Máscaras e Marionetes: Teatro para crianças?
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Máscaras e Marionetes: Teatro para crianças?
Máscaras e Marionetes: Teatro para crianças? Cristiane Pimentel Neder Índice 1. Referências Bibliográficas 8 Abstract The theater of animated forms is not a theater exclusively for children, this text aims to show that this theater is for all audiences and parts. Resumo Resumo: O teatro de formas animadas não é um teatro exclusivamente para crianças, este texto tem a finalidade de mostrar que este teatro é para todos os públicos e peças. A máscara e as marionetes não são feitas somente para contar estórias para crianças no teatro. Elas podem servir a qualquer tipo de estória, sem que, para isso, percam a capacidade de pertencerem ao mundo do imaginário, seja a peça infantil ou adulta. Estórias podem ser contadas ou encenadas para qualquer idade, os personagens é que são adaptados dependendo de cada mensagem e contexto do texto. Exemplificando: a figura de uma bruxa pode estar presente numa peça da estória infantil Branca de Neve como também na adaptação do livro O Nome da Rosa de Umberto Eco. Entretanto, a mesma personagem tomará significados diferentes dependendo da sua colocação no texto, mesmo sendo a mesma personagem na imagem e não na personalidade que varia conforme cada situação da obra. Numa outra abordagem, mas com perspectiva semelhante, nos jogos eróticos em realidade virtual para computadores em que o jogador tem uma relação sexual com um personagem, participando de um mundo e de um momento imaginário, isto significa que não só as crianças pisam neste território da vivência lúdica, seja no teatro ou fora dele. Todos nós adultos carregamos traços da personalidade do personagem Peter Pan, podemos quando adultos ainda gostar de coisas de criança, sem que para isto divorciemos da maturidade. Todas as pessoas têm a capacidade de imaginar, sonhar, brincar e inventar, não sendo uma propriedade exclusivamente infantil. A prova real e material disto pode ser vista nos parques de diversões onde existem brinquedos frequentados somente por adultos e nem por isso deixam de ser brinquedos. As peças de teatro, de formas animadas, de todas as genealogias, podem ser destinadas a qualquer público também. Devese considerar, no entanto, a existência dos indicadores classificatórios, que orientarão os espectadores interessados numa determi- 2 nada montagem teatral, no sentido de que ele tenha uma informação antecipada se aquela peça é ou não indicada para tal idade. Porém, as marionetes e/ou máscaras inseridas naquela peça não serão os objetos classificadores dessa montagem, mas sim a estória que será contada e a forma de como será mostrada. O filme Os Sete Gatinhos (1980) roteiro baseado na obra de Nélson Rodrigues com direção de Neville de Almeida, por exemplo, tem um nome que parece de um desenho animado, que se ele fosse trocado de prateleira na locadora de vídeo, do gênero erótico para o infantil, poderia ser alugado por uma mãe desavisada, pois o título é ingênuo, mas o contexto da estória está muito distante de sêlo. Assim, a máscara e a marionete também só irão ter um sentido infantil se forem usadas numa peça para crianças. Contudo, a mesma máscara e marionete podem até, depois, ganhar outra ‘vida’ numa peça adulta, pois o papel que ela ‘veste’ é outro completamente diferente. No sentido oposto do filme que apenas muda de prateleira, já que ele terá igual conteúdo mesmo que seja imigrado de uma prateleira para a outra, mas a máscara e a marionete, ao contrário, caso troquem de peça de adulto para infantil e vice e versa, terá todo um sentido transfigurado. O fato de o teatro de formas animadas inserir e trabalhar com objetos, sombras, máscaras, luzes e, em especial, marionetes e bonecos não o caracteriza como um teatro apenas para crianças. Existem atores, diretores e produtores menos ou mais talentosos ou qualificados em qualquer peça seja adulta ou infantil, independente da sua categorização. Existem peças mal e bem construídas para qualquer idade e é um preconceito achar Cristiane Pimentel Neder que as marionetes e os bonecos são ‘coisas’ de criança. As peças de formas animadas requerem uma especial preparação do ator para manipular, de forma espetacular, o boneco ou