Deficiência de anticorpos polissacarídicos

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Deficiência de anticorpos polissacarídicos
09/32-05/194
Rev. bras. alerg. imunopatol.
Copyright © 2009 by ASBAI
ARTIGO ORIGINAL
Deficiência de anticorpos anti-polissacarídicos: Relato de Casos
Impaired polysaccharide responsiveness: Cases Report
Gesmar R.S.Segundo1, Karla P. Fernandes2
Resumo
Abstract
Introdução: A deficiência de anticorpos antipolissacaride
ou deficiência parcial de anticorpos é considerada uma das
quatro imunodeficiências mais comuns da infância e sua principal manifestação são as infecções bacterianas repetitivas das
vias aéreas.
Descrição: São relatados casos de três pacientes com historia de infecções de repetição de diferentes evoluções cuja
avaliação imunológica demonstrou uma produção alterada de
anticorpos ao Streptococcus pneumoniae após imunização para
os sorotipos testados, embora apresentasse níveis normais de
imunoglobulinas, cuja instalação de um tratamento adequado
promoveu a redução nas infecções bem como da qualidade de
vida desses pacientes.
Comentários: A grande maioria dos pacientes com deficiência de anticorpos antipolissacaride necessita de tratamento
antibiótico agressivo nas infecções, cursos de antibióticos profiláticos, e em alguns casos, de terapia de reposição de imunoglobulinas. Alguns pacientes podem se beneficiar da vacinação
heptavalente conjugada para o S.pneumoniae. É necessário
ampliar a informação médica com relação ao diagnóstico apresentado nessa série, bem como, melhorar a rede laboratorial
de propedêutica diagnóstica para permitir a identificação dessa
patologia.
Rev. bras. alerg. imunopatol. 2009; 32(5):194-198 Síndromes de Imunodeficiência, Infecções Pneumocócicas, Vacina
Pneumocócica.
1.
2.
Introduction: Impaired polysaccharide responsiveness or
partial antibodies defect is considered one of the four most
common immunodeficiencies in pediatric patients and is characterized by recurrent bacterial respiratory infections.
Description: Three cases are related with a recurrent infections history with different evaluations, which immunological
evaluations showed impaired antibodies response against
Streptococcus pneumoniae after immunization for tested serotypes, although presented normal levels of immunoglobulin.
The adequate treatment reduced the number and severity of
infections and improved the patient’s quality of life.
Comments: The majority of patients with impaired polysaccharide responsiveness require aggressive antibiotic treatment
during infections, series of prophylactic antibiotics, and, rarely,
IgG replacement. Some patients may clinical benefit from immunization with the conjugate vaccine to S.pneumoniae. It’s
important to improve the medical information about the presented diagnosis, in addition to amplify the number of practiced laboratories to better identification of this disease.
Rev. bras. alerg. imunopatol. 2009; 32(5):194-198 Immunologic Deficiency Syndromes, Antibody Deficiency Syndrome,
Pneumococcal Infections, Pneumococcal Vaccines.
acordo com a alteração da imunidade específica que podem ser subdivididos em defeitos de anticorpos ou humoral, defeitos combinados de células T e B, defeitos de imunidade inata, defeitos congênitos de fagócitos, deficiências
do sistema complemento, síndromes de imunodisrregulação e ainda, síndromes genéticas bem definidas com defeitos imunológicos. As deficiências de anticorpos correspondem a cerca de metade de todas as imunodeficiências1-3.
A resposta deficiente de anticorpos a antígenos polissacarídeo ou deficiência parcial de anticorpos (DAP) foi descrita no final dos anos 80 após a introdução de vacinas polissacarídicas não conjugadas para o Haemophilus influenzae tipo B4. Nesse estudo foram identificadas crianças
maiores de 2 anos de idade que tinham uma resposta de
anticorpos reduzida a essa vacina mesmo apresentando
uma resposta normal a outras vacinas. Posteriormente a
DAP foi descrita em adultos e ainda verificada a presença
de alguns grupos de maior prevalência como os índios nativos da América do Norte e os esquimós do Alaska4,5.
