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Rebeca Fogaça Porto A MÚSICA NA FORMAÇÃO DO MUSICOTERAPEUTA Faculdades Metropolitanas Unidas FMU 2007 Rebeca Fogaça Porto A MÚSICA NA FORMAÇÃO DO MUSICOTERAPEUTA Trabalho apresentado para a Conclusão de Curso sob a orientação da Profa Mestre Maristela Pires da Cruz Smith. Faculdades Metropolitanas Unidas FMU 2007 Para Marili Macruz, Cláudia Maradei Freixedas e Mara Campos, mestras queridas, mulheres sensacionais. À minha madrinha, Carin Zwilling, companheira de todas as horas. “Eu não quero ouvir as notas. Quero ouvir o espírito. Ele está dentro de vocês, não na música”. Arturo Toscanini (1867-1957) AGRADECIMENTOS Expresso meus sinceros agradecimentos à minha orientadora, Maristela Pires da Cruz Smith. Aos meus amigos, pela amizade e pelo carinho, mesmo quando eu não estava disponível para estar junto com eles – eles estiveram comigo. Aos meus pais, Maria José Fogaça e Renato Carlos Porto, que me alimentam de música desde que vim à luz. Ao meu tio Mario Xavier Rabello Júnior, pela ajuda na formatação desta monografia. À minha madrinha Carin Zwilling, pela querida presença, pelo carinho e apoio incondicional. À Marili Macruz Ferreira da Silva, pelo alimento musical nos primeiros anos de minha formação pianística e musical. À Cláudia Maradei Freixedas, pelas valiosas aulas de conjunto de flauta-doce, preparando-me para tocar em grupo e descobrir quão maravilhoso é estar conectada a mais pessoas e a fazer um trabalho de qualidade. À Mara Campos, pela inesquecível experiência no Coral Infanto-Juvenil, na Escola Municipal de Música, à qual dedico o presente trabalho. À Sabrina Sanches Martins, por seu afeto incondicional e pela presença querida. Ao amigo João Carlos Macruz, pelo apoio e pelo carinho, me ajudando a encontrar as músicas para um momento difícil de minha vida, durante a formação acadêmica. Aos profissionais da área de musicoterapia que forneceram seus depoimentos, enriquecendo, com o relato da própria experiência, o presente trabalho. A todos os meus pacientes, de ontem, de hoje e de amanhã, por suas valiosas contribuições no meu crescimento profissional e pessoal. A todos os professores que contribuíram para o enriquecimento do trabalho. A minha família, sempre presente. Muito obrigada a todos! RESUMO O presente trabalho tem por objetivo enfatizar a importância da música na formação do musicoterapeuta, uma vez que este utiliza seus elementos – som, ritmo, melodia e harmonia, para facilitar e promover o processo de comunicação, relação, aprendizagem, mobilização, expressão, organização e outros objetivos terapêuticos relevantes. A música é a relação entre os sons e não o próprio som. Compreender e fazer música é, primeiro, ser dotado da faculdade de perceber intervalos e de estabelecer intervalos entre eles. Ouvir, escutar a música não basta, evidentemente, para despertar o senso musical. É necessário que ao menos uma vez a música e o ato de fazê-la tenham suscitado uma forte emoção psíquica, uma tensão motora decisiva em todo ser.E a condição necessária para tanto é precisamente fazer música. E para fazer música com seu paciente, o musicoterapeuta necessita de conhecimentos musicais que o tornem hábil a criar, a improvisar, a acompanhar e a interagir com ele no fazer musical. ABSTRACT This work has the objective to stress the importance of music on musictheraphyst background, now and them that he or she makes use of it’s elements – sound, rhythm, melody and harmony, to facilitate and foment the process of communication, relationship, apprenticeship, mobilizing, expression, organization and other relevant therapeutic objectives. Music is the relationship between sounds, not the sound itself. Comprehending and making music is first be endowed of faculty to perceive intervals and found intervals between them. To hear and listen music is not enough, evidently, to arouse music sense. Its necessary that once in a while music and making music had aroused a strong psychological emotion, a stretched motive decisive in all of the self. And the necessary condition for that is exactly making music. And for making music with your patient, the musictheraphyst needs music knowledge that make him able to create, to improvise, to go along with and to join with him on making music. LISTA DE FIGURAS Sessão musicoterápica com paciente com Transtorno de Linguagem.............................. 6 Sessão musicoterápica com pacientes portadores de Síndrome de Down........................ 33 Número Correspondente de Figuras Musicais.................................................................. 53 Partitura Tradicional......................................................................................................... 55 Partitura não-convencional............................................................................................... 56 Sessão musicoterápica com criança portadora de paralisia cerebral................................. 71 Setting musicoterápico...................................................................................................... 77 Alunos em aula de música, na Escola Lourenço Castanho............................................... 80 ÍNDICE PREFÁCIO...................................................................................................................................... 1 INTRODUÇÃO............................................................................................................................... 2 1. OUVIR ATIVO: OUVINDO A MÚSICA.............................................................................. 6 2. A MÚSICA E A MEDICINA EM DIFERENTES CONTEXTOS DA HISTÓRIA ............ 16 3. O CONCEITO DE MÚSICA EM MUSICOTERAPIA........................................................ 19 4. FORMAÇÃO MUSICAL DO MUSICOTERAPEUTA....................................................... 36 5. A MÚSICA NO CONTEXTO CLÍNICO ............................................................................. 57 6. A IMPROVISAÇÃO MUSICAL DO MUSICOTERAPEUTA ........................................... 73 CONCLUSÃO............................................................................................................................... 84 EPÍLOGO ...................................................................................................................................... 86 REFERÊNCIAS ............................................................................................................................ 87 ANEXO ......................................................................................................................................... 90 PREFÁCIO Uma vez ouvi uma história que ilustrou o poder que a música tem sobre os seres humanos e a natureza1. Havia um jovem indígena, que era muito feio; entretanto, tocava flauta tão lindamente, que todas as mulheres da aldeia logo se apaixonaram por ele. Mas só uma era correspondida. O casal apaixonado logo quis marcar a data do casamento. Um dia, porém, o jovem saiu para caçar. Sua noiva, percebendo sua demora, começou a ficar apreensiva, e foi em busca do amado. Encontrou-o morto, ao lado do lago – ele havia sido mordido por uma cobra. A moça chorou sua dor – tão grande era seu pesar, que todos os dias ela ia ao local, chorar pelo noivo. Vendo a grande tristeza da noiva, o jovem pediu a Tupã que fizesse algo para minorar o sofrimento de sua amada. Tupã então criou um pássaro que, apesar de feio, tinha o mais belo canto, - tão belo, que todos que o ouvissem ficariam apaixonados: homens, mulheres, crianças, os animais do céu e da terra. E foi assim que o uirapuru passou a ser a alegria de todos os seres vivos daquela aldeia. É com essa história que eu inicio e justifico este trabalho: nós, musicoterapeutas, através da nossa ferramenta de trabalho – a música – podemos fazer o amor florescer nos corações daqueles que nos procuram, tornando-nos verdadeiros uirapurus, tornando mais alegre a vida daqueles que nos procuram, ajudando-os a se tornarem pessoas mais saudáveis, autoconfiantes e criativas. 1 Tive oportunidade de ouvir essa história em um curso que do qual participei, de 1o a quatro de maio de 2003, cujo tema era “Imaginar, criar, expressar”- desenvolvendo a arte de contar histórias”, ministrado por Mônica Rosales e Izildinha Carvalho. 1 INTRODUÇÃO No início era o caos e o som. Um mundo incógnito intrigava o homem, munido de sentidos e da inteligência. Partindo da percepção decontínua, o homem começou a criar ordenações, mitologias e rituais, que aplacassem um pouco a sua incompreensão e desproteção frente a natureza que ora o acalentava, ora o aterrorizava. Criando seus símbolos, pôde expressar valores e expressar a realidade vivida (...). (MILLECCO, BRANDÃO e MILLECO FILHO, p. 3). A música constitui ferramenta interdisciplinar necessária à construção do conhecimento. Graças a ela a história consegue estabelecer uma relação entre Beethoven e Iluminismo, Wagner e Schopenhauer, forma-sonata e Eisenstein, sistema tonal e racionalismo, Stravinsky e Bérgson (tempo duração e tempo espaço), Eisler e a música ideologicamente comprometida, tornando sedutora a descoberta de que existe música na história, na pintura, poesia, ciência, e assim por diante. Mesmo a psicanálise encontra em certa medida um interlocutor na música em razão de que esta favorece a constituição de uma dialética da alteridade por meio da inscrição da pulsão no campo da cultura. A música pode originar-se nos expressivos sons vocais, os quais são importantes na manutenção da relação mãe-bebê e pode vir a representar uma forma não-verbal ou pré-verbal relacionada com a infância. Em tempos antigos, existiam nas tribos as “músicas de cura” executadas por pajés ou xamãs para afastar os espíritos que causavam as enfermidades. Existe este procedimento ainda hoje nas pajelanças das tribos indígenas do Brasil. Como essas músicas serviam de comunicação com os espíritos causadores das enfermidades, também atingiam outro aspecto, o próprio paciente, produzindo efeitos catárticos ou psicológicos que auxiliavam na cura. Os gregos procuravam, através de um saber racional, reflexivo, conhecer a essência de todas as coisas. Os primeiros filósofos procuravam encontrar os elementos que constituíam a natureza do homem. A doença consistia no desequilíbrio destes elementos – como, por exemplo, o frio e o calor – que deveriam ser reequilibrados, para o retorno da saúde do ser humano. Nesse processo de equilíbrio, a música, por ser a ordenação e a harmonia dos sons, provocava tanto a 2 depuração catártica das emoções como a de enriquecer a mente e dominar as emoções através de melodias que levam ao êxtase. O poder da música para a concentração e para a manipulação das emoções humanas não está interessando apenas os músicos e estudiosos da música – psicólogos, produtores de cinema e políticos também se interessam por esses novos campos, como meio para atingir os seus objetivos. Todas as tarefas e movimentos do cotidiano têm seu ritmo – os ritmos circadianos: levantar, tomar café, andar, correr; estes ritmos têm de estar em sintonia com nosso ritmo interno – o metabolismo, o batimento cardíaco, a circulação. O exterior reflete o interior. O ritmo é ação e movimento em ondas de expansão e contração – inspiração e expiração – pontuadas no tempo (longas, curtas), que se repetem e se diferenciam, criando uma ordem e coerência, uma continuidade e vida, tendo como guia um pulso. Dá energia ao corpo e faz vibrar a alma de entusiasmo e alegria, que se potencializam no indivíduo e no grupo. Trabalha o impulso volitivo, a presença de espírito, a coordenação motora, a segurança individual e a integração social. Estabelece uma linguagem que facilita a comunicação; desperta a sensação de união, força e liberdade. A melodia é movimento no espaço. Os tons flutuam nas diversas alturas criando imagens e pensamentos; reverberam nos sentimentos acordando as memórias do passado. A melodia desperta a atividade de reflexão interior reconhecendo os tons na sua essência; promove a expressão de gestos significativos repletos de conteúdo, que se tornam linguagem. Em cada melodia movem-se forças que tecem fios de pensamentos, que são experimentados no próprio movimento. Assim como o pensar é a corrente estruturadora da organização humana, o elemento melódico é o princípio ordenador na música, pois em cada elemento da música se revelam movimentos interiores plenos de conteúdo. Essa experiência nos é proporcionada pela audição. A harmonia concentra os elementos melódicos em acordes, como pensamentos condensados que se tornam emoções. Ela abarca o elemento rítmico dando-lhe sentido no seu percurso, através das modulações. A harmonia aproxima melodia e ritmo promovendo um diálogo entre eles, aprofundando a estrutura e o conteúdo musical, apoiando-se no sentir, vibrando e transformando estruturas emocionais. Finalmente, a harmonia integra o ser homem com o ser música. 3 Pretendo dissertar sobre a importância da consciência do musicoterapeuta acerca dessas propriedades – ritmo, melodia e harmonia – consciência que deve ser desenvolvida durante sua formação ou, se for o caso, antes mesmo desta. A música é a principal ferramenta de trabalho do musicoterapeuta, que deve ter conhecimentos musicais suficientes para ajudar o paciente na busca de suas questões. A produção e introdução da música numa sessão terapêutica facilitam a terapia considerando que ajuda o paciente a ter um foco interno, que promove estrutura e o faz crescer emocionalmente. A música é um mecanismo que permite ao indivíduo se auto-explorar através de meios não-verbais. Na prática, o paciente apresenta uma idéia musical que o musicoterapeuta apóia, ajudando o paciente a desenvolvê-la e organizá-la; o terapeuta aceita o que é apresentado e não altera ou não tenta mudar isto para que o paciente possa reconhecer a sua produção. A Musicoterapia é o campo da medicina que estuda o complexo som-ser humano-som, para utilizar o movimento, o som e a música, com o objetivo de abrir canais de comunicação no ser humano, para produzir efeitos terapêuticos, psicoprofiláticos e de reabilitação no mesmo e na sociedade. (BENENZON, 1988). Esta definição tem logo após a definição do conceito de música, limitando-se a um mundo de fenômenos acústicos e de movimento, que envolvem e tornam possível o fenômeno musical. A música é arte e ciência, elementos estes que correspondem a um processo evolutivo do ser humano. Voltando ao conceito de Musicoterapia uma vez esclarecida a limitação da parte de música, observa-se alguns aspectos do outro componente – a terapia. Esta palavra vem do grego, therapéia,2 que quer dizer: “servir; parte da medicina os preceitos e remédios para o tratamento e cura das enfermidades”. Portanto, é o momento de dizer que a Musicoterapia, segundo a própria palavra, tem como objetivo fundamental à terapia. Este conceito, talvez simplista, tem por objetivo valorizar o aspecto terapêutico sobre o musical. Se a musicoterapia é definida como um campo da medicina, conceituemos a medicina. Medicina vem do latim e significa: “ciência e arte de precaver e de curar enfermidades”. O objetivo da Musicoterapia, no campo da medicina, é universal, com contribuição ao desenvolvimento do ser humano como totalidade indivisível e única. 2 Termo citado por J. C. RIBAS, Música e Medicina. EDIGRAF, São Paulo, 1957 4 O ser humano não pode ser separado por partes – corpo e mente, psique e soma, matéria e espírito, pois ele é todo; a Musicoterapia é o campo que mais se dirige à totalidade do ser humano. Atualmente o campo da medicina é arado por diversos profissionais e especialistas que são formados em medicina, mas que, sem dúvida, contribuem no sentido de treinar, reabilitar e recuperar o indivíduo enfermo ou incapacitado. São os educadores, técnicos, psicólogos e paramédicos, como os musicoterapeutas. Observando as palestras de musicoterapeutas diversos, comecei a sentir falta de um sentido para a música. Muitos recorriam aos educadores musicais para suplantar suas dúvidas, e eu sempre me perguntava – se o musicoterapeuta não domina certas questões da área musical, por que não aprimorar-se? Por que não reconhecer que um educador musical pode auxiliar seu trabalho, se este encontra dificuldade para realizar determinados procedimentos musicais? Assim, como divulgamos nossa área, nossa especificidade, querendo mostrar, por exemplo, nossa diferença em relação ao educador musical, por que não chamar esse mesmo educador para auxiliar-nos quando as dúvidas aparecem? Foi a partir daí que concebi a idéia do presente trabalho. O musicoterapeuta utiliza propriedades musicais – som, ritmo, melodia e harmonia, com um dado objetivo, a fim de criar canais de comunicação com seu(s) paciente(s). O musicoterapeuta fica entre a formação tradicional – erudita – para o domínio dos conceitos de teoria musical, com a finalidade de acompanhar musicalmente o paciente, realizar o registro musical das sessões, imprescindíveis nos relatórios, ou uma liberdade para criar a partir da sua própria musicalidade, tão necessária para lidar com a demanda do paciente. Qual seria o ideal na formação musical do musicoterapeuta? Este trabalho tem por objetivo pesquisar o nível da formação dos profissionais e estudantes de musicoterapia, levantar a bibliografia, com autores de diferentes correntes de pensamento; fundamentar os primeiros elementos musicais, teóricos, para que o musicoterapeuta possa dar continuidade ao processo e ser capaz de registrá-los. O musicoterapeuta que domina os elementos musicais tem facilidade para registrar passagens musicais de um processo facilidade para criar a partir dos seus próprios conhecimentos musicais. 5 Pergunta-se: onde estão os limites desse campo e quem são os que os exercem? Onde está situado o musicoterapeuta? 1. OUVIR ATIVO: OUVINDO A MÚSICA Não é suficiente ter ouvidos para poder escutar. Colocar-se à escuta consiste em responder a um apelo de forma deliberada. A escuta é uma capacidade específica que se utiliza preferencialmente do ouvido a fim de integrar, graças a ele, mensagens sonoras, entre as quais inscreve-se a música. O homem evoluído caminha em direção à escuta. Não se trata de uma visão puramente metafísica, mas de uma realidade concreta que dá ao ouvido sua razão de ser e à música o sentido de sua existência. Pensando bem, o ouvido é na verdade uma antena aberta para a comunicação, no sentido mais amplo do termo. Ele está longe de se limitar simplesmente ao órgão anatômico, como costumamos pensar. Ele pode chegar a transformar o homem, visto como um todo, em um ouvido (TOMATIS; JACCQUES, 1991). O musicoterapeuta precisa estar atento às sutilezas que o som ou a música traz – seja a música trazida pelo paciente, seja a música que escolherá para a sessão. Segundo QUEIROZ (2002), cada tipo de ouvinte responde à música a partir de uma diferente reação, que pode ser motora-instintiva (ou física), emocional e mental; cada uma delas podendo ocorrer de modo ativo / interativo, resultando seis tipos básicos de ouvintes, isto é, seis tipos básicos de reação à música: Física: - Receptiva = Fisiológica- reações orgânicas (involuntárias, como dor, alteração do batimento cardiaco, calor, tontura); Interativa = Cinestésica – reação por movimentos do corpo (voluntários ou quase reflexos, como palmas, batida de pé); Emocional: - Receptiva = Sensitiva – reação pela exacerbação de sentimentos ou da memória emocional; - Interativa = Imaginativa – reação pela criação de imagens (fantasia imaginativa pictórica ou simbólica); 6 Intelectual: - Receptiva = Associativa – reação por associação de qualidades (músicas doces, violentas, alegres, nobres, misteriosas); Interativa = Analítica – reação por raciocínio avaliador (o pensamento crítico, raciocínio por comparação técnica, avaliação lógica). O autor procura ressaltar esses três níveis – fisiológico, emocional e intelectual, pois as três funções são atuantes em todo ser humano. Porém, é a função preponderante que define a “reação fundamental” ou “tipo de ouvinte”. No final, os três níveis interagem de tal modo que, sem uma avaliação acurada, parece que todas as pessoas reagem à música física, emocional e intelectualmente, sem qualquer distinção ou ênfase entre os níveis de reação (QUEIROZ, 2002). O receptor – seja o paciente que ouve a música ou o musicoterapeuta que escuta a improvisação do paciente – deve estar atento às suas reações em relação à audição, para que haja maior clareza na hora de pontuar ao paciente o que foi observado e mesmo no preenchimento do relatório. Fonte: SMITH, M. – Preparo do setting musicoterápico para início de sessão. Clínica de Musicoterapia da FMU, 2006. I álbum (08 foto): color; 10,0x7,5 cm. 7 Segundo os estudos de Pierre Schaeffer (1991) no Tratado dos Objetos Musicais, os modos de escuta se dariam do seguinte modo: Ouvir – ouvir o que é apresentado à percepção (passivo). Ouve-se o que se passa, sem se dirigir necessariamente ao fato, apesar desse fato poder estar influenciando o indivíduo de diversas formas; Escutar – dar-se conta, dirigir a escuta (ativo). Há um direcionamento ao objeto, uma busca de identificação, escutando o que é interessante; Entender – é intencional; o que é apresentado dá-se em função da intenção de quem ouve; Compreender – há a atribuição de significados, efetuando-se relações que podem não estar diretamente ligadas às características do objeto (BARANOW, apud. SCHAEFFER, 2002). O ouvir e o escutar são a realidade concreta e estão ligadas à escuta natural, na qual o som informa sobre o acontecimento que o gerou; e o entender e compreender são valores abstratos, ligados à escuta cultural. A música, segundo BARANOW (2002), não é só conduzida pela escuta, em suas infinitas interações, mas a música contemporânea orienta para uma significação e impele o indivíduo, no mínimo, a “escutar”. A audição está presente desde a vida intra-uterina e, segundo WROBEL (2002)3, temos a primeira etapa do ritornello, ou seja, o caos, a escuridão: o feto no útero materno, as primeiras sensações, os primeiros registros auditivos. Desde essa fase, passando pelo nascimento e pela primeira infância, os sons já estão sendo registrados e armazenados na memória auditiva do pequeno ser. A primeira etapa do ritornello corresponde à vivência do feto e do bebê, suas impressões sonoras nesse período mergulhado na escuridão, em que as cantigas de ninar e o balanço corporal da mãe cumprem o papel de ajudar a iluminar o caminho da vida. À medida que o bebê cresce, começa a repetir o que ouve, ocorrendo a aprendizagem natural, espontânea, imitativa, que caracteriza a primeira infância. Conforme relata a professora de música Berenice Guedes Mussnich (2000), em seu artigo Vivências Musicais: 3 WROBEL, V.B. Acerca do Ritornello e Musicalização Infantil. Revista Brasileira de Musicoterapia, Ano V, Número 6, 2002. 8 (...) Constatei e confirmei, conforme havia observado nos meus filhos, que o bebê desde que nasce realiza naturalmente exercícios musicais que podem e devem ser estimulados pelas pessoas que o rodeiam e que são preciosos para o desenvolvimento afetivo, da fala, bem como os desenvolvimentos psicológico e psicomotor. A construção do seu lugar no espaço no tempo é ligada a sua escuta, percepção do tempo e memória dos timbres e das entonações que remontam a vida intra-uterina. Tudo para ele é música, especialmente a voz de sua mãe e das pessoas que o rodeiam. Indiscutíveis contribuições possuem as Cantigas de Ninar, especialmente aquelas entoadas pelas mães, sem preocupação maior do que a emoção compartilhada. Essa emoção ( comunicação pré-verbal) permite um contato que só pode ser veiculado pela Cantiga de Ninar que é relacionada com o espaço transicional por Winnicott e que, segundo Alicia Fernandez, é o mesmo da aprendizagem. 4 Seria maravilhoso que todos pudessem ter essa experiência, da mãe ou do pai cantarolar uma melodia para seu bebê. Infelizmente, nem sempre isso é possível: numa sociedade como a que vivemos, em que o grau de ansiedade com o tempo mantém-se constantemente elevado, os contatos básicos e intuitivos – como o de despender meia hora para cantarolar uma melodia para um bebê – são praticas que tendem a ser alijada dia-a-dia. Muitas vezes, as mães nem sequer dispõem de um repertório para cantarolar. O aprendizado natural de canções que passavam de pais para filhos há muito já foi interrompido. Então, cantar o quê? Como cantar? Quais melodias e quais letras? Mais do que isso – o que ouvir? O que foi que ouvimos? O que ouvimos no dia-adia? O mercado de consumo não perde tempo e oferece suas respostas: CDs contendo músicas delicadas, muitos com sons de caixinha de música que reproduzem trechos do repertório clássico europeu, até mesmo fitas de vídeo para entreter bebês “de zero a quatro anos!” Um bebê precisa do toque, do olhar, do cuidado de outras pessoas! Podemos observar que as palavras “cantar” e “encantar” têm a mesma raiz – e é isso que deve acontecer quando cantamos para os bebês: um verdadeiro ritual de encantamento. Não só para os bebês, mas também para pacientes adultos que precisam ser embalados, que precisam desse encantamento, precisam ouvir a voz amiga que canta e encanta, que acolhe e que está ali junto dele. Mas, primeiro, o que ouvimos? Como ouvimos? Como reproduzimos aquilo que ouvimos? Como um musicoterapeuta deveria ouvir? Acredito que a resposta está no silêncio. Buscar no silêncio o próprio encantamento, ouvir o canto interno e reproduzí-lo. Basta ouvir e sentir. 