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IGEPRI Monografias A Teoria de Alexander Wendt nas Relações Internacionais: O Construtivismo e o Problema da Anarquia Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha Volume 11 | Ano 3 | 2013 Nota: Todo conteúdo publicado pela Monografias Igepri é de total responsabilidade de seu(s) autor (es). As opiniões expressadas nesse caderno não representam as opiniões do periódico, nem do Conselho Editorial e nem dos órgãos filiados a este caderno. Ficha Catalográfica Serviço de Biblioteca e Documentação – UNESP - Campus de Marília Rocha, Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira. R672t A teoria de Alexander Wendt nas relações internacionais : o construtivismo e o problema da anarquia / Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha. – Marília, 2010. 103 f. ; 30 cm. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Relações Internacionais) – Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, 2010. Orientador: Dr. José Geraldo Alberto Bertoncini Poker. 1. Relações internacionais - Filosofia. 2. Wendt, Alexander, 1966- . 3. Construtivismo. 4. Anarquia. I. Autor. II. Título. . CDD 327.101 IGEPRI Monografias Monografias IGEPRI é uma publicação bimestral do Instituto de Gestão Pública e Relações Internacionais (IGEPRI). Sua missão é servir de espaço alternativo à publicação de pesquisas científicas elaboradas por jovens acadêmicos dedicados ao estudo e ao debate de temas relativos à Gestão Pública e às Relações Internacionais no Brasil e no mundo. Com potencial de influenciar e intervir no processo decisório governamental nas suas diversas esferas, contribuindo com novas propostas para a elaboração de políticas públicas, efetivação de controle social, suporte à advocacia de idéias e a busca de transparência no trato dos assuntos públicos. Conselho Editorial Cristina Soreanu Pecequilo (UNIFESP - Osasco) Luis Antônio Francisco de Souza (UNESP – Marília) Heloísa Pait (UNESP – Marília) Luis Francisco Corsi (UNESP – Marília) Janina Onuki (USP – Instituto de Relações Internacionais) Marcelo Fernandes de Oliveira (UNESP – Marília) – Editor José Blanes Sala (UFABC) Marcelo Passini Mariano (UNESP – Franca) Karina Lilia Pasquarielo Mariano (UNESP – Araraquara) Miriam Cláudia Simoneti Lourenção (UNESP – Marília) Lidia Maria Vianna Possas (UNESP – Marília) Tullo Vigevani (UNESP – Marília) A Teoria de Alexander Wendt nas Relações Internacionais... UNESP- Universidade Estadual Paulista Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha A TEORIA DE ALEXANDER WENDT NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS: O CONSTRUTIVISMO E O PROBLEMA DA ANARQUIA MARÍLIA – SP 2010 Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha UNESP- Universidade Estadual Paulista Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha A TEORIA DE ALEXANDER WENDT NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS: O CONSTRUTIVISMO E O PROBLEMA DA ANARQUIA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Relações Internacionais da Faculdade de Filosofia e Ciências, da Universidade Estadual Paulista- UNESP – como parte dos requisitos para a obtenção do título de Bacharel em Relações Internacionais, sob orientação da Profº Dr. José Geraldo Alberto Bertoncini Poker. Área de Concentração: Teoria das Internacionais/Política Internacional Marília-SP 2010 Relações A Teoria de Alexander Wendt nas Relações Internacionais... UNESP- Universidade Estadual Paulista Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha A TEORIA DE ALEXANDER WENDT NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS: O CONSTRUTIVISMO E O PROBLEMA DA ANARQUIA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Relações Internacionais da Faculdade de Filosofia e Ciências, da Universidade Estadual Paulista- UNESP – como parte dos requisitos para a obtenção do título de Bacharel em Relações Internacionais, sob orientação da Profº Dr. José Geraldo Alberto Bertoncini Poker. BANCA EXAMINADORA Orientador: _______________________________________________________ Profº Dr. José Geraldo Alberto Bertoncini Poker Departamento de Sociologia e Antropologia – FFC – UNESP/Marília 2º Examinador: ___________________________________________________ Profº Mestre Sérgio Roberto Urbaneja de Brito Faculdade de Direito da Alta Paulista - FADAP 3º Examinador: ___________________________________________________ Profº Gabriel Cunha Salum Advogado e Mestre em Ciências Sociais Marília, 25 de novembro de 2010 Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha Família, um sonho ter uma família Família, um sonho de todo dia Família é quem você escolhe pra viver Família é quem você escolhe pra você Não precisa ter conta sanguínea É preciso ter sempre um pouco mais de sintonia. O Rappa – Não Perca as Crianças de Vista Ao meu lar, formado por três pessoas com cuja ausência ainda não aprendi a conviver. Primeiramente, a minha mãe, porque é a sua voz que preciso ouvir todos os dias para ter uma noite calma de sono. À minha avó Dedé, possuidora da mesma energia de uma criança, e talvez seja por isso que, mesmo eu já me tornado adulto, ela ainda consiga enxergar o meu encanto pueril. E ao meu tio Istone, por sempre acreditar em meus potenciais, incentivando-me no caminho de qualquer rumo que eu desejasse tomar. Na correria do cotidiano, na catarse da mistura de sensações, as assimilações são parciais. Então, é neste lar que a minha mente encontra refúgio. Lá, as conexões ficam mais fluidas. Tenho tempo de sentir, então me sinto bem. As relações internacionais me ajudaram a intensificar ainda mais minha vontade cosmopolita inata. Jogar-me ao mundo, ser global, mas possuindo em mãos esse espaço que me possibilita reavivar minha essência, orientar-me. Referência... A Teoria de Alexander Wendt nas Relações Internacionais... AGRADECIMENTOS Woke up this morning Singing an old Beatles song I hear my voice among the others Through the break of day Hey, brothers Say, brothers It's a long long long long long, long, long, long It's a long way It´s a long way… Olivia Broadfield – It´s a long way Desde a minha infância, sempre acreditei que teria um futuro brilhante, não por mero destino, mas porque sabia que era [sou] capaz de construí-lo. Porém, grandes obras não são frutos do empenho de uma única pessoa, mesmo que seja esta a líder do projeto. Reservo este espaço então para agradecer todos aqueles que estiveram ao meu lado, auxiliando-me e me inspirando nessa trajetória. Há aqui, laços com nós afrouxados, laços que se mantiveram apertados até então, que ainda continuarão, que não, e que sempre permanecerão. São essas diferenças nas intensidades dos nós que fazem da vida algo dinâmico. Essas pessoas encaram a vida de maneiras diferentes uma das outras. E é essa junção de peculiaridades que faz enriquecer a minha percepção de mundo. São pessoas que me proporcionaram um prazeroso aprimoramento, na medida em que me propiciaram um espaço no qual pude ensiná-las e, principalmente, aprender com elas. A Deus, por me conceder a dádiva de exercer o sinal mais vital de todos: pensar. Ao Poker, meu orientador, por transmitir conhecimento com maestria, instigando-me a galgar níveis de abstração cada vez mais altos. E por ter sido solícito, aberto ao novo e liberto de dogmas durante toda a minha orientação. À minha prima-irmã Vanessa. Parte da minha sintonia, é a pessoa com a qual me sinto à vontade para contar meus segredos, expor meus medos e compartilhar minhas alegrias. E à Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha minha afilhada Lara, simplesmente, por antecipar meu instinto paterno. Considero a Lara como uma filha. Ao meu pai. Aos meus primos e tios, em especial minha tia Mey. Aos meus avôs Edgar e Rochinha (in memoriam) e à minha avó Lourdes. Pessoas especiais da minha família com as quais me sinto à vontade. Consigo perceber que elas desejam o meu sucesso. Ao Ricardo. Nessa trajetória, compartilhamos nossas inseguranças, transbordamos sentimentos, aprendemos a ser forte. Sensíveis às percepções, avistamos cedo uma fortaleza que alocava o segredo de um firmamento fraterno. Construímos um alicerce bem sólido que nos proporcionou o crescimento de uma imbatível amizade. Sentirei saudades do rock dedilhado no violão em meio ao ciclo natural do cotidiano. Ao Cascão. A vida nos oferece caminhos diversos, estranhos, mas não impostos. Nós fazemos nossa própria rota dentro de um movimento difuso, o que dá a ideia de incerteza. É isso que me conforta. Não há nada predeterminado, caminhos sempre existirão. Sempre estarei aberto e disposto a encarar essa complexidade. Por você, imensa consideração e a manutenção em minha memória dos momentos vividos a seu lado. Ao Anselmo e à Alessandra. Não enfatizarei momentos mais que especiais com vocês ao meu lado, nem esbanjarei sobre as pessoas únicas que vocês são. Conhecimentos raros da convivência. São amigos corajosos que enfrentaram a ruptura de um cotidiano aparentemente confortável para se aventurarem em projetos incertos. As pessoas com as quais eu tenho a vontade maior de exercer a arte da interação. À Ciça, Carol e Filipe. Amizades que transcenderam o mero fato de ocuparmos a mesma sala. Desejo todo o sucesso do mundo para esses amigos. À Cá, Diego e Camila. É impossível desvincular a minha infância e adolescência desses grandes amigos. São partes sem as quais o todo não se formaria. É incrível saber que ainda nos reunimos, embora esporadicamente, mas com a mesma disposição daquela época. A Teoria de Alexander Wendt nas Relações Internacionais... Ao Bruno, Tiago e Danilo. Amigos com os quais tive a oportunidade de conviver na mesma casa por tão pouco tempo, mas que ficará guardado na memória devido à maravilhosa convivência proporcionada. Admiro-os por serem inteligentes e sinceros em seus atos. Ao Régis, Adauto, Leila e Silvia, em especial. Pessoas que fizeram do meu ambiente de trabalho um espaço prazeroso. São as relações com esses amigos que fizeram de uma das partes árduas do meu cotidiano algo mais fluido, alegre. Também, aos pacientes atendidos neste local, os quais me ajudaram a perceber que o que consideramos como trivial (comer, beber, andar, respirar), na verdade, é o essencial. Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha RESUMO Na era contemporânea, o motor do desenvolvimento tem sido o conhecimento, destacando-se o papel das ideias na criação do progresso para a humanidade. Pensadores das mais variadas áreas tentam elaborar as melhores alternativas para as teorias convencionais. A tendência atual aponta para a substituição das teorias simplistas por teses mais imperfeitas e complexas. Nesse sentido, o presente trabalho de conclusão de curso tem como finalidade analisar o problema da anarquia nas relações internacionais sob a perspectiva do construtivismo wendtiano. Quando as relações internacionais são analisadas sob a ótica dos modelos teóricos clássicos, percebe-se que o comportamento humano é constantemente abordado de maneira racional e generalizante. Em contrapartida, o construtivismo apresenta uma diferente proposta baseada em duas primárias preposições: as estruturas da associação humana são determinadas primeiramente pelo compartilhamento das ideias ao invés das forças materiais e as identidades e interesses dos atores são construídos por esse compartilhamento ao invés de serem considerados como pré-sociais. Pretende-se, assim, contextualizar a problemática da anarquia nas análises de política internacional a partir da visão construtivista de Alexander Wendt, um dos autores mais influentes da área de relações internacionais. O acadêmico observa três tipos principais de culturas anárquicas presentes no sistema internacional: a hobbesiana, a lockeana e a kantiana, as quais expressam papéis adotados pelos Estados de inimigo, rival e amigo, respectivamente. Palavras-Chave: Anarquia; Construtivismo; Alexander Wendt; Política Internacional; Cultura; Ideias. A Teoria de Alexander Wendt nas Relações Internacionais... Abstract In contemporary times, knowledge has been the clog of development, with the role of ideas in the creation of the progress for mankind being highlighted. Thinkers of several fields try to elaborate the best alternatives for conventional theories. The current tendency points to the replacement of simple theories for more imperfect and complex ones. In that sense, the present dissertation aims to assess the problem of anarchy in international relations under the perspective of wendtian constructivism. When the international relations are analyzed under the view of classical theoretical models, one realizes that human behavior is constantly approached in a rational and generalizing manner. On the other hand, constructivism presents a different proposal based on two primary prepositions: the structures of human association are determined primarily by sharing ideas instead of material forces and identities as well as interests of the agents are built by such sharing instead of being regarded as pre-social. It is intended, thus, to contextualize the problem of anarchy in the analyses of international politics from the constructivist standpoint of Alexander Wendt, one of the most influential authors in the international relations field. The scholar observes three main types of anarchic cultures within the international system: the Hobbesian, the Lockean ad the Kantian, which express roles adopted by the States of enemy, rival and friend, respectively. Key Words: Anarchy; Constructivism; Alexander Wendt; International Politics; Culture; Ideas. Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha SUMÁRIO INTRODUÇÃO.....................................................................................................................11 Capítulo 1 – A condição anárquica em âmbito internacional............................................15 1.1. Retornando à Teoria Política Clássica........................................................................15 1.2. Entendendo melhor o conceito de Anarquia..............................................................18 1.3. Cenários e Regimes....................................................................................................20 1.4. O debate neo-neo sobre a cooperação em meio à anarquia........................................25 1.5. Construtivismo e o início de novas abordagens sobre a anarquia..............................29 Capítulo 2 – O Construtivismo nas Relações Internacionais.............................................32 2.1. Construindo definições...............................................................................................32 2.2. Contexto histórico de surgimento...............................................................................41 2.3. Alguns pressupostos indispensáveis............................................................................44 2.4. Agenda de pesquisa construtivista..............................................................................49 Capítulo 3 – A visão wendtiana de anarquia.......................................................................53 3.1. As três culturas anárquicas..........................................................................................53 3.2. Estruturas estabelecidas e papéis assumidos sob a condição anárquica......................56 3.3. A cultura hobbesiana...................................................................................................61 3.4. A cultura lockeana.......................................................................................................73 3.5. A cultura kantiana.......................................................................................................84 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................91 REFERÊNCIAS.....................................................................................................................95 ANEXO A – As três correntes pós-positivistas..................................................................103 A Teoria de Alexander Wendt nas Relações Internacionais... INTRODUÇÃO E não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso entendimento... Bíblia – Romanos, 12:2 Desde a formação do sistema europeu criado a partir da Paz de Westfália em 1648, as relações internacionais começaram a ser estudadas por alguns intelectuais através da análise de fenômenos de relação entre guerra e paz entre os Estados. Entretanto, a área passou a ter maior importância no século 20, sobretudo no início da 1ª Guerra Mundial. Assim, surge uma demanda para que se consolidem as Relações Internacionais como um estudo autônomo, mais específico. A partir dessa necessidade, universidades dos Estados Unidos e Inglaterra iniciaram um investimento maciço no ensino relacionado a essa disciplina. Atualmente, pode-se perceber que a grande parte da produção acadêmica relacionada aos estudos das relações internacionais se deve aos anglo-saxões. Eles elaboraram hipóteses, definiram conceitos específicos que se universalizaram e, principalmente, formularam paradigmas e teorias a fim de proporcionar aos seus Estados ideias sobre acúmulo de poder e políticas de conservação da posição hegemônica. Com relação à trajetória teórica das relações internacionais, o que se pode observar é a presença de Grandes Debates (GROOM; LIGHT, 1994), os quais vieram registrando choques entre as antigas e novas teorias. Esse confronto foi se constituindo através das diversas transformações significativas da dinâmica do sistema internacional, fazendo com que os pesquisadores se empenhassem no aprofundamento de reflexões que acompanhassem os elementos novos surgidos, com o intuito de obter um conhecimento mais aproximado da realidade do cenário internacional vigente. Porém, um conceito constitutivo sempre esteve presente nos estudos de relações internacionais – o da anarquia. A visão compartilhada sobre a condição anárquica do sistema internacional pela maioria das correntes fez da anarquia um ponto de origem comum na disciplina. A questão permanece a mesma – como estabelecer a ordem? – porém, os caminhos sugeridos são diferentes. 11 Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha O Primeiro desses grandes debates se deu em 1930 com o embate entre a teoria dominante do Liberal-idealismo e a teoria emergente do Realismo. A primeira se pautava na institucionalização da cooperação e no estabelecimento dos mecanismos de ação coletiva dos Estados, construindo um condicionante à soberania destes. Por outro lado, a segunda, com base no realismo político, constituía suas estruturas na prevalência da razão de Estado através da prática do cálculo estratégico e do interesse nacional para a garantia da soberania, da segurança e do poder. Já o Segundo Debate envolveu uma questão metodológica, na qual os behavoristas apresentaram um empirismo trabalhado através de modelos explicativos matemáticos limitados para dar maior credibilidade à teoria realista. Todos estes debates continuam acontecendo, só que sob novos níveis e perspectivas. Reportando-se aos anos 1970, este período foi representado por um período de transição no qual o cenário de anarquia e equilíbrio de poder sofreu uma passagem para um espaço composto por organizações internacionais governamentais (OIGs). Nesse sentido, houve a consolidação das estruturas multilaterais que se encontravam em pleno funcionamento e expansão em nível global e regional. O dinamismo de organizações como a ONU, GATT, FMI, dentre outras, representava um processo de disseminação dos instrumentos de cooperação em nível global (spillover). Sendo assim, reforçaram-se as hipóteses de que as OIGs pudessem mudar o comportamento dos Estados, fazendo com que estes abandonassem o conflito. Essa mudança comportamental resultou na limitação da autonomia estatal perante as condições deste novo sistema internacional, o que fez com que os Estados alterassem sua percepção sobre a relevância de temas para sua agenda e que percebessem alguns déficits de soberania em determinadas áreas do globo. Era o declínio da aceitação das convicções das teses pertencentes ao Realismo. É no bojo desse panorama que nasce o Terceiro Debate das relações internacionais. Gerava-se uma tensão entre a tentativa de resgate do realismo como reafirmação e o aprofundamento das concepções liberal-idealistas como forma de promover a manutenção de seus ideais. A nova agenda realista, também chamada de realismo estrutural, considera a abertura estatal para uma maior interação entre as demandas domésticas e internacionais, devido à proliferação de leques de recursos de poder disponíveis aos Estados. Porém, essa diminuição da distância entre o nível interno e externo não suplanta a ideia de palavra final nas decisões estatais. 12 A Teoria de Alexander Wendt nas Relações Internacionais... Em contraponto a essas ideias, a visão neoliberal dá maior importância às instituições internacionais e ao cenário no qual estão inseridas, composto por uma rede de valores e princípios que concedem estrutura à ordem internacional. Seria a passagem da situação de soberania estatal para outra de supranacionalidade e governança global em que estão envolvidos conceitos como o de interdependência e transnacionalismo, gerando a ampliação da natureza e dos tipos de poder. É nesse contexto, ao final da década de 80, que surge o construtivismo. Tal corrente trouxe a influência de debates que estavam ocorrendo em outras áreas das ciências sociais para as relações internacionais – o lugar das ideias e dos valores na análise dos eventos sociais e políticos. No decorrer da década de 90, o construtivismo conseguiu ocupar posição de destaque nos debates posteriores que foram se desenvolvendo na disciplina. Quanto às principais questões inovadoras, a visão construtivista negou a anarquia como uma estrutura que define as relações internacionais, pois acredita na existência de um conjunto de normas e regras que fazem da área uma disciplina específica. Também classificou a condição anárquica internacional como socialmente construída, e não como predeterminada. Definir o sistema internacional como um espaço inerente de conflito e de competição não é correto, pois, para os construtivistas, a anarquia possibilita a variação entre conflito e cooperação. Os processos de construção e reconstrução são permanentes e abrem espaço para a contínua possibilidade de mudança (NOGUEIRA; NIZAR, 2005). Como uma das principais contribuições, não só para o construtivismo, mas para a disciplina de relações internacionais em geral, torna-se imprescindível citar a versão peculiar desenvolvida por Alexander Wendt1 em seu livro de 1999, Social Theory of International Politics. Nele, o acadêmico trabalha com três tipos principais de cultura anárquica presente no sistema internacional: a hobbesiana, a lockeana e a kantiana, as 1 Alexander Wendt was born in 1958 in Mainz in West Germany, and read political science and philosophy at Macalester College before receiving his Ph.D. in political science from the University of Minnesota in 1989, studying under Raymond Bud Duvall. Wendt taught at Yale University from 1989 to 1997, at Dartmouth College from 1997 to 1999, at the University of Chicago from 1999 to 2004, and is currently the Professor of International Security at the Ohio State University. He is married to Jennifer Mitzen, also a member of the Ohio State political science faculty. He is currently working on two projects: arguing for the inevitability of a world state, and investigating the possible implications of quantum mechanics for social science. Wendt is one of the core social constructivist scholars in the field of international relations. A 2006 survey of American and Canadian International Relations scholars ranks Wendt as first among scholars who have “been doing the most interesting work in international relations in recent years”. 13 Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha quais expressam papéis adotados pelos Estados de inimigo, rival e amigo, respectivamente. Essas características refletem estruturas sociais nas quais os atores consideram uns aos outros quando realizam suas tomadas de decisão. Tais culturas estão presentes simultaneamente no sistema, mas há uma cronologia de predominância. Segundo o autor, a anarquia hobbesiana já se encontra ultrapassada e, hoje, o que se presencia é um cenário de transição lockeana-kantiana. Esses caminhos não representam indissociavelmente uma evolução, são somente retratos que evidenciam mudanças de um estágio para outro. A questão utilizada como pano de fundo está relacionada à afirmação da existência de uma lógica anárquica e se essa estrutura afeta os interesses e as identidades do Estado ou somente seu comportamento, em suma, se o sistema internacional constrói os agentes estatais. O autor acredita que as estruturas anárquicas constroem os Estados, mas não numa lógica intrínseca, pois essas estruturas podem variar no nível internacional e assumir diversos caráteres. Desta maneira, o presente trabalho iniciará suas análises, no primeiro capítulo, observando o conceito de anarquia e as questões em torno dela, reportando-se às visões dos principais teóricos políticos clássicos para, posteriormente, incluir o tema no âmbito internacional. Serão apresentados os cenários e os regimes que vieram se moldando desde a Paz de Westfália, situando a anarquia nos debates teóricos mais recentes do mainstream das relações internacionais e introduzindo a relação da abordagem construtivista com o problema da anarquia. O segundo capítulo possui como objetivo apresentar mais detalhadamente a visão construtivista dentro da disciplina, analisando definições de conceitos, o contexto histórico de surgimento, os pressupostos e os principais temas pesquisados pela corrente. Já o terceiro capítulo, mais específico, examina a visão wendtiana sobre a anarquia, as estruturas estabelecidas e os papéis assumidos sob tal condição, com o intuito de analisar dialogicamente as características e as lógicas de cada cultura (hobbesiana, lockeana e kantiana). As considerações finais, por sua vez, consistirão em uma recapitulação das principais ideias apresentadas bem como em um espaço composto por críticas, pela sugestão de novas perspectivas, pela identificação de novas problemáticas e pela busca de alternativas. 14 A Teoria de Alexander Wendt nas Relações Internacionais... CAPÍTULO 1 – A CONDIÇÃO ANÁRQUICA EM ÂMBITO INTERNACIONAL We wear our scarves just like a noose But not 'cause we want eternal sleep And though our parts are slightly used New ones are slave labor you can keep We're living in a den of thieves Rummaging for answers in the pages We're living in a den of thieves And it's contagious And it's contagious And it's contagious And it's contagious Regina Spektor – Us 1.1 – Retornando à Teoria Política Clássica O estudo sobre a anarquia não é um assunto pioneiro da área de relações internacionais. Teóricos do contrato social já contribuíam para as ciências humanas, explorando a importância da anarquia na criação de governos. Faz-se a necessidade aqui, de serem citados brevemente, Hobbes, Locke e Kant. Para Hobbes (1964), os homens viveriam num estado de guerra, de todos contra todos, seguindo as leis naturais. Surge então, a necessidade de um contrato para que se garanta a vida dos indivíduos. A passagem do Estado de Natureza à fase da Sociedade Civil não representa uma evolução. Os homens em seu estado natural são racionais, porém incontroláveis. Para conter tal impulso, seria necessário o predomínio da razão, a qual seria encontrada no estado civil. Assim, um pacto (ou contrato) social deveria ser organizado para que se controlassem esses instintos. A realidade deixaria de ser pura para se incorporar nas condições artificiais. No estado natural, todos nascem iguais quanto às faculdades do corpo e do espírito. Embora existam os mais fortes fisicamente e os mais nobres de espírito, Deus não privilegiou nenhuma vida. Hobbes analisa essa igualdade como propícia para uma guerra de todos contra todos. Como não há, nesse estágio, um poder comum capaz de submeter a todos, os homens não têm como manter um respeito geral. A segurança que teriam contra os outros seria garantida por sua própria força e sabedoria, sendo livres para usar seu próprio poder da maneira que lhes conviesse. Isso acarretaria em constantes guerras, as quais levariam os indivíduos cada vez mais a se isolarem: 15 Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha [...] if one plant, sow, build, or possesse a convenient Seat, others may probably be expected to come prepared with forces united, to dispossesse and deprive him, not only of the fruit of his labour, but also of his life or liberty. And the invader again is in the like danger of another. And from this diffidence of one another, there is no way for any man to secure himself, so reasonable, as Anticipation; that is, by force, or wiles, to master the persons of all men he can, so long, till he see no other power great enough to endanger him. (HOBBES, 1964, p. 83). Em tal situação, o medo da morte e a busca pela segurança e conforto fazem com que os homens abdiquem de sua liberdade de ação, renunciando esse direito em detrimento de tudo e todos, transferindo, através de um contrato, esse poder individual para um poder comum, o qual estaria acima de todos os contratantes. Seria a imposição pelo direito, pelo medo e pela força para que se garanta o cumprimento do pacto por todos. Esse poder comum seria comandado metaforicamente pelo Leviatã, designação de Hobbes para o Estado, autoridade máxima escolhida e representada pela multidão, que asseguraria a transformação da condição de guerras em condição de paz. Já em Locke (KUNTZ, 1995), todos seriam iguais e livres perante Deus (a natureza). Todos possuiriam a mesma vantagem e não haveria relação de subordinação. Assim, o autor não acredita que exista uma guerra de todos contra todos. Essa descrença é decorrente da afirmação da existência de uma lei natural, a qual, em termos, limitaria a liberdade, ensinando a todos, por meio da vivência, que os indivíduos são independentes e que não devem prejudicar a outrem: Em Locke, a norma natural pode ser entendida como lei no sentido forte. A lei positiva não é mais mandatória que a da natureza. É mais garantida quanto à execução, mas nem por isso a lei natural é desprovida de eficácia. [...] Na condição natural, escreve Locke, os homens vivem num “estado de perfeita liberdade para ordenar suas ações e para dispor de suas posses e pessoas como julguem adequado, dentro dos limites da lei de natureza, sem pedir autorização ou depender da vontade de qualquer outro homem”. Esse é também, segundo Locke, um estado de perfeita igualdade, “no qual são recíprocos todo poder e toda jurisdição, ninguém tendo mais [desses atributos] que qualquer outro”. A condição natural se identifica imediatamente, portanto, pela diferenciação do poder. [...] A liberdade, este é o ponto importante, é explicada como poder de agir, dentro da lei de natureza, sem depender da autorização de outra pessoa. Embora Locke se refira ao estado de natureza como condição “também de igualdade”, os dois atributos, de fato, não são apresentados como independentes. A idéia de liberdade se explicita com a noção de igualdade, isto é, de indiferenciação de poder. É necessário conceber os homens como iguais para vê-los como livres. (KUNTZ, 1995, p. 96-97-98). A lei natural manteria uma relativa paz, preservando a humanidade conforme não houvesse a invasão dos direitos individuais. A execução da lei seria realizada por 16 A Teoria de Alexander Wendt nas Relações Internacionais... qualquer homem, tendo este o direito de castigar os que a violam. Como, nesse caso, o homem se torna o juiz de seu próprio caso, a imparcialidade pode emergir no favorecimento de si próprio e de seus amigos. Então, essa dinâmica providenciaria um espaço mais de afinidade do que de isolamento, fator que ajudaria na manutenção da paz. Locke designa a propriedade como sendo o próprio corpo do homem (o homem é proprietário de si) e tudo que ele retira da natureza através de seu trabalho (afinal, tudo o que há na Terra é bem comum de todos). O pacto ou contrato social se daria quando cada homem decidisse renunciar o seu próprio poder natural de julgar e executar a pena, transferindo-o à sociedade civil. O principal objetivo dessa transferência seria a preservação da propriedade, da posse pela vida, pela liberdade e pelos bens materiais. O governo recém estabelecido faria com que os homens entregassem a liberdade (natural) em troca da segurança, promotora da garantia de suas propriedades. A guerra seria provocada pela autotutela individual no exercício dos próprios interesses. A renúncia da autotutela para admitir a presença de um árbitro para a resolução de conflitos se tornava então necessária. Em Kant (2008), a paz não seria estabelecida no estado natural, o qual sempre está propício às ameaças de guerra decorrentes das discórdias entre os homens. Nem ao menos no estado civil natural, pois este possui certa contradição, na medida em que estabelece uma segurança contra as ameaças, porém que é abalada pelo inato sentimento de rivalidade inerente à proteção2: O estado de paz entre os homens que vivem lado a lado não é o estado natural (status naturalis) o estado natural é o de guerra. Isto nem sempre significa hostilidades abertas, mas, no mínimo, uma incessante ameaça de guerra. Um estado de paz, portanto, deve ser estabelecido, já que, a fim de se estar seguro contra a hostilidade, não basta que as hostilidades simplesmente não sejam cometidas; e, a menos que esta segurança seja garantida a cada um por seu vizinho (o que somente pode ocorrer num Estado juridicamente regulado), cada um pode tratar seu vizinho, do qual exige esta segurança, como um inimigo. (ANDRADE, 1993, p. 88). 