Atualmente, a DAP é uma doença caracterizada pela
presença de infecções respiratórias bacterianas recorrentes, na ausência ou redução significativa de resposta anticórpica a maioria dos antígenos polissacarídeos, com níveis
normais ou elevados de imunoglobulinas e subclasses de
IgG, bem como a resposta a antígenos protéicos preserva-
Doutor em Imunologia. Prof. Adjunto Pediatria do Centro Universitário de Patos de Minas. Médico Responsável pelo Ambulatório de Infecções de Repetição do Hospital de Clínicas da
Universidade Federal de Uberlândia;
Mestre em Ciências da Saúde. Medica Assistente do Ambulatório de Infecções de Repetição do Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia.
Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia. Faculdade de Medicina do
Centro Universitário de Patos de Minas.
Artigo submetido em 02.06.2009, aceito em 10.12.2009.
Introdução
As imunodeficiências primárias (IP) são alterações inatas da função do sistema imunológico que predispõe ao aumento do número e gravidade de infecções, além de desregulação do sistema imune levando a doenças autoimunes e
tumores. Apesar de serem consideradas doenças raras, as
IP quando ocorrem em cerca de um para cada 2000 nascidos vivos1.
A principal manifestação clínica das imunodeficiências é
a aumentada susceptibilidade a infecções, que varia em localização e tipo de microorganismo dependendo do defeito
encontrado no sistema imune. As IP são classificadas de
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Deficiência de Anticorpos Anti-Polissacarídicos
Rev. bras. alerg. imunopatol. – Vol. 32, Nº 5, 2009
das em indivíduos maiores de 2 anos de idade6,7. Segundo
Sthiem (2007), a DAP é considerada uma das quatro imunodeficiências mais comuns da infância em conjunto com a
Hipogamaglobulinemia Transitória da Infância, deficiência
de subclasses de IgG e a Deficiência Seletiva de IgA7.
Após a introdução das vacinas conjugadas para H.influenza, a identificação dos pacientes com DAP é feita pela
resposta deficiente para a vacina pneumocócica polissacaridica em crianças maiores de 2 anos de idade. Essa doença deve ser diferenciada de outra doença onde os pacientes apresentam profunda deficiência de anticorpos tanto
para antígenos protéicos como para antígenos polissacarídicos, conhecida por deficiência de anticorpos com níveis
normais de imunoglobulinas, onde existe maior susceptibilidade a infecções e uma maior predisposição em evoluir
para imunodeficiência comum variável7,8.
O objetivo desse estudo é apresentar uma serie de casos de pacientes com infecções de repetição onde a realização do diagnóstico da DAP e a introdução do tratamento
foi importante para a redução das infecções e conseqüente
melhoria da qualidade de vida, crescimento e desenvolvimento dos pacientes.
195
tos, internado novamente com diagnóstico novamente de
meningite bacteriana e novamente isolado o pneumococo
sorotipo 14.
Foi encaminhado ao ambulatório de infecções de repetição, onde deu entrada aos seis anos de idade, sendo iniciada a investigação com dosagem de imunoglobulinas, com
resultados dentro dos limites da normalidade para a idade
(IgG=568 mg/dl (percentil 3para idade) IgA=110 mg/dl,
IgM=89,6 mg/dl, IgE=44 kU/l), pesquisa de anticorpos para rubeola e hepatite B (antígenos proteicos) com presença
de IgG positivos e investigação de anticorpos para sorotipos específicos de pneumococo, presentes na vacina conjugada, sendo os encontrado os seguintes resultados (em
µg/ml): sorotipos 4=<0,5; sorotipo 6B=<0,5; sorotipo
9V=1; sorotipo 14=4; sorotipo 18C=0,7; sorotipo
19F=0,8; sorotipo 23F=<0,5 (tabela 1).
