círculos sonoros para um nascimento feliz

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círculos sonoros para um nascimento feliz
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CÍRCULOS SONOROS
PARA UM NASCIMENTO FELIZ
UM PROGRAMA DE INICIAÇÃO MUSICAL
PARA GESTANTES E BEBÊS
ANGELA PHILIPPINI
[email protected]
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INTRODUÇÃO:
No princípio era o Som... Assim é desde o início dos tempos. O
Som do universo, a música das esferas, e no campo da subjetividade,
o Som da voz materna e seus ritmos corporais.
Esta abordagem tem como objetivo promover iniciação musical
para Gestantes e seus Bebês, restaurando ritos de cuidado,
presentes no imaginário humano em todas as culturas.
Dentre os inúmeros benefícios que a música poderá propiciar às
Gestantes destaca-se o fortalecimento emocional e a construção de
uma atividade mais serena e tranqüila para atravessar os meses de
gestação através da prática e desenvolvimento da musicalidade
natural presente em todas as pessoas.
Os benefícios para o Bebê são incontáveis. No entanto, o mais
significativo é de propiciar sua imersão em um território de
aconchego e bem estar gerado através do Som mais significativo de
sua vida, a voz de sua Mãe, complementado por outras sonoridades
que sejam agradáveis, harmônicas, delicadas e, portanto,
compatíveis com suas possibilidades sensoriais.
Neste trabalho a música, através da voz cantada e de
instrumentos musicais artesanais, pode auxiliar gestantes:

A relaxarem e entrarem em estados meditativos que lhes
tragam bem estar e segurança para receberem com
tranqüilidade seus bebês;

A propiciarem para seus bebês, desde o ventre até seu
primeiro ano de vida, uma atmosfera musical agradável,
suave e harmoniosa.
METODOLOGIA:

Sessões de práticas vocais, acompanhadas de exercícios
de relaxamento, práticas meditativas e experimentações e
improvisações sonoras com instrumentos musicais artesanais
(kalimbas).