4 MUSSNICH, B.G. Vivências Musicais, In: http://www.psicopedagogia.com.br/artigo.asp?entrID=33 9 1.1. O Silêncio O som não existe no vácuo. Sendo onda de pressão, necessita de um meio material para propagar-se.No entanto, a ausência de som, o silêncio, em grau absoluto, parece produzir em qualquer indivíduo a mesma sensação que produziu em Pascal: “O silêncio dos espaços infinitos me assusta” 5. Na verdade, a cultura do Ocidente parece rejeitar o silêncio, atribuindo-lhe um caráter negativo, pois, em ultima instância, “o silêncio é a morte” (VALENTE, apud. SCHAFER, 1991). Como recurso para superar a morte, o homem constrói sua própria paisagem sonora circundante. Para o compositor de hoje, o silêncio é primordial, porque ele está se perdendo na paisagem sonora.Assim sendo, o silêncio é matéria-prima da música. No tratamento de pacientes em coma, o musicoterapeuta se encontra as possibilidades e limites musicoterápicos, coloca-se em posição de escuta da dinâmica familiar, o uso da estimulação direta com o (a) paciente e a dinâmica de comunicação dos familiares com o paciente. O Porta-voz Sonoro Musical é aquele familiar ou amigo que fala sobre o paciente, que pode ajudar nos dados sonoro-musicais e dados fundamentais, tais como a causa do coma, tempo, acesso aos médicos para obter informações médicas. Muitas vezes ele pode falar do silêncio, mas não pode falar com o silêncio e em silêncio. Este referencial não é estático, e o porta-voz sonoro-musical também pode ser um comunicador. Cabe ao musicoterapeuta uma escuta bastante atenta. O Comunicador do Silêncio é possuidor de uma dinâmica de comunicação global – voz, olhar, corpo, tato, escuta, percepção, som, intuição – o comunicador escuta o silêncio e se comunica com ele, vivendo o grito do silêncio, sem se deixar ensurdecer ou emudecer. (COELHO, 1999)6. Já dizia um ditado: o silêncio é de ouro. O silêncio é, na verdade, um recipiente dentro do qual é colocado um evento musical. O silêncio protege o evento musical contra o ruído. Os eventos musicais precisam desta proteção, por serem acontecimentos sensíveis. Assim, sendo, o silêncio é a característica mais cheia de possibilidade da música. Mesmo quando cai depois de 5 SCHAFER, M. – Apud Blaise PASCAL. 6 COELHO, L. A Escuta do Silêncio: atendimento de pacientes em coma. I Fórum Paulista de Musicoterapia, 1999. 10 um som, reverbera com o que foi esse som e essa reverberação continua até que outro som o desaloje ou ele se perca na memória. Logo, mesmo indistintamente, o silêncio soa. O homem gosta de fazer sons e rodear-se com eles. Silêncio é o resultado da rejeição da personalidade humana. O homem teme a ausência de som como teme a ausência de vida. (SCHAFER, 1991, p. 71). Assim sendo, ouçamos o silêncio, deixemos que ele soe, para que a música possa existir dentro de nós mesmos! 1.2. A Melodia Uma melodia é como levar um som a um passeio. O movimento sonoro das canções que ouvimos nos leva a algum lugar na qual, freqüentemente, já estivemos ou gostaríamos de estar. Para obter uma melodia, é preciso movimentar o som em diferentes altitudes (freqüências). Uma melodia pode ser qualquer combinação de sons. O que faz uma boa melodia? Os livros teóricos trazem sempre muitas regras e quase sempre são aplicadas. Nossos ouvidos também estão adequados a esse sistema, pois a audição torna-se agradável. Eis as regras mais importantes: - Quase todas as notas da melodia deverão ser escolhidas da escala de sete notas na qual se baseia essa melodia. Quando qualquer das cinco notas são utilizadas devem, em geral, aparecer em posições não acentuadas, sem ênfase, de modo a não prejudicarem a harmonia prevalecente. - Na maioria, as notas de uma melodia devem ser notas de uma escala adjacente.Os saltos devem ser poucos, e os grandes saltos, raros. - Para fugir da monotonia, as notas individuais não deverão ser excessivamente repetidas, sobretudo em posições enfatizadas na melodia. - As resoluções harmônicas, como as cadências, devem ocorrer em pontos de estresse rítmico numa melodia. - Da mesma forma, as acentuações rítmicas devem realçar o contorno da melodia. Mudanças de direção melódica devem, de modo geral, cair em articulações ritmicamente importantes. 11 - A melodia deve ter apenas um exemplo do seu tom mais alto e, de preferência, também do mais baixo. - Os saltos devem sempre aterrissar num dos sete tons da escala, não num dos cinco tons cromáticos. O ouvido sempre escuta um salto de forma enfatizada ( isto é – o cérebro é mais atento aos saltos, pois eles definem as fronteiras das submelodias); então, saltar para um tom cromático viola a regra que diz que não se deve jamais enfatizar esses tons. - Inversamente, uma melodia não deve nunca saltar de um tom cromático. A dissonância de um tom cromático cria uma tensão que precisa ser resolvida. Mas os saltos aumentam a tensão e, assim, contradizem essa necessidade. O sistema tonal ocidental estava colonizado por todo o globo, quando alguns musicólogos alegaram que esse mesmo sistema está esgotado. Depois de séculos de experimentação, os compositores todas as relações úteis que nossos sistemas de escala tem para oferecer – da Bachiana à escala de microtons. Cabe aos musicoterapeutas estarem abertos para ouvi-las. 1.3. Sobre o Ruído O ruído é definido como qualquer som indesejado. Esta definição, entretanto, faz de “ruído” um termo relativo; porém nos dá a flexibilidade de que necessitamos quando os referimos ao som. O trânsito do lado de fora da sala de concerto atrapalha a música – isto é ruído. Porém, contextualizando o ruído à música, como fez John Cage – as portas foram escancaradas e o público foi informado de que o trânsito fazia parte da peça – os sons deixaram de ser ruídos (SCHAFER, p. 138). Ao compreender o desenho da paisagem sonora como um desafio composicional que envolve a todos, e ao aproximar ouvinte e ambiente sonoro pela escuta, o autor reforçou a possibilidade estética, tão bem defendida pelo compositor norte-americano John Cage. Sob tal perspectiva, as fronteiras entre música e não-música e o papel da escuta como algo que constrói e se constrói na própria música, e vice-versa, começam a habitar uma certa “zona de indiscernibilidade”(...). (SANTOS, p. 96). 12 Quem se dispuser a escutar o som real do mundo, hoje, e toda a série dos ruídos em série que há nele, vai ouvir uma polifonia de simultaneidades que está perto do ininteligível e insuportável. Não só pela quantidade de coisas que soam, pelo índice entrópico que parece acompanhar cada som com uma partícula de tédio, como por não se saber mais qual é o registro da escuta, a relação produtiva que a escuta estabelece com a música (WISNIK, p. 53). Correndo por fora da tradição da música erudita, músicas populares continuaram a fazer os seus sons, que se misturaram em democráticas mixagens e assumiram lugares singulares na modernidade. O imã da música puxa agora de novo para o questionamento e a criação sobre o pulso, o tempo, o ritmo. Essas músicas devem ser relidas ou escutadas em nova situação. Elas fazem parte do processo de codificação das relações entre som, ruído e silêncio como modos de admitir fases e defasagens, de trabalhar sobre o caráter simultaneamente rítmico e arrítmico do mundo (grifo do autor). Ali, no pulso do pulso, pode estar se formulando uma outra coisa, para a qual é preciso produzir uma escuta correspondente. É preciso dizer também que, em todo esse processo, a canção (ou certa linha de canções) funciona como um verdadeiro equilibrador ecológico: as canções são a reserva de oxigenação da música e do mundo simbólico. A música tornou-se sincrônica, simultânea. A sincronicidade ultrapassou os campos de produção em que ela se dividia. É preciso que a reflexão sobre música dê conta dessa simultaneidade e seja capaz de ver situações novas. (...) O fato de ouvirmos os ruídos ambientais dentro de um contexto musical tende a transformar nossos hábitos de escuta em relação a esses sons, possibilitando uma escuta musical do nosso cotidiano sonoro. Uma outra noção de música começa a se delinear, confundindo-se com a de “paisagem sonora”.(SANTOS, p. 55). Uma possível distinção entre música e ruído, as possibilidades diferenciadas entre fenômeno acústico e fenômeno acústico/musical e as qualidades inerentes a cada plano, ZUCKERKANDL (1973) ainda argumenta: (... ) os tons transcendem a sensação auditiva de dentro do audível, uma transcendência interior. Diferente de sons não musicais que vão para um audível além. Neste ultimo caso, o fenômeno acústico transforma-se em música. Neste ponto, o escopo e a dimensão da própria audição transborda, ouvir já não está mais confinado a estímulos externos, é mais do que tom e ainda tom, é mais do que audição e ainda audição (BRABO, apud. ZUCKERKANDL, 1973). Com esses argumentos, podem-se relacionar os modos de audição musical (sensorial e intelectual) em dois planos: a audição sensorial, atuando como reforçador da experiência acústica 13 no plano concreto, que se mantém na superficialidade estrutural, e a audição intelectual, atuando como fator facilitador da experiência abstrata, a partir da acústica, possibilitando uma imersão estrutural7. 1.4. Considerações acerca da escuta musical Quando falamos de música sempre atrelamos tal idéia a presença do som. A música dá-se na forma de sons. A formulação é tão precisa que não questionamos nós mesmos sobre isso. Empenhamo-nos em pesquisas musicais e sonoras, mapeando os significados dos sons ou maravilhando-se sobre como tais significados se dão, visto que não aprendemos a música como aprendemos nossa linguagem verbal – associando sons específicos à significados específicos. A música é feita de sons. Que sons? Sons musicais. E o que são sons musicais? São sons que estão presentes na música. Então a música é feita de sons presentes na música, e a roda da tautologia gira sem fim enevoando qualquer pensamento a respeito da música que não coloque em questão a própria noção de música (FERRAZ, 1999). O som é um tipo de perturbação, uma vez que se pode ouvir através da imaginação ou mesmo sonhando com um som. Ao dizer “ouço um som”, estamos apenas nos valendo de um artifício consensual para compartilhar alguns tipos de perturbações, e mesmo este quadro de perturbações pode ser ampliado, - ele não se dá independentemente das estruturas e histórias de escuta de cada indivíduo. A música é um dos espaços de escuta possíveis. E é importante lembrar que, neste caso, a escuta musical não fala apenas daquilo que foi disparado pelo som, mas daquilo que foi disparado pela idéia de música. É da idéia de música que passamos a falar. Podemos imaginar uma música, podemos nos lembrar de uma música ou sonhar com uma música. Alguém poderia nos dizer algo como – “calma, você está se referindo a um som imaginado”.Não, não estaríamos nos referindo a um som imaginado, pois o objeto da música não é o som, mas a própria música – basta tentarmos agora lembrar e imaginar o som do fagote, o som da voz de Elis Regina, ou o som da harpa. Ao falar de uma escuta musical temos um território especifico de agenciamento que não se dá apenas na forma de blocos de som e silêncio, mas na forma de blocos de pensamento e duração, e uma 7 BRABO, R. – Audição Musical e Respostas a Dilemas Morais. São Caetano do Sul, 2003. 14 série de intensidades – ora nomináveis, ora não – cujo objeto não é o som, mas qualidade da sensação musical. A escuta musical não é assim um terreno a priori que se delimite para solucionar questões sonoras, mas um território que se define pelo próprio ato de escuta musical – escuta essa que não necessariamente necessitou da presença do som, a ponto de podermos afirmar – e por que não? – que o surdo pode ouvir (FERRAZ, p.35). Houve um processo de configuração em que a noção de musicalidade fez-se ao mesmo tempo em que se fez à escuta em que o sujeito distingue-se como observador. A música em si não comunica, ela é um espaço de comunicações possíveis e, se o receptor a quiser, senão ela não comunica nada. Ela é sempre um espaço de escutas possíveis, mesmo que alguém não a queira ouvir. Conforme FERRAZ (1999, p.36): (...) Valendo por mim lembrar que potencializar a comunicabilidade da música significa antes potencializar uma cadeia de significantes e significados que serão a princípio compartilhados pela linguagem verbal, uma interação musical que seja experienciada como tal por demais sujeitos a ponto de compartilharem também seus sinificados. De um modo geral, a atitude do homem ante a música parece estar diretamente relacionada aos sons ambientais de seu tempo e, sob essa perspectiva, não podemos deixar de observar as mudanças radicais no pensamento musical do século XX. 15 2. A MÚSICA E A MEDICINA EM DIFERENTES CONTEXTOS DA HISTÓRIA Em virtude da precariedade de inibição e de maturidade propriamente intelectual, os povos primitivos são espetacularmente vibráteis à música.8 Os povos primitivos, em face dos efeitos tão estranhos e poderosos neles desencadeados pelos ritmos musicais, não cogitaram de explicá-los a custa de jogo prosaico e de leis psicofisiológicas. No tempo dos povos primitivos a música era colocada sob influência de misteriosas entidades superiores – a música não só seria de origem sobrenatural, mas poderia agir sobre o mundo sobrenatural, constituindo uma espécie de veículo entre os homens e as potências superiores. Daí a música a figurar freqüentemente nas cerimônias místicas dos povos primitivos havendo mesmo nascido junto da religião. Os povos primitivos, na ignorância das verdadeiras causas dos fenômenos e na angústia oriunda da incapacidade de explicar racionalmente os fatos existentes, apressavam-se a atribuir todo o ocorrido a uma intervenção das potências ocultas. Nas cerimônias religiosas presididas pelos médicos-feiticeiros, o canto e a música instrumental rudimentar, muitas vezes associada a dança, conseguiam que os “maus espíritos” saíssem, curando enfermos. A música exerceria uma função de exorcismo, de purificação ou de conjuração. Na superstição do povo primitivo, as virtudes mágicas da música seriam mesmo, transmitidas aos instrumentos produtores da música. Entre os egípcios, as doenças continuaram a ser atribuídas a intervenções de deuses malévolos, e suscetíveis de cura pela magia, que invocava a proteção dos deuses amigos do homem. Da mesma maneira, entre assírios, persas, babilônios e outros povos da antiguidade oriental, dominou o conceito sobrenatural das moléstias e, por isso, de males só curáveis pela magia, estando a medicina, deste modo, subordinada a religião. Em meio às superstições e crenças, a música foi se impondo como recurso de encantamento e de magia, suscetível de acarretar os efeitos mais diversos, inclusive a cura dos transtornos do corpo e do espírito.As primeiras referências acerca da influência da música sobre o organismo humano são provavelmente as encontradas num papiro médico egípcio datado de 2.500 a.C. 8 Este capítulo versa sobre o livro de J. C. RIBAS, Música e Medicina. EDIGRAF, São Paulo, 1957. 16 Entre os hebreus, a música, revestida de poderes sobrenaturais, desempenhava papel de relevo nas práticas religiosas, conforme se depreende na leitura da Bíblia. Os antigos israelitas, a exemplo dos povos primitivos, serviam-se de cantos e de instrumentos para obterem estados de excitação psíquica. Na antiguidade clássica, a música continuou acolhida como uma dádiva dos deuses aos homens. Em testemunho do prestígio atribuído à música pelas religiões antigas, a mitologia greco-romana está superlotada de deuses, semi-deuses e heróis, que inventam instrumentos, compõem e se recreiam com música. Anfião, com a música de sua lira, constrói miraculosamente os baluartes de Tebas. Nos textos mitológicos, os heróis exercem muitas vezes funções de médicos e, na cura das doenças, recorrem à música, velha aliada da medicina. Apolo era deus da música e também da medicina. Não só seria capaz de disseminar doenças, com as suas flechas, mas, se assim o quisesse, de atraí-las para si, deixando os homens a salvo dos males. Em virtude desta crença, a cidade de Tebas, quando dizimada pela peste, ou cantos fervorosos a Apolo. Os gregos deram à música um sistema ou escala. Na civilização helênica, surgiram os modos – dórico, frígio, lídio, mixolídio, eóleo, lócrio e jônio, sendo cada um deles associados a determinadas qualidades. A civilização romana, no tocante aos conhecimentos médicos e musicais, se aberberou dos ensinamentos gregos. Asclepíapes de Bitínia, retórico e depois médico em Roma, não só descreveu precisamente sintomas de doenças mentais e interpelou-os à luz de curiosas teorias, mas também preconizou normas de tratamento. Na sua opinião, “a harmonia musical e um concerto de vozes eram medidas terapêuticas muito valiosas”. Na Idade Média, houve uma estagnação no domínio da medicina e a humanidade voltou a mergulhar no mais intenso misticismo. As doenças, principalmente de natureza mental, tornaram a ser consideradas decorrentes da influência de demônios. Na Idade Média, a música, à sombra do cristianismo, nas catedrais católicas, viveu uma época de esplendor através do cantochão, do canto ambrosiano, e no renascimento com a polifonia católica. A música tornou-se a linguagem pela qual o crente se aproxima do céu, atinge maior elevação espiritual, confessa os seus anseios a Deus e obtém estado de purificação. Na missa católica, o toque da campainha favorece nos fiéis a sensação de maior proximidade com Deus. 17 Nos primeiros tempos da Igreja os sacerdotes preconizavam o canto nos templos, sem intervenção de instrumentos musicais. Depois, a música sacra, que vinha se servindo de salmos extraídos da Bíblia e de cantos de culto hebraico, adquiriu caracteres mais próprios e definidos. No século IV, em Milão, Santo Ambrósio, Pai da Hinodia Cristã, compôs o Canto Ambrosiano. No século XVI, ao mesmo tempo que desponta a música profana e popular, irrompe outra face de florescimento da música sacra, graças à Reforma Protestante.De todas as artes, somente a música foi posta conscientemente a serviço da fé protestante. A música proclama Lutero, melômano, instrumentista e compositor. É a “arte dos profetas, e a única arte, além da teologia, que tem o poder de acalmar as agitações da alma e afugentar o demônio”. Lutero cria o Coral Protestante, de estrutura polifônica, onde, pela primeira vez, os crentes entoam hinos na língua do povo, e não em latim. Na Idade Média, considerou-se a música uma linguagem não só capaz de por o crente em comunicação com Deus, mas ainda de agir sobre o comportamento deste e de demais criaturas. Daí se patenteou à necessidade de ser utilizada em obediência a um critério ético, a exemplo do que aconselhava a sabedoria grega. Na Renascença, com o florescimento das ciências, a medicina libertou-se das superstições medievais e voltou a trilhar os rumos inerentes à verdadeira medicina. Com o ressurgimento da medicina, voltou-se a estudar o doente mental sob critério científico, admitindo-se que as perturbações psíquicas decorressem de alterações do próprio indivíduo, particularmente do cérebro. Ao lado do desenvolvimento das ciências, progrediam também as artes, inclusive a música, que se desvencilhou da religião e se tornou profana, graças ao incremento da chamada música popular. Desde as invasões dos bárbaros, a Europa era percorrida por músicos ambulantes, os bardos, que se compraziam em recolher e disseminar a música popular de diversos povos. Não demorou muito para que os próprios nobres, impelidos pelo espírito aventureiro, se lançassem a compor músicas e vagueassem pelas aldeias e castelos, no objetivo cavalheiresco de enaltecer com música suas damas distantes e fizessem felizes os ouvintes. Foram os trovadores na França, os minstrels na Inglaterra e os Minnesingers na Alemanha. Nesse tempo das cavalarias, já se constatava certamente que as melodias, com estranho poder de encantamento e de recreação, encerravam aqueles efeitos terapêuticos, que tornariam mais tarde um lugar-comum dizer-se que a música é um refrigério, um refúgio, um bálsamo. 18 3. O CONCEITO DE MÚSICA EM MUSICOTERAPIA Os musicoterapeutas utilizam um amplo espectro de experiências musicais em seu trabalho com os pacientes. Desta forma, concebem as fronteiras da música de uma forma muito abrangente. Em Definindo Musicoterapia (2000), Bruscia cita Gertrude Orff (1974), que descreve a musicoterapia como a utilização de “materiais musicais”, como “fala-rítmico-fonética, fala, ritmos livres e métricos, movimento, melodias na fala no canto e no manejo do instrumento. O desafio para os musicoterapeutas é que essas perspectivas nem sempre são relevantes ou abrangentes o suficiente para o universo da prática clínica. Segundo BRUSCIA (2000), há muitos fatores em ação em um contexto terapêutico que influenciam a forma como definimos e delimitamos a música.O autor define como os mais importantes: - as preferências, as habilidades e as aquisições musicais do cliente são sempre aceitas sem julgamento; como resultado, os padrões estéticos e artísticos na musicoterapia são mais amplos e mais inclusivos do que aqueles de outros profissionais da música. - o paciente é prioridade na terapia, e não a música. - a musicoterapia opera assumindo que a experiência musical possui significado para os clientes, e que os clientes podem usar a música para fazer mudanças significativas em suas vidas. - na musicoterapia, a música é mais do que as próprias peças ou sons; cada experiência musical envolve uma pessoa, um processo musical específico e um produto musical de algum tipo. - - os aspectos multissensoriais da música são fundamentais para sua aplicação terapêutica, mas dilatam as fronteiras da experiência musical. - de forma semelhante, as superposições e relações entre a música e as outras artes são muito exploradas com propósitos terapêuticos e isso também contribui para tornar as fronteiras da experiência musical mais inclusivas. (BRUSCIA, p.100). Se a musicoterapia envolve a utilização exaustiva de qualquer coisa que esteja contida na música, incluindo as vibrações e as ressonâncias, como o musicoterapeuta deve atuar frente aos conhecimentos que possui frente a essas propriedades musicais? Se possui uma formação educação musical precária, como pretenderá seguir os seus objetivos numa dada sessão, com um determinado paciente? 19 A investigação por observação em música descreve os acontecimentos no momento em que ocorrem. Pode envolver a definição, o registro, a análise e as interpretações da situação presente, a sua caracterização ou os processos dos fenômenos musicais. O enfoque está, portanto, nas condições dominantes na música ou em situações musicais, ou no comportamento de uma pessoa ou de um grupo numa situação musical (KEMP, p.88, 1995). Nas áreas da educação musical e da musicoterapia, tanto músicos como investigadores se preocupam com dois aspectos gerais do comportamento: a atenção dada a um estímulo (a música) e a resposta ao mesmo (a interpretação, a composição, a verbalização, a utilização da música com finalidades extramusicais). Como constitutiva do ser humano, a musicalidade encontra-se em nossa estrutura biológica (no sistema nervoso). Pelos estudos da Psicologia da Música, buscou-se mapear áreas cerebrais responsáveis pela reposta à música. Estudos mais recentes de Neurociências têm defendido a idéia de que não existem partes fixas no cérebro responsáveis pela audição musical, e sim toda uma rede neuronal de interações que se estabelece em contato com a música. Com base neste conceito de musicalidade e interação neuronal, para o setting musicoterápico e para o atendimento clínico, temos um universo de incertezas com alguns pontos previsíveis. O que fazer para compreender melhor a produção musical que surge em uma sessão musicoterápica? Barcellos (1999), em seus estudos sobre “tecido musical”, sugere o modelo Tripartido de Molino para atender as dimensões desta produção musical, por envolver tanto a obra do autor (o paciente) como aquele quem a escuta (o musicoterapeuta). Em um atendimento musicoterápico, musicoterapeuta e paciente experienciam interações musicais. Para a melhor visualização de tais momentos musicais, o musicoterapeuta transcreve os acontecimentos em partituras. A notação tradicional de partitura é parcialmente possível, pois certos acontecimentos musicais, se “congelados”, nada significam para a análise musical no contexto musicoterápico. A descrição se dá, deste modo, na forma de texto sobre a pauta, de alguns movimentos corporais que acompanham as sonoridades. Por outro lado, essa mesma forma de transcrição, colocando-nos como parte de uma obra, em uma mesma grade musical, possibilita a visualização das interações e intervenções. Numa sessão de musicoterapia esses aspectos são claramente observados e devem ser levados em conta, para a apresentação do caso e para realizar os relatórios. 