Mesa-Redonda sobre o Mesa-Redonda sobre o Mesa

Transcrição

Mesa-Redonda sobre o Mesa-Redonda sobre o Mesa
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
Revista da
CONSELHO EDITORIAL
Francisco Gracioso - Presidente
Aylza Munhoz
J. Roberto Whitaker Penteado
Luiz Francisco Gracioso
EDITOR
J. Roberto Whitaker Penteado
Mtb N.º 178/01/93
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COORDENAÇÃO EDITORIAL
Lúcia Maria de Souza
DIRETOR DE ARTE
Antonio Celso Collaro
DIAGRAMAÇÃO
Antonio Celso Collaro
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REVISÃO
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IMPRESSÃO, DISTRIBUIÇÃO E
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REVISTA DA ESPM – uma publicação bimestral
da Escola Superior de Propaganda e Marketing.
Os conceitos emitidos em artigos assinados são
de exclusiva responsabilidade dos autores.
Professores, pesquisadores, consultores e
executivos são convidados a apresentarem
matérias sobre suas especialidades, que
venham a contribuir para o aperfeiçoamento da
teoria e da prática nos campos da
administração em geral, do marketing e das
comunicações. Informações sobre as formas e
condições, favor entrar em contato com a
Coordenadora Editorial.
Editorial
Esta edição da Revista da ESPM dá destaque especial às mudanças que vêm ocorrendo na prática do
marketing entre nós. Nossa mesa-redonda, reunindo
personalidades de destaque no setor, chegou a
conclusões muito importantes. O marketing está
realmente mudando, em função dos novos problemas
enfrentados e das novas tecnologias disponíveis. Mas,
nesse panorama em constante mutação, os princípios
básicos do marketing continuam sempre válidos.
Ainda mais importante do que os modismos que
surgem e desaparecem com igual facilidade, o que está
havendo é uma revolução silenciosa na conceituação
do marketing. Este, de simples função da empresa,
como era antigamente, está-se transformando em
filosofia de negócios que permeia através de toda a
estrutura gerencial. Empresas de todos os tipos e
tamanhos fazem do cliente o seu foco principal. Servilo, cada vez melhor, passa a ser a preocupação
dominante. E o mercado se transforma em princípio e
fim de todos os nossos esforços.
Um estudo que vem sendo conduzido por nós, com
base na lista das 22 empresas escolhidas como as
melhores de 2000 pela revista Exame, mostra que 63%
delas seguem estratégias básicas de marketing, para
competir e crescer no mercado. O número é
impressionante e mostra a profundidade das mudanças
que ocorreram na economia brasileira, a partir do Plano
Real. Nesse contexto, o marketing passou a ser a
diferença principal entre o êxito e o fracasso.
Prof. Francisco Gracioso
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
Índice
9
CANNES 2001 - Um passeio pelo mais
concorrido festival de publicidade do planeta
DARLAN MORAES JR.
A Revista da ESPM leva você a conhecer um pouco mais sobre como foi o Festival de
Publicidade de Cannes em 2001. Uma breve descrição das categorias, exemplos de campanhas e uma análise do desempenho do Brasil que – como sempre – deixou uma bela
marca no cenário mundial da publicidade.
15
Quem tem medo do consumidor?
V A L É R I A R AV I E R
O artigo contextualiza o desgaste daquelas empresas que insistem em não adequar as
suas estratégias aos novos tempos, funcionando segundo o princípio de produzir e vender
e situando o cliente no fim do processo. Nesse sentido, o marketing de relacionamento é
visto enquanto necessidade histórica e não como um simples modismo.
20
Isso é puro marketing
F R A N C I S C O S E R R A LV O
WILSON WEBER
Da orientação econômica a uma disciplina eclética. Nesse artigo, os autores abordam as
diferentes correntes de pensamento que, ao longo de um século, influenciaram as atividades
de marketing tornando-as fundamentais para o êxito das organizações e atendimento das
expectativas dos consumidores.
35
NossoscursosdeAdministraçãosãomaisESPMqueos
cursosdosoutros
M A R C O S A M AT U C C I
O autor presta uma homenagem à ESPM no cinqüentenário, recuperando aspectos da
história da instituição, que começou como um curso de arte publicitária, e mostra que os
valores e a cultura dos fundadores estão presentes nos atuais cursos de Administração da
escola.
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
42
Educação Empresarial
47
Leitura ou Interpretação?
FRANCISCO GOMES DE MATOS
O espaço para a educação na empresa constitui, hoje, um diferencial estratégico à qualidade
total. Tornou-se imprescindível uma Pedagogia de Liderança que comece na concepção de
Gerente-Educador. Numa época marcada pela mudança acelerada, a renovação é fator de
sobrevivência face ao risco constante do obsoletismo.
ALUIZIO R. TRINTA
Visão contrastiva e comparativa das noções de leitura e de interpretação à época do advento
do hipertexto e da deriva permanente do sentido (filosófico, literário, artístico) pela
interatividade, que apropriadamente caracteriza a comunicação pela rede informatizada.
55 Mesa-Redonda sobre o Ensino
MESA-REDONDA
SuperiornoBrasil
80
ENTREVISTA COM
91
101 Livros
Jacques Marcovitch
UM CASE EM FOCO
Telefônica
104 Sumário Executivo 106
PONTO DE VISTA
CANNES
2 0 0 1
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
Um passeio
pelo mais
concorrido
festival
de publicidade
do planeta
• Darlan Moraes Jr.
9
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
passou a ser a exata reprodução da beleza de um deus grego pelos olhos da sua
amada. Um leão de ouro mais do que
merecido para a agência de Fabio
Fernandes.
O Boulevard Croisette
A cidade de Cannes é uma festa 365
dias por ano. E o Boluevard Croisette, a
calçada da fama. Todos aqueles que sonham em agarrar um leão pela unha têm
que passar por esta badalada avenida,
antes de chegar ao Palais du Festival,
local onde ocorre todos os anos o evento de publicidade mais concorrido do
planeta.
Engana-se quem pensa que Cannes
depende do cinema e da publicidade para
estar em voga. Estes dois festivais são
os de maior porte, mas ali ocorrem também simpósios de odontologia, medicina, moda e até um festival de cinema
pornô. Este, de tão badalado, teve que
trocar de data porque acontecia na mesma época do festival de cinema, e estava roubando as luzes dos figurões e
starlets que não podiam admitir tal concorrência.
Mas, entre os dias 18 e 23 de junho, a
grande estrela mesmo é a publicidade,
muitas vezes confundida com arte, mas
que na verdade é apenas um instrumento
dentro de um sistema baseado na cultura
de consumo. Nessa semana, quando o sol
esteve presente todos os dias, quem brilhou mesmo foram filmes, peças de mídia
impressa, web sites, a competição Young
Creatives – que o Brasil faturou, pela primeira vez, com uma peça excelente para
a doação de fundos para a cura da
leucemia –, além de outras premiações
em categorias como o Media Lions e
melhor uso de mídia, que vem ganhando
maior representatividade a cada ano.
Mídia Impressa:
simplicidade como
marca registrada
“Faça de maneira simples. Vamos fazer a coisa de maneira óbvia mas vamos
fazê-la de modo inigualável.” As palavras de Leo Burnett – tiradas do livro
10
100 Leo’s Wit & Wisdom from Leo
Burnett – foram seguidas à risca, e o
melhor da mídia impressa neste ano tinha invariavelmente este ingrediente.
Mas a interpretação do que é simples não
pode ser encarada como a ausência de
elementos inerentes a um anúncio. Como
prova de que em 1999 a coisa andava feia
pelos lados da redação, Bob Garfield –
colunista da Advertising Age – disse em
entrevista que “não é mais necessário
existir a categoria Press (onde se avaliam anúncios como vemos em uma revista) & Poster (o mesmo em português e
que analisa o trabalho mais pelo seu impacto visual). Vamos rebatizá-la de Poster
& Poster já que o título parece ser agora
um elemento alheio à mídia impressa”.
Mas, diferentemente do que se viu no
festival de 1999, este ano a dupla título e
direção de arte bateu um bolão, usando e
abusando de simplicidade. Como exemplo – e uma das campanhas que levou a
agência brasileira F/Nazca a ser eleita a
melhor do ano em 2001 –, o trabalho realizado para a joalheria Natan com o mais
do que batido recurso “ANTES” – “DEPOIS” que desta vez, porém, foi trabalhado de uma forma em que um noivo –
que mais parecia um Frankestein antes
de presentear sua noiva com diamantes –
Mas além do Brasil – que teve um
crescimento significativo de 70% nas inscrições em Press & Poster, uma excelente
marca no short list e muitas premiações
–, os países de maior destaque foram
Espanha, Inglaterra, Estados Unidos,
Alemanha, África do Sul e Cingapura. A
grande ausente do ano foi a Holanda, que
não apresentou as marcas já vistas em
festivais anteriores. Como surpresa –
vide artigo sobre a publicidade na Nova
Europa na Revista da ESPM, edição
maio/junho –, a Polônia faturou um leão
de bronze, provando que os poloneses
estão mesmo arrebentando.
Grand Prix do Press &
Poster: polêmico
Eleger o Grand Prix deve ser a tarefa
mais complicada de toda a competição.
A campanha deve reunir fatores que devem ser encarados como um exemplo do
que significa uma publicidade arrojada.
Dessa forma, ficou difícil entender porque o júri decidiu conceder a agência
sueca Paradiset DDB Stockolm, o prêmio mais importante da categoria. Imagine uma campanha para uma marca de
roupas irreverente com modelos negros
também irreverentes, de bem com a vida,
cheios de estilo e que curtem a vida. Até
aí nada de novo.
Adicione então – com estas fotos de
fundo – manchetes de jornal em primeiro plano que denotam a injustiça social,
a fome, os conflitos e problemas que vive
o continente africano de um modo um
tanto irônico. Está pronta a fórmula para
o Grand Prix de mídia impressa em 2001.
De modo geral, a conclusão sobre o
motivo de essa campanha ter sido a ganhadora reside no fato que existe aí a ironia como fator marcante (marca regis-
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
trada da Diesel de longa data que inclusive tem como slogan “For sucessful
living” ou “Para uma vida repleta de sucesso” ). Muitos criativos consideraram
injusta a premiação, já que outras campanhas traduziram de modo mais efetivo o
que é o exemplo de uma mídia impressa
campeã. Outra informação – que não vem
de fontes oficiais – é que a Diesel não ficou muito satisfeita com o resultado desta comunicação, diferentemente dos júris
do festival. Fato relevante, já que é sempre bom lembrar que acima de tudo o
objetivo principal da publicidade é trabalhar a favor da marca seja em termos
de imagem ou em resultado de vendas.
Dê uma olhada você mesmo e tire suas
próprias conclusões. (Fig.1)
Filmes:
ainda a coqueluche
Com a invasão da Internet, muitos
acreditavam que os web sites seriam considerados de modo tão ou mais significativo que os comerciais de televisão.
Ledo engano. Sem desmerecer a mídia
interativa, o público quer mesmo é sentar no escurinho do Palais e se deleitar
com comerciais para as mais diversas categorias.
E – como num passe de mágica – os
criativos acostumados com pizza por telefone durante todo o ano só se contentam com caviar. O público é regido ao
extremo a ponto de vaiar monumentalmente qualquer filme que não seja simplesmente excelente. Mas é compreensível este comportamento, já que em
mídia impressa somente o short list é visto, sendo que os filmes são mostrados em
torrentes, sem uma prévia seleção. Aí,
chovem comercias sem pé nem cabeça
(um institucional de 8 minutos para um
banco alemão superou qualquer expectativa), idéias somente compreensíveis se
você ler o briefing, tentativas frustradas
de fazer publicidade com cara de cinema, humor insosso mas também filmes
que são aplaudidos (não em pé) pelos espectadores.
DIESEL
TÍTULO: DIESEL CLOTHING
ANUNCIANTE: DIESEL
AGÊNCIA: PARADISET DDB STOCKHOLM
PAÍS: SUECIA
PREMIAÇÃO: GRAN PRIX
TRADUÇÃO: UNIÃO AFRICANA ENTRA EM ACORDO PARA AJUDA
FINANCEIRA À EUROPA
As características principais destes
que caíram no gosto do público em 2001
são dois elementos muito conhecidos:
humor – o refrigerante Dr. Pepper usou e
abusou deste recurso, criando uma hilariante campanha com o slogan: Dr. Pepper.
What’s the worst it could happen? Ou “Dr.
Pepper. O que mais de pior pode acontecer?” – levando um prata na categoria
bebidas não alcoólicas – além da emoção
(em estado simples). Como melhor representante, um filme institucional para a
Walt Disney que também levou um prata: um casal está dormindo. A mulher
acorda e o marido – ainda sonolento –
pergunta o que está acontecendo de errado. Ela revela que não há mais diálogo
entre eles e que as coisas não são mais
como antigamente. Ele nega e diz que
tudo continua igual, mas ela não aceita
os seus argumentos. Ele pára por um instante, se aproxima da esposa, e passa a
falar com ela como se ele fosse o Pato
Donald. Perfeito: a mulher sorri e o Palais
vai abaixo porque uma idéia simples consegue muitas vezes tocar mais forte do que
qualquer superprodução com padrões de
Holywood.
A prova de que o público estava com
a razão, vaiando muitos dos filmes, foi
que o júri não concedeu leões de ouro,
prata ou bronze para muitas categorias.
Lacunas enormes que obrigam os criativos a levarem para os seus respectivos
países muita lição de casa. O Brasil não
se saiu nada bem neste setor que ainda é
dominado pelos ingleses, americanos e
holandeses. Na América do Sul – além
da razoável performance do Brasil –, os
argentinos tiveram um bom desempenho
com destaque para os filmes para a Pirelli
pneus e Telecom Argentina, demonstrando que nossos vizinhos portenhos não
estão dormindo no ponto. A Polônia mais
uma vez não decepcionou e faturou um
leão de prata.
11
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
Grand Prix
em comerciais: merecido
Humor e simplicidade marcaram a
campanha da agência Cliff Freeman &
Partners para o Sports TV Channel. Em
um dos filmes, dois brutamontes com os
olhos vedados disputam um duelo com
enormes tacos. O objetivo é arrasar o
oponente o mais rápido possível. No entanto – devido ao fato de que os lutadores não estão enxergando nada – um deles acerta um espectador ao invés de seu
adversário. Entra o letreiro: Notícias de
esporte da região em que você está interessado. A sua. Sports Net.
A série de filmes da Clif Freeman
– Índia (descrito acima), Rússia, Turquia e China – levou o Grand Prix com
louvor e foi também (quase) uma unanimidade entre os criativos. Se quiser
dar uma olhada nos filmes, acesse o
www.adcritics.com e depois clique em
FOX. Bom divertimento.
Internet: evolução a
passos largos
A categoria dos Cyber Lions já virou
gente grande. Quem viu o short list percebeu que tanto os recursos gráficos
quanto o conceito de
interatividade vêm melhorando cada vez mais e tornando
a vida dos júris cada vez mais
difícil. Web sites e banners
ágeis, design gráfico excelente e uma proximidade de diálogo cada vez mais apurada
com os internautas, demonstra que o setor está funcionando em alta velocidade e
vai continuar assim por um
bom tempo. Em termos de
interatividade, o web site
campeão (www.farfar.se/
lions) conseguiu a façanha de
levar mais de 100 mil
internautas ao seu endereço
apenas no primeiro mês, bem TÍTULO: GOD – SELF MADE
como aparecer na mídia de PRODUTO: DEUS
modo intenso (tvs, rádios e ANUNCIANTE: IGREJA DO MOVIMENTO DO AMOR DE
jornais). Além disso – e como CINGAPURA
fator fundamental –, a marca AGÊNCIA: OGILVY MATHER - SINGAPURA
Milko elevou as vendas do PAÍS: CINGAPURA
seu leite “Fjallfl” em mais de PREMIAÇÃO: LEÃO DE OURO
23%.
PARA A CAMPANHA
O mais interessante é TRADUÇÃO: EU ODEIO REGRAS.
notar recursos completa- RAZÃO PELA QUAL EU SÓ FIZ DEZ.
mente inovadores, sem precedentes em outros festivais,
que adicionam componentes inéditos na
representativos: Estados Unidos, Inglafórmula que leva um web site a se torterra, Alemanha e Canadá. Já o nosso país
nar ganhador na categoria. Países mais
– com 115% de inscrições a mais que em
2000 e uma grande participação nas
premiações – provou que, mesmo com o
apagão, está muito bem conectado.
MERCEDES
TÍTULO: AS LONG AS
PRODUTO: MERCEDEZ BENZ ACROS
ANUNCIANTE: DAIMLER CHRYSLER –
ALEMANHA
AGÊNCIA: SCHOLZ & FRIENDS BERLIM
PAÍS: ALEMANHA
PREMIAÇÃO: LEÃO DE OURO PARA A
CAMPANHA
TRADUÇÃO: JÁ QUE SALSICHAS NÃO PODEM
SER ENVIADAS POR E-MAIL NÓS VAMOS
TER QUE COMPARTILHAR AS ESTRADAS
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Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
Mídia alternativa:
surpreendente
Vários exemplos de mídia alternativa – categoria que analisa formas diferenciadas de utilização de espaços publicitários – provou que muitos criativos estão pensando “out of the ox”. Aqui, o
maior desafio é o de vencer conceitos de
que anúncios impressos não podem fugir
do padrão e que rádio só pode pegar você
pelos ouvidos.
Uma revista especializada em publicidade do México criou uma peça que
continha uma mensagem gravada que
descrevia de modo breve as vantagens
de se anunciar em rádio. Situada na
contracapa da revista, a gravação era
imediatamente acionada no momento
em que se virava a página, levando o leitor a tomar um susto quando o locutor
iniciava a leitura da mensagem.
O Brasil – com grande desempenho
na categoria – teve uma excelente idéia
para diminuir a acúmulo de sujeira nas
ruas, fazendo das latas de lixo cestas de
basquete que continham a seguinte mensagem: Keep trying (continue tentando).
Pegando uma carona na assinatura da
Nike, esse foi um belo trabalho da
Giovanni/FCB.
Já o Grand Prix foi para uma campanha antitabagista veiculada em cinemas
onde jovens se dirigiam aos prédios dos
grandes fabricantes de cigarro – Philip
Morris por exemplo –,
levando “prêmios” como
a “Pá de Ouro” para os
executivos que ali trabalham por eles terem tido
a capacidade de omitirem por muitos anos os
males relacionados ao
vício do fumo. Uma corajosa campanha da
agência Crispin Porter +
Boguski de Miami.
E o que mais?
Cannes 2001 é parte
do passado. Hoje, os criativos vencedores nessas
mais diversas categorias
voltaram a pedir pizza por
telefone, a brigar com
suas esposas, namoradas,
maridos e noivos por terem que ficar até mais tarde na agência, além de se
cansarem de escutar dos
amigos como foi sensacional mais um final de semana na praia. Mas não
tem remédio. Para aqueles que querem subir no
palco do Palais em 2002,
a receita continua a mesma: 99% de transpiração
e 1% de inspiração.
BEETLE
TÍTULO: GAROTO ABELHA
PRODUTO: VW BEETLE
ANUNCIANTE: VW USA
AGÊNCIA: ARNOLD WORDWIDE BOSTON
PAÍS: USA
PREMIAÇÃO: LEÃO DE OURO PARA A CAMPANHA
TRADUÇÃO: OLHA, ELES TAMBÉM TÊM EM AZUL
• Darlan Moraes Jr. É atualmente Diretor de criação da J. Walter Thompson de Praga.
Além de Praga – onde também atuou na Leo Burnett –, trabalhou na cidade de Bratislava para a agência Soria &
Grey. Ex-aluno da ESPM, tem passagens pelas agências McCann-Erickson e Salles DMB&B de São Paulo.
[email protected]
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Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
* Valéria Ravier
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Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
1. Delimitação
do cenário
A semelhança do título deste artigo
com o do drama de Edward Albee não é
mera coincidência, ambos apontam para
o cerne de relações corroídas pela chegada de novos tempos.
Quem tem medo de Virginia Woolf?
(Albee, 1988) começa na madrugada de
um sábado qualquer e tem como ponto
de partida um desencontro, que vai se
revelando mais e mais profundo ao longo das cenas. O clima tenso traz à tona o
pior lado dos personagens centrais – o
casal George e Martha – num contexto
de ofensas, competição e desencontros.
George é um professor universitário,
rotulado de fracassado pela sua esposa,
e Martha – filha do diretor da universidade em que ele leciona – é uma mulher
seis anos mais velha que o seu marido,
acusada de futilidade pelo mesmo. A
entrada em cena de um jovem casal, Nick
e Honey, – um professor de Biologia com
a sua mulher, frágil e aparentemente
burra –, aprofunda ainda mais o conflito
ao mostrar a hipocrisia existente nessas
relações.
A peça foi escrita nos Estados Unidos da década de 60, uma sociedade
mergulhada no contraste entre a prosperidade econômica da década anterior –
já em decadência – e a repressão cultural decorrente da Guerra Fria. O
macartismo, uma verdadeira caça aos
comunistas, exacerbava o clima de
conservadorismo e nacionalismo, gerando severas críticas – como a do próprio
Albee – ao american way of life.
Talvez fosse por isso que, na primeira montagem, de 1963, o fundo do cenário tivesse dois retratos: o de George
Washington – fundador da democracia
americana – e o de Martha – sua esposa.
O esgotamento da relação do casal de
protagonistas – que a princípio poderia
ter sido outro qualquer – tinha naquela
ocasião um sentido metafórico, apontando também para a deterioração do capi-
“A desaceleração
das economias
desses países tem
gerado uma crise,
diminuindo as
exportações dos
países emergentes
para os países ricos
e encolhendo os
investimentos
externos em
suas economias.”
talismo americano, ameaçado pela crise
e pelo desemprego que geravam protestos de várias espécies: agitações, manifestações pacifistas, lutas contra o preconceito e movimentos estudantis, conviviam numa cena de desmoronamento
das certezas que tinham sido construídas
pelos filhos do baby boom.
Num certo sentido, o atual cenário
pode ser aproximado daquele dos anos
60, sobretudo se levarmos em consideração que as três maiores economias do
mundo – Estados Unidos, Europa e Japão – pararam de crescer e começam a
provocar uma reação em cadeia capaz de
levar os demais países do mundo
globalizado à recessão. A desaceleração
das economias desses países tem gerado
uma crise, diminuindo as exportações dos
países emergentes para os países ricos e
encolhendo os investimentos externos em
suas economias. 1
Mas se existe alguma semelhança
entre o atual contexto e o dos anos 60 no
que se refere à crise econômica, as estratégias através das quais a sociedade vem
reagindo diferem bastante daquelas em
que os estudantes da universidade de
Berkeley protestavam contra o treinamento militar (1959), os americanos faziam manifestações políticas contra a
decisão do presidente Kennedy de rom-
per relações diplomáticas com Cuba e
proibir o deslocamento de americanos
para aquele país (1961) ou contra a Guerra do Vietnã e os beats sugeriam como
alternativa ao sistema uma saída coletiva, capaz de romper com o conformismo.
Nestes tempos paradoxais em que a
globalização de mercados e capitais e a
dissipação das fronteiras convivem com
o recrudescimento de lutas religiosas, segregações étnicas e nacionalismos
xenófobos, o mundo parece caminhar em
duas direções antagônicas: de um lado a
planetarização política e econômica e de
outro a fragmentação de lugares, ritmos,
linguagens e desejos. (Carvalho,
1997:43)
2. A construção
dos personagens
Ao mesmo tempo em que a
globalização tende a suprimir as diferenças, inúmeras culturas e subculturas
emergem constantemente, apontando o
desacerto dos profetas apocalípticos, que
previam uma homogeneização e
massificação das subjetividades como
conseqüência da fabricação em série de
produtos culturais através da indústria,
bem como da sua divulgação maciça
pelos meios de comunicação de massa.
Na verdade, tais profecias parecem esbarrar num traço psíquico característico
do ser humano, que, se por um lado constrói a sua identificação a partir da inserção num grupo específico, por outro lado
carrega a particularidade de só ser capaz
de se constituir enquanto sujeito na medida em que essa alienação ao outro possa se articular com uma separação que
lhe garanta uma singularidade específica
À impossibilidade estrutural de
homogeneização total apontada pela psicanálise – e isto vale tanto para os sujeitos quanto para as culturas – a contemporaneidade vem somar uma realidade
histórica que tem como característica a
multiplicação incessante das identifica-
15
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
ções. O mito da identidade unificada,
construído pelo iluminismo, não se sustenta mais no atual contexto, “... as velhas identidades, que por tanto tempo
estabilizaram o mundo social, estão em
declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado. (...) Esse processo produz o sujeito pós-moderno, conceptualizado como
não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade torna-se
uma ‘celebração móvel’: formada e
transformada continuamente em relação
às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam. É definida historicamente, e não biologicamente. O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não
são unificadas ao redor de um ‘eu’ coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes
direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente
deslocadas. Se sentimos que temos uma
identidade unificada desde o nascimento até a morte é apenas porque construímos uma cômoda estória sobre nós mesmos ou uma confortadora ‘narrativa do
eu’. A identidade plenamente unificada,
completa, segura e coerente é uma fantasia. Ao invés disso, à medida em que
os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade
desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais
poderíamos nos identificar – ao menos
temporariamente.” (Hall, 2000: 7-13)
Nesse universo, o consumo revelase, cada vez mais, um campo frutífero
para a expressão e emergência de milhares de desejos diferentes, na medida em
que “nas novas gerações as identidades
se organizam hoje tanto a partir dos símbolos nacionais como em torno daqueles produzidos por Hollywood, Televisa
ou Benetton. Homens e mulheres, sobretudo os jovens, percebem que muitas perguntas próprias dos cidadãos – a que lugar pertenço e que direitos isso me dá,
16
como posso me informar, quem representa meus interesses – são respondidas
mais pelo consumo
privado de bens e dos
meios de comunicação de massa do que
pelo exercício das regras abstratas da democracia ou pela participação coletiva em
partidos ou sindicatos desacreditados”.
(Canclini 1999:63)
Retomando a
analogia sugerida no
início deste artigo –
para iniciar a montagem de uma nova
cena –, é possível
transportar a crise de
relacionamento que
constitui o cerne da
peça de Albee para
os dias de hoje, situando-a no núcleo de
um conflito bastante
atual: o embate entre consumidores que
fazem da apropriação de bens um instrumento de ação política e aquelas empresas que insistem em não adequar as
suas estratégias aos novos tempos,
funcionando basicamente segundo o
princípio do produzir e vender e situando o cliente no fim do processo.
3. A montagem
da cena
O consumo – assim como outras estratégias de manifestação social e cultural – é um fenômeno que só pode ser
avaliado em relação ao contexto em que
se situa, bem como à especificidade que
os consumidores e produtores adquirem
no mesmo. O ato de consumir tal como
era realizado no início do capitalismo
constituía um privilégio restrito, tanto
em relação às mercadorias ofertadas
quanto àqueles que tinham acesso às mesmas. Num contexto em que a produção
de bens materiais prevalecia sobre a produção de bens imateriais e o foco das atenções estava preponderantemente voltado
para os produtos, o consumo era avaliado como um fenômeno que tinha início
na oferta de bens e culminava na demanda de uns poucos em relação a essa oferta. “Na ordem de produção tradicional, o
cliente estava no final da cadeia. Os vendedores e as pessoas de marketing tinham
a missão de empurrar para o mercado o
que saía da linha de produção.” (Kotler,
2001)
Como herança dessa origem, é freqüente encontrar nas Ciências Sociais
análises que associam o consumo com
gastos inúteis e compulsivos, estimulados
a todo momento pelos meios de comunicação de massa. Trata-se de uma visão
que, calcada numa interpretação específica da famosa frase de Marx – “‘Os homens fazem a história, mas apenas sob as
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
condições que lhes são dadas – tira dos
indivíduos qualquer possibilidade de serem agentes da história, na medida em
que eles só poderiam agir determinados
por condições históricas criadas por outros e sob as quais eles nasceram, utilizando recursos materiais e de cultura que
lhes foram fornecidos por gerações anteriores”’. (Hall, 2000: 34-35)
Contestando esse enfoque determinista
– que coloca os produtores e distribuidores de mercadorias no papel de vilões,
e os consumidores como vítimas, meros
receptores passivos daquilo que lhes é
imposto pelo sistema –, estudos recentes sobre comunicação de massa têm
mostrado a não-pertinência da compreensão das relações entre emissores e receptores de mensagens como meros vínculos de dominação. “A comunicação
não é eficaz se não inclui também
interações de colaboração e transação
entre uns e outros” (Canclini, 1999), relações que nem sempre ocorrem de maneira harmoniosa mas que são permeadas
por conflitos. “O consumo, diz Manuel
Castells, é um lugar onde os conflitos
entre classes, originados pela desigual
participação na estrutura produtiva, ganham continuidade através da distribuição e apropriação de bens. Consumir é
participar de um cenário de disputas por
aquilo que a sociedade produz e pelos
modos de usá-lo.” (Canclini, 1999: 78)
Nessa perspectiva, as relações de
consumo aparecem como um campo privilegiado para entender as relações de
poder na sociedade, relações que têm
sido legitimadas através da criação de
códigos do consumidor e que também
vêm sendo estimuladas pelo aumento da
concorrência decorrente da globalização.
Michel de Certeau permite ampliar o
entendimento das dimensões que toma
essa estrutura de poder na
contemporaneidade ao sugerir que “... a
análise das imagens difundidas pela televisão (representações) e dos tempos
passados diante do aparelho (comportamento) deve ser completada pelo estudo
daquilo que o consumidor cultural ‘fabrica’ durante essas horas e com essas
“Esse processo
produz o sujeito
pós-moderno,
conceptualizado
como não tendo
uma identidade
fixa, essencial ou
permanente.”
imagens. O mesmo se diga no que diz
respeito ao uso do espaço urbano, dos
produtos comprados no supermercado
ou dos relatos e legendas que o jornal
distribui”. (Certeau, 2000: 39)
Aprofundar essa linha analítica mostra-se frutífero na medida em que alerta
para o necessário redimensionamento da
noção de produção: produzir passa a ser
entendido enquanto um processo mais
amplo, não se limitando ao ato de fabricar e oferecer bens, mas englobando
também a fabricação simbólica efetuada aquém e além desses bens, sejam eles
concretos ou não. Nesse sentido, toda
análise das representações e do comportamento do consumidor de imagens deve
ser avaliada enquanto uma relação produtiva da qual o consumidor também
participa.
Para o marketing – que também vem
realizando um deslocamento análogo
nos últimos tempos –, o abandono do
determinismo está relacionado à compreensão de que as estratégias bem-sucedidas são aquelas que não se limitam
à propaganda e vendas, ou a meras tentativas de aumentar a demanda. “Sempre tivemos e sempre teremos pesquisa,
propaganda, promoção e força de vendas. O que muda é como cada uma dessas etapas acontece (...) O que funciona
agora, e cada vez mais daqui para a frente
... é o chamado marketing reverso. Os
preços são determinados pelos clientes.
O material publicitário sobre a empresa
não é empurrado aos consumidores, mas
aceito por eles. Algumas empresas vão
além e trazem os consumidores para a
produção. São os prosumers (uma
corruptela em inglês das palavras produtor e cliente). O exemplo máximo disso
é a americana Dell, que produz computadores customizados sempre que um cliente faz um pedido (...) Há muito mais
acontecendo (... ) A EMI é uma empresa
de tecnologia que desenha equipamentos
de armazenamento de informação com
base nas necessidades do cliente. Ouvi
dizer que na Internet há uma empresa que
faz equipamentos para dentistas. E os profissionais que querem comprá-los respondem a um questionário em que dizem a
altura que têm, se são destros ou canhotos. Eles podem fazer um equipamento
especialmente moldado a essas características pessoais.” (Kotler, 2001)
Para acompanhar essas mudanças de
posicionamento, é fundamental que o
consumo seja recontextualizado e entendido no âmbito da sociedade pós-industrial, em que a produção de bens materiais em grande escala vem cedendo lugar,
em termos de importância, à produção de
serviços, de informação, de estética, de
símbolos e de valores. “A revolução digital alterou muitos aspectos da vida diária das pessoas e das empresas. Os consumidores podem fazer compras de suas
casas ou de onde quer que estejam nas
24 horas do dia e nos sete dias da semana. Eles podem fazer pesquisas de preço
pela internet. Algumas vezes, eles próprios determinam o preço de produtos
disponíveis.” (Kotler, 2001)
Longe de ser uma mera formalidade
ou a manifestação de uma atitude politicamente correta, o entendimento deste
novo estatuto da relação entre “produtores” e “consumidores” significa a possibilidade concreta de uma maior adequação à tendência que o consumo tem demonstrado de ser, muito mais do que um
espaço restrito à troca de mercadorias, o
cenário das mais variadas interações
socioculturais “...o consumo é visto não
17
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
como a mera possessão individual de
objetos isolados mas como a apropriação coletiva, em relações de solidariedade e distinção com outros, de bens que
proporcionam satisfações biológicas e
simbólicas, que servem para enviar e receber mensagens”. (Canclini, 1999:66)
Deslocar o olhar de abordagens
deterministas – baseadas na mera
sobredeterminação da infra-estrutura
sobre a superestrutura – não implica necessariamente cair num otimismo inconsistente – tão presente em interpretações
que entendem o consumo de massa como
uma mera democratização do acesso à
cultura de grupos menos favorecidos –,
isso na medida em que, segundo
Bourdieu, os conflitos entre os diversos
grupos que existem numa sociedade podem ser lidos através do estilo de vida
adotado pelos indivíduos que deles participam. (Ortiz, 1983)
18
O gosto, para esse autor, consiste em
objetividade interiorizada, que se bem é
realizada por um indivíduo com características próprias, é sempre mediada pelo
grupo ao qual esse indivíduo pertence. O
habitus, nesse sentido, configura um espaço simbólico que é ao mesmo tempo
social e individual. (Ortiz, 1983)
Contrariando algumas previsões
mais pessimistas, a cultura de massa não
conseguiu nivelar a experiência estética
nem reduzir o conceito de belo aos valores da sociedade burguesa européia, inversamente, ela abriu brechas para a
múltipla expressão das mais diversas
culturas e subculturas, que, se
fenomenologicamente são bastante
diversificadas, podem ser agrupadas, do
ponto de vista estrutural, em dois polos:
dominante, que Bourdieu denomina ortodoxia, e dominado ou heterodoxia.
(Ortiz, 1983)
“Como herança
dessa origem, é
freqüente encontrar
nas Ciências Sociais
análises que
associam o consumo
com gastos inúteis e
compulsivos,
estimulados a todo
momento pelos
meios de
comunicação de
massa.”
A existência desses dois polos é por
si só fonte de conflitos, uma vez que enquanto a ortodoxia procura conservar
intacto o capital social por ela acumulado, a heterodoxia busca desacreditar esse
mesmo capital, manifestando seu
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
inconformismo através de estratégias de
“subversão” que a colocam em relações
de permanente conflito com a ortodoxia.
Paradoxalmente, a ortodoxia precisa da
heterodoxia para existir, na medida em que
sua oposição é ao mesmo tempo o reconhecimento da existência dos interesses
que estão em jogo. (Ortiz, 1983)
O espaço simbólico em que as posições
dos agentes encontram-se fixadas a priori
é denominado campo: lugar em que os atores travam uma luta em torno de interesses
específicos, que caracterizam a área em
questão. O campo é assim um espaço onde
se manifestam relações simbólicas de luta
pelo poder, estruturado a partir da distribuição desigual de um capital social que determina a posição que um agente específico ocupa dentro dele. Dominantes e dominados são aqueles que dispõem, respectivamente, de mais ou menos capital social
específico no espaço concreto e simbólico
em que estão situados. (Ortiz, 1983)
As estratégias dos agentes orientamse no sentido de obter sempre uma
“maximização dos lucros” a partir da posição que eles detêm no interior do campo. Os atores sociais tenderiam, nesse sentido, a investir em determinado tipo de
capital, procurando sempre um meio de
acumulá-lo o mais rapidamente possível.
(Ortiz, 1983)
Os agentes da ortodoxia criam uma
série de instituições e mecanismos para
assegurar a dominação. Quando ocorrem
novos lançamentos no interior de um campo, eles celebram certos rituais junto a essas instituições – universidades, galerias,
“Uma ética baseada
na transparência
e na coerência parece
ser a única aposta
possível para aqueles
que estiverem
dispostos a
estabelecer relações
fundadas na
credibilidade.”
casas de moda –, legitimando ou refutando o bem simbólico lançado no mercado.
Isso significa que, para Bourdieu, a ordem social instaura-se tanto subjetiva quanto objetivamente e que a reprodução da ordem social inscreve-se em níveis tão profundos como as representações sociais ou as
escolhas estéticas. (Ortiz, 1983)
O reconhecimento de uma dimensão simbólica e política no consumo e do aumento no
poder dos consumidores aponta para a existência de um núcleo comum no abandono das perspectivas deterministas – sugerido tanto pelo
Marketing quanto pelas Ciências Sociais –, sinalizando a necessidade de um urgente
redimensionamento da desgastada relação
estabelecida há algum tempo entre “produtores” e “consumidores”, que é herdeira do capitalismo industrial.
Emerge nesse cenário uma veemente
necessidade: substituir as velhas,
desgastadas e descontextualizadas convenções em que se fundam tradicionalmente
essas relações, baseadas na certeza de uma
suposta fidelidade, tão irrestrita quanto hipócrita. Tudo aponta para a necessidade de
atitudes mais ousadas, mais provisórias mas
também constantes, capazes de construir
novos vínculos sem nenhuma garantia de
durabilidade a priori mas que possuam uma
frágil solidez, feita e refeita dia após dia através de instrumentos como a transparência
e a ética. “Talvez, em vez de lealdade, a
palavra mais correta seja relacionamento.
O primeiro passo é fazer com que a mensagem que a companhia transmite em todos
os momentos em que se relaciona com o
seu cliente seja a mesma.” (Kotler 2001)
Uma ética baseada na transparência e
na coerência parece ser a única aposta possível para aqueles que estiverem dispostos a estabelecer relações fundadas na
credibilidade. Fazer aquilo em que se acredita e acreditar naquilo que se faz é sem
dúvida o melhor caminho para transmitir
mensagens capazes de convencer o consumidor da pós modernidade a continuar
se relacionando com uma empresa. Depois
de tudo, analisando a mais recente montagem da peça de Albee no Brasil, Jurandir
Freire Costa afirma que “George e Martha,
versão 2000, não são pífios por se resumirem às aparências dos que fingem, (...) ou
por fazerem do sofrimento a última razão
do sentimento, como manda o romantismo. São artificiais e desabridos porque,
como muitos, acreditam muito pouco no
que dizem acreditar.” (Freire, Costa, 2000)
NOTAS
1
Fonte: Folha de São Paulo, Caderno Dinheiro, 26/08/01.