dar expressão e emoção à máscara. Há o teatro para crianças e o teatro para adultos, mas não há máscaras, bonecos e marionetes classificados como tais. Segundo Amaral (1993 p. 71): Nos últimos anos, convencionou-se usar a palavra boneco como um termo genérico que abrangesse suas várias técnicas. Assim, marionete é o boneco movido a fios; fantoche, ou boneco de luva é o boneco que o bonequeiro calça ou veste; boneco de sombra refere-se a uma figura de forma chapada, articulável ou não, visível com projeção de luz; boneco de vara é um boneco cujos movimentos são controlados por varas ou varetas; marote é também um boneco de luva que o bonequeiro veste e com sua mão articula a boca do boneco. O ator vestido com o personagem-boneco pode ser um boneco-máscara ou uma máscaracorporal. Ou seja, as definições de Amaral (1993), subdividem os tipos de bonecos e como eles são utilizados, sem, entretanto, atribuir diferentes segmentações de públicos alvos para eles. A autora faz uma distinção entre o teatro de bonecos e a boneca de brinquedo, quando relata: “Num teatro de bonecos, o boneco não é nunca mecanizado, eletrônico ou autômato. Distingue-se também da boneca, objeto lúdico infantil, a animação que ocorre é uma relação íntima existente en- www.bocc.ubi.pt 3 Máscaras e Marionetes: Teatro para crianças? tre a criança e o seu objeto, e independe do público”. (AMARAL, 1993, p. 72). Evidentemente, isso não significa que esta relação venha a ser modificada caso no futuro em virtude da evolução tecnológica haja a possibilidade de se ter bonecos robôs em cima de um palco e deles serem operacionalizados por controle remoto ou por outros meios eletrônicos, pois o público no teatro será sempre presente, mesmo que os atores formais estejam ausentes. O teatro é realizado com sua quarta parede: o público que dá retorno das suas emoções coletivamente em qualquer montagem ou estrutura. Atualmente os meios de comunicação mostram em qualquer horário propaganda de conteúdo sensual, desenhos com ações violentas, Sessões da Tarde e novelas vespertinas com cenas fortes. Por estes motivos também é muito difícil traçar uma fronteira que determine onde termina o repertório de conteúdo para crianças e onde começa para adultos. Este questionamento também pode ser introduzido no ambiente teatral: Qual peça de teatro é dirigida para o público infantil e qual é para adulto, num mundo onde os conteúdos se misturam e se tocam frequentemente? Sendo assim as máscaras e marionetes podem ser criadas tanto para montagens teatrais adultas quanto infantis, pois, conforme demonstrado, o ‘enigma’ não está dentro delas, e sim em como serão utilizadas e em qual contexto irão servir. O homem pode ser interpretado em várias fases da sua vida e continuar sendo o mesmo homem sem perder a sua essência. A magia e o encantamento dos bonecos, marionetes e máscaras também podem viver várias vidas, de formas infantis ou adultas, sem perder a www.bocc.ubi.pt essência de cada uma delas. O ser humano em qualquer estágio da sua evolução pode ressuscitar a criança do passado que não está morta somente adormecida e a arte é o caminho para este despertar constante. O livro Teatro de Animação: da Teoria a Prática, de Ana Maria Amaral nos fala: A representação icônica do homem, e o uso de objetos simbólicos fizeram sempre parte de rituais sagrados. Rituais esses que, com o tempo, se dessacralizaram e foram se transformando em espetáculos mais ligados à música e à dança, acompanhados por recitativos. Máscaras e bonecos eram elementos fundamentais dessas manifestações (AMARAL, 1997, p. 15). A autora nos mostra que a representação icônica do homem através de máscaras e bonecos usados no passado nos rituais nada tem a haver com as crianças, a não ser que representasse um espírito de uma criança no ritual, mas mesmo assim não seria um ritual destinado para crianças participarem. Só mais tarde e mais no Ocidente é que os bonecos vão estar em peças infantis. Proscham (1983) coloca que o teatro de bonecos tem enfoques diferentes para um adulto e para uma criança. Segundo o ator um adulto vê um boneco de forma divertido, cômico, enquanto as crianças, mais ingênuas ou desprovidas de conceitos, o percebem em seu significado real. A realidade da criança é aquilo que ela crê e não aquilo que