2 Ao contrário do que se pode comumente supor, Kant discordava da ideia de um caráter pacífico do estado de natureza entre os homens. Aproximava-se o filósofo, neste aspecto, do conceito hobbesiano de estado primitivo de guerra. Entretanto, segundo Kant, esta situação inicial é exatamente o motivo pelo qual a busca pela paz deve ser empreendida. 17 Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha Então, para se obter o estado de paz, deve-se optar por dois princípios fundamentais. O primeiro é que a constituição civil de cada Estado deve ser republicana. A paz é estabelecida através das leis – em uma sociedade, todos são livres perante uma legislação comum, a qual faz dos indivíduos seres dependentes uns dos outros. Logo, todos são iguais. Este seria o princípio fundamental da cidadania. A Constituição deve ser republicana porque além de ser a mais próxima do conceito de lei, permite que as decisões sejam tomadas com o consentimento dos cidadãos, até mesmo nos casos de rompimento de paz e declaração de guerra. O segundo princípio se refere ao direito das nações, o qual deve ser fundado numa federação de Estados livres. Cada Estado deve possuir sua própria Constituição, pois se houvesse uma única para todos, o conceito de superioridade e inferioridade permaneceria e os vários Estados logo consistiriam em uma única nação. Ela também deveria ser organizada através de leis universais para que ninguém imponha seu ponto de vista sobre o do outro, evitando assim, a discórdia. Se essas leis apresentassem algum defeito, deveriam ser corrigidas politicamente pela moral conforme o direito natural da razão. E essa correção deveria ser feita através de emendas que não causassem uma ruptura imediata dos princípios civis, afinal, se assim fosse, a dinâmica iria contra a própria moral. 1.2 – Entendendo melhor o conceito de anarquia A anarquia é caracterizada pela ausência de governo ou de uma autoridade política presente sobre e entre as unidades de um sistema político. Como um conceito analítico, o termo não implica na falta de ordem política ou na presença do caos e, portanto, difere do uso informal, coloquial. O termo também difere de anarquismo, pois este último é uma posição normativa (possivelmente utópica) que defende a minimização da autoridade política em detrimento da maximização da autonomia individual. A condição de anarquia é entendida no contexto de um sistema internacional moderno, no qual as unidades de análise são os Estados, os quais são todos formalmente iguais perante a condição de possuírem soberania plena. Esse fator separa as relações internacionais de outras análises políticas, caracterizando-se como um campo distinto composto por diferentes regras e diferentes padrões de interação. 18 A Teoria de Alexander Wendt nas Relações Internacionais... Para a maioria das escolas de relações internacionais, a anarquia evidencia que todos os Estados devem confiar somente nos seus próprios recursos e habilidades – uma prática descrita como o princípio da autoajuda. Num quadro de ausência de autoridade, os Estados poderão apelar por proteção e ajuda, mas dependerão, ultimamente, de seus próprios esforços. Isso implica que em qualquer acordo firmado, o Estado deve se autogarantir em sua execução, não podendo depender da outra parte, confiando nela para que o acordo seja cumprido. Para Hedley Bull, a anarquia é “the central fact of the international system and the starting place for theorizing about it” (BULL, 1966, p. 35). Não há, no campo internacional, uma legislação que regule as relações entre Estados e não há um executivo supremo capaz de inibir as ações de um único Estado quando suas ações se opõem à vontade comum de todos os demais. Não há uma autoridade a qual um Estado possa recorrer por justiça no que tange às suas relações com seus vizinhos. É justamente por causa dessa ausência de um corpo governamental central que o sistema internacional é usualmente descrito como um sistema anárquico. Os Estados, soberanos, são autônomos e independentes. Essa autonomia mina a existência de um governo mundial. Com relação à epistemologia da palavra anarquia, literalmente esta significa sem um líder. Combina o prefixo grego an (sem) com o radical indo-europeu arkh (iniciar, tomar a frente). Historicamente, a ausência de um líder significava a ausência de um governante político (SHIPLEY, 1984). No uso comum, o conceito de anarquia é destinado tanto para a ausência de um governante quanto para a desordem que essa ausência ocasiona. Segundo o dicionário de Oxford, a anarquia é tratada como a “absence of government; the state of lawlessness due to the absence or inefficiency of the supreme power; political disorder” (Oxford University Press, 1971, p. 301). Embora a imagem das relações internacionais tenha sido dominada tanto tempo por conflitos e guerras, a anarquia aqui, não significa desordem: Literally, anarchy refers to the absence of a ruler. More generally, political anarchy is the condition of any polity that is lacking in formal institutions of government at the system level, that is highly decentralized with respect to the distribution of authority and power. Defined in this way, anarchy is by no means synonymous with disorder or chaos. There is no a priori reason to conclude that the emergence of effective systems of rights and rules is infeasible in polities characterized by a high degree of decentralization with respect to the distribution of authority and power. (YOUNG, 1994, p. 272). 19 Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha O que se entende é que entre as soberanias não há uma autoridade superior. Teorias recentes da área estão se empenhando em entender o estado de ordem e paz nas relações internacionais na ausência desse governo central supremo. 1.3 – Cenários e regimes Atualmente, vários autores da área de relações internacionais trabalham com a hipótese da decadência do templo westfaliano, uma referência ao sistema de Estados que tem moldado o sistema mundial desde o século 17. Os Estados têm perdido a centralidade no sistema mundial, em função da ampliação das redes de cooperação e de transnacionalismo. É um retrato da formação de interdependência complexa traçado com base num cenário pós-hegemônico (KEOHANE; NYE, 1989). Com base numa situação de multipolarização, de presença de novos atores e de declínio da pax americana presente no sistema internacional, há uma profunda interligação que se estabelece entre os Estados presentes em diversos setores e em múltiplas áreas nas relações internacionais. Todos os entes estatais passam a ser significativamente afetados uns pelos outros, devido a essa multiplicidade de setores e recursos de poder. Esse fator leva, de certa maneira, à criação de regimes internacionais, os quais se resumem na maneira de se estabelecer um contrato entre os Estados que se preocupam com temas comuns (KRASNER, 1982). As tradições de Westfália se remetem a uma ordem internacional anárquica3 nascente de um equilíbrio de poder. As relações conflituosas entre Estados no sistema internacional se evidenciavam pela atuação de cada um desses atores em busca de segurança, sobrevivência e poder, representando um mecanismo de contenção mútua. Essa é a primeira característica do sistema westfaliano: o princípio legal de ordenação, caracterizado pelo respeito mútuo à soberania. A segunda característica elementar é a elevada autonomia estatal como forma principal de conduta. Os Estados são soberanos, não existindo uma autoridade superior a estes. A política internacional, ou seja, a ação do Estado no sistema, é definida 3 Dentro de uma análise referente ao estado de natureza hobbesiano, o sistema internacional não é derivado de um contrato que estabeleça uma ordem e um conjunto de regras legitimadas em nível global (como acontece no nível doméstico entre a sociedade civil e o Estado nacional). Sendo assim, na concepção realista clássica, o sistema internacional é considerado anárquico. 20 A Teoria de Alexander Wendt nas Relações Internacionais... racionalmente pelo soberano, não existindo deslocamento entre tal política e a sociedade civil, a qual não influencia as ações do Estado4. Prevalecem, assim, o interesse nacional e o cálculo estratégico. Segundo Zacher (2000), seis são os pilares que sustentam esse templo de autonomia e soberania estatal. O autor mostra a decadência desses pilares ocorrida em diversos níveis durante o passar dos séculos, em que houve um grande aumento no número de organizações internacionais e maior cooperação no sistema: [...] vê-se o sistema internacional afastar-se do alto nível de anarquia existente anteriormente, rumo a uma nova situação em que existam regimes razoavelmente importantes em grande número de áreas temáticas internacionais, e os Estados são cada vez mais limitados no seu comportamento competitivo. [...] No entanto, não propomos aqui que a transformação internacional corrente esteja prejudicando a importância dos Estados; o que acontece é que ela implica o seu enredamento em um conjunto de regimes internacionais explícitos e implícitos e em uma série de interdependências que limitam cada vez mais a sua autonomia. (ZACHER, p. 90-91, 2000). O primeiro e principal pilar é o fato de os Estados, com base no cálculo de custo/benefício, considerarem os recursos gastos com as guerras suportáveis, se elas forem periódicas como vinham se mostrando. Isso faz com que os regimes destinados ao controle dessas tensões se enfraqueçam. Todavia, houve um crescimento de caráter destrutivo, sobretudo devido ao advento do arsenal nuclear, fazendo com que as guerras se tornassem improváveis. O segundo pilar se refere às externalidades físicas, as quais não provocavam danos além-fronteiras estatais a ponto de induzirem a uma colaboração em nível internacional para solvê-los. Entretanto, atualmente, a proliferação de doenças em todo o planeta e a problemática do aquecimento global têm colaborado para um maior engajamento de coordenações políticas estatais e privadas que se dão em um cenário de interdependências ambientais e biológicas que corroboram para uma interação mundial. Presente no terceiro pilar, a questão econômica também se estabelece numa situação de interdependência. Se à época do templo solidificado o rompimento de relações comerciais entre Estados por causa das guerras não acarretava em perdas econômicas graves, hoje o que se pode observar é um cenário de liberalização comercial em que está presente a participação não somente dos Estados, mas também de um 4 É a representação da razão de Estado. 21 Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha grande número de corporações multi/transnacionais na dinâmica dos fluxos financeiros mundiais. Também o grau de envolvimento dos Estados através de instituições comerciais internacionais tem crescido, proporcionando negociações que discutam temas pertinentes a determinada área, bem como suas regras: Em um mundo onde o comércio administrado é mais importante, pode haver violações mais freqüentes das regras globais do GATT, mas são essas regras que fornecem um quadro importante para que os Estados formulem sua política comercial. O respeito às “regras do jogo” está longe de ser perfeito, mas ao mesmo tempo os Estados sabem que para ter acesso ao mercado dos outros membros do sistema não podem divergir excessivamente dos padrões normais. (ZACHER, p. 117, 2000). O quarto pilar se refere aos fluxos de informação, que no período westfaliano eram limitados e não proporcionavam um processo intenso de intercâmbio econômico e cultural como ocorrido atualmente. A revolução nas comunicações, ao mesmo tempo em que estimulou as transações internacionais em diversas áreas criando uma interpenetração entre diversos atores e sistemas, também implicou num desafio à autonomia estatal, na medida em que se dificultou identificar as identidades culturais e políticas dos povos em meio aos fluxos migratórios e às trocas de informações presentes no mundo globalizado. A grande presença de governos não-democráticos, tema do quinto pilar, de certa forma colaborou para a restrição desses fluxos de informação e do trânsito de pessoas entre países. Segundo o autor, as democracias além de não entrarem em guerra entre si, também favorecem o capitalismo liberal, fazendo com que a expansão de regimes democráticos desobstrua o acesso a esses fluxos citados e provoque “uma certa homogeneização dos valores e dos costumes” (ZACHER, p. 131, 2000). O sexto e último pilar trata da questão dicotômica entre hetero e homogêneo na esfera cultural. Ao mesmo tempo em que a globalização evidenciou uma profunda diversificação de grupos étnicos e sociais, todas as culturas relacionadas a eles são, na verdade, produto híbrido de várias outras. Esse fator, juntamente com o da ocidentalização, abre espaço para um processo de homogeneização cultural em nível mundial, em que valores e práticas culturais devam caminhar em direção à universalização. A ideia do autor é visualizar uma tendência altamente plausível de que todos esses processos contrários aos pilares se intensificarão cada vez mais, não se 22 A Teoria de Alexander Wendt nas Relações Internacionais... encontrando mais nenhum sentido em fazer qualquer referência aos tempos de Westfália, pois este templo já se apresenta praticamente descaracterizado: Todas as indicações são de que aumentarão as interdependências internacionais nos campos econômico e do meio ambiente, fazendo com que sejam necessários mais regimes, e regimes mais fortes. Poderá haver um movimento marcante em favor de vínculos e regimes regionais, em oposição aos de caráter global, o que pode ser o resultado da considerável tensão existente entre agrupamentos regionais. Mas é provável que continuem a existir redes fortes de regimes e interdependências globais, desde que a violência militar não volte a ser um traço importante da cena internacional. (ZACHER, p. 138, 2000). Neste caminho, faz-se necessária a apresentação da colaboração de Stephen Krasner (1982) sobre as motivações aos processos de integração entre Estados. Para ele, as instituições internacionais são espaços normativos de formulação, comunicação, administração, adaptabilidade e legitimidade de regras. Logo, regimes ultrapassam a ideia de simples alianças, pois são mais do que parcerias momentâneas. Regimes são maneiras de se estabelecer contratos entre Estados que se preocupam com temas comuns. Entretanto, a motivação dos atores internacionais de cooperar nesse sentido não está relacionada somente com cálculo de interesses, mas, sobretudo, com princípios e normas que agem na maximização de uma noção de uma obrigação comum. Com relação a esses princípios, o autor foca bastante no de reciprocidade, o qual evidencia uma cooperação que sacrifica alguns interesses estatais em nome dessas obrigações comuns, em que a expectativa com relação à aderência de outros atores nesses regimes é bastante elevada. Essa friendship transaction, como afirma o autor, na realidade, é um ato de transferência de lealdade política dos Estados para as organizações das quais fazem parte. Os atores estatais farão isso tanto por possuírem interesses e preocupações comuns, quanto por acreditarem nesses valores globais. Essa interdependência estrutural será sustentada por um compromisso gerador de confiança mútua (confidence building major). Segundo Krasner, “changes in rules and decision-making procedures are changes within regimes, provided that principles and norms are unaltered” (p.3, 1982) porque “changes in principles and norms are changes of the regime itself” (p. 4, 1982). Princípios e normas estão acima ou se igualam aos próprios regimes. Desaparecendo esses valores, desaparecem os regimes ou há a criação de novos. As regras e decisões referentes à política internacional sofrem mudança no interior dos regimes e, 23 Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha conseqüentemente, não são de ordem estrutural. Logo, as falhas ocorridas nesses regimes estão relacionadas às incoerências das relações dos diversos atores internacionais, ou seja, das fragilidades entre os próprios regimes e os comportamentos ocorridos dentro deles. As relações entre Estados soberanos requerem regimes incumbidos de coordenar o comportamento estatal em direção à obtenção de resultados desejados. Esta conduta opõe-se aos intentos hegemônicos. Considerando que as motivações de puro poder excluem os regimes, estes poderiam ser etapas eliminadas na busca pela supremacia. Normas e princípios, por sua vez, não apenas surgem como mais uma razão ao advento de regimes, mas também são elementos que os definem e os caracterizam. Eles podem ser também as causas do fim de um determinado regime. Finalmente, de um lado, os usos e costumes, e de outro, o conhecimento, são as duas últimas variáveis causais que podem afetar o desenvolvimento de regimes. O conhecimento manifesta-se como uma variável interveniente, consistindo no conjunto de informações e teorias das quais os atores dispõem para chegar a consensos e acordos. Ele diz respeito, portanto, segundo Krasner, à chave para o entendimento mútuo: Knowledge creates a basis for cooperation by illuminating complex interconnections that were not previously understood. Knowledge can not only enhance the prospects for convergent state behavior, it can also transcend “prevailing lines of ideological cleavage.” It can provide a common ground for both what Haas calls mechanic approaches […] and organic approaches […]. (KRASNER, 1982, p. 203) A ampliação do conhecimento acerca de determinados temas, como a saúde e o meio ambiente, traz como consequência a alteração de normas. Para que o conhecimento possa agir independentemente, ele precisa ter o consentimento dos atores. Em suma, o autor enxerga duas diferentes orientações para as relações internacionais. Uma delas é a perspectiva que se aproxima do pensamento de Grotius – defendida por Hopkins e Puchala, e segundo a qual os regimes consistem em uma faceta da interação social, isto é, os vários fatores acima citados contribuem para a formação de um regime. Já a outra orientação diz respeito à realista-estruturalista. Segundo esta, os regimes emergem como decorrência da falha da decisão individual no sentido de 24 A Teoria de Alexander Wendt nas Relações Internacionais... assegurar resultados desejados. Neste caso, as variáveis causais básicas que levam à criação de regimes são o poder e o interesse, e os atores básicos são os Estados5. Os regimes devem ser vistos, então, como variáveis autônomas agindo independentemente, não somente sobre os comportamentos e resultados, mas também sobre as variáveis causais básicas, as quais são responsáveis pela própria criação do regime. 1.4 – O debate neo-neo sobre a cooperação em meio à anarquia Mais do que uma discussão em torno do próprio propósito das instituições em si, a grande questão se relaciona com a identificação de qual a visão motivadora de cooperação, ou seja, o que impele os Estados a cooperar. Enquanto, para os neoliberais, a cooperação assume sentido de mudança, a qual se dará por meio de uma rede de princípios e valores que tem o papel de sustentar a ordem internacional, no neorealismo, a cooperação assume valor instrumental, evidenciando que as instituições são um espaço de manobra funcional à dominação e, portanto, estão subordinadas ao interesse nacional. Torna-se importante então, observar os pontos de debate e convergência entre neoliberais e neo-realistas. As correntes divergem sobre a possibilidade de ocorrência e sobre a freqüência da cooperação no sistema internacional. David Baldwin afirma que os neo-realistas enxergam a cooperação como algo “harder to achieve, more difficult to maintain, and more dependent on state power” (1993, p.3). São, portanto, mais céticos em relação às vantagens de uma combinação supranacional, uma vez que essa seria difícil de ser alcançada e mantida. Por isso, os neo-realistas supervalorizam a existência da anarquia que rege o sistema internacional em detrimento da existência de uma interdependência. Os neoliberais, por sua vez, apostam nos ganhos absolutos provenientes da cooperação internacional como um ganho comum. Para eles, cooperar significa somar interesses compartilhados, e não um subtrair do outro. Enquanto os neoliberais 5 Krasner observa que autores como Stein e Keohane vão além das orientações realistas convencionais, criticando a associação superficial que estas estabelecem entre as mudanças em variáveis causais básicas e os comportamentos e resultados, bem como o fato de elas negarem a utilidade do conceito de regime. No entanto, segundo Krasner, esta análise acaba se tornando redundante e se revelando igualmente constrangedora, pois que os argumentos que consideram os regimes como sendo variáveis intervenientes, e o poder e interesse estatais como variáveis causais, caem dentro do paradigma realista-estruturalista. 25 Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha destacam a importância da economia, os neo-realistas apostam na questão da segurança militar como prioridade do Estado. A existência e fortalecimento de instituições multilaterais, contudo, diminuiu a necessidade de ser recorrer ao poderio militar. Tanto o neo-realismo quanto o neoliberalismo reconhecem a abundância destas organizações, mas diferem quanto a seu significado: Much of the contemporary debate”, according to Keohane (this volume), “centers on the validity of the institucionalist claim that international regimes, and institutions more broadly, have become significant in world politics.” The neorealists agree that this is an important point of contention. They believe that neoliberals exaggerate the extent to which institutions are able to “mitigate anarchy’s constraining effects on inter-state cooperation. (BALDWIN, 1993, p 8) Por isso, apontam os neorrealistas que as instituições devem ser seguidas de perto pelo poderio militar – o poder é um elemento muito significativo. Para Waltz (1989), um agente se torna poderoso na medida em que afeta mais os outros do que os outros o afetam. Neste entendimento, mais poder para um ator sempre significará menos para os demais. O trabalho de Kenneth Waltz representa outra possibilidade de entender a cooperação no âmbito internacional na medida em que analisa a teoria realista, suas semelhanças e diferenças com relação ao neo-realismo. Para ele, é necessário entender que a política internacional e a estrutura do sistema são autônomas. Enquanto a primeira é desenvolvida no âmbito interno do Estado, a segunda indica que o sistema é anárquico e, nesse sentido, o Estado deve se adaptar ao sistema, e não o contrário. Vale ressaltar que o neo-realismo mantém as principais características do realismo, entretanto, a forma de interpretar muda – o poder representa agora um meio útil. Em situações de risco, a condição dos Estados não é a conquista do poder, mas sim a manutenção de sua segurança. Logo, a competição e o conflito entre Estados levam estes a providenciar sua própria defesa, pois como o sistema internacional é anárquico, pairando a instabilidade, os Estados sempre estão preocupados com um possível ataque. Tanto a busca pelo poder quanto a busca em se manterem seguros fazem surgir um cenário marcado pela insegurança e pelo conflito. Em suma, a guerra ocorre motivada por mudanças na estrutura do sistema internacional. Baseado nesta visão apresentada pelo autor, pode se entender que a cooperação entre os Estados ocorre quando há um conjunto de interesses em comum que buscam 26 A Teoria de Alexander Wendt nas Relações Internacionais... gerar ou manter o fortalecimento desses atores no sistema internacional. Além disso, a cooperação somente ocorrerá quando a estrutura desse sistema passar a valorizar este tipo de relação entre os Estados. Nesse sentido, em um sistema multipolar, em que há o predomínio da diplomacia, as alianças ocorrem por um determinado conjunto de interesses em comum e não, necessariamente, pela totalidade de interesses comuns. Aqui, é necessário que uma das grandes potências abra mão de alguns objetivos para manter seus aliados próximos de si. Porém, a cooperação nunca está salva da chamada sombra da desconfiança, pois em alianças em que existam discrepâncias entre os países há a necessidade de cautela com relação aos Estados mais fracos e aventureiros, os quais, em momentos de crise, tendem a esquecer os laços e agir do modo que melhor lhe convenham – fato este que pode alterar o equilíbrio existente no sistema internacional. Por outro lado, em alianças entre Estados com poderes absolutos mais equalizados, a deserção de um acaba por fragilizar a defesa do outro. Neste raciocínio, o erro no cálculo estratégico na formulação de cooperações acaba por ser mais impactante em um mundo multipolar que em um bipolar. Em um sistema que possui diversas potências, o erro acaba por levar à alteração do status quo. Já em um mundo com apenas duas grandes potências, há uma possibilidade de correção, na medida em que há mais clareza na possibilidade do erro de um e na sanção que o outro irá impor sobre aquele que falhou. Resumidamente, pode-se entender que o mundo multipolar é marcado pela maior interdependência, por perigos difusos e responsabilidades confusas. Por outro lado, a baixa interdependência das partes e a clareza no perigo são as principais características de um mundo bipolar. Entretanto, em ambos os mundos entende-se que a cooperação busca a manutenção ou a conquista do poder, pois a estrutura do sistema internacional é anárquica. Os neo-realistas consideram o Estado nacional como ator primário das relações internacionais e cada um, com a sua soberania, possui interesses nacionais que guiam a política externa e que se confrontam com a de outras nações. Waltz descreve esse cenário como um sistema de autoajuda: With many sovereign states, with no system of law enforceable among them, with each state judging its grievances and ambitions according to the dictates of its own reason or desire – conflict, sometimes leading to war, is bound to occur. To achieve a favorable outcome from such a conflict, a state has to 27 Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha rely on its own devices, the relative efficiency of which must be its constant concern. (WALTZ, 1959, p. 159). Nessa perspectiva, o poder é mensurado em termos relativos. O Estado não precisa ser o mais poderoso de todos, porém mais poderoso do que seus potenciais inimigos. A cooperação deve ser feita de maneira cautelar para que se evitem laços de dependência. Assim, as relações internacionais emergem de um desconfortável entrave propiciado pelo balanço de poder, em que os Estados evitam o conflito por estarem incertos sobre os resultados que podem acarretar. Como exposto, embora a questão de que o sistema internacional seja anárquico seja amplamente compartilhada, o significado e as consequências dessa hipótese ocupam constantemente espaços centrais em debates da área. Para os realistas, a anarquia produz um efeito de soma-zero num espaço de esforço competitivo entre os Estados. Para os realistas políticos, ela não se caracteriza como proeminente, pois é uma condição de experiências passadas. Hans Morgenthau (1950), por exemplo, situa o ímpeto pelo poder no caráter inato do homem político, não na natureza do sistema internacional. Já para os neo-realistas, a anarquia é uma das principais características que definem a estrutura internacional, gerando até efeitos causais significativos. Dentro ainda do neo-realismo, existem duas vertentes. A defensiva acredita que a condição de anarquia emerge quando Estados procuram por segurança. Sabido que alguns Estados podem possuir tendência agressiva, todos os outros devem estar vigilantes e preparados para se defenderem. Entretanto, os realistas ofensivos estabelecem que a anarquia é uma condição desafiadora na qual os Estados devem possuir poder a todo momento. Esses atores estão sempre inseguros, com o medo que outros possam explorar suas forças, impondo sua vontade aos outros. E como o poder é uma soma-zero, nada que acarreta em uma vantagem para um Estado pode criar uma desvantagem a outro. Nesse caso, a anarquia evidencia que as políticas internacionais possuem uma forte tendência à dominação. Os neoliberais institucionalistas enxergam a anarquia como uma condição que pode ser mitigada se não for resolvida totalmente através de instituições de negociação voluntária entre os Estados. Ao contrário do neo-realismo, aqui a anarquia não define os objetivos dos Estados, mas permite que o dilema da colaboração e coordenação entre esses atores se sobreponha ao da cooperação somente por intuito de maximização de ganhos. Na forma de uma ordem auto-organizável, os Estados podem evitar algumas implicações conflituosas da anarquia formando instituições sem necessariamente se 28 A Teoria de Alexander Wendt nas Relações Internacionais... subordinarem a uma autoridade central. Em suma, a ordem no sistema é resultado mais da cooperação entre Estados do que das relações de conflito constante. 