BIBLIOGRAFIA
ALBEE, EDWARD Who´s afraid of Virginia Woolf? New York: New American Library, 1988.
CANCLINI, NÉSTOR GARCÍA. Consumidores e cidadãos. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1999.
CANCLINI, NÉSTOR GARCÍA. Culturas Híbridas. São Paulo, Edusp, 2000.
CARVALHO, EDGAR DE ASSIS (org) Polifônicas idéias. Antropologia e universalidade. São Paulo: Ed. Imaginário, 1997.
CERTEAU, MICHEL DE A invenção do cotidiano. Petrópolis: Ed. Vozes, 2000.
FREIRE COSTA, JURANDIR “Sem medo de Virginia Woolf”, in: Folha de São Paulo, 26/11/00.
GELDER, KEN and THORNTON, SARAH The subculture reader. London and New York: Routledge, 1997.
HALL, STUART A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP & A Editora, 2000.
KOTLER, PHILIP “Um pé aqui, outro lá”, entrevista concedida à Revista Exame, realizada por Cristiane Mano, edição 744 – 11/7/2001.
ORTIZ, RENATO (org.) Pierre Bourdieu. São Paulo: Ed. Ática, 1983.
• Valéria Ravier - Professora da ESPM - Desenvolve tese de doutorado sobre antropologia do consumo
no programa de pós-graduação em Ciências Sociais – PUC/SP.
[email protected]
19
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
“
* Francisco Serralvo
* Wilson Weber
20
”
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
Q
uantas vezes já ouvimos a frase “isso é puro marketing”?
Geralmente, ela é empregada
erroneamente, principalmente por leigos,
com a conotação de irresponsabilidade,
inconseqüência, más-práticas ou qualquer forma que apresente o marketing
como algo que busca simplesmente “levar vantagem”.
A revisão da literatura que se segue
procura retomar os princípios históricos
resgatando as principais linhas dos pensadores em marketing. Essa revisão
centra-se nos principais autores da literatura norte-americana, não se estendendo aos demais países por ater-se apenas
à evolução histórica do marketing.
A evolução do pensamento do
marketing foi mapeada por Bartels
(1965), que identificou os seguintes períodos: descoberta (década de 1900),
conceituação (década de 1910),
integração (década de 1920 ), desenvolvimento (década de 1930), reavaliação
(década de 1940) e reconceituação (décadas de 1950 e 1960).
Sheth, Gardner e Garrett (1988) desenvolveram um estudo mais profundo,
discorrendo sobre as escolas de pensamento em marketing. Elas foram formadas segundo a linha de pensamento dos
seus principais autores com base nas propostas de investigação escolhidas, sendo diferenciadas em função da época em
que surgiram (refletiam as variantes dos
ambientes de negócios como meios de
comunicação, desenvolvimento tecnológico, mudanças dos hábitos e comportamento das sociedades, e assim por diante) e das propostas ou campo de investigação apresentados (foco nas vendas, no produto, na comunicação, na distribuição, entre outros). Várias escolas
coexistiram, com diferentes perspectivas, enquanto outras diferiram no tempo, mas aproximaram-se em suas propostas ou objetos de investigação.
Essa contextualização histórica,
mostrada a seguir, reforça os conhecimentos mostrados nos bons livros de
marketing atuais, que na sua visão
gerencial consideram os conceitos cria-
“O consumidor
era uma
referência para
classificar os
produtos e não o
foco conceitual
da disciplina,
mas já estava
presente.”
dos e aprimorados ao longo desse um século de desenvolvimento, não os identificando conforme suas correntes de pensamento, mas fazendo uso do que de melhor e mais útil cada uma delas forneceu.
A Escola de
Commodities
O Marketing emergiu como disciplina independente no início do século XX.
Seus primeiros estudiosos acreditavam
que para ela evoluir seria necessário obter não só o respaldo científico, mas também o apoio dos profissionais, que assim
garantiriam a disseminação das idéias.
Buscando referências em outras disciplinas, constataram que as bem conceituadas baseavam-se em alguma forma de
classificação de eventos, utilizada para
prever acontecimentos em razão dessa
classificação. Mesmo sem saber claramente o que buscar, fundaram a primeira
escola de pensamento, a qual denominaram Escola de Pensamento de
Commodities. Apesar de o nome refletir
a força da economia agrícola da época,
seus fundadores já estavam envolvidos
com bens de consumo (embalados), não
com produtos agrícolas. Nessa época, o
marketing relacionava-se à movimentação de bens dos produtores aos consumidores, assim, seria natural sua concentra-
ção nas transações, ou, por aproximação,
nos produtos transacionados. Havia então um foco e o que classificar: produtos, mercados, funções do mercado e
como os produtos chegavam a ele.
Na busca do sistema de classificação,
procuraram agrupar os produtos em categorias que permitissem adotar processos operacionais semelhantes para cada
uma delas. Buscavam um “procedimento padrão”, ou “livro de receitas”. Melvin
Copeland é considerado o criador do primeiro sistema classificatório. Dessas primeiras classificações resultaram alguns
grupos encontrados nos livros atuais de
Marketing, na abordagem das classificações de bens de consumo, como os bens
de conveniência (já aparecia em 1912,
no trabalho de Charles Parlin), de compra comparada, de especialidade e não
procurados. Suas caracterizações foram
alteradas ao longo do tempo e outros grupos foram criados e reclassificados. Grupos como Bens de Emergência, de Compra Rotineira e Bens de Preferência perderam parte do destaque. Essas classificações consideravam os mais variados
aspectos da transação, como disponibilidade do produto, grau de esforço do
comprador, nível de preço, preferência
por marcas, disposição em retardar a satisfação de uma necessidade,
perecibilidade do produto... O consumidor era uma referência para classificar
os produtos e não o foco conceitual da
disciplina, mas já estava presente.
A Escola
Funcional
Nem todos os estudiosos se engajaram
nas teorias da Escola de Commodities.
Um grupo expressivo criou a Escola Funcional, também considerando ser essencial buscar a legitimidade acadêmica e
demonstrar a aplicabilidade prática da disciplina. Em vez de buscar classificar produtos, focaram as atividades necessárias
para efetivar as transações, buscando estabelecer referenciais em “como” elas se
realizavam.
21
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
O “pai” da escola funcional é considerado Arch
Shaw (1912), que num artigo no
Quarterly Journal of Economics
abordava os aspectos da utilização de intermediários na distribuição de mercadorias e nas funções genéricas que deveriam desempenhar, como, por exemplo, a divisão dos riscos, o transporte de mercadorias, o financiamento das operações, as
vendas (comunicação de idéias sobre
produtos), o recebimento, a classificação
e o reenvio.
Weld (1917) ofereceu uma alternativa de análise com funções básicas que
não seriam necessariamente realizadas
apenas pelos intermediários. Elas seriam:
operações, que envolve todos os serviços de aquisição, fabricação, estocagem
e assunção do risco; vendas, que se refere à criação da demanda dos bens (propaganda e promoção de vendas) e, por
fim, o transporte, com o deslocamento
e a disponibilização dos produtos para
os consumidores finais.
Alguns temiam que essas classificações transformassem as funções em estanques, perdendo-se a noção de suas
22
inter-relações. Para Franklin Ryan
(1953), qualquer consideração que se
fizesse tinha no final o objetivo de
encontrar respostas para as funções
gerais de distribuição que acrescentavam utilidades como de
tempo, lugar, propriedade e posse para bens físicos, enquanto
estes se moviam para o ponto
de venda e esto-cagem, e para
as funções distintivas, realizadas
pelas
empresas
(assunção de risco
e financiamento).
Edmund
McGarry (1950)
sugeriu uma
classificação que
previa as funções
de contato (prospecção e negociação com
fornecedores e clientes
potenciais);
comercialização
(atividades para
adaptar o produto
às idéias concebidas pelos
compradores); definição de preço
(preços aos quais os produtos são oferecidos, ou aos quais serão aceitos); propaganda (todos os métodos utilizados
para persuadir o usuário potencial a se-
“Em vez de buscar
classificar produtos,
focaram as
atividades
necessárias para
efetivar as
transações,
buscando
estabelecer
referenciais em
‘como’ elas se
realizavam.”
lecionar o produto e gostar dele quando
o tiver); distribuição (transporte e
estocagem de produtos) e finalização
(troca efetiva na custódia e responsabilidade dos produtos e encerramento do
processo). Uma derivação de classificações apresentadas por teóricos como
Shaw, Weld, Ryan e, especialmente
McGarry, está refletida nos 4P’s, popularizados por McCarthy (1960).
Para Lewis e Erickson (1959), o
marketing tinha apenas duas funções: gerar demanda (propaganda, venda pessoal, promoção de vendas, planejamento de produto e definição de preços) e
atender a demanda (estocagem,
gerenciamento de inventários, transporte, processamento de pedidos e manuseio). Esses conceitos estão presentes na
gestão de processos e administração da
cadeia de fornecimento.
A Escola
Institucional
Acompanhando a evolução social,
criou-se a escola institucional, fruto da
percepção dos consumidores de que os
preços pagos no varejo eram injustificadamente elevados. Seus teóricos acreditavam que deviam prestar mais atenção
nas organizações que efetivamente participassem da movimentação dos bens aos
consumidores. Seu fundador foi Weld
(1916), que escreveu The Marketing of
Farm Products, mostrando sua preocupação com a eficiência dos canais de distribuição. Se os intermediários eram muito
importantes, deveriam ser considerados
em quantidades justificáveis para não
inviabilizar o canal.
Ralph Starr Butler (1923) escreveu
Marketing and Merchandising, considerando a importância dos intermediários na
criação de utilidade, pois eles traziam produtos de onde eram fabricados para onde
seriam consumidos, disponibi-lizando-os
quando necessários (tempo e local). Paul
D. Converse e Harvey W. Huegy (1940),
no texto Elements of Marketing, já mos-
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
travam os riscos e benefícios potenciais
da integração vertical nos canais, pois enquanto ela oferecia vantagens na redução das despesas de marketing e garantia o fornecimento das mercadorias, apresentava falhas quando envolvia muitas
matérias-primas diferentes ou mesmo nas
tentativas de um produtor operar no competitivo universo do varejo. Consideravam ser relativamente simples integrar
atacado e varejo, mas não produção e varejo.
A escola institucional atingiu seu ápice no período 1954-1973, quando passou a utilizar teorias econômicas para assuntos críticos como o surgimento dos
canais de marketing, sua evolução e o
desenho de estruturas institucionais eficazes e eficientes. Wroe Alderson (1954)
escreveu Factors Covering the Development of Marketing Channels, onde se
pode destacar:
“...os intermediários crescem no processo de troca porque podem aumentar
a eficiência do processo(...) Enquanto os
economistas assumem, por certos propósitos, que a troca é feita sem custos, no
mundo real as transações tomam tempo
e utilizam recursos(...) Os intermediários criam as utilidades de tempo, lugar e
posse porque as transações podem ser
feitas por meio deles de forma mais barata do que na troca direta” (p.13-14).
Bert McCammon (1963), um dos líderes dessa escola, mostrou que a eficiência não deveria ser o critério único no
desenho dos canais. Preocupações excessivas com custos e receitas não explicavam o fato de algumas instituições resistirem às mudanças mesmo com vantagens econômicas aparentes, nem a persistência de canais não econômicos. Para
explicá-las, McCammon sugeriu que se
investigassem fatores sociológicos e psicológicos, e ofereceu algumas hipóteses,
ainda válidas. No aspecto inovações, defendia que seu grau de difusão dependia
da própria inovação, sendo mais facilmente aceitas as que não interferissem
demais na situação atual; o inovador era
um “estranho no ninho” dentro da organização; a velocidade e intensidade da
adoção dependiam do risco ao negócio,
sendo maiores as probabilidades de aceitação, quanto maiores as aspirações do
empreendedor e sua adequação aos hábitos de decisão existentes. Lembrava
que influenciadores e inovadores não seriam sempre as mesmas empresas. Ao advogar a inclusão de variáveis
comportamentais na análise da evolução
dos canais, McCammon (1965) buscava
livrar seus colegas da prisão da perspectiva econômica.
Ele adotou o tema da integração e
apresentou três formas de canais centralmente coordenados: o sistema
corporativo, pelo qual se combinavam
vários estágios de produção e distribuição sob um mesmo proprietário; os administrativos, que coordenavam o fluxo
de bens e serviços buscando economias
sistêmicas, e os acordos contratuais, pelos quais empresas independentes podiam coordenar suas atividades buscando
economias sistêmicas e impactos no
mercado, impossíveis de serem obtidos
individualmente. Essa abordagem se justificava pelos aumentos das exigências
de capital e custos fixos mais elevados,
pelo declínio das margens de lucro e retorno de investimentos, pelo aumento da
complexidade dos processos de
marketing e pelas economias potenciais
da centralização do sistema.
Mallen (1973) propôs o desmembramento funcional (Stigler, 1951) pelo
qual a manutenção das atividades de
marketing na empresa, ou sua transferência para intermediários, dependeria de
quem as executasse melhor e mais eficientemente. Vários aspectos da escola são
bastante atuais.
A Escola
Regional
A escola regional é normalmente negligenciada quando se discutem teorias
de marketing. Seus estudiosos percebiam o marketing como uma forma econômica de unir o espaço geográfico entre
compradores e vendedores. Concordando que os produtos trocados mereciam
ser estudados (commodities) e que as atividades de facilitação da troca deveriam
ser investigadas (funcional), devotaram
mais atenção para a separação física entre compradores e vendedores, tentando
explicar que papel essa distância representava na decisão do consumidor de favorecer uma loja e não outra, ou como
explicar o fluxo de bens entre várias regiões com recursos e necessidades diferentes.
Era uma escola quantitativa originada de trabalhos anteriores em geografia
e economia que relacionavam atividade
econômica e espaço físico, e não uma
criação da disciplina de marketing.
Ela preocupou-se não só com a área
de varejo, mas também com a de atacado. É a precursora dos estudos sobre a
teoria da atratividade do varejo e da formação dos pólos de consumo.
A Escola do
Macromarketing
Essa escola foca o papel e o impacto
das atividades de marketing e das instituições na sociedade e vice-versa, e emergiu como conseqüência do crescente interesse pelo papel dos negócios na sociedade. No início dos anos 60, ganhavam
fôlego expressões como fixação de preços, complexos industriais-militares e
monopólios, e a opinião pública duvidava das intenções das empresas. Acidentes como o da Talidomida e os problemas com automóveis defeituosos e inseguros levaram as escolas a encorajar os
seminários sobre limites e ética.
Boa parte da imagem negativa do
marketing vem da idéia de que ele é uma
atividade de vendas, que envolve muitas
práticas condenáveis, oriundas dessa
época. Robert Holloway e George Fisk
fizeram os primeiros trabalhos para tentar compreender essa percepção nas pessoas comuns. Holloway (1967) fez uma
coleção de trabalhos sobre os ambientes
23
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
sociológico, político, econômico, legal, ético, competitivo e tecnológico.
Fisk (1981) buscou o entendimento do papel do
marketing na sociedade,
descrevendo as inter-relações entre a economia da
equalização, a estratégia e
os mecanismos da gerência de marketing e as conseqüências sociais da atividade de marketing, fazendo também a distinção
entre
macro
e
microssistemas.
Zif (1980) procurou
demonstrar que a abordagem gerencial aplicada no
micromarketing é aplicável às situações e problemas do macromarketing.
“Gerentes do setor público, a cargo de problemas
sociais, podem e devem se
comportar de maneira semelhante aos seus pares
do setor privado, a cargo
de produtos e serviços comerciais”. As variáveis
principais dessa atividade
são: responsabilidades,
objetivos, orientações, estratégias e tomada de decisão. Com algumas adaptações podem ser aplicadas aos fenômenos macro,
que apresentam competição reduzida e aumento da
cooperação. O estrategista passa a ser o integrador.
Essa colocação ecoa
no conceito ampliado de
marketing desenvolvido
por Philip Kotler (1972).
O conceito de marketing
evoluiu da percepção que
considerava serem os negócios o objetivo de
marketing, que se ocuparia de vendedores, compradores e produtos e ser-
24
viços “econômicos”, para a que considerava ser ele relevante para qualquer
organização que oferecesse produtos e
serviços (que tivessem valor) para seus
grupos de consumidores, mesmo que
gratuitamente, e, finalmente, para a que
reconhecia sua relevância para todas as
organizações no relacionamento com
seus públicos, não apenas com clientes.
O foco disciplinar de marketing era então a transação (troca de valores entre
duas partes).
A obra sobre macromarketing é vasta. Nos anos 70, houve grande interesse
pelo marketing social, no seu papel nas
mudanças sociais e no gerenciamento do
seu próprio ambiente. Hutt, Mokwa e
Shapiro (1986) examinaram a política
no marketing e sugeriram que paralelamente aos canais de distribuição existia
uma rede política. “Sistemas de
marketing devem ser definidos em termos de partes, relacionamentos e ações
que ampliam e facilitam a performance
e evitam ou proíbem trocas em
marketing.” Arndt (1979) e Kotler
(1986) argumentaram que os profissionais de marketing que quisessem operar
com sucesso no ambiente de mercado
deveriam adquirir habilidades políticas.
Kotler abordou as dificuldades de entrar
em mercados bloqueados ou protegidos,
que transformavam essa entrada em um
exercício político, no qual devia-se considerar mais benefícios às partes do que
ao target, agentes, distribuidores e vare-
“É a precursora
dos estudos
sobre a teoria
da atratividade
do varejo e da
formação dos
pólos de
consumo.”
jistas. Deviam-se incluir governos, sindicatos e outros grupos de interesse. Para
Kotler, isso exigia o mega-marketing, que
além dos quatro P’s considerava mais dois:
poder e relações públicas.
A Escola
Funcionalista
Essa escola concebia o marke-ting
como um sistema de relacionamentos estruturais e de relações dinâmicas interdependentes. Sua abordagem também foi
proposta por um pesquisador da linha
econômica, mas que via o marketing da
perspectiva sistêmica, na qual os processos econômicos eram apenas uma das
partes inter-dependentes. Foi a escola de
apenas um e produtivo estudioso, Wroe
Alderson (publicações de 1945 a 1965).
Hunt, Mun-cy e Ray (1981) tentaram esclarecer e integrar os trabalhos de Alderson formalizando sua teoria
funcionalista a partir dos seus elementos
básicos (grupos, comportamentos e expectativas). Merece destaque a afirmação de
que “dada a heterogeneidade da demanda e do suprimento o propósito do marketing é efetuar as trocas combinando segmentos de demanda e fornecimento” (p.
89).
Alderson (1954) afirmou que o
funcionalismo “não hesita em utilizar outras disciplinas como economia, psicologia ou qualquer outra
para fatos ou modelos conceituais
que possam ajudar a encontrar a
solução de um problema” (p. 40).
Ele não foi o único a ver o marketing
como sistema, mas foi o único que
utilizou as ciências comportamentais
na conceituação das relações entre
suas várias unidades. Seus conceitos
eram definidos considerando “as entidades que operam no ambiente de
mercado” (Alderson, 1956, p. 7). Em
um sistema de comportamento organizado, o elemento de organização é
a expectativa dos membros que, como
integrantes do sistema, irão obter um
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
excedente além do que poderiam conseguir com uma ação individual e independente. Sua fronteira é o senso comum
de manutenção das condições vitais da
organização. Como os sistemas de comportamento organizado interagem com
o mercado, eles “fornecem a força motriz que mantém os processos de
marketing em movimento” (Alderson,
1965, p. 37) de forma a maximizar seus
interesses e sobrevivência. Alderson
considerava os canais de marketing um
pseudo-sistema, por haver senso de cooperação, mas sem comprometimento de
longo prazo. Faltava-lhe o senso de sobrevivência.
A empresa, como sistema organizado, está diretamente relacionada
com mercados heterogêneos, cada vez
mais complexos e diversificados, o
que a leva a desenvolver habilidades
e conhecimentos especializados para
facilitar a troca e combinar suas necessidades com seus recursos. Essa
heterogeneidade é a base da mudança.
Seu princípio de mercado heterogêneo baseava-se no fato de que as
necessidades de um indivíduo são diferentes das de outros, numa visão de
mercado diferente da visão econômica de mercados homogêneos. Dada
essa hetero-geneidade, propunha que
a “diferenciação de produtos e serviços era a chave para definir o valor
criado pelo marketing” e “o processo
econômico básico era a diferenciação
gradual dos bens...” (Alderson, 1957,
p. 69). Era uma definição mais completa do que a que afirmava que
marketing criava utilidades de local,
tempo e posse. Se os mercados são
heterogêneos, a demanda será heterogênea, e os processos de marketing
serão os mecanismos que as combinem. Para Alderson, o processo de
marketing era a série de escolhas e
transformações pelas quais essa combinação era obtida, havendo a busca
constante do equilíbrio entre o processo de marketing e o mercado heterogêneo.
“Enquanto escolhas
e transformações
eram conceitoschave para o
entendimento do
mercado
heterogêneo, a
chave para sua
análise era o
conceito de
“transvecção”.”
Enquanto escolhas e transformações eram conceitos-chave para o entendimento do mercado heterogêneo,
a chave para sua análise era o conceito de “transvecção”, termo cunhado
por Alderson, que é a soma das escolhas e transformações ocorridas desde a escolha das matérias-primas até
o produto final chegar ao consumidor.
O conceito de heterogeneidade focava
a sucessiva diferenciação, e o da
transvecção a análise da eficácia e eficiência do processo.
A Escola
Comportamental
É a escola de maior impacto no
marketing depois da gerencial. Além das
questões demográficas nos negócios,
buscava-se entender por que o consumidor agia de determinada forma. A escola
focou então no “porquê”. Seu florescimento ocorreu da percepção da necessidade de entender o consumidor e sua
popularidade deveu-se à valorização do
conceito de marketing e ao estabelecimento do corpo de conhecimento das
ciências comportamentais. Nesse desenvolvimento, teve grande importância a
passagem de economia de compra para
economia de vendas após a Segunda
Guerra Mundial, quando a
competição acirrou-se em
função dos excessos gerados
pela excepcional capacidade
produtiva. Instituições como
a Fundação Ford alocaram
somas consideráveis com o
objetivo de ampliar o conhecimento nas ciências
comportamentais e matemáticas que pudessem ser utilizados no conhecimento das
áreas de negócios. Várias áreas, como a Antropologia, a
Psicologia Cognitiva, a Psicologia Clínica e a Sociologia, ofereceram contribuições que, aliadas a processos
matemáticos, foram muito
importantes.
Os pioneiros da escola
foram George Katona
(1953), que mostrou as diferenças entre os comportamentos econômico e psicológico e foi também pioneiro
nas técnicas de intenções e
sentimentos de compra para
previsão de comportamento;
Lazarsfeld e Katz (1955)
com a pesquisa em liderança
de opinião e influência pessoal (boca em boca), que contribuiu também para a
metodologia dos painéis
como método de coletar dados e fazer tabulações cruzadas e hierarquizadas; Everett
Rogers (1962) com seu livro
sobre difusão de inovações;
Leon Festinger (1957) com
sua teoria da dissonância
cognitiva, que é parte integrante da teoria de comportamento de compra; e March e
Simon (1958) e Cyert e
March (1963), que focaram
o comportamento de compra
organizacional. Outros trabalhos foram desenvolvidos,
mas de forma fragmentada e
não voltados ao marketing.
25
25
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
Nos anos 50, foram identificadas três
áreas de pesquisa: determinantes psicológicos racionais e emocionais do comportamento de compra (as compras são
feitas por motivos emocionais e razões
profundas que os consumidores não querem discutir, e muitas vezes nem percebem que existem, e que são conhecidos
apenas por meio da psicologia clínica);
determinantes sociais do comportamento de compra (um dos mais importantes
é a influência dos grupos de referência
na escolha de produtos e marcas, outro é
a da força da palavra – boca em boca); e
decisão doméstica (estudo do comportamento de compra familiar – como seus
membros se ajustam no processo). A escola cresceu com estudos importantes
como o da lealdade de marca entre compradores em supermercados, experimentos em laboratórios e o estudo dos riscos percebidos no comportamento do
consumidor (Raymond Bauer defendia
que os consumidores não maximizavam
utilidades – economia – e sim reduziam
seus riscos).
A teoria mais abrangente do comportamento do consumidor foi proposta por
Howard e Sheth (1969) utilizando conceitos conhecidos da psicologia que incluíam a teoria do aprendizado, o comportamento exploratório e as representações simbólicas. Daí sugeriram alguns
axiomas: os consumidores gostam de
simplificar situações de escolha complexas e complicar situações de escolha
muito rotinizadas e/ou não-desafiadoras;
experiências com produtos e marcas são
determinantes de escolha mais fortes que
as informações, estímulos provocados
pelo produto físico são menos filtrados
por mecanismos perceptuais de exposição, atenção e retenção que os estímulos provocados pela propaganda e venda pessoal; as informações de fontes sociais e neutras são menos filtradas que
as das fontes comerciais; a satisfação do
consumidor é psicológica e função direta da discrepância entre as expectativas e a experiência; fatores exógenos influenciam e controlam o processo de
simplificação e complicação (caracterís-
26
“Arndt (1979) e
Kotler (1986)
argumentaram que
os profissionais de
marketing que
quisessem operar
com sucesso no
ambiente de
mercado deveriam
adquirir habilidades
políticas.”
ticas pessoais, ambientes sociais, escassez de tempo e recursos).
Simplificação e complicação diferem
em função das características do produto, da importância ou envolvimento, e
da percepção do risco associado às escolhas erradas. Essa teoria tornou-se
mais popular por ter sido mais rigorosamente desenvolvida em termos científicos, ter validade por incorporar descobertas de marketing, psicologia e outras
ciências comportamentais, e por ter sido
comprovada em pesquisas de campo.
Dada a grande evolução da escola,
foi formada em 1969 a Association for
Consumer Research – ACR –, para oferecer um fórum de discussão, estimular
a pesquisa e disseminar as descobertas
através de seminários, conferências e
publicações. Tornou-se a alternativa à
American Marketing Association – AMA
– para os estudiosos do assunto. Em
1974, foi fundado o Journal of
Consumer Research – JCR. Caracterizava-se assim o comportamento do consumidor como disciplina independente.
Nos anos 70, uma das pesquisas mais
importantes foi a do comportamento de
compra organizacional (Robinson, Faris
e Wind, 1967). Surgiram linhas com foco
mais limitado e aplicação das teorias
cognitivas em serviços públicos e educação, entre outros, na tentativa de aplicar conceitos de marketing em organi-
zações sem fins lucrativos, ou focados
nas integrações culturais (marketing internacional). Teve grande destaque o
comportamento de compra familiar, no
qual os comportamentos de compra individuais eram ao mesmo tempo influenciados e influenciadores.
Martin Fischbein (1963 e 1967),
reforçado pela posição de Fischbein
Ajzen (1975), dizia que:
“...a intenção de uma pessoa para
dado comportamento é função de dois
fatores: crenças pessoais sobre as conseqüências daquela ação, ou, crenças
sobre as normas do seu grupo de referência serem a favor ou contra aquele
ato (crenças pessoais ou normativas)”.
(Fischbein, 1967, p. 71)
Emergiu como corrente independente a linha do processamento de informações tendo como objeto de estudos o fato
de como os consumidores utilizam, assimilam e fazem seus julgamentos sobre
produtos e marcas.
Os anos 80 caracterizaram-se como
a nova era do comportamento do consumidor. Surgiram novas áreas de pesquisa interativas como as dos rituais e simbolismos, comportamento experiencial e
de fantasia, impactos religiosos no consumo e preocupações multi e subcultural.
A riqueza da escola sempre deu margem a
novas idéias como a do exame da expertise
do consumidor (dimensões inter-relacionadas: esforço cognitivo, estrutura
cognitiva, elaboração, análise e memória)
e semiótica. Suas maiores contribuições
ainda são as teorias de consumo e o foco
no consumidor.
A Escola
Gerencial
O isolamento que alguns estudiosos
de economia sentiam do mundo prático
dos negócios no final dos anos 40 levou
alguns deles, como Joel Dean e William
Baumol, a desenvolver a “economia
gerencial” para buscar traduzir as teorias
freqüentemente abstratas dos acadêmicos
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
em princípios da prática de negócios que
pudessem ser utilizados no dia-a-dia
gerencial.
Seguindo essa liderança econômica,
alguns teóricos de marketing adotaram
uma abordagem semelhante. John
Howard (1957) publicou um texto
intitulado Marketing Management, e
Eugene Kelly e William Lazer (1958)
editaram Managerial Marketing:
Perspectives and Viewpoints. O núcleo
da escola, entretanto, emergiu de uma
série de artigos publicados entre os anos
50 e 60 por escritores como Theodore
Levitt, Neil Borden e Wendell Smith, que
introduziram conceitos como miopia em
marketing, mix de marketing e
segmentação de mercado (com semelhanças com o conceito de marketing
heterogêneo de Alderson). Um dos marcos conceituais foi o conceito de
marketing mix, que enfatizava a necessidade de se ver as tarefas de marketing
como o processo de combinar ou integrar funções diferentes. Seus pioneiros
foram Ed Lewis, E. Jerome McCarthy e
Neil Borden (1964), que descreveu a filosofia do marketing mix da perspectiva
da eficácia da propaganda.
Foi extremamente importante a discussão nessa escola da miopia da busca
da eficiência de produção. Era necessário considerar mais as necessidades e
desejos dos consumidores antes de tomar
decisões para o aproveitamento de oportunidades de produção. J. B. McKitterick
(1957) afirmava que:
O objetivo principal da função de
marketing, num conceito gerencial, não é
tanto ser especializado em fazer o consumidor agir como interessa ao negócio
quanto ser especializado em conceber e
então fazer o negócio agir para se adaptar
aos interesses dos consumidores (p. 78).
Franklin Houston (1986) defendia ser
“tempo de reaprender que o conceito de
marketing é um conjunto de três conceitos,
marketing, vendas e produção, que formam
a base do seu gerenciamento” (p. 49).
Um dos artigos mais influentes da
escola foi Marketing Myopia de
Theodore Levitt (1960), que alertava
para a crença ingênua de que uma situação lucrativa no presente seria eterna,
pois qualquer empresa teria vulnerabilidades. Explicações para os ciclos de
expansões generosas e decadências não
detectadas, que atingiram muitas empresas, contemplaram a crença errônea de
que o crescimento estava garantido por
uma população crescente e mais afluente, por não haver substituto competitivo
para o produto, por acreditar demais na
produção em massa e suas economias de
escala, e por concentrar-se demasiadamente nos produtos, negligenciando
quem os consumia.
Perceber o consumidor como motivo dos esforços de marketing permitiu
entender que nem todos possuíam as
mesmas motivações e objetivos. A primeira proposta de que os consumidores
deveriam ser segmentados, e diferentes
compostos de marketing utilizados, foi
feita por Wendell Smith (1956). A
segmentação de mercado consiste em “ver
um mercado heterogêneo como um número de mercados menores, homogêneos, em resposta a produtos de diferentes
preferências entre segmentos importantes”. É imputável aos desejos dos consumidores ou usuários finais o atendimento
mais preciso da satisfação de seus desejos
variados. Esse conceito foi muitas vezes
interpretado erroneamente, levando à consideração dos diferentes níveis de demanda e não dos tipos de demanda. A preocupação com a aplicação da segmentação
para mercados industriais surgiu apenas
com Doyle e Saunders (1985).
Nessa época também, vários estudiosos concentraram-se na forma como os
elementos do marketing mix deveriam ser
utilizados. Na área do produto, um conceito importante foi o do ciclo de vida,
apoiado na fundamentação biológica intuitiva de nascimento, crescimento, maturidade e declínio. Sua simplicidade gerou focos de crítica por não permitir prever mudanças necessárias e nem quando
um estágio sucederia o outro. Falhava
também como modelo normativo que tentava prescrever estratégias alternativas
para cada estágio. Gardner (1987) foi mais
27
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
incisivo, concluindo que o CVP não era
uma teoria e tinha grandes fraquezas que
exigiam a revisão do conceito. Apesar das
críticas e fraquezas, continua sendo um
elemento de orientação.
Na área de preços, Joel Dean (1950)
e Alfred Oxenfeld (1960) traduziram
teorias econômicas em recomendações
gerenciais. Das contribuições de Dean,
as mais importantes foram os conceitos
de desnatamento de preços (os preços são
levados ao extremo, com fortes gastos
de comunicação nos estágios iniciais, e
depois reduzidos), sendo indicado para
produtos que representem conceitos de
ruptura. Obtém lucros rapidamente, mas
dificulta a adoção imediata em larga escala) e preços de penetração (utilizamse preços mais baixos para chegar mais
rapidamente ao mercado de massa) para
produtos novos. Oxenfeld defendia a
abordagem multiestágios para a definição de preços: seleção do target, escolha da imagem da marca, composição do
marketing mix, seleção da política de
preços, definição da estratégia de preços
e definição do preço específico.
Na área de distribuição John F.
Magee (1960) escreveu um artigo clássico encorajando os gerentes a tratar a
distribuição como um sistema e com a
mesma importância dada a produto, preço e comunicação. As condições-chave
eram o reconhecimento de que distribuição significava examinar o sistema completo de distribuição física, o uso de
métodos quantitativos para analisar os
trade-offs e as relações entre a operação,
as políticas e o trabalho cooperativo de
pessoas com conhecimento de vendas,
marketing, transporte, manuseio e controle de materiais, e, por fim, o tratamento de informações. Neste ponto, vale
mencionar que outras escolas preocuparam-se mais profundamente com aspectos da distribuição: a Funcional, a
Institucional e a da Dinâmica
Organizacional.
Na área de comunicação, a escola
ofereceu sugestões referentes à venda
pessoal e propaganda. Em artigo no
Journal of Marketing, Robert J. Lavidge
28
“Seu princípio de
mercado heterogêneo
baseava-se no fato de
que as necessidades
de um indivíduo são
diferentes das de
outros, numa visão de
mercado diferente da
visão econômica de
mercados
homogêneos.”
e Gary A. Steiner (1961) argumentaram
que o objetivo da propaganda deveria ser
conduzir os consumidores por uma série
de estágios que, eventualmente, levariam à compra do produto. Os níveis dos
compradores eram baseados na sua distância até o caixa: os potenciais, que desconheciam a existência do produto/serviço; os que tinham mera consciência da
sua existência; os que sabiam o que o
produto oferecia; os que tinham atitude
favorável em relação ao produto; os que
chegavam a ter preferência; os que combinavam a preferência com o desejo de
comprar; os que tinham convicção na
compra, e os que a efetivavam.
O marketing foi penalizado por táticas inconseqüentes e decepcionantes
empregadas por vendedores mais
afoitos. Por isso Cash e Crissy (1958)
defendiam a adoção da teoria da “necessidade-satisfação” na venda pessoal. Por
ela o vendedor evitaria falar de um produto até que tivesse descoberto as necessidades do cliente, num processo
mais demorado, mas mais eficaz.
A escola gerencial tem conteúdo
muito vasto e inclui outros tópicos como
posicionamento e inter-relacionamento
funcional da organização encontrados
nos inúmeros livros atuais. Ela exerce
grande influência nos profissionais de
marketing e ofereceu excelentes contribuições como o conceito de marketing
que considera as necessidades dos clientes, e o marketing mix, que integra as
funções e tarefas de marketing.
A Escola Ativista
Essa escola representa pensamentos
e pesquisas relacionadas ao bem-estar e
satisfação dos consumidores que focam
o desequilíbrio de forças entre compradores e vendedores e as más-práticas de
marketing. Originou-se nos movimentos
consumeristas iniciados nos anos 30, e
ganhou corpo no final dos anos 60, quando as reações dos consumidores se fizeram sentir mais fortemente. No início, os
movimentos dos consumidores foram
sustentados por várias instituições e publicações que mostravam os problemas
com as práticas de marketing, mas seu
desenvolvimento veio com as atividades
de consumidores e políticos como John
K. Galbraith, Vance Packard, Rachel
Carson e o Presidente Kennedy. O mais
popular defensor dos direitos dos consumidores foi Ralph Nader (1966), que
denunciou o desrespeito aos consumidores às instâncias governamentais e legais,
enfrentando a poderosa indústria automobilística norte-americana.
As pesquisas referentes ao
consumerismo podem ser divididas em
várias áreas, sendo a maior delas a que
envolve as más práticas de marketing,
referentes à segurança e informações;
outra aborda as minorias ou consumidores em desvantagem e outra a satisfação e
insatisfação dos consumidores. Peter
Drucker (1969) dizia que o consumerismo
era a vergonha do marketing e que os elementos do marketing mix poderiam ser
mais bem utilizados. Entre outras coisas,
dizia que “é nosso trabalho fazer coisas
simples que se adaptem à realidade do
consumidor, não ao ego dos nossos engenheiros” (p. 60).
Kotler (1972) defendeu que satisfazer o consumidor não era suficiente para
gerar uma situação de “ganha-ganha”.
Isso ocorria pela dificuldade de definir
essa satisfação e pelo fato de às vezes o
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
consumidor desejar algo que não seja
bom para ele, afastando a possibilidade
de agradá-lo no médio ou longo prazo.
Mais recentemente, a escola tocou na ética do marketing. Robin e Reidenbach
(1987) enfatizavam a necessidade de incorporar as preocupações éticas no processo estratégico de marketing:
Apesar de eficiência e lucratividade
deverem permanecer como valores centrais na cultura organizacional, elas devem ser balanceadas por outros valores
que auxiliem na definição dos limites das
atividades definidas para atingir aqueles
objetivos e por valores que descrevam
outros comportamentos éticos e socialmente responsáveis
No final dos anos 80, Garret estudou
os boicotes e descobriu que os dos anos
60, baseados em pressão econômica,
imagem e políticas eram o sinal da emergência dos movimentos consumeristas.