20 3.1. O Musicoterapeuta e a Música A questão da relação do musicoterapeuta com a música ainda gera controvérsias: se por um lado o musicoterapeuta deve ter noções básicas de teoria musical e saber tocar um instrumento, por outro, a exigência é menor: o musicoterapeuta não precisa ser um músico formado – como afirma BENENZON (1985)9, como o músico erudito, com vocação para ser músico e não terapeuta, pois o músico formado como tal tem, intrinsecamente, o pré-juízo musical estético de sua evolução e desenvolvimento musical, pois o pré-juízo musical o impede de aceitar com inteira liberdade ritmos “não-estéticos” ou a desafinação de um paciente. O musicoterapeuta precisa estar livre do pré-juízo musical em relação à produção musical de seu paciente. Sendo assim, muitas vezes os musicoterapeutas acabam deixando de aprimorar-se musicalmente, sabendo que não precisarão ser tão “perfeitos” em sua atuação musical, empobrecendo a qualidade de seu trabalho. O paciente não precisa saber música, não precisa saber tocar um instrumento ou ter um canto afinado. O musicoterapeuta tem a obrigação de preocupar-se em saber tocar um instrumento, cantar, da maneira como puder, de forma afinada, pois ele é a referência do paciente. Um exame de avaliação musical deveria fazer parte da classificação para todos aqueles que aspiram à carreira de musicoterapeuta, conforme o Manual de Musicoterapia (1985): o exame descrito no manual consiste na interpretação de uma partitura musical elegida pelo aspirante no instrumento de seu conhecimento; improvisação e criação de canções infantis; ditados rítmicos e melódicos, leitura à primeira vista, afinação (BENENZON, p.66-67). Naturalmente, o aspirante não necessita de um conhecimento escolástico musical, porém a interpretação de partitura no instrumento de seu conhecimento, ditados rítmicos e melódicos já seriam de grande valia para aquele que deseja tornar-se musicoterapeuta. O musicoterapeuta trabalha em equipe, e deve por isso ter a noção exata da sua atuação musical na sessão com seu paciente, para poder expor para a equipe os objetivos, os progressos e os retrocessos, além de trabalhar os aspectos não-verbais presentes na música. Entre as possíveis técnicas e especialidades encontramos o psicodrama, a psicodança, a psicomotricidade, a expressão corporal, técnicas de relaxamento, estimulação precoce, e muitas outras. 9 BENENZON, R. Teoria da Musicoterapia. São Paulo: Summus, 1988. 21 Este é um dos aspectos que dificultam a aquisição de um rol específico. Por outro lado, freqüentemente observa-se em alguns musicoterapeutas, inclusive em alguns músicos, uma espécie de onipotência no que diz respeito ao uso do som e da música. Este fator se faz evidente quando o musicoterapeuta enfoca seu trabalho para uma musicoterapia passiva, usando técnicas receptivas. É como se o musicoterapeuta se identificasse com o poder mágico da estrutura abstrata que o som teve para o homem primitivo desde tempos remotos. Tal atitude pode provocar dificuldade na integração das equipes de saúde. A musicoterapia freqüentemente promove uma autoconsciência (física, emocional, social e intelectual); a música é um mecanismo que permite ao indivíduo se auto-explorar através de meios não-verbais. Conforme as técnicas citadas, o cliente apresenta uma idéia musical que o musicoterapeuta apóia, ajudando o cliente a desenvolvê-la, e possivelmente, organizá-la; o musicoterapeuta aceita o que é apresentado e não o altera. 3.2. Murillo Brito e a Canção Desencadeante10 Para Murillo Brito, considera-se fundamental para um bom desenvolvimento do processo musicoterápico, que o paciente se submeta a alguns estágios em seu tratamento. Dentre os estágios já é considerado que o paciente – ou quem puder fazê-lo – respondam questões que constam na ficha musicoterápica, a fim de que o musicoterapeuta possa recolher dados referentes a sua história sonora e lançar mão de estímulos compatíveis com essa. Através da testificação, visando o estabelecimento de algum tipo de diálogo sonoro e conseqüentemente o estabelecimento da relação terapêutica. Quando um paciente é indicado para a musicoterapia, na maioria dos casos, este chega sem, evidentemente, conhecimentos dos dados de sua história sonora-musical, imprescindíveis para o bom funcionamento do processo. É árdua a tarefa de realizar o levantamento de sua ficha musicoterápica pois, segundo a experiência de Brito na área psiquiátrica – o paciente psiquiátrico não tem condições de informar dados que possam ser importantes para o conhecimento de sua 10 BRITO, M – A canção desencadeante. Revista Brasileira de Musicoterapia, Ano IV, Número 5, 2001. 22 história sonora ou porque a família desconhece, ou por outros diferentes motivos, o musicoterapeuta não tem acesso a estes mesmos familiares. Segundo o autor, isso não impede que o musicoterapeuta lance mão de algum tipo de canção que possa vir a impactar seu paciente. Brito ainda ressalta que, na área psiquiátrica, a música popular é, dentre as várias possibilidades de expressão musical, a que o paciente mais elege para se manifestar e extravasar, através dela, seu momento psíquico e sua história. A música está presente em toda parte: nas ruas, nas casas, morros e praias, - lugares onde todos possam estar. Acrescente-se isso ao fato de que, quando uma canção faz sucesso, dada a imensa musicalidade do povo brasileiro, uma grande parte da população que tem acesso a essa música a assimila e divulga oralmente, gerando um processo que mistura mecanismos da música popular com a música folclórica. Deste modo, quando um paciente psiquiátrico de baixa renda, inserido uma instituição pública, chega para iniciar um processo musicoterápico, está impregnado de canções que povoaram ou ainda povoam sua vida, mesmo que, em função do seu quadro clínico, não tenha condições para lembrar-se delas ou mesmo de cantá-las. Diante da escassez de dados sobre esse paciente, mas conhecendo a história da MPB e as canções que foram mais representativas das décadas nas diferentes classes sociais, o musicoterapeuta pode, com grande margem de sucesso, lançar mão de uma canção que impacte o paciente e o estimule a começar a se expressar, desencadeando um processo ativo. A utilização da canção desencadeante pelo musicoterapeuta não leva a riscos de haver algum tipo de estranheza cultural e/ou musical por parte do paciente. Com o crescente desenvolvimento de comunicação de massa, uma canção de sucesso atinge, indiscriminadamente, todas as regiões do país e, sem considerarmos os aspectos éticos dessa questão, padroniza o perfil musical de um determinado contingente populacional. Logo, a canção desencadeante, por ser uma canção amplamente difundida, ao ser introduzida num contexto musicoterápico, permite ao paciente a expressão da mesma e serve de estímulo para que novos conteúdos e informações advenham dessa expressão, além de possibilitar ao paciente, provavelmente, a sensação do musicoterapeuta estar em consonância com seu universo sonoro e o posterior compartilhar de experiências musicais e sentimentos e sensações que estas podem acarretar. 23 3.3. A Música no Contexto Terapêutico Algumas teorias levantam questões importantes para o campo da musicoterapia, teorias diversas que dão à música o seu significado e sobre que tipos de significações podem derivar da música. As três principais teorias sobre a significação na música a serem consideradas pelos musicoterapeutas são: o formalismo absoluto, o referencialismo e o expressionismo absoluto (BRUSCIA,2000). a “significação” de um trabalho artístico é diferente da significação de todas as outras experiências humanas.Os eventos estéticos, como os sons da música só significam a si próprios; o significado é completamente sui generis e essencialmente diferente de qualquer outra coisa no mundo que não seja musical...A experiência da arte, para o Formalismo, é uma experiência primariamente intelectual; é o reconhecimento e a apreciação da forma por si própria.Esse reconhecimento e apreciação, embora de caráter intelectual, são chamados pelos formalistas de “emoção” – geralmente de “emoção estética.Mas essa assim chamada “emoção é única – ela não tem contraparte em outra experiência emocional (BRUSCIA, pp.104-105, apud. REIMER, pp. 20-21). Todos os significados encontrados na música são inerentes à música e somente à música, e como tais são independentes e diferentes de todas as significações encontradas em outras artes ou no universo fora da arte. Para o formalismo absoluto, quando a música é utilizada na terapia, ela não pode ser considerada uma arte porque ela não retira seu significado estritamente da apreciação intelectual de sua beleza formal. Os formalistas absolutos são essencialmente elitistas – acreditam que a maioria das pessoas não são capazes de alcançar uma verdadeira experiência estética da música, contanto que tenham talento ou que tenham sido submetidos a um treinamento musical e, portanto, para as massas a música serve fundamentalmente com treinamento (BRUSCIA, apud. REIMER, 1970). Os referencialistas acreditam que os significados centrais da música e da experiência musical encontram-se fora do trabalho musical propriamente dito, nos fenômenos, idéias, eventos, sentimentos não-artísticos ou extra-musicais comunicados através da música. A música 24 comporta significado por referir, representar, simbolizar ou por expressar o universo (não musical) da experiência humana. As composições, improvisações e apresentações contemplam os ouvintes com mensagens sobre a vida, o universo, a experiência humana e os musicistas envolvidos em criá-las; e os processos de composição, de improvisação, de execução e de escuta nos dão oportunidades para vivenciarmos e trabalharmos os vários aspectos da condição humana. Por essa razão, há uma relação muito próxima e direta com a música e aquele que faz a música. Ao contrário dos formalistas, os referencialistas acreditam que a música é um reflexo dos músicos envolvidos em sua criação e cada experiência de escutar música é um reflexo do ouvinte. A perspectiva referencialista é coerente com os princípios básicos da musicoterapia, principalmente no que diz respeito àquelas linhas acadêmicas que enfatizam a utilização da música na terapia. O musicoterapeuta referencialista acredita que a música é uma linguagem universal que os indivíduos podem usar para expressar a condição humana, assim como suas próprias idéias, sentimentos e identidades. O valor da música é dado pelo fato dela estender para além de si própria e para além do domínio da arte e da estética. A terceira posição – a dos expressionistas – é uma integração do formalismo absoluto com o referencialismo. Os componentes estéticos em um trabalho artístico têm qualidade semelhante à qualidade inerente a toda experiência humana.Quando alguém partilha as qualidades do conteúdo estético de um trabalho artístico também estará partilhando as qualidades com as quais se fazem todas as experiências humanas. A relação entre as qualidades do trabalho artístico e as qualidades da experiência humana é percebida pelo observador do trabalho como “significativas”. A significação da experiência – a relação entre as qualidades estéticas e as qualidades da vida – será convincente, vital e penetrante na mesma medida com que um trabalho contém qualidades estéticas, convincentes, vitais e penetrantes, e na mesma medida com que essas qualidades podem ser experimentadas pelo observador. O âmago da experiência de partilhar as qualidades estéticas significativas do trabalho artístico é o sentido mais profundo da natureza da vida humana (BRUSCIA, pp.106-107, apud. REIMER, pp.24-25). Portanto, é no conteúdo do trabalho artístico que se pode encontrar insights e, quanto mais profunda a experiência das qualidades estéticas, mais profundo poderá ser o sentido da significação obtida. A definição básica de música em musicoterapia pode ser apresentada da seguinte maneira, segundo BRUSCIA (p.111): A música é uma instituição humana na qual os indivíduos criam significados e beleza através do som, utilizando as artes da composição, da improvisação, da apresentação e da audição. A 25 significação e a beleza derivam-se das relações intrínsecas criadas entre os próprios sons e das relações extrínsecas criadas entre os sons e outras formas de experiência humana. Como tal, a significação e a beleza podem ser encontradas na música propriamente dita (isto é, no objeto ou produto), no ato de criar ou experimentar a música (isto é, no processo), no músico (isto é, na pessoa) e no universo. A música é definida como uma instituição. Como as outras artes, possui um padrão organizado e permanente de interação humana centrado em um conjunto de valores que são compartilhados por uma comunidade e reciprocamente relacionados com essa comunidade com funções, objetivos, costumes, tradições e regras específicas. Quando definida como instituição, a música é específica da espécie e conseqüentemente universal; no entanto, os critérios pelos quais ela é definida como uma forma de arte são culturalmente definidos. Na musicoterapia, os elementos básicos utilizados nas várias combinações incluem: o paciente, o terapeuta, a música (em todas as suas variações e manifestações) e, em alguns casos, um grupo de pacientes. Também podem ser incluídas as pessoas significativas da vida do paciente e outras formas de arte e artefatos. Embora tais elementos possam combinar-se de diversas maneiras, o elemento-chave é a música – determina como todos os outros elementos e compostos se combinam, interagem e afetam entre si. É a forma com que a experiência musical do paciente foi estruturada que determinará as reações e relações possíveis entre os outros elementos compostos. Portanto, a interação paciente-música é o núcleo central da musicoterapia que molda as dinâmicas com todas as outras relações. São seis os modelos dinâmicos, que se diferenciam de acordo com o foco da experiência do paciente, se é nas propriedades: 1) objetivas; 2) universais; 3) subjetivas; 4) coletivas; 5) estéticas; ou 6) transpessoais da música. 3.4. A Natureza das Intervenções em Musicoterapia O fato da música poder servir como parceira do terapeuta no processo de intervenção, revela muito acerca da essência da natureza da musicoterapia. Se o musicoterapeuta pode utilizar, tanto a música por si só, quanto em parceria com a sua intervenção pessoal para alcançar os objetivos terapêuticos, deve haver muitas semelhanças entre as funções do terapeuta e as funções da música. 26 O importante é abordar a singularidade da natureza das intervenções da musicoterapia – onde terapeuta e música trabalham em conjunto para ajudarem o paciente. A principal questão é o que torna as intervenções de musicoterapia diferentes de qualquer outra forma de terapia, ou ainda as verdadeiras e singulares intervenções que pertencem ao campo da musicoterapia. A resposta se encontra em três elementos que definem e diferenciam a musicoterapia de outras modalidades de terapia: o som, a beleza e a criatividade. A musicoterapia é centrada no som, portanto um bom musicoterapeuta deve ter um ouvido, se não apurado – educado e atento o bastante para perceber a expressão de problemas através do som, os relacionamentos gerados a partir do som, encontro de soluções e bem-estar através do mesmo. A musicoterapia é centrada na beleza. O contexto para a experiência sonora da musicoterapia é sempre um contexto estético – é sempre pela busca da beleza e do sentido que a beleza traz para a vida através da música. Escutando ou criando música, como recurso terapêutico, o paciente experimenta a beleza e o sentido da vida e, ao longo do processo aprende a trabalhar e a vencer problemas e desafios que fazem parte do caminhar na vida. Do mesmo modo que a música apresenta tensões e conclusões, movendo-se no sentido da mudança para a resolução, o ser humano trabalha para tornar-se íntegro e viver de forma mais completa. Quando essa jornada em direção à integridade ocorre com o refinamento de uma forma artística, esta ocorre em um contexto estético – a jornada é percorrida de forma muito mais pungente, mais potente e mais notável (BRUSCIA,p.46). A musicoterapia é centrada na criatividade. O meio pelo qual o som torna-se belo e significativo consiste num processo de criatividade. Quando o paciente ouve ou cria música, isto envolve ser criativo com os sons, explorá-los, nas diferentes formas a qual podem ser arranjados, percebidos e interpretados. Ambos – processo criativo e processo terapêutico – envolvem a resolução de problemas, exploração de alternativas e opções, utilizar todos os recursos disponíveis, escolher o melhor caminho para resolver uma dada questão, selecionar qual das opções é mais prazerosa e em seguida, organizar todas as decisões em um produto ou resultado que seja belo e significativo. Na musicoterapia, o processo de resolver “problemas musicais” é concebido de forma semelhante ao processo de resolver “problemas da vida”, e acredita-se que as habilidades adquiridas para encontrar soluções musicais se generalizam para as situações da vida. 27 Na terapia, as intervenções são baseadas em três critérios: 1) o paciente tem de necessitar ajuda externa para alcançarem seus objetivos em termos de saúde; 2) deve ser uma intervenção com um propósito, independentemente do resultado; e 3) a intervenção deve ser conduzida por um terapeuta em um contexto de uma relação paciente-terapeuta. Quando o terapeuta utiliza os sons e padrões organizados da música para influenciar diretamente o corpo ou o comportamento do paciente de modo observável, ou ainda quando utiliza estímulos não-musicais para induzir respostas musicais especificas do paciente, a música é utilizada como experiência objetiva. Na condição de estímulo, as propriedades da música são utilizadas para mediação ou reforço para induzir respostas observáveis não-musicais do paciente. O modo como uma pessoa escuta, improvisa ou executa a música é uma manifestação direta da singularidade da identidade da pessoa como ser humano, refletindo quem a pessoa é e a forma como ela lida com as várias situações exemplificadas pela música. Do mesmo modo, quando duas ou mais pessoas executam ou ouvem música juntas, a sua experiência musical compartilhada é igualmente singular – não haverá duas outras pessoas que irão interagir, comunicar ou se relacionar com outra da mesma maneira. Estamos falando da música como uma experiência subjetiva (BRUSCIA, p. 148). Na música-como-processo, é o próprio processo de fazer ou executar música que é também o processo de mudança terapêutica. Sempre que a música é utilizada como processo, o resultado é algum tipo de produto musical – improvisação, composição, execução, gravação, percepção, notação , entre outros. Esse produto musical é um reflexo de tudo o que aconteceu durante o processo – documenta tudo o que foi externalizado, trabalhado, transformado, pelos que executavam ou ouviam música. Uma improvisação fornece uma representação daquele que improvisa e da forma como ele se relaciona com seu mundo, com o outro e com o objeto, do mesmo modo que uma composição ou execução musical fornecem o mesmo tipo de representação do compositor ou do executante. Fazendo um paralelo com essa afirmação, as respostas daquele que escuta música fornecem uma representação do ouvinte e de como ele se relaciona com o mundo do eu, do outro e do objeto. Na música como experiência coletiva encontramos, desde os tempos remotos, uma música como parte integrante de rituais criados e compartilhados pela comunidade e forneceu uma identidade compartilhada para as pessoas que pertenciam a ela, além de prover um continente e um espelho da psique coletiva da espécie. 28 O terapeuta utiliza as experiências musicais coletivas como uma base para a terapia do indivíduo ou da comunidade. A música pode ser utilizada de três formas : como um ritual, como identidade coletiva ou como um arquétipo. 3.5. Música e musicalidade A música é uma das melhores maneiras de manter a atenção de um ser humano devido a constante mistura de estímulos novos e estímulos já conhecidos. Entre outras coisas, a música é uma forma de som estruturado, como a linguagem, e a musicalidade é a aptidão de reagir aos estímulos musicais e criar música. O individuo que está ouvindo ou, através de outros sentidos, percebendo as numerosas variações daqueles sons musicais, está criando música. (...) Eventos musicais e físicos pertencem a ordens diferentes de existência, assim o que ocorre é uma quebra real do mundo da percepção, todas as sensações audíveis, incluindo sensações de tom com um evento acústico, são ou reações do ouvido a estímulos externos, ou alucinações. Ouvir qualidades dinâmicas da audição é outra coisa. É a percepção direta de eventos não-materiais. A dinâmica das qualidades dos tons dá ao ouvido acesso direto para tais eventos. (BRABO, apud. ZUCKERKANDL, 1973, p. 100). Aspectos humanos fundamentais estão contidos nos diversos meios como uma pessoa vivencia a música, seja ela deficiente ou não. Todas as pessoas respondem a estímulos musicais, de modo que, em maior ou menor extensão, todas as pessoas são musicais. Mesmo entre aqueles que possuem as mais graves deficiências pode-se encontrar um ser musical, que, através da musicoterapia, tem oportunidade de participar de alguma atividade musical, ao invés de permanecer no isolamento devido à deficiência. A música, numa sala de concerto, pode transformar fisionomias, captando as pessoas musicalmente, não só entretendo o público, mas transmitindo um tipo de apelo ético aos ouvintes, que poderiam ser expressas por: esqueçam a banalidade, a ruindade – elevem os sentimentos mais puros e mais calorosos! Creio que a música aciona forças morais de três formas diferentes: como mensagem, como intérprete e como critério de valores morais. O mais difícil é falar da primeira – dizer até que ponto a música me parece ser uma mensagem do reino do sentimento ético (WALTER, 1935). Segundo o autor, surgiria a seguinte pergunta: quais são as forças que vivem na música, que apelam à moralidade, além da musicalidade? 29 É importante frisar que o essencial da música continua sendo sua força e efeitos musicais. Devemos diferenciar, porém, o que a própria música nos conta, daquilo que um compositor quer contar-nos através da música. É próprio da música ir da dissonância para a consonância – ela anseia pela pacificação.Isso não impede que o compositor possa contar-nos, por meio desta linguagem, de sofrimento, inquietude e desespero. Sabemos que a matéria é dominada pela lei da gravidade, e que isso não impede que uma estrutura pesada de metal como o aeroplano se eleve no ar e mantenha vôo. A analogia se iguala perfeitamente a esta realidade: nos dois casos triunfa a força humana sobre a qualidade básica de um elemento. (...) Aqui, sendo encerrada no profundo prazer de uma grande reconciliação, está a razão principal da felicidade que a música transmite ao ouvinte. Nossa íntima saudade, nosso profundo anseio por harmonia – harmonia no significado supramusical transcendental da palavra – sente-se confirmada, apaziguada no decurso da música. E, nesse sentido, a música parece-me uma mensagem – uma mensagem ética elevada – que dos mistérios do mundo soante traz, à parte ética de nosso ser, uma mensagem que nos faz feliz. (...) (WALTER, p.16). O autor faz uma comparação interessante, entre o canto em uníssono e o canto a várias vozes – no uníssono os cantores tornavam-se massa; no canto em várias vozes tornavam-se comunidade. O poder da música, que tem como meta a comunidade harmoniosa, a sociabilização, é uma prova superior da existência e da intensidade das forças morais, e essa comunidade não se restringe somente aqueles que se juntaram para fazer música: a nossa arte inclui os ouvintes no mesmo círculo mágico. Em Audição Musical e Respostas a Dilemas Morais, BRABO (p.7, 2003) propõe o seguinte esquema: Audição Musical – Dilema Moral – Julgamento Moral – Tomada de Decisão. O autor levanta a questão entre a audição musical e a interferência da mesma nas repostas a questões morais em alunos de cursos de graduação. A Teoria da Música Pura e a Teoria dos Afetos são seu ponto de partida. Na primeira, a música está provida de qualquer elemento expressivo, pois a Teoria da Música Pura trata a música como a formalização de idéias musicais. Na segunda, a música é uma expressão de emoções como raiva, alegria, inveja, compaixão. Ambos, Platão e Aristóteles, se interessaram pelo poder da música e sua influência sobre o espírito humano, o que os levou a sugerir aos específicos de certos tipos de música baseados nos ethos de específicos modos gregos. (...) O poder ético e de cura da música foi promulgado em tratados de música durante toda a Idade Média até o período Barroco. Historias bíblicas descrevendo o poder 30 da música eram adicionadas aos mitos clássicos, desta forma, misturando valores musicais cristãos e greco-romanos. (BRABO, apud. BARTEL, 1997, p. 31). As duas Teorias, apresentando-se como pólos, se isoladas enquanto princípios, são contraditórias, caracterizando uma oposição categórica. Colocadas em relação dinâmica, tornamse contrárias, caracterizando uma oposição dialética. Dentro de uma tradição musical particular, ninguém interpretaria um tema intitulado “Dor” como se fosse alegre. Solicitados a adivinhar o significado pretendido da música, poderíamos deixar de perceber a dor, mas sem dúvida concluiríamos que se trata de algo semelhante a dor, algo cheio de conflito e sofrimento interno. Parece que o título não serve apenas para definir o significado de uma composição, mas sim para defini-lo com exatidão maior. Ele nos diz que tipos de antecipação serão recompensados pela peça e, assim, ajuda-nos a ouvi-la mas plenamente, sobretudo na primeira audição. As pessoas se queixam, freqüentemente, de que a música é ambígua em excesso, de que fica muito pouco claro o que deveriam pensar ao ouvi-la, ao passo que todos entendem as palavras. Comigo, é exatamente ao contrário...Os pensamentos expressos para mim através da música que aprecio não são imprecisos demais para serem postos em palavras, mas sim, ao contrário, excessivamente explícitos (JOURDAIN, apud. MENDELSSOHN, p.374). A observação do compositor nos leva de volta à questão de como a música se relaciona com a linguagem. Esta descreve com precisão o mundo que nos circunda. Fornece nomes para milhares de fenômenos, que podemos observar atentamente pelos olhos e ouvidos. Mas, conforme observou o autor – “a linguagem é extremamente tosca na descrição de nossos sentimentos íntimos” – não somente a emoção e o estado de espírito, mas também as sensações corporais que experimentamos ao nos movimentarmos pelo mundo. A música imita a experiência, ao invés de simbolizá-la, como faz a linguagem. Ela reproduz cuidadosamente os padrões temporais dos sentimentos interiores. 