Frente a esses resultados, o paciente foi revacinado com
a vacina pneumocócica polissacaridica 23-valente e colhida
nova dosagem anticorpica pós-vacinal 6 semanas após 6
semanas, com os seguintes resultados (em µg/ml): sorotipo 4=1,7; sorotipo 6B=<0,5; sorotipo 9V=1,2; sorotipo
14=3,8; sorotipo 18C=0,6; sorotipo 19F,<0.5; sorotipo
23F=<0,5 (tabela 1). Com a resposta de apenas 2 sorotipos entre os 7 testados, foi optado pelo início de antibioticoterapia profilática, e desde essa introdução criança tem
evoluindo bem, sem infecções repetitivas ou graves, nos
últimos 3 anos. Optamos por ciclos de sulfametoxazol-trimetoprim, intercalados com amoxacilina e cefalexina.
Descrição
Apresentamos três pacientes com historia de infecções
recidivantes encaminhadas ao Ambulatório de Infecções de
Repetição da Universidade Federal de Uberlândia, onde foi
realizada a avaliação imunológica inicial com hemograma,
dosagem de imunoglobulinas e linfócitos CD4 e CD8 dentro
da normalidade para a idade. No passo seguinte, forma
avaliadas as respostas específicas que mostraram resposta
normal aos antígenos protéicos (rubéola e hepatite B) e a
presença alteração significativa da resposta anticorpica
após a realização vacina polissacarídica 23-valente.
Caso 2.
Criança do sexo feminino, 3 anos e 10 meses, com história de infecções de repetição das vias aéreas, inicialmente de orelha média, sinusites e 6 episódios de pneumonias.
Apresentava ainda crises de sibilância associados a infecções virais. Apresentava cartão vacinal completo de acordo
com o Ministério da Saúde e não havia recebido nenhuma
vacina para pneumococo. Foi iniciada investigação imunológica e solicitada a administração da vacina pneumocócica
23-valente, que recebeu aos 4 anos e 4 meses. Os exames
iniciais mostraram níveis normais de imunoglobulinas das
classes G, M e A (IgG=1005 mg/dl, IgA=218 mg/dl, IgM=
145 mg/dl) com aumento dos níveis de IgE (IgE=1184
kU/l). Após 6 semanas da vacinação foi realizada a avaliação para anticorpos polissacarídeos que mostrou os seguintes valores (em µg/ml): sorotipo 4= 0,6; 6B= 0,6; 9V=
<0,5; 14= 2,5; 18C= <0,5; 19F= 0,7; 23F=2,3 (tabela 1).
Caso 1.
Criança do sexo masculino, 6 anos, encaminhada pelo
grupo da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) pediátrica
com historia de apresentar desde o primeiro ano de vida,
infecções repetitivas de vias aéreas, otite até 2 anos e sinusites posteriormente, em média de 5 episódios ao ano.
Aos quatro anos deu entrada no Pronto Socorro com febre
alta, vômitos e cefaléia, com diagnóstico de meningite,
sendo isolado pneumococo sorotipo 14. Recebeu tratamento na UTI e alta com orientação de vacinação com vacina
conjugada heptavalente. Cerca de nove meses depois apresentou quadro semelhante com febre, cefaléia e vômi-
Tabela 1 - Idade, sexo, dosagem de imunoglobulinas e resposta de anticorpos polissacarides nos casos relatados.
Paciente
1a
idade
6
sexo
Masc
IgG
IgA
IgM
Anticorpos anti-polissacarídeos - Sorotipos*
(mg/dl)
(mg/dl)
(mg/dl)
4
6B
14
18C
568
110
89,6
<0,5
<0,5
1
4
0,7
0,8
<0,5
1,7
<0,5
1,2
3,8
0,6
<0,5
<0,5
1b
9V
19F
23F
2b
3a10m
Fem
1005
218
145
0,6
0,6
<0,5
2,5
<0,5
0,7
2,3
3b
7a
Fem
785
88
78
0,6
1,1
0,6
4,9
0,5
7,9
0,9
* em µg/ml
a
Após vacina pneumocócica heptavalente
b
Coleta após 4-6 semanas após a vacina pneumocócica 23-valente poissacarídica
Após esses resultados com apenas 2 de 7 sorotipos com
níveis considerados protetores, foi introduzida antibioticoprofilaxia com sulfametoxazol-trimetoprim, com melhora
significativa dos quadros infecciosos. Atualmente recebe a
medicação antibiótica profilática, também em rodízio como
o paciente do caso clínico 1, e iniciamos ainda corticoterapia inalatória para asma e nasal para rinite. Desde então,
paciente hoje com 6 anos e 3 meses está bem sem infecções repetitivas ou graves.