A Escola
Sistêmica
Como outras escolas, ela surgiu de
respostas a um ambiente mutante. É considerada dos anos 60, mas antes disso vários estudiosos já enfatizavam a necessidade de se ver o marketing como sistema. A palavra sistema foi popularizada na
literatura gerencial pela influência das pesquisas de técnicas operacionais em outras
disciplinas de negócios, e o uso crescente
de mainframes poderosos. Em 1967, o
tema da conferência da AMA foi
“Changing the Marketing Systems”, enquanto até 1965 nenhum trabalho apresentado trazia a palavra sistema no título.
Segundo a visão de Forrester (1958), que
desenvolveu um trabalho multidisciplinar e
mesclava ciências quantitativas e
comportamentais baseado nas pesquisas
operacionais adotadas na Segunda Guerra:
A empresa era reconhecida não como
uma coleção de funções separadas, mas
como um sistema no qual o fluxo de informações, materiais, mão-de-obra, equipamentos e dinheiro se ajustam às forças que deter-
“Várias áreas, como
a Antropologia,
a Psicologia
Cognitiva, a
Psicologia Clínica
e a Sociologia,
ofereceram
contribuições que,
aliadas a processos
matemáticos,
foram muito
importantes.”
minam a tendência básica em direção ao crescimento, flutuações e declínio (p. 18).
Ludwig von Bertalanffy (1968), na
sua publicação General Systems Theory,
propôs uma teoria para explicar qualquer
sistema, abordando sistemas abertos que
interagem com o ambiente recebendo
inputs, processando-os, exportando
outputs ao ambiente e trocando com ele
informações e energia.
Para Katz e Kahn (1966), que contribuíram muito com a perspectiva
sistêmica no livro The Social Psychology
of Organizations, os sistemas organizacionais são complexos, abertos e
comportamentais. Identificaram nove
“Várias áreas, como
a antropologia,
“Sua
simplicidade
a psicologia
gerou
focosa de
cognitiva,
psicologia
clínica
crítica por
não
e a sociologia,
permitir
prever
ofereceram
mudanças
contribuições
necessárias eque,
nem
aliadas
a
processos
quando um
matemáticos,
estágio sucederia
foram muito
o outro.”
importantes.”
características importantes dos sistemas:
importação de energia do ambiente,
processamento, saídas, ciclo de eventos,
entropia negativa, entrada de informações, feedback negativo e processo de
codificação, estabilidade e homeostase
dinâmica, diferenciação (sistemas abertos movem-se na direção da diferenciação e elaboração, no qual padrões gerais
são substituídos por funções mais
especializadas) e eqüifinalidade (um sistema pode atingir o mesmo estado final
com diferentes condições iniciais e por
vários caminhos).
Mesmo antes de qualquer definição
formal sobre sistemas, estudiosos das
escolas de commodities, funcional, regional e institucional entenderam que os
vários elementos de marketing eram
interdependentes. Mackenzie e Nicósia
(1968) mencionaram que no período de
1920-1950 “grandes esforços foram
orientados para a obtenção de uma
imagem de todo o sistema de marketing”
(p. 17). Da mesma forma, Wroe Alderson
(1957), da escola funcionalista, via o
marketing pela perspectiva sistêmica.
Usando técnicas de estimativa matemática, Farley (1967) demonstrou como
a análise do sistema de marketing poderia ser utilizada, e Howard (1983) adotou a abordagem sistêmica integrando
conceitos descritivos de ciclos de demanda e suprimento, hierarquia de produtos,
estrutura competitiva e modelos de decisão do consumidor para formar a teoria de marketing da empresa. Ele julgava que os executivos de marketing sentiam falta de um corpo sistemático de
conhecimentos para guiar suas decisões.
Em um artigo que se tornou clássico,
Dowling (1983) classificou a evolução
dos sistemas de marketing conforme suas
filosofias: produção, vendas, marketing
e marketing social dentro dos ambientes
propostos originalmente por Emery e
Twist (1965).
Ridgeway (1957) sugeria que o fabricante e seus intermediários poderiam
ser considerados uma única organização,
e ser administrados como um sistema.
Staudt (1958) observou que a empresa
29
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
deveria ser vista como um sistema integrado com o mercado. Goldstucker
(1966) apresentou o desenvolvimento da
estrutura sistêmica para o varejo. Uhl
(1968) abordou a necessidade de um sistema de informações de marketing com
três subsistemas apropriados: disseminação seletiva, retrospectiva e espontânea.
Na mesma linha de pensamento, porém
com diferentes abordagens, vieram
McNiven (1968) e Brien e Stafford
(1968). Gardner (1973) trouxe para o
marketing o conceito de homeostase dinâmica. Reidenbach e Oliva (1981) discutiram a teoria geral dos sistemas vivos.
Há muito a oferecer pela visão
sistêmica ao marketing, e bons indicadores da possibilidade de classificação
dos conhecimentos e sistematização de
relacionamentos foram os trabalhos de
Michael Porter (1980 e 1985).
A Escola das
Trocas Sociais
Apesar de os estudiosos de várias perspectivas teóricas reconhecerem que o propósito de marketing era facilitar as trocas
entre compradores e vendedores, apenas
na metade da década de 1960 um grupo
deles advogou a ênfase mais explícita nas
trocas sociais. Essa nova perspectiva era
de Wroe Alderson e William McInnes.
McInnes (1964) argumentava que:
“Marketing é qualquer movimento ou
atividade que concretize a relação potencial entre produtores e consumidores. A
tarefa básica do marketing está, portanto, sempre relacionada ao mercado em
primeiro lugar. O trabalho de marketing
inicia sempre com a descoberta do mercado potencial” (p. 57).
Defendeu ainda que “o modelo básico de marke-ting consiste de um conjunto de relacionamentos reais e potenciais em cinco dimensões: espaço, tempo, percepção, avaliação e propriedade...” (p. 53).
O segundo grande impacto na escola veio no início da década de 70, com
30
Philip
Kotler
(1972) e seu conceito genérico de
marketing com o
foco na transação.
Em suas próprias
palavras:
“Uma transação é uma troca de
valores entre duas
partes. As coisas
de valor não estão
limitadas a bens,
serviços e dinheiro. Incluem outros
recursos como
tempo, energia e
sentimentos... O
profissional de
marketing busca
encontrar meios de aumentar a percepção na troca entre o que se receberá e
se perderá adotando determinado comportamento.” (p. 48).
Esse profissional é especialista no
entendimento dos desejos e valores humanos, e sabe o que leva alguém a agir.
Na metade da década de 70, Richard
Bagozzi (1974) assumiu a liderança nessa escola de pensamento. Ele definiu o
sistema de trocas como “um conjunto de
atores sociais, seus relacionamentos com
os outros e as variáveis exógenas e
endógenas que afetam o comportamento dos atores nesses relacionamentos” (p.
“
“O mais popular
defensor dos direitos
dos consumidores foi
Ralph Nader (1966),
que denunciou o
desrespeito aos
consumidores às
instâncias
governamentais e
legais, enfrentando a
poderosa indústria
automobilística
norte-americana.”
”
79). Analisando as várias posições de
Alderson, Bagozzi e Kotler, Shelby Hunt
(1991) afirmou que “o objeto básico de
marketing é o relacionamento de troca
ou a transação” (p. 8).
Houston e Gassenheimer (1987) seguiram a linha de que o conceito central de marketing é a transação, dizendo que o relacionamento de troca é um
conceito mais rico que a troca como ato
isolado, fazendo a seguinte colocação:
“A força motriz da troca é a satisfação das necessidades. Expressamos isso
como a conscientização da utilidade,
onde a função da utilidade é uma descrição geral de qual produto será usado
para satisfazer necessidades...” (p. 59).
Sem dúvida, a busca da delimitação
do objeto de estudo do marketing,
focado na transação, é uma das maiores
contribuições que essa escola proporcionou ao campo do estudo do marketing.
A Escola da
Dinâmica
Organizacional
É descendente direta da escola
institucional. Ambas buscam explicar o
trabalho dos canais de distribuição, mas
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
com diferentes perspectivas. A escola
institucional utilizava princípios econômicos para analisar como um canal de
distribuição poderia ser desenvolvido
mais eficientemente para beneficiar o
consumidor e a da dinâmica organizacional mudou o foco do bem-estar do
consumidor para a análise dos objetivos
e necessidades dos membros do canal de
distribuição. Viam o canal como uma
coalizão competitiva baseada nos interesses comuns dos seus membros, que
ao mesmo tempo em que deviam trabalhar em harmonia, lutavam para ficar
com a maior fatia dos resultados. A escola buscava entender como o canal poderia funcionar efetivamente, tendo seus
membros um conjunto contraditório de
objetivos cooperativos e competitivos.
É uma escola relativamente nova,
com trabalhos a partir de 1970, mas com
sementes plantadas no final dos anos 50.
Um dos primeiros artigos sobre relacionamento do canal utilizando a orientação comportamental foi Administration
of Manufacturer-Dealer Systems, de
Valentine Ridgeway (1957). Nele
Ridgeway considerava que o fabricante
estava em melhor situação para administrar o canal, dado seu maior conhecimento do produto e sua operação com vários
revendedores. Com a quebra de comando
originada na transferência de propriedade
o produtor “buscava o poder de administrar o sistema por meio de recompensas e
punições aos revendedores”.
O grande momento da escola aconteceu com a publicação de Louis Stern
(1969) denominada Distribution
Channels: Behavioral Dimensions, no
qual criticava a perspectiva econômica
da escola funcional. Em suas palavras:
“Está ficando mais e mais aparente,
entretanto, que é necessária uma
conceituação, além daquela oferecida pela
teoria econômica, se os estudantes, acadêmicos e profissionais de marketing buscam insights para a crescente complexidade e diversidade dos canais” (p. 1).
Vários autores analisaram os aspectos poder, conflito, cooperação e barganhas, e seus impactos no canal, argumen-
“A palavra sistema
foi popularizada na
literatura gerencial
pela influência das
pesquisas de
técnicas
operacionais em
outras disciplinas de
negócios, e o uso
crescente de mainframes poderosos.”
tando que formas não econômicas de
poder seriam mais eficientes por conseguir adesões e reconhecimento de sua
validade. Kasulis e Spekman (1980) propuseram que o administrador de canal
deveria “buscar cultivar bases de poder
que tendessem a extrair a internalização
e identificação com os sistemas de metas e valores” (p. 147). Outros teóricos
buscaram a criação de modelos de relações interorganizacionais. Stern e Reve
(1980) e Achrol (1983) advogavam que
os canais de distribuição deveriam ser
classificados como economias políticas:
“basicamente a abordagem político-econômica vê um sistema social como um
conjunto de forças econômicas e
sociopolíticas que afeta o comportamento e o desempenho coletivos” (p. 112),
mas por outro lado, buscavam também
uma ligação com a escola institucional.
“... a teoria do canal é fragmentada em
duas orientações incompatíveis: uma
econômica e outra comportamental” (p.
156). A primeira tenta aplicar a teoria
microeconômica e a análise da organização industrial ao estudo da distribuição, e
tem sido essencia1mente orientada à “eficiência” focada em custos, diferenciação
funcional e desenho do canal. A segunda
usa as teorias da psicologia social e das
organizações e tem sido essencialmente
orientada ao “social” focada nos fenômenos de conflito e poder.
Dwyer e Welsh (1985) desenvolveram um modelo baseado na crença de que
a estrutura econômica permitia a
interação entre as forças sociais e econômicas (internas e externas) do canal, e
era recomendado para responder às “incertezas e restrições do ambiente do
cana1”. Graham (1987) assumiu uma
perspectiva sociopsicológica, propondo
que restrições situacionais (relações de
poder) e características de barganha (cultura, nacionalidade, orientação
interpessoal e habilidade em ouvir) influenciariam o processo de negociação,
que por sua vez afeta os resultados das
negociações.
Conclusão
“Esse
profissional é
especialista no
entendimento
dos desejos e
valores
humanos, e sabe
o que leva
alguém a agir.”
A retrospectiva das escolas de pensamento permite visualizar a evolução
do Marketing à medida que várias linhas de pensamento foram em relação
às outras ao mesmo tempo influenciadas e influenciadoras. Cada escola contemplou o marketing com foco no que
julgou mais importante em sua época
conforme suas concepções, como na eficiência dos canais de distribuição (ora
com foco nos resultados para o consumidor, ora para os seus membros), na preocupação com o consumidor e no entendimento de sua heterogeneidade, na visão sistêmica da atividade, na definição
31
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
de ferramentas próprias e na utilização
de conceitos e ferramentas de outras disciplinas, na adequação do mix mais apropriado, na imposição de limites de ação,
na preocupação com a ética.
A preocupação dos teóricos com o
respaldo científico e as influências das
linhas de pensamento moldaram o conceito de marketing até chegar-se à definição oficial da American Marketing
Association, AMA, que considera o
marketing como o processo de planejar
e executar a concepção, a determinação
de preços, a promoção e distribuição de
idéias, bens e serviços para criar negociações que satisfaçam a metas individuais e organizacionais.
Se, todavia, com toda a abragência
“A escola buscava
entender como o
canal poderia
funcionar
efetivamente, tendo
seus membros um
conjunto
contraditório de
objetivos
cooperativos e
competitivos.”
das concepções teóricas e ferramentas
disponíveis, alguma má prática persistir, má prática essa que, definitivamente, não faz parte das práticas de
marketing, a sociedade dispõe de todos
os meios para coibi-la, seja por decisões
e ações de instituições oficiais, por movimentos consumeristas, pelo aparato
legal que regula as relações entre compradores e vendedores, e, sobretudo, por
atitudes várias que reflitam a consciência de cidadania, pois o Marketing não
existe a não ser na sociedade.
Por isso, ao ouvir “isso é puro
marketing”, e se for puro marketing
mesmo, só poderá haver um entendimento: ótimo, alguém está se preocupando mesmo com você.
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* Francisco Antônio Serralvo - Doutor em CiênciasSociais - Professor da ESPM
e da PUC-SP
* Wilson Weber - Pós-graduado em Marketing - Mestrando em Administração de
Empresas - Professor da ESPM
34
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
* MARCOS AMATUCCI
“Isto é sangue do meu sangue, é o que Marx diria.”
WEBER
“Neste importante aniversário da escola, presto minha homenagem
– à instituição e às pessoas – resgatando a história da ESPM e
procurando explicar por que os nossos cursos de Administração
são mais ESPM do que os cursos de Administração dos outros.”
35
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
O momento do
surgimento da
escola
A história da ESPM é parte da evolução do pensamento de Marketing no
Brasil e da estruturação do setor de propaganda – e uma parte importante. Segundo Aylza Munhoz (1982)1 , o pensamento mercadológico no Brasil é originariamente norte-americano, e a sua
penetração aqui obedece a uma evolução que a professora divide em três etapas: a década do transplante, de 1950
a 1960, quando surgem os primeiros
cursos na área; a década da implantação, de 1960 a 1970, quando os cursos
proliferam e surgem as primeiras publicações, tanto traduções quanto de
autores nacionais; e a década da adaptação, de 1970 a 1980, quando o
Marketing nacional passa a preocuparse com a realidade especificamente brasileira. Nesse período, desenvolvem-se
escolas, institutos e associações que
disseminarão o ensino de Marketing e
Administração para o público brasileiro. Além da ESPM, a autora destaca o
papel da EAESP/FGV, fundada em
1954, nesse processo, partindo do pressuposto que o pensamento mercadológico foi formado em cursos de nível
superior.
No primeiro período e anteriormente, nota-se o aparecimento de cursos de
cunho técnico, ministrados pelo IDORT
(Instituto de Organização do Trabalho,
fundado em 1931); pela Associação Brasileira de Propaganda (fundada em
1937), pela Associação Paulista de Propaganda (também de 1937), e, a partir
de 1956, pela ADVB (Associação dos
Dirigentes de Vendas).
A ESPM surge em 1951, então sob
o nome de Escola de Propaganda do
Museu de Arte de São Paulo, voltada
para o curso técnico de propaganda, tendo elevado seus cursos ao status de nível superior em 1973.
36
Rodolfo Lima Martensen
A fundação
De acordo com a revista Propaganda
(1989), o início da Escola Superior de Propaganda e Marketing remonta ao 1.º Salão
Nacional de Propaganda, realizado pelo
Museu de Arte de São Paulo em 1950. O
sucesso de público angariado pelo evento
teria feito Pietro Maria Bardi, diretor do
Museu, comentar a Rodolfo Lima
Martensen, então presidente da Lintas
(agência de propaganda, nessa época ainda de propriedade da Lever2) e futuro diretor da escola:
“Enquanto meus Rembrandt,
Velasquez, Picasso e Renoir ficam às moscas, esperando uns poucos visitantes, vocês
da Propaganda entulham os olhos do povo
com toda a sorte de porcaria.” (Bardi, segundo depoimento de Martensen em Propaganda, 1989:6)
Assim, Bardi, em reunião com
Martensen e Napoleão de Carvalho (diretor dos Diários Associados), coloca o
Museu à disposição de uma empreitada
colaborativa, com o intuito de melhorar o
padrão artístico da arte publicitária e fazer
chegar esse elevado padrão a amplas massas. A idéia original era a de oferecer al-
guns cursos de pequena duração, juntamente com os cursos de Arte Contemporânea já oferecidos pelo Museu. Entretanto, Martensen, a cargo do estudo do curso,
traz um projeto de escola de formação profissional mais ampla do publicitário:
“Durante nove meses eu me dediquei
ao plano, consultando inclusive as principais universidades americanas envolvidas no ensino publicitário; visitando os
cursos da Fédération Française de la
Publicité e os da British Advertising
Association; ou ouvindo dirigentes de
Agências [de propaganda] daqui e do
Exterior. A conclusão a que cheguei foi de
que o Brasil não precisava apenas de um
curso de Propaganda de teor artístico. O
País pedia era uma escola de Propaganda profissionalizante, que, ao lado do aprimoramento artístico, desse aos alunos
uma noção realística das responsabilidades sócioeconômicas do publicitário.”
(Depoimento de Martensen, em Propaganda, 1989:6)
Diante da envergadura do projeto, Assis Chateaubriand, proprietário dos Diários Associados, vem colaborar pessoalmente com ele. Em 27 de outubro de 1951,
funda-se a Escola de Propaganda do Museu de Arte de São Paulo. Martensen comandaria a escola durante 20 anos. A comunidade publicitária (agências, veículos,
fornecedores) deu forte apoio à iniciativa.
“O primeiro curso foi lançado em
março de 1952 e os principais líderes
dos vários setores da atividade publicitária constituíram-se em professores.
Perseguindo um lema que até hoje é
praticado pela escola, ‘ensina quem
faz’. Publicitários como Renato Castelo Branco [Thompson] e Geraldo
Santos [McCann-Erickson] empenharam-se na estruturação dos cursos, organizando os currículos e participando da administração.”
Dois professores da Universidade de
São Paulo (Linneu Schutzer e Oswaldo
Sangiorgi) são chamados a estruturar os
aspectos pedagógicos; ainda nesse ano
(1952), diversos outros nomes do meio
publicitário são chamados a constituir o
quadro de professores. A escola torna-se
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
um centro de convergência de profissionais do setor “interessados em contribuir
para elevar o padrão da Propaganda entre nós”. No ano seguinte, em função do
crescimento das atividades, constitui-se
uma diretoria tríplice, composta por
Saulo Guimarães (representante da
Reader’s Digest no Brasil), Geraldo Santos (da McCann-Erickson) e Caio Aurélio Domingues (da agência J. W.
Thompson; este vai para o Rio de Janeiro em 1957, sendo substituído por Italo
Éboli, também da McCann-Erickson).
foto masp
Evolução
Já em 1955, Pietro Maria Bardi, ao
mesmo tempo em que felicita os diretores da escola pelo sucesso alcançado,
comunica-lhes que o Museu não poderia
mais comportar aquele nível de atividade da escola, que se tinha tornado um
“Estado dentro de um Estado”:
“A Escola de Propaganda cresceu
demais. Tornou-se um Estado dentro do
Estado. Orgulho-me do que os senhores
fizeram, mas não podemos continuar juntos. Dou-lhes três meses para saírem do
Museu.” (Bardi apud Castello Branco,
Martensen e Reis, 1990:35)
Novamente, a classe publicitária é
mobilizada para viabilizar o surgimento
de uma sociedade civil autônoma denominada Escola de Propaganda de São
Paulo (EPSP).
Em 1957, o 1.º Congresso Brasileiro
de Propaganda considera a EPSP escola
padrão para o Brasil, e em 1961, o 1.º
Congresso Latino-americano de Publicidade aconselha a adoção dos métodos da
escola em toda a América Latina. Nesse
período, tendo em vista a avaliação da
escola sobre as necessidades do setor, o
curso básico teve sua duração dobrada,
passando para dois anos.
Otto Hugo Scherb (ex-Thompson e
ex-Alcântara Machado), que já atuava
como diretor de cursos, substitui
Martensen na presidência da escola em
1971. Segundo este último, Otto consegue consolidar a escola, “... dando-lhe
uma sólida base econômica e alcançando seu reconhecimento como opção do
Curso de Comunicação Social, através
do Decreto Federal n.º 75.775” (Depoimento de Martensen em Propaganda,
1989:8).
O status de curso superior é então
conquistado em 1973, e o nome da escola muda para Escola Superior de Propaganda e Marketing. Otto Scherb man-
tém-se à frente da escola por 10 anos,
aprofundando o currículo de Marketing,
e fundando o curso de pós-graduação.
Com seu falecimento em 1981, é substituído por Francisco Gracioso (da
McCann-Erickson), ex-professor da escola, e atual presidente.
Gracioso define os rumos da escola
para os anos 80 nos termos do Quadro 1,
abaixo:
Quadro 1
Direcionamento Estratégico da ESPM para os anos 80
1 – Aprimoramento dos cursos de Propaganda e Marketing,
atualizando-os e enriquecendo-os em conteúdo profissionalizante.
2 – Diversificação e expansão das atividades da escola, de
preferência, em áreas mais próximas do mercado em que já
atuava, visando atingir segmentos mais elevados (gerências
e profissionais de nível médio).
3 – Reforçar a imagem da escola, principalmente entre as
empresas empregadoras de seus alunos, caracterizando a
ESPM como um centro pioneiro no debate e ensino da Propaganda e do Marketing.
4 – Finalmente, colocar a escola em bases empresariais, aumentando a rentabilidade e gerando internamente os fundos
necessários ao investimento.”
Fonte: Propaganda (1989:9-10).
37
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
Em função dessas diretrizes, o curso de pós-graduação latu sensu consolida-se, surgem cursos de curta duração
especiais (“intensivos”), cursos fechados para empresas e outras iniciativas,
voltadas ao novo público de “gerência
e profissionais de nível médio”. O Quadro 2 mostra a evolução dos cursos nessa década.
certo grau de complexidade: ao lado do
presidente, há um diretor administrativo-financeiro, um diretor-vice-presidente, um diretor de cursos superiores (faculdades), uma diretora e uma vice-diretora para a pós-graduação, entre outros cargos, que mantém em funcionamento seis tipos de cursos, e ainda os
departamentos técnicos, englobando
Quadro 2
Lançamentos de cursos na ESPM na década de 80
Ano
Curso/Programas
1982
Curso de pós-graduação em Marketing na Nova
Diretriz (módulos independentes)
Curso Básico de Propaganda e Marketing
Curso de Pós-Graduação em Marketing na ESPM-Rio
Curso de Pós-Graduação em Marketing em Porto
Alegre (ESPM/ADVB)
Curso de Pós-Graduação em Propaganda
Planejamento e Gerenciamento Estratégico –
Programa de Desenvolvimento Orientado
para o Mercado
Aprovação do novo curso superior, Administração
de Empresas, com enfoque na Administração de
Marketing
1983
1984
1986
1987
1989
1989
Fonte: Propaganda (1989:9).
Em 1989, a escola inaugura sua sede
própria, onde se localiza hoje, em prédio
especialmente projetado para ela por
Ubaldo Carpegiani, arquiteto especializado em prédios escolares. Nessa ocasião,
a administração da escola já conta com
mais de 2.660 alunos regulares (Propaganda, 1989:7).
Para a primeira década do Século
XXI, a ESPM já tem um novo conjunto
de diretrizes, consubstanciado nas estratégias mostradas no Quadro 3, abaixo.
Otto Scherb
O curso de
Administração
Ainda no ano de 1989, a professora
Laura Gallucci3, juntamente com os professores Miguel P. Caldas e Francisco
Vinci4, recebe a incumbência de organizar o primeiro curso de Administração,
voltado para o Marketing. Um curso com
o diferencial de equilibrar em seu corpo
docente profissionais de mercado com
professores de alta titulação.
Como prosseguimento de sua linha de
transformar-se numa Escola de Negócios
orientada para o mercado, a ESPM ini-
Quadro 3
Estratégias de longo prazo (1995-2000) da ESPM
1. Ampliar a base de atuação. A Escola começou, há muitos anos, como uma Escola de Comunicação, voltada para a Propaganda e para o Marketing. Caminha, cada vez mais, para se
tornar uma Escola de Administração orientada para o mercado, com ênfase em Propaganda e
Marketing.
2. Ampliar os níveis de atuação. Até agora, a Escola tem preparado jovens para cargos iniciais
e de média gerência. Sem perder esses nichos, é preciso passar a preparar pessoas que se destinam à alta gerência e à diretoria das empresas.
3. Ampliar o foco de atuação. Sem deixar de preparar os especialistas, que hoje se formam
na Escola, é preciso voltar a atenção para o preparo de pessoas aptas a pensar em termos
globais e a combinar emoção, intuição e razão na sua atividade decisória.
38
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
Os cursos de
Administração
da ESPM hoje5
Os cursos de Administração da
ESPM estão hoje entre os 13 melhores cursos do Brasil – entre os 13 cursos cujos alunos lograram cinco “As”
consecutivos no Exame Nacional de
Cursos – o “Provão”. Ainda pelo critério do Provão, estamos ainda entre
os seis melhores cursos de entidades
privadas, e entre os quatro melhores
de faculdades isoladas.
Mas o que fazem esses cursos?
Os cursos de Administração da
ESPM
formam
profissionais
generalistas especializados. O mercado busca administradores que possu-
Fachada ESPM/Rio
cia em 1995 a ampliação das especializações de seu curso de Administração,
iniciando turmas de Administração com
ênfase em Gestão de Negócios.
Em 1998, reformula o leque de cursos, lançando mais duas opções: Finanças e Gestão Internacional; e transformando Gestão de Negócios, antes generalista,
em Gestão de Recursos Humanos. Portanto, hoje os cursos de Administração
contam com quatro especializações:
Marketing, Gestão Internacional, Finanças e Recursos Humanos. Os currículos e
a estrutura desses cursos são radicalmente reformulados para 1999: os quatro cursos de Administração passam a ser semestrais, por crédito, com duração de
oito semestres, com uma ampla base comum entre eles, cerca de dois semestres
caracterizando cada habilitação, e um
último semestre “multidisciplinar”, com
turmas misturadas, para realizar jogos de
empresas e simulações.
As mudanças têm a finalidade de acelerar os estudos (adequando-se, assim, à
filosofia da nova Lei de Diretrizes e Bases), e aprofundar o grau de profissionalização dos cursos (aproximando-os do
mundo do trabalho).
am uma visão abrangente da empresa e dos negócios. Ao mesmo tempo,
que tenham domínio de uma área específica.
Este também é o sentido das quatro áreas de concentração: cobrir as
principais especialidades necessárias
para o aluno que quiser fazer carreira corporativa em empresas de primeira linha ou empreender seus próprios negócios
.
Curso de Administração em
Marketing
Este curso, o mais tradicional
curso de Administração da ESPM, forma um administrador capaz de gerir a
área de Marketing de um negócio, lançamento de produtos, estratégias
mercadológicas, comunicação com o
mercado, administração de marcas e outras atividades. Bem como dirigir seu
próprio negócio voltado às necessidades
do mercado.
Curso de Administração em
Gestão Internacional
O mundo globalizado está
interagindo, as empresas ultrapassam
fronteiras, e o Brasil ainda está aprendendo a negociar com o mundo. Os mercados mundiais estão sofrendo profundas alterações com a formação de blocos econômicos, como o Mercosul. Importações e exportações começam a se
tornar atividades comuns. O elo para
que isso aconteça é um profissional com
sólida formação em Administração, com
visão estratégica, financeira e de mercado, além do conhecimento específico e atualizado de Economia Internacional, Geo-Economia, Cultura Internacional, Direito Internacional e
Marketing Internacional.
39
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
Quadro 4
Competências, valores e cultura da ESPM
Curso de Administração em
Finanças
O curso com ênfase em Finanças forma um profissional especializado nas
mais sofisticadas operações do mercado
financeiro, que conhece em profundidade o funcionamento do mercado de capitais da controladoria, das avaliações de
empresas e fusões e aquisições; além da
sólida formação em Administração.
Para dominar o mercado de capitais,
nossos alunos efetuam simulações em
computadores ligados on-line com a
Bovespa, acompanhando informações
reais em tempo real.
Curso de Administração em
Gestão de Recursos Humanos
O curso de Administração com ênfase em Gestão de Recursos Humanos prepara o estudante para todas as fases da
gestão: recrutamento, seleção, política
de salários, desenvolvimento e carreira,
ensinando a administração estratégica
por processos, a gestão por competência, cultura e desenvolvimento organizacional; sempre com uma visão estratégica voltada para o mercado.
Competências
Básicas, Cultura
e Valores da
ESPM na
Administração
Mas, o que faz da Administração ESPM,
ESPM? Em recente pesquisa realizada com
professores, diretores e coordenadores de área
dos cursos de Administração, investigamos
os valores organizacionais segundo os quais
a instituição é percebida, quais são suas competências básicas (core competences), e quais
seriam as fontes destas competências.
Para a obtenção dos dados, foram realizadas entrevistas em profundidade e uma
40
Conteúdo
Característica
Competências
Valores e
cultura
Marketing/Foco no Mercado/
Capilaridade Social
Informalidade/Flexibilidade
Ambiente propício à inovação/
comportamento inovador
Qualidade de ensino
Teoria e Prática/Ensina quem faz
Seriedade e Compromisso
Transparência/identidade discurso-prática
Respeito ao aluno
Ocorrência nas
entrevistas
67%
67%
53%
53%
53%
80%
60%
53%
Fonte: Amatucci (2000)
dinâmica de grupo. Os professores elegeram cinco competências básicas e três elementos valórico-culturais da instituição. O
Quadro 4 resume as conclusões da pesquisa.
A pesquisa destacou como principal
valor da escola seriedade e compromisso, citado em 80% das entrevistas.
Como competências, nossa expertise
em Marketing, expressa no foco no mercado em todas as atividades, e que é resultado dos laços que a ESPM mantém
com o próprio mercado – pois dele é
oriunda (capilaridade social). Em seguida, ainda apontada como competência,
nossa característica de informalidade e
flexibilidade, que conferem agilidade
aos nossos processos de inovação.
A missão da empresa, explícita no
documento ESPM (1996a), foi confrontada com os entrevistados, que afirmaram unanimemente acreditar que é o que
a escola faz, ou persegue.
Note-se que a transparência, ou a
identidade entre o discurso e a prática,
foi um dos valores observados pelos entrevistados. Todos acreditam que, goste-se ou não, a escola faz o que promete. São capazes de fornecer exemplos e
histórias que corroboram suas opiniões.
Coerentemente com isso, os elementos arrolados na missão aparecem no levantamento de competências, cultura e
valores da organização – de maneira que
reconhecer-se-á no Quadro 4 (acima) a
filosofia do enunciado da Missão da
ESPM:
“Consolidar-se, cada vez mais, como
um centro de excelência de estudo, ensino, voltado para a vanguarda do conhecimento nas áreas de atuação da escola.
Neste sentido o foco deve ser a educação
com qualidade, visando atender às necessidades e expectativas do mercado e da
sociedade, de modo a assegurar a perpetuação da escola.” (ESPM, 1996a)
A escola fala a língua do mercado, e
age de acordo, pois são as mesmas pessoas – não há necessidade de um discurso diferente da prática.
O resultado é pouca discrepância discurso-prática, o que é visto como transparência, gerando comprometimento.
Esse comprometimento gera qualidade,
reforçando os demais elementos.
A competência em termos de
Marketing e foco no mercado é fruto direto disto que aqui denominamos “capilaridade social”, ou seja, é proveniente da
inserção que a escola possui dentro do
mercado mesmo, através de profissionais
que lidam com Marketing e Administração, e do relacionamento que a escola mantém com empresas, mais do que de conhecimento teórico de livros, ou de posse privada deste ou daquele professor.
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
Esse fato caracteriza a outra
importante competência, que é
esta relação peculiarmente
imbricada entre a teoria e a prática existente na ESPM, refletida
no lema da escola “ensina quem
faz”.
O recente recrutamento de
professores titulados vem reforçar a qualidade, não inibindo as
características culturais e a dinâmica geral.
A dinâmica de grupo realizada com membros da organização
pertencentes ao mesmo público
selecionado para as entrevistas
confirmou as características
organizacionais derivadas das entrevistas.
Conclusão
A recente pesquisa com professores e dirigentes do curso de Administração da ESPM, confrontada com
a história da Escola mostra claramente que os valores que moveram os Francisco Gracioso, diretor-presidente da ESPM
fundadores ao esforço da construção
de inovação dos cursos, na constante atuda Escola permanecem vivos nos cursos de
alização da grade horária, dos programas
Administração de hoje.
das disciplinas, dos recursos e métodos de
A cultura da instituição, forjada nas
ensino, tendo-se tornado um de seus difemudanças, inovações e transformações nerenciais competitivos.
cessárias para que a Escola se tornasse o
O administrador da ESPM, de qualque é hoje, vive na espantosa capacidade
quer das modalidades, tem seu olhar voltado para o mercado, possui uma postura
informal e flexível, e, mais importante ainda, adquire a principal característica de
todos aqueles que construíram nossa história: seriedade e compromisso.
Referências Bibliográficas
1
Munhoz, Aylza M. Pensamento em marketing no Brasil – um estudo exploratório. Dissertação de mestrado, São Paulo: EAESP/FGV, 1982.
Propaganda. “ESPM, rumo ao futuro”. Propaganda, São Paulo, ano 34, n. 424, set 1989, pp. 4-18.
Castelo Branco, Renato; Martensen, Rodolfo L. e Reis, Fernando (Org.) História da propaganda no Brasil. São Paulo: T. A. Queiroz, 1990.
4
Missão, crenças, valores, objetivos. Documento elaborado pela presidência para divulgação, São Paulo. ESPM,1996(a).
5
Amatucci, Marcos. Perfil do administrador brasileiro para o século XXI: um enfoque metodológico. São Paulo. FEA/USP, 2000. (Tese – Doutorado).
2
3
Notas
1
Aylza Munhoz é hoje Diretora Geral dos Cursos de Pós-Graduação da ESPM.
A origem dos personagens envolvidos na história da escola, que em muitos determinam sua cultura atual, é-me devida a proveitosas conversas com o prof. Werner Sablowski, exexecutivo de Comunicação e ex-diretor do Curso de Comunicação da ESPM.
3
Laura Gallucci é hoje responsável pela Academia de Professores, inovador centro de desenvolvimento docente da ESPM.
4
Francisco Vinci responde hoje pela área de Economia e Direito da Graduação.
5
O texto que escrevêramos para o manual do candidato ao vestibular – e que aqui reproduzimos parcialmente – pareceu-nos o que melhor caracteriza as diferentes vertentes de nossos
cursos de Administração.
2
* Marcos Amatucci
Diretor Nacional dos Cursos de Graduação em Administração de Empresas da ESPM
Doutor em Administração de empresas pela FEA/USP
41
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
* FRANCISCO GOMES DE MATOS
[email protected]
42
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
O
espaço para a educação na empresa constitui, hoje, um diferencial estratégico à qualidade
total. Tornou-se imprescindível uma
Pedagogia de Liderança que comece na
concepção de Gerente-Educador. Numa
época marcada pela mudança acelerada, a renovação é fator de sobrevivência face ao risco constante do obsoletismo. Quem não está se atualizando e,
mais do que isso, revendo criticamente
seu posicionamento diante das conquistas científicas e das opções tecnológicas,
está superado. Se ocupa posição de liderança na hierarquia organizacional, a deterioração do seu papel vai redundar em
desagregação grupal. A obsolescência das
organizações é fruto da desintegração das
lideranças. A função básica de um líder é
educar, pois a ele cabe formar equipes integradas e desenvolver talentos.
O poder de influência das lideranças exerce-se através de processos
educativos. É a atitude do líder, como
padrão de desempenho, e seu comportamento, dominando habilidades
interpessoais, que vão determinar o clima motivador à integração das equipes.
Temos repetido exaustivamente que
o que integra as lideranças são idéias e
emoções, e não tecnologias. O fascínio
do líder não resulta, necessariamente, de
um carisma próprio, de uma “personalidade de líder”, mas do exercício das
funções de liderança, que pressupõem:
• descoberta e desenvolvimento do
potencial humano (talentos);
• estímulo à participação e à criatividade;
• criação de clima motivacional à
integração de equipes, através do consenso quanto às verdades comuns e a
objetivos e metas compartilhados;
• exercício regular da delegação de
autoridade para aumentar o poder pessoal e a força da equipe;
• avaliação de desempenho para que
cada qual se posicione realisticamente
e se sinta em condições de crescer na
organização;
• educação contínua, visando a desenvolver atitudes e habilidades.
“Se ocupa
posição de
liderança na
hierarquia
organizacional, a
deterioração do
seu papel vai
redundar em
desagregação
grupal.”
O exercício das funções de liderança,
num tempo de intensas transformações em
que vivemos, induz as gerências a preocupação estratégica na linha de uma pedagogia renovadora. É preciso educar o
tempo todo para que, como Alice no País
das Maravilhas, possamos, “pelo menos,
permanecer no mesmo lugar”.
A inovação e a expansão do conhecimento transformam-nos em permanentes
aprendizes e as organizações, em comunidades vivenciais de aprendizagem.
O espírito de aprendiz é exigido ao
profissional comprometido com o futuro. Para ter a imprescindível visão de
oportunidades, é necessária a renovação
contínua através da educação contínua.
Educar, educar...educar é o segredo das
organizações bem-sucedidas.