31 3.6. Musicalidade Clínica Conforme a definição do Webster´s Seventh New Collegiate Dictionary, “musicalidade é a qualidade ou estado do ser musical. A sensibilidade à, o conhecimento de, ou o talento para a música (1967, p. 558). Entre as capacidades mais consideradas de apreender os elementos musicais, temos: - altura; - intensidade - timbre - andamento (SHEASHORE, 1938, p.2). Há pessoas que tem maior aptidão para perceber um determinado parâmetro, ou para responder ao mesmo, ou ler, um determinado aspecto da música. Entretanto, essas quatro formas de capacidade apontadas anteriormente se interrelacionam. Pergunta-se: qual a diferença entre a musicalidade clínica e a musicalidade? Há algum aspecto especifico para caracterizar a musicalidade na prática clínica musicoterápica? Na musicoterapia a música pode ser vista como um meio enquanto que em outras atividades que utilizam música esta é, geralmente, utilizada como um fim. Em musicoterapia a música é um meio através do qual se pretende dar possibilidades para que uma outra pessoa se desenvolva não especificamente na área musical, mas como um todo. Segundo BARCELLOS (2004, p. 70), a questão da musicalidade clínica está dividida em dois grandes pontos: - escuta musical clínica e - execução musical clínica. A complexidade da musicalidade clínica deve considerar não somente os aspectos que dizem respeito à escuta da produção do paciente, mas também as possibilidades de produção musical do musicoterapeuta – isto é, a interrelação da produção e escuta musical clínica entre paciente e terapeuta. 32 Entre os dois aspectos citados anteriormente – escuta musical clínica e execução musical clínica – subdividem-se outros três aspectos: 1. Mobilização (Estímulo) 2. -Interação Musical Clínica 3. Intervenção Musical Clínica Evidentemente tais aspectos estão relacionados pois a escuta musical clínica vai, geralmente, ser seguida por uma execução musical clínica, ou ainda, o musicoterapeuta vai executar algo ao mesmo tempo, interagindo com o paciente – a interação musical clínica. E considerando-se a interação musical clínica como um aspecto da musicalidade clínica, não se pode deixar de pensar nas intervenções musicais clínicas como parte integrante da musicalidade clínica. SMITH, M. Preparo do setting musicoterápico para início de sessão. Clínica de Musicoterapia da FMU, 2006. I álbum (08 fot.): color: 10,0x7,5cm. 33 Deve-se levar em conta a execução que visa à mobilização do paciente. Fazendo um paralelo entre a Recepção – a escuta da produção do paciente – e a produção – a execução em resposta à produção do paciente, temos (BARCELLOS, p. 73). 1- Perceber a etapa sonora de desenvolvimento em que se encontra o paciente. 2- Perceber a altura da produção do paciente (quando este canta ou toca). 3- Perceber as mudanças de altura que o paciente faz quando executa uma produção várias vezes (mudança de tom). 4- Perceber o ritmo da produção do paciente. 5- Perceber as mudanças rítmicas ou de compasso da produção do paciente. 6- Perceber o compasso da produção do paciente. 7- Perceber as mudanças de compasso da produção do paciente. 8- Perceber o andamento da produção do paciente. 9- Perceber as mudanças de andamento da produção do paciente. 10- Perceber as harmonias da produção do paciente. 11- Perceber as mudanças harmônicas da produção do paciente. Acerca da percepção: 1- Utilizar-se de aspectos musicais que sejam adequados à etapa sonora na qual se encontra o paciente. 2- Responder adequadamente de forma melódica e / ou harmônica. 3- Transpor adequadamente o acompanhamento. 4- Responder ritmicamente de forma adequada ao ritmo executado pelo paciente. 5- Responder de forma adequada às mudanças rítmicas ou de compasso da produção do paciente. 6- Responder adequadamente ao compasso da produção do paciente. 7- Responder adequadamente às mudanças de compasso da produção do paciente. 34 8- Responder adequadamente a esse andamento. 9- Responder adequadamente às mudanças de andamento da produção do paciente. 10- Responder adequadamente às harmonias executadas pelo paciente. 11- Responder adequadamente às mudanças harmônicas executadas pelo paciente. Ao musicoterapeuta que não possui tais habilidades musicais: como ficaria? É importante ressaltar sobre o fato de que a musicalidade existe nas pessoas, em diferentes graus. A musicalidade clínica é definida como a capacidade de perceber os elementos musicais contidos na produção ou reprodução musical de um paciente (altura, intensidade, timbre, compasso e todos que formam o tecido musical) e a habilidade em responder, interagir, mobilizar ou ainda intervir musicalmente na produção do paciente, de forma adequada. Por interagir, responder, mobilizar ou intervir musicalmente de forma adequada, entendese, nesse contexto, ser a capacidade do musicoterapeuta de ter uma produção sonoro-musical que melhor contribua para o desenvolvimento do paciente. São muitos os atributos necessários para um musicoterapeuta e, como se pode constatar, trata-se de uma questão extremamente complexa. No entanto, pode-se destacar dentre eles : a formação específica; o desenvolvimento pessoal e a formação musical, compreendendo aqui o desenvolvimento da musicalidade, no caso, direcionada para a prática clínica musicoterápica. 35 4. FORMAÇÃO MUSICAL DO MUSICOTERAPEUTA11 Embora a afirmação de que “a musicoterapia corre tanto pelas águas da terapia quanto pelas da música”, observo que nos espaços onde se apresenta e discute a musicoterapia – supervisão de trabalho clínico, fóruns e simpósios, - é possível se perceber que, no mínimo, o volume da água que corre pelo leito da terapia tem um volume muito maior do que aquele que corre pelo leito da música. (BARCELLOS, 2001, “Musicologia e Musicoterapia, p. 101). A questão apresentada pela autora é uma realidade que, segundo sua opinião, os vários motivos estão agrupados em um só: a maioria dos musicoterapeutas não tem formação musical suficiente para sustentar as águas que correm pelo caminho da música, - existe a falta de uma formação básica para isto. Os campos da música que podem contribuir para uma melhor compreensão do paciente e para um melhor desenvolvimento da área, segundo HESSER (BARCELLOS apud. HESSER, 2004), inclui: psicologia da música, etnomusicologia, estética, psicoacústica, história da música e sociologia da música. A musicoterapia passou por três fases. Na primeira, dava-se maior importância ao efeito que a música exercia sobre as pessoas, deixando-se de lado a figura do terapeuta, ou seja, a relação terapeuta paciente; na segunda etapa, prestou-se menos atenção à música e aos efeitos que esta poderia causar no paciente e se passou a cuidar mais da relação terapêutica. E na terceira se chegou a uma posição intermediária onde tanto a música quanto a relação são igualmente importantes. Pode-se dizer que a música é utilizada, num primeiro momento, para facilitar o estabelecimento da dessa relação que vai proporcionar o desenvolvimento do processo depois de estabelecida essa relação. Deste modo, à primeira fase histórica, que dá mais ênfase à música, ter-se-ia a chamada “musicoterapia receptiva”, onde não se incluía a relação e que tem a audição musical como principal técnica. Já a fase que maior importância dá à relação terapêutica ou ao equilíbrio entre esta e a música, que é a terceira fase, corresponderia à chamada “musicoterapia ativa” ou “musicoterapia inter-ativa” como prefiro denominar o tipo de musicoterapia no qual terapeuta e paciente estão ativos no processo de fazer música. 11 VISCONTI, M.; BIAGIONI, M.Z. – Guia para Educação Musical em Escolas. Associação Brasileira de Música (ABEMÚSICA). 1o edição, 2002. 36 Se concordamos com a relevante afirmação de Smeijsters que considera como hipótese fundamental da musicoterapia que “cantar, tocar e ouvir música ‘ressoa’[eu diria traduz] o interior da pessoa que toca, canta ou ouve” e que “o musicoterapeuta deve ir ao encontro do paciente na música”, e eu acrescentaria “ao encontro de seu mundo interno através da música”, imperioso seria tentar ter-se uma compreensão da música que seria mais adequada para este ou aquele paciente, quando escolhida pelo terapeuta. (BARCELLOS, apud. SMEJSTERS, 1999.) Barcellos prossegue com perguntas que não podemos deixar de fazer a nós mesmos: como se pode ter uma compreensão maior dessa música se a nossa formação musical é inadequada ou insuficiente? Que caminhos devemos tomar para dar à música o papel ou a função que ela realmente tem em musicoterapia – sem evidentemente deixar de lado os aspectos da relação terapêutica? Na verdade, a pergunta que neste contexto mais nos interessa é: como podemos ter uma maior compreensão da música que o paciente cria ou recria? Esta pergunta nos levaria a uma outra: como podemos fazer o que a autora denomina “leitura musicoterápica”? Qual o estudo de música que poderia no ajudar nesse sentido? E, que área da música nos daria essa possibilidade? A autora pensa na musicologia ou, mais especificamente, na análise musical. Porém, qual análise musical ou que tipo de análise musical? A proposta consiste não em responder a todas as perguntas, e sim tentar levantar possibilidades que venham a facilitar ou ajudar o musicoterapeuta nessa necessidade de compreensão do paciente. Acerca do ensino da música, Koellreutter apontou a necessidade de criar espaços de atividades musicais lúdicas, funcionais, voltados à formação dos estudantes que não pretendem profissionaliza-se, mas, sim, trabalhar com a linguagem musical de modo aberto e criativo, com o objetivo principal de desenvolver as capacidades humanas. Um seminário de extensão e atualização para professores de educação artística e educadores que se servem da música como meio; seria, preferencialmente, direcionado a uma atividade profissional no interior; um curso especializado de música para o rádio, para a televisão, para o cinema, e para o teatro, que se destinaria a compositores, arranjadores, músicos de orquestra e engenheiros de som; um curso de música para a publicidade e propaganda, que se destinaria a compositores, arranjadores e músicos de orquestra; um seminário de música para medicina e reabilitação social, um curso de preparação e treinamento destinado aos musicoterapeutas e coordenadores de programas de atividades recreativas e de terapia ocupacional; um seminário de música no campo da recreação em geral e das atividades de lazer; um curso de especialização destinado a educadores, animadores, compositores (...). Cada um desses seminários consistiria em uma matéria principal e em uma série de cursos correlatos, como, por exemplo: treinamento auditivo (atualizado e especializado), terminologia, 37 teoria da informação aplicada à música, análise, estética, sociologia da arte, improvisação individual e coletiva. (BRITO, apud. KOELLEUTTER, 1997, p.41). Na metodologia proposta por Koellheuter a criação ocupa lugar importante e, desta forma, a improvisação é ferramenta fundamental, como o é para o musicoterapeuta. Sua prática permite vivenciar e conscientizar importantes questões musicais, tais como respeito, tolerância, capacidade de partilhar, autodisciplina, reflexão, e assim por diante. Por meio do trabalho de improvisação, abre-se espaço para dialogar e debater com os alunos (ou pacientes) e, assim, introduzir os conteúdos adequados. Conforme afirma o autor: Toda improvisação dever ter uma finalidade musical e também humana, como, entre outras, desenvolver a concentração (autodisciplina), já que o objetivo [maior] da educação musical é o ser humano. (BRITO, p. 46, apud. KOELLEUTTER). 4.1. Educação Musical para o Musicoterapeuta Os elementos básicos para uma boa educação começam com a noção de pulsação que, principalmente ao musicoterapeuta, servirá como base, referência e até um holding durante a experiência musical vivida pelo paciente. A velocidade das pulsações vai sendo trabalhada conforme a música, que poderá ser cantada ou tocada, rápida ou lentamente. Um bom exemplo seria o marcha soldado, com um soldado muito cansado cantando bem devagar, depois um soldado descansado e bem disposto e ligeiro, cantando bem rápido. O conhecimento das parlendas e brincadeiras12 que envolvam gestos e movimentos com as mãos, podem ser de grande valia para a introdução da percussão corporal, tão importante para a musicoterapia e que, para um musicoterapeuta desprovido de instrumentos musicais, é sua principal ferramenta de trabalho. a)Pique será, será pegar Se não pegar, arrume lá. Me dá licença pode pegar. 12 A letra das canções e parlendas aqui mostradas podem ser encontradas no livro “Quem canta seus males espanta”, da Editora Caramelo, São Paulo, 1998. O livro vem com um CD. 38 b) Calango tango do calango da lacraia A mulher do Zé Maria Foi dançar, perdeu a saia. c) Agá, agá, agá a galinha quer botar Ijê, ijê, ijê Fui parar no Tietê. Alô, alô, O galo já cantou Amarelo, amarelo Fui parar no cemitério Roxo, roxo Fui parar dentro do cocho. d) Era uma bruxa À meia-noite Em um castelo mal-assombrado Com uma faca na mão Passando manteiga no pão Passando manteiga no pão. Esses textos rítmicos trabalham não só a noção de andamento, mas também a fluência da linguagem – pode ser usada para pacientes que possuem distúrbio de linguagem. 39 4.2. O Som O som é explorado entre grave e agudo – altura; forte e fraco – intensidade; timbre – a diferença entre os sons produzidos, onde cada um possui uma característica própria. O som deve ser contextualizado do ponto de vista musical e não apenas como referência sonora. O musicoterapeuta trabalha com o som e, por isso, seria necessário o desenvolvimento da acuidade auditiva através dos seguintes processos: 1- Estimular a pesquisa de várias fontes sonoras (objetos, natureza, cotidiano e outras formas). 2- Possibilitar a formação de vários objetos sonoros e de instrumentos musicais, para acompanhar as canções. 3- Reconhecer e utilizar as diferentes características sonoras geradas pelo som e pelo silêncio. 4- Classificar sons e objetos sonoros. 5- Identificar os sons pelo timbre (instrumentos). 6- Desenvolver a memória musical por meio das canções. 7- Contribuir para a socialização e respeito mútuo. 4.3. Ritmo – Elementos Teóricos Os elementos teóricos do ritmo envolvem: 1- Pulso 2- Andamento (Velocidade das pulsações) 3- Batimentos com contagem 4- Acento – organização do pulso em partes fortes e fracas 5- Percepção auditiva dos tempos fortes e fracos 6- Improvisações rítmicas 7- Ecos rítmicos; 40 Objetivos: 1- Corporizar os elementos da música 2- Desenvolver o senso rítmico 3- Desenvolver a linguagem gestual 4- Desenvolver a motricidade 5- Despertar a consciência de si mesmo e do outro 6- Desenvolver a sensória percepção do próprio corpo 7- Desenvolver o respeito mútuo e a sociabilidade. 4.4. Pesquisando o Som e o Silêncio 1- Deve-se colocar à disposição dos alunos todos os instrumentos de percussão e pedir para que os explorem: a) pelo tato: é macio, áspero, frio, quentinho, pesado, leve b) pelo olfato: que cheiro têm c) pela visão: sua forma, seu colorido, sua estética – se é feio ou bonito; d) pela audição: se o som é grave, agudo, forte, fraco, agradável, desagradável. 2- Pedir que estimulem os instrumentos para fazer muito barulho. 3- Dar ordem ao instrumento para que pare, tomando-se o máximo cuidado para não deixar escapar nenhum som. 4- Permanecer em silêncio para ouvir os sons externos, podendo até fechar os olhos, deixando apenas o ouvido alerta. 5- Pedir que os alunos relacionem os sons ouvidos e tentem reproduzi-los com os instrumentos que estão em seu poder, com força, levemente, agudo ou grave. 41 O objetivo é fazer o futuro musicoterapeuta chegar à conclusão de que para se ouvir é necessário o silêncio. A dinâmica pode ser trabalhada através da idéia sonora com elementos que fazem parte da paisagem: pássaros, cachoeiras, rio, animais, e assim por diante. Os alunos poderão representar um grupo de cavalos – o som é fraco, mas a medida que se aproxima vai se tornando mais forte. Essa representação pode ser feita corporalmente ou com instrumentos musicais, graduando a intensidade dos sons. 4.5. Movimento Sonoro O trabalho com os nomes das notas podem ser trabalhados de forma ascendente ou descendente: DÓ-RÉ-MI-FA-SOL-LÁ-SI-DÓ; DÓ-SI-LÁ-SOL-FA-MI-RE-DÓ. Um bom exemplo para exercitar o nome das notas é cantar uma canção com um pequeno xilofone quando entram os nomes das notas, trabalhar uma canção com os nomes das notas e movimentos seguindo a linha melódica, levantar ou abaixar as mãos ao ouvirem o movimento ascendente ou descendente, ou ainda, improvisar uma canção com os nomes das notas. O movimento sonoro é definido por aspectos da música, como pulso, intensidade, cor timbrística, repetição, contraste, acordes e notas por graus conjuntos ou disjuntos, intervalos e localização espacial. O trabalho com a música deve ser norteado pela vivência dos elementos - ritmo e som – de forma lúdica, dando a oportunidade para que o educando sinta, pense e crie, uma vez que esses elementos possuem todo o material necessário para a aprendizagem musical. As partituras contemporâneas podem ser ótimas aliadas no processo da percepção de movimento sonoro, pois assim criam-se símbolos que indicam se um som é de intensidade forte ou piano, se é longo ou curto, se o andamento é rápido ou lento, se há uma repetição ou se há contrastes. J. S. Bach, Prelúdio II do Cravo Bem Temperado, compasso 6. 42 43 4.6. Conteúdo: Som, Vivências 1- Experiências com o som: pesquisa, reprodução. 2- O movimento sonoro: ascendente e descendente. 3- Qualidade do som: i. Altura................................as regiões – Grave e Agudo. ii. Intensidade........................a força: Forte e Fraco iii. Duração.............................o tempo: Curto e Longo iv. Timbre...............................reconhecimento auditivo dos sons pesquisados b) Diálogos musicais: perguntas e respostas. c) Criações imitativas – Ecos melódicos. Como trabalho de apoio, pode-se usar as canções – a respiração pelas frases musicais, movimentos de locomoção, ritmos simples, marchas imitativas, o andar o correr; brinquedos cantados – criação de movimentos; contos dramatizados com os elementos rítmicos e com os sons pesquisados; e parlendas – os textos rítmicos, anteriormente citados. No trabalho com a duração, é interessante realizar um trabalho de contrastes visuais, com referências de grande-pequeno; alto-baixo; curto-longo; utilizando os materiais que estiverem disponíveis. Continuando com as vivências com o som, é importante experenciar sua produção, propagação, movimento e vibração, o movimento ascendente e descendente (mesma altura), suas qualidades (altura, timbre, intensidade, duração), ordenação das notas musicais, reconhecimento de naipes – corda, sopro e percussão; reconhecimento auditivo dos modos maiores e menores através das canções, improvisações melódicas e ecos melódicos. 44 4.7. Ritmos – vivências 1- Movimentos livres e com comando. 2- Movimentos organizados pelo pulso. 3- Marchas: andar, correr, saltitar, galopar. 4- Acentos de 2 em 2; de 3 em 3; de 4 em pulsações (compassos). 5- Linhas, direções e níveis Como elementos teóricos, além das qualidades do som, temos: - O Pentagrama – Leitura relativa. - Elementos do Ritmo: Pulso, Andamento, e Acento. - Proporções do tempo: Unidade de tempo – Dobro e Metade. - Ecos rítmicos e melódicos. - Improvisações Rítmicas. Como trabalho de apoio podem ser utilizados canções, os batimentos com contagem, batimentos com proporção de valores – corporal e instrumental; brinquedos cantados, parlendas, jogos musicais, danças explorando as frases musicais. 4.8. Representação Gráfica dos Sons no Pentagrama O pentagrama é composto por cinco linhas paralelas horizontais, e as notas podem, inicialmente, serem representadas por figuras de forma oval, arredondadas com outra cor, onde o educando poderá colocá-la onde o professor solicitar: por exemplo, colocar na 2º linha, e no 4º espaço, de forma alternada. Utilizando o pentagrama e as figuras ovais, dispor as figuras em ordem ascendente e descendente, dando o nome da primeira e, a partir dela, dizer os nomes das outras, seguindo a ordenação dos nomes das notas. 45 4.9. A Escala – Altura A escala constitui-se pela ordenação das notas em graus conjuntos. A entoação e reconhecimento de arpejos, tríades e acordes maiores e menores; a relação entre as alturas – intervalos, graus, conjuntos e disjuntos, reconhecimento corporal e auditivo. Dentro do trabalho com a escala pode-se explorar os ecos melódicos, repetição de pequenas frases musicais cantadas pelo professor, da seguinte forma: i. O aluno repete com a sílaba lá. ii. O aluno repete com os nomes das notas e movimentos dos braços, seguindo a linha melódica. Em relação aos temas musicais, através do reconhecimento auditivo, pode-se proceder da seguinte maneira: a) Para cada tema, um movimento corporal. b) Coreografia: para cada tema, uma direção ou nível. c) Para cada tema, um instrumento percussivo com uma modalidade rítmica. Em relação às canções, pode-se trabalhar: a) Frases musicais b) Perguntas e respostas c) Movimento de locomoção. d) Dinâmica e Agógica. 4.10. Escalas, Arpejos e Acordes: a) Entoar a escala indicando com as mãos o movimento sonoro subindo e descendo e, no final, realizar o arpejo do acorde perfeito Maior I-III-V e VIII graus da escala. Exemplificando, no caso de Dó Maior: DO-MI-SOL-DO; DOSOL-MI-DO. b) Depois de dominada a melodia da escala, a partir de qualquer nota, pode-se trabalhar a ordenação dos sons, cantando o nome das notas. 46 Os tons e semitons recaem sempre nos mesmos graus. Por essa razão, pode-se cantar todas as escalas sem pensar nas alterações – o importante será o aluno perceber que existe uma ordem para todas as escalas e, entoando-as, irá reconhecer auditivamente que a ordem é a mesma – o que muda é a altura. • cantar a escala por tetracordes ( de 4 em 4 notas): dó-ré-mi-fá; sol-lá-si-dó. • falar, sem cantar a ordem das notas de todas as escalas. • cantar as notas do acorde perfeito Maior, com as sílabas lá, lá, lá. • cantar a escala, variando o ritmo. • cantar os intervalos da escala. • cantar canções com os nomes das notas e movimentos com as mãos subindo, descendo, ou na mesma altura. • partindo de uma nota, falar nomes das vizinhas. Em relação aos intervalos melódicos, com exercícios cantados ou canções: a) Cantando: DO-RÉ, uma segunda; DO-MI, uma terça; DO-FA, uma quarta; DO-SOL, uma quinta; DO-LÁ, uma sexta, DO-SI, uma sétima, DO-DO, uma oitava, com ordenações: dó-ré-mi-do-mi; do-ré-mi-fá-dó-fá. b) Cantam com a letra da canção; c) Com lá, lá, lá e os movimentos das mãos; d) Com os nomes das notas do primeiro intervalo. Trabalhando os elementos do Ritmo com Instrumentos de Percussão Acompanhando uma Música Tocada para cada modalidade é interessante usar um naipe de instrumento e um grupo de alunos, depois realizar uma troca. a) Marcar os tempos (pulsação); b) Marcar os acentos dos compassos c) Marcar a subdivisão dos tempos. Com o movimento dos braços: reconhecer o compasso e marcar com os movimentos dos braços. 47 Acompanhando Canções Cantadas: • aprender a canção; • dividir as frases (perguntas e respostas); • reconhecer o compasso; • determinar os instrumentos para acompanhar; • determinar as modalidades rítmicas para cada grupo de instrumentos. 