realmente existe. O boneco para ela é um ser ‘vivo’, no sentido de que mora no seu imaginário e lá ele tem vida própria. Ela não racionaliza sobre o fato dele ser somente um objeto ou uma figura feita de 4 Cristiane Pimentel Neder algum material como madeira, papel, plástico ou outro. Para a criança, o boneco é provido de alma no sentido mais soberano da palavra. Construir um boneco vai além de se dar uma forma a ele, é saber que esta forma ganhará animação numa etapa seguinte. Segundo Amaral (1997 p. 54): Na história do teatro de bonecos – tanto no teatro de sombras, como no teatro de bonecos de vara ou luva – os temas estão sempre ligados à tradição, ao passado, aos deuses, ao sagrado. Durante muitos séculos o boneco aparece ligado ao teatro épico, um teatro simbólico, visual, poético-narrativo. Revendo historicamente o teatro de bonecos, observa-se que ele não foi feito somente para as crianças, mas para ser percebido por todos como um teatro igual em importância a todos os demais. Amaral continua: “Nas marionetes existem a preocupação da cópia perfeita do homem, seu corpo, seus movimentos” (AMARAL, 1993, p. 166). Mas, mesmo imitando o homem e levando sua semelhança ao boneco, ele somente o representa. . Os bonecos estão associados ao mundo mágico, de dar ‘vida’ a um objeto em cena. As máscaras usadas hoje em festas infantis, industrializadas, em alguns casos imitando personagens de desenhos animados, e outras confeccionadas para o teatro infantil ou adulto pouco tem a ver com aquela máscara usada antigamente em rituais, exceto no sentido mágico de transferir energia a ela. A máscara usada pelos antepassados encarnava espíritos. A máscara teatral de hoje é um instrumento que o ator usa para compor um personagem. O ator é um inquilino dentro dela, e ambos acabam se metamorfoseando em cena, como um inquilino que muda de residência quando a peça é infantil e quando a peça é adulta, numa mutação em que só o olhar permanece ateu. Interessante lembrar o poema de Fernando Pessoa, de título Tabacaria, publicado em 1928: “Quando quis tirar a máscara estava pegada à cara. Quando a tirei e me vi no espelho já tinha envelhecido”. A analogia é válida: quando o ator entra em cena, a máscara transforma-o em outra pessoa. Quando a peça é para o público infantil, pode ser que ele rejuvenesça, pelo menos na linguagem; quando é para o adulto, pode ser que ele envelheça, não somente nas palavras. Nesse contexto, o boneco adquire uma representação maior, muito além do ser humano no teatro. A marionete pode ser um boneco ou um objeto como um carro, um avião, um tomate, um garfo, que ganha ação ou que se comporta como se fossem humanos ou tivessem ‘vida’ próprias. É o garfo que fala com o alimento no prato ou o avião que cabe dentro do palco. É o cachorro que conversa com a garotada que assiste à peça, fazendo-os participar. Ou a barata, como na adaptação da peça adulta Metamorfose de Kafka, que pode pensar, ter sentimentos e medo de morrer, como qualquer um de nós. Os adultos e as crianças conversam com seres que, na realidade, não emitem respostas. Entretanto, dá-se vida àquilo. Mas é só um objeto ou tem uma vida parcial parecida com a dos humanos nutrida pelo imaginário infantil Os adultos, na arte ou brincando, pintam olhos em frutas e alguns conversam com seus animais de estimação e até com as plantas. É evidente que eles gostariam de obter uma resposta, que só a arte pode os dar. No teatro de formas www.bocc.ubi.pt Máscaras e Marionetes: Teatro para crianças? animadas, podem-se obter estas respostas, mesmo que elas sejam inventadas, dando uma satisfação ao público a esta frustração cotidiana de viverem num monólogo ou num diálogo incompleto com estes seres. No teatro de formas animadas, tanto para adultos quanto para crianças, o monólogo deixa de existir e o diálogo torna-se ‘verdadeiro’, pelo menos no sentido de ser respondido. Há um certo preconceito da cultura ocidental em ver o teatro de bonecos associado meramente às crianças, como explica Amaral (1993 p. 6): No teatro de animação, o gênero que mais se conhece é o do teatro de bonecos, que de forma geral tem, entre nós, as características do teatro de bonecos europeu, ou ocidental, isto é, alijado das suas conotações originais, sufocando, como foi pelo pensamento