Trabalhando com a educação, numa
dimensão global de empresa, em nossa
estratégia de consultoria, temos desenvolvido alguns conceitos fundamentais e
suas tecnologias correspondentes:
Liderança
Integrada
Este é o ponto essencial. Todos os
problemas das organizações resultam, de
algum modo, de uma causa: a desintegração das lideranças do sistema. Não é
possível um organismo normal e saudável guiado por várias cabeças. E esse
monstrengo organizacional é o fenômeno patológico mais encontradiço na
realidade das empresas, a ponto de não
mais gerar susto e até ser justificado
por aqueles que, equivocadamente, defendem a competição predatória. A cabeça dividida gera a fragmentação, uma
das tragédias mais características da
atualidade social.
Usamos uma frase para definir esse
fenômeno nas organizações: “Ter diretores e não Ter diretoria”.
Classificamos as empresas fragmentadas por ilhas de poder como arquipélagos organizacionais, onde em
cada cabeça gerencial há uma “meiaverdade” levando as instituições a se tornarem uma mentira inteira. É quando a
organização perde identidade e conceito público, tendendo a se tornar não uma
empresa, mas um negócio especulativo,
circunstancial e perecível.
Integrar as lideranças é o esforço essencial para que haja consistência doutrinária, coerência estratégica e permanência na missão, como garantia à perpetuidade. Para tanto, é necessário o compromisso básico com as verdades comuns.
Verdades
Comuns
É a base filosófica da empresa: as
verdades condensadas, os credos e os
princípios éticos que configuram a cultura organizacional.
Sem o comprometimento com essas
verdades comuns, a cultura torna-se algo
tão impreciso que não corresponsabiliza
ninguém.
Todos sentem-se numa nau sem
rumo seguro, preocupados em sobreviver ao naufrágio a qualquer hora.
As verdades comuns nascem da contribuição criativa, da discussão e do consenso
quanto a valores, missão, objetivos e metas.
43
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
A Filosofia da Empresa não é uma
listagem de conceitos abstratos emoldurados na parede dos executivos, mas fruto da convicção coletiva, o que vale dizer: diretrizes nascidas de ampla discussão entre as lideranças e consolidadas
para que sejam a fonte da qual resultam
as formulações de todas as políticas
organizacionais.
Consistência, coerência e permanência são palavras-chave.
Renovação
Contínua
Temos definido que uma empresa
saudável consiste em ter homens em renovação numa organização em renovação contínua.
É preciso manter as pessoas, mormente o sistema de liderança, compro-
44
metidas
com a renovação, num mundo que
se transforma vertiginosamente. Adotamos como diretriz a fala de um dos
personagens de Berthold Brecht: é
preciso transformar o mundo, depois é preciso transformar o mundo transformado.
A renovação contínua significa viver. A vida inteligente e bem-sucedida
só se viabiliza através do conhecimento aplicado e renovado.
Para ter a
imprescindível
visão de
oportunidades,
é necessária
a renovação
contínua através
da educação
contínua.”
É preciso conhecer,
vivenciar, avaliar, enriquecer e reaplicar. É
uma dinâmica de aprendizagem permanente
que mantém pessoas de
organizações vivas e
empolgadas.
A empolgação é
uma palavra-chave.
Significa pessoas motivadas, entusiásticas, envolvidas e dispostas a
realizar, realizar e realizar pela motivação e
pelo prazer do
autodesenvolvimento.
Realizar, realizandose. Daí resulta o ser feliz no trabalho. A empolgação expressa a convicção e o sentimento da renovação contínua.
Quando tudo está sendo impulsionado por transformações aceleradas, profundas e irreversíveis, a renovação contínua
é a segurança. Demanda aprendizagem e
reaprendizagens.
Comunidade Vivencial de
Aprendizagem/Gerente Educador
Numa organização integrada, todos
são educadores e aprendizes. Todos ensinam e aprendem o tempo todo.
A empresa torna-se, rigorosamente,
uma comunidade vivencial de aprendizagem quando há estímulo à participação, através da atitude educativa das gerências e da abertura de canais informais
de comunicação.
Nessa linha, temos defendido como
essencial à eficácia em gerência o conceito de Gerente Educador. Temos convicção de que ou o gerente é um educador, ou não é líder.
A função básica da gerência é formar equipes e desenvolver pessoas para
a realização de objetivos comuns. Sendo assim, seu compromisso é educar
sempre, caso queira ser um líder e não
um mero capataz encarregado de fiscalizar o trabalho. Todas as suas funções
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
implicam técnicas educacionais: recrutar,
selecionar, planejar, estabelecer estratégias, treinar, avaliar, integrar, conquistar
clientes, desenvolver oportunidades.
Numa sociedade marcada pela velocidade e por decisões ágeis, os métodos convencionais de ensino não resolvem; nem nas
salas de aula, muito menos na empresa.
É imprescindível uma instrumentação dinâmica, inserida no próprio contexto de trabalho. Daí a metodologia
interativa que concebemos à base do
Gerente-Educador e tendo por cenário a
própria realidade de trabalho.
Renovação
Interativa a
Distância
Possibilitar a renovação de todos,
todo o tempo, ao mesmo tempo, é realizar plenamente o ideal da Renovação
Contínua. Renovação Interativa a Distância é uma tecnologia que visa a eliminar as distâncias (mais psicológicas
do que espaciais) entre gerentes e
gerenciados. Consiste em usar uma
metodologia interativa de ensino a distância e recursos que facilitem ao exercer no trabalho técnicas pedagógicas.
Usando dos recursos da Internet, a
metodologia privilegia as ações
presenciais por sua força integradora.
A seqüência de passos para implantação da metodologia pode variar de acordo
com as peculiaridades de cada organização, mas, em essência, é a seguinte:
1.º passo: Seminário de Sensibilização para fixar os conceitos básicos e detalhar a metodologia, diagnosticar problemas e estabelecer prioridades de conteúdo.
2.º passo: Treinamento de Grupos
sobre o papel da liderança, as funções
do gerente educador e as práticas recomendadas pela metodologia.
3.º passo: Envio Sistemático dos
Módulos de Aprendizagem – conteúdos
selecionados, em linguagem induzida à
aplicação, para estudo pelo gerente.
“Integrar as
lideranças é o
esforço e essencial
para que haja
consistência
doutrinária,
coerência
estratégica e
permanência na
missão, como
garantia à
perpetuidade.”
4.º passo: Reunião do Gerente com a
sua Equipe para leitura em grupo, reflexões e debates, conclusões, elaboração
de projetos e aplicação experimental.
5.º passo: Gabinete de Consultas.
Todas as dúvidas e sugestões são encaminhadas à Coordenação Geral do Programa, que oferecerá respostas personalizadas ao consulente.
Exercícios : os questionamentos,
casos e problemas sugeridos nos
módulos são respondidos e encaminhados à Coordenação Geral para análise
e respostas personalizadas, com apreciação e recomendações.
6º passo: Reuniões de Reforço. Periodicamente, são realizadas reuniões
gerenciais de reforço conceitual e
metodológico, análise de dificuldades e de
situações críticas, com vistas na atualização e no enriquecimento do processo. O
sistema natural é dinâmico, envolvido com
as necessidades reais das pessoas e da organização, de modo a se tornar um canal
preferencial à transmissão do conhecimento e das emoções dos participantes.
Estratégia de
Empresa
Outro conceito que temos procurado enfatizar é Estratégia de Empresa,
cuja importância definimos através da
proposição: estratégia todas as empresas têm; Estratégia de Empresas, poucas. Quer isso dizer que, diante dos desafios naturais de mercado e das crises
conjunturais, todas as organizações e
mesmo as pessoas armam estratégias de
intervenção, reativas ou mais reflexivas
e até altamente sofisticadas. Estratégia
de Empresa todavia, significa uma concepção integrada por filosofia, políticas
e estratégias, ou seja:
• possuir verdades comuns (valores,
crenças, princípios éticos);
• políticas comuns (orientações claras e aceitas);
• estratégias comuns (linhas de
ação assumidas por consenso para a
ação coerente e eficaz).
É a Estratégia de Empresa que comunica identidade, consistência interna
e conceito público. Como corolário,
equacionamos quatro dimensões características e integradas às organizações
que possuem Estratégia de Empresa:
Empresa Profissionalizada – não é
aquela que tem, simplesmente, profissionais competentes, mas que faz da competência traço peculiar de ações integradas, interna e externamente. Para tanto,
cria-se a cultura do profissionalismo à
base de verdades, políticas e estratégias
comuns.
Empresa Descentralizada – a delegação de autoridade é fundamental às gerências para superarem suas limitações
e promoverem o desenvolvimento das
equipes e da organização. Portanto, a
descentralização é requisito essencial às
organizações para tornarem-se flexíveis
e ajustáveis às exigências do mercado em
transformação.
Empresa Moderna – não o modernismo de fachada, mas a modernidade
autêntica, fundada na inovação e na renovação. Homens e organizações renovando-se continuamente.
Empresa Humana – não há desenvolvimento sem valorização humana. A
preocupação com o bem estar e a felicidade ganha sentido estratégico, hoje,
onde os grandes desafios e complexida-
45
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
des só são aceitos e respondidos por pessoas motivadas – e, acrescento, felizes.
Empresa Feliz – este é um conceito
conclusivo de toda uma teoria empresarial. Vejamos alguns tópicos:
• Só pessoas felizes são realmente
produtivas.
• Felicidade no trabalho é objetivo
lógico para quem passa dois terços de
sua vida em ambiente produtivo.
• Só organizações felizes podem proporcionar o clima adequado à felicidade no trabalho.
•A infelicidade não gera lucros. O infeliz é um desagregador, um destrutivo.
Talvez não seja fácil determinar com
precisão o que seja uma pessoa feliz e uma
Empresa Feliz, mas certamente qualquer
um de nós tem condições de dizer o que
seja uma pessoa infeliz e uma empresa
infeliz. Esta pode ser uma “entrada” de
referência a um modelo de gestão.
Definimos Empresa Feliz como: a
Empresa Bem Administrada, com ênfase
na Valorização Humana, na Renovação
Contínua e na Lucratividade Sustentada.
Construímos esse modelo e propomos uma metodologia (no livro Empresa feliz, Makron Books) baseada
em quatro redescobertas que ressurgem hoje, sob o influxo de uma vertiginosa mudança de cenários, fruto dos
avanços das ciências sociais e da
tecnologia. Tentaremos esboçar alguns
pressupostos:
Redescoberta do Homem
• Mais educado, o homem é mais livre e mais líder.
• A preocupação estratégica é o
cliente personalizado.
“Sendo assim,
seu compromisso
é educar sempre,
caso queira ser
um líder e não
um mero capataz
encarregado de
fiscalizar o
trabalho.”
• Só livre o homem é pleno em dignidade.
• Maior liberdade, maior conhecimento e maior poder de influência.
• Todos somos influenciados e influenciamos o tempo todo, daí o exercício da liderança generalizar-se.
• Na empresa, o gerente, cuja função é formar equipes e desenvolver pessoas para resultados, tem como papel liderar e sua função básica e ser um Líder Educador.
Redescoberta do Cliente
• Mais educado, o cliente torna-se
mais exigente em qualidade.
• O marketing massificado esgotouse como modelo.
Redescoberta da
Organização Flexível
• A organização é cada vez mais um
instrumento facilitador, propiciando participação e criatividade.
• A organização burocrática, rígida e
autocrática, embota o desenvolvimento
humano e organizacional.
• As palavras de ordem são:
globalização, parceria, descentralização
e solidariedade.
Redescoberta da Cidadania
• Maior consciência de dignidade
da pessoa e maior contribuição à causa comum.
• Só há desenvolvimento autêntico
com a afirmação da cidadania e do sentido ético de vida.
Concluindo
• Não se constrói sobre a infelicidade.
• Uma Sociedade Saudável depende
de organizações saudáveis.
• Uma Organização Saudável é a que
desenvolve uma cultura de participação
e criatividade criando as condições para
que o homem realize no trabalho. O lucro é conseqüência.
A Felicidade sintetiza o objetivo do
quadro conceitual e metodológico em
uma visão ampla, na linha da Educação
Empresarial.
* Francisco Gomes de Matos é consultor de empresas e autor de 22 livros
sobre administração e negócios, tendo recebido o prêmio Jabuti 1997.
[email protected]
46
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
* Aluizio R. Trinta
47
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
E
ntre os últimos escritos do filósofo romântico alemão A.
Schopenhauer figura uma coleção de ensaios, aforismos e pensamentos
intitulada
Parerga
und
Paralipomena. Data do ano de 1851. Em
um de seus capítulos, “Sobre o livro e a
escrita”, aprende-se que a leitura representa o encontro do livro lido com a cabeça do leitor. E, ironiza o filósofo, se
dessa colisão provier um som oco, não
terá ele, necessariamente, sido causado
pelo livro.
É provável que, com essa alegoria,
Schopenhauer estivesse sugerindo que
tudo se passa como se as reflexões, postas no papel, fossem semelhantes a pegadas na areia molhada: ao notá-las, vemos o caminho que alguém percorreu e,
logo, podemos segui-lo se assim desejarmos. Todavia, se quisermos saber o
que ele em seu percurso viu, estaremos
obrigados a exercitar nossa própria capacidade de ver. Faremos, então, da leitura algo como uma forma primária de
arte, ao menos pela seletividade informada, que exige, e o afinamento da sensibilidade, que proporciona. Será o leitor legítimo senhor daquilo que pensa,
jamais escravo de seu pensamento próprio. Dono de sua voz e não (a) voz de
seu dono, ele sonha o sonho do homem
e acorda o homem do sonho.
Ler e selecionar constituem atividades afins, sempre que da busca de alguma verdade se trate, seja ela a verdade
factual, negada pela mentira; seja a verdade científica, cujo contrário é o erro;
seja, ainda, a verdade filosófica, cuja
antítese é a ilusão. De resto, a verdade,
como queria Sócrates, não está com os
homens, senão entre os homens; do mesmo modo, de acordo com outro filósofo
grego, Aristóteles, de muitas maneiras
se diz a verdade.
O que significa, porém, leitura? Sob a forma, hoje desusada, de
lectura provém o termo da tradição latina, tendo por origem imediata o verbo
grego lego; e este, de par com a forma
nominal logos, diz respeito a uma síntese filosófica, reunindo “ser”, “saber” e
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“Será o leitor
legítimo
senhor daquilo
que pensa,
jamais escravo
de seu
pensamento
próprio.”
“fazer”. Entre as numerosas acepções
que possui, logos inclui a de “parábola”, isto é, manifestação verbal ou narração alegórica; portanto, pelo que delas se puder colher, chegar-se-á a uma
“compreensão superior”. Quanto à forma verbal correspondente, aceita ela traduções como “recolher”, “coletar” e
“coligir”; secundariamente, as de “dizer”, “proferir”, “declarar” e “recitar”.
Já legere, a forma latina do verbo
“ler”, alterna e combina as idéias de “colher”, “selecionar” e “eleger”. Isto posto,
tem-se que leitura quer dizer processo de
identificação e reconhecimento do plano
da expressão de um texto, ou melhor, sua
superfície visível; será, portanto, “ação de
ler-se um texto escrito”. A “reconstituição
do sentido”, que de imediato o leitor opera, faz da leitura “construção de um objeto dotado de significado”. Entretanto,
pelo fato de não se empenhar em profunda discussão no tocante ao plano de conteúdo do texto, mas, antes, buscar a
fruição (por empatia) que a “criação artística” favorece, o leitor a si próprio qualifica como “(co-) produtor” deste mesmo texto, escapando ao anonimato inerente à condição de mero consumidor.
A leitura será função de um repertório, acervo cultural próprio a cada um:
quanto mais amplo e variado for, mais
proveitosa e diversificada será a “colheita espiritual” feita. A tarefa daquele que
lê é compatibilizar o texto lido com seu
cabedal, seu patrimônio pessoal constituído por conhecimentos, vivências e experiências. Dizendo-se de outro modo,
seu “horizonte de expectativas”.
Ocupando-se da arte literária, o filósofo francês Jean-Paul Sartre escreveu
ser a leitura uma síntese de percepção e
criação: o leitor desvela e cria, ao mesmo tempo; desvela ao criar e cria ao desvelar. Leitura corresponde a
“aclaramento” ou “elucidação”, rumo a
um sentido constituído pela totalidade
formada pela obra.
Por outro lado, a conhecida noção de
“obra aberta”, introduzida pelo escritor
italiano Umberto Eco, encontra seus fundamentos no princípio de que as modernas obras de arte se caracterizam por uma
indeterminação estrutural, induzindo a
que se creia no caráter ilimitado de suas
possibilidades estéticas. Vale lembrar
que não poderiam mesmo ser obras de
arte se, liminarmente, dispensassem a
cumplicidade construtiva de um fruidor
avisado. Por tal razão, será declarada
“aberta” – mas jamais “escancarada” –
a obra de valor cultural e artístico que
não somente ofereça um leque de decisões interpretativas, senão também a que
faz desta desejável multiplicidade um
programa estético, inscrevendo-a em sua
estrutura.
Por sua vez, cogitando de uma leitura plural (e, não obstante, finita), o escritor francês Roland Barthes adverte
que reduzir um texto à unidade do sentido, por meio de uma “leitura unívoca”,
é esgarçar, sem qualquer proveito, sua
tessitura simbólica. A extensa gama de
significados que podem ser associados a
um texto de corte poético, tanto quanto a
possibilidade de a ele serem atribuídos
significados exclusivos, talvez expliquem não somente a pluralidade das “leituras”, senão também sua (por vezes espantosa) arbitrariedade. A impressão
de “abertura ilimitada” de uma obra será
pouco mais do que um devaneio, porque a leitura (parcelar e parcial) de algumas de suas seqüências, arranjos ou
combinações pode proporcionar ilações
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
não referendadas, em última análise, por
outras unidades formais congêneres, e
co-presentes. De todo modo, às coerções
impostas por convenções artísticas vêm
somar-se as do meio social e cultural,
além daquelas atinentes ao repertório do
leitor, para nada dizer do ímpeto
avassalador de seu manifesto desejo.
Leitura designará uma atividade essencial da inteligência humana, pela qual,
mediante um conjunto de operações
mentais, formas de comunicação possam
ser percebidas e apreendidas, resultando
sua ulterior assimilação em processo gerador de novas idéias. Do mesmo modo,
e por semelhante arrebatamento, uma vez
organizadas por um ato de disciplina em
esforço consciente – possam as informações obtidas ser assimiladas como dados
de conhecimento. O leitor se apercebe
de sua situação de “criador”: pela leitura que faz, coleta sentidos; e, pela natureza e o grau da informação que detenha, os seleciona e elege. Somente pelo
pleno atendimento desta exigência pode
a leitura erigir-se em genuína intelecção.
Portanto, ler é inquirir a obra e perscrutar seu alcance ideológico, sua proposição mítica, ao tempo em que se indaga
de sua essência filosófica; é perquirir o
fundo sóciocultural que a constitui; é
perceber o seu não-dito, suas omissões,
aquilo sobre o que ela silencia.
A leitura se afigura, desde logo,
concretização possível ou fixação provável do que uma obra traz como
indeterminado. Também por leitura poderá ser chamado o “comentário mundano”, quer o de cunho pessoal, quer o
de procedência jornalística ou publicitária, tal como ocorre em sociedades urbanas. Dá-se assim conta de um desfrute
estético ou por tal modo se assinala uma
identidade cultural, afirmando-a em sua
competência própria. Pelo fato de um
vivo sentimento de admiração desempenhar em tal leitura importante papel, julgamentos de valor, idiossincrasias, atitudes de natureza impressionista, aprovações incondicionais ou repúdios mal
justificados, a par de uma variada gama
de manifestações de humor, costumam
vir misturados em sua base crítica. E o
claro risco, que aqui se corre, é o de produzir-se pouco mais do que a expressão, algo desorganizada, de um feixe de
impressões pouco consistentes e
fugidias.
Em nossos dias, chamamos leitura
ao processo de descortino de (novos)
horizontes e à afirmação de uma autonomia filosófica do leitor, que, por méritos de uma conquista pessoal, estará
habilitado a fazer valer uma visão subjetiva e particular do mundo, uma
Weltanschauung rigorosamente personalizada. Todavia, não percamos de vista que se, tal como o faz o senso comum, tomarmos por leitura a “interpretação levada a termo em função de atitudes espirituais, lastreadas por idéias,
ideais e convicções previamente assu-
“A tarefa
daquele que lê é
compatibilizar o
texto lido com
seu cabedal, seu
patrimônio
pessoal
constituído por
conhecimentos,
vivências e
experiências.”
midos”, estaremos admitindo que, não
raro, o leitor toma por exatas, verdadeiras e universais, noções que lhe são somente familiares e caras, pois integram o
seu repertório. E, se aí se encontram, já
não mais constituem informação
perturbadora, capaz de abalar certezas e
produzir desconforto intelectual. A leitura, neste caso, pode reduzir-se tanto à adesão entusiástica, quanto à rejeição sumária. Num e noutro casos, lamentavelmente, se verifica idêntica ausência de um esforço aturado de compreensão, respaldado por um tino crítico que não faça de um
prato fino um prato feito.
Vamos que a leitura se faça simples
apreensão em plano de superfície e, não
obstante sua estrita literalidade, arrogue a
si direitos de pensamento crítico, expresso em arrazoado estético ou filosófico. A
revelação (e, no leitor, a repercussão) de
distintos conteúdos, de fundo ideológico,
psicológico ou outro, não tardará a imprimir forma e a prover substância ao que
foi lido, como sempre ocorre em toda leitura em sentido integralmente substantivo. Como, ante tais circunstâncias, se pode
pretender mediar, moderando-a, uma subjetividade real por uma suposta objetividade?
Procedimentos tradicionais de leitura
crítica, tais como a exegese, tinham em
vista “estabelecer o sentido de um texto”,
situando-o, por exemplo, em sua perspectiva histórica. Essa compreensão tende,
porém, à imposição doutrinária, a um fastidioso fechamento intelectual, de feitio
49
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
dogmático, por formar um discurso que
somente flui para o interior de suas proposições peculiares. E, assim fazendo,
não assinala nem relaciona evocações
simbólicas que possam desafiar propósitos de um entendimento unívoco. A
isto, o senso comum evoca pela expressão “jogar-se fora a criança com a água
do banho”.
Em virtude uma proposta existencial,
a leitura estima e dispõe; revela e
implicita; envolve e institui, podendo por
tudo isto servir como uma apreciação de
valor a priori. Em caso-limite, será afirmação de uma falta de medida do leitor,
que voluntariamente valoriza ou deprecia
um autor e sua obra.
Por sua vez, a interpretação, fundando-se em decisão filosófica, pondera e
propõe; desvela e explicita; devolve e
constitui, podendo por tal motivo representar juízo crítico a posteriori. Onde
quer que um homem sonhe, profetize ou
se ponha a teorizar, um outro pode erguer-se para interpretar. E lá onde alguém
interpreta – o ofício do psicanalista, com
sua “leitura do humano” – o outro dele
mesmo pode levantar-se para sonhar e
afirmar em estado poético. Interpretação
traduz construção regrada de significados e anotação de sentidos, a que se incorporam o talento e a força operante da
imaginação. Trata-se, portanto, de algo
distinto de uma decodificação prosaica,
de um rasteiro entendimento, ainda que
sejam um e outro competentes a seu
modo.
Enxerga-se no intérprete o “viajante
intelectual”, o caminhante determinado,
que descobre coisas, adquire conhecimentos e a si próprio enriquece. Está disponível e disposto a fazer contatos como
novas realidades, apreciar paisagens sociais e se empenhar em conhecê-las de
bem perto. Nessa sua trajetória, ele se
aparta do turista acidental que, contando
apenas com informações, segue um itinerário, encontra e retoma sendas batidas, as quais passa a conhecer e registra
sem jamais se aperceber de que viveu
uma aventura intelectual.
Se a si próprio o intérprete expressa
50
“E o claro risco, que
aqui se corre, é o
de produzir-se
pouco mais do que
a expressão, algo
desorganizada, de
um feixe de
impressões pouco
consistentes e
fugidias.”
com rigor crítico, também exercita, com
engenho e arte, um autêntico intelleto
d’amore. Sua argumentação, enunciada
por uma seqüência de raciocínios
finamente encadeados, se sustenta em (e
por) um ethos, respeitante àquele que argumenta; por um logos, referente à razão pela qual argumenta; e um pathos,
que se relaciona à paixão que desperta
em quem ouve ou lê seus argumentos.
Raro e seleto é o prazer que as grandes obras proporcionam, dando a ouvir
a voz de um autor, a força de sua expressão vigorosa, original e única. Uma
leitura facultará a participação emocionada, por exemplo, no universo ficcional
proposto por uma obra de arte literária;
reconhece, de plano, que tal obra traz,
artisticamente inscritos em sua composição, seus próprios referentes. E estes
últimos, por força de uma mediação significativa, podem ser atualizados pelo e
para o interessado leitor. Quanto à interpretação, que sobrepõe um sentido figurado a um sentido literal, servirá ela
como “tradução”, “transcriação” e “atualização poética”. Aliada a uma técnica,
assim como a amplos e diversificados
conhecimentos, a interpretação se faz teoria (“contemplação educada”); deve,
porém, observar seus próprios limites,
para que não se torne “cinzenta” (débil e
inexpressiva) ante o “verdor da preciosa
árvore da vida”, no dizer do poeta romântico alemão W. Goethe.
A crítica norte-americana Susan
Sontag se declarou inequivocamente
“contra a interpretação”, opondo, por
inconciliáveis, teoria e experiência. Afirmou que toda interpretação faz supor um
valor (possivelmente, o da construção
teórica que a sustém), ao passo que uma
leitura testemunha acolhida e aceitação
de natureza qualitativa, nutridas que são
pela experiência sensível. Donde a valia
catártica (terapêutico?) de toda leitura.
Se interpretar significa “tornar inteligível”, “descerrar o verdadeiro sentido”,
então uma ação interpretante deverá ser
avaliada de acordo com a perspectiva
própria da consciência humana. Dependendo do contexto social e histórico e
social em que se aliste, a interpretação,
assim concebida, será “libertadora” ou,
mais comumente, “reacionária”.
Interpretar, faz crer Sontag em seu
enlevo antiintelectualista, é alterar, talvez
mesmo adulterar, na medida em que há
esmero em se fazer versão do fato. Revelar programaticamente o conteúdo de
uma obra de arte implica “domesticá-la”,
tornando-a “manipulável”, como tem
ocorrido com a literatura. A interpretação tende a considerar favas contadas a
experiência dos sentidos primários, traindo seu desinteresse em valorizá-la. Já a
“crítica sensível da arte”, acrescenta esta
ensaísta, ávida por encontrar a “transparência” – à qual chama de “luminosidade
do objeto artístico em si mesmo” – irá
fazer de um tudo para “mostrar o que é”,
não “o que significa”. Deixará em segundo plano o “conteúdo” em benefício de
uma “visão da coisa em si mesma”, vigorosa em suas formas aparentes, imediatamente perceptíveis, palpáveis, que se
ofertam à experiência dos sentidos elementares. Assim procedendo, restaura
incontinenti o gume de nossa lâmina sensorial.
Em resumo, as astúcias de Eros são
preferíveis aos diligentes esforços de
Hermes.
Interpretar quer dizer “estabelecer um
preço”, “proceder a uma aferição”; é compreender pelo recurso a uma explicação.
A genuína prática interpretativa exibe, em
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
filigrana, a urgência sentida de uma lição bem informada, que tem em conta e
respeita a heterogeneidade congenial à
obra de arte. Vigorosa e vigente, traduz
um modo de restituição integral da obra,
pelo qual o intérprete reconhece e afiança, corajosamente, que, tomada em si
mesma e por si mesma valendo, tal ou
qual obra prevê e provê sua melhor descrição.
Como vimos, leitura e interpretação
designam práticas de compreensão analítica que incidem sobre textos, sejam
verbais, sejam visuais; sejam, ainda, verbo-voco-visuais, como os da poesia concreta. Um texto é um tecido de palavras,
imagens e idéias; de formas de expressão e referências no mundo; enfim, de
cores e volumes. Um texto supõe uma
estruturação, em muitos casos análoga a
um jogo prazeroso.
Dessas definições elementares podemos saltar para o hipertexto, forma contemporânea de indexação associativa ou
cruzada de dados armazenados em memória eletrônica: cada fragmento de informação ou parcela de conhecimento
reenvia, automaticamente, a um outro,
em virtude de uma contigüidade. Formase um corpus textual, sempre provisório; uma coleção de informações que, em
moto perpétuo, se faz e se refaz. À diferença dos volumes inertes, representados
por uma enciclopédia impressa, o
hipertexto configura uma expressão dinâmica, movente, mutante.
Se, no curso da História, estivermos
passando de uma escrita (documental) a
uma leitura (instrutiva), então estaremos
chegando à comunicação de informações, à partilha de conhecimentos. Sob
aplausos gerais, pode retornar ao
proscênio intelectual a arte da interpretação, hoje potencializada pelas excelências do tratamento informático.
Denomina-se hipertexto a um procedimento de consulta de documentos (manuscritos, textos impressos, fotos e reproduções em geral) que opera de maneira não linear, pondo em relevo imagens ou palavras-chave que passam a se
chamar hiperliames, pois conduzem de
“Num e noutro
casos,
lamentavelmente,
se verifica idêntica
ausência de um
esforço aturado de
compreensão,
respaldado por um
tino crítico que não
faça de um prato
fino um prato feito.”
uma parte a outra de um mesmo documento, bem como de um documento a
outro. Um documento – algo que serve
à instrução – remeterá a outros, por meio
de nexos claramente designados. Em sua
totalidade ou mesmo em qualquer de
suas partes constitutivas, todo documento se faz núcleo ou malha de uma imensa rede, cujo centro (de articulação semântica) é ou está, de algum modo; e
cuja periferia (de significações propostas) ainda virá a ser, pela interposição e
o uso criterioso de um aparato
tecnológico. Cada leitor, agora
nutrido pela obtenção rápida
de informações suplementares à sua leitura,
a ela imprimirá, com
toda veemência,
uma configuração
singular. À
sua ma-
neira própria, criará seu itinerário de
cognição, anteriormente determinado por
sentimentos, experiências e distintos
graus de capacidade abstrativa, bem
como por circunstâncias individuais.
Como jamais o fizera antes, ele dá os nós,
forma as malhas de sua rede para, temporariamente satisfeito, nela enredar-se,
deitando e rolando.
Uma representação hipertextual fica
a exigir um recorte do texto e uma definição simples de suas estruturas; caso este
texto comporte capítulos, subcapítulos,
parágrafos, etc., tal como sucede com
manuais e compêndios, bastará dar à
máquina indicações precisas acerca da
estruturação do documento, bem como as
referentes à correspondência, termo a termo, com a estruturação que se deseje estabelecer. Um programa (conjunto de
instruções) se encarrega de determinar
possíveis conexões e liames de significação. Claro está que, dependendo do
talento, do preparo e da competência individuais, serão atados laços significativos de maior ou menor grau de originalidade, permitindo ao consulente abrir “trilhas semânticas” (não seqüenciais) por
esta “floresta de signos” a que todo texto
dá origem e incita a percorrer.
Eis que contos e romances já podem ser escritos para uma leitura
realizada exclusivamente na tela do
computador; e
51
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
este já não mais pode ser tido como uma
“máquina de escrever iluminada”. Antes,
para escritores que adotam a ciber-escrita, o computador é mesmo uma máquina de escrever... mas dotada de luz própria! Para fins que são os seus, a ficção
em hipertexto retoma o formato característico das páginas da Internet. Esses novos textos não estimulam o leitor a enveredar por uma só senda de sentido, em
um trajeto que leva da primeira à ultima
linha. Diante dos atalhos e as bifurcações
que lhe são mostrados, compete ao leitor soberano determinar seu percurso, assumindo, porém, um risco calculado:
com o apoio (multimidiático) de sons e
imagens de síntese, a narrativa, embora
sensorialmente envolvente, se faz obra
de Dédalo. Ao leitor, recomenda-se concentração e muita paciência, para não
perder o fio da meada, buscar seu fio de
Ariadne e bem se orientar neste labirinto informático. O Minotauro parece estar sempre à espreita.
Críticos militantes têm ponderado
que, no âmbito literário, merece o
hipertexto ser tido na conta de um instrumento de trabalho em processo de
contínua perfectibilidade. Demais, está
hoje posto a serviço, quer da criação autoral, quer da fruição de um lector in
fabula afeito e afeiçoado às lides
informáticas. Àqueles que o utilizam o
sistema hipertextual confia a tarefa de
compor sua base de dados, além do tipo
de conexões a serem estabelecidas e dos
arquivos a serem organizados. Do mesmo modo, cabe a cada um deles a decisão de que núcleos mobilizar e de que
maneira, em última análise, proceder. Se
a sua capacidade de formar nexos
associativos for reduzida, levando-o a
criar liames de significação frouxos e
débeis, então a base proposta despertará
pouco interesse, até mesmo por força de
sua limitada utilidade ou de sua difícil
utilização. Aos nexos “coletivos”, de que
todos fazem algum uso, vêm somar-se
nexos “particulares”, de responsabilidade exclusiva do usuário desta novel inteligência planetária.
Seja como for, será preciso atentar
52
“Em caso-limite,
será afirmação de
uma falta de
medida do leitor,
que
voluntariamente
valoriza ou
deprecia um autor
e sua obra.”
para os liames de significação efetivamente criados, tendo-se por intento evitar referências obscuras e estabelecer conexões inaproveitáveis. Se assim não
proceder, o usuário – situado entre o livre arbítrio do cidadão e as determinações do consumidor – corre o risco de se
perder e tudo pôr a perder, haja vista o
perímetro e o volume das referências (literalmente, em tela); a este perigo pode
vir a somar-se a carência eventual de uma
visão crítica atilada e a ausência sentida
de uma segura orientação interpretante.
O “novo leitor”, que se debruça sobre documentos digitalmente codificados
tende a transformar o que seria sua leitura em efeito de um scanning (um
“visionamento”?) de ordem mental. É
“Raro e seleto é o
prazer que as
grandes obras
proporcionam,
dando a ouvir a
voz de um autor,
a força de sua
expressão
vigorosa, original e única.”
que, muitas vezes, ele se limita a percorrer com a vista somente sumários, compilações, relatórios, relatos de pesquisa
e resumos de artigos, tomando-os na qualidade de “bancos de dados”.
Não mais se interpreta ou, por desfastio
e prazer lúdico, lê-se; hoje, explora-se ou
viaja-se de um modo ao qual se costumou
chamar de “interativo” pela ação recíproca levada a termo por usuários, de um lado,
e interfaces de sistemas automatizados
(cada vez mais “amigáveis”), de outro. O
ciber-usuário se desloca (“navega” ou
“surfa”) estático (extático?) no mar aberto da informação, ao sabor das vagas e
dos vagares de seu gosto intelectual e no
sentido estrito de sua inteira satisfação.
Singra “mares nunca dantes navegados”,
acrescentando anotações e agregando comentários – escrevendo seu “diário de
bordo” – ao material virtual consultado.
Já o filósofo J.S. Mill dissera ser
inquestionável o fato de a arte da navegação fundar-se na astronomia, uma vez que
verdadeiros marinheiros não poderiam
mesmo aguardar a criação de um
almanaque náutico para com ele realizar
seus cálculos. Lançam-se ao mar com
quase tudo já calculado, ainda que de
modo precário e sujeito a viravoltas de
última hora. Stuart Mill pretendia mostrar que se pode usar utilmente um dado
saber, alocado a uma área, para solucionar problemas emergentes em uma outra,
bastando, para tanto, que se verifique se
requisitos para a transferência desejada
foram adequadamente atendidos.
Hipertexto é passagem, trânsito de
uma tela a outra. Em uma prancha virtual, o “nauta-surfista” se vê, complacente, num mar alto de objetos únicos,
talvez insubstituíveis. Quem elabora sua
rota? Na ausência de uma carta de navegação, correrá ele o risco de ficar para
sempre à deriva? Naufragará ou encontrará sua “praia”?
Servindo, em sua condição de farol
iluminado, à “inteligência coletiva” (à
cooperação de intelectos), hipertextos
fulguram na aurora de um (admirável)
“mundo novo” da significação, da informação orientada, do conhecimento (que
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
se pretende) instantâneo. Na tela de cristal líquido lampejam pontos, nós e elos
em construção sempre recomeçada, em
organização sempre retomada, pelo
modo fractal. São espirais de sentido em
expansão incontida, infinita.
O simples acesso imediato (e, aparentemente, irrestrito) à informação nem
sempre resulta em conhecimento adquirido. A informação possui, por característica básica, alto grau de novidade, indo sempre pelos sentidos elementares à inteligência; já o conhecimento pressupõe sedimentação, indo da experiência primária,
pela capacidade de imaginar, à inteligência. Esta última assume então um compromisso insubornável com o caráter, forjando-se o destino. Ser inteligente é saber
que, para bem se aproveitar a informação,
faz-se necessário ter algum conhecimento. Antes de se ficar rico com a posse da
informação, deve-se enriquecer com a
busca do conhecimento.
A nova escrita hipertextual se assemelha mais à montagem de um espetáculo do que a uma forma de redação, em
que um autor se afana em infundir coerência a um texto linear e estático. Passa-se do documento ao monumento. Com
o hipertexto, a máquina (desejante) eletrônica se oferece como “espaço técnico” capaz de organizar textos (enlaces
ordenados de sons, traços e imagens) e
listar opções de apreciação crítica. Avaliação irredutivelmente pessoal, uma leitura pode ser encontrar suporte na constelação hipertextual, levando a que, pela
destreza facultada e desenvolvida por sua
prática, se alcance certa “autonomia
interpretativa”. Em sua conhecida proficiência, programas informáticos fazem
com que a seqüência narrativa e o ritmo
do espetáculo suscitem algo como um
“novo olhar”, uma leitura tecnologicamente mediada e que se pretende
interativa. Leitor e espectador incorporam uma mesma pessoa, passando a, de
maneira consciente, mesmo intencional,
dar alegre curso a transformações significativas operadas no e pelo texto que
lêem, ouvem ou vêem.
Em um de seus livros dedicados ao
exame descritivo das novas tecnologias e
seu impacto na cultura do tempo presente,
o filósofo francês Pierre Levy propõe um
estatuto hermenêutico para a história da
ciência contemporânea, bem como a da
arte e a da técnica – dadas a riqueza e a
variedade das interpretações que, de um
modo ou de outro, sempre ensejaram. Uma
utilização tecnológica ficará, portanto, a
exigir a posse e o uso adequado de um instrumento apto ao exercício da interpretação, até porque um invento ou uma inovação técnica movem, ao menos potenci-
almente, à instauração de novas significações, isto é, “signos em ação” na vida cotidiana. Dela é hoje parte essencial o espetáculo midiático, com sua (re-) conhecida pompa e circunstância.