4.11. As Canções A canção que tem uma melodia organizada pela altura dos sons coordenados por um ritmo, com acompanhamento harmônico através das cadências em forma de ostinatos. Ao cantar os alunos vivem o mundo imaginário e da fantasia ao se expressarem por meio de gestos imitativos ou criativos, desenvolvendo-se, assim, sua capacidade de expressão e comunicação. Em relação ao repertório, os temas deverão adequar-se às necessidades e interesses dos alunos, podendo sempre contar com temas do nosso rico folclore, de canções populares, cívicas, geográficas, ecológicas, esportivas, biológicas, históricas, entre outras possibilidades. Ao ensinar uma canção, o professor: a) Canta toda a canção e os alunos ouvem. b) Canta uma frase e os alunos, brincando de eco, repetem. c) Canta a 2º frase e os alunos repetem. d) Canta as duas frases e os alunos repetem. e) Assim sucessivamente, frase por frase, de dois em dois. O canto, como qualquer outra expressão cultural, estabelece uma íntima relação com o processo histórico. As canções registram aspectos de seu tempo, como crônicas sociais de época, 48 espelhando e difundindo a experiência específica e os valores culturais dos diversos segmentos sociais.13 Dentre milhares de canções arquivadas na memória, podemos pinçar apenas uma em determinado tempo/espaço. As canções podem se deslocar no tempo. Podem, por exemplo, remeter-nos ao futuro, a algo que ainda está por vir. Deste modo, a canção se torna uma expressão de sonhos e fantasias e, através do conteúdo da canção, nos informam sobre certos desejos de transformar o presente em algo mais prazeroso. Para o trabalho com a voz, é essencial selecionar melodias que sejam compatíveis com a tessitura do aluno; evitar músicas com alturas muito agudas ou graves. Outros pontos no trabalho com a voz devem ser frisados: • atenção para o volume: a voz cantada se assemelha a voz falada – tomar cuidado com o som gritado. • cuidado com a articulação e dicção das palavras, que devem ser claras para serem compreendidas. • a respiração deve ser natural, livre de tensões. • aquecimento vocal, podendo ser acompanhado de movimentos corporais. • afinação: o modelo vocal é imitado; portanto, o professor deve ser afinado e procurar cantar na tessitura do aluno. • O mesmo ocorre entre o musicoterapeuta e seu paciente. O musicoterapeuta é a referência vocal para seu paciente, portanto, seria adequado que tivesse uma boa afinação e um bom direcionamento musical. • alunos com vozes roucas, estridentes, anasaladas devem ser encaminhados para uma averiguação com um especialista. O paciente pode, paralelamente à musicoterapia, fazer um acompanhamento com um fonoaudiólogo, nos casos citados acima: se possuir uma voz rouca, estridente ou anasalada. Para explorar o ritmo com as canções, utilizando os instrumentos, os objetos e / ou sons corporais, pode-se cantar e: 13 • bater o pulso • variar o movimento das pulsações MILLECCO FILHO, L.A. _É preciso cantar – Musicoterapia, cantos e canções, p.70. 49 • marcar o acento • bater o desenho rítmico • realizar ostinatos rítmicos. Para cantar e realizar movimentos corporais: a) De acordo com o texto. b) Para cada frase um movimento. No caso de explorar o som com as canções, cantar e: a) Respirar no final de cada frase b) Cantar a 1º frase, e pensar na 2º, sem cantar; cantar a 3º e pensar na 4º (desenvolvimento da memória auditiva). c) Um grupo canta uma frase – pergunta; e o outro grupo outra frase – a resposta. d) Exercitar o movimento sonoro da linha melódica com os braços para cima ou para baixo de acordo com a variação de altura da melodia. 4.12. Improvisações O trabalho com improvisação musical deve ser realizado em forma de jogo seguindo as etapas evolutivas. O jogo musical deve ser livre e espontâneo com caráter sonoro-rítmicomelódico-harmônico, realizado por experiências vocal-corporal-instrumental. 4.12.1. Improvisações Rítmicas 4.12.1.1. Improvisação de Motivos Rítmicos: a) pede-se a um aluno que produza um motivo rítmico. b) O grupo ouve e repete. c) Cada aluno cria motivos rítmicos e a classe repete. 50 4.12.1.2. Com Perguntas e Respostas: a) O professor bate uma frase rítmica – pergunta. b) O aluno bate outra – resposta. 4.12.1.3. Com movimentos corporais para acompanhar as canções, danças e narrações. 4.12.1.4. Com sujeição de tempo: O grupo marca as pulsações com um instrumento percussivo e um aluno improvisa dentro dessas pulsações. a) Com texto: o grupo marca as pulsações e escolhe uma palavra que deverá ser encaixada dentro das batidas e falam ritmicamente. Ex: PAS-AS-RI-NHO. b) Com quadras: Vou batendo, vou batendo Vou tocando sem parar Vou batendo e tocando Para todos alegrar. 4.12.2. Improvisações Melódicas 4.12.2.1. Improvisação livre não sujeita ao ritmo ou ao som: a) Pedir para o aluno inventar sons com as sílabas lá-lá-lá b) As improvisações melódicas com pergunta e resposta ajudam no desenvolvimento auditivo. Ditado 1 Ditado 2 51 4.12.2.2. Sinais de Dinâmica Ao executarmos uma obra musical, instrumental ou vocal, temos a possibilidade de graduar o volume em três níveis de intensidade: fraco, médio ou forte. Na partitura essas dinâmicas são expressas por palavras em italiano e abreviadas. Num nível crescente temos: Bem pianníssimo..................ppp.......................pouquíssima intensidade Pianissimo.............................pp........................pouca intensidade Piano.....................................p..........................suave, médio Mezzo Piano.........................mp.......................meio fraco Mezzo forte...........................mf........................meio forte Forte......................................f...........................forte Fortíssimo..............................ff.........................fortíssimo Bem Fortíssimo.....................fff........................grande intensidade, muito forte Às vezes aparecem abreviações acrescidas de palavras de expressão, como por exemplo: Poco p ou piú f ou quasi f entre outras. 4.13. Conceitos Teóricos Fundamentais da Música Fórmula de Compasso A fórmula de compasso determina o pulso da música, e é indicada sempre por dois números. Como por exemplo: 2 – o número acima indica a quantidade do tempo (nesse caso, de dois em dois); 4 – o número abaixo indica a unidade de tempo. Unidade de tempo é a figura que vale um tempo. Sendo assim, na fórmula de compasso 2/4 cabem duas semínimas, que valem um tempo – a semínima representa a unidade de tempo. Do mesmo modo, 3/4 é um compasso de três tempos, 4/4 é um compasso de quatro tempos, 5/4 é a fórmula do compasso quinário (cinco tempos) e 7/4 a fórmula do compasso setenário (sete tempos). 52 4.14. Número correspondente das figuras Antigamente costumava-se considerar a semibreve como a figura que valia um tempo, e por essa razão esta é simbolizada pelo número 1. A mínima é simbolizada pelo número 2, pois de acordo com a Divisão Proporcional dos Valores (ver tabela) duas mínimas representam o valor de uma semibreve. A semínima é simbolizada pelo número 4, pois quatro semínimas representam o valor de uma semibreve. A colcheia é simbolizada pelo número 8, pois oito colcheias representam o valor da semibreve. Seguindo esse raciocínio, conclui-se que a semicolcheia é simbolizada pelo número 16, a fusa, pelo número 32, e a semifusa, 64 – respectivamente, 16 semicolcheias representam o valor de uma semibreve; 32 fusas e 64 semifusas compreendem igualmente o valor da semibreve. 53 4.15. Partitura Tradicional Na partitura, os sons são escritos no pentagrama representado por figuras, as notas musicais, e sua altura varia do grave ao agudo, ou o contrário, sendo facilmente visível a linha melódica que forma a melodia, conforme a afirmação de Paul Klee: “melodia é como levar o som a passear pelas alturas”. Quando a melodia tem uma letra, cada silaba corresponde a uma nota musical e quando houver elisões, juntam-se a duas vogais em uma só nota. O ritmo é regido pelos compassos, podendo ser estes de dois, três ou quatro tempos, simples ou compostos, sendo que o primeiro tempo é mais forte.Quando há subdivisão do tempo, o primeiro tempo continua sendo o mais forte, onde recai a sílaba tônica das palavras. No início do pentagrama há sempre uma clave que irá determinar os nomes e as alturas dos sons. Nas canções infantis é a clave de sol que está presente, na 2o linha do pentagrama, determinando a nota sol na 2o linha, e num movimento ascendente ou descendente tem-se o nome das demais notas musicais. Depois da clave encontramos os acidentes – sustenidos ou bemóis, que determinam a tonalidade da canção. Os acidentes assinalados perto da clave constituem a armadura de clave, indicando, portanto, a tonalidade em que a canção se encontra. Sustenidos e bemóis tem ordem fixa. Sustenidos: FA-DO-SOL-RE-LA-MI-SI; bemóis, SI-MI-LA-RE-SOL-DO-FA. A partitura tradicional, muitas vezes, indica o andamento que o compositor sugere, como Allegro, Andante, Presto. Para aquele que executa a partitura há a indicação de andamento conforme o metrônomo, onde a unidade de tempo pode ser uma semínima. 54 6.16.Partitura não-convencional Os sons poderão ser representados simbolicamente por linhas retas, curvas, pontos; a intensidade, por espessura dos desenhos, mas densas ou não; a duração, por comprimentos e tamanhos dos desenhos, com alternâncias, simultaneidade, imitação – podendo ser usado papéis coloridos, com diferentes texturas. As experiências com a grafia não convencional devem ser tratadas com os alunos (ou pacientes, no caso da partitura de uma música criada por ele) seguindo um roteiro de trabalho, voltado às linguagens visual e musical. A partitura de música contemporânea usa muito esses recursos, e o interessante é interpretar o que está sendo expresso na partitura. 55 Na partitura contemporânea, o aluno pode criar suas próprias regras. Na partitura acima, por exemplo, o aluno pode interpretar o movimento sinuoso das linhas como um legatto, ou imaginar uma sonoridade para as raposas que estão representadas na partitura. Este tipo de escrita deixa livre a imaginação para que o aluno possa criar sua própria composição, e até mesmo criar uma história. 56 5. A MÚSICA NO CONTEXTO CLÍNICO A música, desde os tempos remotos, é diferentemente definida por psicólogos físicos, filósofos e musicistas, pois cada um deles adota uma perspectiva para definir o que é música. Para os musicoterapeutas essas perspectivas nem sempre são relevantes ou abrangentes o suficiente para o universo da prática clínica. Muitos fatores existentes num contexto clínico influenciam a definição de música do musicoterapeuta, tais como:14 : a) As preferências, as habilidades e as aquisições musicais do cliente são sempre aceitas sem julgamento; como resultado, os padrões estéticos e artísticos na musicoterapia são mais amplos e mais inclusivos do que aqueles de outros profissionais da música. b) O cliente é a principal prioridade da terapia e não a música. c) A musicoterapia opera assumindo que a experiência musical possui significado para os clientes, e que os clientes podem usar a música para fazer mudanças significativas em suas vidas. d) Na musicoterapia, a música é mais do que as próprias peças ou sons; cada experiência musical envolve uma pessoa, um processo musica específico e um produto musical de algum tipo. e) Os aspectos multissensoriais da música são fundamentais para sua aplicação terapêutica, mas dilatam as fronteiras da experiência musical. f) De forma semelhante, as superposições e relações entre a música e as outras artes são muito exploradas com propósitos terapêuticos e isso também contribui para tomar as fronteiras da experiência musical mais inclusivas. 14 (BRUSCIA, K.Definindo Musicoterapia, pg. 99-100). 57 5.1. Técnicas Improvisacionais em Musicoterapia O musicoterapeuta necessita dominar pelo menos um instrumento musical e possuir conhecimentos musicais básicos, a fim de poder improvisar musicalmente no atendimento clínico com o cliente. As técnicas de improvisação variam em termos de quais aspectos da experiência de comportamento do cliente serão o foco de observação e intervenção. As Sessenta e Quatro Técnicas Clínicas utilizadas na musicoterapia improvisacional15 são comumente usadas para transmitir empatia, fornecer uma estrutura musical para a improvisação do cliente, organizar o processo de improvisação, estimular as improvisações referenciais, explorar emoções e discutir questões terapêuticas. (BRUSCIA, 1987). 5.2. Técnicas de Empatia Um dos aspectos mais poderosos da terapia improvisacional é o de que o musicoterapeuta possui inúmeras formas de transmitir a empatia diretamente. Isso é efetuado indo-se ao encontro do cliente não verbalmente, ou espelhando o que este está fazendo. As técnicas desta categoria incluem imitar, sincronizar, incorporar, regular, refletir e exagerar. Imitar: o musicoterapeuta ecoa ou reproduz uma resposta do cliente, após a resposta ser apresentada. O terapeuta pode tocar a imitação em qualquer som, ritmo, intervalo, melodia, movimento, expressão facial, e assim por diante. A imitação é utilizada para focar a atenção do cliente a reagir ou a se comunicar, para indicar ao cliente quais aspectos de sua resposta são relevantes à tarefa ou situação, para transmitir aceitação ao que o cliente oferece, para verificar a intenção da mensagem do cliente, para estabelecer o paradigma interacional, para dar ao cliente a oportunidade de liderar e ter controle sobre o terapeuta, e para modelar o comportamento imitativo. Sincronizar: o musicoterapeuta faz o mesmo que o cliente, a medida em que este prossegue, regulando o tempo do processo, de modo que suas ações coincidam. A técnica de sincronizar pode ser realizada em vários níveis de precisão. Quando sincroniza, o musicoterapeuta pode tentar combinar vários aspectos da resposta do cliente, ou apenas certas 15 BRUSCIA, K. – Modelos de Improsisación em Musicoterapia. Tradução de Vitória-Gasteiz, Agruparte, 1999. 58 dimensões. O terapeuta pode permanecer na mesma modalidade de expressão (unimodal) ou transferir-se para outra (transmodal). Em um contexto musical, a sincronia unimodal ocorre quando o terapeuta combina os ritmos e melodias. Incorporar: quando improvisa com o cliente, o musicoterapeuta toma um motivo rítmico ou melódico apresentado pelo cliente, e faz disso um tema em sua própria improvisação. Incorporar vai além do imitar, no sentido de que o tema do cliente pode ser modificado, desenvolvido e exagerado. Mais adiante, o motivo é estendido em uma improvisação inteira, a qual pode também incluir outros temas e materiais pertencentes, tanto ao terapeuta quanto ao cliente. Essa técnica é usada para dar reforço ao cliente, na apresentação de um tema musical, transmitir aceitação da música do cliente, modelar criatividade musical e expressão, modelar várias formas de trabalhar através de um sentimento musical para uso em terapia. Regular: o musicoterapeuta iguala o nível de energia do cliente, pelo uso da mesma intensidade e velocidade de esforço que o cliente. Nesta técnica, o musicoterapeuta não executa necessariamente as mesmas ações, na mesma modalidade, ao mesmo tempo. O foco se concentra na quantidade e fluxo de energia, não importando o conteúdo musical ou emocional do cliente. A técnica pode ser unimodal ou transmodal. Na primeira, o musicoterapeuta canta ou toca no mesmo andamento e dinâmica que a música do cliente. Na técnica transmodal, o musicoterapeuta vai ao encontro da energia do cliente, porém em uma modalidade diferente. O terapeuta pode musicalmente combinar o peso e a velocidade dos movimentos do cliente, ou pode mover de acordo com a velocidade e nível de dinâmica da música do cliente. Refletir: o musicoterapeuta expressa os mesmos estados ou sentimentos que o cliente está expressando. O terapeuta pode refletir na mesma modalidade que o cliente ou em diferente modalidade (unimodal e transmodal, respectivamente), seja durante a auto-expressão do cliente, ou imediatamente após esta. As modalidades principais da técnica de refletir são música, letra, verbalização e movimento. Exagerar: o musicoterapeuta exagera algo que seja único ou peculiar no cliente, ou no que o cliente está fazendo. Se o cliente está improvisando, o musicoterapeuta pode exagerar um timbre, ritmo, melodia, intervalo, contorno ou estrutura de frase que o cliente esteja usando, ou qualquer sentimento que estiver sendo expresso. Uma vez que o cliente não está improvisando, o musicoterapeuta pode refletir os sentimentos e estados de humor observados na conduta do cliente, e então exagerá-los musicalmente. 59 5.3. Técnicas de Estruturação Base rítmica: o musicoterapeuta mantém uma batida básica ou ostinato rítmico como fundamento à improvisação do cliente. A base é usada para ajudar o cliente a organizar sua improvisação. Fornece apoio físico e psicológico para os esforços do cliente. Centro Tonal: o musicoterapeuta fornece um centro tonal, escala ou base harmônica para a improvisação do cliente. Pode envolver limitar os tons que o cliente usa para uma escala em particular, fornecendo um baixo de base, adicionando um ponto de pedal, som grave, ostinato melódico, bordão ou acompanhamento de cordas. O centro tonal é usado para ajudar o cliente a organizar suas melodias, garantir o êxito do cliente, estimular o pensamento musical, ajudar o cliente a desenvolver conceitos de consonância e dissonância, (a nível musical e biográfico), evocar emoções e estados específicos, estabilizar e conter os sentimentos expressos pelo cliente, e fornecer a estrutura necessária para que o cliente possa resolver sentimentos dissonantes. Dar Forma: em um contexto musical, o musicoterapeuta ajuda o cliente a definir a extensão e forma de uma idéia musical completa. Há duas maneiras de efetivas de ajudar o cliente a reconhecer ou estabelecer a extensão e forma de sua expressão. O musicoterapeuta pode fazê-lo usar dois instrumentos – um para o início de um crescendo ou acelerando e outro para a nota-clímax da cadência, e improvisar com o cliente usando as técnicas de imitar, sincronizar e regular. Esta técnica é usada para dar forma aos impulsos do cliente. 5.4. Técnicas de Dedução Repetir: o musicoterapeuta apresenta o mesmo ritmo ou melodia várias vezes, em sucessão ou em breves intervalos. O ritmo ou melodia pode pertencer ao terapeuta ou ao cliente. A técnica possui duas funções distintas: provocar uma resposta musical e estabelecer um clima, ou estado emocional. Modelar: o musicoterapeuta apresenta ou demonstra um comportamento-alvo, qualidade, sentimento ou traço para o cliente tentar igualar-se. Modelar pode incluir: apresentar um motivo musical ou movimento para o cliente imitar, demonstrar um instrumento, improvisar para o cliente observar, exibir um comportamento em particular, e assim por diante. A técnica é 60 utilizada quando há uma resposta especifica que o cliente necessita desenvolver, e quando é apropriado e possível o musicoterapeuta fornecer o modelo. Criar espaços: o musicoterapeuta improvisa e fornece espaços freqüentes na estrutura da improvisação do cliente responder ou injetar sons. Envolve criar espaços na improvisação do terapeuta para o cliente preencher. Criar espaços é uma técnica que pode ser implementada em música, movimento, dança ou discurso. Inserir: o musicoterapeuta permanece silencioso e improvisa somente quando o cliente faz pausa, dando a ele responsabilidade primária pela improvisação, enquanto também sugere opções para continuação. Inserir é uma técnica usada para fornecer continuidade à improvisação, transmitir atenção de uma distância segura, e indicar prontidão para fornecer apoio, além de focalizar ou redirecionar a improvisação. Estender: em um contexto musical, o musicoterapeuta aumenta a extensão da frase do cliente. Pode fazê-lo por adição de sons ao fim da frase, ou por adição de uma frase coincidente à do cliente. Esta técnica é usada para ajudar o cliente a expressar uma idéia completa ou sentimento, de dar continuidade à improvisação. Quando a extensão coincide com a frase do cliente, esta técnica pode também servir para sustentar o tocar do cliente. Completar: o musicoterapeuta responde ou completa a pergunta musical apresentada peo cliente. Esta técnica é oposta as de repetir e modelar, no sentido de que, em vez de apresentar a frase antecedente para o cliente responder, o musicoterapeuta espera o cliente apresentar uma frase antecedente, antes de responder com uma frase conseqüente. Completar é uma técnica usada para construir conceitos de forma, e para promover interação com o musicoterapeuta. 5.5. Técnicas de Redireção Introduzir Mudança: o musicoterapeuta tenta redirecionar a improvisação do cliente, introduzindo material temático novo e iniciando uma nova seção na improvisação. Isto é conseguido quando se descontinua o processo musical em vigor, e se fazem mudanças perceptivas no motivo rítmico ou melódico, usados como temas. Quando introduz a mudança, o musicoterapeuta muda figuras rítmicas e tonais. A técnica é musicalmente equivalente a mudar de assunto no discurso verbal – alcança as mesmas coisas, possui os mesmos perigos, e é uma tentativa de contra-atuar a ruminação, seja ela verbal ou musical. 61 Diferenciar: quando improvisa com o cliente, o musicoterapeuta distingue e separa as duas partes pela execução de ritmos, melodias, timbres, dinâmicas, registros, configurações de textura, e assim por diante – que são muito diferentes do que o cliente apresenta, embora compatíveis. O objetivo da técnica é contrastar as duas identidades musicais e estabelecer independência entre os papeis, enquanto mantendo uma relação. Modular: quando improvisa com o cliente, o musicoterapeuta gradualmente muda metros ou tonalidades. O propósito desta técnica é mudar de um estado de humor ou sentimento para outro. Modular é uma técnica sempre efetuada depois que cliente e musicoterapeuta improvisaram no mesmo metro e tonalidade. Intensificar: quando improvisa com o cliente, o musicoterapeuta estimula a música pelo aumento da dinâmica, andamento, tensão rítmica ou melódica (ou ambos). A tensão, em qualquer desses elementos, pode ser sustentada, ou acumulada através de frases de clímax, que são repetidas. A técnica é utilizada para obter atenção do cliente, exercitar e energizar a improvisação do mesmo, propiciar prática do controle de energias e impulsos, e fornecer oportunidades para liberar a tensão de um modo aceitável. Acalmar: quando improvisa com o cliente, o musicoterapeuta “relaxa” a música, pela manutenção da dinâmica e andamento, dentro de uma freqüência moderada, mantendo o ritmo e a melodia simples e repetitivos, e formando as frases no sentido decrescente, para liberar a tensão. Esta técnica é utilizada para induzir o relaxamento, restaurar a ordem emocional e reduzir a ansiedade. Intervir: o musicoterapeuta interrompe ou redireciona fixações, perseveraçoes ou estereótipos que são manifestos na música, movimentos, ações ou verbalizações do cliente. Em contexto musical, síncopes fortes, ritmos atravessados, atrasos de batidas ou rubattos são usados para desestabilizar ou romper o ritmo do cliente; modulações, alterações cromáticas e atonalidade são usadas para desestabilizar respostas tonais ou melódicas; mudanças em instrumentos e técnicas são usadas para desestabilizar estereótipos em sua utilização. 62 5.6. Técnicas de Intimidade Compartilhar instrumentos: o musicoterapeuta e o cliente tocam o mesmo instrumento, seja independentemente ou interdependentemente. O cliente compartilha um instrumento com um colega ou pessoa significativa. Esta técnica é usada para trabalhar questões de limites interpessoais, explorar questões de controle, trazer maior intimidade no relacionamento, desenvolver cooperação e uma relação de trabalho, e estabelecer reciprocidade. Quando partes dos instrumentos são usadas para representar pessoas simbolicamente, esta técnica também fornece uma riqueza de informação sobre as relações do cliente com outros significativos. A técnica pode ser contra-indicada no caso de clientes que sejam extremamente territoriais ou ameaçados por engolfamento. Dar de Presente: o musicoterapeuta apresenta ao cliente um presente, como uma execução musical, um instrumento, uma partitura, uma flor, comida, ou um pertence pessoal. O presente pode ser espontaneamente oferecido pelo terapeuta, ou especificamente requisitado pelo cliente. O presente transmite a mensagem de que o terapeuta se importa com o cliente enquanto também simboliza cuidado. Na terapia improvisacional, o musicoterapeuta muito freqüentemente executa uma improvisação ou improvisa para o prazer auditivo do cliente. Dando sua música ao cliente, o musicoterapeuta o nutre musicalmente, enquanto se mostra a ele. Criar Laços (Bonding): através de atividades de improvisação, o musicoterapeuta e o cliente desenvolvem um tema musical que simboliza, ou se torna associado com a relação terapêutica. A música expressa a natureza única de tal relação e significa muitas das coisas que musicoterapeuta e cliente compartilharam juntos. Esta técnica é usada para estabelecer um laço com o cliente, transmitir aceitação e cuidado, e solidificar sentimentos de confiança no cliente. Solilóquios: o musicoterapeuta improvisa uma canção como se falasse com ele mesmo sobre o cliente. Esta técnica é usada quando o cliente não está pronto para aceitar questões diretas, ou comunicação acerca de um tópico em particular. As letras de um solilóquio geralmente expressam incertezas sobre os sentimentos do cliente, ou transmitem reações que o musicoterapeuta tenha sobre o cliente. 