Caso Clínico 3.
Paciente de 7 anos de idade, sexo feminino, encaminhada com história 3 pneumonias no último ano. Mãe relatava
presença de infecções repetitivas de vias aéreas superiores
com uso de antibióticos desde o primeiro ano de vida, com
piora aos dois anos de idade, associados a crises de sibilância, sendo nessa idade iniciou o uso de corticosteróides
inalados com discreta melhora. No último ano de vida houve intensificação das crises de sibilância, associadas à difi-
196
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culdade aos esforços e tosse persistente. As radiografias de
tórax apresentadas mostravam áreas de consolidação compatíveis com pneumonias. Iniciada investigação imunológica, solicitada a vacinação com vacina pneumocócica 23-valente e solicitada a tomografia computadorizada (CT) de
Tórax. Os exames iniciais mostraram IgG=785 mg/dl,
IgA=88 mg/dl, IgM=78 mg/dl
A CT de tórax mostrou achados compatíveis com bronquiolite obliterante evoluindo com diversas áreas de bronquiectasias (Figura 1). Após 4 semanas os anticorpos para
pneumococo demonstraram (em µg/ml): sorotipo 4= 0,6;
6B= 1,1; 9V= 0,6; 14= 4,9; 18C= <0,5; 19F= 7,9; 23F=
0,9 (tabela 1). Devido à presença de bronquiectasias e
evolução desfavorável do quadro, optamos por iniciar terapia de reposição com gamaglobulinas via subcutânea,
120 mg/kg semanal e corticoterapia inalatória. Repetiu a
CT de tórax 1 ano após o início do tratamento, com redução importante das bronquiectasias. Atualmente paciente
está sem infecções, já fez a retirada dos corticóides inalados e tem atividade física e social normal.
Figura 1 - Tomografia computadorizada de tórax mostrando padrão em mosaico característico da bronquiolite obliterante com
áreas de bronquiectasias.
Discussão
A defesa imunológica contra as infecções pelo pneumococo depende da formação de um anticorpo que se liga a
cápsula polissacaridica da bactéria, interagindo assim com
o sistema complemento para realizar a opsonização, promovendo a fagocitose e com a eliminação dos microorganismos9. Apesar de defeitos no complemento, defeitos em
neutrófilos, alterações no fígado ou no baço atrapalharem
todo o processo, a deficiência específica de anticorpos anti-polissacarídeos é o defeito imunológico mais comumente
identificado em pacientes com infecções pneumocócicas de
repetição ou graves6,11.
A DAP é uma doença heterogênea com diversas causas
associadas descritas, em crianças até seis anos de idade
pode ser uma persistência do estado fisiológico de imaturidade imunológica presente normalmente em crianças menores de 2 anos. Pode ainda fazer parte das alterações encontradas em diversas imunodeficiências como na Síndrome de Wiskott-Aldrich, Síndrome de DiGeorge, e Candidíase Mucocutânea Crônica, bem como em imunodeficiências
secundárias associadas a idade, Aids, drogas imunossupressoras, doença pulmonar crônica e na asplenia congênita ou funcional7. Alterações da imunidade inata descritas
recentemente também podem apresentar DAP, como na
Deficiência de Anticorpos Anti-Polissacarídicos
deficiência do receptor de inteleucina 1 associado a quinase 4 (IRAK 4) e na deficiência da modulador essencial do
fator de transcrição NF-κβ (NEMO)12,13. Também já foi descrita mutação da Brutton tirosina quinase em paciente
adulto com DAP, normalmente associada com agamaglobulinemia ligada ao X14.