1.5 – Construtivismo e o início de novas abordagens sobre a anarquia Os construtivistas encaram a anarquia como uma condição aberta composta por elementos socialmente construídos e por regras e normas interpretadas que podem variar no tempo e no espaço. Esses atores podem representar e serem representados em diferentes contextos, em um mundo de todos contra todos, em um mundo que reflete elementos importantes do institucionalismo e dos direitos naturais, ou em um mundo de paz e cooperação. Em todas essas ordens socialmente construídas há um potencial para uma transformação sistêmica que exclui tanto as assunções do neo-realismo quanto do neoliberalismo. O Estado-nação é produto de sistemas sociais e legais que permitem a existência da condição de soberania. O construtivismo é baseado na ideia de que as instituições sociais não são objetos externos formados por algum poder desconhecido. Essas instituições, como os Estados e o próprio sistema internacional, são socialmente construídas por regras e práticas presentes na vida cotidiana humana. São resultados de um processo histórico que se apresenta em fluxo constante e, por isso, devem ser sempre contextualizadas (LAKE, 2009). É a partir desta vertente teórica das relações internacionais que se iniciam as críticas sobre o conceito convencional de anarquia e seu papel desenvolvido no sistema internacional. Basicamente, essas críticas se dão em dois principais temas. O primeiro se refere à noção comum de anarquia derivada de uma concepção formal-legal de autoridade excessivamente limitada. Concepções alternativas abrem mais possibilidades para análises que consideram diferentes tipos de autoridade coexistindo dentro do sistema internacional ao mesmo tempo. Segundo, a soberania não é divisível, como comumente avaliada, mas é um conjunto de diferentes tipos de autoridade que podem ser desagregadas através de meios que não coincidem necessariamente com os Estadosnação tradicionais. Uma soberania divisível permite um patchwork composto por dominação, competição e outras autoridades complementares que existem simultaneamente. Esses temas críticos sugerem que algumas formas de governança global já existiam no passado e que, atualmente, formam uma tendência maior de expansão para o futuro (LAKE, 2009). 29 Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha Na concepção formal-legal de autoridade, a pessoa ou a unidade envolvida tem o direito de executar certos comandos sobre um grupo de subordinados porque a posição a qual lhe permite fazer isso é legítima. A autoridade não está no indivíduo, mas na posição que este ocupa, alcançada através de um procedimento legal. Eleita majoritariamente por um Colégio Eleitoral, por exemplo, uma pessoa se torna presidente dos EUA; estabelecendo regras de rotação, os países coletivamente se apossam da presidência do Conselho da UE. Nas relações internacionais, como não há uma autoridade ou um procedimento legítimo sobre os Estados, nenhum ator pode estar autorizado a governar, a não ser a si próprio. Como resultado, o sistema e as relações que ocorrem nele são classificados como anárquicos. Entretanto, essa é apenas uma fonte possível de autoridade. Weber (1978), por exemplo, mesmo dentro da concepção formal-legal, afirma que a legitimidade e a autoridade podem derivar do carisma, da tradição ou de crenças religiosas. Outros autores acreditam que deriva de princípios psicológicos de equidade e justiça, normas construídas socialmente, ou contratos negociados socialmente entre governante e governado. Essas outras fontes abrem a possibilidade de a autoridade ser exercida não só por Estados, mas também por organizações internacionais, ONGs, e outros atores. Enquanto os debates convencionais continuam em torno das questões de quem tem autoridade sobre quem e para que, esse crescente surgimento de pesquisas críticas sugere que as relações internacionais não são totalmente anárquicas, mas melhor descrita como um sistema variado de múltiplas unidades executoras de autoridade oriundas de múltiplas fontes de autoridade. Com relação à soberania, esta veio sendo considerada como fator indivisível e mais importante dentro de cada entidade territorialmente distinta. Antigamente, a soberania era exercida por um rei, um imperador, um soberano. Hoje, porém, a qualidade soberana do Estado também deriva do poder popular. Mas mesmo estando atrelada a uma sociedade (parte constitutiva do Estado), a autoridade não pode, nem em parte, estar subordinada a qualquer outro ator. Essa suposição é codificada na noção de soberania jurídica ou westfaliana, incorporada à Carta das Nações Unidas. Atualmente, os Estados não necessitam controlar seus territórios como no passado, mas somente precisam ser reconhecidos como soberanos por outras unidades soberanas para que esse status se confira. Há um grande consenso sobre a crença de que os Estados não tenham incorporado essa visão idealizada de soberania westfaliana de fato. Todavia, mesmo 30 A Teoria de Alexander Wendt nas Relações Internacionais... historicamente, a soberania se apresenta melhor se descrita como um conjunto de autoridades que são desagregadas através de unidades dentro de um Estado, o que seria conhecido como federalismo, ou, mais importante, através dos Estados e outras partes. Essa desagregação é exemplificada por um multinível de governança presente na UE contemporânea e também refletida em numerosas restrições internacionais às ações de liberdade dos Estados6. A combinação de múltiplas formas de autoridade permite a existência de vários espaços onde a autoridade pode ser exercida, o que sugere que os padrões de governança global tendem a ser mais variados, complexos e dinâmicos do que outros. Grupos transnacionais não estatais exercem autoridade sobre seus membros, assim como as ordens religiosas, sindicatos, e outros corpos coletivos. ONGs ganham autoridade sobre firmas e Estados, limitando ações de cartéis internacionais, regulando o comportamento dos atores através do monitoramento de procedimentos de certificação. Os Estados exercem autoridade uns sobre os outros em suas esferas de influência. As organizações internacionais também possuem autoridade – a OMC, regulando as disputas comercias, a Agência Internacional de Energia Atômica, gerenciando as instalações e programas nucleares. A crítica sobre a concepção convencional de anarquia e a expansão da governança global implica três desafios essenciais para o futuro: os analistas devem mapear as formas de governança global a fim de identificar onde a autoridade atual é inadequada ou não regulada, propondo reformas que ajudem a melhorar o bem estar social; os policy makers devem aceitar e navegar entre essas múltiplas formas de autoridade, aliando-as aos seus propósitos nacionais quando apropriado; e os cidadãos globais devem trabalhar para assegurar que as autoridades globais atuem preocupadas em atender a interesses gerais. 6 Direitos de proteção e garantia (caso dos EUA com a Federação de Estados da Micronésia); direitos de controle econômico e financeiro (aplicado entre EUA e República Dominicana entre 1904 e 1941); direitos de servidão (entre EUA e Japão, sob a presença de acordos forçados); direitos de intervenção (entre EUA e Panamá, no tratado de neutralidade de 1977). 31 Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha CAPÍTULO 2 – O CONSTRUTIVISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS Era uma casa muito engraçada Não tinha teto, não tinha nada Ninguém podia entrar nela, não Porque na casa não tinha chão Ninguém podia dormir na rede Porque na casa não tinha parede Ninguém podia fazer pipi Porque penico não tinha ali Mas era feita com muito esmero na rua dos bobos numero zero Vinícius de Moraes – A Casa 2.1 – Construindo definições O construtivismo não é, em si, uma teoria, mas uma abordagem dentro dos estudos de relações internacionais que é baseada no pressuposto de que estas são socialmente construídas. Assemelha-se mais a uma metateoria, na medida em que trouxe conceitos importantes das ciências sociais para a disciplina e questionou pontos teóricos e formas de teorização tradicionais dentro do campo (NOGUEIRA; MESSARI, 2005). O construtivismo se pauta na construção social humana e seu papel na vida internacional (RUGGIE, 1998). A corrente é focada na interferência das ideias, normas, do conhecimento e da cultura nos entendimentos coletivos da vida social. Uma análise que estabelece três grandes preceitos: a) as interações humanas são formadas, primeiramente, por fatores ideacionais, não somente por materiais; b) o fator ideacional é o mais importante e representa o compartilhamento de crenças intersubjetivas, as quais não são reduzíveis aos indivíduos; c) esse compartilhamento é construído pelos interesses e pelas identidades de atores que se constituem como intencionais (ADLER, 1997; WENDT, 1999): Construtivismo é a perspectiva segundo a qual o modo pelo qual o mundo material forma a e é formado pela ação e interação humana depende de interpretações normativas e epistêmicas dinâmicas do mundo material. [...] Além disso, os construtivistas acreditam que a capacidade humana de reflexão ou aprendizado tem seu maior impacto no modo pelo qual os indivíduos e atores sociais dão sentido ao mundo material e enquadram cognitivamente o mundo que eles conhecem, vivenciam e compreendem. Assim, os entendimentos coletivos dão às pessoas razões pelas quais as 32 A Teoria de Alexander Wendt nas Relações Internacionais... coisas são como são e indicações de como elas devem usar suas habilidades materiais e seu poder. [...] construtivismo significa estudar como aquilo que os agentes consideram racional tem efeitos nos empreendimentos e nas situações humanas coletivas. (ADLER, 1999, p. 205-6; 215). Os indivíduos são os principais protagonistas de um mundo que é constantemente construído por eles mesmos, produto de suas escolhas. Este mundo não é predeterminado, já que os agentes podem transformá-los dentro de certos limites. Dentro deste raciocínio, os construtivistas não acreditam numa antecedência ontológica, ou seja, não identificam uma relação de precedência entre estrutura e agentes, pois consideram ambos co-construídos. Um não precede o outro nem no tempo e nem na capacidade de influência. Não há como citar a sociedade sem mencionar os indivíduos que a compõem e nem há como citar os indivíduos sem mencionar a sociedade a qual constituem: O construtivismo está no meio termo porque se interessa em entender como os mundos material, subjetivo e intersubjetivo interagem na construção social da realidade, e porque, mais do que considerar exclusivamente como as estruturas constituem as identidades e os interesses dos agentes, ele pretende também explicar como, antes de tudo, os agentes individuais constroem socialmente essas estruturas. (ADLER, 1999, p. 216). Agentes e estrutura são igualmente relevantes para a explicação do comportamento social. A estrutura está presente tanto na constituição dos agentes como na constituição das práticas sociais. É tanto o meio como o resultado da reprodução destas. Já os agentes são possuidores de identidades e têm o papel de construtores de suas próprias práticas. Agem de acordo com as regras institucionais e de acordo com seus interesses (GIDDENS, 1979). Portanto, o objetivo principal do construtivismo é “fornecer explicações tanto teóricas quanto empíricas de instituições sociais e da mudança social com o auxílio do efeito combinado de agentes e estruturas sociais (ADLER, 1999, p. 210). O sistema internacional é um lugar de ideias, pensamentos, um sistema de normas7, o qual é organizado por certas pessoas em certos momentos e em certos lugares. Os agentes constroem sua realidade social e a reproduzem em suas práticas 7 O sistema é um conjunto de relações entre partes e um todo, sendo elas regulamentadas, o que presume que sigam um ordenamento, um padrão. No caso do sistema internacional, o regulamento é constituído do próprio sistema, o que evidencia uma auto-regulação. 33 Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha cotidianas. Logo, o construtivismo vê o sistema internacional como socialmente construído, e não como algo dado (JACKSON; SORENSON, 2003). Os agentes não existem independentemente de seu ambiente social. Os interesses dos Estados, por exemplo, emergem do ambiente no qual operam. Isso significa que os interesses são construções endógenas advindas das interações dos Estados com o ambiente no qual estão inseridos. O mundo social envolve pensamentos, crenças, ideias, conceitos, formas de linguagem, discurso, signos e significados. As pessoas fazem o mundo social, o qual possui um significado peculiar para mente de cada um8. A construção social da realidade nos faz entender que as coisas não significam por si só, o mundo material não atribui significados. São as pessoas que constroem o significado das coisas, usando um sistema de signos, que é predominantemente linguístico. É a subjetividade que cria os objetos – a coletividade atribui significado a eles por meio de uma espécie de batismo social9. As interações dentro desse ambiente que irão definir quem nós somos, nossas identidades (WENDT, 1999). Os construtivistas focam tanto nas diferenças entre as pessoas quanto em como as relações entre elas são formadas por significados atribuídos através de instituições sociais coletivas. Os construtivistas se pautam nas estruturas normativas e ideacionais bem como nas estruturas materiais, com intuito de definirem o significado e a identidade dos indivíduos. O mundo material é constantemente interpretado pelos seres humanos, por isso a maior atenção às crenças, ideias, concepções e suposições trabalhadas no campo intersubjetivo. As normas e as crenças compartilhadas constituem as identidades e os interesses dos atores, o modo como as pessoas se consideram em suas relações. Os interesses são baseados nas identidades sociais dos atores, o que evidencia que ambos não são fixos, mas relativos e relacionados (ADLER, 1997). Os atores da política internacional são socialmente construídos, produtos de um processo histórico complexo que envolve dimensões sociais, políticas, materiais e ideacionais. São (re)constituídos através de práticas políticas que criam entendimentos 8 Com a sociedade moderna, o indivíduo se torna centro de conhecimento e decisão. Cada um é uma totalidade em si mesmo, pois se constitui em um centro de conhecimento individual. Cada indivíduo possui seu próprio pensamento e o articula mentalmente de modo particular através de forma simbólica (subjetividade). 9 Construtivistas como Saussure (1974) dão ênfase às relações ocorridas dentro deste sistema de signos, verificando a distinção de um objeto pela existência de outro. Já construtivistas como Derrida (1981), trabalham com estruturas binárias de oposição (educação/ignorância; modernidade/tradicionalismo), evidencia uma relação de poder na qual um elemento binário é sempre privilegiado. 34 A Teoria de Alexander Wendt nas Relações Internacionais... sociais compartilhados. Não há verdade objetiva no mundo social e, desde que este é socialmente construído, não se apresenta como estático. Na realidade, é uma teoria que envolve metodologia interpretativa, não possuindo propósito explicativo, mas compreensivo. As teorias materialistas afirmam que o comportamento político é determinado somente pelo mundo físico. Já as teorias individualistas analisam os entendimentos coletivos como simples fenômenos das ações individuais, negando que estas possuam poder causal ou algum status ontológico. Contrariamente, o construtivismo se baseia em fatos sociais – coisas como dinheiro, soberania, direitos, as quais não possuem realidade material, mas que existem devido ao fato de as pessoas compartilharem a crença de que elas existem e agirem de acordo com esse pressuposto. Todas as análises construtivistas fazem o uso, embora em graus diferentes de intensidade, de uma ontologia ideacional e do holismo de certo modo10 (FINNEMORE; SIKKINK, 2001). O construtivismo é um tipo de teoria diferenciada do mainstream das relações internacionais (realismo, liberalismo, e até mesmo o marxismo), pois opera em um nível diferente de abstração. É uma teoria social sobre a natureza da vida social e suas mudanças. Entretanto, não faz afirmações acerca do conteúdo das estruturas sociais ou da natureza dos agentes. Consequentemente, não produz, por si só, previsões sobre resultados políticos que poderiam ser testados num programa de pesquisa científica social. Nessa lógica, o construtivismo se assemelha ao método de escolha racional11. O construtivismo oferece estruturas para o pensamento acerca da natureza da vida social e das interações que nela ocorrem, mas não estabelece verdades sobre o conteúdo específico desse movimento. Agentes e estruturas são mutuamente constituídos na medida em que permite entendimentos de como o mundo político se dinamiza. Nem o 10 “Suponha que você arremesse uma pedra ao ar. Ela pode ter apenas uma resposta às forças físicas externas que agem sobre ela. Porém, se você arremessar um pássaro ao ar, ele pode voar para uma árvore. Embora as mesmas forças físicas ajam sobre o pássaro e a pedra, uma quantidade massiva de processamento interno de informação afeta o comportamento do pássaro (Waldrop, 1992). Finalmente, pegue um grupo de pessoas, uma ou várias nações e metaforicamente os arremesse ao ar. Para onde, como, quando e porquê eles vão não é inteiramente determinado por forças ou constrangimentos físicos; no entanto, de mesmo modo não depende inteiramente de preferências pessoais ou escolhas racionais. Depende também de seu conhecimento compartilhado, do significado coletivo que eles atribuem à situação, de sua autoridade e legitimidade, das leis, instituições e recursos naturais que eles usam para achar seu caminho, de suas práticas, ou mesmo, algumas vezes, de sua criatividade conjunta.” (ADLER, 1999, 203). 11 No método de escolha racional, os agentes agem racionalmente para maximizar utilidades, porém o conteúdo especificado dos atores e de suas utilidades não encontra suportes nesta análise. Na realidade, deveriam ser providos antes de se iniciar tal análise (FINNEMORE; SIKKINK, 2001). 35 Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha método de escolha racional nem o construtivismo oferecem explicações substantivas ou previsões acerca do comportamento político. Estão mais preocupados em trazer entendimentos sobre quão relevante os atores são, o que eles desejam e como o conteúdo das estruturas sociais deveria ser. O construtivismo se engaja em questões que outras abordagens têm falhado em analisar. A vertente entende que os atores são formados pelo meio social no qual vivem, procurando analisar como essa formação acontece e quais resultados ela traz. O foco é dado a como as identidades e os interesses são criados, entendendo como as coisas funcionam quando colocadas juntas, não se limitando a uma mera descrição delas. Mas entender a constituição das coisas é também essencial para a explicação de como elas se comportam e em quais resultados políticos acarretam12 (WENDT, 1999). Os construtivistas reconhecem que todos os métodos de pesquisas incluem interpretações e, sendo assim, não há uma fonte neutra de onde se possa obter conhecimento objetivo sobre o mundo, mas, no entanto, autores dessa corrente divergem sobre como essas interpretações devem ser feitas e sobre que tipos de explicações elas produzem. Estabelecem-se aqui, duas variações de construtivismo: os modernos (positivistas) e os pós-modernos (interpretativistas). Estes últimos não se atentam para a produção de conhecimento analítico, considerado como validado. Adotam uma postura que torna possível a realização de críticas e a desconstrução de conhecimentos afirmativos de outras teorias, mas ao mesmo tempo encontram dificuldades em construir e elaborar novos conhecimentos. Possuem um compromisso com uma estratégia de pesquisa indutiva que foca na reconstrução da identidade dos agentes, utilizando-se de métodos que abrangem uma variedade de técnicas teóricas de discurso. Já os construtivistas modernos acreditam que o mundo é constantemente interpretado e que esse fato não implica que as interpretações e explicações surgidas são todas iguais, mas que algumas se portam como mais evidentes, mais persuasivas [ou lógicas] e mais empiricamente plausíveis do que outras13 (PRICE & RÉUS-SMIT, 1988). Logo, tentam realizar análises empiricamente concretas, não por mero desejo, mas também como 12 “Just as understanding how the double-helix DNA molecule is constituted materially enables understandings about genetics and disease, so, too, an understanding of how sovereignty, human rights, laws of war, or bureaucracies are constituted socially allows us to hypothesize about their effects in world politics” (FINNEMORE; SIKKINK, p. 394, 2001). 13 Os construtivistas modernos acreditam que a razão é uma prática fundada na ciência; quando os cientistas argumentam sobre a verdade, referem-se não a uma realidade supra-social, mas a essa razão fundada – às melhores razoes cientificas possíveis que se possa dar (ALEXANDER, 1995). 36 A Teoria de Alexander Wendt nas Relações Internacionais... artifício para que as ideias desse campo possam se inserir de maneira mais legítima nos debates científicos. Outra divisão dentro do campo ocorre entre construtivismo crítico e convencional (HOPF, 1998). O primeiro, dominante na Europa, analisa discursos e relações de poder, enquanto que o segundo, dominante nos EUA, analisa normas e identidades dos agentes. Este último opera numa linha tênue entre o mainstream das relações internacionais e a teoria crítica. Os construtivistas convencionais enfatizam como estruturas ideacionais e normativas constituem agentes e seus interesses. Os indivíduos e os Estados, como entes sociais, não podem ser separados de um contexto de significado normativo (KATZSENTEIN, 1996). Muitos estudiosos de política no campo da sociologia usam métodos quantitativos para descreverem características normativas e culturais das estruturas sociais. Entretanto, essas análises, apesar de proverem uma evidência correlativa sobre o tempo e os padrões das mudanças normativas, não são hábeis para entenderem como e por que essas transformações ocorrem. Para sanar essa deficiência, os construtivistas têm se utilizado de uma variedade de ferramentas que possibilitam capturar significados intersubjetivos, incluindo análises de discursos, genealogia, estruturas comparativas, entrevistas, observações e análises baseadas em conteúdo (PUTNAM, 1993). Não há um único método construtivista de pesquisa. O construtivismo abre espaço para as mais variadas questões, e as escolas escolhem as ferramentas de pesquisa que mais se adéquam a uma situação específica. Em alguns casos, o método quantitativo pode oferecer ideias peculiares. Em outros, o método qualitativo ou interpretativo é mais apropriado. Algumas pesquisas têm usado a combinação desses dois métodos para esclarecer diferentes questões de um longo enigma. Nesse contexto, elaborar pesquisa construtivista não é fundamentalmente diferente do que elaborar outros tipos. Construtivistas, como os demais pesquisadores, usam, ou pelo menos deveriam usar, uma grande variedade de ferramentas disponíveis. Enquanto o mainstream das relações internacionais se atenta às questões explicativas, analisando por que algumas decisões resultam em cursos de ações específicos, os construtivistas críticos se focam em entender como essas questões são percebidas. Os construtivistas não consideram as relações internacionais dentro de um contexto de estrutura de poder em nível internacional. As normas são crenças intersubjetivas presentes nas práticas sociais e são reproduzidas através delas. “For 37 Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha rationalists, compliance mechanisms are individualistic like coercion, cost-benefit calculations and material reasons; on the other hand, constructivists prioritize the role of social learning, socialization and social norms” (KARACASULU; UZGÖREN, 2007, p. 36). Não estão interessados no significado do poder, mas no que ele gera, seja de forma intencional ou não. Não negam a importância do poder e dos interesses. Entretanto, acreditam que as normas moldam os interesses, e estes moldam as ações. Não são as normas que determinam as ações. Mudanças nas normas podem acarretar mudanças nos interesses dos Estados e criar novos interesses, os quais exercerão influência nas ações. Nesse sentido, “power, in short, means, not only the resources required to impose one´s own will to others, but also the authority to determine the shared meanings that constitute the identities, interests and practices of states, as well as the conditions they confer” (ADLER, 1997, p. 336). A visão de Estado no construtivismo é a de agente corporativo, o qual é um role player14, ou seja, os Estados tentam agir de maneira mais apropriada de acordo com uma dada situação. Esses atores são guiados pelas normas, as quais envolvem padrões de comportamentos apropriados. Os Estados se adéquam às normas não para maximizarem utilidades, como é assumido no modelo de escolha racional, mas porque entendem que essa adaptação é boa dentro de uma lógica de apropriação (BEN TONRA, 2003). Enquanto os racionalistas consideram os interesses pré-determinados e fixados, os construtivistas argumentam que os interesses dos atores são redefinidos dentro de uma interação intensa e moldados dentro dessa lógica de apropriação, e não numa lógica de ganhos. As ações são vistas baseadas em regras e os atores são impelidos a seguirem aquelas que associam identidades particulares a situações particulares. Outra diferença entre a pesquisa racionalista e a construtivista se estabelece entre a distinção de regras regulatórias e regras constitutivas. As primeiras, que simplesmente regulam comportamentos preexistentes, e as últimas que não apenas regulam, mas geram a possibilidade ou definem novas formas de comportamento, criando novos atores, interesses e categorias de ação: To explain such institutions we need to make a distinction between two kinds of rules, which, years ago, I baptized as "regulative rules" and "constitutive 14 Verificar Anexo A na página 103. 