racionalista. Um teatro que, sem o apoio de um pensamento religioso, do qual se originou, ficou relegado ao imaginário infantil e popular. Eventualmente, o adulto pode ainda identificar nele algo que dentro de si mesmo está sufocado, e disso, muitas vezes, não tem nem consciência. Algo que escapa do realismo e o fascina, mas que a nossa cultura erudita procura sempre denegrir ou ignorar. Já no Oriente esse conceito não sofreu as mesmas sanções e lá o teatro de bonecos continua em seu devido lugar, ligado ao sobrenatural e ao melhor da tradição. No oriente os teatros de bonecos possuem um teor mais adulto em seus textos e montagens, paradoxalmente com origens distintas: de um lado, estórias profanas, e de outro, o sagrado. Os fundamentos do sagrado www.bocc.ubi.pt 5 vêm do budismo, enquanto o profano vem de estórias populares, contos de gueixas e marginais da sociedade. Afinal, não há moral para o teatro. O teatro é uma arte que tem vários lados humanos a serem revelados, nem bons e nem ruins, apenas humanos. Dentro dessas duas vertentes, ao mesmo tempo, moram os adultos e as crianças, pois não há criança completamente angelical e nem adulto completamente racional, que não possa se emocionar com uma fantasia. Os papéis de ambos os lados não são engessados, senão a arte não teria sentido. Então como descosturar o figurino do preconceito que a sociedade ocidental carrega em ver o teatro de máscaras e marionetes como um teatro infantil? Para tal, é preciso torná-lo uma expressão artística que consiga falar todas as línguas ao mesmo tempo. Ou seja, um teatro plural feito para crianças e adultos sem discriminação, com temáticas que interessem aos adultos, que retratem questões contemporâneas e que também não deixem de conversar e ser o ‘amigo’ que a criança quer ter. Um lugar onde ela se sinta à vontade para ser levada a ‘sério’, e que sua forma inocente de ser não seja excluída, mas dê mais razão à vida, que, mesmo na brincadeira, seja uma vida cheia de riquezas, talvez a mais repleta delas. O teatro de formas animadas explora o imaginário com marionetes, máscaras e outros objetos de cena. Sua essência é torná-lo ‘vivo’ ao espectador. Todos nós, em qualquer idade, somos seres que precisamos nos alimentar diariamente do imaginário, senão a nossa existência seria destemperada. Suprimos nosso imaginário quando sonhamos em ganhar na loteria; fazemos planos sem ainda ter o dinheiro. Ou quando sim- 6 Cristiane Pimentel Neder plesmente olhamos uma vitrina e, numa cena com manequins parados atrás do vidro que contam também uma estória, imaginamos usar e usufruir daquilo que ainda não temos e nem sabemos se vamos ter. O teatro fornece em qualquer idade, por um momento aquilo que imaginamos e gostaríamos de ser ou ter. Mediante as marionetes, inconscientemente, vemos a nós mesmos, sem saber que ali está uma parcela do nosso ser. A máscara transfere-nos poder, ela oferece uma nova identidade, seja em qualquer idade. A máscara dá um poder do outro que, ocultamente, esta naquela fisionomia anônima, mas que nos amplia e nos dá dimensão extra ao usála. Não há época da vida para acontecer ou se perceber este fenômeno. Amaral (1993, p. 31) diz que: Esse processo mágico, essa comunicação, essa capacidade de captar vibrações e provocar mudanças ocorriam principalmente durante as cerimônias religiosas, pois todo o ambiente favorecia essas transformações. Com cantos, danças e pantomimas imitavam-se os animais para adquirir as suas energias; ou representavam-se as características dos antepassados para que eles viessem e ajudassem à comunidade. E nessas cerimônias, a máscara tinha um papel preponderante. A autora destaca igualmente: A máscara no teatro amplia conceitos, exagera fatos, amplifica a vida, mostra algo além do que aparenta [...]