Ao articular ações e ocorrências, este espetáculo provoca o êxtase contemplativo do
espectador (“usuário estético”?), pela absorção mais ou menos consciente que faz de
estímulos (informação) a ele destinados. A
leitura, em sua feitura instantânea por força
da rapidez tecnológica, se apresta ao exercício da interpretação, agora alçada ao elevado patamar da arte. Seu cultivo, ontem, hoje
e amanhã, abrirá caminhos, porque é mediado pelo sentimento, timbrado pela experiência e colorido pela palheta matizada do conhecimento. E poderá interiorizar-se, de modo
filosófico, em sabedoria.
Lembrando a Hermes, deus mitológico grego – cognominado “mensageiro” ou
“intérprete” dos deuses da Grécia antiga –
não são poucos os que, há algum tempo,
chamam a tal arte de hermenêutica.
Referências bibliográficas
BARTHES, Roland. S/Z. Paris: Seuil, 1970.
ECO, Umberto. Opera Aperta. Milano: Valentino Bompiani &C., 1967.
_______. Lector in fabula; a cooperação interpretativa nos textos literários. Trad. M. Brito. Lisboa: Editorial Presença, 1983.
LEVY, Pierre. As tecnologias da inteligência; o futuro do pensamento na era da informática. Trad. C. I. da Costa. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993.
SARTRE, Jean-Paul. Qu’est-ce que la littérature? Paris: Gallimard, 1948.
SCHOPENHAUER, Arthur. Essays and Aphorisms. Trad. R. J. Hollingdale. London: Penguin Books, 1970.
SONTAG, Susan. Against interpretation; and other essays. New York: Dell Publishing Co., 1964.
• Aluizio R. Trinta – Doutor em Comunicação e Cultura pela Escola de Comunicação da UFRJ, Mestre em Letras e Lingüística pela Faculdade de Letras da UFRJ,
Professor de Graduação e Pós-Graduação da UFRJ.
53
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
Mesa-Redonda sobre o
Ensino Superior no Brasil
Ensino Superior no Brasil
Ensino Superior no Brasil
Mesa-Redonda sobre o
(com ênfase em cursos de comunicação social
e administração de empresas)
A
discussão entre os participantes da mesaredonda levantou algumas questões fundamentais para o futuro da educação superior
em nosso país. De um lado, o Sr. Luiz Edmundo
Costa sugere que o principal papel da universidade
é preparar seres humanos bem formados, aptos a
enfrentar problemas e tomar decisões, capazes também de pensar estrategicamente e de relacionarse harmoniosamente com os seus companheiros
de trabalho. Com isso concordou a Prof.ª Aylza
Munhoz, enfatizando o que chama de formação
holística dos jovens graduandos e dos executivos
que fazem os cursos de pós-graduação. Já o Prof.
Francisco Gracioso discorda dessa tese. Embora
concorde com a necessidade de incutir valores e
exemplos de vida aos alunos, acha que a formação
de seres humanos perfeitos é uma tarefa ampla
demais para ficar a cargo apenas da universidade.
Segundo ele, as escolas superiores devem também
zelar pela geração de novos conhecimentos,
conceituando e contextualizando experiências que
– de outra forma – se perderiam.
O Prof. Marcos Amatucci vai além. Afirma que
o papel da graduação é a profissionalização dos
seus alunos, preparando-os para enfrentar as
exigências do mercado de trabalho, as quais, na
prática, não são as descritas por Luiz Edmundo
Costa.
A Prof.ª Gloria Lima também defende a necessidade de preparar os alunos para enfrentar os desafios profissionais. Mas enfatiza também o papel
da universidade na transmissão de conhecimentos, que ela distingue da mera informação. Esta,
sim, é perecível. Já o conhecimento é a base do
desenvolvimento futuro do jovem graduando.
É preciso levar em conta que os participantes
desta mesa-redonda estão mais familiarizados com
empresas e escolas de alto nível, acostumados a
critérios estritos e elevados padrões de excelência
em tudo o que fazem. O teor das discussões reflete, de certa forma, este ambiente específicio que
não é, necessariamente, comum à maioria dos cursos superiores de comunicação social e administração de empresas, em nosso país.
57
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
JR – Quero pedir ao Prof. Gracioso que fale sobre o ensino
superior no país. Você acha
que o Brasil está ganhando ou
perdendo a guerra da educação?
Participantes
• Aylza Munhoz –
Diretora dos Cursos de PósGraduação da ESPM
• Francisco Gracioso –
Presidente da ESPM
• Gloria Lima –
FG – Nós – que estamos envolvidos com o ensino superior
– sabemos que nossos problemas são de dois tipos: até uns
4 anos atrás, os números do
ensino superior brasileiro eram
surpreendentemente baixos.
Basta que se diga que a população universitária brasileira
era inferior à da Argentina, país
que tem 5 vezes menos habitantes. O outro aspecto é o
qualitativo. Quando o ministro
Paulo Renato assumiu, havia
no Brasil 1.480 milhão de alunos em universidades. Hoje,
estamos com 2.570 milhões –
mais de um milhão a mais. Ele
praticou uma política deliberada de expansão do ensino superior, naquilo em que podia
interferir, que era a escola particular, o ensino privado, porque as universidades públicas
são mais resistentes às mudanças e mesmo o ministro da
educação não consegue mexer muito com elas. Nesses 5,
6 anos em que ele está lá, desse milhão de novos alunos,
praticamente 4/5 vieram das
escolas particulares. Hoje, há
1.670 milhão de alunos nas
escolas particulares e 900.000
nas públicas. Nos últimos 3
anos em particular – estou ci-
58
Fundação Carlos Chagas
• Luiz Edmundo Costa –
Diretor de RH do Grupo Accor
• Marcos Amatucci –
Diretor dos Cursos de
Administração de Empresas
da ESPM
J. Roberto Whitaker
Penteado –
Moderador
tando dados oficiais do MEC –
, houve um crescimento muito
grande e até as escolas públicas cresceram 18%. As particulares, entretanto, no mesmo
período, cresceram 41%, dando uma média de 32% para o
total. Então, o ensino superior,
nos últimos 3 anos, cresceu à
“...até uns 4 anos
atrás, os números
do ensino superior
brasileiro eram
surpreendentemente
baixos.”
taxa acumulativa de 10% aa.
É surpreendente. Dependendo
da demanda, creio que essas
matrículas continuarão a crescer nessa proporção nos próximos anos. O MEC inverteu
uma política de anos. As grandes escolas particulares de nível superior gozavam de uma
autêntica reserva de mercado.
O MEC praticava a política de
evitar ampliar o número de
matrículas, alegando sempre
que era preciso preservar a
qualidade. Pouquíssimos cursos novos, em qualquer modalidade, foram criados. De lá
para cá, as coisas mudaram e
estamos, hoje, diante de uma
verdadeira economia de mercado. As escolas competem de
fato pelos alunos e só as melhores conseguem preencher
integralmente as matrículas. E
todos aqui sabem que o
“provão” – fantasma de muitas
escolas – está até ajudando, na
qualidade. Por bem ou por mal
– para evitar falatório e noticiário negativo – muitas escolas
estão sinceramente preocupadas em melhorar, investindo. E
isso é bom para todos nós. Ao
contrário do que dizem, não
acho que temos número exagerado de alunos em cursos
universitários no Brasil. Creio
mesmo que, nos próximos 5
anos, vamos chegar a 4 milhões de alunos, aumentando
ainda mais o peso das particulares. E a qualidade do ensino
está melhorando.
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
mesmo nível do Paraguai – o
que é triste. Quer dizer, há um
espaço para crescimento a
ser ocupado na formação de
lideranças, na formação de
detentores de tecnologia, de
pessoas para dirigir empresas. Além disso, há outra dimensão, que é a concentração: os estudantes por região, cerca de metade deles
estão na região sudeste.
JR – Amatucci, você tem alguma coisa a acrescentar a essa
análise quantitativa do Prof.
Gracioso?
Amatucci – Os números que
eu tenho batem com os do
Prof. Realmente, temos hoje
uma proporção invertida, tanto de oferta de vagas quanto
de matrículas, e a diferença
é em favor da escola privada. O que posso acrescentar,
em termos de números, reforça o comentário do Prof. A
proporção entre universitários
na população é muito pequena. Em termos de números de
estudantes universitários,
para cada 100 mil habitantes,
temos 1/3 da Argentina e metade do Chile.
FG – Isso, naturalmente, na
faixa etária atingida pelo ensino universitário…
Amatucci – Na faixa etária,
diferem pouca coisa. Esse
número
refere-se
ao
percentual da população
com curso universitário ou
que estão na universidade,
atualmente. Estamos no
“O MEC praticava
a política de
evitar ampliar o
número de
matrículas,
alegando sempre
que era preciso
preservar a
qualidade.”
FG – Um dado que levantei,
recentemente – para uma palestra que fiz em Gramado – é
que, dos 120 mil alunos dos
cursos de comunicação social
existentes no Brasil, 60 mil estão em São Paulo.
Amatucci – É a mesma proporção para todos os cursos.
Não exatamente São Paulo,
mas 50% estão na região sudeste.
JR – Estamos lidando com números. Mas será que é o papel do ensino superior ter 2%
da população ou ter 4%? Essa
comparação com o Paraguai
será que faz sentido? Qual é,
de fato, o papel da universidade na sociedade brasileira?
Luiz Edmundo – Eu vejo o sistema educacional como uma
cadeia de valor, hoje, pré-estendida até para as idades iniciais – as crianças estão entrando nas escolas, nas creches, entrando em contato
59
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
com os sistemas de educação
formais muito cedo. Além de
toda a influência que já recebem pela televisão, desde
cedo. Estima-se que uma criança de 4 anos já tenha assistido entre 4 e 6 mil horas de televisão. É extraordinário, do
ponto de vista da socialização
– e assustador. Quando as pessoas ingressam na universidade, são o resultado do que puderam aprender em todo esse
processo e trazem, em si, um
conjunto de deficiências, com
que a universidade se defronta. Deficiências que podem ser
divididas em duas naturezas:
as relacionadas ao mundo do
trabalho e as deficiências relacionadas à vida. Acho que é aí
que a questão se coloca. Qual
o papel da universidade e o que
ela deve fazer para transformar
a sociedade num país como o
nosso? Represento, aqui, o
setor das empresas, mas quero afirmar que as universidades
não se deveriam subordinar ao
mundo do trabalho. Nós mesmos devemos olhar esse mundo com olhos diferentes. Hoje,
nas empresas, estamos passando por um processo incrível
de transformação. Acabo de
participar da organização de
um fórum de presidentes, em
que se discutiu talento humano – com mais de 100 presidentes de empresa. Tínhamos ali
representado, aproximadamente, 1/3 do PIB empresarial. A
discussão do talento passa
60
“Estamos no
mesmo nível
do Paraguai –
o que é
triste.”
pela questão da universidade
e, ao mesmo tempo, mostra
que essa questão está sendo
recolocada. Não podemos
pensar que o mundo do trabalho se pauta pelas mesmas
regras. Por exemplo, não se
pode preparar o administrador
para servir apenas ao acionista. Devemos prepará-lo administrador para servir aos stakeholders, que são o acionista,
mas também os colaboradores, os clientes, os fornecedo-
“Qual o papel da
universidade e o
que ela deve
fazer para
transformar a
sociedade num
país como o
nosso?”
res da empresa – e a comunidade. Temos de preparar o
administrador para servir a todos esses. A responsabilidade
social das empresas, por
exemplo, é uma questão que
as universidades têm que discutir a fundo. Mas esse é apenas o mundo do trabalho. Há
toda uma tarefa de preparação
para a vida. Muitas vezes, pergunto-me por que as pessoas
conseguem concluir cursos
universitários sem responder
questões fundamentais sobre
a vida. Como é possível que
terminem o curso universitário
sem saber ser um bom pai ou
uma boa mãe? Alguém pode
dizer que isso não faz parte do
currículo de uma universidade,
mas então poderia ser parte do
currículo de ensino fundamental, ou secundário, mas alguém
tem de fazer alguma coisa.
Não que a universidade deva
assumir a responsabilidade de
todas as deficiências do sistema educacional. Mas ela pode
fazer muito mais do que está
fazendo hoje, no sentido de
preparar as pessoas para a
vida e para o trabalho.
FG – Tenho certeza, Luiz, de
que algumas dessas indagações vão ser debatidas aqui,
mas registro o meu temor de
que estejamos esperando demais das universidades ou de
qualquer outro sistema de ensino. Porque tudo na vida depende das emoções, do
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
imponderável, do subjetivo.
Até que ponto uma escola
pode ser responsabilizada pela
formação – não apenas intelectual, mas também emocional – de um indivíduo?
JR – Aylza, o que você acha
disso?
Aylza – Se a gente parte do
pressuposto de que educar é
transformar, acredito basicamente nisso – que educação
é um processo de transformação do ser humano. E a transformação não se dá só intelectualmente. Ela tem que se dar
no seu todo – o ser humano
tem de ser transformado de
forma global. Uma prova disso é que na Escola, na pósgraduação, quando vamos fazer a avaliação do aluno, avaliamos o que chamamos de
“produto do aluno” – que é a
produção intelectual – mas
avaliamos também o processo dele, que é exatamente o
que você disse, Luiz. Fiquei satisfeita de ouvir isso porque, no
fundo, sempre achei que as
empresas são em parte culpadas da falta de embasamento
que as universidades podem
dar porque, no afã de ser prático, prático, esqueço que
conceituar é muito mais importante. Se tenho uma forte base
conceitual, consigo interpretar
qualquer realidade. Pode ser
de uma empresa de serviço,
pode ser uma empresa indus-
trial. O que é, na realidade, um
grande executivo? É alguém
que tem uma boa base acadêmica e um pensar estratégico
muito bom – e essas questões
a universidade dá, mas dá através do exercício acadêmico, da
base conceitual. Porque, caso
contrário, colocamos nas empresas indivíduos que conhecem uma técnica, mas que não
“Devemos
preparar o
administrador
para servir
aos stakeholders.”
têm postura profissional. Não
sabem se virar dentro de outros
ambientes.
Gloria – Quando você diz “a
universidade tinha que fazer alguma coisa, não se voltar só
para o mundo do trabalho, mas
também para a vida”, na verdade, incomoda-me ver, assim, separados, o mundo do
trabalho e a vida. O mundo do
trabalho está dentro da vida.
Ao debater isso, a gente vê
que não nos temos preocupado, ultimamente, com o indivíduo, com o ser humano integral. Quer dizer, a professora,
ao separar o produto e o processo, quando vai avaliá-lo –
ele vem sendo avaliado, às
vezes, mais pelo produto, às
vezes pelo processo. Isso precisa ser feito integradamente.
Se as empresas, as institui-
61
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
ções, agora, estão discutindo
essa necessidade, isso é reflexo do que está ocorrendo no
mundo da educação. Temos
muitas pesquisas sendo desenvolvidas que tentam chegar aos meninos – desde os
pequenos até os pósgraduandos – e avaliar as habilidades de vida, mais do que
as habilidades de conteúdo ou
as especificações técnicas.
Porque o que se percebe é
que, se não tenho o ser integral, ele não pode estar bem
preparado. Ou, se ele é muito
espiritualizado, onde é que
está esse equilíbrio para chegar à melhor produção, à melhor produtividade? Foi um
engodo acreditar que, se tivesse um preparo eficiente, isso
era suficiente.
FG – Acho que estamos falando em termos muito amplos.
É preciso definir melhor até
onde a universidade pode chegar. Ela não pode responder
pela conduta futura do aluno
na vida. Nós podemos, no máximo, fazer dele um cidadão
bem integrado no seu ambiente profissional e, por decorrência, no seu ambiente familiar.
Mas, a partir do ambiente profissional. É para isso que o preparamos.
Luiz Edmundo – Concordo
com o Gracioso. Talvez, seja
uma questão de co-responsabilidade. Incluo todos, os es-
62
“Por que as
pessoas
conseguem
concluir cursos
universitários
sem responder
questões
fundamentais
sobre a vida?”
tudantes, os professores, a
sociedade, como co-responsáveis. A universidade não
pode ser a panacéia da formação, mesmo tendo uma missão extremamente nobre de
transformação. Ela tem que
descobrir o seu posicionamento, de uma maneira exemplar. Um das maneiras que
vejo é construindo a visão do
que é estar preparado para a
vida e para o trabalho. Estou
fazendo essa cisão, mas não
“Se tenho
uma forte
base
conceitual,
consigo
interpretar
qualquer
realidade.”
perdendo o seu conceito, Gloria, de que o ser humano é
único. Mas para reconhecer
que essa cisão, em algum
momento, foi feita. E, por ter
sido feita, hoje precisamos
reintegrá-la. Por exemplo, nesse fórum de presidentes, o que
discutimos é que essa cisão
leva inexoravelmente a empresa a precisar, hoje, rever e reintegrar o ser humano de uma
maneira mais completa dentro
do contexto das empresas.
Para que ela possa, de fato,
responder a um meio ambiente tão complexo, tão difícil, com
tantas mudanças, em que o
ser humano tem que estar
muito mais capacitado a pensar para poder agir. E esse
embasamento, que a Aylza
descreve, passa a ser fundamental na capacidade de decidir. Então, na construção de
uma visão do que é o ser humano deste milênio, deste século que começamos, acho
que a universidade tem uma
responsabilidade enorme,
mesmo que não seja o único
agente responsável pela formação.
JR – Então, o que deve ser cobrado da universidade? Qual
é o papel que a universidade
desempenha na sociedade
brasileira?
Aylza – Acho que deve ser cobrado um pouco mais do que
o que o Gracioso acredita. Tem
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
que ser cobrada a educação
dos alunos para a vida. O trabalho faz parte da vida; ser pai
faz parte da vida. Evidentemente, não imagino que a universidade vá ter um cursinho de paternidade ou de maternidade.
Mas uma coisa que falta, no
meu entender, nas universidades é que precisamos passar
valores de forma mais clara.
FG – Acho que me expressei
mal. Eu próprio, como professor, nunca dei uma aula na vida
sem me preocupar em passar,
também valores de comportamento, de vida, de experiência
pessoal, que tenho certeza são
tão úteis quanto o conteúdo do
ensino. Não há dúvida.
Aylza – É nesse sentido que
acho que o papel da universidade é mais amplo do que simplesmente ensinar técnicas e
transmitir conhecimentos. Ela
tem que participar dessa educação sobre a qual o Luiz falou. Se as empresas pensarem
dessa forma, daqui para frente, vamos dar um salto qualitativo incrível. Imagine se elas
viessem à universidade para
dizer: “Por favor, ensinem a
pensar, que tudo mais se resolve. Não ensinem só a fazer
a prática”. Ao transmitir técnica, não se prepara o ser humano, não lhe damos uma escala de valores, parâmetros de
comportamento profissional.
Educar é tudo isso.
JR – Quero dirigir uma pergunta ao Amatucci, que lida
com o dia-a-dia dos jovens na
graduação. Quando os alunos
chegam ao último ano, o que
é que desejam?
Amatucci – Acontece desde o
primeiro ano. A escola tem os
seus stake-holders também. E
nem sempre todos eles estão
de acordo. Aliás, quase nun-
“Incomoda-me
ver separados o
mundo do
trabalho e a
vida. O mundo
do trabalho
está dentro da
vida.”
ca. A escola, hoje, é uma solução de compromisso entre vários antagonismos. Um deles
é esse antagonismo entre o
mundo da vida e o mundo do
trabalho. Uma discussão que
existe na universidade é que
ela deveria estar mais voltada
para o cultivo das artes liberais
– a transmissão de toda a herança cultural que temos. Evidentemente que a parte de ser
pai diz mais respeito ao desenvolvimento de sensibilidade,
ao desenvolvimento de relações humanas e de valores, do
que, evidentemente, saber trocar fraldas. Entre essas artes
liberais e a tecnologia – que é
uma premência, porque trabalhar nas empresas hoje requer
tecnologia, requer preparo.
Nós temos o debate de artes
liberais, tecnologia, ensino de
qualidade, ensino para muita
63
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
gente, saber durável, conceitos e teoria e aulas atraentes
para os alunos. Mas os alunos
não querem saber. É uma luta,
falar de valores, de conceitos,
de saber durável, para os garotos que dizem: “Eu quero é
fazer estágio na Unilever,
como é que vou usar esse negócio?” Eles pressionam para
o outro lado. O que acontece
hoje, a universidade prática, a
real que existe é uma solução
de compromisso, às vezes, um
pouco mais para lá, às vezes,
um pouco mais para cá, entre
essas diversas variáveis. É claro que somos diferentes. Somos educadores, temos paixão pelos valores, pelos conceitos, pela teoria. Mas o jovem, basicamente, busca a
profissionalização. Então, isso
tem que ser colocado com
muita paciência, porque ele
realmente deseja e cobra, desde o primeiro ano, a coisa prática.
Luiz Edmundo – Talvez fosse interessante pensar que
essa profissionalização como,
muitas vezes, é esperada,
também é algo que se encontra em profunda transformação. Hoje, consigo identificar
várias empresas tradicionais
que querem pessoas meramente instrumentais, que dominam a tecnologia. Não estão interessados em pessoas
que pensam, mas pessoas
que cumpram ordens, que re-
64
“A universidade
tem uma
responsabilidade
enorme, mesmo
que não seja o
único agente
responsável pela
formação.”
presentam um passado que
está em extinção. E há empresas voltadas para todo um
mundo de oportunidades, de
descobertas, de inovação, de
criatividade, de proximidade
com o cliente. Descobrir, pela
imaginação, o que um cliente
quer, o que uma comunidade
precisa, com visão de responsabilidade social – isso requer
um outro tipo de pessoa, menos instrumental. Alguém que
pode até dominar o saber instrumental, mas que precisa re-
“É uma luta,
falar de valores,
de conceitos, de
saber durável,
para os garotos
que dizem: ‘Eu
quero é fazer
estágio na
Unilever’.”
fletir e se posicionar diante das
oportunidades de uma maneira positiva. O aluno, quando
entra na escola, não está preparado, às vezes, para esse
mundo, porque ele espelha o
mundo dos pais, que provavelmente foram formados e
aculturados nesse primeiro
bloco. Interessante é que, da
mesma maneira que percebem ser necessário, muitos
deles não querem trabalhar
mais nessas empresas. Eles
não gostariam de repetir a vida
dos pais, porque essa vida
alijou-os da qualidade de vida,
da felicidade, da alegria –
como se, no trabalho, não fosse possível equilibrar alegria,
felicidade, com realização.
JR – Essa não é uma visão um
pouco idealizada da empresa?
Será que elas realmente querem gente criativa?
Aylza – Há uns cinco anos,
quando eu ia às empresas
para fazer levantamentos para
montar um curso in-company,
eu ouvia: “Olha, professora, a
senhora seja muito prática.
Nada de conceitos, de academia, aqui dentro”. E eu ficava
furiosa. Engolia a seco e pensava: “por que ele não vai buscar alguém no Sesi em vez de
me chamar?” Hoje, a coisa
mudou radicalmente. Quando
a gente chega em uma empresa, eles dizem: “Pelo amor de
Deus! Ensine o meu pessoal a
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
pensar, a inovar, a entender
esses novos desafios que temos pela frente”. É uma coisa
inédita. Temos feito muitos
programas fechados, ensinando a pensar estrategicamente,
dando as bases do pensamento estratégico.
JR – Você confirma que existe uma tendência nesse sentido?
Aylza – Com certeza. Não é
nada de poético, não. As grandes empresas, as empresas
mais inovadoras, estão positivamente nessa linha.
FG – Quero fazer uma ressalva, apenas. É evidente que
depende do tipo de empresa e
do estágio em que ela atravessa no mercado, a necessidade de determinadas capacitações, habilidades, natureza.
Uma empresa que vende
commodities, que se preocupa em otimizar quantidade e
baixo custo, não está muito
preocupada em inovar. Quer
manter o status quo. Vai precisar de executivo de um tipo diferente dos que o Grupo Accor,
por exemplo, precisa para criar
sempre novos nichos de oportunidade no mercado hoteleiro
e assim por diante. Acho que,
na prática, no mundo real, esse
ideal que as empresas têm,
agora, de criatividade, e ênfase na inovação, no raciocínio
estratégico, acaba se acomo-
dando à realidade das próprias
necessidades.
Mas não cabe à
escola determinar e decidir
qual é esse nível de necessidade. A escola
deve visar sempre para cima.
Luiz Edmundo
– Gostaria de
acrescentar
uma questão
que considero
importante. O
antigo modelo
industrial ainda
é muito forte e
internalizado na
cabeça de todos
nós. No começo
do século passado, de 1901
até a metade do século passado, prevaleciam as indústrias. Nos anos 50, metade da
população, em alguns países,
estava diretamente ligada às
indústrias. Mas o setor de
serviços, o comércio, são
hoje a nova realidade do
mundo. Em São Paulo – que
é o Estado mais adiantado –
já temos 80% da população
economicamente ativa trabalhando em empresa de serviço. Nos Estados Unidos, o
setor primário, agrícola, representa menos de 4%. O industrial, menos de 30%. Essa
“Eles não
gostariam de
repetir a vida
dos pais,
porque essa
vida alijou-os
da qualidade
de vida, da
felicidade, da
alegria.”
é uma tendência inexorável de
um mundo muito mais complexo, em que a própria indústria,
cada vez mais, se “comoditiza”, onde a indústria se integra ao setor de serviços e,
65
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
dentro delas, expande-se a
área de serviços. Nessa área,
o perfil das pessoas muda extraordinariamente, porque as
próprias pessoas estão mudando, lá fora, e as empresas
têm que responder a essas
mudanças das pessoas. Isso
é uma transformação a que
temos que dar atenção. O modelo em que fomos formados
– da indústria, de divisão de
trabalho, de processos bem
estabelecidos e definidos –
está profundamente alterado.
Certos conhecimentos, ferramentas, tornaram-se obsoletos. Não há outra maneira, a
não ser dar às pessoas a condição de pensar.
Aylza – O papel da escola, no
meu entender, é estar 10 anos
à frente: à frente das empresas e não a reboque delas.
Pressupõe que a universidade
seja um centro de estudo, de
pesquisa, de disseminação de
conhecimento. Ela não pode
ficar olhando o que a empresa
faz, para sair correndo atrás
dela. Ao contrário, seu papel é
dizer: “Olha, no futuro terá de
ser assim. As tendências mostram isso, o cenário mostra
aquilo”. Se as empresas estão
mudando nessa velocidade,
imagine a velocidade em que
nós, da escola, teremos que
mudar. E nisso acho que reside a nossa falha principal.
Acho que ainda não temos essa
capacidade de inovação o sufi-
66
“Quando a
gente chega em
uma empresa,
eles dizem: ‘Pelo
amor de Deus!
Ensine o meu
pessoal a
pensar’.”
ciente – não estou dizendo nós
ESPM; mas nós, sistema de
ensino, nós, universidade brasileira. As empresas ainda não
nos olham como fonte de inovação e de conhecimento.
JR – A Aylza está admitindo
uma deficiência da nossa universidade – do ensino de modo
geral – de não ser inovador, de
não estar abrindo caminhos,
não estar na vanguarda. Será
“Nos anos 50,
metade da
população, em
alguns países,
estava
diretamente
ligada às
indústrias.”
isso mais verdadeiro, talvez,
na graduação do que na pósgraduação?
Amatucci – Em termos de universidade – enquanto instituição – a Aylza tem toda razão.
É uma das coisas mais lentas
que existe. Talvez só perca
para o estado moderno. Existem problemas dos mais diversos, alguns parecidos com os
problemas das empresas. É incrível que a velocidade da
mudança não esteja ligada ao
saber, à tecnologia, mas ao
processo de tomada de decisão. Na universidade, há ainda muito comportamento conservador das pessoas. Isso é
um dos fatores. Mas há também o fator estrutural. O curso
de graduação dura 4 anos.
Nenhum aluno termina o curso com o currículo que começou. Todos enfrentam mudanças. A cada dois anos, a gente
muda e eles têm que se adaptar. Só que isso ocorre na
ESPM. Como consultor ad hoc
do MEC, visitei várias escolas
e isso não acontece. As mais
inovadoras mudam a cada 4
ou 5 anos. Esperam uma turma acabar, para depois
implementar as mudanças, e
a última turma fica 5 anos defasada.
JR – Ou seja, há uma certa rigidez na graduação...
Gloria – De qualquer manei-
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
ra, você tem de levar em conta como é que o garoto chegou aos 20 anos; quais foram
as expectativas, o que ele está
esperando. A pergunta era
qual é o objetivo ou qual é a
finalidade. Você tem, aí, uma
representação desse garoto.
Ele acredita no curso que vai
fazer. Ele vai sofrer o processo
de apropriação de conhecimento, de habilitação técnica, de formação, de domínio, mas ele entra com uma expectativa de que
aquilo é uma porta, um acesso
para o mercado de trabalho. É
assim que ele entra na escola.
E, muitas vezes, chega com
“gaps”, com as deficiências todas – que impossibilitariam
qualquer escola de cumprir os
objetivos definidos. Você pega
um garoto de 20 anos, que
acha que vai sair profissionalizado. Que a graduação vai
dar a ele possibilidade de entrar para o mercado de trabalho, em melhores condições do
que se ele não a fizesse…
ao se apropriar de alguns instrumentos ou de algumas
tecnologias, e/ou de alguns
conhecimentos numa determinada direção? Ele e a família
fazem qualquer sacrifício
para que possa conseguir
isso, na crença de que o curso superior lhe dará acesso
a melhores condições.
Luiz Edmundo –Talvez ajude
JR – Mas isso não é uma expectativa correta? Não é isso
que ele deve esperar?
Gloria – Sim, é o que ele espera. Mas e o que nós fazemos? É esse o objetivo? O que
a universidade tem que fazer?
Tem que unir habilidade de
vida com mercado de trabalho? Tenho que satisfazer a
ele? Ou dizer que ele melhorou como gente, como pessoa,
“O papel da
escola é estar
10 anos à
frente das
empresas e
não a
reboque.”
colocar para vocês o que nós
valorizamos quando vamos
contratar uma pessoa que vem
da universidade. Talvez ajude
a ver que os critérios mudaram
muito e que temos dado prioridade ao que não se dava, no
passado. O mais importante é
que não medimos o conhecimento das pessoas; não fazemos um “provão”, isso não interessa. O que interessa são
as competências que as pessoas apresentam e que as
possam ajudar a dar uma resposta diferente, no mundo do
trabalho. Na nossa programação de trainees, valorizamos
competências como saber ouvir, saber se relacionar, ter
empatia pelo outro, capacidade de solução de problema, de
perceber o outro e ser solidário. Valorizamos toda atividade voluntária, toda atividade
67
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
passado, congelados na
expectativa de ter a universidade como a antiga provedora. Acho que
a universidade pode
prover várias coisas,
mas o mais importante
dela prover é aquilo que
o Gracioso disse, os valores que ele coloca nas
aulas, mas também a visão. A visão é superior,
porque pela visão a gente consegue identificar
valores novos. Precisamos de valores novos
para olhar esse mundo e
transformá-lo para que
seja diferente.
social, porque isso demonstra
a possibilidade de desenvolver
o espírito empreendedor e a
usar imaginação e criatividade.
Isso desenvolve a liderança, a
capacidade de empatia e de
encontrar soluções novas – e
pesa fortemente nas nossas
contratações – o trabalho voluntário. Como também pesa
as pessoas que cuidam do corpo, que desenvolvem atividades físicas. Assim, como pesa
também o domínio de idiomas.
E a capacidade da pessoa
aprender a aprender, por conta própria – o que até desobriga a universidade como única
provedora. Não podemos basear-nos nas expectativas do
68
FG – Luiz, você deixou
claro o que espera do
produto final da universidade. Não está, entre as coisas que você citou, um ponto
que, para nós do mundo acadêmico, parece muito importante, que é a produção de co-
“Nisso Freside
a nossa falha
principal:
ainda não
temos essa
capacidade de
inovação o
suficiente.”
nhecimento. Na verdade, se
você perguntar a qualquer reitor de universidade pública
principalmente, como é que ele
justifica o elevado custo por
aluno – até R$100 mil por aluno ao ano, ele dirá: “Bom, nós
aqui não formamos apenas estudantes, nós produzimos conhecimentos. Tantos doutores,
tantos mestres, tantas teses
publicadas”. Mas você, em
momento algum, sugeriu que
espera, das universidades,
novos conhecimentos. A Escola, sob esse aspecto, reage
mais do que age. Ela deve
manter-se ligada ao mundo
real, ao mundo das profissões,
para perceber as coisas novas,
tendências, novas necessidades. E, muito mais do que produzir conhecimentos novos,
conceituar, colocar em perspectiva aquilo que vem do
campo, do mundo real e – se
não fosse tratado pela universidade – acabaria se perdendo. Por exemplo, lembro de
dois casos concretos. A matriz
BCG e o PIMS que foram fruto
de professores da Harvard e
do Grupo de Boston de modo
geral. A matriz BCG e o PIMS
não foram totalmente criados
pela universidade, mas desenvolvidos, pouco a pouco, por
consultores, empresas; mas foi
um grupo de professores que
pegou tudo aquilo, enfeixou e
transformou num instrumento
que, durante anos, tem ajudado as empresas do mundo in-
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
teiro. O que podemos fazer realmente, na universidade, que
seja de valor
para vocês, no
mundo real?
Luiz Edmundo
– A Aylza ajudou, na resposta dela, que
quero retomar.
Distingo capacidade de conceituação, de conceituar e de refletir do que a
gente chama de conhecimento. O conhecimento é perecível; a capacidade de aprender
é a possibilidade que se dá à
pessoa de se renovar; a capacidade de resolver problemas
é a capacidade que ela tem de
dar uma resposta virtuosa e de
receber, em troca, alguma coisa pela resposta que deu. Se
nos centrarmos em função do
conhecimento, não estaremos
nos concentrando naquilo que
me parece vital.
JR – Prof.ª Gloria: qual é o
processo ideal de avaliação de
desempenho do aluno na graduação? E na pós-graduação?
Gloria – Temos trabalhado
nessa direção, de que não tem
sentido você cobrar do aluno
só informação. Temos de cobrar competências e habilida-
des, apresentando desde o primeiro e segundo grau o “conhecimento em situação”. Quer dizer, propondo ao garoto desde
pequeno, contex-tualizando e
situacionando, problematizando para que ele resolva por
seus próprios meios. Apesar
de o conhecimento ser perecível, ele é fundamental. Não se
“Nenhum
aluno termina
o curso com o
currículo que
começou.
Todos
enfrentam
mudanças.”
consegue recriar ou repensar
sem as bases
do conhecimento, não é
suficiente. O
conhecimento é
um pouco mais
do que a informação. É perecível, se identifico conhecimento com informação. O conhecimento em
si pressupõe todas essas outras possibilidades de trabalhar com a informação. Transformá-la, recriála e poder adequá-la. Então a
informação é perecível; o conhecimento é o que se solidifica. E acho que essa pessoa
– que a gente está idealizando,
ou procurando, ou tentando avaliar – é a que conseguiu desenvolver conhecimento a partir das
informações. Mesmo um gênio
não existe no vazio; mesmo o
gênio precisa ter as informações, para rearranjá-las.
FG – Então, se eu entendi, nos
seus processos de avaliação
de aluno, a aferição do conhecimento continua sendo muito
importante.
Gloria – Sim. Com certeza.
JR – Nesse sentido, o provão
funciona ou não?
69
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
Gloria – Funciona.
JR – Funciona porque não tem
nada melhor ou funciona porque é bom?
Gloria – Funciona porque pretende – e tem conseguido –
avaliar competências e habilidades. O provão não está se
limitando a avaliar quantidade
de informações. O pressuposto do provão, para os 20 cursos atualmente avaliados, é
um perfil, para cada uma das
20 áreas determinadas. E esse
perfil é definido por vocês,
empresas – quais são as habilidades e competências que
os jovens têm que mostrar. E,
para isso, quais são os conteúdos abordados. Aí sim, são todos aqueles componentes
curriculares da universidade.
Aylza – Gloria, quero fazer uma
pergunta, fugindo um pouco da
pauta, por curiosidade. Por que
é que o nosso aluno, de forma
geral, não quer ser avaliado?
O aluno de pós-graduação diz:
“Sou adulto e não preciso que
ninguém me avalie. Isso é coisa de criança”.
Gloria – Não é só o aluno. É
todo adulto, que se sente perseguido. Avaliação é uma coisa muito persecutória.
Aylza – Professor odeia ser
avaliado. De resto, eu também
odeio ser avaliada. A não ser
70
“O que interessa
são as
competências que
as pessoas
apresentam e que
as possam ajudar
a dar uma
resposta diferente
no mundo do
trabalho.”
que me avaliem bem.
Gloria – Não estou defendendo o provão, só contando
como ele é. Tenho trabalhado na sua execução e posso
dizer que faz isso. Por isso,
são 20 as áreas. Se fosse
medir só habilidades e competências, poderia ser um
único para todos.
Amatucci – Fiz uma pesqui-
“A matriz BCG
e o PIMS
Fforam fruto
de professores
da Harvard e
do Grupo de
Boston.”
sa com “headhunters” sobre o
que esperavam do egresso do
curso de administração de
empresas. Entrevistei uns 15,
e perguntei: faz mesmo diferença para você se ele é administrador, psicólogo ou engenheiro? Disseram: “De forma
alguma. Ponho todos na mesma roda. Tenho uma lista de
habilidades que a empresa que
me contratou está procurando.
Tento identificar as habilidades
de cada um. Agora, o que ele
estudou é problema dele”.
Gloria – Sim, mas para determinadas funções.
Amatucci – No provão, ele
tem que avaliar se o curso é
bom ou não.
JR – Ouvi, do Luiz, uma coisa
que sempre me incomodou –
até porque não aprendi língua
na escola; aprendi porque viajei. Mas ouço isso nas empresas: “Quero um profissional que conheça idiomas”. No
plural. E não vejo, nem na graduação nem na pós, o ensino
do inglês, do francês ou espanhol.
Amatucci – É um problema de
“core-competence”. Nós somos incompetentes para fazer
isso.
JR – Mas o Luiz acaba de dizer que é uma das coisas importantíssimas, que a empresa dele avalia na contratação...
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
FG – Mas você sabe que não
é aos 20 anos que se aprende
uma língua estrangeira. As línguas, bem aprendidas, começam bem cedo.