38 A Teoria de Alexander Wendt nas Relações Internacionais... rules". Regulative rules regulate antecedently existing forms of behavior. A rule such as "drive on the right-hand side of the road" regulates driving, for example. But constitutive rules not only regulate, they also create the very possibility of, or define, new forms of behavior. An obvious example is the rules of chess. Chess rules do not just regulate the playing of chess, but rather, playing chess is constituted by acting according to the rules in a certain sort of way. Constitutive rules typically have the form: "X counts as Y", or "X counts as Y in context C. (SEARLE, 2007, p. 88). Os racionalistas ignoram as regras constitutivas. Já para os construtivistas, as regras não constituem simplesmente estruturas regulatórias para a solução de problemas, todavia, mais importante, as regras são os recursos para a criação de um sentimento coletivo ou um senso comunitário15. A anarquia, a soberania, os interesses e as identidades são, na visão das teorias do mainstream das relações internacionais, classificados como elementos estáticos. Para os construtivistas, esses conceitos são socialmente construídos e podem sofrer mudanças conforme o tempo. Os interesses nacionais são entendimentos intersubjetivos sobre os quais os Estados compreendem como poder, riqueza e influência. Como apontado por Wendt (1992), a anarquia é o que os Estados fazem dela. A anarquia não é externamente dada, como assume o neo-realismo. Os Estados não são considerados como prisioneiros dentro de uma estrutura inerentemente anárquica, pois são eles que criam essa estrutura. A interação social pode lidar com uma anarquia cooperativa. Não há nada que seja inevitável e imutável dentro do mundo político. Tudo é intersubjetivo e, portanto, incerto. As identidades podem mudar com a interação social, a qual irá influenciar o comportamento dos Estados que, por conseguinte, irá afetar o tipo de anarquia que os circunstanciam. Em suma, as identidades oferecem as bases para os interesses e, portanto, o tipo de anarquia prevalecido depende de qual tipo de concepção de segurança os atores têm e de como eles constroem suas identidades com relação aos outros atores (WENDT, 1999). Algumas escolas que realizam um estudo comparativo sobre a identidade também a consideram como socialmente construída, porém argumentam que os atores podem, estrategicamente, construir suas identidades se utilizando de um menu mais limitado de tipos mais apropriados em um dado momento histórico (FEARON; LAITIN, 2000). Como ocorrem mudanças significativas de um período histórico para 15 “As linguistic statements, rules have two aspects: (i) a description of a class of actions, possibly restricted to a class of actions performed by a designated class of persons; and (ii) an indication of whether that class of actions is required, forbidden, or allowed” (ONUF; KLINK, 1989, p. 149). 39 Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha outro, a possibilidade de mobilidade entre os tipos de identidade também se torna restringida. As análises da construção social do conhecimento juntamente com as da construção social da realidade formam uma combinação de teoria do conhecimento com teoria intersubjetiva de ação (GUZZINI, 2000). A abordagem evita as armadilhas dos extremos do empirismo e idealismo, do individualismo e holismo, de uma verdade absoluta e um relativismo. Difere do idealismo puro, pois não considera as ideias de forma isolada – elas estão incorporadas em um contexto histórico e necessitam de um suporte institucional para se tornarem efetivas. Um importante passo é entender a relação entre significado e conhecimento. Na esfera interpretativista, toda análise se inicia de uma ação que traz consigo um significado, diferentemente das ciências sociais, as quais fazem o exercício de interpretação de um mundo previamente interpretado; e das ciências naturais, as quais não necessitam nem da ação e nem de um mundo já interpretado. Identificando dois cenários separadamente – o mundo real e o mundo social – pode-se perceber a diferença que as ações entre as pessoas ocorridas no último fazem no primeiro. Os seres humanos podem se tornar reflexivos, conscientizando-se a respeito das influências que suas ações trazem na medida em que interagem uns com os outros (HACKING, 1999). Já na esfera sociológica, as ações significativas são consideradas como um fenômeno social intersubjetivo. Enfatiza-se aqui, o contexto social no qual as identidades e os interesses dos atores e dos observadores da ação são formados em primeiro plano. A relação entre essas duas esferas, quando problematizada, oferece bons entendimentos sobre a relação entre a construção social da realidade e a construção social do significado (incluindo o conhecimento). Por isso, Constructivism is fundamentally stating that the present is not determine by the nature of things, then it is analytical akin to power analysis which is always about a counter-factual and how things could have been different (Baldwin, 1985: 22). If meaning attribution and the social world are in interaction, then the political status quo and the legitimacy of the public action fundamentally depend on this interaction, on this construction. (GUZZINI, 2000, p. 150). O construtivismo tem introduzido uma nova dimensão nas relações internacionais. Enquanto atores estão engajados nas escolhas e ações racionais dentro da política externa, estruturas relacionadas às ideias e às crenças podem trazer opções 40 A Teoria de Alexander Wendt nas Relações Internacionais... alternativas e contribuir para uma melhor tomada de decisão no campo político. A vertente tem crescido dentro dos estudos das relações internacionais nas últimas duas décadas, na medida em que veio trazendo novos conceitos e novas estruturas que se distanciam da ontologia materialista e das explicações racionalistas. Sem dúvida, a maior contribuição foi o foco na construção de uma ontologia de cunho social. 2.2 – Contexto histórico de surgimento Nicholas Onuf introduziu o campo em questão em 1989, com seu livro intitulado World Of Our Making. Depois, no ano seguinte, Alexander Wendt reforçou a linha de pensamento com o influente artigo Anarchy Is What States Make Of It. A emergência do construtivismo está relacionada a dois momentos históricos importantes. O primeiro é referente à modernidade reflexiva. Esse conceito se refere, basicamente, ao crescimento da consciência dos limites e ambiguidades herdados do progresso social e tecnológico intensificado no começo do século 20. Já o segundo contexto está ligado diretamente aos debates internos que ocorrem na arena das relações internacionais, mais certamente, com a certeza da possibilidade de mudança presente em toda Europa durante a segunda détente e o período final da Guerra Fria (GUZZINI, 2000). Na realidade, a modernidade já nasce reflexiva. Acompanha a ideia de que, com sua capacidade técnica, a humanidade nunca conseguirá assegurar o término do progresso. Junto ao progresso, também vieram certas desilusões, acreditando-se que as ações tecnocráticas ocasionaram males como a fome, altas taxas de mortalidade, desastres ecológicos, nucleares, etc. Entretanto, esse pessimismo civilizacional não é exatamente novo. Já na virada do século 19 para o 20, Max Weber (1981) já identificava tal situação, chamada por ele de desencantamento do mundo. A modernidade relacionada ao capitalismo faz surgir a necessidade da construção de subjetividades e práticas sociais para alocar tal sistema econômico caracterizado pelo desenvolvimento tecnológico. Nesse sentido, o processo de modernização fica intimamente ligado ao de racionalização, o qual implica práticas de instrumentalização e calculabilidade como critério de escolha de ações. E para Weber (1981), essa ideia se deve a basicamente dois processos relacionados a bases religiosas: o de secularização e de desencantamento do mundo, citado no parágrafo acima. 41 Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha A secularização representou o declínio gradativo da religião, a qual veio perdendo força legitimadora/normativa. As tradições deram lugar à política e, principalmente, ao direito. Finalmente, a ciência pôde emergir. Já o desencantamento do mundo, foi um processo que ocorreu internamente à própria esfera religiosa. Houve o declínio da magia, ou seja, dos elementos de convencimento para constatar a presença de divindades. A crença passou a ser abstrata – não mais se firmava por meio de demonstrações, pois agora, era ligada somente à fé. Com esses dois processos ocorrendo constantemente, a religião passa a fazer parte da esfera privada das escolhas individuais. Afinal, o indivíduo já podia se caracterizar como um ser moral com escolhas e condutas, centro de conhecimento e de vontade, interesse e decisão: [...] postmodernity is not the empirical and moral consequence of a bankrupt project of technological progress, but the internal and logical consequence of a mistaken understanding of modernity itself. For the Enlightenment is not about Reason with a capital R, but about reasoning. Reason, to be coherent with itself, must undermine itself in a dialectical movement, in which the truth of today will be replaced by another tomorrow, as in a particular early members of the Frankfurt School have reminded us (Adorno and Horkheimer, 1969). Indeed, Jürgen Habermas (1987) has repeatedly pointed out, this critique of a reason that no longer allows criticism of itself – a reason which has become a dogma. (GUZZINI, 2000, p. 152). Associando essa lógica da crítica da própria razão ao contexto da sociedade moderna, pode se perceber que os indivíduos não estão conseguindo realizar esse exercício reflexivo. Os indivíduos tendem a acreditar no mito de que a modernidade tem alcançado seu apogeu na sociedade industrial dos séculos 19 e 20, os quais trouxeram um ambiente de vida que envolvia trabalho, setores de produção, pensamentos articulados de acordo com o progresso econômico, concepções sobre ciência e tecnologia, formas de democracia, etc. Assim, começamos a pensar que os problemas dessa forma de organização social estariam diretamente ligados à modernidade, enquanto a verdadeira conexão se estabelece com o próprio indivíduo em si e o seu modo de encarar a modernidade. Com relação agora, ao segundo contexto histórico, o construtivismo também questiona constantemente a inevitabilidade do status quo social. Logo, a inesperada queda do Muro de Berlim deu nova legitimação a algumas questões, já que tal mudança foi provocada por atores que se tornaram auto-conscientes da situação dilemática na qual a Guerra Fria estava inserida. Com um cenário marcado principalmente pela 42 A Teoria de Alexander Wendt nas Relações Internacionais... invasão do Afeganistão e pelas conflituosas relações entre leste-oeste, a détente16 was a way to sell out national interests” (GUZZINI, 2000, p. 154). Os atores estatais tiverem que enfrentar um dilema de escolha entre duas opções de igual custo – não se armarem e correrem o risco de serem derrotados ou se armarem e correrem o risco de intensificação armamentista, podendo provocar assim, uma grande guerra. Ambos os lados acabariam por evidenciar um ambiente de insegurança. O segundo período da Guerra Fria nos anos 80 evidenciou que os Estados foram favoráveis à segunda opção. Todavia, ao final, o continente europeu encarou o dilema de segurança de forma contrária. O lema disarm and you get descalation criado pela política de Gorbachev mostrou que, embora os Estados se deparassem constantemente com situações de inseguranças, isso não era necessário. A Guerra Fria evidenciou que o mundo das relações internacionais não é estático como o mundo natural, o qual existe independentemente da ação humana, da cognição, da linguagem, da comunicação. O sistema internacional, usualmente descrito como anárquico por não possuir um governo central, é também um sistema no qual as regras são criadas e produzidas pelas práticas humanas. São esses elementos intersubjetivos, e não as verdades absolutas advindas da natureza humana ou da anarquia, que dão significado às práticas que ocorrem no nível internacional (KRATOCHWIL, 1989): Koslowski e Kratochwil (1995) mostraram que as mudanças no contexto político e no ambiente normativo, ou seja, nas convenções e práticas políticas do mundo comunista, aconteceram antes das mudanças no ambiente material. A completa mudança em entendimentos intersubjetivos que levaram à deslegitimação do comunismo do Leste Europeu em 1989, o esvaziamento do Pacto de Varsóvia, a subseqüente deslegitimação do comunismo e imperialismo soviético e, finalmente, o renascimento do nacionalismo e dos movimentos de auto-determinação na União Soviética (Koslowski e Kratochwil, 1995: 158-9), contribuíram para a deterioração das capacidades soviéticas. Resta, porém, muito trabalho ainda por fazer para se entender o fim da guerra fria. (ADLER, 1999, p. 231). 16 Alguns especialistas dividem a Guerra Fria em fases. Primeira fase marcada pelo auge da Confrontação (1947/62), passando para fase da Coexistência Pacífica (1963/69), momento de menor tensão, marcado pela competição das Superpotências no Terceiro Mundo, a Détente (1969/79) – fase de transição e declínio, representou um diálogo político-diplomático entre as potências, a Confrontação Renovada significou para alguns autores uma segunda Guerra Fria (1980/85) e, por fim, a fase da reaproximação, novamente aqui a cooperação e negociação se fazem notar (1986/89). A base para esta divisão é PECEQUILO, 2005. 43 Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha 2.3 – Alguns pressupostos indispensáveis Neste tópico, as análises do construtivismo começam a adentrar num campo mais metateórico das relações internacionais, como forma de desafiar o projeto científico do mainstream da disciplina. Os pressupostos, segundo Guzzini (2000), se referem ao nível de observação, ao nível de ação e ao nível de relação entre os dois primeiros. Para analisar o nível de observação, é necessário se pautar na epistemologia construtivista, a qual é desenvolvida de forma diferente das abordagens positivistas e empíricas convencionais. Já para analisar o nível de ação, é necessário se pautar na metodologia intersubjetiva (ou construtivismo sociológico), a qual é desenvolvida de forma diferente das abordagens racionalistas tradicionais. Finalmente, para analisar a relação entre ação e observação, tornam-se indispensáveis os estudos que envolvem o conceito de poder. O empirismo afirma que as escolas podem ter acesso direto a dados empíricos, pois os dados falam por si sós. Já o positivismo se refere a uma posição metateórica que traz a ideia de que as ciências sociais e naturais são de mesma tipologia, pois são todas ciências. Uma posição que inclui modelos explicativos em que hipóteses são testáveis e deduzidas de leis gerais prováveis. Todos os positivistas, assim como Waltz, rejeitam métodos empiricamente fracos (GUZZINI, 2000). Embora não tenhamos acesso direto ao mundo externo (não podemos representar como a realidade é), os procedimentos testáveis podem ser feitos a partir de uma neutralidade empírica que mais se aproxima de uma realidade mais plausível. Portanto, quando se trata de uma teoria construtivista, os dados são teoricamente dependentes. E quando se trata de teorias testáveis, dados são dados. Porém, como afirma Wendt, quando se trata do inobservável, não podemos saber o que difere da teoria: What we can claim to exist depends on what we can know, and we can only know what we can see. This view goes back at least to Hume, who treated causation as “constant conjunctions” of events because he thought we could never have certain knowledge of unobservable causal mechanisms. […] If theories are merely instruments for organizing experience, then it does not matter whether their assumptions are realistic. […] If our view of science makes successful explanation dependent on successful prediction, and nothing else, then insofar as we believe that there is a world independent of thought we may never get around to explaining how it really works. (WENDT, 1999, pp. 60-61). 44 A Teoria de Alexander Wendt nas Relações Internacionais... O construtivismo não nega a existência de um mundo externo ao pensamento. Este mundo existe e é bruto, composto por fatos naturais. Porém, esses fenômenos não se constituem por si sós como objetos de conhecimento independentes das práticas discursivas. Este fator não questiona a existência do pensamento independente de um fenômeno natural, mas põe em xeque sua observação por meio de uma linguagem independente. O que faz um objeto ou uma situação ter um significado social é sempre o resultado de uma construção interpretativa do mundo externo. Como afirma Onuf (1989), nós construímos mundos que conhecemos em um mundo que não conhecemos. Essa construção, evidentemente, não é um tipo de vontade idiossincrática do conhecimento, mas é fruto de interpretações baseadas em um sistema de compartilhamento de códigos e símbolos, linguagens, práticas sociais, o que faz com que o conhecimento seja uma realidade socialmente construída (GUZZINI, 2000). Assim, o construtivismo segue uma tradição hermenêutica quando realiza distinções entre o mundo natural e o mundo social. É uma teoria sobre a construção social da realidade. Apesar de fatos brutos, há fatos que existem somente porque nós atribuímos certa função ou significado a eles. Os atores dessa área são agnósticos com relação à existência de um mundo externo real linguisticamente independente, ou ao menos, desinteressados. Talvez por considerarem essa existência irrelevante aos estudos sociais. O construtivismo difere do empirismo, pois não considera o nível de observação como uma percepção puramente subjetiva, mas acreditam que os objetos do conhecimento são construídos. Difere também do idealismo, pois afirma que os princípios da construção do conhecimento não são totalmente internos ao discurso, mas são socialmente constituídos através de práticas (BOURDIEU, 1980). Diverge, finalmente, do positivismo, pois estabelece diferenças qualitativas entre fatos institucionais e fatos naturais. Em suma, pode se estabelecer que o construtivismo versa sobre a construção social do conhecimento e sobre a construção social da realidade (GUZZINI, 2000). A ação humana tem um importante significado no mundo social e não pode ser compreendida sem interpretação, ou seja, sem entender o significado que é dado a ela. Para Weber (1987), toda ação tem um sentido, o qual por ele se faz a compreensão sociológica. A compreensão difere da explicação, pois esta última depende de uma imputação, de um juízo de valor que gera a aplicação de um modelo teórico em casos práticos. E modelos são somente aplicáveis em fenômenos brutos, naturais, que 45 Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha acontecem de maneira regular. Esse exercício não é possível nos estudos da sociologia, pois ela se apresenta fluida. Para isso, utiliza-se a compreensão, a qual está pautada na interpretação baseada nos sentidos da ação social definidos pelo sujeito. Dessa forma, o cientista busca entender, e não explicar, os indivíduos em suas ações. Tomemos como meio de ilustração o exemplo dado por Guzzini (2000). Quando um cientista social analisa um sinal de trânsito indicando a cor vermelha, ele não está interessado no circuito elétrico e na tecnologia utilizada para produzir o que reconhecemos como luz em uma certa cor (o mundo natural). Ele foca no significado do sinal na cor vermelha para os atores, seu papel e função dentro de uma sociedade e no entendimento comportamental que ocasiona em algumas ações e situações. Na Alemanha, por exemplo, o código de trânsito é seguido à risca, e todas as pessoas respeitam as regras, as placas e os sinais. Já na Itália, um sinal vermelho não poderia garantir a intenção ou o comportamento de um motorista e, por isso, os italianos prestam muito mais atenção no trânsito em si do que nos sinais e placas. Porém, um alemão na Itália atravessaria a rua normalmente sem olhar para os lados, correndo o risco de ser atropelado. Ações que são aparentemente iguais, no final, mostram-se muito diferentes, e essas diferenças são de extrema relevância para as ciências sociais. A interpretação não implica, necessariamente, uma ação consciente ou um entendimento intencional, mas uma habilidade obtida através de práticas habituais de experiências do cotidiano: We have to think about the two levels of action involved in a scientific explanation – the level of action proper and the level of observation. In both instances we interpret, at one time making sense within the life-world of the actor, and at another time making sense within the language shared by the community of observes. We interpret an already interpreted social world (Schutz, 1962 [1953]). Furthermore, Gidden´s (1984: 249-50) concept of double hermeneutic problematizes exactly the relationship between selfinterpretations and second-order interpretations. For not only do observes rely on first-hand interpretation, but their interpretation, in turn, can itself have a feedback effect on the former. (GUZZINI, 2000, p. 162). Como a ciência é simplesmente uma forma de ação humana como outra qualquer, as teorias do conhecimento e as teorias de ação devem ser sempre entendidas em conexão. Os construtivistas devem assumir conhecimento científico para que este seja socialmente produzido. O mundo social é feito de fatos institucionais, logo, os autores dessa área devem também estar aptos a analisarem esses fatos sem reduzirem 46 A Teoria de Alexander Wendt nas Relações Internacionais... seus estudos ao campo da cognição individual. Eles precisam combinar teoria social do conhecimento com teoria intersubjetiva [e não individualista] de ação significativa. A intersubjetividade é melhor entendida quando associada à linguagem. A linguagem não pode ser reduzida a um simples material de suporte para a comunicação. A linguagem não existe independentemente de seu uso, não podendo, portanto, ser reduzida somente aos significados que os indivíduos atribuem a ela. Em outras palavras, não há uma linguagem particular. A linguagem não é reduzível nem ao materialismo objetivo, nem ao individualismo subjetivo – ela é intersubjetiva. Ela existe a partir de seu uso em significados compartilhados e são reproduzidas através das práticas. Estas, porventura, são padronizadas através de regras incorporadas pela linguagem. Os seres humanos pensam através da cultura e, como a estrutura das crenças compartilhadas é, em último caso, um fenômeno linguístico, isso significa que a linguagem não é meramente um mediador do pensamento, mas é o que torna este possível (HABERMAS, 1987). A linguagem serve como meio de legitimação das ações praticadas em um sistema. Nas relações internacionais, os atores devem agir de acordo com a linguagem do sistema internacional. Portanto, apresentar uma boa estrutura cognitiva adequada ao jogo de retórica presente no mundo social é essencial para garantir ampla oportunidade de participação no sistema. Nesse contexto, o que interessa aos construtivistas não é o que o poder significa realmente, mas no que o uso do conceito de poder resulta. O poder é usado em práticas nas quais os atores estão interessados em o que eles podem fazer pelos outros e o que os outros podem fazer por eles, seja de maneira intencional ou não. Se os atores não podem agir de certa forma, pois não são capazes para assim fazer, não podem se sentirem culpados por isso. O poder é um indicador político entendido como a arte do possível (GUZZINI, 2000). Dizer que um sistema beneficia certas pessoas não significa dizer que o sistema gera ou controla esse benefício de maneira intencional: Em resumo, o poder não significa apenas os recursos necessários para se impor uma visão própria aos outros, como também a autoridade para determinar os significados compartilhados que constituem as identidades, os interesses e as práticas dos estados, assim como as condições que conferem, concedem ou negam acessos a “bens” e benefícios. Visto que a realidade social é uma questão de imposição de significados e funções em objetos físicos que não têm previamente esses significados e funções, a habilidade de criar as regras por traz do jogo, de definir o que constitui um jogo aceitável, e de ser capaz de levar outros autores a se comportarem com essas regras porque elas são agora parte de sua auto-compreensão é talvez a forma de 47 Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha poder mais sutil e efetiva (Adler e Barnett, 1996; Williams, 1996). Isso significa que há uma forte relação entre conhecimento e poder, o conhecimento é raramente livre de valores, mas entra frequentemente na criação e reprodução de uma ordem social particular que beneficia alguns a despeito de outros. Nessa leitura, o poder é principalmente o poder institucional de incluir ou excluir, de legitimar e autorizar (Williams, 1996). (ADLER, 1999, p. 224). O poder, nesse caso, é visto como um fator constitutivo do conhecimento socialmente compartilhado. Quando o FMI, por exemplo, coloca algum país na posição de insolvente, este país perde poder nas suas relações sociais. Logo, o poder de um ator pode ser limitado dependendo da condição de seu reconhecimento dentro da comunidade como um todo. É o que Ashley (1986) afirma, usando como suporte as ideias de Webber (1987): o poder por si só não organiza as relações sociais, só passa a ter significado quando deixa o campo afetivo das ações comunitárias e passa para o campo das ações sociais: There is no concept of social power or constitutive of states and their interests. Rather, power is generally regarded in terms of capabilities that are said to be distributed, possessed, and potentially used among states-as-actors […] Such understandings of power are rooted in a utilitarian understandings of international society: an understanding in which a) there exists no form of sociality, no intersubjective consensual basis, prior to or constitutive of individual actors or their private ends, and hence b) the essential determinants of actors’ relative effects on one another will be found in the capabilities they respectively control […] Yet such a position strictly rules out a competence model of social action. According to a competence model, the power of an actor, and even its status as an agent competent to act, is not in any sense attributable to the inherent qualities or possessions of a given entity. Rather, the power and status of an actor depends on and is limited by the condition of its recognition within a community as a whole. (ASHLEY, 1986, p. 276, 291-2). Todas essas considerações corroboram com a ideia de que as relações internacionais são, antes de tudo, relações sociais. As políticas internacionais não são simplesmente um conjunto de escolhas individualistas em um ambiente naturalizado, mas sim construções sociais que definem e recriam conhecimentos e identidades a todo momento. 48 A Teoria de Alexander Wendt nas Relações Internacionais... 2.4 – Agenda de pesquisa construtivista O primeiro tema central dos estudos do construtivismo gira em torno da importância das ideias, procurando responder três questões preambulares – a) como novas ideias emergem e como o grau de importância delas é aumentado; b) como as ideias se tornam institucionalizadas e tomadas como naturais; c) como, por que e quando as ideias realmente importam em certas circunstâncias. Procura-se entender os indivíduos como seres engajados em raciocinar e processar novas informações advindas de um ambiente, esforçando-se na tentativa de fazerem com que seu mundo social tenha senso. As unidades de análises em algumas pesquisas podem ser o indivíduo, uma comunidade de indivíduos que compartilham ideias comuns ou as instituições nas quais as ideias se tornam incorporadas. Entretanto, o mais interessante é analisar o processo de transformação no qual as ideias, inicialmente, envolvem um pequeno número de indivíduos e, depois, tornam-se amplamente difundidas em um número bem maior de pessoas (FINNEMORE; SIKKINK, 2001). Os construtivistas enfatizam o papel das ideias na facilitação das ações em situações de complexidade ou oferecendo análises sobre como as coalizões políticas são formadas (GOLDSTEIN E KEOHANE, 1993). Ao explicar por que algumas ideias se sobressaem em relação às outras, a abordagem não tende a enfatizar o poder constitutivo das ideias ou a força intrínseca que elas trazem, mas tende a esclarecer como elas agem no alinhamento de interesses das elites. Numa visão weberiana sobre o conflito, alguns autores apontam que novas ideias sempre emergem como respostas a choques políticos, catástrofes ou crises. Ao identificar as falhas das políticas implementadas no passado, novas concepções baseadas em novas políticas surgem como forma de resolverem os problemas deixados pelo passado. As falhas podem explicar por que velhas ideias perdem influência, no entanto, não explicam o conteúdo dos novos modelos que são adotados posteriormente. Afinal, por que as pessoas adotam novas ideias? (HALL, 1989) O que torna uma idéia persuasiva é o fato de ela se relacionar com os problemas econômicos, políticos e sociais do cotidiano. Outros autores sugerem que é a acumulação de pequenas discrepâncias que não podem ser explicadas com o velho modelo a responsável pela adoção, eventual, de novas ideias. A força e a continuidade de novas ideias dependem de como se tornam incorporadas às instituições. Como as ideias se tornam institucionalizadas e que 49 Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha diferença este fato faz são fatores indispensáveis a serem analisados. As ideias implementadas e consolidadas com sucesso são aquelas que têm adentrado gradualmente em pequenas instituições, nas quais um time de pessoas com pensamentos similares transforma as ideias dos indivíduos em um propósito institucional (ADLER, 1987). A maioria dessas instituições são os Estados, mas podem ser consideradas também as universidades, sindicatos, partidos políticos. Diferenças no processo de como novas ideias se encaixam em instituições já existentes podem ajudar na explicação de divergências entre ações políticas. Novas ideias não precisam somente ser institucionalizadas, mas também ser congruentes com algumas ideologias formadas historicamente ou com as estruturas dos discursos políticos de uma nação. Estudos da psicologia social17 argumentam que o aprendizado e a internalização de novas atitudes e comportamentos são importantes fontes para as mudanças políticas. As crises, por exemplo, as quais causam intensa repressão, podem fazer com que os atores/indivíduos rejeitem suas atitudes prévias no sentido de se tenderem ou ao autoritarismo ou a práticas democráticas. As formas de estudo dentro desse campo são das mais variadas, abordando: formas de interação (entre atores domésticos e internacionais), comparação (experiências nacionais com a de outros países), reflexão (debates interno relativos ao indivíduo e auto-criticismo). Outro campo estudado pelo construtivismo é a cultura política. Cultura e indivíduos são co-construídos e os elementos dessa co-construção criam a possibilidade (ou a impossibilidade) do aparecimento e da sobrevivência de tipos particulares de instituições políticas. A cultura é considerada como elemento intersubjetivo portador de força constitutiva real e é vista como a principal explicação para o acontecimento de uma mudança. É uma variável interveniente, sobretudo. Porém, autores dessa área são criticados por afirmarem que os indivíduos são prisioneiros virtuais de sua cultura e pela inabilidade em explicar as dissonâncias que ocorrem entre o desenvolvimento do Ocidente e as outras partes do mundo subdesenvolvido. (FINNEMORE; SIKKINK, 2001). Outro subcampo no qual o construtivismo desenvolve debates está relacionado com a formação e a atuação dos movimentos sociais. Eles operam dentro de uma estrutura de restrições e oportunidades que fazem de sua sobrevivência e sucesso algo 17 Lane; Codo (1984), McDavid; Harari (1980), Miller; Prentice (1996), Smith; Bond; Kagitçibasi (2006), Taylor; Moghaddam (1994). 