. À medida que os rituais decaíram, conforme observou Odette Aslan à máscara se dessacralizou e deixou de representar o divino, passou a representar apenas conceitos genéricos – nunca deixou, porém, de trazer em si a essência, de um fato ou de um determinado tipo ou personagem. E pelo fato de trazer sempre em si a essência de um fato ou de um caráter, ela representa vários fatos e vários tipos da sociedade, nunca um só fato, um só homem em particular (AMARAL, p. 33, 34). Se a máscara tem este poder, pode-se dizer que ele ocorre com qualquer ser, seja na menoridade ou na maioridade. Há a máscara de carnaval, a máscara sensual, a máscara infantil ou adulta do personagem herói ou vilão. Não à toa que quando uma criança coloca a máscara de um personagem herói pode acabar se machucando, pensando ser ele e ter seus magníficos poderes. A máscara rosto ou a máscara corpo, que nos veste da cabeça aos pés, faz com que nos sintamos outro ser. Neste sentido, a máscara, como objeto sagrado de rituais, não está morta. Há a máscara que pesa mais que nosso próprio rosto e há a máscara que alivia o nosso peso. O formato da máscara não é moldado pela idade que se tem, mas pela vida de outro alguém. A mesma máscara de uma princesa, por exemplo, pode ser diferente, dependendo da peça em que ela esteja presente, havendo uma presença sagrada em todas as formas usadas. Segundo Amaral (1993, p. 36), “As máscaras em Bali representavam tipos da comunidade. Esses tipos pertenciam a três categorias: os heróis, os monstros e os palhaços”. Quando somos crianças podemos reconhecer esses seres no nosso cotidiano, em qualquer sociedade, mesmo fora de Bali, e quando adultos também. O professor de educação infantil pode ser um monstro ou um herói www.bocc.ubi.pt 7 Máscaras e Marionetes: Teatro para crianças? dependendo das cicatrizes psicológicas que vai deixar. Geralmente para uma criança, um bombeiro é sempre um herói, pois salva vidas; já um lobo mau pode estar no nosso quintal, mesmo fora do teatro. . Aliás, observando os noticiários, quantos heróis, monstros e palhaços são reconhecidos sem os rotular desta forma. Os políticos podem variar de posição: ora são palhaços e ora são monstros e, com algumas exceções, são heróis. Todavia, o mundo político é adulto demais, e isto não quer dizer que em peças infantis não esteja presente este mundo político só que com outra linguagem. O teatro somente se apropria do que há na vida do dia-a-dia e os traz para cima do tablado, em encenações para quaisquer idades. Também nos conta de forma cômica ou trágica aquilo que inspirado no mundo real tem de melhor a mostrar. Com ou sem máscaras os tipos sociais habitam o palco. O erótico no Japão é visto no Kabuki, um teatro popular, que tem sua origem decorrente do Bunraku, um teatro de bonecos. O boneco pode transmitir e ensinar qualquer coisa, pois não é o boneco em si que faz isto, mas é o boneco acompanhado de uma estória. O boneco pode estar em várias situações teatrais diferentes. O boneco ou a máscara está a serviço do texto e do talento do ator. O contexto mudando na peça faz com que também o boneco submeta-se a esta transformação. Claro, há máscaras e bonecos construídos estritamente para uma finalidade: se uma máscara foi toda pensada para transmitir sensualidade, não será apropriada para uma peça infantil. Mas se uma máscara ou boneco simbolizam um homem ou mulher, que podem ser tanto adaptados a um con- www.bocc.ubi.pt texto quanto ao outro, não haverá problema algum intercambiarem de cenários. Segundo Amaral (1993, p. 56), O Bread and Puppet possui um complexo elenco de máscaras que assim foram classificadas por G. Fabre: máscaras-tipos; máscaras totens; máscaras-monstros; máscaras de guerra; máscaras de morte, além de figuras burlescas e caricatas... As máscaras-tipo são uma espécie de mitologia moderna. Representam, por exemplo, o poder. E as máscaras do poder, por sua vez, apresentam-se sob diferentes aspectos: a máscara dos que detém o poder, propriamente dito; a máscara daqueles que se opõe ao poder. As máscaras-tipos representam também grupos, por exemplo, o povo, o exercito e etc. Máscarastotens simbolizam idéias. Aviões com dentes, por exemplo, é uma imagem usada para representar os agentes da destruição. Outras máscaras-totens são o sol e a lua. Máscaras-monstros, animais, demônios ou espíritos representam forças do bem e do mal. Diferentes escalas de tamanho, tanto para máscaras como para bonecos são metáforas que o Bread and Puppet, constantemente usa. Em algumas companhias teatrais este lado do bem e do mal é subdividido em diversos personagens. A forma de entendimento das coisas do adulto e da criança é que se diferencia conforme vamos crescendo; não diríamos evoluindo, pois não sabemos se evoluímos ou não; cada caso é um caso. Numa peça