63 5.7. Técnicas de Procedimento Capacitar: o musicoterapeuta dá instruções, demonstrações, assistência física ou aviso técnico ao cliente. Esta técnica é usada para facilitar a participação do cliente na experiência musical, ou terapêutica, estabelecer uma relação de trabalho (aliança) com o cliente, e ajudá-lo a alcançar seus próprios objetivos musicais ou terapêuticos. Trocar (Shifting): o musicoterapeuta troca de uma modalidade expressiva para outra (música, movimento, drama, verbal, arte) ou de um meio para outro, dentro da modalidade (voz, instrumentos, sons corporais). A troca é utilizada para facilitar a expressão do cliente acerca de sentimentos difíceis, trazer maior profundidade emocional à expressão do cliente, ajudá-lo a consolidar ou mobilizar seus sentimentos, e contra-atuar o uso que o cliente faz de uma modalidade, ou meio, como forma de resistência. Pausa: o musicoterapeuta faz o cliente descansar, permanecendo assim suspenso, durante uma improvisação, até que seja sinalizado para prosseguir. Durante a pausa, o cliente tem a oportunidade de armazenar os eventos do passado e presente, enquanto antevê o futuro. Esta técnica é usada para promover auto-consciência, revisar objetivos, acessar o progresso, definir e reconsiderar opções para continuação. Recuar: após desempenhar um papel proeminente na improvisação, o musicoterapeuta recua e permite ao cliente dirigir a improvisação. Isso pode envolver a descontinuidade de um processo musical, ou técnica, renunciar um papel musical, esperar o cliente liderar, seguir o que quer que o cliente faça, ou parar junto por breves períodos. O recuo é usado para dar responsabilidade ao cliente pelo que acontecer ou permitir a ele projetar-se na música, sem ser influenciado pelo muicoterapeuta. Experimentar: em um contexto musical, ou do movimento, o musicoterapeuta apresenta uma estrutura, procedimento, ou idéia para guiar a improvisação do cliente, e pede para este que os experimente, com todas as suas possibilidades expressivas. Experimentar é uma técnica utilizada para ajudar o cliente a identificar e testar várias alternativas ou escolhas, promover a criatividade, remover bloqueios no pensamento do cliente, explorar os efeitos de vários tipos de estrutura, e promover a liberdade com responsabilidade. Conduzir: a improvisação é dirigida por uma pessoa, através de gestos expressivos, símbolos musicais, mensagens verbais, ou outros sistemas de sinais. Aquele que conduz pode ser o musicoterapeuta ou o cliente. Como tal, a pessoa pode determinar qualquer aspecto, ou todos, 64 da improvisação, incluindo tanto os elementos musicais (ritmos, melodias, acordes) quanto os interpessoais (quem toca, qual parte, quando). A técnica é utilizada para fornecer oportunidades de aprendizado dos papéis de liderar e de seguir, desenvolver a auto-confiança e a coesão grupal. Ensaiar: o musicoterapeuta faz o cliente (ou grupo) praticar uma parte, ou a totalidade de uma improvisação. Esta técnica é utilizada para ajudar o cliente a dominar um aspecto particular do meio ou da improvisação, ou preparar-se para demonstrar uma execução. Desenvolve o orgulho pelo trabalho que se faz, encoraja a perseverança e a disciplina, e adquire auto-controle. Nos grupos, ensaiar também promove a coesão e domínio do papel. Executar: o musicoterapeuta leva o cliente a executar uma improvisação, que foi trabalhada e ensaiada. A técnica é utilizada para objetivar o processo de improvisar, fornecer um produto para os esforços do cliente, e fornecer oportunidades para o auto-monitoramento. Reproduzir (Playback): o musicoterapeuta grava a improvisação do cliente (ou grupo) e a toca de volta, imediatamente após, um tempo depois. Esta técnica é utilizada para romover autoconsciência, estimular o desenvolvimento de uma identidade, e desenvolver habilidades na auto-reflexão. Relatar: esta técnica pode ser utilizada imediatamente após uma improvisação, durante ou após o playback. O musicoterapeuta pede que o cliente relate vários aspectos da experiência de improvisação, incluindo o que realmente teve lugar musicalmente, e quaisquer pensamentos, ou sentimentos, que o cliente teve, em diferentes pontos, na improvisação. Esta técnica é usada para favorecer a autoconsciência, e para coletar informações que sejam importantes para a interpretação. Reagir: esta técnica pode ser usada imediatamente depois de uma improvisação, durante ou depois de um playback. O musicoterapeuta pede que o cliente reaja à improvisação em si. As reações podem incluir o que o cliente gosta ou não, ou como ele avalia a improvisação esteticamente. Esta técnica é utilizada para obter informação sobre a auto-imagem do cliente, clarificar atitudes e sentimentos em relação a quaisquer referências programáticas e estabelecer sentimentos positivos em relação ao self. Estabelecer Analogia: após a cliente terminar de improvisar, durante ou depois de um playback, o musicoterapeuta pede para que ele cite uma situação da vida real que seja análoga à improvisação. Esta técnica é utilizada para fazer conexões entre a música do cliente e sua 65 experiência de vida, estimular a verbalização sobre crenças pessoais e ajudar o cliente a usar a música como um meio de explorar e projetar idéias. 5.8. Técnicas Referenciais Parear: o musicoterapeuta associa motivos musicais improvisados a respostas de comportamento do cliente. Cada motivo é pareado com uma resposta particular e tocado toda vez que o cliente emite a resposta. Esta técnica é usada para transmitir a disponibilidade do musicoterapeuta, e vontade de acompanhar do cliente, para estabelecer um meio de interagir e se comunicar com o cliente e obter rapport. Simbolizar: o musicoterapeuta faz o cliente associar algo musical com algo não-musical, ou vice-versa. Uma vez que a associação é feita, a entidade musical é usada simbolicamente em uma improvisação para representar, sinalizar, ou se referir à entidade não-musical. Esta técnica é utilizada para encorajar a exploração da identidade musical, explorar os sentimentos do cliente sobre a entidade não-musical e encorajar o cliente a projetar sentimentos pessoais e experiências na música. Também acessa material inconsciente. Recoletar: o cliente imagina eventos ou situações, lembra de como eles soam e, então, reproduz os sons através da improvisação. O cliente pode imaginar um jantar no feriado, em casa, e como isso soa, e então reproduz as várias vozes e sons. Esta técnica é usada para sensibilizar o cliente a como os sons são associados a eventos, pessoas, situações, sentimentos, e preparar o cliente para tipos mais abstratos de improvisação referencial. Pode também ser usada para acessar material inconsciente associado com os sons, na vida passada ou presente do cliente, e para revelar sua história sonora. Livre Associação: o musicoterapeuta improvisa música para evocar imagens, recordações e associações por parte do cliente. O cliente relata verbalmente suas livres associações, seja durante ou depois da improvisação. Ou o cliente escuta sua própria improvisação e relata o que quer que venha à mente. Esta técnica é utilizada para preparar o cliente para improvisações referenciais, enquanto também explora material inconsciente. Projetar: o musicoterapeuta leva o cliente a improvisar um trecho de música que descreva uma situação, sentimento, problema, na vida eral, que necessite de investigação terapêutica. O musicoterapeuta ou o cliente podem selecionar o tema. Esta técnica é usada para explorar 66 aspectos inconscientes e conscientes do tema, facilitar a expressão e liberar sentimentos problemáticos, trazer maiores percepções e insigts. Fantasiar: o musicoterapeuta faz o cliente improvisar música para uma fantasia, sonho estória ou mito. A improvisação do cliente serve para ancorar o mundo imaginário ao mundo da realidade sensorial. Esta técnica é utilizada para acessar material inconsciente e externalizar o material em formas que possam ser analisadas e compreendidas. Contar Estória: o musicoterapeuta improvisa segmentos de música e o cliente cria uma estória para eles. Esta técnica é utilizada para extrair material autobiográfico do cliente, encorajar a projeção, na estória, de sentimentos recalcados, e distribuir sentimentos irracionais em uma seqüência lógica de causa-efeito. 5.9. Técnicas de Exploração Emocional Holding: à medida que o cliente improvisa (geralmente com um título ou emoção como tema), o musicoterapeuta fornece um fundo musical ou acompanhamento que reverbere os sentimentos do cliente, enquanto também oferece uma estrutura musical para conter sua liberação. Holding é uma técnica usada para encorajar a completa expressão de sentimentos difíceis, enquanto também assegura, ao cliente, que esses sentimentos podem ser liberados em um modo não ameaçador. Também pode ser utilizada para transmitir o apoio e compreensão do musicoterapeuta, enquanto desenvolvem-se insights empáticos posteriores. Copiar Duplicando (Doubling): o musicoterapeuta expressa sentimentos que o cliente não esteja capaz de admitir ou expressar completamente. Esta técnica pode ser unimodal ou tranmodal. O copiar pode somente ser efetuado pelo musicoterapeuta, ou por um grupo sob a direção do mesmo. Em um contexto musical, o musicoterapeuta pode copiar os sentimetos latentes na música do cliente (unimodal), dramatizações (transmodal), movimentos (transmodal) e verbalizações (transmodal). Esta técnica é usada para trazer sentimentos reprimidos àconsciência do cliente, para estimular sua completa expressão, facilitar a liberação catártica e ajudar o cliente a reconhecer e aceitar seus próprios sentimentos. Contrastar: o musicoterapeuta leva o cliente a explorar qualidades ou sentimentos contrastantes, através da improvisação musical, de movimento ou dramática. Na exploração dos contrastes, o musicoterapeuta pode levar o cliente para dentro deles, através de sua própria música, movimento ou papel, ou simplesmente dar as instruções verbais necessárias para 67 encontrá-los. O cliente pode improvisar só ou acompanhado do musicoterapeuta. A técnica de contrastar é utilizada para aumentar o espectro de expressão do cliente, modelar a liberdade expressiva, separar e definir sentimentos e suas qualidades de expressão e preparar para separar incongruências nas emoções do cliente. É útil para a construção de conceitos de forma musical. Fazer Transições: o musicoterapeuta leva o cliente a descobrir como fazer transições suaves ou graduais, de uma qualidade ou sentimento contrastante para outro, ou de uma idéia, evento, ou tema, para outro. Integrar: o musicoterapeuta integra elementos conflitivos, ou incongruentes dentro da experiência do cliente, relacionamento terapeuta-cliente, ou grupo. A integração pode ser efetuada através de improvisação musical, de movimento, dramática ou discussão verbal. Geralmente envolve encontrar um denominador comum que vai unificar ou ligar, juntos, os elementos conflituais em um todo concordante. Seqüenciar: o musicoterapeuta ajuda o cliente a encontrar uma seqüência significativa para as seções de improvisação, eventos de uma estória, ou informação autobiográfica. Embora possa ser implementada não-verbalmente, é mais fácil executá-la verbalmente.esta técnica é utilizada quando o cliente necessita experienciar continuidade ou perceber relações de causaefeito. Cisão (Splitting): o musicoterapeuta e o cliente exploram cisões ou polaridades na experiência de self do cliente. A cisão pode abranger idéias contraditórias sentimentos incongruentes, tendências conflitivas, em movimento ou musicais, ou papéis incompatíveis. O musicoterapeuta improvisa uma parte do self do cliente, enquanto este improvisa a outra. As partes são exploradas simultaneamente, uma vez que coexistem e se conflituam, uma com a outra no interior do cliente. A técnica é utilizada para trazer aspectos do self à consciência, promover percepção e insight sobre como as partes conflitantes são relacionadas e não-relacionadas, e preparar o cliente para integrar aspectos conflitantes do self. Transferir: através de improvisação em duetos com o musicoterapeuta ou colega, o cliente explora uma relação significativa em sua vida. A improvisação geralmente focaliza uma interação particular, ou padrão de interação. A técnica é usada para obter informação autobiográfica, para descobrir tendências de interação do cliente, promover percepção do papel deste na relação, revelar projeções do cliente em outra pessoa, e explorar possíveis áreas de crescimento no relacionamento. 68 Tomada de Papel: o musicoterapeuta faz o cliente tentar diferentes papéis dentro de uma improvisação, ou atividade musical. Esta técnica lida com papéis específicos à improvisação. Em música, tais papéis podem incluir: figura-fundo, solo-acompanhamento, líder-seguidor, partes instrumentais, partes vocais, soprano-baixo, personagens em uma estória. O cliente pode trocar papéis dentro de uma improvisação, ou de uma atividade para outra. Esta técnica é utilizada para desenvolver habilidades envolvidas em cada papel, promover flexibilidade de papéis e desenvolver habilidades sociais. Ancorar: quando o cliente tem uma experiência significativa em terapia, o terapeuta faz algo para ancorar a experiência na memória do cliente. Isso pode envolver associar a experiência com algo que seja facilmente lembrado (conectar a experiências sensório-motoras, eventos memoráveis, sentimentos fortes), recolocar a experiência em outra modalidade ou meio (ajustar uma improvisação de dança à música), ou colocar a experiência em uma forma ou objeto externalizado, concreto (gravação, desenho, poema). Ancorar capacita o cliente a reter o que foi apresentado em terapia, e generalizar para outras situações fora da terapia. 5.10. Técnicas de Discussão Conectar: o musicoterapeuta verbaliza, ou pede ao cliente que verbalize, como um aspecto da discussão em vigor, acompanhado ou não de improvisação, se relaciona com outro. As principais conexões a serem feitas, na terapia improvisacional, são: entre vários elementos na música do cliente, entre várias afirmações do cliente (na sessão e entre sessões), entre a música do cliente e seus sentimentos, entre vários sentimentos, entre pensamentos e sentimentos, entre o cliente e outra pessoa, entre o cliente e a música do musicoterapeuta, entre o cliente e o musicoterapeuta, e assim por diante. Conectar ajuda o cliente a clarificar sua própria experiência, enquanto também ajuda o musicoterapeuta a interpretá-la. É ainda um meio muito sutil de confrontar o cliente. Pelo fato de relatar aspectos da experiência do cliente que não tinham sido relacionados antes, o musicoterapeuta o leva a ter uma percepção e insight próprios. Sondar: o musicoterapeuta faz perguntas, ou faz afirmações elaboradas para extrair informações sobre o cliente. Esta técnica deve ser usada com sensibilidade e parcimônia. O cliente deve sentir-se confortável o suficiente para se revelar, sem muito incitamento. 69 Clarificar: o musicoterapeuta faz perguntas ou afirmações elaboradas para clarificar, ou verificar informação já fornecida pelo cliente. Uma vez que extrair nova informação é bem diferente de clarificar o que já foi dado, esta técnica é diferente da de sondar. Porém novamente a técnica deve ser usada com parcimônia e com sensibilidade, pois do contrário, o cliente pode supor que o musicoterapeuta não o está ouvindo, ou é incapaz de entender o que ele tem a dizer. A técnica de clarificar não deve tampouco interromper o fluxo de pensamentos do cliente, ou evitá-lo de fazer suas próprias clarificações. Resumir: o musicoterapeuta revê uma discussão, improvisação, ou sessão de terapia, e recapitula eventos ou idéias principais. A técnica é particularmente útil quando o cliente fala longos períodos, ou quando revelou uma grande quantidade de informação, sendo necessário um resumo conciso para lembrar os principais pontos. Esta técnica é utilizada também para trazer fechamento, conectar finais e consolidar a experiência. Feedback: o musicoterapeuta verbaliza como o cliente, ou grupo parece ser, soar, ou estar para uma terceira parte objetiva, ou observador. As interpretações não estão incluídas no feedback. Esta técnica é usada para desenvolver a autoconsciência e a auto-reflexão. Interpretar: o musicoterapeuta oferece explicações, ou significados possíveis, à experiência do cliente. Esta técnica é usada para dar, ao cliente, insight sobre si próprio, modelar a auto-análise e treinar o cliente em fazer suas próprias interpretações. Metaprocessar: o musicoterapeuta faz o cliente mudar para um nível de consciência que o capacite observar e reagir ao que está acontecendo. Por exemplo, enquanto o cliente está improvisando, o musicoterapeuta pode pedir-lhe que escute ou observe o que está fazendo. Ou, enquanto o cliente está descrevendo um sentimento, o musicoterapeuta pede que ele descreva como é estar tendo aquele sentimento. Em um grupo, o musicoterapeuta pode perguntar: “onde está o grupo agora?”. Em termos existenciais, esta técnica remove o cliente de um modo espontâneo de consciência para um de reflexão. Reforçar: o musicoterapeuta recompensa o cliente, ou retira uma recompensa, de modo a aumentar ou diminuir um comportamento ou qualidade em particular. Confrontar: o musicoterapeuta desafia as respostas do cliente. Em um contexto verbal, isso pode consistir em informar o cliente sobre discrepâncias em seus comportamentos, verbalizações, sentimentos, improvisações, ou entre eles. Em um contexto musical, isso pode 70 consistir em criar dissonância, ou tensão que desafie o cliente a modificar, de algum modo, sua resposta vigente. Esta técnica é usada para trazer insight ao cliente e para motivar mudança. Revelar: o musicoterapeuta revela algo sobre si ao cliente ou grupo, que se relacione diretamente a uma questão do cliente. Esta técnica é usada somente quando a auto-revelação vai facilitar o processo terapêutico. Além das técnicas de improvisação, o musicoterapeuta pode observar e analisar o comportamento do paciente de acordo com os perfis de improvisação de Bruscia16, que darão pistas de como o paciente se comporta em vários aspectos de sua vida. Neste método de análise, as improvisações do cliente são analisadas musicalmente de acordo com seis perfis (integração, variabilidade, tensão, congruência, saliência e autonomia) os quais cada um focaliza um processo musical particular. SMITH, M. – Preparo do setting musicoterápico para início de sessão. I álbum (08 fot.): color, 10,0x7,5cm. 16 In BRUSCIA, Kenneth E. Modelos de Improsisación em Musicoterapia, Vitória-Gasteiz, Agruparte, 1999. 71 A análise do musicoterapeuta se concentra nos elementos musicais – fraseado, volume, timbre, textura musical e programas (histórias, letras, imagens). Tais elementos direcionam o olhar do musicoterapeuta para quem é aquele indivíduo e como ele se sente em relação a si mesmo, ao Outro e ao mundo que o cerca. Cada mudança no contexto musical do paciente indica mudanças no seu mundo interno e no modo de lidar com as circunstâncias que a vida apresenta. 72 6. A IMPROVISAÇÃO MUSICAL DO MUSICOTERAPEUTA O musicoterapeuta improvisa musicalmente em qualquer uma das técnicas anteriormente citadas, e faz-se necessário, para que tenha êxito em suas improvisações e criações, aprimorar sua educação artística, principalmente no que se refere ao fazer musical. A música é um fenômeno físico, acordes, freqüências, timbres, pulsações, dinâmica, pergunta, resposta – tudo está dentro da música. Os fenômenos que ocorrem durante o acontecer terapêutico podem dar-se a nível musical, conforme está descrito em Transferência, Contratransferência e Resistência, de Lia Rejane Mendes Barcellos. A música é a terceira parte constituinte da relação terapêutica, pois a relação transferencial se desenvolve tão logo o musicoterapeuta tenha a primeira interação musical com o cliente. Em musicoterapia há uma oportunidade única para o musicoterapeuta usar a sua contratransferência musical como um espelho e como uma chave para entender a dinâmica do inconsciente e do pré-consciente do cliente. O fato de a contratransferência do musicoterapeuta ser audível para ambos, musicoterapeuta e cliente, no momento da criação, torna isto uma importante ferramenta de trabalho no processo terapêutico. Quando usada positivamente, a contratransferência musical pode nos propiciar um meio efetivo de receptividade, compreensão e possibilidade de resposta às partes escondidas do cliente. Intencionalmente utilizo os termos transferência e contratransferência musical porque o fenômeno carrega uma presença e um significado diferentes do que em psicoterapia sem música. O fenômeno torna-se vivo como uma Gestalt artística, com uma roupagem musical. Isto pode ser vivenciado, ouvido e aceito com uma atitude diferente porque tem um componente estético audível. (BARCELLOS p.27,1999). A autora considera a contratransferência musical como sendo padrões sonoros que refletem tanto as reações inconscientes e pré-conscientes do musicoterapeuta, para o cliente, quanto à transferência do cliente. A resistência tem duas abordagens em musicoterapia. Análogo ao conceito musical de dissonância, pode-se considerar a resistência como uma união inadequada ou “mau casamento”entre musicoterapeuta e cliente ao invés de pensar-se que o cliente esteja adverso às intenções do musicoterapeuta. 73 Márcia Cirigliano ilustra a contratransferência com a canção-âncora. A canção-âncora é primariamente uma canção trazida pelo musicoterapeuta, no contexto do atendimento. A canção surge, sem que este se aperceba conscientemente, em situações clínicas nas quais, movido pela contratransferência, o musicoterapeuta se depara com dificuldades de interagir com seu cliente. A canção-âncora auxilia o musicoterpeuta a sair do estado “paralisado” em que se encontra, dando prosseguimento à sessão. Posteriormente possibilita, ao profissional, mediante reflexão, utilizá-la como um recurso que o instrumenta buscar interação, quando exposto a situações musicoterápicas de impasse. (CIRIGLIANO, M. – Revista Brasileira de Musicoterapia, Ano IX, no.7, 2004). 6.1. Sonata para o Musicoterapeuta A musicoterapia pode ser comparada a uma sonata. A sonata é uma obra com vários movimentos para um ou mais instrumentos. É caracterizada por exposição de um tema, desenvolvimento e re-exposição do tema. Na exposição, o compositor expõe suas idéias – há dois temas, cada um dos quais pode ser formado de várias idéias musicais; o primeiro tema é apresentado no tom da Tonica (I grau) e o segundo tema se desenvolve a partir de uma modulação. No desenvolvimento o compositor explora as possibilidades musicais das idéias que apresentou na exposição, desenvolvendo climas, conflitos, dramas. Os temas são modulados com variação melódica e mudança no ritmo. Na re-exposição o compositor repete, de maneira diferente, as idéias da exposição. A sonata permite uma complexa trama musical: modulações, arpejos, escalas ascendentes e descendentes e coda. O movimento é também diversificado em cada movimento. Fazendo uma analogia entre a forma sonata e o movimento dos musicoterapeutas, podemos ressaltar alguns paralelos: Na exposição do tema categoria profissional, precisamos afirmar quem somos, o que podemos fazer, o que sabemos e nossas especificidades: o tema da tônica. Escuto, até hoje, jovens musicoterapeutas agoniados por terem que responder à pergunta “o que é mesmo musicoterapia?” Incômodo suscitado em cada um, pois, ao responder, precisamos reorganizar o que sabemos, que trabalho estamos desenvolvendo, que valores éticos temos aplicado no nosso cotidiano profissional. (...) simultaneamente, temos a certeza de que o uso da música com finalidades terapêuticas é o que nos distingue na equipe de trabalho, no atendimento individual, na luta social. A modulação desse tema, o segundo tema que a sonata apresenta na exposição, é a realidade objetiva que cada profissional impõe a esse questionamento. Ao perguntar sobre o que faço e como realizo o que faço, também indago sobre quem sou e como estabeleço as minhas relações nesse mundo que constituo e que me constitui. (CHAGAS; IX Fórum Estadual de Musicoterapia – AMTRJ). 