50 A Teoria de Alexander Wendt nas Relações Internacionais... mais ou menos provável. Os novos movimentos sociais, por exemplo, dominantes na Europa e na América Latina, enfatizam o papel das identidades coletivas no entendimento sobre o surgimento de ações realizadas por esses grupos (ESCOBAR & ALVAREZ, 1992). Os debates giram em torno da seguinte questão – se os agentes dos movimentos sociais são motivados pela necessidade de expressarem suas identidades de forma coletiva ou se são motivados mais por uma estratégia sobre quando e onde podem alcançar resultados. A construção social do significado então, torna-se parte central da teoria dos movimentos sociais. Esses grupos ajudam a criar e recriar significados através de uma estrutura na qual uma estratégia consciente de grupos de pessoas envolve entendimentos compartilhados sobre o mundo e eles mesmos, legitimando e motivando ações coletivas. As estruturas não surgem somente através do que os movimentos dizem, mas através do que eles fazem, através de suas escolhas táticas e das conexões estabelecidas entre suas ações e suas retóricas (McADAM, 1996). Nesse sentido, com o surgimento de movimentos sociais em nível transnacional e global, a área se estabelece como um campo frutífero a ser estudado entre as teorias de relações internacionais. Com relação aos estudos voltados para as etnias e identidades, o construtivismo nas relações internacionais gira em torno do debate sobre se as identidades importam ou não. Porém, os estudos nessa área ainda poderiam ir além, trazendo uma abordagem em torno da inerência das identidades, se estas são herdadas, como a cor da pele (primordialismo), ou se são construídas, como uma obra de arte. Na visão de Laitin (1998), as identidades são construídas socialmente, mas os indivíduos podem fazer escolhas racionais sobre como construir suas identidades. Isso significa que os atores possuem escolhas sobre suas identidades e podem usar o cálculo racional na dinâmica de construção delas. Nessa visão, as identidades apresentam uma dupla natureza: aparecerem como naturais para os membros dos grupos ao mesmo tempo em que os indivíduos se empenham nos projetos de construção. Os atores constroem essas identidades a partir de um menu de escolhas disponíveis. O menu é construído histórica e culturalmente, mas os indivíduos escolhem racionalmente um item que já é prédisponível. Outro campo relevante para ser estudado no construtivismo é o da diplomacia. Autores dessa área trazem a compreensão de como a política externa é formulada e implementada. Analisam os tomadores de decisões e as ações realizadas por eles, 51 Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha identificando as estruturas e limitações que imperam nas opções disponíveis aos policymakers. Recentemente, o construtivismo também tem se apresentado interessado em estudos relacionados à mídia internacional. As análises se voltam para os jornalistas, entendendo como o comportamento pessoal e profissional apresentado por eles se molda às regras do campo informacional. Além de todos esses temas apresentados, muitos outros ainda são alvos de análises na agenda construtivista: a evolução da política ambiental internacional, o papel das comunidades epistêmicas na construção de fatos sociais, a natureza emergente dos atores políticos, a construção social da estratégia de conflito, da paz democrática, etc. Enfim, as abordagens construtivistas vêm se apresentando cada vez mais indispensáveis aos estudos das relações internacionais, na medida em que trazem um novo olhar sobre novas questões extremamente importantes para a sociedade moderna do século 21 dentro dos mais variados temas de pesquisa. 52 A Teoria de Alexander Wendt nas Relações Internacionais... CAPÍTULO 3 – A VISÃO WENDTIANA DE ANARQUIA Tudo que existe existe talvez porque outra coisa existe. Nada é. Tudo coexiste. Talvez assim seja certo... Fernando Pessoa 3.1 – As três culturas anárquicas Para entender a dinâmica do sistema internacional, Wendt toma a existência dos Estados18 como dada. O fato de os interesses e as identidades desses atores serem, em parte, elementos exógenos ao sistema, satisfaz, em termos, os princípios da abordagem individualista da teoria sistêmica, como o neorrealismo e o neoliberalismo. Entretanto, essas teorias consideram que os interesses e as identidades são totalmente exógenos, o que não confere. A individualidade dos Estados pode ser conferida externamente ao sistema, mas os significados ou os termos dessa individualidade são conferidos internamente. Nesse sentido, uma abordagem holística ainda pode contribuir muito para as análises que envolvem a estrutura das políticas internacionais. Wendt assume a estrutura internacional como anárquica, definida como a ausência de uma autoridade centralizada. As diferenças de poder entre os Estados impõem obstáculos à centralização, assim como o processo de aceitação de normas internacionais por parte desses autores impõe obstáculos à autoridade (ASHLEY, 1988). Essas questões evidenciam os limites da problemática da anarquia nos estudos de relações internacionais. Um importante problema de ordem das políticas internacionais, para o qual a abordagem construtivista sugere algumas soluções. Debates sobre a natureza do sistema internacional são importantes para as análises causais de poder dentro das estruturas anárquicas. Wendt trabalha tanto com a questão variável quanto, principalmente, com a questão construtiva. A primeira examina se a anarquia é compatível com mais de um tipo de estrutura, ou seja, se ela é lógica. 18 Wendt (1999, p. 202) caracteriza o Estado como um agente portador de cinco propriedades: (1) uma ordem legal institucional (a visão marxista do Estado como estrutura), (2) uma organização possuidora do monopólio do uso organizado da violência, (3) uma organização com soberania, (4) uma sociedade e (5) um território. Nesse tema, a visão wendtiana se assemelha à weberiana na medida em que caracteriza o Estado como um ator organizacional incorporado em uma ordem legal institucional que é constituída pela soberania e pelo monopólio legítimo do uso organizado da violência sobre a sociedade dentro de um território. 53 Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha Cabe aqui, uma importante distinção entre níveis micro e macro de estrutura. Waltz (1979) denomina esses níveis de: política externa e política internacional, respectivamente. Praticamente, todos teóricos concordam que as microestruturas variam. Alguns acreditam que variam tendenciosamente à paz, outros à guerra. A grande questão é se a anarquia cria uma tendência para todas as interações ocorridas no nível micro, formando assim, uma lógica única no macro. Para os neorrealistas, isso é um fato – a anarquia evidencia um sistema de autoajuda, o qual tende a produzir competição militar, balanço de poder e guerras. Diferentemente, Wendt argumenta que a anarquia possui ao menos três tipos de estrutura no nível macro, baseadas em diferentes tipos de papéis (inimizade, rivalidade e amizade) que dominam o sistema em certos momentos. Ele denomina essas estruturas de Hobbesiana, Lockeana e Kantiana, respectivamente, sendo somente a Hobbesiana um sistema de auto-ajuda. Logo, a visão construtivista wendtiana assume que não há uma lógica anárquica (BUZAN; JONES; LITTLE, 1993). Já a questão construtiva analisa se o sistema internacional tem a capacidade de construir os Estados. As estruturas anárquicas afetam as identidades e interesses desses atores ou somente afetam seus comportamentos? Para Wendt, afetam todos esses elementos. Os atores, os quais possuem interesses constituídos por uma estrutura, tendem a se tornarem mais estáveis na medida em que a dinâmica estrutural vai se internalizando cada vez mais. Essa é a implicação para a possibilidade de mudança: “showing that identities and interests are socially constructed may reveal new possibilities for change, but those constructions can also be powerful sources of inertia if they are institutionalized” (WENDT, 1999, p. 248). Se as estruturas anárquicas não possuem efeitos construtivos então, é bem provável que a anarquia não tenha uma lógica única. A teoria dos jogos ensina que os resultados da interação advêm das configurações de desejos e crenças, as quais podem variar entre estados de harmonia e entrave (SNYDER; DIESING, 1977). Se o conteúdo desses jogos não é constrangido pelas estruturas anárquicas então, nenhuma afirmação sobre a lógica anárquica dependerá da produção de comportamentos, apesar da existência do potencial infinito de variação de desejos e crenças. A hipótese de Waltz de que a anarquia tende a produzir atores como unidades (uma hipótese construtiva) assume que os Estados são, por natureza, egocêntricos (selfregarding) e preocupados a todo momento com sua segurança. Esse raciocínio elimina, em grande parte, a possibilidade de variação dos interesses, o que solapa a ideia de uma 54 A Teoria de Alexander Wendt nas Relações Internacionais... lógica anárquica única. Já os liberais, assumem uma visão individualista de que os interesses nacionais são determinados por um fator social e, portanto, apresentam-se como altamente variáveis, parte de um sistema de Estados fadados ao domínio de uma estratégia de interação sem efeitos construtivos (MORAVCSIK, 1977). Esse fato leva os realistas a admitirem uma lógica única referente somente aos efeitos comportamentais. A escolha entre o realismo e o liberalismo, na verdade, é a escolha entre uma visão de que as políticas internacionais contêm uma lógica única que não depende de seus elementos e uma visão de que a lógica anárquica é totalmente reduzível aos seus elementos. Wendt, no entanto, defende uma terceira possibilidade. Para ele, as estruturas anárquicas constroem seus elementos, mas variam no nível macro e, portanto, podem possuir múltiplas lógicas: “anarchy as such is na empty vessel and has no intrinsic logic; anarchies only acquire logics as a function of the structure of what we put inside them” (WENDT, 1999, p. 249). As análises aqui focam na estrutura em termos sociais, não mais em termos materiais. Afirmar que uma estrutura é social é afirmar que, segundo Weber (1991), os atores taking each other into account nas escolhas de suas ações. Esse processo é baseado na ideia dos atores sobre a natureza e os papéis do Self e do Other, se tal estrutura social é uma distribuição de ideias ou um estoque de conhecimento. Algumas dessas ideias são privativas, outras, são compartilhadas. Estas últimas formam uma estrutura social conhecida como cultura19. Em princípio, as estruturas hobbesiana, lockeana e kantiana podem ser totalmente constituídas por ideias privativas, mas na prática são usualmente constituídas por ideias compartilhadas. São estas últimas que interessam à análise de Wendt, o qual considera que a estrutura internacional é, basicamente, a cultura do próprio sistema, uma cultura política (PASIC, 1996): [...] it is important to note that even if states act on the basis of the meanings they attach to material forces, if those meanings are not shared then the structure of the international system will not have a cultural dimension. 19 O conhecimento pode ser privado ou compartilhado. O conhecimento privado consiste nas crenças que um ator possui e os outros não. Esse elemento se apresenta nas considerações domesticas e ideológicas do Estado – como definem seus interesses nacionais, o comportamento da política externa, etc. Quando os Estados começam a interagir uns com os outros, suas crenças individuais se transformam imediatamente em uma distribuição de conhecimento. Nesse caso, há um conhecimento socialmente compartilhado, comum a todos os atores e que os conectam. Esse conhecimento pode ser chamado de cultura, a qual pode tomar formas específicas, como normas, regras, instituições, ideologias, organizações, etc. (BUZAN; JONES; LITTLE, 1993). 55 Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha Private knowledge may affect foreign policy, and when aggregated across actors adds an interaction layer to international structure that affects outcomes, but even a “distribution” of private knowledge does not constitute culture at the system level […]. (WENDT, 1999, p. 158). Entretanto, afirmar que as estruturas anárquicas são culturas não evidencia que elas constroem os Estados. Para mostrar esse fato, é necessário considerar três razões do porque esses atores devem observar as normas culturais: porque eles são forçados a isso, porque são do interesse deles, e porque eles consideram as normas como legitimadas. Essas explicações correspondem às teorias neorrealista, neoliberal e idealista e como elas consideram a diferença que as normas fazem na vida internacional (HASENCLEVER; MAYER; RITTBERGER, 1997). Wendt considera mais frutífero analisar esses porquês refletidos em três diferentes níveis de internalização das normas, os quais geram três diferentes caminhos pelos quais a mesma estrutura pode ser produzida – força, preço e legitimidade. E é só com a legitimidade que os atores são realmente construídos pela cultura. Nesse sentido, a cultura só afeta o comportamento e as crenças presentes no ambiente no qual os atores estão envolvidos, não quem eles são ou o que eles desejam. Serão analisadas então aqui, as estruturas das culturas hobbesiana, lockeana e kantiana, evidenciando como os níveis nos quais elas estão internalizadas afetam as diferenças que elas fazem. Para Wendt, as estruturas da anarquia variam de acordo com a relação estabelecida entre os Estados. Portador de uma visão otimista, o autor sugere que, embora não se tenha garantia de que a vida internacional caminhe em direção de uma cultura kantiana, é bem menos provável que ela caminhe para a hobbesiana. 3.2 – Estruturas estabelecidas e papéis assumidos sob a condição anárquica Wendt visualiza duas implicações. A primeira é que não existe em um sistema uma relação entre a extensão das ideias compartilhadas e a extensão da cooperação. A cultura pode constituir o conflito ou a cooperação. A segunda implicação é que o conceito de papel deve ser o conceito chave na teoria estrutural sobre o sistema internacional. A maioria das escolas de relações internacionais adota os papéis como propriedades unitárias que não dialogam com a teoria estrutural. Porém, os papéis não 56 A Teoria de Alexander Wendt nas Relações Internacionais... são propriedades dos agentes, são elementos pertencentes à estrutura. E a cultura do sistema internacional é baseada na estrutura desses papéis. Há também dois problemas de ordem. O primeiro, conhecido como o problema da cooperação, procura visualizar como fazer as pessoas trabalharem juntas para alcançarem benefícios mútuos, reduzindo assim, a condição de violência (AXELROD, 1984). O segundo, conhecido como o problema sociológico (oposto ao político), procura como criar padrões estáveis de comportamento, podendo este último ser cooperativo ou conflituoso. As regularidades são, por natureza, determinadas por forças materiais. No entanto, quando socializadas, são determinadas, primariamente, por ideias compartilhadas que possibilitam a previsão do comportamento de outros atores. Seguindo o raciocínio de Hobbes, a escola realista tende a argumentar que as ideias compartilhadas podem ser criadas somente por uma autoridade centralizada. Como não há autoridade perante a anarquia, os Estados pensam o pior sobre as intenções dos outros, os quais violariam normas assim que seus interesses os exigissem. Porém, o potencial de violência muda de acordo com as transformações na distribuição de poder. A única ideia compartilhada que pode ser estável sob certas condições é a qual afirma que a guerra pode ocorrer a qualquer momento, mas, para os realistas, esse fator é simplesmente uma precaução causada por forças materiais, não uma cultura. Para entender melhor, é necessário observar a definição materialista de estrutura de Waltz (1959). Esta definição se estende em três dimensões: o princípio sob o qual as unidades são ordenadas, a diferenciação das unidades e suas funções, e a distribuição das capacidades. O princípio é a anarquia, que, para Waltz, é uma constante, o que faz com que as unidades sejam funcionalmente indiferenciadas. Logo, a distribuição das capacidades se torna a única dimensão variável da estrutura internacional. Padrões de amizade e inimizade e as instituições internacionais, ambos baseados em ideias compartilhadas, são vistos como fenômenos de nível unitário porque não há na anarquia ideias no nível macro (BULL, 1977): Bull pointed out that Realists are making a “domestic analogy” which assumes that shared ideas at the international level must have the same foundation – centralized authority – that they have at the domestic. If that were true then because it is an anarchy, the international system could be at most a “system” (parts interacting as a whole), not a “society” (common interests and rules). Bull argued that the analogy does not hold, that at least limited forms of inter-state cooperation based on shared ideas – respecting property, keeping, promises, and limiting violence – are possible, and as such there can be an “anarchical society” […] Although either Bull nor Neoliberals conclude that we should define the structure of the international 57 Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha system in social or cultural terms, this seems to be a natural implication of saying that the system is a “society” (WENDT, 1999, p. 253). Bull sugere que a estrutura anárquica pode variar, resultando em lógicas e tendências distintas. Para ele, o movimento do sistema para a sociedade é uma função do crescimento do conhecimento compartilhado. Assim como os realistas, Bull associa os conflitos anárquicos com o estado de natureza, no qual as ideias compartilhadas não existem. Realistas e grotianos podem até discordar sobre a emergência dessas ideias sob a anarquia, mas concordam que estas ideias são associadas com a cooperação. Assumindo que as ideias compartilhadas dependem de um trabalho conjunto em torno de um fim comum, ambos os lados reduzem o problema sociológico de ordem para o político. Isso sugere que para a ordem se estabelecer no sistema internacional, dependerá de fatores materiais e não culturais. O engano é pensar que a cultura (conhecimento compartilhado) é o mesmo que sociedade (cooperação). O conhecimento compartilhado e suas várias manifestações – normas, regras, etc. – são analiticamente neutros no que tange à cooperação e ao conflito. As normas podem ser boas ou más, elas podem dizer aos Estados que fazer guerra pode ser abominável ou glorioso. Reduzindo a anarquia a uma lógica única, escolas como o neorrealismo tendem a limitar o papel das ideias compartilhadas à cooperação, o que significa que a lógica da anarquia é uma função de quão internalizada a cultura está. Wendt argumenta que isso é um erro. A lógica hobbesiana, por exemplo, pode ser gerada por ideias profundamente compartilhadas enquanto a lógica kantiana pode apresentar um nível de internalização muito baixo. Cabe aqui, outras duas importantes implicações. A primeira é que a frequência de conflito em um sistema não dialoga diretamente com as teorias idealista e materialista. O conflito não é mais evidente para o materialismo quanto a cooperação é mais evidente para o idealismo: essa associação depende de como o conflito e a cooperação são constituídos. A segunda é que, apesar do pessimismo realista, é fácil fugir de um mundo hobbesiano, já que nele a cultura importa pouco relativamente. E apesar do otimismo idealista, é bem difícil criar um mundo kantiano baseado em ideias profundamente compartilhadas. Nesse sentido, são os realistas que consideram as mudanças na cultura algo fácil de ocorrer, e não os construtivistas, porque quanto mais internalizadas as 58 A Teoria de Alexander Wendt nas Relações Internacionais... ideias compartilhadas são, mais elas importam e mais difíceis se tornam possíveis de mudar. É necessário então, repensar a definição de estrutura de Waltz. A estrutura contém elementos materiais e ideacionais. Segundo Dan Deudney (1999), pode se estabelecer uma analogia entre modos de produção e modos de destruição. As forças de destruição são artefatos tecnológicos como tanques, armas e bombas, os quais possuem a capacidade de matar pessoas e destruir propriedades. Eles variam quantitativamente – o que Waltz chama de distribuição de capacidades – e qualitativamente, quando ocorrem mudanças no balanço entre armas tecnológicas ofensivas e defensivas. O realismo se foca no acesso das possibilidades sociais desses artifícios. A probabilidade de algum fato se tornar real depende das ideias e dos interesses que o constitui. Mil armas nucleares britânicas são menos ameaçadoras para os EUA do que cinco armas norte-coreanas, isso devido aos entendimentos compartilhados que sustentam essas relações entre tais países. O que dá significado às forças de destruição são as relações de destruição nas quais os atores estão envolvidos. Porém, na visão de Wendt, não há, necessariamente, uma relação entre força e relações de destruição, ou seja, entre natureza e cultura. Em alguns casos, as condições materiais são decisivas, em outros, serão as ideias o fator imprescindível. E estas últimas são mais importantes, pois, na maioria dos casos, são elas que dão significado às condições materiais. Logo, se há algo de relevante a se dizer sobre o mundo político internacional, é melhor que o foco seja dado às ideias dos Estados e aos interesses que as constituem, não ao número de armas que esses atores possuem. Os entendimentos compartilhados sobre a violência variam dos mais gerais (matar ou morrer) aos específicos (erguer bandeira branca para se render). A proposta de Wendt, adaptada de Bull (1997) e Wight (1991), sugere a presença de três culturas com lógicas e tendências distintas – a hobbesiana, a lockeana e a kantiana. Esses tipos ideias estão presentes simultaneamente em diferentes épocas e lugares na história internacional. Podem ser encontrados em subsistemas regionais do sistema internacional ou no sistema como um todo. Embora esses tipos possam ser afetados pela cultura no nível doméstico e/ou no transnacional, as culturas de interesse aqui são as que se relacionam com uma visão de Estado centro-sistêmica. Isso significa que mesmo se as culturas domésticas dos diferentes Estados tenham pouco em comum, o sistema ainda poderia possuir uma cultura que afetasse o comportamento dos elementos desse atores. 59 Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha Um aspecto chave de qualquer forma cultural é o seu papel estrutural, a configuração das posições subjetivas que as ideias compartilhadas tornam possível aos seus agentes20. As posições subjetivas são constituídas pelas representações do Self e do Other como tipos particulares de agentes relacionados com situações específicas, o que constitui lógicas de reprodução de sistemas culturais distintos (escolas, igrejas, partidos, etc.). A reprodução desses sistemas somente ocorre quando os papéis são preenchidos por pessoas reais. Entretanto, como diferentes pessoas podem ocupar a mesma posição a toda momento e desenvolvê-las de diferentes maneiras, os papéis não podem ser reduzidos aos indivíduos. Os papéis são também atributos da estrutura. Para Wendt, são propriedades de macroestruturas conhecidos como representações coletivas. Embora em muitas culturas os papéis sejam funcionalmente diferenciados, a anarquia torna difícil sustentar essa assimetria até que o problema da violência seja mitigado. Wendt então sugere que em cada tipo de anarquia há uma posição subjetiva predominante: a de inimizade (hobbesiana), a de rivalidade (lockeana) e a de amizade (kantiana). A postura assumida no papel de inimigo é a de um adversário ameaçador, o qual não observa limites no uso de sua violência para com os outros. Já o rival é o competidor que usará sua violência em detrimento do avanço de seus interesses, mas que a refreará se tiver que estar em uma relação em que se possa matar um ao outro. Finalmente, o papel de amigo é assumido por aquele que não usa de sua violência para estabelecer disputas e trabalha junto como um time (equipe) contra as ameaças à segurança. Quando as escolas de relações internacionais analisam os papéis assumidos no sistema, elas quase sempre estão se referindo a crenças de indivíduos domesticamente constituídas, ou seja, para elas, os papéis são propriedades de nível unitário. Se os papéis da política externa são definidos como as crenças dos tomadores de decisão ou de outras elites do Estado, então esses elementos não podem ser considerados como um fenômeno estrutural no nível macro, o qual é o único nível estrutural que os neorrealistas reconhecem: The distribution of those beliefs is structural at what I have called the micro – or interaction-level sense, and in that capacity they constitute key ingredients in the international process, but that is precisely why Neorealists think roles are not “structural”. As I indicated above, however, this is not how roles should be understood. Roles are structural positions, not actor beliefs. To be sure, in order for actors to enact and reproduce subject positions they have 20 Interacionismo, segundo McCall e Simmons (1978). 60 A Teoria de Alexander Wendt nas Relações Internacionais... to incorporate them into their identities and interests, and in that way roles constitute unit-level properties, but role-identities are not the same thing as roles. Role-identities are subjective self-understandings; roles are the objective, collectively constituted positions that give meaning to those understandings21. (WENDT, 1999, p. 259). A estrutura e as tendências dos sistemas anárquicos dependem dos três papéis dominantes no sistema internacional citados anteriormente – o de inimigo, rival e amigo. Ao interagirem, os Estados estarão sob pressão para internalizarem esses papéis em suas identidades e interesses. 3.3 – A cultura hobbesiana Wendt a classifica como o hard case para o construtivismo. Esta cultura requer análises em três dimensões – a natureza da inimizade como uma posição para o Other e suas implicações para a postura do Self; a lógica e as tendências resultantes quando esse papel domina o sistema, e quando isso ocorre emerge a situação de guerra de todos contra todos; e os diferentes níveis nos quais essa cultura pode ser internalizada. Inimigos, rivais e amigos são posições que constituem estruturas sociais e que estão baseadas nas representações do Other em relação a como a postura do Self é definida, “the other is the social-psychological form of that abstraction that sociologists and anthropologists call social structure” (PERINBANAYAGAM, 1985, p. 135-36). Inimigos são constituídos pelas representações do Other como um ator que não reconhece o direito do Self de existir como um ser autônomo e, por isso, não limitará o uso de sua violência. O papel de inimigo é frequentemente usado para descrever qualquer antagonista violento, como na relação entre a Inglaterra e a Argentina, em que as duas foram inimigas durante a guerra pelas Ilhas Malvinas. A distinção entre a cultura hobbesiana e a lockeana está em como o Self percebe o escopo das intenções do Other, se ele está pensando em matar, escravizar ou meramente se confrontar. Tanto a inimizade quanto a rivalidade implica que o Other não reconhece plenamente o Self e, portanto, pode agir com uma tendência revisionista, mas o objeto desse reconhecimento e desse revisionismo difere de uma cultura para a outra. Um inimigo não reconhece o direito do Self de existir como um sujeito livre e, 21 No século 19, por exemplo, a Grã-Bretanha assumiu um papel de mediadora nas alianças políticas das grandes potências. Isso se tornou possível devido às propriedades da estrutura social do sistema do Concerto Europeu, não à Grã-Bretanha em si (GULICK, 1955). 61 Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha portanto, procura revisar essa liberdade. Um rival, em contraste, reconhece esse direito do Self à vida e à liberdade e, portanto, procura revisar somente o comportamento do Self22. Ambos implicam numa intenção agressiva do Other, mas a do inimigo é ilimitada por natureza, enquanto a do rival é limitada: Violence between enemies has no internal limits: whatever limits exist will be due solely to inadequate capabilities (a balance of power or exhaustion) or the presence of an external constraint (Leviathan). This is the kind of violence found in a state of nature. Violence between rivals, in contrast, is self-limiting, constrained by recognition of each other´s right to exist. This is the kind of violence characteristic of “civilization”, the essence of which Norbert Elias argues is self-restraint. (WENDT, 1999, p. 261). As imagens referentes ao papel de inimigo formam um vasto menu, porém alguns Estados ainda continuam assumindo posições passadas com relação ao Other até hoje23. Alguns inimigos são reais, pois o Other foi ameaçado existencialmente pelo Self, como os nazistas foram para os judeus, por exemplo. E outros inimigos são quimeras, como o Iraque foi para os EUA. Reais ou imaginados, se os atores pensam que os inimigos são reais, então eles serão reais em suas conseqüências (THOMAS; THOMAS, 1928). Para Wendt, as representações do Other como um inimigo tendem a possuir ao menos quatro implicações para o comportamento adotado pela política externa dos Estados, o qual gerará uma lógica particular de interação. Primeiro, os Estados tenderão a responder aos inimigos tentando destruí-los ou conquistá-los. Isso não necessariamente significa que seus interesses serão revisionistas – um Estado pode ter interesse no status quo, mas a ameaça do inimigo força essa instituição a se comportar como se fosse revisionista. Segundo, as tomadas de decisão tenderão a desconfiar excessivamente do futuro, prevendo que aconteça sempre o pior. As possibilidades negativas se evidenciarão, reduzindo a probabilidade de reciprocidade e cooperação entre inimigos. Terceiro, as capacidades militares relativas serão vistas como cruciais. O Estado pode usar as capacidades do inimigo para prever o comportamento dele, já que o ataque poderá acontecer assim que ele se sentir 22 Herrmann and Fischerkeller (1995) distinguem esses papéis no nível teórico entre realismo ofensivo e realismo defensivo. 