JR – Então, o que a universidade pretende é que pertença
ao curso fundamental ou à escola livre, o ensino de idiomas?
Luiz Edmundo – Acho que a
questão pertence ao aluno;
não a nenhum dos ensinos.
Quando alguém chega à universidade e não sabe outros
idiomas, a universidade não
tem obrigação de dar isso para
ele, mas tem a obrigação de
abrir a visão de o quanto isso
é relevante. Acho que se ela
fizer isso, já cumpriu seu papel. Ela tem a obrigação de
lembrar que – em última análise – quem é responsável pelo
próprio desenvolvimento é ele
e não a universidade.
Aylza – Você chegou a um
ponto crucial, no meu entender. Enquanto não conseguirmos deixar claro – para alunos
e professores – que o ensino
e a aprendizagem são um processo de co-responsabilidade,
nada acontecerá. Já disse que
toda generalização é burra –
mas não acredito que todos os
professores estejam convencidos da sua parte de responsabilidade nesse processo. E os
alunos também não. Há uma
dificuldade muito grande, por
“Apesar de o
conhecimento
ser perecível,
ele é
fundamental.”
parte do aluno, de entender
que você pode ter o melhor
professor – didaticamente falando – mas você ainda é responsável por mais de 50% da
aprendizagem. Nenhum professor – pode ser um grande
comunicador, um grande
didata – vai ensinar tudo de
que o aluno precisa, sem que
o aluno faça boa parte da própria lição. Esse processo de
co-responsabilidade acho muito sério, e temos batido nisso
no pós-graduação.
JR – Isso é uma visão da pósgraduação ou deve ser uma
visão da graduação também?
Aylza – Não sei como o
Amatucci faz, mas, na pós-gra-
“Por que é
que o nosso
aluno, de
forma geral,
não quer ser
avaliado?”
duação, é uma filosofia que
estamos tentando implantar,
com muita seriedade.
FG – Amatucci, na graduação,
seria possível interpretar o que
a Aylza chama de consciência
da responsabilidade por parte
do aluno, como motivação?
Amatucci – É uma das batalhas que a gente trava diariamente. Pegamos o aluno recém-saído do ensino médio,
ainda com os traços do ensino
fundamental, onde foi tratado
como criança. Então, a tendência automática – tanto de alunos quanto de professores – é
continuar essa relação
paternalista. Estamos mudando isso aos poucos; o principal
obstáculo é mudar a atitude do
professor, porque, se o professor deixa de ser paternalista, o
aluno não tem escolha. A necessidade faz o sapo pular.
Quase metade dos nossos professores está consciente disso.
Eles mesmos dizem: “Paramos
de ser bonzinhos”. E o aluno
aprende mais com o professor
“mau”, porque esse professor
diz a ele que ele tem que se virar. Mas não é coisa simples.
Se “deixa no automático”, a relação se inverte. Ou seja, o aluno cobra que o professor ensine a ele, enquanto ele fica lá
“sendo ensinado”.
JR – A escola, no Brasil, desde o fundamental, é sempre de
71
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
tempo parcial. Os internatos
acabaram. E há, por parte do
MEC, uma insistência de que
o professor deve dar tempo
integral. Por que não também
o aluno – como nas universidades americanas?
Amatucci – Isso está relacionado com a questão do conhecimento e da pesquisa na universidade. Descobri isso tardiamente, na metade do meu doutorado. A principal contribuição
da universidade para a sociedade não é a produção de conhecimento; sua principal contribuição é a formação de líderes, de dirigentes, de pessoas
capacitadas a gerir a sociedade. Veja, por exemplo, Prof.
Gracioso, o que o Sr. disse
sobre o Grupo de Boston, da
Universidade de Harvard. Se
compararmos, quantitativamente, quantos instrumentos
produziram, para serem usados, e quantos profissionais
eles colocaram no mercado –
vamos comprovar isso. A pesquisa é ingrediente indispensável. O professor-professor, que
gosta de dar aula, é didático,
consegue ensinar, é punido, no
sistema acadêmico tradicional
porque não está publicando,
não está pesquisando. Mas
são coisas diferentes. Na Europa, existem institutos de pesquisa separados da universidade porque a pesquisa não
tem de ser feita necessariamente na universidade. Pode
72
“Tenho uma lista
de habilidades
que a empresa
que me
contratou está
procurando.
Tento identificar
as habilidades de
cada um. O que
ele estudou é
problema dele.”
ser, o conhecimento está ali
próximo, são coisas que têm
sinergia, mas não são a mesma coisa. A sociedade do Brasil – e do terceiro mundo em
geral – não dispõe de alunos
com dinheiro para ficar durante 4 anos em tempo integral,
sem trabalhar – só estudando.
Quando o MEC exige tempo
integral do professor, está querendo que ele, quando não
estiver dando aula, fique fazendo pesquisas, que geram conhecimento. A sociedade precisa que o profissional hoje
passe pela universidade, porque a sociedade precisa de ci-
“Em última
análise,
o responsável
pelo próprio
desenvolvimento é
o aluno e não a
universidade.”
ência no trabalho. O nível de
desenvolvimento tecnológico é
tal, que sem a ciência não dá.
Mas mesmo esse conhecimento científico – que não é
só informação –, pela própria
definição da ciência, é provisório. Pode até ser questionado. Mas não é por ser provisório que não é necessário. É
necessário, sim, mas não se
constitui na principal contribuição da universidade.
Luiz Edmundo – Gostaria de
esclarecer um ponto. Acho fundamental o conhecimento.
Mas um conhecimento que se
transforme, para responder à
própria evolução da sociedade. Quando não damos ênfase à fotografia do conhecimento, mas preferimos a capacidade de aprender a aprender,
estamos pressupondo que
essa habilidade é mais difícil
de ser aprendida do que a demonstração de um saber determinado. Isso não quer dizer
desprezo pelo conhecimento.
Mas há um rigor maior sobre o
que precisa ser conhecido. É
um sentido de “estratégia do
que deve ser sabido”. É quase
fazer uma hierarquia do que eu
preciso para ser um ser humano feliz e realizado. Vou dar um
exemplo. Conheci um professor de uma grande universidade européia, uma pessoa fantástica, que acabara de ter um
ataque cardíaco. Ao conversar
com ele, surpreendi-me de que
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
não soubesse o que era um
radical livre; não soubesse
quais os alimentos que poderiam reduzir a gordura que tinha em excesso; não soubesse fazer um relaxamento; nem
quais os conceitos básicos de
qualidade de vida. Surpreendi-me que – diante de tantos
conhecimentos que essa pessoa tinha acumulado – não
soubesse os essenciais para
viver e ser feliz. E estamos
quase perdendo essa pessoa
tão importante...
FG – Mas não é próprio de
todo especialista? Um grande
esportista especializado em
salto em altura, às vezes, morre do coração, porque esquece do que não diz respeito ao
momento do salto.
Luiz Edmundo – E a não-especialização em nós mesmos.
Quer dizer, é a especialização
que se sobrepõe a uma visão
mais íntegra do que é ser feliz, do que é ser corpo, ser
alegria.
“Esse processo de
co-responsabilidade
é muito sério, e
temos batido nisso
no pós-graduação.”
FG – Aliás, gostaria de dizer,
Aylza, que – para escolas
como a nossa que, afinal de
contas, quer queiramos quer
não, existe para formar especialistas em comunicação e
administração – esse é um
ponto muito importante.
73
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
Aylza – E que temos levado
em consideração, tanto na
graduação quanto na pós-graduação. Tanto é que começamos agora com programas
que tratam dessas questões
pessoais. O Amatucci, ao falar sobre a função da universidade, tirou-me uma grande
preocupação, quase um sentimento de culpa, de não termos pesquisa. Acho que temos é de educar mesmo. E
uma das coisas que a gente
ouve muito – do nosso professor principalmente – é que
ninguém educa 40 alunos
numa sala de aula, nem educa só com 3 horas à noite.
Queria colocar e ouvir a opinião de vocês. Discordo profundamente. Acho que podemos educar 40, 120 ou 200
em meia hora. Por que? Porque acho que educação é um
processo holístico. Às vezes,
um exemplo dado por nós, lá
na frente da sala, educa mais
do que horas e horas de estudo. Mas como esse é um assunto polêmico, gostaria de
debate-lo. Temos 40 alunos
em sala de aula, eles vêm
duas noites por semana, em
média, e passam umas 3 horas conosco. Se estudam
mais uma hora aqui dentro,
ficam conosco 8 horas por
semana. E tenho a pretensão
de ser educadora e conseguir
levar esse processo adiante.
Isso é possível, Gloria?
74
“Ouço nas
empresas: ‘Quero
um profissional
que conheça
idiomas.’ E não
vejo, nem na
graduação nem
na pós, o ensino
do inglês, do
francês ou
espanhol.”
Gloria – Na pós-graduação?
Sempre é. Desde que motivado, o homem sempre é
transformável. Se você conseguir fazê-lo enxergar o significado, ele se encanta, se envolve e vai nessa direção. Encanta-se no sentido de se sensibilizar, internaliza isso como
valor.
Aylza – Então, essa primeira
responsabilidade é nossa,
como educadores?
“O aluno
cobra que o
professor
ensine a ele,
enquanto
fica lá ‘sendo
ensinado’.”
Gloria – De alguma forma,
sim. De alguma maneira você
tem que abrir este caminho.
Aylza – O processo começa
conosco?
Gloria – Começa e esse é o
papel do professor.
JR – Aliás, há uma palavra que
não é de muito uso nas universidades, mas que se ouve
muito em cursos menos informais, que é o “facilitador”. Até
que ponto o professor moderno deixou de “professar” para
ter a função maior de facilitar?
FG – Acho que a palavra motivação, que a Gloria usou, é
mágica, é muito importante.
Nós sabemos, entretanto, que,
muitas e muitas vezes, na graduação mais do que na pósgraduação, o aluno não tem
motivação. O que fazer, Gloria? Até onde o professor pode
intervir para que o aluno encontre essa força mágica, sem
a qual não vai aprender nada?
Gloria – Eu discordo, Prof.
Acho que ele tem motivação
sim. Ele chega à faculdade
com uma supermotivação. O
fato dele ter entrado já tem a
ver com a grande motivação
que tinha, a grande expectativa, a esperança que depositava nessa sua trajetória. Mas
estou falando do aluno. Onde
está o professor? Esse media-
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
dor, esse facilitador, essa presença e, às vezes, não é só a
figura do professor. É a própria
proposta institucional. É como
aquele curso, aquela matéria,
aquela disciplina, aquela atividade pode estar refletindo a
sua comunidade, as suas necessidades, os seus valores, as
suas aplicações. É isso que
motiva, basicamente.
Luiz Edmundo – Você respondeu bonito à provocação
do Gracioso. Acredito muito
nisso. Quando o aluno entra na
universidade, ele está numa
era de ouro, em que está aberto para questionar – e essa
energia precisa ser bem canalizada, por uma metodologia
que dê espaço para ele refletir. Mas, ao mesmo tempo,
para perceber limites, para perceber o contexto, para que ele
descubra.. Também, concordando com a Aylza, não vejo
limites em 40 alunos. Já tive
oportunidade de organizar, na
empresa, eventos educacionais em que havia 600 pessoas, numa sala de aula. Podem
achar isso absurdo – e não foi
palestra. Todos estavam divididos em pequenas células de
5 pessoas que, por sua vez,
formavam grupos de 50. Mas
80% da atividade se passava
em grupos de 5 pessoas – o
fundamental era discutir casos
concretos da vida deles. Esperava-se que usassem a imaginação, a reflexão, simples-
“O professor que
gosta de dar
aula, consegue
ensinar, é punido
no sistema
acadêmico
tradicional.”
mente estavam todos juntos
para compartilhar algo maior,
as suas visões. Fazíamos várias pesquisas, ao longo do
dia, apresentando as visões
daqueles pequenos grupos de
tal forma, que fossem cristalizando a percepção de qual era
o caminho que estavam escolhendo. Com essas 600 pessoas, conseguimos desenvolver atividades fantasticamente participativas e criativas,
com pessoas altamente motivadas, onde trabalhávamos
mais de 8 horas por dia. As
pessoas interrompiam, às ve-
“Escolas como
a nossa, afinal
de contas,
Fexistem para
formar
especialistas.”
zes, para cantar; havia espaço
para alegria, para a criação de
coisas. Os grupos até compunham músicas. O que quero dizer é que precisamos resgatar
o sentido profundo de cliente,
de olhar o indivíduo que está
na nossa frente, entender as
suas motivações, criar um ambiente vivo para que elas apareçam. É bem mais do que um
currículo. Vejo a necessidade
de um trabalho de preparação
dos professores, não cada um,
com a sua disciplina, mas como
equipe – equipe que compartilha de uma visão; que tem senso de propósito; que compartilha do compromisso da
andragogia e que entende do
que significa formação, motivação, valorização, iniciativa. Acho
que precisamos ter a referência
do currículo – que somos obrigados a ter –, mas podemos ter
outras referências que transcendam aos currículos e tenham a
ver com as posturas.
Aylza – Você acabou de descrever o que a gente faz na
academia de professores da
ESPM. Ela foi criada com essa
finalidade. Acho até que há um
passo anterior – a criação de
um modelo. Uma organização
qualquer – não precisa ser de
ensino – é tão forte quanto forte for o seu modelo e compartilhado, aceito e legitimado por
todos que trabalham nela.
Acho que a primeira questão
na formação do professor é
75
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
dizer: “Olha, vamos construir o
modelo juntos e vamos falar
desta forma, nesta linguagem.
Aí, você começa o processo de
motivação”. Não que ele seja
sem percalços. Acho que há e
são muitos, mas é assim que
o processo começa. E temos
insistido nessa proposta de
ensino, que é como vamos
motivar esses alunos – que,
por sinal, não chamamos de
“clientes” porque não são. Eles
são cidadãos, mas não são
nossos clientes. Ao dizer: “Eu
sou cliente”, querem dizer:
“Não me avaliem e me dêem
o diploma porque eu comprei”.
Nós vamos além. Consideramos que o aluno e cidadão são
mais importantes ainda do que
cliente, e não têm direito ao
diploma só porque pagaram o
curso. Mas também acredito
que a motivação começa pelo
professor, e isso é muito complicado quando você precisa
ter executivos dando aula 1 ou
2 noites por semana, sem tempo para dedicar mais à escola. Esse é um dos grandes dilemas da pós-graduação na
área de negócios. Preciso de
executivos, mas os executivos
não têm tempo suficiente para
ficar aqui e dedicar-se um pouco mais aos alunos.
JR – Esse é outro lado da
questão que se coloca na graduação, com essa crescente
exigência do MEC, de que os
professores sejam mestres,
76
duação, não é?
“Às vezes, um
exemplo dado
por nós, lá na
frente da sala,
educa mais do
que horas e
horas de
estudo.”
doutores. Eles não terão, nas
matérias profissionalizantes,
aquela visão “lá de fora”. Ou
isso não é verdade?
Amatucci – Novamente, é um
daqueles paradoxos e existe
uma solução compromisso. O
pós-graduação stricto sensu,
que forma os professores no
Brasil, na verdade, forma o
professor pesquisador; não
forma o professor-professor.
Quer dizer, a carga de didática, quando existe, é reduzidíssima.
Gloria – Didática, só na gra-
“Desde que
motivado, o
homem sempre é
transformável. Se
você conseguir
fazê-lo enxergar
o significado, ele
se encanta.”
Amatucci – Alguns programas
de doutorado têm, mas pouco
– um ou dois semestres. Outros nem têm, sequer. Não
raro, o professor doutor não
sabe preparar uma prova, e o
aluno tem que tentar adivinhar
o que o professor gostaria de
que ele escrevesse. A
complementação didática na
formação do professor, por
mais laureado que seja, é essencial. Sem isso, não funciona. Efetivamente, o nosso
stricto sensu forma o pesquisador. Na graduação, quando
se precisa profissionalizar,
necessitamos desse profissional – como a Aylza bem colocou: é mais pelo exemplo do
que pela palavra. Não adianta
ele falar uma coisa e fazer outra. O comportamento ético, o
comportamento moral, o comportamento de liderança, isso
é que marca. Precisamos, sim,
de acadêmicos que tenham a
parte da teoria, mas os profissionais também são indispensáveis.
JR – Acho que o tema ensino
superior, o tema “educação” é
extremamente abrangente,
mesmo que a gente só trate do
ensino superior. A pauta proposta foi coberta. Gostaria de
promover uma “volta” para que
cada um faça as suas colocações finais. Vamos começar
pelo Luiz.
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
Luiz Edmundo – Temos uma
oportunidade fantástica, de
pensar a universidade do futuro, hoje; uma universidade
muito mais aberta, mais preparada para educar no sentido amplo, para interagir com
tudo que está disponível. Ela
é mais do que as próprias disciplinas; mais do que apenas
um conjunto de ótimos e bons
professores; mais do que as
suas idéias; do que as salas
de aula, laboratórios, centros
de ensino. Ela deve estar aberta para uma comunidade com
que possa interagir, pode
aprender dessa comunidade e
pode interferir positivamente
nela, mas tem que ter um sentido de direção, precisa ter uma
alma. Acho que o que diferencia uma instituição é a sua
alma. Alma, por exemplo, que
vejo aqui na ESPM e que a distingue com muita clareza que
muito mais do que ela fez – é
o que ela é. Convidaria cada
instituição a aperfeiçoar e desenvolver a sua alma para tocar as pessoas naquilo que é
mais essencial. Porque as pessoas, mais do que conseguir
uma profissão, precisam descobrir um sentido diferente da
vida, no sentido de realização.
Precisamos descartar idéias
do passado, de que trabalho
seja uma coisa dolorida, sinônimo de necessidade, mas que
casa com infelicidade. Os
paradigmas são outros. As
“Já tive
oportunidade
de organizar, na
empresa,
eventos
educacionais
em que havia
600 pessoas,
numa sala de
aula.”
pessoas não querem mais viver o mundo dos pais. Elas
querem transformá-lo, e a universidade pode ajudar. Não
podemos deixar ninguém sem
ser “tocado”. Acho que a universidade tem que tocar pela
perspectiva, pelos valores que
evoca e cria, sem a pretensão
de ser a única detentora do
conteúdo. E deve saber juntar
os players da própria comunidade; precisa interagir mais
com as empresas; com as
ONGs – tem de ser o
catalisador de uma grande comunidade de ensino. Esse papel de liderança compete à
universidade e ela pode liderar isso com uma visão mais
moderna, mais abrangente.
Acredito que o Brasil possa
ter uma universidade
nessa linha,
num país
que tem a virtude de ter pessoas que convivem facilmente
com a emoção e com a razão.
Essa integração que se pode
fazer da emoção, com a razão,
o sentimento, reflexão, para
um ser humano mais completo.
Amatucci – Debates como
esse são necessários, pela situação de complexidade em que
o ensino superior se insere. Ele
é o encontro de ideologias, de
paixões, de posições financeiras
e ferrenhamente defendidas no
tocante ao tipo de ensino, ao
tipo de financiamento, ao tipo
de orientação.
É impossível deixar de fazer essa
discussão com
paixão, porque as pessoas que
trabalham
nesse
ramo só
podem
77
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
ser apaixonadas. Não há outra
explicação possível para fazer
o que a gente faz. Mas é necessária a abertura, é necessário aceitar soluções e compromissos que não são o que
a gente acha ideal. A educação, em particular a educação
superior, é uma função necessária à sociedade. E cada sociedade vai achar a solução
própria por um caminho, por
outro, único, diferente. Então,
é necessário abertura para
saber que – naquilo que a gente ensina – não há verdades
permanentes.
Gloria – Acredito que essa
mesa e esse encontro têm a
ver com o que vimos discutindo e vivendo, que ser educador é estar preocupado
com um sonho, com a realização do homem e do mundo melhor. Quer dizer, ela é
superior e coloca-se como
educação superior. Que
destinação, que objetivos,
que finalidades tem? É tornar
o homem superior, é melhorar o homem. Para mudar o
mundo mudando o homem,
que tem de se tornar este ser
superior para transformar
este mundo. Não é a escola,
são as pessoas.
FG – No nosso debate, a Gloria, em dado momento, falando da motivação dos jovens
que procuram um curso superior, disse aquilo que todos nós
78
“Aluno e cidadão
são mais
importantes do
que cliente, e não
têm direito ao
diploma só
porque pagaram
o curso.”
reconhecemos. Eles, em primeiro lugar – e suas famílias
por trás – querem uma chance
de ascensão social e profissional na vida. Não devemos esquecer disso, quando falamos
dos objetivos da universidade.
Não é apenas – e muito pouco
talvez – servir o mercado de
trabalho; é dar aos clientes –
e nesse sentido, são clientes
realmente – a oportunidade de
ascender na vida. Comentava
com o Amatucci, antes do debate, que completamos, há
“O pósgraduação
stricto sensu,
que forma os
professores no
Brasil, na
verdade, forma
o professor
pesquisador.”
poucas semanas, um estudo
sobre o destino profissional
dos formandos da ESPM há 5
anos. Dos alunos formados na
graduação, em 1995, 56% deles hoje exercem cargos de
diretoria, gerência, supervisão
e chefia. E se incluirmos duas
outras categorias igualmente
nobres – professores e consultores – chega a 62%. Estamos
realmente formando uma elite
de dirigentes, mas, acima de
tudo, estamos dando a esses
jovens, que nos procuraram, a
oportunidade que tinham em
mente, de subir na vida. Acho
que esse é o sentido por trás
de tudo que fazemos para servir bem à nossa clientela.
Aylza – Minha conclusão é
de que, se o nosso papel é
formar esses jovens para o
mercado de trabalho, para a
vida, atender às motivações
que os trazem aqui, não podemos enganá-los. Apesar
deles, a gente tem de educálos. E como é que se educam
executivos, com mais de 26
anos, que, depois de um dia
de trabalho, vêm para cá ter
aula com um professor executivo que também teve seu
dia de trabalho? Pois acho
que é exatamente da mesma
maneira que se educa todo
mundo. E, se nós não quisermos enganar esses alunos,
temos que os educar de uma
forma completa, de uma forma holística. Educar quanto
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
a conhecimento, educar
quanto a habilidades, competências. Aquilo que, talvez, toscamente, chamo de educá-los
para o produto intelectual, acadêmico, mas também para o
processo, que é o seu comportamento, a sua atitude diante da
vida, diante do trabalho, diante de tudo. Mas francamente, acho que a gente mal arranhou a questão de educação. Não sou educadora;
acho que fiquei educadora,
de repente, por pura paixão.
Como diz o Amatucci, só por
paixão fazemos isto. Sei que
existem perguntas e mais
perguntas que não consegui-
mos responder neste debate.
Vale a pena continuar indagando, porque a geração que
está hoje na universidade é
completamente diferente. O
mundo deu uma virada, com
essa nova geração, e nós ain-
“Dos alunos
formados na
graduação da
ESPM, em 1995,
56% Fhoje exercem
cargos de diretoria,
gerência,
supervisão e
chefia.”
da os conhecemos muito pouco. Uma vez alguém me disse
que a única coisa que o liberta
é o conhecimento. A ignorância escraviza e o conhecimento liberta. Ao longo desses 20
anos, como professora, tenho
podido ver essa liberdade,
essa libertação daqueles que
realmente acreditam e partem
para a viagem com a gente. Eis
porque vale a pena.
79
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
Entrevista com
Jacques Marcovitch
Reitor da Universidade de São Paulo
Com o tema da Educação
em pauta, a revista da ESPM
foi entrevistar um grande especialista, atual responsável pela
USP – a universidade brasileira que melhores resultados
apresenta em todas as avaliações feitas, tanto as oficiais,
como os "provões" do MEC,
como as baseadas em pesquisas de opinião, como da revista Playboy.
Jacques Marcovitch exerceu diversos cargos na USP,
até chegar à reitoria. E foi, também, presidente das Empresas
de Energia Elétrica do Estado
de S. Paulo, coordenador da
área de assuntos internacionais do IEA, membro do Conselho Superior do International
Institute da OIT, assim como
presidente da Asociación
Latinoamericana de Gestión
Tecnológica e membro do Conselho Superior do Instituto
Roberto Simonsen, ligado à
FIESP. É membro da Socieda-
80
de Brasileira para o Progresso
da Ciência, Strategic Management Society e World Future
Society. É autor de 9 livros, em
autoria e co-autoria, inclusive o
último (resenhado nessa revista) Universidade Viva; Diário de
um Reitor.
Sua palavra complementa
e enriquece os temas abordados na Mesa-Redonda que a
Revista realizou na ESPM (e
que também está nessa edição)
especialmente pela sua lúcida
visão sobre o papel do ensino
público superior no Brasil.
A questão da educação no
Brasil deve passar pelo reconhecimento de que não se trata, apenas, de um problema a
ser resolvido pelo Governo ou
pelas escolas. A recente revolução nas tecnologias da comunicação, com seus altos e baixos, vem mostrando que, hoje
em dia, não se trata apenas de
transmitir a informação, mas de
transformá-la em conhecimento. Isso é função da educação
– mas também é tarefa para
toda a sociedade, para enfrentar um antigo e novo desafio,
em relação ao qual – nas palavras do reitor –, podemos "ser
absolutamente ousados em relação ao futuro".
J. Roberto Whitaker Penteado
Entrevista
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
JR – Acho que vou começar com
uma "provocação" ao invés de
uma pergunta. O Brasil, na sua
opinião, está ganhando ou está
perdendo a guerra da educação?
JM – O Brasil tem feito muito, mas
não o suficiente. Para poder entender a batalha da educação é preciso olhar para o país na sua
especificidade. O Brasil viveu nos
últimos 100 anos uma evolução
demográfica que não tem comparação, em escala mundial. Olhando os
últimos 100 anos, veremos que houve um crescimento demográfico que
triplicou a população mundial. O
Século XX começou com uma população de 1.6 bilhões e terminou
com 6.4 bilhões. A Europa mal duplicou sua população. Países como
a Irlanda mantiveram a mesma po-
pulação do início do século. Índia
e China, que são grandes países,
começaram com 300 e 400 milhões
respectivamente e terminaram com
1 e 1,2 bilhão. O Brasil começa o
século com 17 milhões, chega em
1925 com 30, 1950 com 54, 1975
com 108 e chega no Século XX
com 166 milhões. Para 2030, a previsão está em torno de 230 milhões
de habitantes. Isso quer dizer que
o Brasil, a cada 25 anos, precisa
se redescobrir e deve ser
reconstruído. É diferente de outros
países, onde o sistema educacional atende a uma população com
lenta evolução. Muito se fez no Brasil para responder a essa evolução
demográfica, mas não o suficiente
para preparar os tempos vindouros.
A proposta de universalização do
ensino – começando pelo ensino
primário e secundário – procura
"O Brasil, tem
feito muito,
mas não o
suficiente."
atender à evolução passada. A questão que se coloca, é como preparar
o Brasil para os 230 milhões. Como
assegurar às crianças que estão
nascendo, a capacidade de liderança para repensar e reconstruir as
nossas infra-estruturas físicas, sociais e econômicas? Isso inclui os temas da eqüidade, da justiça, do
transporte, das telecomunicações.
Tudo isso exige lideranças e aí certamente, estamos longe de ganhar
essa batalha. O Brasil fez muito mas
não o suficiente.
81
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
JR – Dessa forma que o Sr. coloca, não só estamos perdendo a
batalha da educação como
estamos também perdendo a
batalha do desenvolvimento...
JM – Mesmo com avanços expressivos, ainda não estamos ganhando. Se olharmos o Brasil na sua
perspectiva histórica, percebemos
que correspondem à vitórias parciais. Mas, o fato de não ganhar uma
batalha, não significa que a guerra
foi perdida. O Brasil continua sendo
pólo de atração de fluxos migratórios, que até hoje buscam no país a
esperança do novo e da construção
do futuro. A vinda dos investimentos não se deu unicamente porque
o Brasil estabilizou a sua moeda. Os
investimentos foram canalizados
para a infraestrutura física, como as
telecomunicações. A área financeira, por exemplo, por atender mercados em expansão, constitui-se em
oportunidade de ocupação de novos
nichos. Em muitos países isto já
não é mais viável. Refiro-me especialmente à Europa, onde a estabilidade demográfica gerou um envelhecimento da população e uma diminuição do empreendedorismo.
Estudos recentes, realizados tanto
na Europa como nos Estados Unidos, vêem no Brasil um espaço para
novas iniciativas e de inovação que
merece a atenção dos estudiosos.
As conquistas são parciais e a perseverança na melhoria da qualidade do ensino, na expansão do acesso e na universalização da educação, devem ser preservadas, porque
são esforços que exigem continuidade.
JR – O Sr. fala de lideranças, lideranças têm a ver com formação, e formação tem a ver com
educação. Como é que o Sr. vê
o desempenho do sistema educacional brasileiro nessa formação de lideranças, que o Sr.
82
"Estudos recentes,
realizados tanto na
Europa como nos
Estados Unidos, vêem
no Brasil um espaço
para novas iniciativas
e de inovação que
merece atenção dos
estudiosos."
mesmo aponta como um dos caminhos para o nosso desenvolvimento e até sobrevivência?
JM – Com certa preocupação. Vejo
que parte do sistema educacional
brasileiro encontrou esse caminho
para ensinar a conhecer, a pensar,
a fazer. Houve uma evolução. Mas
carecemos de um maior convívio
com o outro. A formação de lideranças resulta em traços de habilidades,
de competências que são forjados
no convívio com o outro, na interação
com pessoas diversas, pessoas diferentes de nós. Vejo com preocupação, no processo educacional, a
valorização do acesso à informação
através de meios eletrônicos. No
passado a "turma" ingressava em
uma escola ou faculdade, vivenciava
o processo educacional ao longo de
4 anos, e fazia da formatura uma
aprendizagem coletiva. Esse conceito de "turma" cria oportunidades para
forjar lideranças, criar redes duradouras, que passam a alimentar projetos ousados e ambiciosos. Hoje, a
fragmentação das estruturas educacionais oferece a possibilidade de
fazer uma disciplina aqui ou acolá e
acessar as informações pela via da
Internet. Isso é meritório, mas quando se prescinde do convívio com o
outro, perde-se a oportunidade de
criar, no processo educacional, o
espaço para forjar lideranças, que
anima a assumir novas responsabilidades. A idéia de que a escola forma unicamente para o mercado, tira
dela a responsabilidade de tratar dimensões importantes para um projeto de vida. Refiro-me, por exemplo, à cidadania. A profissão que leva
ao sustento é uma pré-condição sine
qua non para uma pessoa se inserir
na sociedade. Mas, a dimensão familiar e uma visão mais ampla do
seu papel nessa sociedade são também necessárias. O processo educacional deve criar oportunidades de
convívio com pessoas diferentes.
Estou-me referindo não só ao convívio dentro da sala-de-aula, mas
com camadas sociais distintas. Conhecer as diferenças culturais e étnicas ajuda, ao longo da vida, a viver em sociedade. Torna o projeto
de vida mais rico do que somente
um projeto profissional. E isso cabe
ao processo educacional – inserir no
jovem essa sensibilidade pelas dimensões múltiplas, sem minimizar a
importância dos objetivos profissionais, mas não fazendo deles o único projeto na sua trajetória de vida.
JR – O Sr. parece estar descrevendo o sistema ideal. Confesso
que não reconheço o nosso sistema de ensino nesse que o Sr.
descreve.
JM – Acho que todos os sistemas
educacionais sempre foram imperfeitos para os momentos que uma
sociedade enfrenta. Nas análises do
Século XIX encontraremos críticas
semelhantes às de hoje. Obviamente, não a respeito da tecnologia da
informação, pois esse é um fenômeno novo. Há cinco séculos, quando
do surgimento da palavra impressa,
acenava-se com o desaparecimento da escola e do professor, porque
seriam substituídos pelo livro. Hoje,
novamente, o espaço digital se ofe-
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
rece como o substituto do professor
e da sala-de-aula. No corpo docente de toda a escola, de toda a faculdade, encontramos professores,
educadores preocupados em antecipar o seu tempo. Em minoria, em
algumas delas, e em maior número,
em outras. É o desenvolvimento do
senso crítico que buscamos nesta
Universidade, pela via das tutorias,
pela orientação pré-vestibular, pela
orientação dos professores –– dissemina-se a idéia de que a universidade não é um lugar onde o jovem
somente viabiliza o seu projeto profissional. Numa universidade pública, como a USP, surge, às vezes,
um outro extremo, que é só pensar
no projeto de cidadania, colocando
um segundo plano o projeto profissional. Encontramos jovens que optam por outra via como, por exemplo, uma carreira política, por entender que a sua vocação é servir à
sociedade pela via dos partidos. Nas
esferas municipal, estadual e federal encontramos inúmeros egressos
desta Universidade ocupando posições de destaque.
JR – O Sr. falou de uma coisa que
considero estimulante: o convívio com a diversidade. Mas continuo tendo dificuldade para ver
esse modelo funcionando na
prática. Até agora, o nosso sistema de ensino – especialmente o básico – não conduz a essa
diversidade. Na realidade, existem certas concentrações que
chamaria – em termos de
marketing – de socioeconômicas, em relação aos alunos. O
Sr. concorda?
JM – Em parte. Tenho que me basear
na universidade que conheço melhor,
que é a USP, mas isto se aplica a outras instituições. A universidade, entendida como instituição, caracterizase como um encontro de tempos, de
gerações e culturas. Mesmo em es-
da área de Comunicação – lidando
com a televisão, cujo tempo é medido em segundos, induzindo ao
imediatismo.
JR – O Sr. está falando dos professores?
colas isoladas, esses encontros
ocorrem mas, talvez, sem a mesma
intensidade de uma universidade tão
diversificada quanto esta. Temos
aqui, de um lado, os departamentos
de Física ou de Astrofísica, que pensam o mundo dentro da sua visão
universal, ou seja, de 12 a 14 bilhões
de anos. Os astrofísicos procuram
a origem e o destino do universo.
Eles procuram compreender, não só
o sistema solar, mas outros sistemas
solares que podem existir. No outro
extremo, vamos encontrar colegas
"Vejo com
preocupação, no
processo
educacional, a
valorização do
acesso à
informação
através de meios
eletrônicos."
JM – Estou falando de áreas do conhecimento humano. Isso inclui alunos e professores de Meteorologia ou
de Antropologia. Os alunos de Antropologia trabalham numa escala de
milhões de anos. Os alunos de Letras, de Grego, de Latim, pensam em
milênios. Alunos de Contabilidade
priorizam o ano fiscal que é de doze
meses. O futuro médico trabalha
numa escala que corresponde à vida
do ser humano. Pode pensar numa
geração antes e numa geração depois, mas o tempo do médico é o tempo de uma vida. Aí temos diversidade de tempos. A diversidade de gerações decorre da universidade que
cuida da creche até a universidade
aberta à terceira idade. Os alunos
de terceira idade têm aulas junto com
os alunos de graduação. Salas de
graduação têm uma presença que
pode variar de 5 a 10 alunos de terceira idade. O encontro de gerações
valoriza a diversidade. Temos cerca
de 2.100 inscritos no projeto Universidade Aberta à Terceira Idade, numa
instituição que conta com 25.000 alunos de graduação. Isto representa
quase 10%.
JR – Qual é a faixa etária desse
grupo?
JM – Começa aos 60 e vai até 85
anos aproximadamente. Eles convivem com os jovens. Outra convivência ocorre na pós-graduação, onde
2/3 dos alunos são originários do
Estado de São Paulo e 1/3 de outros
estados brasileiros e de outros países. Em termos de classe socioeconômica, 22% vêm de escolas públicas e 78% de escolas privadas. Nas
83
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
humanidades a diversidade socioeconômica é maior do que nos cursos de Medicina, por exemplo. Essa
diversidade no seio da universidade ou em instituição de ensino superior é possível e necessária.
Não precisamos de uma política de
cotas. A presença negra é mais visível na pós-graduação, por causa
dos critérios de acesso. Quem acaba fazendo uma pós-graduação,
preparou-se numa boa graduação.
Não se deve distorcer o processo de
ingresso através de uma intervenção governamental. A diversidade é
enriquecedora na universidade e
nas empresas. Muitas empresas
que, para conquistar nichos étnicossociais de mercado, contratam pessoas vindas desses nichos. Essa
integração acabará ocorrendo pela
via do convívio na diversidade, o que
é melhor.
JR – O Sr. falou de público e privado, e esse é um dos temas que
gostaria de tratar. Acredito que
22 e 78% reflitam o quadro da
universidade pública brasileira
de um modo geral. Qualitativamente – público e privado –
quais são as diferenças?
JM – Os egressos de escolas públicas que ingressam na universidade,
precisam, além do ensino gratuito
que a mesma oferece, de um apoio
que transcende o custo do ensino.
Eles devem ser beneficiados com
um maior número de bolsas-trabalho, bolsas-alimentação, bolsasmoradia e bolsas-saúde. Um dos
problemas das desigualdades
socioeconômicas brasileiras é que
não basta o jovem ingressar. Ele
precisa também se formar. Os estudos do NUPES –– Núcleo de Pesquisas sobre Ensino Superior, mostram que esses jovens, provenientes de classes sociais de menor renda, precisam de mais apoio para se
formar e desempenhar um papel
84
"Acho que todos
os sistemas
educacionais
sempre foram
imperfeitos para
os momentos que
uma sociedade
enfrenta."
integrador na sociedade. Outras iniciativas como os cursos pré-vestibulares de reforço, como o Cursinho da
Poli ou o do Núcleo de Consciência
Negra, procuram tornar mais acessível o vestibular, preservando os
padrões de mérito. Uma limitação
que existe antes do vestibular é a
formação recebida, prejudicada por
professores mal remunerados e sem
o suficiente preparo. As escolas do
interior do Estado conseguem oferecer melhores condições de vida
aos seus professores. Há um maior
número de alunos que ingressam na
USP vindos de escolas públicas do
interior do que da Capital. Isto mostra que as condições de vida do professor são determinantes na qualidade do ensino oferecido ao aluno.
JR – Sabemos que os números,
hoje, são aproximadamente 2/3
dos alunos no ensino superior na
escola particular e 1/3 nas escolas públicas – como é que o Sr.
vê a qualidade do ensino nesses
dois setores?