As sessões abrangem um percurso diferenciado para cada
participante, divididos em 3 ciclos:
I.
Primeiro Ciclo – elaboração de um “diagnóstico
sonoro” em que serão investigados através de
exercícios de vocalização, improvisação sonora,
escuta e canto de acalantos, a história musical da
gestante e de suas famílias, seu ambiente sonoro e
suas preferências musicais, bem como as
características de sua voz quanto à timbre, registro,
intensidade e forma de articulação da fala.
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II.
Segundo Ciclo – através dos exercícios já
mencionados para o ciclo anterior, acrescidos da
escuta e canto de pequenas canções folclóricas, de
acalantos,
de
atividades
de
relaxamento,
consciência corporal e improvisação sonora através
de instrumentos musicais artesanais (kalimba),
serão trabalhadas as questões, sonoras e vocais,
que indiquem áreas de dificuldades e bloqueios, no
contexto da voz de cada gestante e aspectos
afetivos e simbólicos referentes às formas como vão
lidando com suas gestações e suas expectativas em
relação ao bebê.
III. Terceiro Ciclo – como desdobramento das
atividades de iniciação musical realizada nos ciclos
anteriores, as Gestantes serão encorajadas a
construírem um pequeno repertório simples,
compatível com suas possibilidades vocais e suas
habilidades musicais, incluindo acalantos, canções
folclóricas,
madrigais
e
pequenas
melodias
compostas por elas mesmas, a partir do nome do
Bebê e suas atividades diárias.
OBS.: Estas atividades musicais serão complementadas
por atividades artesanais, para a criação de objetos de
uso diário do bebê e, também, elementos decorativos
para o espaço (incluindo objetos sonoros).
MÚSICA E CULTURAS DA PAZ:
A música em culturas ancestrais esteve desde sempre inserida
naturalmente nas atividades diárias, acompanhando seja o cultivo e
colheita, seja nos ritos religiosos, ou em celebrações coletivas. Neste
contexto, o nascimento é uma grande celebração da vida e de sua
renovação, sendo o parto a conclusão de um intenso ciclo criativo, e
da fluidez e naturalidade de seu percurso e conclusão, depende em
grande medida, uma boa entrada do Bebê neste novo mundo de
luzes, ruídos e novas sensações térmicas.
Uma das vertentes deste trabalho é o fortalecimento da
Gestante através de um cuidado especial através do pré-natal
complementar ao cuidado tradicional, que é voltado apenas para
procedimentos médicos relativos à fisiologia da gestação, parto e
nascimento. Estas atividades integram-se à rede de ações REHUNA
(Redes de Humanização do Nascimento), que congrega profissionais
de áreas diversas em todo Brasil, com o objetivo comum de
transformar a gestação, parto e acolhida do bebê em experiência
humana de bem estar, plenitude, fortalecimento de vínculos
intergeracionais e ações fraternas na comunidade.
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A VEZ DA VOZ NOS CÍRCULOS SONOROS
A voz é um instrumento polivalente, e extremamente precioso,
na medida que expressa a subjetividade, as condições de saúde e os
processos afetivos de cada ser. Na preparação da Gestante, sua voz é
considerada como “um cordão umbilical sonoro”, que forma-se no
momento de nascimento, quando o outro cordão umbilical fisiológico
é cortado.
O processo busca auxiliar cada “Mulher-Gestante”, primípara
ou multípara, a fazer o melhor uso deste instrumento musical
múltiplo (a voz), que funcionará deste modo como um fio condutor
para reforçar e sustentar qualidade e intensidade da comunicação
Mãe-Bebê.
Assim, nesta abordagem, a voz será considerada em suas
condições naturais de emissão, articulação e, sobretudo, de registro.
Não se pretende neste contexto, encaminhar o trabalho sonoro para
situações que pressionem ou estressem as vozes. A meta é dar a
conhecer, a estas “Mulheres-Mães”, através de exercícios vocaise
respiratórios como expressar-se vocalmente com simplicidade, pois
avoz, do mesmo modo que o aleitamento, são dádivas da Mãe para o
Bebê, expressando sua presença, seu carinho e sua proteção. Para
isso, são criadas as metáforas de dar ao Bebê:
- Banhos de Voz e Massagens Sonoras. E com estes
objetivos, informa-se às Gestantes dos benefícios emocionais e
hormonais e, consequentemente gestacionais, de cantarolar e entoar
naturalmente. Mas para que estas estratégias possam funcionar bem,
há necessidade de desconstruir e/ou transformar conceitos e
preconceitos referentes à voz “cantada”, como alguns que falam de
desafinação, estética vocal e também daqueles que indicam as
“melhores regiões de emissão” ou consideram “melhores vozes” para
tratar com Bebês ou crianças pequenas.
O período gestativo pode chegar cercado de muitas dúvidas,
medos e aflições. Algumas Gestantes, por serem muito jovens
(adolescentes),
encontram-se
muito
assustadas
com
as
responsabilidades de sua nova condição, outras, ao contrário, apesar
de estarem assustadas também, tem outro motivo: são Mães bem
mais velhas, que optaram por engravidar por se sentirem
pressionadas pelo relógio biológico, achando que estão vivendo sua
última chance de serem mães. Ambas compartilham complexos
motivos para sentirem-se aflitas e inseguras. Neste ponto a música
poderá entrar como coadjuvante para criar uma situação de mais
relaxamento e harmonia, um círculo sonoro de proteção e bem estar.
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ENTRANDO EM NOVOS CÍRCULOS SONOROS
Quem?
 Mulheres em sua maioria provenientes de nível sócio
econômico das camadas médias do Rio de Janeiro,
residentes nas regiões norte, centro e sul da Cidade do Rio
de Janeiro.
Seus universos sonoros:
 Ambiente com constante pressão de ruídos, fontes sonoras
diversas como rádios, TV, motores e buzinas, fogos de
artifício, estampidos de armamentos, gritos de vendedores,
barulhos de obras da construção civil, tudo com muitos
decibéis acima do que seria adequado para criar um “clima”
de paz.
A PREPARAÇÃO:

Proporcionar no campo da subjetividade das Gestantes,
uma consciência corporal mais profunda dos processos
gestativos e da importância e beleza desta fase da vida
feminina.