23 Os gregos representam os persas como bárbaros; os líderes das Cruzadas percebem os turcos como infiéis; os europeus tratam os povos das Américas como bárbaros; as relações entre tutis e hutus e entre israelenses e palestinos continuam baseadas nas mesmas representações do Self em relação ao Other e vice-versa. 62 A Teoria de Alexander Wendt nas Relações Internacionais... capacitado para efetuar tal ação. O poder então se torna a chave da sobrevivência, pois os atores estão envolvidos no seguinte princípio – se você quer paz, prepare-se para a guerra. A inimizade não deriva nem de suas propriedades intrínsecas, nem da condição de anarquia, mas da estrutura que as relações entre os papéis constituem. Quarto, numa situação de guerra, os Estados lutariam em termos puros de inimizade, ou seja, não observando limites no uso da violência, ao menos que sua auto-limitação o deixe numa situação segura. Os Estados devem também estar preparados, especialmente com relação a tecnologias ofensivas dominantes, para se anteciparem a fim de evitar que o inimigo ganhe vantagem no primeiro ataque/confronto. Tem se tornado comum nas escolas de relações internacionais a referência de todos esses comportamentos como sendo realistas. O conflito não é mais evidente para o realismo assim como a cooperação não é mais evidente para os não-realistas. Tudo depende de como esses comportamentos são explicados. Wendt os explica por meio do senso weberiano, desenvolvendo análises em torno das políticas de poder de acordo com as percepções do Self e do Other. Nesse caso, o realismo se torna uma teoria que explica as políticas de poder se referindo ultimamente a forças materiais: What Realism-as-description shows is that when the Other is an enemy the Self is forced to mirror back the representations it has attributed to the Other. Thus, unlike most roles in social life, which are constituted by functionally differentiated “counter”-roles (teacher-student, master-slave, patron-client), the role of enemy is symmetric, constituted by actors being in the same position simultaneously. Self mirrors Other, become its enemy, in order to survive. This of course will confirm whatever hostile intentions the Other had attributed to the Self, forcing it to engage in realpolitik of its own. […] The point is that whether or not states really are existential threats to each other is in one sense not relevant, since once a logic of enmity gets started states will behave in ways that make them existential threats, and thus the behavior itself becomes part of the problem. This gives enemy-images a homeostatic quality that sustains the logic of Hobbesian anarchies. (WENDT, 1999, p. 263). Ao contrário dos teóricos de política externa que tratam os papéis como qualidades que os Estados atribuem a si próprios (conhecidos como role-identities, propriedades dos agentes), Wendt foca nos papéis atribuídos ao Other, classificando-os como uma posição assumida na estrutura social ou como uma propriedade desta. A inimizade é tratada como uma interação, um fenômeno do nível micro baseado nas imagens e percepções subjetivas. As estruturas do nível macro somente existem em virtude das interações ocorridas no micro. 63 Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha Na maioria dos casos, as relações entre os papéis no nível micro são incorporadas no macro, formando assim, representações coletivas. Entretanto, estas representações possuem uma lógica e uma vida própria e não podem ser reduzidas às percepções ou aos comportamentos dos atores. Quanto mais os membros de um sistema representam uns ao outros como inimigos, mais a lógica do sistema se consolida através dessas representações (LAITIN, 1998). Os atores então começam a pensar que a inimizade é uma propriedade do sistema e não dos agentes, sentindo-se compelidos a representar todos os Others como inimigos porque eles são simplesmente parte desse sistema. Ocorre assim, uma generalização do Other (MEAD, 1934). O resultado é uma lógica de interação baseada mais no que os atores sabem sobre seus papéis do que no que eles sabem sobre uns dos outros. Isso gera padrões emergentes de comportamentos no nível macro. As representações coletivas se tornam dependentes da existência de um número suficiente de representações e comportamentos no nível micro24. Porém, a lógica da anarquia hobbesiana emerge do macro. A anarquia hobbesiana caracterizada pelo sistema de auto-ajuda faz com que a sobrevivência dos atores dependa somente do poder militar. Isso significa que, se a segurança de A aumentar, necessariamente a de B reduzirá, e este último nunca terá a certeza se as capacidades de A são defensivas. Os dilemas de segurança são particularmente estabelecidos não pela natureza das armas (o balanço defensivo/ofensivo), mas pelas intenções dos Others (JERVIS, 1978). Mesmo se os Estados desejassem segurança ao invés de poder, suas crenças coletivas os forçariam a agir como se procurassem por poder. Essa estrutura gera quatro tendências. A primeira é a guerra endêmica e ilimitada. Isso não significa que os Estados irão estar constantemente em guerra, mas essa situação pode ocorrer a qualquer momento (WALTZ, 1959). A segunda é a eliminação de atores incapazes, não adaptados ao estado de guerra por não apresentarem competências militares suficientes. Isso gera, segundo Waltz (1979), uma tendência de isomorfismo funcional, na medida em que todas as entidades políticas se tornam unidades com capacidades similares de luta armada. Porém, Waltz não prevê que também haverá uma alta taxa de mortalidade entre esses Estados fracos. Esses territórios então serão conquistados pelos fortes, gerando uma tendência correspondente ao imperialismo e reduzindo drasticamente o número de unidades políticas do sistema em detrimento da concentração de poder 24 A representação conhecida como “Brasil”, por exemplo, existe somente porque um número suficiente de pessoas sustenta essa percepção. 64 A Teoria de Alexander Wendt nas Relações Internacionais... (KAUFMAN, 1997). A terceira é que os Estados com poder suficiente para evitar a eliminação balancearão seus poderes uns com os outros. A falta de inibição e autorestrição na cultura hobbesiana sugere que o balanço de poder se torna difícil de sustentar, já que a tendência gira em torno da consolidação da dominação. A quarta é que o sistema hobbesiano tenderá a sugar os seus membros para a situação de conflito, tornando-se a possibilidade de alianças e a neutralidade muito difíceis. A principal exceção seriam os Estados hábeis a se ocultarem devido às suas condições materiais geográficas, como foi o caso da Suíça na 2ª Guerra Mundial. É possível que a anarquia hobbesiana não tenha uma cultura. Nesse caso, todo conhecimento é privativo. O estado de guerra não consolida como guerra em si. Mortes podem ocorrer frequentemente, mas esse fato se assemelhará muito mais a uma matança de animais do que a uma guerra propriamente. A guerra é uma forma de intencionalidade coletiva e, portanto, uma guerra só será uma guerra se ambos os lados pensarem que assim seja (SEARLE, 1995). Portadores de conhecimentos privativos, os Estados são, por natureza, mais solitários que as pessoas. Um arquétipo que se relaciona com esta situação é a do Primeiro Encontro Hobbesiano, em que um Estado agressivo tenta conquistar o outro sem conhecê-lo previamente (SCHWARTZ, 1994). Os mongóis fizeram isso com os europeus medievais, os europeus fizeram isso com os nativos americanos, e esses são todos exemplos de Estados operando em um mundo privativo, domesticamente constituído de significados, tentando conquistar ou escravizar o Other. A estrutura dessas situações ainda é social, já que elas estão baseadas em ideias levadas em conta pelos agentes sobre o Other, porém, não sendo estas ideias compartilhadas, não chegam a formar uma cultura: Often it is only when someone violates our shared expectations, “breaching” the social order, that we realize how important they are in constituting Who we are and what we do. In this respect cultures are different than social systems based on private knowledge alone, like First Encounter situations. In the latter actors are relatively free to change their beliefs because there are no commitments to Others that reinforce particular ways of thinking, whereas in cultures actors depend on Others to act in certain ways so that they can realize their own interests. (WENDT, 1999, p. 188). No início do Primeiro Encontro, os atores aprendem uns com os outros, trazendo suas expectativas à tona. Para eles também, são oferecidos incentivos para se comunicarem. O fato de os agentes não reconhecerem os direito do Other à vida e à 65 Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha liberdade é um poderoso constrangimento de formação da cultura, pois os atores preferem matar o Other a compartilhar ideias com ele. Essa restrição poderia ser decisiva para os indivíduos, já que estes poderiam ser mortos facilmente. Apesar da natureza material dessas organizações especializadas em autodefesa, os Estados são muito mais dispostos a matar do que as pessoas são. Com os Estados fracos ficando vulneráveis à eliminação pelos fortes, os inimigos sobreviventes ao conflito armado inicial se tornarão mais resistentes e começarão a formar um entendimento compartilhado dessa condição – a cultura hobbesiana. Nessa cultura, os Estados possuem conhecimento compartilhado em, ao menos, três dimensões. Primeiro, eles estão lidando com outros Estados, seres iguais a eles. Segundo, esses entes são seus inimigos e, portanto, ameaçam sua vida e sua liberdade. Terceiro, então, como lidar com inimigos, como fazer guerra, como comunicar ameaças, como estabelecer balanço de poder? O que os Estados devem compartilhar nesse momento são as normas de uma cultura de realpolitik, em que as políticas de poder e de auto-ajuda não são somente regularidades comportamentais, mas um entendimento compartilhado sobre como as coisas são feitas. Nesse estágio, todos saberão o que a guerra é e o que ela envolve. Similarmente, um equilíbrio mecânico agora é um balanço de poder. É somente com a emergência de uma cultura hobbesiana que o Realismo pode emergir como um discurso sobre políticas internacionais. Essa cultura pode ser internalizada em três níveis – força (hipótese realista), preço (neoliberal ou racionalista) e legitimidade (idealista ou construtivista). Esses elementos ajudarão a explicar porque os Estados se adéquam à cultura hobbesiana, a qualidade dessa conformidade, suas resistências a mudanças, e a diferença que isso faz para o sistema e para os agentes. A hipótese do primeiro nível de internalização cultural considera que, nesse estágio, os atores sabem o que é uma norma, mas agem de acordo com ela porque são forçados pela punição imediata que o descumprimento ocasionará. Eles não são motivados a agirem com sua própria vontade e nem de acordo com seus interesses. Um ator age conforme a norma porque ele deve, porque ele é coagido e compelido a isso. Logo, o seu comportamento se torna direcionado externamente. Concedendo fonte externa ao comportamento dos agentes, a qualidade da complacência diminui, fazendo com que seja necessária a presença de uma pressão constante. Removendo essa coação, os agentes quebrarão as normas. Mesmo que eles compartilhem o conhecimento sobre as normas, não aceitam as implicações que elas dispõem. Nessa situação, as explicações 66 A Teoria de Alexander Wendt nas Relações Internacionais... giram mais em torno do significado privativo e da coerção material do que em torno da cultura. É nessa esfera que os realistas pensam as diferenças que as normas fazem. Os Estados se sentem compelidos a se engajarem em um comportamento altamente revisionista mesmo que eles não queiram ou mesmo que não seja dos seus interesses. O que condiciona essa lógica é a representação coletiva da condição dos Estados como unidades de uma estrutura hobbesiana. Apesar da distribuição de interesses condicionada por forças materiais, é a coerção baseada nas ideias compartilhadas que puxa o sistema para esta direção/lógica. O interesse desses Estados em conquistar uns aos outros faz com que estes atores não sejam tendentes à cooperação. Não é fácil efetuar uma distinção entre o primeiro e o segundo nível de internalização, ou seja, entre ser forçado a fazer algo e fazer algo que não seja do seu interesse. O que ajuda na identificação dessa diferença é efetuar análises em torno da ideia da escolha. No primeiro nível, os atores não possuem opção a não ser seguir as normas, porém, há na característica existencial da condição humana o princípio de que todos possuem escolhas e, portanto, todos podem dizer não, mesmo que isso ocasione certo déficit (CARVETH, 1982). Já no segundo nível, os atores possuem uma escolha significativa que implica na existência de um espaço social e temporal onde esses agentes possuem certa liberdade com relação à coerção direta e imediata. Os atores, nesse espaço, obedecem às normas não porque pensam que elas são legítimas, mas porque pensam que elas são dos seus interesses. A atitude com relação às normas é instrumental. Mesmo sem a existência de uma condição coercitiva, eles tenderão a cumprir essas normas. Essa obediência é necessária para os agentes na medida em que são gerados benefícios. No primeiro nível, os atores compartilham cultura e sabem que realizam tal ação, mas não aceitam as implicações desse acontecimento para os seus comportamentos. No segundo nível, os atores aceitam compartilhar significados, gerando assim, uma cultura parcialmente normalizada, mas esta aceitação é puramente instrumental. Assim que os custos de seguir as regras alterarem os benefícios, os atores mudarão o comportamento. Nesse estágio, os Estados começam a oferecer justificações para seus comportamentos em detrimento das expectativas compartilhadas (KRATOCHWIL, 1989). Na cultura hobbesiana, essas justificações enfatizarão a necessidade e a razão de Estado. Os agentes justificarão suas próprias práticas de realpolitik com argumentos como “todos sabem que se nós não conquistamos X, então 67 Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha Y fará isso, enfraquecendo nossa posição relativa” ou “todos sabem que, se estamos em guerra, a virtude da nação é forjada”. Esses argumentos possuem significado para os outros Estados devido às ideias compartilhadas sobre como as coisas são feitas. No entanto: This is not to say that a state could not give meaning to such beliefs all by itself, just as a paranoid or schizophrenic can live in a world of private meanings, but then that is why we consider them paranoid or schizophrenic. We may hear their words and understand their literal meaning, but they are not “making sense” because they are not speaking a language we share. Similarly in a Hobbesian culture: not only do states have a Realista beliefs, but these are justified and made intelligible by the fact states all know they are necessary. (WENDT, 1999, p. 272). A natureza alienável e violenta da cultura hobbesiana evidencia que suas normas não são suscetíveis de serem formalizadas no nível sistêmico e, portanto, seus membros talvez não as enxerguem como normas e não se enxerguem formando uma cultura. O conhecimento compartilhado dos agentes se torna totalmente tácito25 (PLEASANTS, 1996). Se alguma cultura é institucionalizada, é mais provável que ela sofra esse processo somente no nível doméstico. E se esse conhecimento doméstico é puramente privado então, não se pode falar em uma cultura sistêmica. Porém, se cada membro do sistema operar sob a mesma restrição doméstica e ao menos sabendo, mesmo que tacitamente, que os outros operam da mesma forma, então já se pode identificar uma cultura sistêmica em alguns termos. Algumas vezes, as pessoas seguem normas não porque elas pensam que isso servirá para algo exogenamente dado, mas porque elas pensam que as normas são legitimadas e, por isso, querem as seguir. Dizer que uma norma é legitimada é dizer que um ator a aceita completamente no seu entendimento. No segundo nível de internalização, os atores assumem algumas identidades por razões puramente instrumentais, e por isso as consideram como objetos externos. Já no terceiro nível, os agentes se identificam com as expectativas dos outros, relacionando-se como se 25 Há diferentes formas de conhecimento. Nonaka e Takeuchi (1997) fazem uma distinção entre o conhecimento explícito e o conhecimento tácito. O conhecimento explícito pode ser expresso em palavras e números, sob a forma de dados brutos, fórmulas científicas, procedimentos codificados ou princípios universais. Isto é, pode ser objetivado, separado do ser humano que conhece, de sua subjetividade. O conhecimento tácito, por sua vez, corresponde a um conhecimento inerentemente ligado à subjetividade do indivíduo, de difícil sistematização. É um tipo de conhecimento complexo que abrange as habilidades desenvolvidas por meio da experiência, e as percepções, crenças e valores a partir das quais o ser humano se faz uma imagem da realidade, e que moldam a forma como se percebe e se lida com o mundo. 68 A Teoria de Alexander Wendt nas Relações Internacionais... fizessem parte uns dos outros. O Other então agora se insere nas fronteiras cognitivas do Self. É somente nesse estágio de internalização que as normas constroem os agentes. Há um aparente paradoxo na cultura hobbesiana com relação às peculiaridades do papel de inimigo. Um ator deve tentar desprezar a vida ou a liberdade dos outros atores, os quais precisam internalizar essas expectativas para constituírem suas identidades como inimigos. Então, como os atores participam de uma cultura cuja lógica está baseada na tentativa de destruição por parte desses atores? A postura do Self com relação ao Other na inimizade é de profundo revisionismo, o qual se torna um interesse, e não meramente uma estratégia. Entretanto, interesse em conquistar não é o mesmo que interesse em inimizade. O interesse no profundo revisionismo é satisfeito pela conquista, já o interesse na inimizade não. O primeiro procura remover o Other do jogo, já a relação de inimizade necessita do Other para constituir suas identidades. Porém, eliminando-se os Estados mais fracos, a ideia de inimigo vai se destituindo. Logo, enquanto o profundo revisionismo vê a cultura hobbesiana como um obstáculo, a inimizade a enxerga como um fim em si mesma. Na cultura hobbesiana, se os Estados possuírem poder suficiente para matar uns aos outros, eles exercerão essa lógica. Porém, há algumas restrições materiais, como o balanço de poder ou a tecnologia militar inadequada. Com essas limitações, é possível que a inimizade não seja mais vista como somente uma necessidade (como no segundo nível), mas como legitimada. Assim, os Estados se apropriam da identidade de inimigo através de seus interesses correspondentes. As políticas de poder agora não formam somente um significado, mas também um fim em si mesmas, um valor constituído coletivamente como um direito, uma virtude. Como resultado, os Estados precisam do Other para exercer o papel de inimigo como um espaço para desenvolverem esses valores. O que importa agora é lutar uma boa luta, tentando somente destruir os inimigos, independentemente da obtenção do sucesso. Aliás, com o sucesso, o resultado se torna cognitivamente dissonante e incerto, já que a lógica não fará mais sentido na ausência de inimigos26. A cultura hobbesiana possui efeitos causais e constitutivos27. Os efeitos causais concernem no papel que a cultura exerce na produção e reprodução das identidades de 26 Este foi um fenômeno que ocorreu durante a Guerra Fria, citado pelos construtivistas como uma das causas da política externa estabelecida pelos EUA ao final do período. 27 “Causal questions inquire into the antecedent conditions or mechanisms that generate independently existing effects; this is generally what we want to know when we ask ‘why?’ something happened or 69 Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha inimigo a todo momento. Aqui, pressupõe-se que as identidades e os interesses existem independentemente da cultura, e a interação ocorrida nesta última molda a todo momento os dois elementos citados em um sistema de bola de bilhar28. O Self existe independentemente do Other, pois ele não depende intrinsecamente do conhecimento compartilhado para a sua existência. Já os efeitos constitutivos evidenciam que essa lógica não se procede, pois as identidades e os interesses dependem conceitual e logicamente da cultura, na medida em que somente em virtude dos significados compartilhados é que se torna possível pensar sobre quem alguém é e o que alguém deseja (seja o próprio Self ou o Other)29. A identidade é um efeito da cultura assim como o discurso é um efeito da linguagem que, no caso, é a estrutura do último (a gramática) que torno o primeiro possível. Afirmar que um Estado internalizou completamente a cultura hobbesiana no senso constitutivo é afirmar que ele incorporou essa cultura em sua “mente”, definindo quem ele é, o que ele quer e como ele pensa e age. Há ao menos três maneiras das quais os Estados dispõem para considerarem uns aos outros como inimigos, nomeadas por Stein (1982) como formas de adversidade simbiótica. Wendt argumenta que as identidades de inimigo são constituídas pela cultura do sistema internacional. Em cada relação de inimizade deve haver poder material suficiente para evitar uma morte fácil, mas o resto da lógica é completamente social. A primeira forma está relacionada com o complexo militar industrial. A interação no sistema hobbesiano tende a criar grupos de interesses domésticos que ‘how?’ a process works. Constitutive questions inquire into the conditions of possibility that make something what it is or give it the causal powers that it has, and as such they are interested in relationships of conceptual, not natural necessity; this is what we want to know when we ask ‘how is X possible?’ or, simply, ‘what is X?’. (WENDT, 1999, p. 373). 28 A metáfora que ilustra a visão realista de mundo é o da bola de bilhar numa mesa de sinuca, em que todas as unidades maciças se chocam umas com as outras (uma alusão à guerra), de forma racional. As bolas colidindo representam as relações entre os Estados. Esses atores estão principalmente interessados na sua segurança, definindo seus interesses nacionais em termos de poder. O aumento do poder de um Estado implica na diminuição do poder relativo do outro. Esse modelo considera as relações internacionais baseadas no uso da força, reduzindo o sistema internacional a um intercâmbio interestatal em que os Estados são os únicos atores aptos a monopolizar e a utilizar a violência (MORGENTHAU, 1950). 29 A natureza humana não nos diz se a pessoa é boa ou má, egoísta ou altruísta, agressiva ou pacífica. Esses são todos contingentes sociais, não essencialmente materiais. O comportamento humano não é essencialmente determinado pela nossa natureza, mas sim pelas variações de formas culturais que temos criado. Os seres humanos são animais cujas necessidades materiais são um elemento chave constitutivo de seus interesses, porém, no final, seus interesses são mais uma função de suas ideias do que de seus genes. (WENDT, 1999, p. 133). 70 A Teoria de Alexander Wendt nas Relações Internacionais... lucram com a venda e compra de armas, fazendo com que as tomadas de decisões pertinentes a lobbies nacionais não reduzam esse mercado. Esses grupos ajudarão a constituir Estados com identidades dependentes da existência de um Other inimigo. Os EUA e a URSS apresentaram um interesse comum em sustentar a Guerra Fria porque isso gerava benefícios para cada um. Os interesses não eram constituídos somente pelo aumento da percepção de ameaça posta pelo Other, mas pelas ações agressivas que exacerbaram essa realidade. A segunda forma concerne na solidariedade em grupo. O papel de inimigo permite que os interesses nacionais de cada Estado se relacionem. O Estado americano, por exemplo, depende de um discurso de perigo, em que as elites inventam ou exageram periodicamente ameaças ao corpo político, produzindo e sustentando um nós ao invés de um eles, justificando assim a existência desse Estado (CAMPBELL, 1992). Esses discursos de perigo produzem uma distinção entre o interno e o externo, a ideia de dois grupos distintos dos quais as identidades dos atores dependem. Dependem de um processo contínuo de diferenciação do Self com relação ao Other, e é razoável pensar que esse processo, às vezes, toma formas hobbesianas. Nesse caso, para identificar quem os Estados são e o que eles desejam dependerá dos significados compartilhados com o Other inimigo. Segundo a teoria da identidade social de Mercer (1995), assim como os membros de um grupo humano, os membros estatais tendem a comparar seu grupo como melhor do que os de outros para assim, aumentarem sua auto-estima. Esse raciocínio acaba por gerar uma predisposição por parte dos Estados para definirem seus interesses em termos egoístas. Isso, porém, não implica em agressão ou inimizade, mas provê uma fonte cognitiva para tal comportamento. A terceira forma, relacionada mais ao campo cognitivo da psicanálise, engloba a teoria da identificação projetiva (CARVETH, 1982). Essa tese caracteriza o papel de inimigo como um espaço de substituição de sentimentos indesejados sobre o Self. Devido às suas patologias pessoais, os indivíduos não conseguem controlar suas fantasias destrutivas inconscientes (como sentimentos de fúria, agressão, ou até um auto-ódio) e, portanto, algumas vezes, atribuirão ou projetarão esses sentimentos à figura do Other, fazendo com que este se identifique com essa imagem e aja como se fosse portador dela. Isso significa que o Self pode controlar ou destruir esses sentimentos, controlando ou destruindo o Other (ALFORD, 1994). A auto-estima não 71 Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha emerge somente das comparações favoráveis com Other, mas também da tentativa de destruição deste. Para que esse processo acima ocorra é necessária a separação do Self entre bom e mau para, posteriormente, projetar essas características no Other. Essa situação pode gerar bases para a constituição cultural da inimizade, já que essa repartição do Self necessita do Other para se identificar com os elementos deste, efetuando uma colisão que justifica a destruição desse Self via Other. A princípio, o Other pode não cooperar ou não se identificar com esses desejos, aí haveriam imagens ilusórias de inimigos ao invés de uma cultura compartilhada. Se o Other projeta seus elementos indesejados no Self, cada um estará apto a exercer o papel que o outro necessita então, seus conhecimentos compartilhados tornarão os desejos revisionistas significativos. Cada um teria uma participação no Other inimigo porque isso os possibilitaria tentar controlar ou destruir as partes de si mesmos que consideram hostis. A motivação humana pode ser bem mais complicada de se analisar do que as assunções usuais expostas nas relações internacionais com relação ao egoísmo racional, mas, mesmo assim, ela ajuda no entendimento sobre a interação dos atores no sistema. Essas três hipóteses apresentadas acima sugerem maneiras pelas quais as normas da cultura hobbesiana podem constituir os interesses na inimizade ao invés de explicar somente a regulação do comportamento de inimizade dos atores, considerando-o exogenamente constituído. A inimizade aqui é constituída de cima para baixo, não de baixo para cima (WENDT, 1999). Tendo definido suas identidades e interesses em termos de cultura sistemicamente compartilhada, os inimigos se tornam parte de um grupo. Caracterizando o estado de natureza hobbesiano, Alford usa o conceito psicoanalítico de grupo regressado para descrever tal condição: The group seems like a bunch of autonomous individuals, but only because the members are in such a state of dedifferentiation that all they can know of the other is that he is other, his otherness constituting the threat dedifferentiation defends against. Not as autonomy but as isolation is how individuality is experienced in the regresses group. (ALFORD, 1994, p. 87). Essa análise evidencia a possibilidade de mudança. Sempre é assumido que a abordagem materialista do realismo considera inevitável a impossibilidade de ocorrer mudança estrutural sob a condição de anarquia e que a abordagem idealista considera a plasticidade dessa estrutura. Entretanto, para Wendt, ocorre ao contrário. Quanto mais profundo a estrutura das ideias compartilhadas penetra nos interesses e nas identidades 72 A Teoria de Alexander Wendt nas Relações Internacionais... dos atores, mais resistente se tornará o processo de mudança. Nenhuma estrutura é fácil de ser mudada, mas a cultura hobbesiana, a partir do momento que constrói Estados como inimigos através do compartilhamento de ideias, torna-se suscetível a transformações. 