JM – Tanto no setor público quanto
no setor privado, encontramos desempenhos excelentes e desempenhos inaceitáveis. Isto pouco tem a
ver com a origem da iniciativa – se
é pública ou privada. O que então
caracteriza a qualidade do ensino
superior? Não só um corpo docente
competente, mas a inquietude
provocada pela busca do conhecimento novo, a pesquisa, a descoberta das novas práticas. Isto torna o
ensino mais do que transferência de
informação, mas o despertar da
inquietude no jovem para "aprender
a aprender". E a melhor forma dele
desenvolver a habilidade da aprendizagem é ter um professor que seja
um estudioso. O professor que preparou o seu curso há dez anos e tende a repetir-se a cada ano, contribui
para criar uma disciplina de
memorização e talvez de raciocínio
no estudante. Está longe do papel
de um ensino superior, que é o de
despertar o senso crítico. Somente
o professor que está pesquisando
pode inseminar, no jovem, a vontade de aprender pelo resto da vida. E
para isso, a pesquisa é necessária.
Pelo fato das universidades públicas
estarem mais comprometidas com
uma visão de longo prazo, sendo
mantidas pelo Estado, suas capacidades de se projetar no futuro são
maiores. Infelizmente, elas não têm
crescido quantitativamente para responder às demandas da sociedade.
O estudo "Presença da Universidade Pública", lançado no ano passado, inclui comparações entre o ensino superior público e o privado.
Temos, do lado privado, instituições
comprometidas com projetos educacionais. Algumas são tradicionais,
outras recém-criadas. Entre estas,
algumas almejam unicamente a rentabilidade por isto, investindo em
educação que pode assegurar um
alto retorno. Quanto à alegada ineficiência da universidade pública,
cabe depurar dos seus orçamentos
as distorções provocadas por gastos com aposentadorias, precatórios
e hospitais universitários, para uma
correta comparação de custos entre os dois modelos de ensino no
Brasil. A simples soma do orçamen-
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
to e a divisão pelo número de alunos não é conclusiva e dificulta uma
comparação instrutiva e necessária.
JR – A outra observação diz respeito a professores. Existe hoje
uma tendência a dar ênfase à
titulação. Por outro lado, existe
uma falta de sintonia entre a
obtenção dessa titulação e a realidade da sociedade, que o Sr.
disse ser tão importante. Essa
ênfase exagerada na titulação
não prejudica exatamente essa
busca da diversidade que o ensino deveria dar, em especial na
área dos cursos superiores?
JM – Escolas constituídas por um
corpo docente que provém da vida
prática, precisam de docentes com
mestrado para assegurar a sistematização do conhecimento. O doutorado, onde o professor é avaliado por
uma banca, induz a pesquisa para
viabilizar o avanço do conhecimento. O mestrado sistematiza o conhecimento existente; o doutorado sistematiza a busca do conhecimento
novo. Cabe valorizar os autodidatas,
pessoas criativas que, por vezes,
nem terminaram seus primeiros ciclos de formação. Pela sua competência profissional, trazem algo de
estimulante e insubstituível para o
jovem. No entanto, é difícil imaginar
que todo um corpo docente pode ser
constituído por autodidatas ou profissionais de sucesso. Na USP, não
temos só doutores e mestres. Nos
cursos profissionalizantes, abrem-se
exceções, como na Escola de Comunicações e Artes ou na Faculdade de Economia, Administração e
Contabilidade, para receber professores que vêm da vida prática trazendo sua valiosa contribuição.
JJR – Mas – nas medidas objetivas
que o MEC utiliza – o Sr. terá menos pontos por causa disso. Nossa
Escola, por exemplo, é muito liga-
da ao mercado de trabalho, e essa
excessiva exigência de titulação,
na minha opinião, acaba baixando a qualidade do ensino.
JM – Mesmo nessas áreas, em disciplinas básicas como Antropologia, Sociologia, Economia ou História, professores com uma formação acadêmica
avançada, com pós-graduação concluída, podem contribuir para elevar
o nível de ensino.
JR – Nessas avaliações, tanto dos
"Provões" como da Revista Playboy
a USP acaba sempre faturando os
primeiros lugares. O que é que
vocês vêm fazendo de certo?
"A simples soma
do orçamento e a
divisão pelo
número de alunos
não é conclusiva e
dificulta uma
comparação
instrutiva e
necessária."
JM – Primeiro, associando sempre o
ensino à pesquisa. Em segundo lugar, assegurando ao professor uma
opção para a carreira acadêmica,
como um projeto de vida. Isso não
quer dizer que ele não pode, ou não
deve, viver a prática e ter a possibilidade de lidar com o mundo real. Ele
decide abraçar a carreira acadêmica
como um projeto de vida. O estudante então percebe rapidamente quando o professor não é somente um
horista, mas faz parte de uma instituição com um passado, um presente e um futuro. O mérito de uma boa
instituição deve ser repartido entre os
seus professores, à sua infra-estrutura, ao seu corpo funcional, e também à qualidade do seu corpo discente, que é escolhido pelo mérito.
São escolhidos pela FUVEST bons
alunos. Eles se sentem imbuídos de
uma identidade que os apoia ao longo de toda a sua vida. O processo
seletivo é importante para assegurar
uma adesão do aluno à instituição
que ele integra. Além disso cabe registrar as atividades de pós-graduação e de extensão que beneficiam a
qualidade do ensino de graduação
recebido pelos alunos.
JR – Não é muito caro para a sociedade que, para ter um cidadão
contribuindo economicamente, ele,
que estudava 12 anos, passou a ter
85
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
que estudar 16 e agora, com o pósgraduação, terá de fazer 20 e poucos anos de estudo. Isso não representa um problema?
JM – Para responder à sua pergunta, ela deve ser inserida no momento de transição que estamos vivendo. Se olharmos a evolução da sociedade humana, ele só viveu momento semelhante duas vezes antes. O primeiro momento foi quando ela mudou da fala para o escrito. E o segundo, quando ela imigrou
do escrito para o impresso. A cada
uma dessas migrações – uma ocorreu há 10 mil anos e a outra há 500
anos – viveu-se uma revolução no
conhecimento humano. Refiro-me
às revoluções científicas e
tecnológicas.
JR – Parece que as primeiras
preocupações escritas foram
preocupações contábeis.
JM – O Sr. tem razão. São preocupações contábeis, é a questão dos
registros, para viabilizar as trocas
decorrentes dos primeiros excessos acumulados pela agricultura
perene. Mas, depois, surgem
ícones que simbolizam ações. Na
área de gestão surge a prospectiva
e a estratégia. Ela aparece nos
hieroglifos com a forma de uma girafa com o seu olhar em todas as
direções e desejo de enxergar mais
longe, o seu pescoço esticado mas
com os pés no chão. Toda vez que
passamos para uma nova era, há
um sentimento de descoberta que
toma conta da sociedade. São 10
a 12 anos de formação na área da
Medicina – que é um ciclo longo de
formação – a partir do momento em
que o jovem inicia a graduação até
ele começar a trabalhar. Por quê?
Porque a revolução do conhecimento é tão rápida que ele precisa
se imbuir da tradição do passado
e também no que há de mais avan-
86
"Temos aqui, de um
lado, os
departamentos de
Física ou de
Astrofísica, que
pensam o mundo
dentro da sua visão
universal, ou seja,
de 12 a 14 bilhões
de anos."
çado. Em outras áreas novas, como
a Computação, os alunos no 4º ano
de graduação já estão sendo atraídos pelo mercado de trabalho. Isso
é típico dos momentos de transição. Agora, quando a esperança de
vida aumenta, todos precisam da
aprendizagem contínua. Para atravessar a transição, o ser humano
procura conectar-se com o mundo
através da aprendizagem. Caso
contrário, pode se isolar pela via do
fundamentalismo religioso ou filosófico. Escolhe um só livro e faz
dele a principal fonte de inspiração
para viver. Cabe ao ser humano
inspiração filosófica ou religiosa,
mas mantendo-se conectado com
o mundo em evolução. Cabe evi-
"A diversidade de
gerações decorre
da universidade
que cuida da creche
até a universidade
aberta à terceira
idade."
tar a armadilha dos extremos. De
um lado, uns querem ler tudo. Eles
lêem 5 jornais, 4 revistas, tentam
acompanhar tudo que é publicado.
Isto provoca uma alta ansiedade
decorrente de uma sobrecarga de
informações, sem a possibilidade
de devolver à sociedade algo para
deixar o mundo melhor. Do outro
lado, o fundamentalista inspira-se
em uma única idéia e quer que o
mundo seja explicado por um livro.
Os extremistas tolhem a liberdade
do outro de pensar de forma diferente. As pessoas mais sábias acabarão encontrando o meio termo.
Dada a velocidade das mudanças,
precisam de uma inspiração mais
elevada, baseada em valores. Precisam de uma doutrina que vem da
sabedoria acumulada por várias
gerações. É preciso manter-se
conectado e isso significa entrar e
sair do sistema educacional várias
vezes durante a vida, como os participantes do projeto "Universidade
Aberta à Terceira Idade".
JR – O que causa uma certa neurose é que o mercado de trabalho valoriza o "jovem". Há uma
exigência de juventude na maioria das atividades – talvez, não
na medicina que o Sr. citou –
mas para a maioria das atividades econômicas, hoje, o perfil
etário é muito jovem. Isso torna a aposentadoria aos 50 ou 60
anos um absurdo social, mas
continua sendo praticada.
JM – Aqui na USP, a aposentadoria é compulsória aos 70 anos. Pedimos aos aposentados que continuem trabalhando na Universidade em seus projetos. Muitos deles,
como os professores Miguel Reale
e Crodowaldo Pavan, com mais de
80 anos, trabalham com lucidez e
trazem para a juventude, que vive
a ansiedade da velocidade das inovações, a sabedoria do mais expe-
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
riente. Penso que as próprias empresas estão começando a reconhecer que uma idade média muito baixa pode aumentar a capacidade inovadora, mas reduz a lealdade e, por decorrência, a estabilidade da empresa. O jovem traz
com ele a contribuição da resposta às mudanças, mas não a experiência. O encontro dos mais velhos
com os mais jovens, cria, dentro da
empresa, uma saudável complementaridade. As empresas, mais
cedo ou mais tarde, começarão a
perceber isto, como já aconteceu
em relação aos produtos étnicos,
quando tiveram de contratar negros
para trabalhar em empresas de higiene e alimentação, e assim conhecer os hábitos daquele segmento étnico-social. De nada adianta querer pessoas vindas de outras camadas sociais para servir a
outras que não conhecem. A pesquisa de mercado tem as suas limitações. Está acontecendo o
mesmo com o nicho de mercado de
terceira idade, que se torna expressivo. É preciso saber o que
esse consumidor quer, como quer,
quais são os seus hábitos e quais
são as suas necessidades.
JR – A visão de marketing trata
isso como "oportunidade de
mercado". Aliás, entrevistei o
presidente da Philips, e ele disse: "Ah! Estamos tentando criar aparelhos cada vez mais
amigáveis".
Professor, temos uma tradição,
nessa entrevista – que é lida
por alunos e professores – de
pedir a pessoas sábias que já
adquiriram bastante conhecimento – e, além disso, militam
nesse setor – se têm algum
conselho ou sugestão? O que o
Sr. diria aos alunos da ESPM?
JM – Em primeiro lugar,
que a ansiedade do jovem em relação ao futuro é saudável e previsível. Todas as gerações
viveram essa mesma ansiedade, antes de se realizar, de se afirmar e de
se inserir na sociedade.
Isso é típico de uma geração que tem muita capacidade inovadora e
criativa, mas que ainda
não acumulou experiência. O que eu recomendaria é que, na escola, o
jovem possa usufruir da
diversidade dos conhecimentos oferecidos – na
ESPM, onde são oferecidas disciplinas de ciências sociais, disciplinas
básicas que, muitas vezes, o jovem menospreza porque entende que
as aplicadas são aquelas que vão inseri-lo mais
rapidamente no mercado de trabalho. O que
insere um jovem no mercado de trabalho é a clareza de um projeto de
vida e a qualidade da
sua reflexão. E isso provém da boa leitura e do
acesso à informação de
qualidade. Eu vejo os jovens, muitas vezes, menosprezarem a leitura e
a boa leitura. Mas ela desenvolve uma capacidade estruturante de reflexão. E, com isso, disciplina o raciocínio, a clareza do projeto de vida,
a capacidade de transformar sonhos em projetos, projetos em resultados. Todo jovem que
possuir um diploma de
ensino superior, foi escolhido para cumprir uma
87
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
missão nessa sociedade. E não se
deve preparar sozinho, mas no grupo, para escolher, de forma empreendedora, prioridades que possam
ser viabilizadas ao longo dos próximos 10 a 30 anos. Esses jovens
são os nossos mensageiros até
2070. Não temos forma, hoje, de
prever o que será o Brasil no mundo
depois de 2015, 2020, no máximo.
De 2020 até 2070, quando esses
jovens terão entre 40 e 80 anos
de idade, precisarão ter uma bagagem de valores, da sua estrutura de pessoa, para poder lidar
com um mundo que, hoje, mal podemos antever. Daí a importância
de oferecer uma referência de valores, uma estrutura de reflexão e
uma capacidade de treinar a transformação de sonhos em projetos
e resultados, em todas as áreas
do conhecimento. No caso da
ESPM, estamos falando da área
de publicidade, de marketing que
são áreas que induzem à esperança, que se alimentam dos sonhos
para despertar e atender necessidades. Portanto, são profissionais
que têm a responsabilidade enorme de fazer com que essa nossa
sociedade se inspire nas necessidades e viabilizá-las em resultados. Apesar de todos os
imponderáveis, no
Brasil as oportunidades surgem,
olhando para o
futuro. Se olharmos o Brasil da
década de 50 e o
Brasil de 2000, e projetarmos isso para o
Brasil de 2050, não
há motivo para não
sentirmos, nessas
alturas, ameaçados pelo futuro.
O nosso currículo dos últimos 50 anos
mostra
que
houve, sim, problemas não resolvidos – e são
muitos – mas também foram muitos
avanços, que podem
nos inspirar, a ser absolutamente ousados
em relação ao futuro.
"A presença negra
é mais visível na
pós-graduação,
por causa dos
critérios de
acesso."
88
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
A USP hoje
A Universidade de São Paulo é a maior instituição de ensino superior e de pesquisa
do País e está classificada entre as primeiras cem organizações similares dentre as cerca
de seis mil existentes no mundo.
Ela foi criada em 1934 num contexto marcado por importantes transformações sociais,
políticas e culturais, no governo de Armando de Salles Oliveira. Teve como mentor intelectual
Júlio Mesquita Filho, diretor de O Estado de S. Paulo.
As unidades de ensino da USP estão distribuídas ao longo de seis campi: um em São
Paulo, capital, e quatro no interior do estado, em Bauru, Piracicaba, Pirassununga, Ribeirão
Preto e São Carlos. A infra-estrutura administrativa da universidade e 23 das 35 unidades
de ensino estão situadas na Cidade Universitária Armando de Salles Oliveira.
A USP oferece cursos de bacharelado e de licenciatura em todas as áreas do
conhecimento. Na pós-graduação, dez dos vinte e três programas nacionais receberam
nota máxima atribuída pela Coordenação de Cooperação de Pessoal de Nível Superior
(Capes), do MEC.
Em 1999, eram oferecidos cerca de 617 cursos, sendo 130 de graduação, freqüentados por cerca de 40.000 estudantes, e 487 de pós-graduação, dos quais 257 de mestrado
e 230 de doutorado. A USP forma, anualmente, na graduação cerca de 4.600 estudantes.
Em recursos humanos, ocupa 4.705 professores e 14.659 funcionários.
Atividades de extensão como o Projeto Avizinhar, as Cooperativas Populares e o Projeto
Universidade Aberta à Terceira Idade cumprem um importante papel na transformação do
meio social das comunidades próximas ao campus universitário. Os museus e a Estação
Ciência recebem juntos quase um milhão de visitantes. Os hospitais universitários da capital
e do interior servem a uma comunidade de mais de um milhão de pessoas. Além destes
serviços, o campus de São Paulo ainda possui um Centro de Práticas Esportivas (Cepeusp),
parques para cooper e serviços de análises clínicas e genética e atendimento psicológico e
odontológico. Possui também um Hospital Universitário, um Hospital Veterinário e parcerias
com o Hospital das Clínicas, da Faculdade de Medicina, e com o Instituto de Medicina
Social e de Criminologia de São Paulo. Ela também integra, na Coordenadoria de
Comunicação Social (CCS), todas as mídias – a Rádio USP, a TV USP, a Agência USP, a
Revista USP, o Jornal da USP, o Portal Web da USP e a Revista Espaço Aberto.
(Saiba mais sobre a USP em www.usp.br)
89
Um case em foco
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
Desde a sua privatização, a atual Telefônica (antiga Telesp) realizou em poucos anos o
que parecia impossível: universalizar o uso do telefone nas áreas de sua concessão.
Mas tudo isso foi apenas um preâmbulo para a nova fase que se inicia em 2002, com
a abertura do mercado da telefonia à competição. Este case historia o que já foi feito,
descreve os novos desafios e coloca em discussão os caminhos que o novo
presidente da empresa deverá tomar, para enfrentar os concorrentes.
Este case foi preparado sob a supervisão do professor Alexandre Gracioso
Este case faz parte da coleção da Central de Cases ESPM/EXAME,
criada para estimular a utilização de cases nas escolas brasileiras.
91
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
I. Introdução
Da sua sala no 9.º andar do prédio
ocupado pela Telefônica* na avenida
Brigadeiro Faria Lima, na cidade de São
Paulo, o Sr. Manoel Amorim pode ter
uma boa idéia do tamanho dos seus próximos desafios. O mercado brasileiro de
telecomunicações está se tornando mais
competitivo e a Telefônica, que até agora atuava praticamente sozinha no estado de São Paulo, terá que tornar os seus
clientes cada vez mais fiéis.
Amorim não tem dúvidas de que a
fidelização passaria por oferecer cada
vez mais qualidade aos clientes. O grande problema é que ele sabe que os concorrentes também sabem disso e que
também são capazes de oferecer serviços de qualidade. Além disso, embora
a privatização das empresas de telefonia no Brasil só tenha ocorrido há poucos anos, os consumidores se
sofisticaram rapidamente e passaram a
exigir das empresas cada vez mais, melhor e mais barato.
A percepção do público em relação
ao serviço prestado também é fundamental. Amorim reconhece que não
basta possuir dados internos de que os
serviços estão sendo prestados adequadamente e com qualidade, o consumidor deve reconhecer isso também e nesse ponto reside uma fraqueza da empresa. Embora os fatos comprovem que os
serviços prestados têm melhorado ao
longo do tempo, esse fato ainda não foi
aceito pela população na mesma proporção. Enquanto essa percepção não mudar, os esforços da empresa terão resultados aquém do esperado em termos de
fidelização da base de clientes.
Outro fator importante é que a concorrência no mercado de telecomunicações
será liberada a partir de 2002, tornando relativamente curto o tempo disponível para
implementar as mudanças necessárias para
tornar a Telefônica mais capaz de enfrentar o novo panorama competitivo.
Considerando o avançado da hora,
quase meia-noite, Amorim decide ir jan-
92
tar em um restaurante próximo ao seu
escritório. Uma coisa, porém, não abandona o seu pensamento durante a refeição: Como aumentar a fidelidade de sua
base de clientes?
II. Sistema telefônico
durante a gestão
estatal
Até julho de 1998, a prestação de serviços de telecomunicações advinha do
monopólio estatal. O Sistema Telebrás
era uma holding controlada pelo Governo Federal, que comandava as 27 operadoras estaduais de telefonia fixa, 26 operadoras estaduais de telefonia celular e
uma operadora de longa distância. A
Telebrás foi a maior empresa de telefonia da América Latina.
Vultosos investimentos foram feitos
no setor, mas sem o resultado esperado.
Além disso, ao longo do tempo a
Telebrás perdeu a sua capacidade de investimento e, ao final de sua vida, a estatal sequer tinha verba para arcar com
os custos de instalação de linhas fixas
demandadas, o que deu origem ao mercado clandestino e em esperas de até cinco anos por uma linha.
Inicialmente, porém, a Telebrás atendia às expectativas. Criada em 72 com o
intuito de planejar e coordenar as telecomunicações no Brasil, a Telebrás adquiriu e absorveu as empresas de serviços
telefônicos, organizou o sistema de telefonia nacional e deu um perfil profissional às telecomunicações. Esse cenário, inicialmente próspero, teve seu fim devido a uma série de motivos que causou o
colapso do sistema. Dentre as principais
razões podemos citar as seguintes:
• A falta de cobrança de resultados às
empresas estatais (cada uma fixava suas
metas de acordo com as conveniências
empresariais e limites orçamentários);
• A acomodação, resultado do monopólio exercido;
• A fixação de tarifas sob determinação do governo, cujo foco estava na contenção da inflação.
Além do desconhecimento da demanda, a concentração das linhas telefônicas estava em cerca de 20% das famílias brasileiras com renda mensal superior a mil reais e havia muitos problemas causados por serviços degradados.
Em linhas gerais, quando enfim decidiuse pela desestatização, o antigo Sistema
Telebrás já não cumpria suas funções
básicas. Para se ter uma idéia do problema que havia na época, a fila de espera já estava na casa dos quatro milhões.
III. A privatização
Diagnosticada a ineficiência estatal,
a prestação de serviços de telecomunicações, concessão do Governo Federal, foi
dividida em 12 empresas, de acordo com
a modalidade e região (três de telefonia
fixa, uma operadora de longa distância e
oito de telefonia celular), permitindo a
exploração dos serviços à iniciativa privada através do leilão e que, só com o
arremate da Telesp, reverteu para o caixa
R$ 5,8 bilhões, com ágio de 64% sobre o
preço mínimo estipulado.
O processo de privatização iniciouse em julho de 1997. O ponto de partida foi a atualização da regulamentação
do setor, obtida através da edição da “Lei
Geral de Telecomunicações” LGT (Lei
n.º 9.472, de 16/07/97). Essa lei reviu
por completo a classificação dos serviços das teles; criou a Agência Nacional
de Telecomunicações (ANATEL), órgão
com competência reguladora sobre o sistema de telecomunicações brasileiro, e
estabeleceu os princípios básicos para a
desestatização.
A segunda parte do processo ocorreu com a entrada de operações das empresas espelhos (atuação na mesma área
das operadoras fixas) em janeiro de
2000. As espelhos foram introduzidas
como forma de fomentar a competição
e impedir a formação de monopólios nas
áreas de concessão.
No que diz respeito à telefonia fixa,
o Brasil foi dividido em quatro áreas de
atuação das antigas estatais e suas espe-
* Seguindo as regras gramaticais da língua portuguesa, no Brasil o nome é grafado com acento circunflexo. Quando escrita sem acento, referese à marca. Aos demais países, com acento agudo.
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
Linhas de negócio da Telefónica
lhos. A I abrange parte da região Sudeste, todo o Nordeste e parte da região
Norte do país. A área II abrange todo o
Sul, todo o Centro-Oeste e o restante da
região Norte. A área III compreende o
estado de São Paulo e a IV cobre as ligações de longa distância, nacionais e
internacionais.
BUSINESS
Basic service
Telemar
Brasil Telecom
Telefónica
Embratel
IV. O Grupo Telefónica
Telefónica
Wireline
in Spain
Wireline
in Latin
Media
Broadband
Internet
Vésper
GVT
Vésper
Intelig
Com a mudança na administração do
setor e o vigor das normas e controle da
Anatel, hoje, pode-se obter muito mais
qualidade e diversidade dos serviços
prestados, preços mais competitivos e
melhorias no atendimento aos usuários,
decorrente da concorrência entre as empresas do setor.
Telefónica
Telefónica
Mobility
Região Concessionária Autorizada
(Espelho)
I
II
III
IV
TELEFÓNICA’S POSITION
Content
Telefónica
Telefónica
Wireline
in Spain
Wireline
in Latin
Terra
Lycos
Telefónica
Data
TPI
Telefónica
Terra
Lycos
TPI
Media
Terra
Lycos
Telefónica
Media
Telefónica
Data
Fonte: Site da Telefónica.
Em um mercado no qual tamanho e
economias de escala são muito importantes, a Telefônica atingiu uma posição
de destaque:
• 5.a operadora móvel
• 2.ª operadora mundial de transmissão de dados;
• 3.ª provedor mundial de Internet;
• 3.ª operadora da Europa em telefonia fixa.
A Telefónica S.A. é uma das maiores
companhia de telecomunicações no mundo. Mesmo sendo a Espanha e América
Latina os principais mercados, a expansão dos negócios deu-se também através
de licenças de telefonia celular e serviços para empresas na Europa e no norte
da África, especialmente no Marrocos, e
com menor relevância na Ásia.
Atualmente, a Telefónica está presente em vários setores da indústria de
telecomunicações, conforme mostra a figura a seguir. Em seu conjunto, as unidades de negócio da empresa permitem
que ela ofereça virtualmente qualquer
tipo de serviço relacionado a telecomunicações, incluindo Internet.
Fonte:
Site da Telefónica
Em termos geográficos, a Telefônica
está presente em 24 países. O seu foco
recente de expansão tem sido a América
Latina, com um mercado potencial de
mais de 500 milhões de usuários e com o
qual a Telefónica possui fortes laços culturais. Atualmente, a Telefônica já conta com uma base de aproximadamente 65
milhões de clientes na região.
Presença na América Latina
MÉXICO
Wireless
Bajacel: 100%
Movitel: 90%
Norcel: 100%
Cedetel: 100%
Internet:
Access: n.º 2
Portal: nº 1
VENEZUELA
Wireline:
CANTV 6,4%
BRAZIL
Wireline: TeleSP
86,6%
Wireless:
Teleleste Cel:
10,8%
Telesudeste:
81,6
CRT 43,4%
Internet:
Access: n.º 2
Portal: n.º 2
PERU
Wireline:
T. de Peru: 93,2%
Wireless:
T. de Peru: 91%
Internet:
Access: n.º 1
Portal: n.º 2
CHILE
Wireline and Wireless:
CTC: 43,6%
Internet:
Access: n.º 1
Portal: n.º 2
SPAIN
Wireline: TdE
100%
Wireless: TME
Internet:
Access: n.º 1
Portal: n.º 1
ARGENTINA
Wireline: TASA:
97,9%
Wireless:
TASA Moviles: 96%
Internet:
Portal: n.º 3
93
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
Conforme dito anteriormente, tamanho e escala são importantes no mercado de telecomunicações, portanto a Telefônica é orientada para o crescimento
constante. Em termos de grandes estratégias de negócios, esse crescimento está
suportado por um tripé: Crescimento na
base de clientes, crescimento nas taxas
de utilização dos serviços atuais e crescimento no portfólio de serviços.
A empresa é responsável por quase
60 mil postos de trabalhos (divididos na
Telefônica e nas prestadoras de serviços), o que a coloca entre as maiores
empregadoras do país.
Atualmente, a Telefônica oferece a uma
grande parcela da população brasileira serviços nas áreas de telefonia fixa e celular,
transmissão de dados, soluções integradas
de voz, dados e imagens, além de serviços
de internet, entre
Alavancas do crescimento contínuo
outros.
Os usuários
Crescimento na base
de
telecomunicade clientes
ções podem ser
segmentados, em
Crescimento no uso
CRESCIMENTO
uma primeira
de serviços atuais
análise, entre
residenciais e
Ampliação do
corporativos.
portfólio de servços
Dentro dessas
categorias, ainda
poderíamos segFonte: Site da Telefónica.
mentar os usuários residenciais por nível
de consumo, como alto, médio e baixo e
os usuários corporativos por tamanho da
IV.1. Telefônica
empresa.
no Brasil
Uma das estratégias da Telefônica
para melhor servir os seus clientes é
A Telefônica começou atuar no país
ampliar a sua oferta de serviços. Atualem 1996, como participante do consórmente, são oferecidos ao segmento
cio que adquiriu a Companhia
residencial serviços como a linha inteliRiograndense de Telecomunicações, orgente (2 milhões de pontos), caixa posganizada a partir do modelo de
tal (3,5 milhões), Multilink (tecnologia
privatização das operadoras de telefoRDSI, que transforma a linha telefônica
nia do país. Hoje, ela está presente em
em duas) e o serviço Speedy, de acesso
São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande
rápido à Internet, baseado na tecnologia
do Sul, Bahia, Espírito Santo e Sergipe,
ADSL. Já para a demanda corporativa,
através do controle das operadoras: Temontou-se um pacote, Telefônica Emlecomunicações de São Paulo S/A,
presas, que, além de serviços de voz,
Telesudeste Participações S/A, Celular
inclui acessos RDSI, fornecimento de
CRT S/A e Tele Leste Celular ParticiPABX, serviços de 0800 e 0800 naciopações S/A. A única operação de telenal (em parceria com as outras concesfonia fixa da empresa no Brasil é a do
Estado de São Paulo. Em todos os outros Estados, a Telefônica oferece serviços de telefonia móvel.
Grupo Telefónica Brasil
TELESP
ASSIST
94
TPI
Telefónica
Empresas
TESB
Telefónica
B2B
- Adquira
- Mercador
- Construção
- Transporte
TERRA
sionárias locais), 0300-Tarifa Única,
X.25, Frame Relay e interligação de
CPDs com canais Escon (parceria com
a IBM).
Apesar do esforço realizado pela
empresa, no entanto, os serviços oferecidos no Brasil ainda não contemplam
todo o espectro de serviços oferecidos
no exterior, especialmente nos EUA,
onde a competição é ainda mais intensa
e o mercado mais sofisticado.
IV.1.1. Gestão Manoel
García García
Se por um lado a entrada da empresa espanhola foi bem-sucedida no leilão, por outro lado ao pisar na "terra da
garoa", seu começo foi difícil: linhas
cortadas ou trocadas, faturas erradas,
serviços interrompidos e comunicação
truncada. Grande parte dos problemas
foi herdada da antiga Telesp, mas o consumidor não aceitava essa justificativa
facilmente. Por outro lado, a nova
controladora também não estava feliz
com a situação que encontrou e a primeira tarefa foi colocar ordem na casa.
Foi com essa missão do que assumiu o
primeiro presidente da empresa no Brasil, o espanhol Manoel García García.
Sempre que se fala em "pôr ordem
na casa", questões como o quadro de
funcionários e relacionamento com fornecedores vêm à tona. No primeiro caso,
entre enxugamento de quadro e um programa de demissão voluntária, a Telefônica diminuiu o quadro da antiga
Telesp em mais de 60%. Atualmente,
após novas contratações, a empresa conta com 13 mil funcionários.
ATENTO
Telefónica
Celular
EMERGIA
- Teleleste Celular
- Telesudeste Celular
- CRT Celular
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
Um outro problema foi em relação aos
serviços terceirizados das empreiteiras.
Antigamente, esse serviço podia ser oferecido por mais de 300 empreiteiras existentes; hoje, existem 35. Reduzir o número e impor mais controle foi a forma que
García García encontrou para aumentar os
controles sobre a qualidade dos serviços
prestados por terceiros e ainda poupar
quase um bilhão ao ano.
Outra opção feita na época foi a de
priorizar a universalização do serviço.
Isso significa que a principal meta da Telefônica ao assumir o controle da Telesp
era tornar o telefone mais acessível à população. Esse objetivo foi atingido e beneficiou principalmente as classes mais
humildes, pois junto com a
universalização veio a diminuição nos
preços das linhas. Essa opção foi feita
muitas vezes às custas da qualidade do
serviço prestado ao usuário. Hoje, se
por um lado é verdade que uma linha
fixa de telefone está muito mais acessível do que no passado, também é verdade que os usuários ainda não estão totalmente satisfeitos com o serviço prestado pela empresa.
Após dois anos de privatização, a
empresa pôde colher os frutos da primeira gestão:
• O ritmo mensal de instalação linhas
novas passou de 30.000 para mais de
250.000;
• A fila de espera por uma linha foi
reduzida de 6 milhões de clientes para 2
milhões;
• O preço de cada linha baixou para
cerca de 70 reais;
• A oferta de serviços como caixa postal e acesso rápido à Internet aumentou;
• A transformação da cultura interna
da Telesp de empresa estatal para privada
foi iniciada.
IV.1.2. Gestão Manoel
Amorim
A partir de 2002, quando a Anatel
irá abrir as portas para a concorrência,
o cenário passará da "água para o vi-
nho". Mais concorrência significa que os consumidores têm mais
opções de escolha
e, em sendo assim, fidelidade
passa a ser
crucial. Para as
operadoras telefônicas, está bastante claro que fidelidade é alcançada
através de dois fatores: Serviços diferenciados de
boa qualidade e
preço.
Cada
vez
mais, o lucro da
telefonia vem - e
virá – da gama de
serviços oferecidos às diversas
necessidades dos
usuários. Instalar
linhas telefônicas
em casas e empresas é apenas
cereja do bolo
desse negócio. Assim, mesmos com todos os resultados positivos, faltava algo à
Telefônica: a mudança de perfil. Essa tarefa coube ao brasileiro Manoel Amorim,
sucessor de García García, o qual foi incumbido de consolidar a imagem da Telefônica como uma vendedora de serviços e
não apenas de linhas telefônicas, através
da mudança de cultura interna a qual encontrou ao assumir a Telefônica.
Para tanto, algumas metas precisam
ser cumpridas:
• Instalação de dois milhões de novas linhas em um ano;
• Ampliação da oferta de serviços
personalizados, para aumentar o retorno
da empresa;
• "Convivência" com as concorrentes que entrarão no mercado;
• Preparação da empresa para operar
nacionalmente, e não somente em âmbito regional;
• Redução dos custos de operação e
dos serviços oferecidos.
De acordo com Amorim, a dimensão de qualidade aos clientes reflete-se
em oferecer novos serviços,
digitalização das linhas em 100% e regressivas taxas de falhas no serviço.
IV.1.3. Resultados já
alcançados
Desde a privatização, muita coisa
mudou no cenário paulista. Só na planta
instalada total, ultrapassou 12 milhões
de linhas até o ano passado, o que equivale a dizer um aumento de quase 100%
na telefonia fixa.
Hoje, a teledensidade (linhas/100
habitantes) do Estado de São Paulo –
quase 30 – é superior à média brasilei-
95
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
ra – 20 – e a de países como Argentina
(20,5) e Chile (20,8).
Quanto ao crescimento do Índice de
Digitalização da planta, até dezembro de
2000, o índice ultrapassara a meta de
85% de digitalização para 2001 em 10%.
Como se pode verificar na tabela abaixo, o percentual de lares com linha telefônica cresceu significativamente, porém
ainda existe espaço para mais crescimento. Como seria de se supor, o crescimento numérico da base virá das classes sociais mais baixas, pois as classes superiores já tinham telefones mesmo nos
tempos da administração estatal.
semestre de 2000 proveio novamente
dos serviços de voz – telefonia fixa comutada e celular móvel. Esses dois segmentos responderam por mais de 70%
do faturamento total do setor.
Os serviços de voz atraíram muito interesse do mercado por várias razões. Primeiro, porque é a forma natural de as pessoas se comunicarem. Além disso, os serviços telefônicos tradicionais também são
muito confiáveis e fáceis de ser usados por
qualquer pessoa, independente de idade,
nível de escolaridade ou sócioeconômico.
O mesmo ainda não pode ser dito a respeito de muitos dos outros serviços.
No próximo
ano,
iremos ver um
Lares com telefone no Estado de São Paulo (em %)
aumento significaClasse A Classe B Classe C Classe D
tivo na competição
dez/97
94
8
75
35
entre as empresas
de
telefonia, pois a
dez/00
98
42
94
69
legislação do setor
de telecomunicações permite que se posFonte: Marplan Brasil Pesquisas.
sa atuar além do limite de sua área de
No que diz às reclamações ao
concessão a partir de 31 de dezembro
Procon/SP, elas caíram 93,15%, enquande 2001. Existe uma condição para isso,
to a base de clientes cresceu 28,4%.
no entanto: A empresa interessada deve
Esse resultado sem dúvida impressioantecipar o cumprimento das metas prena, mas a pergunta então é por que a
vistas para 31 de dezembro de 2003. Ou
população não reconhece essa melhoria
seja, a Anatel está forçando as operadona mesma proporção. Resolver essa
ras a correr contra o tempo. Como conquestão não é simples e pode envolver
seqüência, todas elas já colocaram o pé
até mesmo a forma como a empresa se
no acelerador para ampliar a cobertura
relaciona com os meios de informação.
da área de concessão e a oferta de serviços.
Reclamações de clientes
ao PROCON
1999
2000
Queixas
10.045
688
Clientes
3,4 milhões
5,0 milhões
Existe uma outra razão para levar os
serviços ao máximo possível de clientes
antes da abertura do mercado prevista para
o ano que vem: As operadoras, compreensivelmente, querem cobrir qualquer vazio existente nas áreas que ocupam antes
que os concorrentes cheguem. Embora a
experiência dos EUA mostre que não é impossível para uma operadora qualquer conquistar o cliente de outra, sem dúvida essa
conquista seria mais facilitada se esse cliente nem tiver sido atendido ainda.
Uma outra perspectiva importante para
o mercado brasileiro diz respeito à evolução do número de acessos (cada linha é
um acesso) fixos e móveis, ou seja o número de telefones fixos e móveis, em atividade no Brasil. Embora o número de
linhas móveis ainda seja inferior ao de linhas fixas, o número de aparelhos móveis
vem crescendo rapidamente no país e deverá alcançar a marca dos aparelhos fixos
em breve. Esse crescimento se deve tanto
à conveniência e acessibilidade de um aparelho móvel (do lado do usuário) como
pela menor necessidade de investimento
em uma rede móvel, em comparação a
uma rede fixa (pelo lado da operadora).
O crescimento mais acentuado dos
usuários de telefones móveis e a necessidade de crescimento constante de uma
operadora telefônica explicam por que
essas empresas se esforçam para estar
presentes nos dois mercados.
A fim de que o número de telefones
Evolução do número
de acessos móveis
Fonte: Telefônica – dados auditados.
V. Perspectiva de
mercado
V.1. Mercado
no Brasil
A maior fonte de receitas das operadoras de telecomunicações no primeiro
96
1 - The Economist Pocket Word in Figures 2000 Edition.
Fonte: Anatel – Paste 2000
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
móveis continue a crescer rapidamente
nos próximos anos, é necessário que o
preço da ligação realizada a partir de
um celular caia. Dados de outros países nos permitem concluir que isso irá
acontecer no Brasil, assim como já
aconteceu no exterior. O que se verifica, analisando dados de uma amostra
de países, é que conforme o percentual
da população que possui telefones celulares aumenta, o prêmio do preço do
impulso do telefone celular com relação ao do telefone fixo diminui. Em
outras palavras, o preço da ligação a
partir de um telefone celular se aproxima do preço de uma ligação a partir de
um telefone comum.