Facilitar a experiência do processo de improvisação
sonora de acordo com habilidades e interesses musicais das
gestantes.
O que se quer neste trabalho é que as mulheres, com suas
vozes naturais, possam falar possam cantar, falar, entoar e ao
demonstrarem o seu afeto pelos Bebês, com seus sons vocais,
círculos sonoros de harmonia, proteção e aconchego, comunicando
assim para aqueles que estão chegando, que são amados e bem
vindos.
CÍRCULOS
SONOROS CRIADOS A PARTIR DA VOZ E DE
INSTRUMENTOS
DE
SIMPLES EXECUÇÃO:
Para promover a iniciação musical necessária para a criação de
círculos sonoros que propiciem o surgimento de novas paisagens
sonoras, utilizo para complementar aos múltiplos recursos da voz , os
kalimbas, e dentre eles um especial, feita por um artesão de
instrumentos musicais (Otávio Junior), especialmente
para este
trabalho. É semelhante às Sanzas do Zaire e tem sua caixa acústica
externa e opostas às palhetas metálicas, tendo sido afinada de
forma pentatônica.
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KALIMBAS
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Existem várias referencias de Kalimbas associadas ao processo
gestativo, sendo que naturalmente o motivo mais óbvio está
representado em sua forma: a caixa de ressonância representada
por uma cabaça cortada, com similaridade evidente ao ventre grávido
e ao orifício do canal de parto. Assim o processo de iniciação musical
pode começar com experiências sonoras, em que informa-se à
Gestante sobre vibrações acústicas , tocando o Kalimba próximo ao
seu ventre , para que possa sentir com clareza a materialidade dos
fenômenos vibratórios ocasionados pelo som, e para que possa
compreender então como o bebê poderá ser incomodado por
vibrações sonoras mais fortes e sobre a necessidade de criar
paisagens sonoras mais tranqüilas e suaves. Histórias antigas de
como mulheres africanas em contexto tribal tocavam kalimbas para
manter animais afastados do bebê, ou como o utilizavam para
manter contato em trilhas fechadas, também podem ajudar nesta
primeira aproximação de leigos aos fenômenos acústicos da música.
Os Kalimbas, tratados em seus aspectos percussivos, ajudam a
aproximar os pais do processo de iniciação musical, uma vez que
culturalmente, no Rio de janeiro há uma grande intimidade com
instrumentos percussivos diversos, por causa de sua utilização nas
baterias de blocos e de escolas de samba.
Outras formas de iniciação musical podem ser feitas de modo
produtivo, utilizando acalantos, berceuses, e pequenas canções
folclóricas, para apreciação musical. A escolha destes repertórios é
personalizada e além de levar em conta, preferencialmente, as
matrizes africanas, indígenas e européias de nossa cultura busca
também integrar o universo sonoro referido por cada gestante.
Abaixo dois exemplos deste tipo de sonoridade utilizada no trabalho,
na partitura I (ACALANTO) a música composta por Dorival Caymmi
quando sua filha Nana nasceu, e que integra em sua estrutura uma
pequena canção folclórica muito conhecida.
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Partitura I
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E na partitura II uma música folclórica japonesa (SAITAI) em escala
pentatônica
e de melodia muito agradável e simples de ser
memorizada.
Partitura II
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Um dos objetivos deste trabalho é que, após serem nutridas
musicalmente desta forma, as gestantes sintam-se encorajadas a
criarem com suas vozes, seus próprios repertórios para receber o
bebê.
Esta preparação da gestante será acompanhada, na medida do
possível, pela inserção dos familiares , pai, avós, irmãos, madrinha,
eventualmente também outros adultos que venham a cuidar do
bebê, como a empregada doméstica, a babá, ou a enfermeira.
Com estas providências procura-se fortalecer o novo círculo sonoro
em que o bebê será inserido, uma vez que a paisagem sonora de
harmonia e tranqüilidade poderá ser rompida se adultos do seu
círculo de cuidados não tiverem estas informações. Além do que, em
meio urbano está sempre presente a cacofonia, sendo esta
abordagem um modo de amenizá-la.
A construção de um novo círculo sonoro que ofereça harmonia
e tranqüilidade depende das pessoas que cercam o bebê, suas
intenções, suas vozes, seus afetos, e de espaços preparados de
forma compatível . Para terminar o processo costumo oferecer às
famílias a música ALUNDÊ, partitura III, musica cantada em idioma
Somali que expressa a celebração de um grupo, pela chegada de um
novo bebê , que neste contexto é considerado como um sol, cuja
vinda fortalecerá e iluminará a vida de todos daquela comunidade.
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Partitura III
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Bem... e creio que assim é... Deste modo cabe proporcionar
uma boa recepção e um ambiente de paz e amorosidade, garantias
seguras de bem estar e boas memórias, vida a fora.
Texto elaborado por participante do Curso Antropomúsica.
Disponível em www.ouvirativo.com.br