A DAP é mais comum em pacientes do sexo masculino,
usualmente apresentam infecções bacterianas recorrentes,
como sinusites, otites, traquebronquites, e menos comumente infecções sistêmicas como pneumonias, sepsis ou
meningites. Existe associação com asma ou sibilância pós
viral e ainda, um maior número de procedimentos cirúrgicos de vias aéreas superiores como colocação de tubos de
ventilação em ouvido médio, amigdalectomia e adenoidectomia, podendo apresentar hipoacusia secundária6,7. Pacientes com bronquiectasias de origem indeterminada também podem apresentar defeitos na produção de anticorpos
antipolissacárides15, 16.
A avaliação laboratorial em pacientes com DAP mostram
níveis normais de IgG, IgA, IgM, subclasses de IgG, bem
como resposta anticórpica normal a antígenos protéicos
vacinais, como tétano, difteria, rubéola e sarampo. Esses
pacientes devem ser avaliados também em relação a células T, fagócitos e sistema complemento quando houver necessidade de acordo com as infecções presentes. O diagnóstico laboratorial é realizado pela resposta de anticorpos
contra a vacina polissacarídica 23-valente pneumocócica5,6,17-21.
Apesar de alguns estudos mostrarem que os pacientes
com infecções de repetição não respondem ou fazem uma
resposta inferior aos indivíduos controles, não existem dados publicados em indivíduos normais que permitam uma
sólida definição da resposta normal e anormal nas diversas
faixas etárias22-24. A proteção contra infecção e colonização
pelo sorotipo do pneumococo está associada à presença de
concentração de IgG específica maiores ou iguais a 1,3 µg/
ml, porém, diferenças na padronização dessa dosagem podem tornar esses valores diferentes. Idealmente, sugere-se a coleta de material para dosagem antes e após a vacinação, entre três e seis semanas, sendo considerado adequado um aumento de 4 vezes ou mais do título pré-vacinal17-21. Em um recente estudo, foi demonstrado que em
pacientes que já possuem altos níveis de anticorpos pré-vacinais apenas 10 a 40% aumentam 4 vezes ou mais os
valores iniciais após a vacinação25.
Além da resposta adequada com elevação de 4 vezes
dos níveis pré-vacinais e da concentração final dos anticorpos após a imunização, é importante a percentagem de antígenos vacinais aos quais paciente responde. Em crianças
de 2 e 5 anos são esperados que mais de 50% dos sorotipos testados apresentem uma resposta adequada. Se o paciente recebeu a vacina conjugada previamente e tem altos
níveis para seus sorotipos, devem ser analisados apenas os
sorotipos existentes exclusivamente na vacina polissacarídica. Em pacientes maiores de seis anos espera-se uma
resposta adequada para mais de 70% dos sorotipos testados20,21. A recomendação atual da literatura norte americana recomenda a avaliação de 12 a 14 sorotipos diferentes,
incluindo nesses pelo menos sete sorotipos presentes apenas na vacina polissacarídica, recomendação extremamente difícil de ser seguida em nosso meio pela dificuldade de
acesso ao exame e seu alto custo20.
Pacientes com o diagnóstico de DAP podem se beneficiar
do uso da vacina conjugada hepatavalente para o pneumococo. Imunizações repetidas com a vacina polissacaridica
devem ser contra-indicadas nos pacientes com infecções
recorrentes que não responderam à imunização inicial. Exceção deve ser feita a crianças entre 2 e 5 anos que podem
apresentar amadurecimento do sistema imunológico, devendo ser monitorados e a vacinação repetida 1 a 2 anos
após a primeira avaliação. Um grupo particular de pacien-
Deficiência de Anticorpos Anti-Polissacarídicos
tes pode apresentar uma resposta inicial à vacinação, porém não conseguem sustenta-la, e se o paciente apresenta
persistência, aumento do número ou piora das infecções,
uma nova avaliação dos títulos de anticorpos deve ser realizada20. O paciente 2 tem programada a realização de uma
nova vacina, uma vez que sua avaliação foi realizada aos 4
anos e 4 meses.