infantil pode-se ter muitas realidades fortes subliminares no seu contexto, que quando adultos podemos perder a capacidade de entender por dificultar a forma 8 Cristiane Pimentel Neder de ver. A máscara e a marionete representam o geral da sociedade, tanto para crianças quanto para adultos, e não um ser em particular. Existem pessoas que sem maldade ou por falta de conhecimentos tratam o teatro de marionetes como uma expressão pejorativa de teatrinho, mas na verdade não é de forma proposital para inferiorizá-lo, mas porque elas associam como um teatro infantil só. As pessoas que ainda se referem ao teatro de marionetes e o de bonecos de forma miniaturizada o fazem porque às vezes a única experiência e contato com este teatro na vida delas foi quando eram crianças. Algumas pessoas nunca viram companhias teatrais que fazem teatro de marionetes para adultos e isto faz com que elas pensem este teatro desta forma. Mas esta relação do teatro de bonecos com a criança não é gratuita, e tem uma razão de ser por detrás deste estereótipo. Amaral (1993, p. 170) explica: Porque essa relação do teatro de bonecos com a infância? As razões são muitas e procuraremos sintetizá-las. [...] A criança dá vida a tudo que toca. Relacionase igualmente com o mundo vegetal, mineral, animal ou material. Anima objetos e se comunica com a natureza. Fala com as plantas, com as árvores, com as pedras, colheres e cadeiras, com seu gato ou com um macaco selvagem criado na sua imaginação, conversa com o vento e com as nuvens. É naturalmente animista. É como se o seu pensamento, ou a sua consciência, existisse ainda ligada a uma vida anterior, mas à medida que vai atingindo a idade da razão, vai dela se afastando. Embora esteja o teatro de marionetes associado às crianças, tanto ele quanto o de máscaras tem uma poesia perene para qualquer público. Segundo Machado (1970, p. 11): A atração que o teatrinho de bonecos exerce quer sobre crianças, quer sobre adultos, vem da mais remota antiguidade. Egípcios, chineses, javaneses faziam mover os seus bonecos; a história conta que grandes artistas e escritores se inspiraram muitas vezes em peças de marionetes para criarem suas obras-primas. Em países como a China, o teatro de bonecos sempre esteve ligado a opera. Por sua vez, as operas chinesas sempre tiveram uma ligação profunda com a dança. Na Índia, é um teatro ainda muito aproximado à religião e às suas crenças. Em suas estórias, Adi Nat teria sido um boneco que teria saído da boca do Brahma. Isso tudo mostra que a origem do teatro de bonecos e de marionete, em particular, é pertencente mais ao repertório adulto do que infantil. Mas, nem por isso, o ser adulto não possa ser infantil, quando ele se permitir reconstruir os laços umbilicais diante de qualquer criação artística. Cantar, dançar, brincar, sonhar e se emocionar com o que há de mais puro nos sentimentos humanos é um reencontro com nosso pequeno ser que mora dentro de um corpo grande. Sabemos ser pequenos não pela idade que temos, mas pela capacidade de passar pelo buraco da fechadura que divide o mundo real do irreal, em qualquer gênero de peça. Quando conseguimos adentrar neste mundo irreal, não é a idade que importa, mas como abrimos a porta. www.bocc.ubi.pt Máscaras e Marionetes: Teatro para crianças? 1. Referências Bibliográficas AMARAL, Ana Maria. Teatro de animação: da teoria à prática. Atelier Editorial: São Caetano do Sul – SP, 1997. AMARAL, Ana Maria. Teatro de Formas Animadas: Máscaras, Bonecos, Objetos. Editora da Universidade de São Paulo: São Paulo, 2ª edição 1993. FABRE, G. Les masques dans le theater américain d´aujourd’hui. In: O. Aslan & D. Bablet, op.cit, pp.249-250. MACHADO. Maria Clara. Como fazer teatrinho de bonecos. Editora Agir: Rio de Janeiro, 1970. PROSCHAM. F. The Semiotic Study of Puppets, Masks and Performing Objects. Semiotica International Association for Semiotic Studies, vol. 47, 1983. (Número Especial). CRISTIANE PIMENTEL NEDER, é graduada em no curso de comunicação social, habilitação em rádio e TV pela Universidade São Judas Tadeu, mestrado e doutorado em Ciências da Comunicação Social da USP – Universidade de São Paulo, Doctor Honoris Causa pelo Consejo Iberoamericano do Peru, escritora e poeta. EMAIL para correspondência: [email protected] www.bocc.ubi.pt 9