De acordo com o censo da FCC –
Federal Communications Commission,
em 1999, a cobertura de telefonia fixa
atingira quase 95% das residências. Somando-se a esse dado o fato de que, nos
últimos oito anos, houve uma queda de
cerca de 8% nos preços, e o aumento da
demanda por minutos já não compensava, muitos novos serviços foram criados.
Hoje, encontram-se cerca de 200 serviços aos clientes, os quais podem aderir
a diferentes tipos de planos tarifários,
conforme o seu perfil (one rate plan).
Ou também optar, de acordo com seus
hábitos de uso (descontos em tarifas noturnas, finais de semana, ou para determinado país) e até mesmo, serviços
Evolução do número de acessos móveis e fixos no Brasil (Milhões)
Fonte: Anatel – Paste 2000.
V.2. Outros países
V.2.1. Estados Unidos
Em poucas palavras, os EUA caracterizam-se pela sua liderança mundial
em Internet, seu atraso na telefonia móvel em relação à Europa e Japão e o aumento de fusões e aquisições de empresas. Esta última reflete a necessidade,
não só norte-americana, de maior dimensão para competir no mercado mundial
e no local.
como friends and family (amigos e família), em que o usuário pagará menos
nos dez números mais acessados, por ele
determinado.
V.2.2. Espanha
A Espanha, terra natal da Telefônica, não poderia deixar de estar bem em
um estágio avançado de desenvolvimento na área de telefonia fixa. Além de
oferecer todos os serviços que já são
oferecidos no Brasil, a empresa
disponibiliza serviços muito interessantes como serviços de controle de consumo e cartões para telefones.
A categoria de controle de consumo
abrange uma grande variedade de serviços que vai desde ofertas simples como
uma fatura personalizada até serviços
sofisticados que avisam o usuário quando um determinado nível de consumo foi
atingido ou até mesmo garante um determinado consumo máximo. Neste último caso, a operadora atua como uma
empresa de seguros, garantindo um gasto máximo com contas telefônicas.
Cartões para chamadas telefônicas
são oferecidos em diversas configurações. Um dos cartões mais interessantes é um que permite ao usuário realizar chamadas e navegar pela Internet,
enviando a conta pelo consumo direto
para a conta da linha telefônica atrelada ao cartão (que foi devidamente cadastrada pelo usuário quando o mesmo comprou o cartão).
Para empresas são oferecidos serviços inovadores como voz sobre IP (VoIP,
Voice Over IP), que consiste em utilizar
a Internet para realizar uma ligação telefônica. Para o usuário, o custo da ligação cai bastante, pois ele não paga
como uma ligação normal, mas como
utilização da Internet. Na verdade, no
caso de empresas com canais dedicados,
o serviço de voz sobre IP não tem um
custo adicional significativo (mais informações sobre os serviços disponibilizados pela Telefónica na Espanha podem ser obtidas no endereço http://
www.telefonica.es/telefonia/ ).
V.3. Tendências
Há pouco mais de um mês, a operadora japonesa NTT DoCoMo tornou-se
a primeira a empresa do mundo a
disponibilizar a novidade: a tecnologia
de telefonia móvel de terceira geração,
ou 3G. Mesmo ainda em fase de teste,
visto que sua estréia comercial estava
prevista para 1.º de outubro em virtude
de algumas falhas técnicas, o lançamento
97
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
formato, é preciso frisar que redes 3G
exigem elevado investimento em infraestrutura cujo custo, segundo a
consultoria americana Shosteck Group,
pode chegar a US$ 200 por usuário. Isso
sem falar dos gastos com comunicação,
da qual toda "novidade" faz uso em seus
primeiros passos.
No Brasil, de acordo com o presidente da Anatel, Renato Guerreiro, as licitações para os serviços de 3G, o qual
"colocará à disposição de todos as vantagens já usufruídas com as redes fixas,
televisão e acesso à Internet", poderão
ser realizadas em 2002.
do primeiro serviço de telefonia móvel
de terceira geração causa furor nas teles
mundiais: operadoras ao redor do mundo já investiram mais de US$ 87,5 bilhões investidos só em licenças de operação1 e já estão fazendo tudo a seu alcance para fazer dos celulares 3G um
sucesso rápido de vendas.
Embora as operadoras, de forma geral, estejam pagando preços elevados pelas licenças, os valores variam bastante
de um país para o outro. Os leilões ocorridos na Inglaterra e Alemanha, no primeiro semestre de 2000, o custo per
capita das licenças oscilou entre US$
550 e US$ 600; enquanto em março de
2001, atingiu-se US$ 30 per capita no
leilão australiano.
Mas, o que explicaria investimentos
desse porte? O 3G oferece um salto muito
grande na taxa de transmissão de informações, permitindo que o usuário de telefones celulares tenha acesso a serviços
atualmente vistos como dependentes de
conexões fixas, como multimídia (combinação de texto, voz, imagem e vídeo).
No entanto, não será fácil, nem barato, tirar proveito dessas oportunidades.
Além de os novos serviços exigirem um
universalização ainda não foi completamente cumprido. Terá realmente chegado o momento para se abandonar esse
objetivo em função de outro? Como comparar estrategicamente dois objetivos que
podem ser contraditórios entre si?
A oferta de novos serviços também oferece desafios. Quais segmentos devem ser priorizados, a lucrativa mas pouco numerosa classe alta,
ou as mais numerosas mas menos
afluentes classes média e baixa? Que
tipo de serviços poderiam ser lançados para cada segmento? Como se
poderia estimar a receita que cada
serviço irá auferir?
E quanto ao segmento corporativo,
que produtos podem ser introduzidos
nesse segmento? Como a empresa deveria organizar a sua força de vendas
para atender às empresas? Deve-se fazer alguma distinção entre pequenas,
médias e grandes empresas na forma de
atendimento?
Todas essas são questões que devem ser
tratadas detalhadamente, de preferência
antes de se tomar decisões que não ofereçam possibilidade de retorno. Mas a Telefônica não tem muito tempo para decidir.
VI. Conclusão
Para Amorim, a trajetória futura da
empresa é clara: A Telefônica deve obrigatoriamente oferecer mais qualidade
aos seus clientes, mas não só isso, os
clientes devem perceber qualidade nos
serviços prestados. Isso irá requerer
grandes mudanças na empresa, desde a
cultura organizacional até o portfólio de
produtos, passando pela forma como a
empresa se organiza e trabalha.
Por outro lado, o desafio da
VII. Anexos
VII.1. Cronograma Anatel
A legislação prevê que a partir de 31/12/2001 o mercado de STFC estará aberto para a competição.
Modalidades
Local
Intra-Regional
Até 31 de dezembro
de 2001
Concessionária Local
Autorizada Local
Concessionária Local
Autorizada Local
Concessionária LD
Autorizada LD
Concessionária LD
Autorizada LD
1.º de janeiro de 2002
1.º de janeiro
de 2003
De 1.º de janeiro de
2004 em diante
Abertura para Entrada de
empresas que
novos
anteciparem competidores
as metas de
2003
Abertura de
mercado
para
empresas
autorizadas
que não
anteciparam
suas metas
Abertura de
mercado para
empresas
concessionárias
que não
anteciparam suas
metas
1 A licença de operação permite que uma operadora telefônica opere em um determinado espectro de freqüência. Por exemplo, recentemente foram leiloadas
licenças para operar o sistema PCS no Brasil, na freqüência de 1800MHz. Essas freqüências são um recurso finito e escasso e as operadoras que não conquistam
uma licença de operação se vêem impossibilitadas de oferecer serviços.
No montante pago pela licença, não estão considerados os investimentos em infraestrutura da rede, que devem ser adicionados a este preço para se ter um
quadro mais real do investimento total realizado pela operadora.
98
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
VII.2. Principais indicadores
Plano geral de Metas de Universalização – PGMU
Implantar acessos
individuais
(linhas telefônicas)
em localidades com
mais de
Ativação de
telefones de uso
público (TUP)
Quantidade
Até
713.200
31/12/1999
835.000
31/12/2000
981.300
31/12/2001
Habitantes
Acessos individuais
(linhas telefônicas)
a serem ofertados
Quantidade
Até
25,1
milhões
29,0
milhões
33,0
milhões
31/12/1999
Até
1.000
31/12/2001
600
31/12/2003
300
31/12/2005
Prazos máximos para
atender solicitações de
acessos individuais
nas localidades com o
STFC
31/12/2000
Prazo
A partir de
31/12/2001
4 semanas
3 semanas
2 semanas
1 semana
31/12/2001
31/12/2002
31/12/2003
31/12/2004
Densidade mínima
de TUPS por mil
habitantes = 3
Metas de Universalização
Deslocamento
máximo na área das
localidades para se
alcançar um TUP
Distância
Atender solicitação
de telefone de uso
público (TUP) para
deficientes físicos,
auditivos e da fala
Atender solicitação
de acessos
individuais para
deficientes auditivos
e da fala
A partir de
800 metros 31/12/1999
500 metros 31/12/2001
300 metros 31/12/2003
A partir de
Prazo
12 semanas
6 semanas
3 semanas
2 semanas
1 semana
Prazo
31/12/1999
31/12/2000
31/12/2001
31/12/2002
31/12/2003
8 semanas
4 semanas
2 semanas
1 semana
Atender de telefone
de uso público (TUP)
as localidades com
mais de
Habitantes
Até
1.000
31/12/1999
600
31/12/2000
300
31/12/2003
100
31/12/2005
A partir de
31/12/1999
31/12/2000
31/12/2001
31/12/2003
Plano Geral de Metas de Qualidade – PGMQ
Solicitação de
reparo por 100
acessos, não
exceder a
Chamadas locais e
nacionais devem ser
completadas em
%
partirdede
A Apartir
60
31/12/1999
31/12/1999
65
31/12/2001
31/12/2001
70
31/12/2003
31/12/2003
Atendimento de
reparos até 24h
residência e até 8h
comercial
Solicitação A partir de
%
A partir de
31/12/1999
31/12/2001
31/12/2003
31/12/2005
95
96
97
98
31/12/2001
31/12/2002
31/12/2003
31/12/2004
3,0
2,5
2,0
1,5
Metas de Qualidade
Mudança de
endereço de usuário
residencial em 3
dias e comercial
em 24h
A partir de
%
31/12/1999
31/12/2001
31/12/2003
31/12/2005
95
96
97
98
Contas com erro
(reclamadas) por
1.000 contas
A partir de
Máximo
31/12/1999
31/12/2000
31/12/2003
4
3
2
Congestionamento
admitido nas
chamadas locais e
nacionais
A partir de
%
31/12/1999
31/12/2001
31/12/2003
6
5
4
99
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
VII.3. Demonstrativo antes/pós privatização
A telecomunicação brasileira passou,
após as privatizações de 1997-98, por
profundas mudanças estruturais, causadas pelo ambiente concorrencial instituído e pela rapidez nos avanços
tecnológicos do setor.
A disponibilidade de terminais de
telefonia fixa em todo o país aumentou
de 19 milhões, em 1996, para 27,8 milhões no final de 1999 – 110,8% da meta.
O mesmo ocorreu com a telefonia celular, que elevou sua participação de 3,2
para 15 milhões de acessos no mesmo
período – 101,6% da meta – e com telefones públicos, que em 1997 totalizavam
740 mil – 102,8% da meta.
O tráfego eletrônico local aumentou
900% e o interurbano 1.700% nos últimos 20 anos. As operadoras investiram
US$ 7 bilhões até o início de 2000.
O Ministério das Comunicações estima que a demanda potencial por novos
terminais é da ordem de 25 milhões de
usuários, sendo que 98% das propriedades rurais do país não possuam telefone
fixo.
2000 – O Brasil é o quinto país com
maior número de telefones fixos instalados no mundo, com cerca de 37 milhões
de aparelhos, perdendo apenas dos Estados Unidos, China, Japão e Alemanha.
Os dados da Anatel revelam que de
97 para 98 foram instalados 2,5 milhões
de telefones em todo o país, o que repre-
senta um crescimento de 14% em número de linhas. De 98 para 99, o mercado
recebeu mais 4,9 milhões de terminais,
um crescimento de 25% no total de aparelhos.
Em outubro de 2000, o Brasil somava 35,4 milhões de telefones fixos, superando as expectativas da Anatel que
esperava fechar o ano com 35,1 milhões
de linhas. "O resultado é bastante significativo porque coloca o Brasil como
primeiro do ranking na relação dos países que apresentam maiores taxas de
crescimento em redes de telefonia fixa",
afirma o conselheiro da Anatel, Antônio
Carlos Valente.
VII.4.Tabela de Evolução Anual do Serviço Telefônico Fixo Comutado
100
"A propaganda é e continuará a ser a força motriz em marketing, mas ela sozinha não é mais
suficiente para assegurar o êxito em um mercado global, no qual há abundância de concorrentes
e onde os consumidores estão cada vez mais conscientes". Essa é a premissa dos autores
desse livro, Don Schultz e Beth Barnes, que acreditam que, no futuro, a forma vital de comunicação
será mais ampla do que simplesmente propaganda ou marketing. "No Século XXI, o importante
será a marca, afinal é com ela que os clientes atuais e prospectivos interagem", explicam.
Don E. Schultz e
Beth E. Barnesv
CAMPANHAS
ESTRATÉGICAS DE
COMUNICAÇÃO DE MARCA
Editora Qualitymark,
Rio de Janeiro, 2001
416 p. – R$ 75,00
Gilberto Strunck
COMO CRIAR IDENTIDADES
VISUAIS PARA MARCAS DE
SUCESSO
Editora Rio Books,
Rio de Janeiro, 2001
160 páginas
David A. Aaker,
V. Kumar,
George S. Day
OS DESAFIOS DO MARKETING
Aprendendo com os mestres da Kellogg
Graduate School of Management
Organização de Dawn Iacobucci
Prólogo de Sidney J. Levy e Prefácio de
Philip Kotler
Historicamente, os profissionais de comunicação detinham o controle do mercado – pois
tinham acesso privilegiado à tecnologia de informação – e os consumidores apenas reagiam.
Com maior acesso à informação, ao conhecimento e à tecnologia, o poder está se deslocando
para o consumidor, pois, com um simples clique no mouse, ele pode ter acesso a produtos,
comparar preços, identificar fornecedores, avaliar a capacidade de entrega, e, com base nisso
tudo, fazer seu pedido e receber o produto em casa.
A tendência, de acordo com Schultz e Barnes, é que no século XXI as organizações de
marketing, os canais, a mídia e os consumidores dialoguem, partilhando informação e tecnologia.
A propaganda tradicional, apostam, evoluirá para a comunicação de marketing integrada com
a comunicação de marca.
Eles explicam que a gestão de comunicação de marca é muito mais ampla do que a
publicitária porque inclui todas as maneiras pelas quais os clientes atuais ou prospectivos
entram em contato com a marca. Isso inclui, além do próprio produto, embalagem, canais,
fixação de preços, distribuição, localização, etc. É, portanto, a soma de tudo sobre o consumidor
e a marca, e sobre o relacionamento entre eles no mercado.
Eis um livro importante e atual. Importante porque o assunto é da maior pertinência, numa
época em que a comunicação de marketing se diversificou de tal maneira que marcas tendem a
ser, agora, uma espécie de core-business dos comunicadores. Atual, porque Gilberto Strunck é
diretor da Dia Design, uma das poucas empresas brasileiras especializadas na construção de
marcas lança e o livro está recheado de exemplos brasileiros, criados e vividos no dia-a-dia da
nossa realidade. Ele contém mais de 450 ilustrações que exemplificam a conceituação e a criação
de identidades visuais, com foco nas marcas nacionais – além de exemplos internacionais.
Segundo diz Strunck no prefácio do livro, "como é importante o trabalho que fazemos para
criar a personalidade visual de uma marca”. E, vai além, no capítulo "Pensando...com o coração",
onde reflete sobre a importância das emoções associadas às marcas: "da mesma forma que
escolhemos nossas amizades, racional ou emocionalmente...vamos escolhendo as marcas
que amamos." Isto sem dúvida vai se refletir nos impulsos de compra e na criação de uma
relação de empatia entre o consumidor e as marcas. O livro trata do mundo das marcas e de
como possuí-las legalmente, branding, posicionamento, mercado e elementos institucionais
entre outros ítens relevantes para o entendimento completo das ações determinantes para a
construção de marcas de sucesso.
Ressalta a qualidade dos jovens designers de hoje e mostra através de uma abordagem
conceitual e estratégica o valor das marcas numa economia cada vez mais competitiva. E
Gilberto reflete, ainda, sobre as ações do mercado que, hoje, já incorporou preocupações
ecológicas, de cidadania e de responsabilidade social que inexistiam há uma década.
É leitura indispensável para profissionais e estudantes de marketing, design gráfico,
comunicação e publicidade.
Gilberto Strunck, formado pelo ESDI – Escola Superior de Desenho Industrial – e Mestre
pela Escola de Comunicação da UFRJ, é professor da Escola de Belas Artes da UFRJ e tem
sido freqüentemente convidado para palestras e conferências na ESPM/RJ.
Os Desafios do Marketing pretende ser um livro de marketing que se diferencia dos outros,
pois apresenta diferentes perspectivas para assuntos relativos ao marketing, através de uma
série de compilações de textos de docentes do departamento de marketing da Kellogg Graduate School of Management, da Northwestern University, (classificada pela Business Week
como “segunda melhor universidade do mundo” na área de marketing). Com organização de
Dawn Iacobucci e prólogo de Sidney J. Levy, professores da instituição e prefácio e participação
do "papa", Philip Kloter, há 39 anos na Kellogg, reune um "mix" de idéias atuais sobre marketing estratégico. É leitura estimulante para executivos e estudiosos, pois a variedade de capítulos
sugere soluções criativas para muitas das principais questões do cotidiano. Dentre as reflexões
apresentadas destacam-se as relacionadas às tendências do marketing para o futuro, a
importância do pensamento estratégico centrado no cliente, o posicionamento e gerenciamento
de marca, a releitura dos 4Ps do marketing e os serviços a clientes. O livro é dividido em duas
seções. A primeira, Estratégia: pensando no cliente e no mercado é composta por cinco capítulos
que abordam os elementos que devem ser observados quando se pensa no cliente de maneira
estratégica. Na segunda, há informações úteis sobre as necessidades e os desejos dos clientes
na tomada de decisões sobre gerenciamento de marketing. Philip Kotler assina, em parceria
com o professor de comércio eletrônico e tecnologia Mohanbir Sawhney, o último capítulo do
livro denominado O marketing na era da democracia da informação.
Editora Futura, São Paulo
464 p. – R$ 45,00
101
leitura recomendada
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
Barbara R. Lewis,
Dale Littler
DICIONÁRIO
ENCICLOPÉDICO
DE MARKETING
Editora Atlas, São Paulo, 2001
336 p. – R$ 55,00
Jacques
Marcovitch
UNIVERSIDADE VIVA –
Diário de um Reitor
Editora Mandarim,
São Paulo, 2001.
672 p. – R$ 48,00
A publicação de "dicionários" na área de marketing não é um evento freqüente ,e este livro,
em particular, é bem-vindo. Apesar de ter sido criado e produzido nos Estados Unidos, as
definições e explicações são claras, atualizadas e informativas sobre os principais conceitos
que são encontrados em uso no marketing contemporâneo – e a tradução é, em geral, correta.
O dicionário não é volumoso, mas parece ser bastante completo e abrangente (é quase impossível
testar esse tipo de livro de referência, a não ser ao longo do tempo), dando tanto ao especialista
como ao novato apresentações sucintas dos assuntos de marketing mais tradicionais e alguns
mais modernos. Os verbetes têm tamanho variado, indo de explicações amplas sobre os tópicos
mais importantes a definições curtas de termos-chaves. A cobertura da área de marketing inclui
meio ambiente, administração de marketing, comportamento do consumidor, segmentação,
marketing organizacional, preço, comunicações, varejo e distribuição, gerência de produto,
pesquisa e marketing internacional. Há referências cruzadas para facilitar a pesquisa, além de
referências bibliográficas relevantes para estudos posteriores.
Barbara Lewis pertence ao quadro da Manchester School of Management e é autora de
publicações na área de marketing de serviços e comportamento do consumidor. Dale Littler é
professor de Marketing na mesma escola e autor de publicações sobre vários aspectos de marketing estratégico e de desenvolvimento de novos produtos.
Quando entrevistado pela Revista da ESPM, em agosto, o reitor da USP acabava de editar,
pela Editora Mandarim, seu mais recente livro Universidade Viva: Diário de um Reitor. Não deixa
de ser uma curiosidade o fato de que, na divulgação, Jacques Marcovitch é apresentado como
"o primeiro Reitor a escrever um livro que narra suas experiências na gestão acadêmica". O fato
de que este relato se refere à Universidade de São Paulo, a maior do país, acrescenta, certamente,
interesse à narrativa.
No cargo desde 1998, Jacques Marcovitch descreve, na forma de um diário, o cotidiano do
seu trabalho por meio de reflexões – que qualifica de "não burocráticas" de temas que agitam a
Universidade, suas Faculdades, Museus e Institutos Especializados. Propõe-se também a
apresentar "questões de amplitudes nacional e internacional" e uma série de particularidades
que envolve essa grande instituição.
Nesse livro, portanto, pioneiro, o autor passeia pela trajetória histórica da USP, suas tendências
atuais, os desafios enfrentados no começo do novo século e o imenso complexo de pesquisa
que ela engloba, comportando cerca de 70 mil alunos, 5 mil professores e 14 mil funcionários.
Segundo o empresário José Mindlin, "Universidade Viva é um repositório de informações,
um relato informal que se torna referência importante para quem deseja conhecer uma instituição
como a USP e a posição do professor Jacques Marcovitch ao defender a permanência e
continuidade da universidade pública".
Num momento em que o ensino superior do Brasil está sendo alvo de muitos questionamentos
– e em especial o do setor público – o depoimento do CEO da maior (e melhor – de acordo com
as avaliações tanto oficiais como não-oficiais) universidade brasileira traz uma importante
contribuição a esse debate, expondo – com lucidez e sólida argumentação – o ponto de vista da
Universidade pública.
Esse pretende ser um livro sobre a empresa brasileira, "no que se refere a sua natureza,
seus valores, seus relacionamentos". "Para pensar a empresa brasileira", esclarece a autora,
"foi necessário percorrer um caminho mais longo, que passa pela reflexão sobre os dois
principais modelos de gestão, o norte-americano e o japonês". A indagação central do livro
pode ser então sintetizada na seguinte questão: Por que as empresas brasileiras são como
são?
Angela Rocha
EMPRESAS E CLIENTES
Um Ensaio sobre Valores e
Relacionamentos no Brasil
Editora Atlas, São Paulo, 2001
216 p. – R$ 30,00
102
Duas questões principais orientaram a elaboração deste volume. A primeira delas resulta
da não-aceitação das explicações econômicas tradicionais para o atraso da empresa
brasileira. Por que as empresas brasileiras são em geral pequenas, frágeis e atrasadas,
comparativamente às grandes empresas dos países desenvolvidos? A segunda questão,
aparentemente independente da anterior, tem relação com uma constatação empírica
baseada na experiência do dia-a-dia: Por que os clientes são tão maltratados pelas empresas
no Brasil?
Na busca de respostas para essas questões, a autora utilizou-se de duas linhas de
estudo de que se ocupou nos últimos anos; marketing e negócios internacionais. Como
professora de Marketing, em 25 anos de carreira acadêmica no Instituto Coppead de
Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ –, e como consultora de
empresas nessa área. É também co-organizadora de Marketing de serviços, publicado pela
Atlas.
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
ANUÁRIO DO CLUBE DE
CRIAÇÃO DO RIO DE
JANEIRO - 2001
Edição CCRJ, 2001
335 p. – R$165,00
(R$ 85,00 para estudantes de
comunicação)
Michael J.
Silverstein e
George Stalk Jr.
(The Boston
Consulting
Group)
Tradução:
Juliana Saad
ROMPENDO HÁBITOS DE
CONSUMO
Potencializando as oportunidades
com criatividade, flexibilidade e
coragem
Editora Campus, Rio de Janeiro, 2001
304 p. – R$ 44,00
Celso Campos
A ORGANIZAÇÃO
INCONFORMISTA
Editora da Fundação Getulio Vargas,
Rio de Janeiro, 2001
132 p. – R$ 19,00
Que não nos interpretem mal os publicitários do Rio de Janeiro, mas o seu anuário de
2001 é uma das melhores peças criativas produzidas ultimamente pelo mercado carioca.
A publicação reúne o que de melhor foi criado no ano anterior, e tem um significado
especial para seus criativos, que na última década, viram o mercado diminuir e, por conta
disso, sua entidade representativa desaparecer. Reativado em 1999 e cheio de projetos, o
CCRJ mostra com o novo anuário que a publicidade no Rio está a pleno vapor e,
principalmente, que no Rio se faz propaganda muito boa.
O anuário divide-se nas categorias Televisão, Rádio, Mídia Impressa, Mídia Exterior e
Web, e foi projetado – literalmente – para ser uma verdadeira "Bíblia" para profissionais e
Estudantes. Com criatividade e bom humor, Alessandra Migani, diretora de arte da Ogilvy e
Carlos Di Célio, da Propeg Rio, responsáveis pelo design da publicação, buscaram inspiração
no livro básico da cristandade: a publicação ganhou Capa Preta e Coroa de Cristo. Para
Alessandra, o anuário busca inspiração na Bíblia "também como uma visão bem humorada
do egocentrismo divino do publicitário, além de ser uma homenagem ao maior best-seller
de todos os tempos".
André Eppinghaus, ex-presidente do CCRJ e atual diretor de criação da Thompson-Rio,
foi o líder do movimento que resultou na revitalização do Clube, é o maior entusiasta do
Anuário. "O lançamento deste Anuário encerra o que o próprio mercado convencionou chamar
de retomada do CCRJ”.
A escolha das peças publicitárias que compõem o Anuário foi realizada através de um
Festival – "Melhor do Rio – em que foram inscritos 2 mil trabalhos, com 56 agências
participantes. Em cada uma das quatro etapas, um júri formado por oito profissionais de
criação selecionou os melhores trabalhos dos quatro meses anteriores.
O que é preciso para ser mais ágil e dinâmico do que os concorrentes? Ou como estar à
frente dos mercados em mutação? Neste volátil mercado globalizado, a inovação é decisiva,
segundo os especialistas. Como demonstram algumas histórias de sucesso ao longo do tempo,
a chave para o crescimento sustentável no mundo dos negócios é inovar e saber como
transgredir as normas que alguns setores impõem a seus clientes.
Membros do conceituado Boston Consulting Group mostram, neste livro, como empresas
do porte da Chrysler, Coca-Cola, Amazon.com, entre outras, atingiram o crescimento sustentável
rompendo hábitos estabelecidos e se distanciando da tradicional equação entre cliente/produto.
Um dos principais tópicos abordados pelo livro é sobre como se deve posicionar
estrategicamente a organização a fim de gerenciar continuamente novas oportunidades de
crescimento, baseadas na inovação.
A obra reúne em livro, pela primeira vez, artigos que foram publicados na Action in Consumer Markets, uma publicação mensal do setor de Consumo e Varejo do BCG. As mais
recentes estratégias relacionadas a marcas, comércio eletrônico, mercados globais, retenção
de clientes e outros itens são focalizadas no livro, calcado nas experiências de trabalho do
BCG em muitas das maiores empresas do mundo.
A vice-presidente sênior do Departamento de Estratégia e Desenvolvimento Corporativo da
PepsiCo, Inc. Indra K. Nooyi, é citada na capa, afirmando: "As idéias contidas em Rompendo
Hábitos de Consumo irão ajudá-lo não somente a sobreviver diante das turbulências de seu
setor, mas também a estabilizá-lo, a fim de que você obtenha um melhor desempenho e retornos
mais altos."
Michael J. Silverstein é chefe do Departamento de Consumo e Varejo e George Stalk Jr.
coordena a área de Inovação e Marketing do Boston Consulting Group.
Qual é o modelo ideal de organização para enfrentar a globalização? Segundo o professor
Celso Campos, da Escola Brasileira de Administração Pública (EBAP) da FGV (Rio) essa foi a
pergunta mais freqüente feita por seus alunos nos últimos anos. A partir dessas indagações,
Campos resolveu aprofundar seus estudos e pesquisas, que resultaram no livro A organização
inconformista: como identificar e transformar mentes revolucionárias em um diferencial
competitivo, lançamento da Coleção FGV Negócios.
O livro procura mostrar como as organizações brasileiras que atuam ou pretendem atuar
nesse universo globalizado, podem ampliar seus negócios a partir de um modelo de organização
denominado de inconformista. A razão da utilização desse modelo, segundo o autor, é reduzir
o efeito traumático geralmente movido pelas resistências psicológicas ao novo. Ou seja, a
transformação de uma organização tradicional em uma organização revolucionária.
Na visão de Campos, para que uma organização inconformista obtenha vantagens
competitivas sustentáveis é necessário buscar meios de incentivar seus funcionários a gerar
informações e conhecimentos com ações "revolucionárias" para enfrentar a competição acirrada.
O autor alerta que a empresa que não apresentar novidades permanentes corre o risco de ser
rapidamente esquecida ou de não ser percebida no mercado. Além do mais, surge agora como
"uma grande tendência" a necessidade da valorização e de investimentos no capital intelectual,.
"As organizações que não desenvolverem seus funcionários não se desenvolverão. Serão
mentes revolucionárias, com idéias impactantes que farão a diferença", assegura o autor.
103
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
CANNES 2001 -– Um passeio pelo mais concorrido festival de publicidade do planeta
PÁG. 9
DARLAN MORAES JR.
Cannes é a Copa do Mundo da publicidade. O festival mais concorrido do planeta mostrou
quais são as agências que estão batendo um bolão em nosso setor. O Brasil mais uma vez
marcou um gol de placa e a agência F/Nazca Saatchi & Saatchi foi eleita a melhor do ano.
Saiba mais sobre as categorias que estão ganhando representatividade, as tendências e
posicionamentos mais utilizados pelos criativos que ganharam um leão, a evolução da Internet, o
polêmico grand prix em mídia impressa e por que Cannes é uma das cidades mais badaladas do
mundo.
QUEM TEM MEDO DO CONSUMIDOR?
PÁG. 14
VALÉRIA RAVIER
Na pós-modernidade o consumo tem se tornado cada vez mais expressão da emergência de
milhares de desejos diferentes. A reorganização das identificações em torno de questões que vão
muito além dos nacionalismos faz com que a cidadania seja exercida mais pelo consumo privado
de bens e dos meios de comunicação do que através de outras estratégias de participação, que
eram características do capitalismo industrial, como sindicatos ou partidos políticos. É nesse
contexto que deve ser pensado o relacionamento entre “produtores” e “consumidores”, se
quisermos libertá-lo do desgaste e da hipocrisia característicos de relações baseadas em princípios
que foram construídos no âmbito de uma outra realidade histórica.
ISSO É PURO MARKETING
PÁG. 20
FRANCISCO SERRALVO E WILSON WEBER
Não raro o marketing é visto como uma forma de levar vantagem, e ao se dizer "isso é puro
marketing" muitas vezes sobressai uma ponta de ironia. Entretanto, a análise dos fundamentos
de marketing mostra que ele agrega uma série de atividades que visam a satisfazer expectativas
de produtores e consumidores de bens e serviços num ambiente em evolução contínua, que
exige adaptação e inovação constante.
Com base nos trabalhos de Sheth, Gardner e Garrett, os autores discorrem sobre as várias
escolas de pensamento que transformaram o marketing em uma disciplina eclética e inspiradora.
Várias escolas de pensamento foram entre si influenciadas e influenciadoras, não hesitando em
buscar em outras disciplinas conceitos que as tornassem mais abrangentes. Essa exposição e
pré-disposição da disciplina ao novo permitiu que ela evoluísse da sua origem puramente
econômica para o entendimento de que as pessoas são diferentes e por isso têm expectativas
diferentes merecendo que as empresas busquem soluções não apenas rentáveis para elas,
empresas, mas que também satisfaçam suas expectativas, de forma eficaz, eficiente e ética.
A viagem pelos quase cem anos de vida de marketing e suas várias linhas de pensamento
oferece aos leitores uma série de elementos para reflexão que demonstram a seriedade e
responsabilidade necessárias para que possamos dizer que praticamos o puro marketing.
104
NOSSOS CURSOS DE ADMINISTRAÇÃO SÃO MAIS ESPM QUE OS OUTROS
PÁG. 35
MARCOS AMATICCI
A ESPM surge em 1951, então sob o nome de Escola de Propaganda do Museu de Arte de
São Paulo, voltada para o curso técnico de propaganda, tendo elevado seus cursos ao status de
nível superior em 1973. A evolução da Escola faz parte do processo de maturação do próprio
Marketing no Brasil que, em termos da Escola, reflete-se na expansão de seus interesses da
propaganda para o Marketing, e deste para os negócios. Daí o surgimento dos cursos de Administração da ESPM, na década de 1990. Estes nascem com as características que forjaram o
crescimento da Escola: olhar voltado para o mercado, empreendedorismo, flexibilidade e
informalidade ao lado de seriedade e compromisso. Uma pesquisa com professores da instituição mostra como os valores e a cultura dos fundadores estão fortemente arraigados nos cursos
de Administração, ainda nos dias de hoje.
EDUCAÇÃO EMPRESARIAL
PÁG. 46
FRANCISCO GOMES DE MATOS
O espaço para a educação na empresa constitui, hoje, um diferencial estratégico à qualidade
total. Tornou-se imprescindível uma Pedagogia de Liderança que comece na concepção de Gerente-Educador. Numa época marcada pela mudança acelerada, a renovação é fator de sobrevivência face ao risco constante do obsoletismo.
O exercício das funções de liderança induz as gerências à preocupação estratégica na linha
de uma pedagogia renovadora. É preciso educar o tempo todo para que, como Alice no País das
Maravilhas, possamos, "pelo menos, permanecer no mesmo lugar".
Numa organização integrada, todos são educadores e aprendizes. Todos ensinam e aprendem o tempo todo.
A empresa torna-se, rigorosamente, uma comunidade vivencial de aprendizagem quando há
estímulo à participação, através da atitude educativa das gerências e da abertura de canais informais de comunicação.
LEITURA OU INTERPRETAÇÃO?
PÁG. 47
ALUIZIO R. TRINTA
Em nosso tempo, a leitura – entendida como “doação de sentido” por parte de um fruidor (um
leitor, na plena acepção da palavra), por exemplo, a uma obra de arte – parece suplantar, tanto
em relevo, quanto em importância, a antiga prática da interpretação. Formas estáveis (e historicamente atestadas) do comentário, uma e outra remetem a atividades, criteriosamente exercidas,
de intelecção, aferição e estimativa. Não obstante resultarem ambas de um mesmo esforço,
realizado em prol do entendimento a ser alcançado pela inteligência e da apreciação a ser formulada pela estima afetuosa, seus contrastes são marcantes, à vista das diferentes lições que proporcionam. Na leitura, prevalecem sensações, correspondências e afinidades eletivas; na interpretação, preponderam o senso crítico, a discriminação judiciosa, a explicação minudente.
A moderna noção de hipertexto – texto que a tantos outros se articula, em infinitas conexões virtuais – vem, por via de conseqüência, acrescentar-se a esta problemática. Discutir-se-á
então a propriedade de uma leitura, tida por exemplar; e da oportunidade de uma interpretação,
doravante requerida, ante um sentido que se esvaece em volteamento infindo.
105
Sumário Executivo
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
PONTO DE VISTA
Fim de século, fim de ciclo
Francisco Gracioso
Presidente da ESPM
N
ós, os humanos, somos muito presos a
formalidades. Todos
se lembram da controvérsia
em torno da data exata do início do Século XXI (ou do 3.º
milênio). Mas o que está em
jogo não é o calendário
gregoriano, mas sim tudo o
que caracterizou o Século XX
– os valores, crenças e atitudes de uma sociedade que
não existe mais. Sob esta
óptica, o Século XXI já começou há muito tempo, talvez no
dia em que caiu o muro de
Berlim. Nesse dia, o nosso
planeta começou a viver sob
o signo da Pax Americana.
Se a Pax Americana repetir a Pax Romana dos primeiros séculos de nossa era, ela
será benéfica para o mundo.
A maior circulação das idéias,
pessoas e riquezas, que no
início (sob o eufemismo da
“globalização”) beneficia apenas os países ricos, acabará
com o tempo beneficiando
também as economias emergentes ou periféricas, como a
nossa.
106
Mas, como em tudo na vida,
haverá um preço a pagar. Teremos de reconhecer a futilidade de nos rebelarmos contra
essa nova ordem mundial e
nos integrar ao mundo global.
Aqui na ESPM, temos plena
consciência desses fatos e
procuramos formar jovens que
encarem sem medo esse mundo novo e assustador. Se a
Pax Romana legou ao mundo
a ética e as leis romanas, a
nova Pax Americana trará com
ela a moral protestante, o respeito ao mérito e a obsessão
pelo lucro. Cada vez mais,
obrigadas a competir num ambiente globalizado, as empresas procurarão jovens executivos capazes de se movimentar com desembaraço, nesse
novo mundo de mudanças
bruscas e ações rápidas, em
condições de incerteza permanentes. Por outro lado, as empresas precisarão também de
detentores de conhecimentos
e capacitações que as escolas
tradicionais ainda não dominam. Não por mera coincidência, foram esses os temas
dominantes, na mesa-redonda sobre educação superior
que acabamos de realizar e
cuja transcrição aparece nesta revista.
Em retrospecto, podemos
afirmar que a ESPM foi uma
instituição típica do Século
XX e formou milhares de alunos aptos a competir no mundo dos últimos 50 anos. Esse
mundo não existe mais; começou a tomar forma uma
nova era que exigirá um novo
tipo de escola. Será uma escola que preservará certos
valores eternos, como a retidão e a decência, e acrescentará valores novos, tirados do
novo contexto global. Será,
enfim, a ESPM do Século XXI
– multicultural, poliglota e
ecumênica. Mas cujos professores e alunos nunca deixarão de torcer pelo Guga e rezar pela seleção. Porque, ao
contrário do que pensam alguns, quanto mais internacionais nos tornamos, mais
conscientes ficamos da nossa identidade cultural.

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