3.4 – A cultura lockeana A violência e as altas taxas de morte dos Estados no sistema internacional ocorridas no passado sugerem que o mundo político tem sido marcado pela presença da cultura hobbesiana. Para os realistas, essa lógica sempre esteve presente e sempre estará. Porém, depois do estabelecimento do sistema westfaliano de Estados, a situação mudou. Desde então, a taxa de morte de Estados é quase nula, os pequenos países estão sobrevivendo, e as guerras entre Estados são raras e normalmente limitadas, já que as fronteiras territoriais têm se consolidado. Mas os realistas não dão muita importância a essas mudanças. Para eles, as guerras continuam acontecendo e o poder ainda continua importando. Entretanto, durante os recentes séculos passados, tem ocorrido uma mudança estrutural qualitativa nas políticas internacionais. A lógica do estado de natureza hobbesiano do matar ou morrer tem sido substituída pela lógica da sociedade anárquica lockeana do viver e deixar viver (BULL, 1977). A cultura lockena possui uma lógica diferente da hobbesiana, pois está baseada num papel estrutural diferente – o de rivalidade. Como os inimigos, os rivais são constituídos pelas representações sobre o Self e o Other a respeito da violência, porém estas são menos ameaçadoras. Os rivais esperam que cada um aja reconhecendo suas soberanias, seus direitos à vida e à liberdade e, portanto, não desejando conquistar ou dominar. Entretanto, esse reconhecimento entre os rivais não estende ao direito à liberdade em disputas violentas. Algumas dessas disputas podem impor limitações, podendo fazer com que a rivalidade envolva algum revisionismo territorial. A rivalidade está relacionada ao direito de soberania. Essa propriedade se torna um direito somente quando os Estados a reconhecem (BALDWIN, 1992). Os direitos são capacidades sociais que são conferidas aos atores através da permissão de outros agentes para fazerem certas coisas (FAIN, 1987). Um Estado poderoso pode possuir capacidade material para defender sua soberania de invasores, mas mesmo se ele não possuir essa habilidade, a sua soberania estará garantida porque os outros Estados a 73 Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha reconhecem como direito. Porém, essa lógica evidencia uma auto-limitação imposta pelo Other, já que o status quo dependerá de outros Estados. O status quo pode ser imposto, em última instância, pela coerção, mas até Hobbes reconhece que uma sociedade baseada somente na força não se sustentaria por muito tempo. Para o filósofo, o papel do Estado é institucionalizar a auto-restrição. Ter um direito depende da restrição dos outros, os quais tratarão os atores como um fim em si mesmos, não como meros objetos à disposição. Quando os Estados reconhecem a soberania um do outro como um direito, esse elemento não se torna somente uma propriedade individual do Estado como também se torna uma instituição compartilhada por vários desses atores30. Essas instituições estão baseadas na expectativa compartilhada de que os Estados não tentarão desprezar a vida e a liberdade dos outros. No sistema westfaliano, essa crença é formalizada através do direito internacional, o qual forma uma importante parte da profunda estrutura das políticas internacionais contemporâneas (SLAUGHTER, 1995). A rivalidade entre os Estados modernos é constrangida pela estrutura do direito de soberania reconhecido pelo direito internacional. Entretanto, a rivalidade é ainda compatível com o uso da força para a resolução de disputas e, portanto, a cultura lockeana não se constitui completamente como uma regra do sistema jurídico. Mesmo que os rivais esperem do Other o uso periódico da violência para resolver disputas, eles saberão que isso ocorrerá dentro dos limites do viver e deixar viver. Os realistas afirmam que os Estados nunca poderão estar totalmente certos sobre as intenções dos outros atores porque não se pode ler a mente deles. E como, na anarquia, os custos de um engano podem ser fatais, os Estados não possuem outra alternativa a não ser considerar os outros como inimigos. A soberania permite que os Estados façam inferências confiáveis sobre o status quo do Other sem o acesso à mente dele. Atualmente, quase todo Estado sabe que quase todos os outros reconhecem a sua soberania. A grande questão é se esse conhecimento do Estado com relação às intenções dos outros é suficientemente incerto para sempre justificar a simpatia pelas piores suposições. Para Wendt, na maioria dos casos, a resposta é não31. A interpretação de 30 “Neorealists and foreign policy role theorists alike assume that states are sovereign, but treat this only as a corporate identity, as nothing more than na interest feature of being state. As I argue in chapter 6, the fact that the sovereignty of the modern state is recognized by other states means that it is now also a role identity with substantial rights and behavioral norms” (WENDT, 1999, p. 228). 31 Seria muito improvável que a Noruega e a Suécia, o Quênia e a Tanzânia, e quase todas as outras díades de países presentes no sistema internacional representassem uns aos outros como inimigos. Como 74 A Teoria de Alexander Wendt nas Relações Internacionais... Waltz de que os Estados procuram mais por segurança do que por poder faria menos sentido ainda se esses atores realmente pensassem que os outros estão tentando conquistá-lo a todo momento. As implicações do papel de rivalidade para o Self são bem menos evidentes do que na relação de inimizade. A restrição percebida pelo Other dá ao Estado a escolha. Alguns atores acreditam que o Other os consideram como incapazes e, por isso, respondem a essa percepção tentando matar esse Other (assim como foi a reação de Hitler com relação ao tratado de Munique). Nesse caso, há uma assimetria de papéis, em que um lado enxerga a rivalidade, e o outro a inimizade e, como resultado, a cultura hobbesiana sobressairia. Porém, isso não é muito recorrente no mundo moderno, pois o reconhecimento da soberania entre os Estados dá a esses atores a possibilidade de fazerem outra escolha – a da reciprocidade. Assim, os agentes entram na lógica lockeana. A rivalidade apresenta ao menos quatro implicações para a política externa. A primeira é que não importa o número de conflitos em que estejam inseridos, os Estados devem se comportar com uma tendência de status quo com relação ao reconhecimento recíproco da soberania. Já a segunda, dialoga com a natureza do comportamento racional. Enquanto os inimigos tomam decisões baseadas no alto risco de aversão, num curto período de tempo e com o uso do poder relativo, a rivalidade permite uma visão mais flexível. Com a instituição da soberania, a segurança se torna menos escassa, os riscos se tornam menores, o futuro passa a importar mais, e os ganhos absolutos começam a ultrapassar as perdas relativas. Isso não significa que os Estados não estarão preocupados com a sua segurança, mas essa ansiedade se torna menos intensa, já que os resultados do game tree32 são removidos. Terceiro, o poder militar relativo ainda importa porque os rivais sabem que os outros poderão usar a força para resolver rivais talvez, mas não como inimigos. As exceções (Coréia do Norte e Coréia do Sul, Israel e Palestina) só evidenciam quão inusual a inimizade é nos dias de hoje (WENDT, 1999). 32 A representação formal [da teoria] dos jogos é feita por dois métodos. A representação por meio de árvores de decisão utilizada na Teoria da Decisão individual é adaptada para o método de árvore do jogo no qual cada movimento é simbolizado por um nó na árvore - um círculo contendo um número e que indica a quem cabe a decisão naquele momento do jogo. As opções de escolha disponíveis para o jogador são os galhos que nascem de cada nó do tronco da árvore. Os resultados são indicados ao final de cada um dos galhos e trazem um ou vários números conforme o grau de utilidade de cada resultado para o jogador. Para cada jogador haverá a disposição de uma árvore do jogo individual, de modo que ele não tem conhecimento das escolhas simultâneas dos demais participantes. Porém, cada nó do tronco da árvore pertence ao mesmo conjunto de informações compartilhadas por todos os jogadores. [...] O outro modo de representação dos jogos são as tabelas de decisão ou matrizes, nestas, as árvores se traduzem em matrizes do jogo que empregam estratégias. (MONTEIRO, 2006, p. 8-9). 75 Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha disputas, porém, seu significado é diferente do que é para os inimigos, já que a soberania ocasiona mudanças no balanço da ameaça (WALT, 1987). Na cultura lockeana, esse tipo de poder não é uma prioridade. Quarto, se as disputas caminhassem para a guerra, os rivais limitariam o próprio uso da violência (como nas guerras justas). Inimigos e rivais podem ter um nível igual de propensão à violência, porém cada papel faz com que o uso dela seja externalizado em níveis bem diferentes. Wendt analisa a lógica da anarquia lockeana considerando a rivalidade como uma relação interpsicológica que congrega crenças subjetivas sobre o Self e o Other. As percepções subjetivas são uma micro-constituição para as formas culturais. Entretanto, há um nível macro, no qual o rival é uma posição preexistente num conjunto de conhecimentos compartilhados que supervêm das ideias individuais dos Estados. Essa é a rivalidade como representação coletiva. A mente do Other está muito mais baseada no que ela sabe sobre a estrutura do que no que ela sabe sobre os outros Others, fazendo com que o sistema adquira uma lógica por si só. E as práticas de rivalidade sustentam essa lógica. Essa estrutura, conhecida por BULL (1977) como sociedade anárquica, gera quatro tendências. A primeira é a de que a guerra é simultaneamente aceita e constrangida. Os Estados reservam e periodicamente exercitam o direito ao uso da violência para avançar seus interesses. A guerra é aceita como normal e legítima. Esses conflitos tendem a ser limitados não no sentido de matar várias pessoas, mas no sentido de não matar Estados. Guerras de conquista são raras e quando ocorrem, outros Estados tendem a agir coletivamente para restaurar o status quo33. Dentro deste raciocínio, Ruggie (1993) faz uma distinção entre guerras constitutivas e guerras configurativas. Na primeira, dominada pela anarquia hobbesiana, o tipo e a existência das unidades dependem da participação destas. Na segunda, dominada pela anarquia lockeana, as unidades são aceitas pelas partes, as quais estão lutando por vantagens estratégicas ao invés de estarem lutando por território. A segunda tendência aponta que o sistema possui membros relativamente estáveis, fazendo com que a taxa de morte entre eles seja baixa a todo momento. Os membros são a chave para o reconhecimento da soberania, já que ela não é reconhecida pelo sistema, mas sim pelos agentes. Desde 1815, os Estados reconhecidos como soberanos pela Europa, por exemplo, vêm apresentando uma taxa mais alta de 33 Como aconteceu na 2ª Guerra Mundial, na Guerra das Coreias, e na Guerra do Golfo. 76 A Teoria de Alexander Wendt nas Relações Internacionais... sobrevivência do que aqueles que não foram. Na era moderna, micro-Estados, como Cingapura e Mônaco, estão prosperando. Até mesmo os Estados falidos34 ainda conseguem se manter, pois a sociedade internacional reconhece suas soberanias juridicamente (STRANG, 1991). Em todos esses casos, os Estados sobrevivem devido a razões sociais, e não materiais, porque os potenciais predadores os deixam viver. A fraqueza é protegida pela restrição da força. A terceira tendência é a de balanço de poder por parte dos Estados. Waltz considera esse fator como um efeito da própria anarquia, porém, para Wendt, o balanço é mais um efeito do reconhecimento mútuo da soberania. Na anarquia hobbesiana, a ausência desse reconhecimento e as pressões resultantes dão ao balanço uma tendência em torno da concentração de poder e da dominação. Se os Estados pensam que os outros reconhecem a sua soberania, então a sobrevivência não dependerá do poder relativo, pois a pressão para a maximização de poder é muito menor. Paradoxalmente, nessa situação, o balanço se torna uma fonte relativamente estável de ordem que pode apresentar também fontes de conflitos violentos. O balanço também provê a garantia contra a perda de soberania. Porém, nos sistemas lockeanos, a maioria dos Estados não necessitam dessa garantia porque o reconhecimento a torna desnecessária. Logo, o balanço não é essencial para a sobrevivência. A quarta e última tendência evidencia que a neutralidade e o não-alinhamento se tornam status reconhecidos. Se os Estados podem resolver suas diferenças sem a necessidade de competirem militarmente, então não há revisionismo. As indiferenças mútuas formam um resultado estável, podendo os conflitos serem resolvidos na lógica do viver e deixar viver. Segundo Wendt, a anarquia retratada por Waltz faz parte de um sistema lockeano, não hobbesiano. Sua analogia com o mercado, o qual pressupõe que as instituições asseguram que os atores não matarão uns aos outros, sua ênfase no balanço de poder, sua observação de que os Estados apresentam uma baixa taxa de morte, e sua hipótese de que estes atores estão interessados mais na segurança do que no poder, todas essas assunções estão associadas com a auto-contenção. Waltz também considera que o sistema westfaliano possui uma cultura lockeana. Entretanto, tal autor não apresenta a 34 Estados que não possuem a capacidade de exercer o poder soberano, permitindo a atuação de poderes rivais dentro da própria sociedade. Por esta razão, tornam-se muito mais reconhecidos fora do sistema do que dentro. 77 Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha possibilidade de esta cultura ter uma lógica diferente da hobbesiana, com a qual o Realismo é sempre associado. A instituição da soberania é a base do sistema internacional contemporâneo. Atualmente, todos os Estados obedecem às normas de soberania. Wendt enxerga três possibilidades pelas quais estas normas podem ser internalizadas – coerção, interesse e legitimidade. São diferentes níveis que podem ser aplicados a diferentes Estados e que oferecem três respostas para a seguinte questão – que diferença a soberania faz no sistema internacional? O primeiro nível é uma explicação realista. Os Estados cumprem com as normas de soberania porque eles são forçados pelo poder superior dos outros Estados. Esse poder pode ser exercido diretamente (a conquista do Kuwait pelo Iraque, por exemplo) ou indiretamente, como nas situações em que o balanço de poder torna os custos da tentativa de conquista altos (POWELL, 1991). Há coerção quando os Estados não querem cumprir as normas por vontade própria, não as colocando dentro de seus interesses. Se o cumprimento ocorre contra a vontade, então os Estados apresentam interesses revisionistas com relação à soberania dos outros. “One cannot be coerced into not doing something one does not want to do” (WENDT, 1999, p. 286). Algumas vezes, a coerção é explicada pela conformidade com as normas de soberania. As administrações de Napoleão, Saddam Hussein e Hitler, por exemplo, não estavam impedidas por um poder superior. Em casos como esses, as forças materiais importam mais o que as ideias compartilhadas. Embora compartilhada no sentido de comumente sabido, a instituição da soberania não é compartilhada no sentido de aceita pelos Estados revisionistas. Na cultura lockeana isso não ocorre, pois esta depende da massa crítica de Estados poderosos capazes de privar o sistema de uma lógica que implique na revisão da soberania dos outros atores. Esta cultura westfaliana tem se internalizado muito mais densamente do que o Realismo tem previsto. O segundo nível é uma explicação neoliberal ou racionalista. Os Estados cumprem com as normas de soberania porque acreditam que avançarão em seus interesses, como os relacionados à segurança e ao comércio. A soberania é vista como um ponto focal ou como um resultado proeminente em que as expectativas convergem naturalmente. Essa lógica permite que os Estados coordenem suas ações em torno de resultados mutuamente benéficos. (WEINGAST, 1995). A cultura aqui importa muito mais do que no primeiro nível, mas ainda como uma variável interveniente entre poder de um lado, e interesses e resultados de outro (KRASNER, 1983). 78 A Teoria de Alexander Wendt nas Relações Internacionais... É importante analisar a definição de interesse próprio35. Afirmar que os Estados cumprem com as normas de soberania por razões de interesse próprio pressupõe que estes atores possuem espaço social suficiente para a escolha. Esta ainda é feita por razões consequentes, pois os benefícios para os outros interesses superam os custos. E como esses incentivos são formados através da expectativa da reação dos outros Estados, a escolha ainda permanece determinada por situações externas. A violação da norma permanece como uma livre opção, fazendo com que os Estados estejam engajados em cálculos contínuos sobre escolhas relativas a seus interesses. A instituição da soberania é somente mais um objeto num ambiente onde há a distribuição de custos e benefícios, então qualquer que seja a razão custo-benefício, quebrar as normas pode trazer benefícios (KRASNER, 1993). Os Estados obedecem às normas, pois elas são valiosas para seus próprios propósitos. Estes atores assumem o status quo com relação à soberania dos outros não porque são status quo por natureza, mas porque isso serve para algum propósito. Status quo é uma estratégia, não um interesse. Logo, o interesse próprio dos Estados é indiferente às normas de soberania. O terceiro nível é uma hipótese construtivista. Os Estados obedecem às normas porque aceitam o seu conteúdo como legitimado (TYLER, 1990). “External norms have become a voice in our heads telling us that we want to follow them” (WENDT, 1999, p. 288). A distinção entre interesse e interesse próprio se torna importante aqui – o comportamento do Estado é interessado no sentido de estar motivado a obedecer às leis, mas não as considerando como um mero objeto para ser usado a favor de benefícios próprios. A maioria dos Estados cumpre as normas porque as aceitam como legitimadas, porque se identificam com elas, e porque querem obedecê-las (HURD, 1999). Os Estados são status quo não somente com relação ao comportamento, mas também com relação aos interesses36. 35 O interesse próprio não é uma propriedade intrínseca dos atores, como ter olhos azuis ou cabelos castanhos, mas é uma crença contingente sobre como sanar necessidades em meio a situações específicas com o Other, sendo, portanto, um elemento culturalmente constituído (WILDAVSKY, 1994). 36 Um exemplo está relacionado ao porque de os EUA não quererem conquistar Bahamas. Os policymakers americanos provavelmente calcularam que a conquista não compensaria devido ao dano que a ação poderia causar à reputação dos EUA como um “cidadão cumpridor de leis” e porque o país conseguiria mais benefícios através de uma dominação econômica. Essa razão custo benefício faz sentido, mas há duas razões para duvidar. Não há a certeza de que os policymakers fizeram cálculos. Pode ser que respeitar a soberania de Bahamas seja do interesse próprio dos EUA, mas se isso não configura em seu pensamento, então qual a explicação para o seu comportamento? Segundo, a definição do que se configura como “compensável” é estabelecida através de um conteúdo cultural. Um Estado com objetivos principalmente religiosos não levaria muito em conta benefícios econômicos. Os EUA certamente quiseram “pagar” pela conquista dos nativos americanos. Por que razões similares não se aplicam a 79 Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha Tanto neorrealistas quanto neoliberais assumem que a distribuição de interesses relacionada à soberania é bastante baseada no status quo. A cultura lockeana tem se tornado parte de um background de conhecimento em que os Estados modernos definem seus interesses nacionais. Para entender melhor essa lógica, Wendt analisa quatro hipóteses sobre a natureza individual do Estado. O autor tenta endogenizar estas suposições racionalistas às políticas internacionais dentro das condições culturais de possibilidade. Para isso, Wendt recorre a quatro efeitos constitutivos classificados como aspectos do Efeito Foucault37, uma tese que considera a auto-contenção individual um efeito de um discurso particular ou de uma cultura (FOUCAULT, 1979). No sentido literal, as pessoas são indivíduos em virtude da auto-organização de estruturas biológicas, as quais não pressupõem a presença de relações sociais. O mesmo princípio se aplica aos Estados, ainda que as suas estruturas internas sejam sociais ao invés de biológicas. A auto-organização cria indivíduos materiais pré-sociais com necessidades e disposições intrínsecas. Porém, o Efeito Foucault não versa sobre a constituição da individualidade material, mas sobre o significado que ela apresenta. É somente em certas culturas que as pessoas são tratadas como agentes intencionais com identidades, interesses e responsabilidades. O fato de os seres humanos possuírem estas capacidades não significa que eles as possuem socialmente. Quando os autores modernos tratam cada um como indivíduos, estão formando um discurso particular, essencialmente liberal, sobre o que seus corpos significam (PIZZORNO, 1992). Esse discurso faz da individualidade material uma individualidade social, criando os chamados atores racionais. A cultura lockeana individualiza os Estados em certo modo, porém, paradoxalmente, cria também capacidades para um sistema de other-help (MERCER, 1995). A cultura afeta todos os quatro tipos de identidades que os indivíduos das políticas internacionais podem ter – corporação, tipo, coletividade e papel. Segue abaixo a descrição dessas identidades, usando o exemplo do sistema westfaliano. O primeiro efeito individualizante da cultura lockeana se relaciona com os critérios de definição dos membros de um sistema, os quais determinam quais os tipos Bahamas? Os EUA possuem um interesse de status quo com relação a Bahamas. A grande questão é sobre o porquê o país possui este interesse. Para Wendt, é porque ele tem internalizado as normas de soberania tão profundamente que passou a definir seus interesses em termos dessas normas, regulando seu próprio comportamento de acordo. Para ele, os EUA percebem Bahamas como parte dessas normas, portadora do direito à vida e à liberdade, não fazendo sentido a violação. (WENDT, 1999, p. 289-90). 37 Termo criado por Burchell, Gordon e Miller (1991). 80 A Teoria de Alexander Wendt nas Relações Internacionais... de indivíduos que fazem parte da distribuição de interesses. A predominância de Estados no sistema westfaliano se deve às vantagens competitivas inerentes presentes em um mundo anárquico. Porém, como mostra Spruyt (1994), há uma questão mais importante – o fato de os Estados conhecerem uns aos outros como os únicos tipos de atores com participação legítima no sistema, institucionalizando assim a soberania como critério de entrada no sistema internacional. A instituição da soberania pode ser vista como uma estrutura seletiva que exerce um poder estrutural o qual mantém certos tipos de jogadores fora do jogo das políticas internacionais (ONUF; KLINK, 1989). Na cultura hobbesiana, esta estrutura importa menos, pois qualquer tipo de ator pode jogar, já que não há regras limitando a participação dos agentes. Já a cultura lockena, por ser mais relativa, apresenta uma corporação menos aberta. Alguns Estados somente se tornam aptos a excluir outros porque Estados mais poderosos não tentam prevenir essa exclusão. Nesse caso, a condição de soberania pressupõe um reconhecimento tácito da soberania jurídica. O sistema de auto-ajuda então depende da restrição dos mais poderosos, o que evidencia uma forma passiva de other-help. É um sistema de auto-ajuda no sentido de interesses, não no sentido do sauve qui peut38. O segundo efeito constitutivo da cultura lockeana determina quais os tipos de identidades são reconhecidas como individuais. Para se tornar um membro do sistema westfaliano, não é necessário ter meramente uma identidade corporativa estatal, mas, principalmente, adentrar no critério de tipo de identidade que define certas formas de um Estado legitimado (BUKOVANSKY, 1999). Esses critérios são expressos através de um padrão de civilização. Há um conjunto de normas sistêmicas que exige que as autoridades políticas estatais sejam organizadas domesticamente por certas maneiras – hierárquica, burocraticamente e, inicialmente, por autoridades cristãs e monárquicas europeias: In the eighteenth and nineteenth centuries many non-European polities were empiracally sovereign rights, but because they did not organize their authority in this manner they were not considered civilized – and therefore to have sovereign rights. Norms of what counts as a legitimate type identity have since changed. It is no longer necessary for state to be Christian or monarchical: now it is being a “nation”-state, have the institutions of a “modern”-state, refraining from genocide, and, increasingly, being a “capitalist” and “democratic” state. In all these respects being part of Westphalian culture is not just a matter of a state´s physical individuality, but 38 Expressão francesa que, para o português, pode traduzida como salve-se quem puder. 81 Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha of conforming the internal structure of this individuality to external norms about its proper form. (WENDT, 1999, p. 293). O terceiro efeito evidencia que a cultura Lockeana constitui os Estados como indivíduos relacionados às suas identidades coletivas ou sociais. As interações ocorridas tornam os Estados propensos ao interesse próprio, mas isso não significa que a cultura lockeana proveja essa tendência por si própria. Os atores se identificam com ela e, logo, adquirem um senso de lealdade e obrigação para com o grupo definido pela cultura. A natureza peculiar da cultura lockeana é a de que os Estados são individualizados dentro desse grupo, pois a cultura constitui as identidades a partir da identificação de nãomembros. Num grupo de Estados civilizados, por exemplo, os atores que não se identificam com tal característica só terão a possibilidade de participação se as normas forem superficialmente internalizadas. Essa identidade social importa porque ela facilita a ação coletiva contra estranhos: quando um grupo é ameaçado, seus membros se enxergarão como um nós que necessita agir coletivamente como um time em sua própria defesa. Nesse sentido, a cultura lockeana expande o sentido do Self, que agora passa a incluir o grupo, o qual, conscientemente, cria capacidades rudimentares para um other-help, não só no sentido passivo da autocontenção, mas no sentido ativo da vontade de ajudar o outro. O quarto e último efeito da cultura lockeana é a constituição dos Estados como indivíduos possessivos. É, na verdade, um efeito do papel das identidades dos Estados, base para a rivalidade. Segundo MacPherson (1962), o individualismo possessivo possui características distintas da visão liberal de indivíduo: Its possessive quality is found in its conception of the individual as essentially the proprietor of his own person or capacities, owing nothing to society for them. The individual was seen neither as a moral whole, nor as a part of a larger social whole, but as an owner of himself. The relation of ownership, having become for more and more men the critical important relation determining their actual freedom and actual prospect of realizing their full potentialities, was read back into the nature of the individual. (MacPHERSON, 1962, p. 3). Nesse sentido, o liberalismo dessocializa o indivíduo. Como consequência, torna-se difícil enxergar por que as pessoas devem ter alguma responsabilidade com relação ao bem-estar das outras, engajando-se em ações coletivas dentro de um grupo. Se as pessoas não dependem umas das outras para a construção de suas identidades, então a dependência do Self com relação ao reconhecimento de seus direitos e 82 A Teoria de Alexander Wendt nas Relações Internacionais... identidades feito pelo Other é esquecida. Assim, o liberalismo apresenta uma grande tensão entre sua legitimação em torno do interesse próprio e o fato de que os indivíduos possuem interesses objetivos dentro de um grupo, os quais tornam a individualidade de cada um possível39. Como Ruggie (1983) sugere, a cultura westfaliana teve efeitos similares. Ela constituiu Estados como indivíduos com o direito de jogar o jogo das políticas internacionais, mas de um modo em que cada Estado pareça ser o proprietário e o guardião desse direito. O Estado westfaliano é um indivíduo possessivo que não aprecia a relação de dependência entre sua identidade e o Other. Isso o torna excessivamente vigilante com relação a sua soberania e ávido para agir no mundo de acordo com sua própria maneira. O interesse próprio e a autoajuda não são atributos intrínsecos dos Estados e da anarquia, são efeitos de uma concepção particular do indivíduo. Rivais sabem que eles são membros de um grupo em que os indivíduos não querem matar uns aos outros, mas essa identidade coletiva está no background de suas interações, a qual se centra na proteção e no avanço de seus próprios interesses dentro de um determinado contexto. A cultura lockeana se apresenta interessante, principalmente, quando aborda o terceiro nível, o qual é considerado, atualmente, como um senso comum das políticas internacionais. O senso de que um certo tipo de Estado é o principal ator no sistema, que esses atores são indivíduos com interesses próprios, de que o sistema internacional é um sistema de auto-ajuda, de que os agentes possuem interesse no status quo, o que os induzem a cooperar quando ameaçados externamente, e de que o sistema é, portanto, em parte, um sistema de other-help qualitativamente diferente do mundo hobbesiano. O senso comum é um ponto inicial do mainstream teórico das relações internacionais. Porém, ele tende a desconsiderar a importância de variáveis culturais. O que Wendt tenta mostrar é que o senso comum é uma função de um contingente de ideias historicamente compartilhadas, e não uma natureza intrínseca dos Estados e da anarquia. A grande questão é analisar como o senso comum pode ser transformado, aumentando assim, as possibilidades de o mainstream pensar em termos culturais. 