74 No desenvolvimento dessa sonata, os temas são modulados com variação melódica e mudanças tonais. O desenvolvimento em uma sonata comporta o estabelecimento de diversos climas, conflitos e dramas. Vejamos suas variações a) O musicoterapeuta afetando a realidade: o musicoterapeuta como um estranho. Uma sociedade tem seus próprios mapas nos quais traça o que se encaixa em seus padrões estéticos, cognitivos e morais. A sociedade forma pessoas de “vida ordeira e significativa”. Os musicoterapeutas se inserem em uma sociedade de profissionais de saúde que se inscrevem numa clínica formatada nas práticas médicas. A sociedade do poder médico produz estranhos dentro do seu próprio poder instituído. O estranho musicoterapeuta, trabalhando em hospitais, clínicas, centros de saúde, quebras as expectativas desse sistema, trazendo uma nova lógica ao seu mapa cognitivo, contribuindo com outra estética. Terapeuta e músico, sua própria existência questiona o sistema, trazendo à cena, para pensar a situação clínica, canções, expressões sonoras, ruídos, silêncios terríveis. Em que se transformará o musicoterapeuta?, em amigo? Em inimigo? Saberá lidar dentro dos limites traçados por essa prática? Irá desorganizar, com sua todo o espaço tão duramente organizado pelos saberes tradicionais? O musicoterapeuta, ao quebrar as expectativas ordeiras da sociedade, causa grande mal-estar, e essa é a mais dolorosa e menos tolerável experiência admitida nos limites da sociedade. Sermos confundidos com outros profissionais, não sermos entendidos na nossa prática, estarmos submetidos, sentimos a sensação de não pertencer é muito difícil. Por outro lado, só os que podem trazer a excitante perspectiva de transgredir a ordem social. Temos todos muitas histórias de situações quase mágicas, de comunicações de beleza e suavidade com nosso cliente, nossos colegas e mesmo com as equipes nas quais trabalhamos, e suas músicas, que são inesquecíveis. (CHAGAS, IX Fórum Estadual de Musicoterapia – AMTRJ). A experiência de estranheza levada pelo musicoterapeuta aos lugares que trabalha enriquece a todos. O musicoterapeuta afeta a realidade em que está inserido. 75 a. O musicoterapeuta é afetado pela realidade. O musicoterapeuta, um profissional habilitado a lidar com códigos não-verbais, com o musical, enfrenta os desafios que envolvem a sociedade contemporânea. Trabalhando a um só tempo com parâmetros tão diversos – a emoção e a razão, a música e a clínica, a escuta do outro, a instituição e de si mesmo – é desafiado pelas questões epistemológicas e metodológicas que sua prática suscita. Somos desafiados pela realidade que nos envolve. Convivemos a um só tempo com uma pobreza aviltante e uma riqueza igualmente aviltante. A violência nos cerca encolhendo nossas ações. A solidariedade engrandece nosso cotidiano. Podemos estar em uma clínica cheia de recursos materiais ou em uma comunidade que nem instrumentos possa adquirir, podemos filmar todas as sessões ou não ter tempo nem para registrar os aspectos que consideramos mais importantes da sessão clínica. A realidade e sua exposição de participação para mudanças nos afetam. O outro, o cliente, o colega, a família do cliente, nos afetam. Constituímos a sociedade que nos constitui. ( CHAGAS, IX Fórum de Musicoterapia – AMTRJ). Finalizando a analogia com a sonata, chegamos à re-exposição. Nela, o compositor repete, de maneira diferente, a idéia musical da exposição e o segundo tema tem uma pequena modificação, voltando à tonalidade inicial. O tema é: o que é musicoterapia? A modulação do tema: quem sou como musicoterapeuta? Re-exposição do tema: o musicoterapeuta como um profissional que conquista espaços. Atualmente os musicoterapeutas se empenham na regulamentação da profissão. O tema se ampliou, o musicoterapeuta não está mais sozinho respondendo a todas as perguntas. Somos uma categoria de profissionais. Associações brasileiras são – ou deveriam ser – o ponto de encontro dos musicoterapeutas. Estamos em campanha para a regulamentação profissional. Eis, portanto, a volta do nosso tema e da sua modulação: quem é o musicoterapeuta? O que é musicoterapia? Precisamos contar para o outro nossas histórias, nossas concepções, ações, nossa formação. Precisamos conviver com nossas diferenças. Somos todos musicoterapeutas. As diversas formas de pensar e fazer musicoterapia aparecem e, se quisermos, enriquecem. Preocupados com a mudança de valores, estamos nos engajando em situações que envolvem a saúde coletiva. As percepções da expressão criadora, a expressão artística ou mesmo da comunicação através de símbolos musicais para podem contribuir para a análise e a intervenção eficaz nas comunidades locais. 76 A diferença nunca esteve tão presente. Suportaremos isso? Estaremos empenhados em conhecer outros pensamentos, formas de trabalhar, especificidades humanas? Estaremos aprofundando nosso conhecimento conservando-nos, como categoria, abertos ao outro? Conseguiremos nos apropriar da música e da terapia e, simultaneamente, abrir mão de certezas? Conseguiremos nos configurar como uma grande rede feita de nós constituído de conhecimentos, tecnologia, graduados, especialistas, clientes e outros profissionais? Nossa rede comportará essa diversidade de nós e tramas de interligações múltiplas? A coda é uma sessão de encerramento extra. A minha coda, nesta interpretação da sonata, expõe a esperança de conseguirmos tolerar a diferença. Diferença entre nós e os outros diferentes-iguais a nós, entre nós e o outro igualdiferente de nós. Recorro a Latour (1996), para quem qualquer relação de cura é uma fabricação da subjetividade, uma dobra no tempo e no espaço subjetivo, cuja potência da metamorfose se faz com violência e intensidade. Ser musicoterapeuta é estar permanentemente exposto a contrastes: razão e emoção, música e terapia, o eu e o outro. Barreiras tênues entre o possível e o impossível, o trágico e a leveza, a escolha e o destino, a vida, a morte. (CHAGAS, IX Fórum de Musicoterapia – AMTRJ). Conforme as palavras da musicoterapeuta Marly Chagas, assim é o ser musicoterapeuta: as diferenças, os contrastes. Que consigamos suportá-los, para que possamos ajudar o paciente em suas próprias contrariedades. COVIZZI, I. – Montagem de setting musicoterápico. Clínica de Musicoterapia, 2007. 77 A Música, O Músico e O Musicoterapeuta: Convergências e Divergências Trabalhar com música é comum em atividades profissionais diversas, tais como diretores e produtores musicais, compositores, educadores, produtores de filmes e musicoterapeutas. Podemos ter claro que somos musicoterapeutas e que utilizamos recursos técnicos empregados na musicoterapia, mesmo quando estivermos trabalhando em outras situações que não comportem uma abordagem estritamente clínica. A música não tem a mesma significação para o músico e o musicoterapeuta. Para o musicoterapeuta analítico, a música passa a ser um “objeto perdido” do qual se pode retornar a lógica significante do paciente, é um objeto gerador de ressonâncias, subjetividade. Para o paciente, a música reveste um fenômeno de projeção, às vezes, de construção, para o musicoterapeuta, um fenômeno a escutar. (GONÇALVES, apud. PELIZZARI, 1993, p.39). A linha proximal que há entre músico e musicoterapeuta é demasiadamente tênue, porém a diferença está no modo com que o musicoterapeuta observa o enfermo e tenta compreendê-lo. A preocupação do músico é executar uma obra. O músico não terá intenção que um musicoterapeuta possui em analisar uma música, atenção para a canção que o paciente e sua família se expõem, e alguns elementos, tais como: se houve alteração da letra original do ritmo, da melodia; se é um canal para pedir perdão, para exprimir a angústia, para afirmar o amor. 6.2. Música, Educação Musical e Musicoterapia: uma trajetória.. A musicoterapeuta Esther Nisenbaum, em Prática da Musicoterapia, conta como foi sua trajetória profissional. Fascinada por música desde criança, estudou teoria e piano, e aos onze anos já transmitia seus conhecimentos musicais a outras crianças. Formou-se em Direto, mas sentia-se deslocada na profissão de advogada. Foi psicanalisada por cinco anos, para assumir sua real vocação: a atividade musical. Assim, iniciaram-se os primeiros contatos com a Musicoterapia. Entretanto, a autora afirma que a sua passagem, de educadora musical para musicoterapeuta foi um processo difícil. “Antes de ingressar no Curso de Formação de Musicoterapeutas do Conservatório Brasileiro de Música, havia estudado dois anos de Musicoterapia em um Curso que fora extinto antes mesmo de terminar..Mas venceram a persistência, a vontade e, naturalmente, a eficiência do ensino. Posso afirmar que o Curso de Formação de Musicoterapeutas do Conservatório Brasileiro de Música foi, 78 para mim, uma grande experiência de crescimento. Quanto a minha vivência de educadora musical, vejo na Musicoterapia uma confirmação do que já vinha fazendo há anos, assim como o acréscimo de novos objetivos (terapêuticos) ao meu trabalho como um todo. Explicando melhor: a Musicoterapia é uma atividade compatível com a educação musical, desde que respeitada uma série de premissas. Por exemplo dever-se-á ter uma nova visão da pedagogia musical, que tenha por objetivos não o perfeccionismo musical (e para tanto os métodos tradicionais são reconhecidamente repressores e muitas vezes castradores), mas sim o desenvolvimento global da personalidade e da qualidade de vida do ser humano. Além disso, se considerarmos as diversas atividades musicais e suas características mais importantes podemos embasar melhor esse ponto de vista. Tomemos, a título de ilustração, a recreação musical, aprendizagem de instrumentos, arte, dança (corpo e movimento) e Musicoterapia. Todas utilizam música. Todas podem vir a ser terapêuticas. Uma delas, porém tem objetivos terapêuticos – a Musicoterapia.”(Prática da Musicoterapia, pg. 16-17). Deste modo, a formação de musicoterapeuta veio confirmar, conforme a expressão da autora, a “educadora terapeuta” em potencial que, somente através da formação, poderia exercer com segurança a atividade musicoterápica. Portanto, ser musicoterapeuta não implicou uma perda, mas sim um desenvolvimento, na busca de resposta aos desafios de uma sociedade onde a comunicação verbal se torna cada vez mais difícil. Uma das tradições mais antigas e dignas, a aula de música tem exercido uma ação formativa sobre a conduta criativa de crianças e jovens. Porém lições musicais no Egito eram privilégio às damas da corte.Na primitiva era cristã a especialização musical se dividiu em duas partes – uma formava músicos com conhecimentos gerais de arte, e outra, o cantor executante de obras musicais. A musicoterapia é uma forma de educação que combina ambas as especialidades, esforçando-se para suprir as carências de um determinado grupo de pessoas. Os estudantes que um musicoterapeuta ou um professor deve formar musicalmente pertencem a um grupo com muitas desvantagens, conhecidos como deficientes mentais ou indivíduos com problemas emocionais (GASTON, p. 333) A diferença entre êxito e fracasso, seja em uma aula de música, seja em um atendimento musicoterápico, se deve a como o professor de música ou o musicoterapeuta escutam, sua atenção e concentração. Na relação com seu aluno ou paciente, o professor ou musicoterapeuta contempla seu aluno ou paciente, tal qual o faria com um filho (OSTWALD, 1968). Ser ouvido é uma das experiências mais gratificantes que um ser humano pode ter. Assim como expressamos primeiramente nossas necessidades – alimento, aconchego, calor, proteção e segurança – a mãe que percebe os sinais sonoros de seu filho dá ao bebê um sentimento de prazer 79 e alegria. Se os desejos são frustrados pela falha na comunicação, o bebê atemoriza-se, entristecese e vem a ansiedade. (OSTWALD, apud. SPITZ, 1965). Tais emoções, positivas ou negativas, podem vir à tona no contexto da aula de música, constituindo uma espécie de experiência imunizadora para um estudante que se prepara para ir para o mundo e nele atuar. Os estudantes e pacientes de professores musicoterapeutas foram, com muita freqüência, feridos e/ou frustrados na sua vida de relação, vindo na forma de transferência. Jornal da Tarde, 23/11/2006, In: www.lourencocastanho.com.br (acessado em 25/09/2007). 80 6.3. Os liames entre educação e terapia Saber curar não é sinônimo de terapia. A terapia exige um trabalho ativo, um forte empenho em ajudar o paciente. Um professor de música comunica a habilidade técnica de sua arte. Alguns demonstram sua destreza com uma demonstração simples, outros sabem como se toca um instrumento e como podem se comunicar através deste. E é desta comunicação que o musicoterapeuta parte para entrar em contato com o paciente. O educador educa para a saúde – física, social, mental e emocional de seu aluno; o terapeuta cuida da saúde física, mental e/ou emocional do seu paciente, educando-o para que, posteriormente, possa cuidar de si mesmo. Conforme a conclusão de OTSWALD (1963): Tratamos de comparar, com este breve ensaio, o trabalho do professor de música como aquele que ouve, como um guia, como preceptor e como médico. Todas estas funções fazem parte da musicoterapia, que consiste no ensino musical aos que estão emocionais ou mentalmente perturbados. A aula de música é uma antiga e nobre forma de educação humana, um marco da civilização. Comunica o verdadeiro impulso da tradição da expressão musical, que se encontra entre a expressão direta da emoção e a sublimação simbólica da mesma. Voltando à metodologia proposta por Koellreutter, o autor defende que o processo de formação musical com base no fazer e na análise crítica, cuida de respeitar o nível de percepção e consciência de cada aluno.Conforme afirma o referido autor, o professor não ensina nada, ele conscientiza (grifo meu). Sabemos que o ser humano se envolve com o mundo que observa à medida que influencia as propriedades dos processos que analisa. É da qualidade e do grau de conscientização de cada um que depende a nossa imagem e, principalmente, o nosso relacionamento com o espaço e o tempo.(...) Não devemos esquecer que, na música, todos os elementos são, sem exceção, elementos de ordem temporal: o som e sua altura, como fenômeno acústico que consiste na propagação de ondas sonoras, produzidas por um corpo que vibra (...).(BRITO, p.48, apud. KOELLREUTTER). A musicoterapia procura a reintegração do indivíduo consigo próprio e com a sociedade, e para isso o paciente deve conscientizar-se daquilo que é, daquilo que o cerca e também acerca do seu relacionamento com o outro. A metodologia proposta por Koellreuter vai de encontro aos objetivos de um musicoterapeuta: conscientizar seu paciente, respeitando seu nível de percepção. 81 O que Koellreutter denomina “educação musical funcional” – isto é, aquela voltada às necessidades da sociedade, do indivíduo, em “tempo real”, atual, e não fundamentada em objetivos, valores, princípios e conteúdos que remetem a épocas passadas – onde viviam outros seres humanos, com características próprias – este é o trabalho do musicoterapeuta: a música voltada para as necessidades do indivíduo em tempo real, de acordo com suas características e necessidades. Se há algum objetivo, constitui no desenvolvimento global das capacidades humanas. Os liames entre musicoterapia e educação musical podem ser questionados, conforme a afirmação de RUUD (1990): (...) Em outras palavras: muitas atividades realizadas pelo musicoterapeuta poderiam ser exercidas pelos pais, pelo professor ou educador musical. Isto mais uma vez significa que existe um aspecto cultural, em vez de médico, na utilização da música , e que a própria musicoterapia poderia promover como uma alternativa ou um acréscimo ao número crescente de musicoterapeutas profissionais. Sabemos que os musicoterapeutas não estão entre os primeiros a considerar a influência benéfica da música. O conceito de uma força terapêutica contida na música tem prevalecido na estética e educação musical desde a Grécia antiga. Ao se criar “a ciência da musicoterapia”, junto com a “profissão de musicoterapeuta”, ocorre uma semelhança com a questão do papel geral e o valor da música, bem como a indústria musical. A seguinte questão pode ser formulada por diversas vezes: qual a natureza da música que pode propiciar tamanha variedade de préstimos?17 Com o intuito de procurar uma reposta na musicoterapia contemporânea, é preciso que nos debrucemos sobre os diferentes modelos e métodos musicoterápicos, a fim de pesquisar seus conceitos básicos de música. A música como estímulo descriminativo leva em consideração a natureza daquela música, suas características, tais como a freqüência (altura), amplitude (intensidade), complexidade (timbre), organizados em relações temporais e espaciais. 17 RUUD,E.- Caminhos da musicoterapia, p.87. 82 Se a música for considerada como meio de comunicação, é o caráter lingüístico ou comunicativo da música que está em evidência. Admite-se que a música contenha ou represente emoções que são comunicadas ou transmitidas ao ouvinte. A música como linguagem não-verbal é a que mais enquadra no campo da musicoterapia, uma vez que a música é considerada, freqüentemente, como uma espécie de linguagem emocional, capaz de iluminar a psique, que por motivos diversos, está obscurecida pelo medo de comunicarmos até com nós mesmos. Se a música é uma linguagem emocional, é isso o que o musicoterapeuta irá observar, pois é a partir da expressão emocional do paciente, através da música, é que podemos ajudá-lo a entender o que se passa com ele e com o mundo que o cerca. GAINZA (1988) vê na disfunção musical a evidência da existência de problemas que deveriam ser especialmente solucionados e não simplesmente percebidos. Toda atividade musical é uma atividade projetiva, algo que o indivíduo faz e mediante a qual se mostra; permite, portanto, que o observador treinado observe tanto os aspectos que funcionam bem no indivíduo, como aqueles aspectos mais incompletos ou em conflito, seus bloqueios, suas dificuldades. Esse dado é de fundamental importância para a educação musical porque, a partir daí, o professor poderá organizar sua estratégia, elaborar seu plano de operações. Também é importante para a musicoterapia, sobretudo no que se refere à personalidade e à formação do musicoterapeuta. Basta pensar nas conseqüências negativas que uma suposta musicoterapia exercida por um profissional qual sérios problemas musicais. (...). A atividade musical mostra ou é indicativa de algo. O observador atento detecta, através de sua visão, os traços gerais do comportamento corporal (motricidade fina e grossa); capta, através da audição, a quantidade e qualidade do som produzido; mediante o tato, avalia a de forma direta as tensões e bloqueios corporais; o afeto orienta-o sobre aquilo que o emissor consegue comunicar, e sua mente recebe e avalia o caráter e a coerência das estruturas musicais emitidas. Sendo a música um dos instrumentos indicadores de demandas de alunos ou pacientes, educadores musicais e musicoterapeutas podem traçar planos pedagógicos ou terapêuticos, e esse domínio é parte comum das duas áreas de conhecimento. O que as difere são suas estratégias e seus objetivos. 83 CONCLUSÃO A Musicoterapia visa estabelecer uma relação de ajuda, onde a música, no mais amplo sentido, é objeto estimulador e integrador. A musicoterapia visa ao tratamento global do sujeito, encarando suas funções como parte de um todo não dissociado, onde o indivíduo, assim como a música, possui elementos que constituem partes de um todo (Souza, 1997). A música vincula a capacidade de criar e recriar do indivíduo. Fazemos música para nos escutarmos nela (Souza, 1996). A música é o elo da superfície com a profundidade de nós mesmos. Desta forma, como deveria ser a formação musical do musicoterapeuta? Criação e recriação, a fusão com o próprio instrumento musical-integrador, que faz a ponte entre o músico e o ouvinte, entre o educador musical e seu aluno, entre o musicoterapeuta e o paciente. O musicoterapeuta, portanto, deve fazer música, para escutar a si mesmo, para então poder escutar e auxiliar seu paciente. Deve criar e recriar aspectos de si mesmo, através do fazer musical, para o enriquecimento não só de sua formação profissional, como também da sua construção como indivíduo. O educador educa para a saúde, pode direcionar seu aluno quando vê que este precisa de auxílio, dele ou de outro profissional. Durante o processo terapêutico, o musicoterapeuta auxilia o paciente a encontrar seu caminho, através de erros e acertos, dificuldades e superações, criação e recriação, superfície e profundidade, luz e sombra. O musicoterapeuta deve entrar em contato com a música não só como educando ou educador, mas também em um contexto clínico – como paciente, num grupo (de terapia didática ou não), e também na supervisão, quando serão colocadas em cheque as atuações musicais do musicoterapeuta e seu paciente. A música, num contexto clínico, abrange reações e comportamentos, preferências, impulsos, bloqueios e desejos frente aos diferentes parâmetros e instrumentos musicais, que devem ser percebidos e avaliados pelo musicoterapeuta em sua supervisão. A diferença entre a Musicoterapia e as demais atividades que utilizam música é que a Musicoterapia possui objetivos musicoterápicos – o estabelecimento dos objetivos se faz necessário para a escolha das estratégias terapêuticas para determinado paciente ou grupo. O estabelecimento dos objetivos e as técnicas a serem utilizadas pelo musicoterapeuta irão 84 direcionar o atendimento, ajudando o musicoterapeuta a ter um procedimento técnico-científico. Para alcançar os objetivos terapêuticos relevantes ao processo de individuação de cada paciente, o musicoterapeuta faz uso de atividades musicais. Estas atividades envolvem o fato musical com objetivo de comunicar ou despertar algum conteúdo no paciente, podendo assim o indivíduo atualizar suas potencialidades através do fazer musical ou da comunicação com a música. Tal processo deve ocorrer também com o próprio musicoterapeuta. A música na formação do profissional musicoterapeuta, portanto, começa pela formação musical propriamente dita, passa pelo contato com um determinado instrumento, e se expande para o contexto clínico, o que torna o musicoterapeuta um profissional da saúde, que ouve e se faz ouvir no mundo com a música que habita em cada um de nós. Desta forma, a música – o tocar, cantar e ouvir, são requisitos principais para o musicoterapeuta compreender clinicamente uma situação musical. É nesta compreensão clínica da situação musical que o musicoterapeuta se difere, pois cada mudança no contexto musical do paciente sugere que houve também uma mudança na vida daquele paciente. A evolução musical acompanha o desenvolvimento pessoal do paciente em questão, e fazer essa relação entre música e vida é o que coloca o musicoterapeuta sob uma égide terapêutica. A música, por si só, é terapêutica, mas é o musicoterapeuta que conduz a música para os pontos que devem ser atingidos, a fim de que o paciente possa crescer e ganhar autonomia. É através do vínculo terapêutico, juntamente com a música, que o paciente poderá desenvolver-se. Para que isso ocorra, faz-se necessário o uso de técnicas, e para fazer um bom trabalho, a supervisão é indispensável. Da formação musical básica até a compreensão clínica de uma situação musical, o musicoterapeuta terá entrado em contato com aquilo que ele mesmo observa em seus pacientes: sua evolução musical-pessoal. 85 EPÍLOGO Da mesma forma que iniciei este trabalho com uma história, assim terminá-lo-ei com outra. Com o desejo de encorajar seu jovem filho a progredir no estudo de piano, a mãe levou-o a um concerto de Paderewsky. Após terem se sentado, a mãe reconheceu uma amiga na audiência e caminhou em sua direção. Aproveitando a oportunidade para explorar as maravilhas de uma sala de concertos, o menino se levantou e foi em direção a uma porta, na qual estava escrito: “Não entre”. Quando as luzes da sala começaram a escurecer e o concerto estava para ser iniciado, a mãe retornou a seu assento e descobriu que seu filho havia desaparecido. De repente, as cortinas se abriram e as luzes focalizaram, sobre o palco, o impressionante piano Steinway. Perplexa, a mãe viu o pequeno menino sentado na frente do teclado, inocentemente, tocando algumas notas de uma canção infantil. Neste momento, o grande mestre do piano fez a sua aparição, e rapidamente se dirigiu ao piano, sussurrando nos ouvidos do menino: “Não pare. Continue tocando”. Então, inclinando-se, Paderewsky colocou a mão esquerda sobre o teclado e começou a completar a melodia simples, com a parte do grave. em seguida, a sua mão direita, contornando o outro lado do menino, adicionou um obbligato rápido. Juntos, o velho mestre e o jovem aprendiz transformaram uma situação amedrontadora numa experiência criativa, magnífica. E o público ficou encantado. Qualquer que seja a nossa situação de vida – não importa quão apreensiva, desesperada, aparentemente inútil – qualquer que seja a nossa “noite escura da alma”, Deus sussurra dentro de nosso ser, dizendo: “Não pare. Continue tocando. Você não está só. Juntos vamos transformar estes padrões desconectados numa obra de arte do espírito criativo. Juntos, iremos encantar o mundo com a nossa canção”. 86 REFERÊNCIAS ALMEIDA, T.M. – Quem canta seus males espanta. São Paulo: Editora Caramelo, 1998. BARANOW, A. L. – Musicoterapia, Material Sonoro e Música Contemporânea. Revista Brasileira de Musicoterapia, Ano V, Número 6 – 2002. BARCELLOS, L.R.M. – Musicoterapia: alguns escritos. Rio de Janeiro: Enelivros, 2000. __________________ - Cadernos de Musicoterapia 4. BENENZON, R. – Teoria da musicoterapia. Tradução: Anna Sheila M. Uricoechea. São Paulo: Summus, 1988. BRABO, R.J. – Audição Musical e Respostas a Dilemas Morais. Centro Universitário Municipal de São Caetano do Sul – IMES. Programa de Mestrado em Administração. São Paulo, 2003. BRITO, M – A canção desencadeante. Revista Brasileira de Musicoterapia, Ano IV, Número 5, 2001. BRITO, T.A. - Koellreuter Educador: o humano como objetivo da educação musical. São Paulo: Peirópolis, 2001. 