A grande maioria dos pacientes responde prontamente
ao tratamento das infecções respiratórias com antibioticoterapia. O tratamento auxiliar com corticosteróides nasais
e inalados, e broncodilatadores são de grande ajuda no
manejo do paciente se apresentar atopia5. Se o paciente
não apresentar resposta à vacina conjugada, a opção inicial é curso de antibioticoterapia profilática, de no mínimo
6 meses, considerando, se disponível, o perfil de resistência do pneumococo de cada região. Se mesmo assim apresentar deterioração, ou seja, infecções repetitivas ou gra-
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ves durante o seguimento, o uso de imunoglobulinas deve
ser considerado em dose plena5,7,19,20.
Este relato de casos tem importância uma vez que a Deficiência de Anticorpos Anti-polissacarídicos ser uma doença provavelmente subdiagnosticada em nosso meio. Dois
fatores devem contribuir para isso. Em primeiro lugar,
existe ainda uma desinformação médica em relação às
imunodeficiências primárias, o que dificulta o diagnóstico
da DAP e de outras imunodeficiências. A divulgação da tabela dos 10 sinais de alerta para a suspeita de imunodeficiências primárias (Tabela 2) adaptados para o Brasil é
uma forma simples de orientação aos pediatras dos pacientes que apresentam maior risco de IP em conjunto com
centros de referência para o atendimento especializado
desses pacientes, ambos disponibilizados e atualizados
pelo site do Grupo Brasileiro para Imunodeficiências
(www.bragid.org.br).
Tabela 2 - Os 10 sinais de alerta para Imunodeficiências Primárias em crianças adaptado* para o Brasil (disponível
em www.bragid.org.br)
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10.
Duas ou mais Pneumonias no último ano
Oito ou mais Otites no último ano
Estomatites de repetição ou Monilíase por mais de dois meses
Abscessos de repetição ou ectima
Um episódio de infecção sistêmica grave (meningite, osteoartrite, septicemia)
Infecções intestinais de repetição / diarréia crônica
Asma grave, Doença do colágeno ou Doença auto-imune
Efeito adverso ao BCG e/ou infecção por Micobactéria
Fenótipo clínico sugestivo de síndrome associada a Imunodeficiência
História familiar de imunodeficiência
* Adaptado da Fundação Jeffrey Modell e Cruz Vermelha Americana
Em segundo lugar, existe uma grande dificuldade na realização da dosagem de anticorpos específicos para pneumococo, sendo que a grande maioria dos serviços de saúde
não possui acesso direto a essa avaliação, que fica restrita
a poucos centros e laboratórios de referência. Por essa dificuldade de acesso, em dois dos pacientes apresentados foram realizados apenas os exames pós-vacinais, não sendo
possível a análise comparativa pré e pós-vacinal. Outro
ponto importante é o número de sorotipos testados, na
quase totalidade dos laboratórios, bem abaixo do recomendado pela literatura. Sendo assim, para o diagnóstico devemos associar uma história clínica detalhada do paciente,
bem como a dosagem acessível dos anticorpos específicos
para pneumococo e a interpretação cuidadosa dos seus resultados, e o mais importante, manter o paciente em
acompanhamento, monitorando as infecções, o crescimento e o desenvolvimento para reduzir os agravos a sua saúde.
Precisamos, portanto estar atento ao diagnóstico correto
e a introdução de uma intervenção terapêutica adequada
para melhorarmos a qualidade de vida e o prognóstico dos
pacientes.
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Agradecimentos:
À Professora Doutora Beatriz Tavares Costa-Carvalho, da Disciplina
de Reumatologia, Alergia e Imunologia do Departamento de Pediatria da Universidade Federal de São Paulo pela revisão do mesmo.
Correspondência:
Gesmar Rodrigues Silva Segundo
Departamento de Pediatria
Av Pará 1720 Campus Umuarama
38420-305 - Uberlandia - MG
Fone/Fax: 0XX-34-3236.6299
Cel: 0XX-34-9979.0809
Email: [email protected]

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