O texto dramático tam ém apresenta características peculiares, a

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O texto dramático tam ém apresenta características peculiares, a
TEORIA DA LITERATURA I
AULA 05: GÊNEROS LITERÁRIOS
TÓPICO 02: O GÊNERO DRAMÁTICO
O texto dramático também apresenta características peculiares, a
começar pelo fato de que esse tipo de texto surgiu para ser representado, e
não propriamente para ser lido. Imaginemos o texto que segue sendo
representado em um palco por atores:
EXEMPLO
PADRE: Você faz tudo?
SACRISTÃO: Faço.
MULHER: Em latim?
SACRISTÃO: Em latim.
PADEIRO: E o acompanhamento?
JOÃO GRILO: Vamos eu e Chicó. Com o senhor e sua mulher,
acho que já dá um bom enterro.
PADEIRO: Você acha que está bem assim?
MULHER: Acho.
PADEIRO: Então eu também acho.
SACRISTÃO: Se é assim, vamos ao enterro. (João Grilo estende a
mão a Chicó que aperta-a calorosamente.) Como se chamava o
cachorro?
MULHER: Xaréu
SACRISTÃO, enquanto se encaminha para a direita,em tom de
canto gregoriano: Absolve, Domine, animas omnium fidelium
defunctorum ab oomni vinculi delictorum.
TODOS: Amém
Saem todos em procissão, atrás do sacristão, com exceção do
padre, que fica um momento silencioso, levando depois a mão à boca,
em atitude angustiada, e sai correndo para a igreja. Aqui o
espetáculo pode ser interrompido, a critério do ensaiador, marcando
-se o fim do primeiro ato. E pode-se continuá-lo, com a entrada do
palhaço.
SUASSUNA, 1959, pp. 70-71
Esse texto é do final do primeiro ato da comédia Auto da compadecida,
de Ariano Suassuna [2], e trata do enterro do cachorro da esposa do padeiro.
A grande diferença desse tipo de texto para a narrativa é que ele não
apresenta narrador. Os próprios personagens, representados por atores, é
que conduzem a história, com suas falas e ações, que são presenciadas pelos
espectadores.
Fonte [1]
Entre parênteses, e em itálico, observam-se algumas indicações
chamadas rubricas, sobre como os atores devem-se comportar. O texto que
vai ao público, no entanto, é veiculado pelos personagens em discurso direto.
O texto que segue é parte de um romance, Quincas Borba, de Machado de
Assis. Embora não seja uma peça teatral, o fragmento transcrito tem uma
estrutura dramática, com o predomínio do diálogo sobre a narração.
EXEMPLO
— Conhece? Disse Camacho apontando para o retrato.
― Não, senhor.
― Veja se conhece.
― Não posso saber. Nunes Machado?
― Não, acudiu o ex-deputado dando à cara um ar pesaroso. Não
pude obter um bom retrato dele. Vendem-se aí umas litografias que
me não parecem boas. Não; aquele é o marquês.
― De Barbacena?
― Não, de Paraná; é o grande marquês, meu particular amigo. (...)
leia a Atalaia, meu bom companheiro de lutas; recebê-la-á em casa...
― Não, senhor.
― Por que não?
Rubião baixou os olhos diante do nariz interrogativo de Camacho.
― Não, senhor; sou firme, desejo ajudar os amigos. Receber a
folha de graça...
(ASSIS, 1961, p. 129)
Os momentos em que o narrador faz ouvir sua voz nesse texto
assemelham-se à rubrica, como se fosse uma recomendação de
comportamento ao “ator”.
Com base nos fragmentos apresentados, vejamos as características
principais do texto dramático. Inicialmente, a atitude básica do público do
teatro é de expectativa, de tensão quanto ao futuro. O texto deve propiciar ao
expectador um sentimento de tensão imediata, que o fará manter sua
atenção à peça. A ação é toda conduzida pela presença de atores que
representam personagens, o discurso direto predomina, os diálogos veiculam
o sentido do texto. Não há a presença de narrador; eventualmente pode
aparecer uma voz externa à cena fazendo algum tipo de comentário.
O tempo no gênero dramático é reduzido, para que a tensão, o conflito
não decresça e mantenha a expectativa. A presença física dos atores faz com
que o efeito do texto sobre os expectadores seja de presentificação da ação.
Não importa que as cenas se passem num tempo passado ou remoto; para os
expectadores, a ação se desenrola diante de seus olhos.
Como o gênero dramático relaciona-se intimamente ao teatro, leia o que
diz Massaud Moisés sobre esse termo em seu Dicionário de termos literários.
APROFUNDAMENTO
TEATRO — Grego théatron, lugar onde se vê.
O vocábulo “teatro” apresenta as seguintes acepções: 1) local onde
se realizam determinados espetáculos, 2) os próprios espetáculos, 3)
conjunto de textos produzidos por um autor, nação, época etc. O
terceiro sentido se manifesta quando falamos em "teatro
shakespeareano", "teatro clássico", "teatro grego", etc. As três
acepções, reunidas, confluem para a ideia de que o teatro é a arte do
espetáculo, mas nem todo espetáculo é teatro: constituem imperativos
a pré-existência do texto e sua metamorfose em ação. Texto e ação
caracterizam o teatro.
Da perspectiva literária, interessa somente o texto, não a ação em
que se concretiza: porque produto da imaginação, a peça escrita se
inscreve nos quadrantes literários; no entanto, não se configura em
teatro, porquanto necessita do espetáculo, da presença humana,
cenários, etc., para se realizar completamente. Por outro lado, o exame
do texto pressupõe o destino que o seu autor lhe conferiu, ou seja, a
sua representatividade, o enredo, as personagens. E conforme seja o
conteúdo da ação, a peça se classificará em comédia ou tragédia, ou
apresentará hibridismos que conduzirão a tipos intermediários (V.
COMMEDIA
DELL’ARTE,
MELODRAMA,
TRAGICOMÉDIA,
VAUDEVILLE).
Nascido na Grécia, o teatro foi levado para Roma e de lá para a
Europa e o resto do mundo. No Oriente, o Japão desenvolveu formas
autônomas e diferenciadas da atividade cênica (v. KABUKU, KIOGEN,
NÔ). Evoluindo através dos tempos de modo o mais variado possível, o
teatro continua a ser um espetáculo culturalmente válido e apreciado:
em nossos dias, são de notar o teatro épico, de Brecht, para quem a
representação pode compelir o espectador, pelo “distanciamento” da
ação, ou seja, pela certeza reiterada de que acompanha o desenrolar de
situações ilusórias ou fictícias, — a dar-se conta de um estado de coisas
que implica uma tomada de posição ideologicamente orientada no
rumo do marxismo (Petit organon pour le théatre, 1949); e o teatro do
absurdo, expressão cunhada pelo crítico norte-americano Martin
Esslin, para designar o moderno teatro de vanguarda, escrito por
Samuel Beckett, E. Ionesco e outros, caracterizado por toda sorte de
mudanças e liberdades em cena, dando a impressão de que o
nonsense, o sem-sentido, reina sobre os homens e as coisas, num
flagrante desrespeito a qualquer ordem, sistema ou noção de
verossimilhança (v. DRAMA).
― (MOISÉS, 2002, pp 490-491
FONTES DAS IMAGENS
1. http://arquivos.tribunadonorte.com.br/fotos/14812.jpg
2. http://pt.wikipedia.org/wiki/Ariano_Suassuna
Responsável: Prof. Marcelo Peloggio
Universidade Federal do Ceará - Instituto UFC Virtual