39 Talvez essa tensão ilustre bem a preocupação, atualmente, do Ocidente com relação à erosão dos valores comunitários em detrimento do interesse próprio dos indivíduos. 83 Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha 3.5 – A cultura kantiana Esta cultura está mais presente no comportamento dos Estados do Atlântico Norte. Esses países têm operado consistentemente como um time de segurança. A causa dessa interação para as normas lockeanas pode ser estrutural no sentido neorrealista – há uma distribuição bipolar das capacidades que suprime, temporariamente, as rivalidades inter-ocidentais, porém, com o colapso da União Soviética, elas se reavivariam. Há ainda outra causa estrutural possível, uma idealista, a qual evidencia que há uma nova cultura política internacional emergindo no Ocidente, cujas normas estão relacionadas com a não-violência e com o estabelecimento de equipes. Wendt nomeia essa cultura como kantiana porque a Paz Perpétua possui o teor mais relacionado com tal lógica. Entretanto, o autor é agnóstico sobre o republicanismo como único meio de implementar essa cultura. A estrutura do papel nessa cultura é de amizade. Há uma substancial parte da literatura de relações internacionais que trabalha com a guerra e a imagem do inimigo ao invés da paz e a imagem do amigo. Os realistas, por exemplo, consideram o estabelecimento da amizade na anarquia uma utopia e, até mesmo, algo perigoso. Para eles, os Estados sempre agirão com bases em seus interesses, não com base em suas emoções (WILLIAMS, 1998). Atualmente, estadistas rotineiramente se referem aos outros Estados como amigos. Pode ser pura retórica, mas isso é refletido também através de seus comportamentos. Tanto os EUA como a Inglaterra se reconhecem em uma relação especial, assim como outras díades presentes hoje no sistema internacional, como a França e a Alemanha, por exemplo. Torna-se necessário então pensar sistematicamente sobre a natureza e as consequências das relações de amizade presentes nas políticas internacionais. A amizade é um papel estrutural em que os Estados esperam que os outros observem duas regras simples: (1) as disputas devem ser travadas sem guerras ou ameaças (a regra da não-violência) e (2) os Estados lutarão como um time se a segurança de um deles for ameaçada por uma terceira parte (a regra da ajuda mútua). Três pontos devem ser observados sobre essas regras. Primeiro, as regras são independentes e igualmente necessárias. A não-violência pode ser, a princípio, acompanhada pela a indiferença ao destino do Other (quando as partes aceitam viver em paz, mas seguindo diferentes caminhos), enquanto a ajuda mútua contra estranhos, 84 A Teoria de Alexander Wendt nas Relações Internacionais... isoladamente, pode ser acompanha pela força dentro de uma relação (como o caso de um marido que bate na mulher, mas a protege da violência praticada por outros homens) (WENDT, 1999). A amizade existe somente quando os Estados esperam dos outros o reconhecimento de ambas as regras. Segundo, a amizade é relativa somente à segurança nacional, não precisando ser expandida para outras áreas. A não-violência e a ajuda mútua impõem certos limites, porém, dentro desses limites, os amigos ainda assim podem travar conflitos consideráveis. Terceiro ponto, e mais importante, a amizade não significa uma relação entre aliados. Aliados se engajam no mesmo comportamento básico que os amigos assumem, mas os primeiros não esperam que esta relação continue durando. As alianças são temporárias (com caráter ad hoc), apropriadas aos arranjos dentro da rivalidade, e talvez, da inimizade. Como classifica Wendt (1999, p. 299), a amizade é temporally open-ended, e por isso tende a continuar. As duas regras de amizade geram uma lógica no nível macro com tendências associadas às comunidades de segurança pluralística e à segurança coletiva. Essas comunidades são definidas por Karl Deutsch (1957, p. 5) como um sistema de Estados em que “there is real assurance that the members of that community will not fight each other physically, but will settle their disputes in some other way”. A garantia real aqui, não provém de um Leviatã40, mas do conhecimento compartilhado das intenções de paz e do comportamento de cada Estado. A guerra é sempre uma possibilidade lógica entre os Estados, pois a capacidade para a violência é inerente a sua natureza, mas em uma comunidade de segurança pluralística, a guerra não é mais considerável como um meio legitimo de resolver disputas. E isso não significa a harmonia41, a ausência de conflitos – estes permanecerão surgindo, mas serão deliberados e solucionados através de maneiras pacíficas (negociações, arbitragens, cortes, etc.). Os custos materiais da guerra então serão ínfimos para ambas as partes. Nas disputas entre rivais, as capacidades militares relativas importam aos resultados porque as partes sabem que elas serão usadas. Já nas disputas entre amigos, são outros tipos de poder (discursivo, institucional, econômico) que possuem maior relevância. 40 Segundo Hobbes, o Leviatã faz com que a paz seja cumprida através de um poder centralizado. 41 Aqui, a harmonia não pressupõe uma condição frutífera para os indivíduos. Esse termo significa a ausência de conflitos. E se estes não existem, então não há o debate das ideias, as diferenças de opinião e de comportamento. Nela, os indivíduos agem e pensam com indiferença (não há a emersão do Self), sendo constrangidos ou manipulados por forças políticas tirânicas, ditatoriais e/ou hegemônicas, ou ainda se comportam dessa maneira por não possuírem capacidade reflexiva. 85 Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha A diferença entre uma comunidade de segurança pluralística e a segurança coletiva é que a primeira está relacionada a disputas que ocorrem dentro de um grupo, enquanto a última está relacionada a disputas que ocorrem entre um grupo e um estranho. A segurança coletiva está baseada na ajuda mútua no contexto do princípio do todos por um e um por todos. A norma é aquela que generaliza a reciprocidade, na qual os atores ajudam uns aos outros mesmo não havendo um retorno direto ou imediato (KEOHANE, 1986). Quando tal norma está funcionando propriamente, a tendência comportamental predominante será aquela que englobará o multilateralismo e/ou o other-help system no que tange à segurança nacional. A segurança coletiva é usualmente justaposta ao balanço de poder, o qual se pauta no princípio alternativo de auto-ajuda. A auto-ajuda pode estimular os Estados a fazerem alianças, as quais também envolvem ação coletiva, porém, a diferença entre aliado e amigo gera uma diferença qualitativa entre alianças e segurança coletiva. Na aliança, os Estados se engajam em ações coletivas porque cada um se sente individualmente ameaçado pela mesma ameaça. A colaboração então se encontra no interesse próprio. Porém, a segurança coletiva não é específica à ameaça. Seus membros compactuam a ajuda mútua porque eles se enxergam como uma unidade única com propósitos securitários a priori, não importando por quem, quando ou se serão ameaçados – pensam como um time realmente (WENDT, 1999). Para o estabelecimento da cultura kantiana em nível global, a segurança coletiva deve ser universal. Porém, isso implica em duas importantes possibilidades. Uma é a de que os Estados podem operar na base do todos por um e um por todos dentro de subsistemas ou complexos de segurança relativamente autônomos, mas não com a presença de estranhos42. A possibilidade é a de que, mesmo quando o sistema de balanço de poder domina o nível global, os Estados dentro de cada bloco podem colaborar uns com os outros não porque eles percebem um outro bloco como uma ameaça as suas seguranças individuais, mas porque eles acreditam em um espírito de equipe existente em seu bloco no que concerne à segurança de seus membros. O fato de os membros de um bloco poderem ser rivais ou amigos ajuda a explicar a possibilidade de mudanças comportamentais. O caso da OTAN, por exemplo, a qual foi formada inicialmente com uma aliança, com a expectativa de ser temporária, mas acabou se tornando, posteriormente, um sistema de segurança coletiva com a expectativa de ser 42 Dentro da América do Sul ou do subcontinente indiano por exemplo, mas não entre eles. 86 A Teoria de Alexander Wendt nas Relações Internacionais... permanente (RISSE-KAPPEN 1996). O que constitui a segurança coletiva são as razões para um open-endeness de ação coletiva, não quanto universal ela é: Observing a rule of non-violence with a neighbor may remove a potential security threat, but by itself does little to protect from aggressive third parties the peaceful neighborhood of which both are part. Observing a rule of mutual aid, in turn, helps protect a state from those third parties, but will be hard to sustain if states insist on settling their own disputes by force. Taken individually, in other words, the two tendencies do not seem qualitatively different from the patterns associated with the logic of rivalry. Taken together, however, they do constitute a different pattern, and will tend to reinforce each other over time. (WENDT, 1999, p. 302). É comumente exposto que as coisas ruins da vida internacional estão relacionadas às teorias materialistas, enquanto as coisas boas às teorias idealistas. Essa associação é problemática. A cultura kantiana, por exemplo, pode muito bem ser analisada a partir de um viés materialista e a hobbesiana, através de uma visão idealista. Não é frutífero que haja um monopólio temático teórico ou um maniqueísmo cultural, apontando-se qual cultura está associada ao bem ou ao mal, ao melhor ou ao pior. Parte da cultura kantiana, a comunidade de segurança pluralística, pode ser facilmente explicada pela coerção material, sendo o argumento uma simples extensão daquele usado para explicar a conformidade com as normas na cultura lockeana. Nesta última, os Estados refreiam sua vontade de matar o outro. Agora, na cultura kantiana, refreiam a vontade de atacar. E os Estados revisionistas também podem refrear sua vontade de atacar simplesmente pelos custos esperados da guerra. A interdependência econômica, a fragilidade da civilização moderna, e a proliferação de armas nucleares podem fazer da guerra algo irracional. Na segurança coletiva, por sua vez, a coerção deve explicar não somente a nãoviolência, mas também a cooperação, distinguindo-a do comportamento presente nas alianças. Num sistema de segurança coletiva, se somente poucos Estados são cooperadores relutantes, não será difícil manter a lógica, já que a maioria forçará a esse comportamento através de sanções formais e informais. Porém, isso estabelece uma cooperação da maioria, tornando a existência do sistema inexplicada. Torna-se difícil explicar a conformidade com as normas através da cultura kantiana se esta estiver internalizada no segundo nível43, em que os Estados seguem as 43 Segundo nível de internalização cultural (assim como o primeiro e terceiro) descrito no tópico 3.4 – “A cultura lockeana” – neste presente trabalho. 87 Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha normas por razões individuais e interesse próprio. Difere do primeiro nível, pois aqui os Estados não possuem o desejo de violar as regras. Não há, no segundo nível, interesses revisionistas e, logo, os Estados não precisam ser coagidos a ir contra sua vontade. Esses atores possuem um desejo particular de seguir as normas, seus comportamentos refletem um cálculo instrumental puro sobre se a conformidade ajudará no avanço de seus interesses, ao invés do interesse com relação às normas em si. Quando as normas de segurança coletiva são internalizadas somente no segundo nível, a amizade é uma estratégia, um instrumento que os Estados escolhem a fim de obterem benefícios para si próprios como indivíduos. Não há a identificação do Self com o Other, dos interesses nacionais com os interesses internacionais (CLAUDE, 1962). Não há nenhum sacrifício pelo grupo, exceto o necessário para satisfazer as vontades próprias. A concepção de amizade então se torna empobrecida. Poucas culturas se tornarão razoavelmente estáveis44 ao decorrer do tempo se os seus membros estão pautados num constante cálculo sobre se a conformidade com as normas satisfaz seus interesses individuais. Porém, como existe mais ação coletiva na vida doméstica, o modelo baseado no interesse próprio ainda pode gerar expectativas, tornando-se possível que os Estados mitiguem os problemas presentes nas ações coletivas das quais fazem parte através da internalização das normas kantianas em um nível mais profundo (WENDT, 1999). Já, no terceiro nível de internalização, os Estados, na cultua kantiana, ao aceitarem as leis, tornam seus comportamentos legitimados. A legitimidade, nesse sentido, significa que os Estados se identificam uns com os outros, não enxergando a segurança do Other como instrumentalmente relacionada à sua, mas como parte da sua. As fronteiras cognitivas do Self então são estendidas para incluir o Other, formando assim, Self e Other, uma região cognitiva única (ADLER, 1997): I used the concept of collective identity to describe this phenomenon, but there are many cognates in the literature which would serve equally well: “we-feeling”, “solidarity”, “plural subject”, “common in-group identity”, “thinking like a team”, “loyalty”, and so on. All refer to a shared, superordinate identity that overlays and has legitimate claims on separate bodily identities. This identity creates collective interests, which means that not only are actors´ choices interdependent, which is true even of egoists in game theory, but so are their interests. International interests are now part of the national interests, not just interests that states advance in order to advance their separate national interests: friendship is a preference over 44 A cultura não é um elemento totalmente estável. 88 A Teoria de Alexander Wendt nas Relações Internacionais... an outcome, not just preference over a strategy45. And this in turn helps generate other-help or altruistic behavior […]. (WENDT, 1999, p. 305, grifo nosso). A identidade coletiva é definida por um Self que inclui o Other em seu bemestar, e não por um Self que serve ao Other, excluindo assim, seu próprio bem-estar. Na cultura kantiana, os Estados podem ser realmente amigos, não somente agindo como se fossem. A identificação com o outro raramente é total. As pessoas rotineiramente possuem motivações tanto egoístas quanto coletivas. Os teóricos da psicanalítica social apontam a natureza ambivalente das internalizações. Isso ocorre porque há o medo da desindividuação46, do abocanhamento feito pelas necessidades do grupo (KRAMER; GOLDMAN, 1995). A resistência à internalização faz sentido, na medida em que, se os indivíduos estivessem predispostos a se sacrificarem inteiramente pelas necessidades do grupo, eles provavelmente não viveriam o suficiente para poderem se reproduzir. Esse teor de egoísmo estará ainda mais presente nos Estados, já que estes são entes corporativos predispostos a favorecer as necessidades de seus membros ao invés das de estranhos. Retornando à questão da anarquia, tornar-se imprescindível contextualizar essa condição na cultura kantiana. Waltz trata a anarquia e o Estado como termos dicotômicos – o Estado é definido como uma autoridade centralizada (hierarquia) e a anarquia é a ausência dessa hierarquia. Isso significa que o sistema internacional permaneceria anárquico enquanto não houvesse a presença de um governo mundial. Outros teóricos sugerem que a anarquia-hierarquia deve ser como um continuum. Nesse sentido, os interesses emergem da ideia de uma governança sem governo, o que evidencia meios pelos quais os sistemas anárquicos podem ser governados por instituições (YOUNG, 1994). Porém, eles não desafiam o sentido tradicional de anarquia e Estado. Classificar a anarquia-hierarquia como um continuum ainda é 45 POWELL, 1994, p. 318. 46 A individuação é um dos conceitos centrais da Psicologia Analítica de Jung (1974). É o processo de desenvolvimento da personalidade pela diferenciação psicológica do eu. É um processo no qual o ego visa tornar-se diferenciado da coletividade, embora nela vivendo, ampliando suas relações. Para se alcançar a individuação, é necessário evitar as tendências coletivas inconscientes. A individuação respeita as normas coletivas e o individualismo as combate. O contrário à individuação é ceder às tendências egocêntricas e narcisistas ou à identificação com papéis coletivos. A individuação leva à realização do Self, e não simplesmente à satisfação do ego. Logo, nesse caso, “desindividuação” seria a minimização dessa individualidade. 89 Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha assumir que esta condição é associada à autoridade centralizada. Os temas sobre governança também não têm argumentado que o sistema não é formalmente anárquico. Na cultura kantiana, a anarquia possui uma característica distinta – as regras de direito. Elas limitam o que os Estados podem legitimamente fazer para avançar em seus interesses. A execução desses limites não é centralizada, o que reduz a garantia e a celeridade com que as violações são punidas. Porém, conforme a maioria dos Estados internalizarem essas regras, estas serão vistas como uma restrição legítima para as suas ações, sendo executadas coletivamente. Como a restrição legítima ou o poder é a base para a autoridade, surge a possibilidade de a cultura kantiana criar uma autoridade descentralizada, nas palavras de Ruggie (1983): uma internacionalização da autoridade política. A estrutura da autoridade descentralizada não pode prever a anarquia, já que o significado dessa condição é o de ausência de regras. Também tal estrutura não se pode constituir como um Estado (ou um continuum de Estados, como a União Europeia), pois este é uma autoridade centralizada. Fora do pensamento tradicional, na cultura kantiana, a condição de anarquia ou de não-anarquia dependerá de duas dimensões peculiares: do nível de centralização do poder e do nível de autoridade imposto pelas normas no sistema (ONUF; KLINK, 1989). Há consideráveis apostas na literatura das relações internacionais a respeito do tema da autoridade no sistema. Alguns acreditam que a concepção tradicional de Estado continuará intacta, outros citam um neo-medievalismo composto pela ideia de Estados como feudos (BULL, 1977). Uns enxergam a emergência de um Estado internacional (COX, 1987) [e até o próprio Wendt], outros consideram o surgimento de um Estado pós-moderno (RUGGIE 1993). A grande questão está relacionada a como pensar e produzir conhecimento sobre um mundo que tem se tornado domesticado (ASHLEY, 1987), mas não centralizado, sobre um mundo pós-anarquia (HURD, 1999) – um complexo desafio que deve ser enfrentado não somente pelos estudantes de políticas internacionais, mas também pelos estudantes de política em geral. 90 A Teoria de Alexander Wendt nas Relações Internacionais... CONSIDERAÇÕES FINAIS Color the dust and teap navy blue and try to be brave cause I'll me right beside you There's a world so high Hold out your hands and you can go anywhere so reach for the stars cause I'll be waiting up there and you can finally fly, cause you'll be lighter than air Armin Van Buuren - Youtopia As discordâncias presentes nas escolas de relações internacionais advêm das diferentes teorias sobre a natureza humana e o interesse nacional. Os realistas clássicos sempre oferecem uma permutação de medo, poder, glória e riqueza como elementos centrais. O debate no neorrealismo sobre se os Estados são status quo ou revisionistas é, em parte, sobre se eles são motivados mais por medo ou por poder. O debate entre neorrealistas e neoliberais sobre até que ponto os Estados procuram por ganhos absolutos ou relativos é, em parte, se os Estados estão mais interessados na segurança ou na riqueza. A questão sobre se os Estados são capazes de estabelecer segurança coletiva depende se eles são necessariamente egoístas ou capazes de possuir interesses coletivos. São importantes dissonâncias, mas todas essas visões partilham da premissa racionalista de que o desejo (interesse nacional) faz com que os Estados ajam de certas maneiras. O construtivismo não é antirrealista ou antiliberal, nem ao menos pessimista ou otimista por vocação. Na medida em que a vertente assume que os entendimentos normativos e coletivos trazem consequências tanto para o mundo físico quanto para o social, abre-se uma possibilidade para uma maior compreensão da política mundial e para o próprio avanço da disciplina de relações internacionais baseada numa síntese sociocognitiva que se forma nas dimensões material, subjetiva e intersubjetiva do mundo. Nesse sentido, o construtivismo pode ajudar no desenvolvimento de teorias dinâmicas sobre novas identidades, padrões institucionalizados, interesses políticos, sistemas de governo e, principalmente, sobre a transformação dos atores internacionais. Quando os construtivistas dizem que a realidade é socialmente construída não querem dizer que ela é fácil de ser transformada. O processo de construção social evidencia possibilidades de mudança que, muitas vezes, estão ocultas, porém, isso não 91 Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha significa que a mudança seja algo fácil de ocorrer. Até porque a resiliência do Estado é bem alta. Não importa o aumento da relevância dos atores transnacionais, não importa quanto a autonomia estatal é minada pelos regimes internacionais, os Estados sempre estarão tentando se reproduzir. A mudança depende de profundas adaptações na forma desses atores, e isso torna a transformação difícil (mas não impossível), pois a estrutura concede a eles uma poderosa disposição homeostática. Os seres humanos, provavelmente, nunca teriam sobrevivido à evolução sem uma propensão ao interesse próprio, e o mesmo cabe aos Estados. Porém, diferentemente dos seres humanos, os quais possuem uma identidade pessoal a qual é, em parte, uma função de um processo biológico incontrolável, a identidade corporativa dos Estados só é possível quando seus membros individuais mantêm uma diferenciação cognitiva no grupo entre Self e Other. A questão, entretanto, não é se há pressões atuando sobre o Estado para que estes ajam com interesse próprio. Embora elas existam, o interessante é identificar se os Estados são capazes de transcender essas pressões e expandir as fronteiras do Self para incluir Other. Atualmente, alguns Estados têm caminhado para a formação de uma identidade coletiva, como acontece na União Europeia. E esse bloco ainda tem um grande potencial para intensificar essa identidade. A maioria dos Estados se enxerga como parte de uma sociedade, cujas normas aderem não porque calculam estrategicamente se elas são boas para seu interesse próprio, mas porque eles têm internalizado essas normas e se identificado com elas. Isso não significa negar que os Estados atuam com interesse próprio, porém, a coexistência entre eles tem alcançado um nível de interesse coletivo que supera o realismo. Em interação, os Estados não estão só tentando conseguir o que querem, mas tentando também sustentar as concepções do Self e do Other que geram esses desejos. Os agentes são efeitos contínuos da interação, são causados e constituídos por esse processo. O reforço da interdependência internacional faz com que os Estados enfrentem restrições ocasionadas por poderes externos em suas ações. Essa situação cria um gap entre seu direito de fazer o que deseja e sua habilidade de exercer esse direito. Mas isso não significa que estranhos tenham autoridade sobre os Estados. A autoridade requer legitimidade, não mera influência ou poder. Hoje, a globalização, ao mesmo tempo em que integra sistemicamente e promove a porosidade das fronteiras, impõe um desafio à disciplina de relações internacionais como um todo – onde encontrar e como buscar fundamentos de legitimidade para uma legalidade internacional sem um poder central? 92 A Teoria de Alexander Wendt nas Relações Internacionais... Nesse sentido, o construtivismo pode nos oferecer análises interessantes sobre o tema na medida em que se pauta na complexidade, não reduzindo os fenômenos à unicidade. Como analisado por Wendt, não há uma lógica anárquica própria. A anarquia se refere a uma ausência (de regras), não a uma presença. Ela diz o que não há, não o que há. O que dá significado à anarquia são os diversos tipos de pessoas que vivem nela e a estrutura das relações nas quais estão inseridas. Essa estrutura, na qual os Estados também estão presentes, é feita, principalmente, por ideias, e não por forças materiais. São as ideias que determinam o significado do poder, as estratégias que giram em torno dos interesses estatais e os interesses em si. Isso não significa que as ideias são mais importantes que o poder e os interesses – elas os constituem. A estrutura do sistema internacional é uma função das estruturas sociais, e não da anarquia em si. A distribuição das ideias forma estruturas sociais. Algumas dessas ideias são compartilhadas e outras não. As primeiras, conhecidas como cultura, são as ideias que constituem a estrutura do sistema anárquico. A anarquia pode possuir, ao menos, três culturas distintas baseadas em diferentes papéis assumidos nas interações – hobbesiana (inimizade), lockeana (rivalidade) e kantiana (amizade). Essas culturas tendem a se reproduzir constantemente. Definir a estrutura do sistema internacional como uma distribuição de ideias compartilhadas implica na possibilidade de estas ideias, e junto com elas a lógica do sistema, sofrerem mudanças. A transformação dependerá do nível de internalização no qual os Estados compartilham essa cultura. Esse nível não se relaciona com quão conflituosa a cultura é, pois esta se apresenta neutra entre o conflito e a cooperação. Uma guerra hobbesiana de todos contra todos pode estar muito mais internalizada culturalmente do que uma segurança coletiva kantiana. Primeiramente, é necessário saber o que cada cultura domina para, posteriormente, identificar qual o papel que o poder e o interesse fazem dentro delas. A questão principal está relacionada a como as estruturas da política internacional são reproduzidas e transformadas pelas práticas dos agentes. A estrutura anárquica varia com as mudanças, fazendo com que as estruturas resultantes sejam produzidas e sustentadas pelas práticas entre os agentes. Na medida em que as práticas culturais ficam mais rotineiras, as formas habituais vão constituindo um background cognitivo compartilhado. Logo, quanto mais tempo as práticas existirem, mais internalizadas estarão na consciência individual e coletiva dos agentes. Nesse sentido, Wendt não aposta num movimento cultural linear progressista (hobbesiano-lockeano-kantiano). Essa direção é estabelecida devido à 93 Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha natureza conservativa da cultura. A alta taxa de morte na cultura hobbesiana cria incentivos para a cultura lockeana emergir, e a continuação da violência nesta última cria incentivos para a cultura kantiana se estabelecer. Entretanto, não há necessidade histórica nem garantias de que esses incentivos realmente surgirão como forma de contrabalancear essas fragilidades. A passagem de uma cultura para outra pode simplesmente internalizar mais ainda normas ruins do que criar normas melhores. Porém, ao contrário do que pensam os realistas, a melhoria continua sendo possível. Assim, se não há garantias de que o futuro do sistema internacional será melhor do que o passado, também não há razões para pensar que ele será pior. A grande contribuição de Alexander Wendt é nos mostrar que a cultura da vida internacional depende, e muito, de como os Estados agem e interagem. Muitas teorias tradicionais, como o Realismo, consideram a cultura como uma propriedade dada (inerente) e logo, o conhecimento produzido por elas tem o objetivo de auxiliar os agentes a solucionarem problemas encontrados dentro desse sistema existente, não a produzir mudanças dentro dele. São teorias práticas e objetivas que ajudam na reprodução do status quo no mundo real, mas não oferecem nenhum tipo de reflexão de como os Estados e outros agentes geram culturas e as transformam. Cabe aqui emprestar a derradeira pergunta feita pelo autor: afinal, qual o propósito das relações internacionais? Ajudar os agentes a lidarem com o jogo presente em um mundo que é dado ou ajudar na transformação e no aprimoramento desse mundo? A questão primordial não é observar se os indivíduos apresentam condições para melhorarem o ambiente no qual estão inseridos – eles apresentam, mas é identificar quais mecanismos devem ser criados para que estas condições possam emergir. O mundo como deveria ser passa a não se caracterizar como utópico na medida em que os indivíduos se conscientizam de que o mundo como ele é pode ser transformado de forma racionalmente deliberada. Para isso, devemos transcender nosso lado conformista para ultrapassar os limites do sensível, indo além do que nossos sentidos possam apurar fisicamente... 94 A Teoria de Alexander Wendt nas Relações Internacionais... Referências ADLER, Emmanuel. 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Anexo A As três correntes pós-positivistas Lógica da produção do Teoria Crítica Construtivismo Pós-Modernismo Situada histórica e Intersubjetividade Poder/Verdade Anarquia/Domínio Práticas discursivas socialmente conhecimento Objeto de Análise Ordens mundiais/Hegemonia Dinâmica Materialismo/ Dominação/Exclusão Co-construção Dominação/Exclusão Dialética Idealismo Wendt) Idealismo Visão do Estado Fundacionalismo/ Idealismo (para Complexo Estado/ Agente corporativo Espaço arbitrário de Sociedade (para Wendt) exclusão Univesal Universal Particular Racionalidade Fonte: NOGUEIRA, João Pontes; NIZAR, Messari. Teoria das Relações Internacionais. 3.ed. Editora Campus, 2005. 103