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Não é só um auxiliar na prática profissional; precisamos saber e muito, exatamente o que está acontecendo na MÚSICA para entendermos o que o paciente está expressando ou precisando. Por exemplo, quando numa improvisação, eu, musicoterapeuta, com uma intenção clínica, coloco um determinado som ou acorde...esperando uma resposta. Isso é feito também com o meu conhecimento de teoria musical, com intervalos, acordes, tonalidades, etc, etc... Maria Helena Galicchio, musicoterapeuta, fundou a empresa “Pedro e o Lobo”, que é contratada pelos serviços de Musicoterapia, no Hospital São Lucas. São Paulo, 22 de setembro de 2007. 93 Meu contato com a música, pelo que me lembro, começou muito cedo; sempre tive presenças musicais em casa, seja de músicas do rádio, que fica ligado por um bom período do dia, e às vezes minha mãe dormia com o rádio ligado, principalmente quando meu pai viajava, e nós (eu e meu irmão) dormíamos no quarto com ela. Meu pai era (e é) também músico. Baterista, sempre gostou muito de vários estilos musicais. Desde pequena em casa eu escutava, pelas ondas do rádio, os rocks dos anos 80, principalmente Kid Abelha, Titãs e Paralamas do Sucesso, e ficava cantando essas músicas e inventando coreografias, passos de dança pela sala. Com 11/12 anos comecei a aprender a tocar teclado, depois piano e também violão e, a partir daí, não parei mais. Sentia que queria trabalhar com música para o resto de minha vida. Desde que comecei a tocar um instrumento, a música me moveu e me encheu de vida. Como já tinha contato e estudos na área musical, descobri que existia musicoterapia quando estava no primeiro ano do segundo grau (hoje Ensino Médio). Fiquei bem interessada, corri atrás de mais informações, e de onde poderia se estudar musicoterapia no Brasil. Eu sou gaúcha e morava no RS, então optei por ir fazer o vestibular em Curitiba, na FAP, que seria o lugar mais próximo para mim. Direcionei-me a cursar este curso, ou seja, esta foi a minha opção. Entrei na faculdade em 1997, e em 2000 estava no último ano. A formatura foi no início de 2001.Comecei a trabalhar como musicoterapeuta numa clínica em Curitiba, atendendo principalmente crianças com deficiências (DM e outras síndromes), e também tive um gripo de musicalização e linguagem, chamado “Encantare”, em parceria com uma fonoaudióloga. A partir de 2002 comecei a trabalhar em outro espaço, com musicoterapia, atendendo crianças e adolescentes com dificuldade de aprendizagem e DM. No ano passado comecei a trabalhar com adultos numa clínica musicoterápica, Mas foi em 2002/2003 que iniciei um trabalho de musicoterapia mais voltado para crianças “normais”, ou seja, sem patologias instaladas, em escolas de educação infantil, trabalhando com estimulação essencial (com bebês) e estimulação e prevenção com crianças de 1 até cinco, seis anos. Hoje estudo e fundamento este trabalho nas práticas de “Musicoterapia Centrada na Cultura” e Community Music Therapy, com orientação teórica nos trabalhos do Dr. Brynjulf Stige e Even Ruud. Em 2004 terminei o mestrado em Psicologia, com uma pesquisa neste viés da Musicoterapia junto à Psicologia histórico-cultural de Vygotsky, e no ano passado, 2006, comecei o doutorado em Psicologia na UFSC, na mesma linha teórica de fundamentação. Minhas pesquisas, tanto de mestrado, quanto de doutorado, perfazem um caminho de discussão que aborda temáticas entre musicoterapia (Centrada na 94 Cultura), música e psicologia (histórico-cultural). Também ministrei aulas no curso de graduaão em Musicoterapia da FAP-Curitiba, como professora colaboradora. Estou sempre buscando me aprimorar musicalmente, pois a música é o caminho por onde a musicoterapia acontece. Em suas diversas roupagens sonoras – rítmico, melódicas, harmônicas e também atonais – a música permite vivenciar e experenciar atividades musicais e fazeres musicais por onde acontece e onde acontece a prática musicoterápica. Portanto, minha bagagem musical é fundamental para meu trabalho, articulando esta musicalidade em serviço do outro. Patrícia Wazlawick, musicoterapeuta clínica, doutoranda em Psicologia na UFSC. Enviado à 26 de setembro de 2007. 95 Meu contato com a música iniciou-se quando ainda menina. Por volta dos oito anos fui morar em frente à casa de um tio que tocava acordeon e teclado. Todos os dias eu pedia para meu pai me levar na casa deste meu tio para vê-lo tocar e poder explorar o teclado. Meu desejo por aqueles acordes e melodias aumentavam a cada dia e meu entusiasmo por aprender este instrumento também. Meu pai acabou comprando um teclado e me incentivou a iniciar as aulas. Desde então a música fez parte da minha vida, com muito esforço e, em seis anos de estudo, concluí a formação em teclado. Aos quatorze anos, uma professora de história do ginásio me incentivou a fazer uma prova no Conservatório Dr. Carlos de Campos, de Tatuí. Fui aprovada e fiz aulas de piano, coral e percepção musical, mas a distância dificultou muito a conclusão destes cursos. Voltei a fazer algumas aulas de piano em São Paulo, além de aulas realizadas na própria faculdade – de percepção, expressão vocal e etc...Com o passar dos anos fiz também aulas de violão e voz. Meu interesse pela musicoterapia surgiu quando eu estava no primeiro colegial.eu sabia que minha profissão teria que estar relacionada à música, mas não só música! Daí então li sobre a musicoterapia em um Guia de Estudante e me apaixonei pela idéia de utilizar terapeuticamente os efeitos que a música pode produzir nos seres humanos. Até concluir o colegial, li muito sobre esta profissão e minha ansiedade só aumentava. Aos 17 anos entrei na tão sonhada faculdade e nunca tive dúvidas de que eu estava no caminho certo. Hoje atuo na área da Geriatria e reconheço que minha formação musical iniciada por volta dos oito anos tem grande valor na prática clínica. Tocar um instrumento com segurança, ajudar o paciente a compor, recriar com ele musicalmente e saber relatar sua expressão musical é fundamental para a evolução do processo. Daiane Pazzini Marques, musicoterapeuta, graduada pela FMU, com extensão universitária em Psicogerontologia (COGEAE PUC-SP) e Atualização Universitária em Gerontologia na Faculdade de Medicina –USP. 96 Como foi sua trajetória de vida até chegar na musicoterapia? Comecei a estudar piano aos cinco anos de idade, porque aos três anos comecei a tocar “de ouvido”. Como minha mãe era violinista, também com formação em canto lírico e professora de harmonia, além de mais outra tia e uma prima professoras de piano, foi fácil ser encaminhada ao estudo de música. Meu avo também tocava violão, sem ter estudado, e um tio era saxofonista, sem nunca ter visto uma nota. Então a música sempre esteve presente na sua vida? Sim, a minha vida girou sempre em torno da música. Aos 16 anos fiz um concurso SulRiograndense de piano e não fiquei entre os finalistas. No entanto, a banca, que era constituída pelas conhecidas professoras de piano do Rio de Janeiro: Lucia Branco, Nise Obino e Helena Lorenzo Fernandez, além de Paschoal Carlos Magno. Este, me concedeu uma bolsa de estudos para o Rio de Janeiro. Vim imediatamente para o Rio, onde terminei meus estudos de piano na Academia de Música Lorenzo Fernandez e onde, imediatamente, comecei a estudar composição, contraponto e fuga com a Profa. Joaquina Araújo Campos da hoje Escola de Música da UFRJ. Depois de terminar o curso, passei a estudar em caráter particular com o Prof. Arnaldo Estrella, um dos grandes professores de piano da época, já que a profa. Nise Obino mudara-se para Brasília. Também fiz uma especialização em Educação Musical no Conservatório Brasileiro de Música com Liddy Mignone e Cecília Conde. Este curso exigia um estágio na Sociedade Pestallozzi do Brasil, onde fiquei por quase um ano. Mudei então para Taubaté (São Paulo), onde trabalhei por cinco anos como professora depiano e harmonia na Escola de Música da cidade. Também trabalhei com música numa Escola Especial para Deficientes Mentais. Voltando ao Rio, voltei a estudar piano com o professor Arnaldo Estrella, que dava aulas numa sala cedida pela Mesbla, no andar dos instrumentos. E a Musicoterapia? 97 Bem, eu ainda estudei três anos com o Prof. Estrella, até que num dos dias de aula vi, no salão de instrumentos da Mesbla, a divulgação do Curso de Musicoterapia. Fui ao CBM ver “do que se tratava”, e lá estou até hoje! E da graduação em diante, como foi esse caminho? Paralelamente fiz outros cursos: um mestrado em Musicologia, uma formação no Método Bonny de Imagens Guiadas e Música nos Estados Unidos, com Kenneth Bruscia (por finalizar) e hoje sou doutoranda do Programa de Pós-graduação de Música na UNIRIO. Como musicoterapeuta, trabalhei durante 7 anos ABBR e, depois disto, num consultório particular, onde atendi a diversos tipos de pacientes. E sua atuação junto às entidades de classe? Fui presidente da Associação Brasileira de Musicoterapia (hoje Associação de Musicoterapia do Estado do Rio de Janeiro) por dois mandatos, da Diretoria da Federaçao Mundial de Musicoterapia. Nestes dois mandatos fui coordenadora da Comissão de Prática Clínica. No primeiro deles esta comissão, integrada por membros dos cinco continentes e pelo prof. Marco Antonio Carvalho Santos, do Brasil, elaborou-se a definição de musicoterapia, adotada oficialmente por essa federação. No segundo mandato, também a comissão era constituída por musicoterapeutas dos cinco continentes, e pela musicoterapeuta brasileira Paula Carvalho, e foi feito um levantamento mundial sobre a prática clínica da musicoterapia, em 24 países. E como veio se desenvolvendo a sua carreira acadêmica? Paralelo ao trabalho de musicoterapeuta clínica e do exercício de alguns cargos em instituições profissionais, desenvolvi uma carreira acadêmica que tem como centro o trabalho no CBM onde fui coordenadora da Graduação em Musicoterapia, professora das disciplinas de musicoterapia nos quatro anos do curso e coordenadora da pós-graduação criada em 1993. também fui professora convidada da Universidade Federal de Pelotas e hoje ainda sou professora 98 convidada da Universidade Federal do Espírito Santo; da Universidade Federal do Piauí e da Universidade de Ribeirão Preto – UNAERP. Sou editora da América do Sul do Jornal Virtual de Musicoterapia: http://www.voices.no onde publiquei oito artigos e onde vários musicoterapeutas brasileiros tem também veiculado a sua produção. Tenho artigos publicados no Brasil, Argentina, França, Espanha, Alemanha, Noruega e Estados Unidos. No Brasil, além de artigos, tenho 4 Cadernos de Musicoterapia e dois livros, todos editados ela Enelivros. Em todos esses anos, como você vê o processo de regulamentação profissional? Quais os principais entraves? Tenho acompanhado todos os processos que foram apresentados e, um deles, durante a minha gestão como presidente da Associação, chegou à votação final. Penso que várias são as dificuldades e muitos os entraves que têm impedido essa regulamentação. Quando os primeiros processos foram apresentados havia uam diferença muito grande por são se ter a Internet, que possibilita um acompanhamento mais rápido. Por outro lado, não se tinha dinheiro – o que continua acontecendo – para viagens à Brasília para fazer o lobby necessário e para estar presente nas votações. Mas, além do acompanhamento, é extremamente necessário, para se intervir nos momentos certos, (apresentando apensados e estando disponível para dar as informações que as equipes dos deputados precisam) existem outros aspectos que julgo absolutamente importantes. E, citaria como fundamental, o investimento que cada um de nós, musicoterapeuta brasileiro, faz nesse sentido. E aqui não falo mais de se ter dinheiro para as viagens e para as despesas decorrentes do acompanhamento de um processo desse tipo. Falo do investimento que cada um faz na profissão, na sua associação, naquilo que é pedido pelas pessoas que estão à frente da UBAM, enfim, pela “presença”de cada um de nós nesse investimento. Então, isso seria uma falta de mobilização da categoria? 99 Sinto que tudo é delegado àqueles que representam a instituição maior que é a UBAM, e que muito pouco se ajuda essas pessoas. Ainda tivemos que enfrentar profissionais de outras áreas que, ameaçados, fizeram o que podiam para impedir a nossa regulamentação. Assim, identifico problemas que são difíceis de serem enfrentados mas que não se poderia dizer que são intransponíveis. Mas, há que se investir; é necessário que nos juntemos e que, principalmente, tenhamos uma consciência de classe. Na sua opinião, o que um estudante deve ter em mente quando escolhe essa carreira? Quais são os requisitos básicos, a seu ver, para a formação de um bom profissional musicoterapeuta? Pela experiência que tenho, há exatamente 30 anos como professora do curso de graduação de musicoterapia do CBM, identifico três tipos de aluno de musicoterapia: aqueles que querem ser terapeutas e utilizar a música como ferramenta de trabalho; os que pensam que o curso é uma terapia pessoal através da música e os que vêem o curso como uma forma de desenvolvimento da sensibilidade para exercerem melhor as suas carreiras, seja de músico executante, de compositor, etc. Penso ser difícil dizer o que um estudante deve ter em mente quando procura um curso desse tipo. Vários seriam os aspectos a serem levantados: que, como em toda a formação, deve haver um investimento grande de tempo, de dinheiro e emocional. Que eles estarão a serviço do outro, porque trabalharão com pessoas. Que utilizarão a sua arte não como um fim mas como um meio para exercer a ajuda às pessoas. E, por isto, que deverão investir no estudo não só das patologias, mas também da música, especificidade da musicoterapia. Enfim, que haverá um comprometimento emocional grande e, por isto, deverão passar por um processo de autoconhecimento, ou terapia pessoal, para poderem enfrentar as questões que terão pela frente. Enfim, como é difícil se pensar em algo que muitas vezes não se conhece ou se conhece pouco, essas questões são levantadas dentro do curso para que haja uma conscientização maior desses aspectos, tão importantes na formação de um musicoterapeuta. Entrevista concedida à Ricardo Paes, em maio de 2006. Enviado via e-mail por Lia Rejane M. Barcellos em outubro de 2007. 100 Sou de uma família onde, desde minhas avós, estudava-se piano. Assim, aos quatro anos de idade, iniciei minha trajetória musical. Concluí o curso de piano, fiz a complementação de Educação Musical e parti para o trabalho de professora de Educação Musical em escolas. Fiz formação e especialização em Pedagogia; também fiz cursos de complementação em Música – Regência Coral, Flauta Doce, Impostação de Voz, entre outros, todos no CBM. Quando já trabalhando, tomei conhecimento da Musicoterapia, através de um aluno de nove anos, hiperativo, filho de médicos, que havia feito um tratamento na França de três meses e voltado outro. Achei maravilhoso, mas no Brasil não tínhamos nada ainda. Quando soube do início do curso no CBM, corri para inscrever-me. Daí para frente...tornei-me musicoterapeuta. Quanto à minha trajetória pela Musicoterapia, nos formamos em dezembro de 1975 e, em fevereiro comecei a trabalhar, já como musicoterapeuta, sem, no entanto abandonar minha carreira de professora. Creio que as duas vertentes na música se complementam. Especializei-me em atendimento de reabilitação, tendo trabalhado na ABBR por aproximadamente oito anos, e em escola especial por dez anos. Atualmente sou professora da disciplina de Musicoterapia em Reabilitação do CBM e continuo a fazer atendimentos particulares em Reabilitação e Geriatria. Fiz cursos também na área de Reabilitação, Neurociências, Geriatria e Gerontologia. Quanto à formação musical...Creio que para ser musicoterapeuta há de se ter uma formação musical de base, com conhecimentos de Harmonia e Análise. Há momentos, onde a análise musical é fundamental para esclarecimento dos efeitos da música sobre o outro. Para se fazer uma avaliação de nosso trabalho terapêutico através da utilização da música, é necessário sermos verdadeiros conhecedores de música. Tocar um instrumento é fundamental, mas saber o que estamos tocando, o que estamos construindo musicalmente, e como essa construção penetra no outro, transformando-o, é a base de todo nosso trabalho. Sem conhecimento e prática musical tenho certeza de que fica muito complicado ser musicoterapeuta. Em todos estes anos de trabalho, tenho vivenciado esta verdade, através de meus estagiários. Eneida Ribeiro Soares, musicoterapeuta clínica e professora do CBM. 22 de outubbro de 2007 101 Desde criança o meu contato [com a música] foi muito grande. Minha mãe sempre cantou canções de ninar para os filhos. Ela sempre gostou muito de música. Tinha uma bela voz e durante muitos anos trabalhou regendo corais na Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, além de trabalhar como secretária bilíngüe Português-Inglês. Seu pai, que era alemão, também gostava muito de cantar e tocava vários instrumentos. Infelizmente não conheci meu avô, que faleceu quando minha mãe ainda era criança. Todos na família sempre gostaram de música e meu tio, irmão de meu pai, tocava piano. Nascido no interior de São Paulo, na cidade de Bebedouro, ele tocava tanto na Rádio da Cidade como em bailes, fazendo parte de um conjunto musical. Eu gostava muito de ouvir os chorinhos brasileiros tocados por ele ao piano. Aos domingos, depois do almoço, eu costumava ficar com meu pai ouvindo música erudita. Ouvíamos obras de compositores como Beethoven, Tchaikovsky, Chopin, Schumann, Schubert, Liszt e outros grandes nomes. Ouvíamos também música popular. Aos oito anos comecei a estudar piano com meu tio. Mas, como eu ainda não tinha o meu instrumento, fiquei um pouco desanimada. Somente aos quinze anos ganhei o meu primeiro piano. Desde então comecei a estudar e segui adiante. Concluí meu curso de Piano no Conservatório de Música e Artes de São Paulo. Cursei a Faculdade de Educação Artística, com Habilitação Plena em Música, no Instituto Musical de São Paulo. Lecionei em escolas particulares, estaduais e da prefeitura. Dei também aulas particulares e me dediquei à Iniciação Musical de crianças ensinando flauta doce e piano. Posteriormente também estudei órgão, dedicando-me a ensinar música popular. Dei aulas em domicilio e também em minha casa. Meus alunos participavam de audições no final de ano. Cantei em corais e organizei e dirigi um coral de crianças em atividade na Igreja, ao órgão, para cantar os hinos religiosos. Meu irmão mais novo seguiu carreira como pianista, dando concertos inclusive na Alemanha. Tocava órgão, tendo participado ativamente também das apresentações dos corais da Igreja como organista. Ouvi falar sobre Musicoterapia pela primeira vez nos anos 70, quando estava cursando a Faculdade de Educação Artística. O assunto me interessou muito e fiquei encantada com as amplas possibilidades de utilização no campo da saúde, como profilaxia, assim como na educação. Na época o curso de Musicoterapia estava sendo ministrado no Rio de Janeiro, sob a 102 direção do Dr. Rolando Benenzon. Eu era jovem e meus pais não concordaram com a idéia de que eu me ausentasse de casa para cursar a faculdade. Posteriormente fiquei sabendo que o curso foi ministrado em outros locais aqui em São Paulo, mas eu não tive possibilidade de concretizar esse desejo. Somente muitos anos depois, exatamente no ano 2000, que eu tomei conhecimento do Curso de Especialização em Musicoterapia na FPA, com a duração de dois anos. Freqüentei a faculdade por seis meses e, quando fiquei sabendo do Curso de Graduação na UniFMU, fiz minha opção. Em 2001 estava matriculada no 1o ano de Musicoterapia. Fiz parte da primeira tirma de formandos de 2004. Entreguei meu TCC em 2005, que trata do Processo de Envelhecimento. Além do meu estágio no CIAI – Centro Integrado de Atendimento ao Idoso, que me inspirou para o TCC, e também na Clínica da FMU. Depois que me formei fiz uma palestra sobre Musicoterapia incluindo uma vivência para as consultoras da Natura em Santana, , para o controle do stress e manutenção da auto-estima, com remuneração; atendi uma paciente de 15 anos com DM leve, e tenho orientado colegas da Musicoterapia em seus TCCs. A formação musical auxilia muito numa improvisação musical. Ela nos dá condições e possibilidades de observar com critério as gradações e níveis de Intensidade, Andamento, de grafar ritmos, melodias, observando suas subdivisões e acentuações. Proporciona condições de verificar como o cliente fornece mais atenção a uns elementos que outros, como se sente em relação a emissão do próprio som e do outro, como é sua emissão vocal – enfim, favorece uma observação cuidadosa de sua produção sonoro-musical. Por outro lado, corre-se o risco de voltar muito nossa atenção somente para isso, perdendo detalhes importantes de sua expressão corporal e verbal. É preciso não esquecer do todo, considerando-se o fator figura-fundo. Hilde Kreutzer Castanho de Almeida, formada em Educação Artística. Musicoterapeuta, formada pela FMU, 2004. Depoimento enviado a 25 de outubro de 2007. 103 Iniciei meus estudos musicais em 1986, com o piano erudito e popular. Três anos depois eu já tinha alguns alunos, e segui dando aulas de piano por longos dezessete anos (hoje dou ainda algumas aulas, mas esporadicamente – não é mais meu foco e nem o meu interesse). Durante esses anos todos eu aprendi violão, flauta doce e formei-me em piano técnico pelo Conservatório Musical Beethoven (SP). No ano de 2001 iniciei meus estudos no CLAM (música popular) e também meu trabalho com educação musical infantil (nesta mesma escola e em outras escolas infantis). Fiz muitos cursos, dei muitas aulas, estudei vários educadores musicais como Willems, Dalcroze, Kodály, Orff, Gainza, etc. Desta experiência com educação infantil, onde aprendi a trabalhar com música de forma mais ampla, pelos sentidos, sensações, impressões e pensando sempre no desenvolvimento da criança de forma global (físico, psíquico, neuronal e emocional), é que me interessei pelo assunto, [ Musicoterapia] mas intuitivamente, pois não sabia que existia uma área da saúde chamada Musicoterapia. Só sabia que queria entender mais da relação entre psiquismo e o musical. Procurando graduações em Música e também em Psicologia, acabei encontrando a Musicoterapia. Não hesitei, era a oportunidade de unir minhas duas grandes paixões para trabalhar: a música e a saúde. Escolha acertada, desde que entrei na graduação fui substituindo os alunos pelos pacientes, tamanho foi meu encanto pela área. No segundo ano de graduação já havia decidido que abraçaria a profissão com muita garra. Comecei a pensar em montar uma clínica coletiva, com muitos sócios-musicoterapeutas. Proposta exposta, muitos colegas em princípio gostaram da idéia, mas ao longo dos meses foram deixando de lado o ideal. Assim ficamos eu e meu atual sócio, Wanderley A. Júnior, com o firme propósito de montar a clínica. No ano seguinte, o terceiro da graduação, tivemos contato direto com o Prof. Benenzon, cujo modelo nos encantou. A partir daí a idéia de ter uma clínica própria só se fortaleceu. No primeiro bimestre do ultimo ano da graduação começamos a fazer as prospecções financeiro-administrativas da clínica de musicoterapia, onde queríamos como supervisor 104 Rolando Benenzon; e foi então que partiu dele a proposta de transformar a simples clínica em um Centro Benenzon. Depois de muita reflexão decidi encarar o desafio, em prol do meu desenvolvimento profissional e em prol da profissão em si, pois acredito que precisamos sair da informalidade que paira sobre nossa classe para termos o reconhecimento devido. Hoje sou sócio-fundadora, coordenadora e musicoterapeuta do Centro de Musicoterapia Benenzon – Brasil, em São Paulo. Sinto que o conhecimento musical que tenho me dá bastante segurança na atuação, pois me permite sempre “estar junto” do meu paciente, interagindo e dando o continente necessário para sua expressão e sua criatividade. Apesar de toda minha bagagem musical – que não é pouca por todos estes anos, ainda acho que ela é insuficiente para a musicoterapia. Continuo meus estudos no piano, no violão, e pretendo me aprofundar mais, talvez através da graduação em Música, pois acredito que o musicoterapeuta precisa ter, além de outros aspectos não menos importantes, muito conhecimento, sensibilidade e desenvoltura em relação à música, para lidar com a produção sonoro-musical e comunicar-se satisfatoriamente com seu paciente em um contexto não-verbal. Luisiana B. França Passarini, musicoterapeuta clínica, formada pela FMU-2005. Sóciofundadora do Centro Benenzon-Brasil. Depoimento enviado à 27 de outubro de 2007. 105 106