía para la elaboración de investigación social. Ciudad México:
CNEIP, 2004.
CALVO-MANZANO, A. Acústica físico- musical.Madrid. Real Musical, 1991.
CAMPOS, C. Musicalizando da escola: música, conhecimento e educação. São Paulo: Escrituras, 2008.
CARNEIRO, L. Efeitos do ruído ambiental no organismo humano e suas manifestações auditivas.
CEFAC, Goiânia, 1999.
CASTRO, I. Música e Ciência ambas filhas de um ser fugaz. RED POP. Unesco, 2007.
CHROBAK, R. Un modelo de instrucción, para la enseñanza de la Física, basado en una teoría
comprensible del aprendizaje humano y experiencias de clase. Investigações em ciencias, São
Paulo, v2 (2), p. 105-121, maio. 1997.
CROTTY, M. The foundations of social research: Meaning and perspective in the research process. Sage
Publications. London, p.66-67, 1998.
FRACALANZA, H.; MEGID, J. O livro didático de ciências: problemas e soluções. Ciências e
Educação, São Paulo, v. 9, n. 2, p. 147- 157, 2003.
GASPAR, A. Física volume único. 1.ed. São Paulo: Ática, 2007.
GODOY, A. Introdução à pesquisa qualitativa e suas possibilidades. Revista de Administração de
empresas, São Paulo, v.35, n.2, p.57-63, Mar/Abr.1995.
GONÇALVES, A.; TOSCANO, C. Física volume único. 1.ed. São Paulo: Scipione, 2007.
GREY, J. Multidimensional perceptual scaling of musical timbres. J. Acoust. Soc., 1977.
HAMEL, P. O autoconhecimento através da música: uma nova maneira de sentir e viver a música.
CULTRIX. São Paulo, p. 169, 1995.
LINS, H. Música, Pintura, Física e as leis Universais. Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas/Ministério
da Ciência e Tecnologia, p. 1-12, 2003.
LOUREIRO, M; BASTO, H. Timbre de um instrumento musical. Per Musi, Belo Horizonte, n.14, p.5781, 2006.
MACHADO, A. Poluição sonora como crime ambiental. CESUSC, 2007.
MACHADO, A. H. Aula de química: discurso e conhecimento. Ijuí: Unijuí, 2002.
2603.10
CADERNO DE FÍSICA DA UEFS 13 (02): 2603.1-11, 2015
Física e Ruído...
MÁXIMO, A.; ALVARENGA, B. Curso de Física 2. 5. ed: São Paulo: Scipione, 2005.
PCNs. Ciências da natureza Matemática e suas tecnologias. Ministério da Educação. Salvador, 2000.
ROEDERER, J. Acústica y psicoacústica de la música. Melos, Buenos Aires. 2009.
SAMPAIO, J. L.; CALÇADA, C. S. Universo da Física. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
SAMPAIO, J. L.; CALÇADA, C. S. Física. 2. ed. São Paulo: Atual, 2005.
SANTOS, L. Educação científica na perspectiva de letramento como prática social: funções,
princípios e desafios, 1999.
SILVA, S. R. Música na Educação de Jovens e Adultos: mais que um Recurso Pedagógico.
Universidade Federal de São Carlos. Grupo Temático: Práticas Escolares e não escolares e
Organizações alternativas, 2001.
VALDÉS, P. et. al. Física décimo grado. Habana: Pueblo y Educación, 1989.
VIANNA, D. A física ainda é cultura? Formação cidadã para nossos alunos- um contexto cultural
para o ensino de Física. Livraria da Física, 2009.
WUO, W. A física e os livros. São Paulo: PUC-SP, 2000.
ZANETIC, J. Física e arte: uma ponte entre duas culturas. Pro- Posições, Campinas, v.17, n.1, 39-57, jan./
abr. 2006.
2603.11

Documentos relacionados