Jornal da Casa / Casa do Brasil
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# 22 – junho 2013 Boca no trombone Casa do Brasil prepara sua Festa Junina E para que todos já entrem no clima da festa, com a maior animação, a seguir explicamos os significados dos símbolos desta grande comemoração: Balão: era lançado com fitas coloridas com mensagens de agradecimento pela colheita e pedidos aos santos juninos. E m junho, cidades como Caruaru, em Pernambuco, e Campina Grande, na Paraíba, se vestem de gala para receber mais de um milhão de pessoas, que homenageiam Santo Antônio, São João e São Pedro. (ver JornalDaCasa #1). As festas duram o mês inteiro e revivem antigas tradições, como apresentações de luxuosas quadrilhas (com direito a noivos e padre), barracas de comidas típicas, shows de artistas com longas pernas de pau, arrastapés ao som de forró e festivais de bacamartes, espingardas seculares com munição à base de pólvora. No Uruguai, como em anos anteriores, CasaDoBrasil também celebra esta festa, que já virou um clássico da instituição. Neste ano a festa será realizada no próximo sábado 22 de junho, a partir das 21 horas no Club Durazno, Maldonado, 2071, esquina Pablo de María. Haverá atividades recreativas, casamento matuto, quadrilha, jogos, correio elegante, comidas e bebidas típicas e muito forró pé de serra. Os ingressos já estão à venda em nossa sede de Br. España 2469. Valor adultos: $190 até o dia 18 de junho. Após essa data, o preço é de $250. Crianças de 7 a 12 anos: $100. Entrada livre para menores de 7 anos. Inclui: quentão e refrigerante. Haverá venda de cerveja e comidas típicas no local. Bandeirinhas: simbolizam devoção aos santos juninos, Antônio, João e Pedro, cujas imagens estampavam bandeiras. Comidas: a base dos pratos da culinária junina é o milho, cuja colheita ocorre em junho e é agradecida na festa. Fogos de artifício: as versões mais difundidas são as de que espantam os maus espíritos e acordam São João. Fogueira: incorporada das festas pagãs pela Igreja Católica para celebrar o nascimento de João Batista. Mastro: enfeitado com flores e frutas em devoção aos santos juninos para levar pedidos da Terra ao céu. Pau de sebo: mastro untado de sebo que se ergue em festas juninas, tendo no topo prêmios para quem os alcançar. Quadrilha: surgiu na corte francesa, herdando palavras de ordem como “alavantu” (todos pra frente). Quentão: bebida feita com vinho, ou cachaça, açúcar, gengibre e canela, e servida quente. Simpatias: pedidos para conseguir um marido, sorte ou fartura, são feitos para os santos do mês. JornalDaCasa é uma publicação de CasaDoBrasil | Editor: Leonardo Moreira Web: www.casadobrasil.com.uy | Twitter: @casadobrasiluy | Mail: [email protected] # 22 – junho 2013 Estilos musicais Quadrilha: dos salões franceses às festas juninas Poule (pela música imitar cacarejo de galinha), Pastourelle (por inspirar-se a música do pistonista Collinet no romance Gentil Pastora) e Chassé Croisé ou Galop (por fazer terminar a dança com animado galope, em que todos os dançarinos mudam de lugar e passam uns na frente dos outros). Q uadrilha é uma dança coletiva de salão baseada em formas de alegres danças populares, surgida na Europa de inícios do século XIX como continuação modificada da contradança, trazendo a euforia do período de conquistas napoleônicas do Consulado e Império da França. Foi chamada de quadrilha por suas figuras lembrarem a formação militar da squadra (soldados perfilados em quadrado), cujo diminutivo se vulgarizaria acompanhando o espanhol cuadrilla. A dança e música da quadrilha fizeram sua entrada no Brasil no tempo da Regência (1830-1841), através do modelo francês de contradança a dois ou quatro pares (quadrilha dupla), de som alegre e movimentado, dividida em cinco partes com diferentes figuras, todas em allegro ou allegretto. E isso obedecendo ao seguinte esquema geral: primeira figura em dois por quatro –ou em seis por oito, tal como a terceira– e as três outras (segunda, quarta e quinta) geralmente em dois por quatro. As cinco figuras dessa quadrilha francesa se denominavam, respectivamente: Pantalon (por tê-la dançado em 1830 o rei Luís Felipe, em Paris, vestindo pantalonas, e não calções curtos), Eté (antes chamado Avant Deux), La A partir do Segundo Império e fins do século XIX, a quadrilha perde, no Brasil, a preferência dos salões, e passa a ser cultivada pelas camadas populares em terreiros, ao ar livre, na área do mundo rural e periferia dos centros urbanos, especialmente no período das festas juninas. Passando então a receber diferentes nomes –quadrilha caipira em São Paulo, mana-chica na região açucareira fluminense de Campos, baile sifilítico na Bahia, e saruê (soirée) na região central– a quadrilha conservaria as características originais de graça e animação, acrescidas de um novo elemento cômico, resultado da incompreensão dos termos franceses pela gente simples. Na voz de comando dos marcadores de quadrilha populares, no Brasil, en avant tous se transformaria em alavantu, tour em giro, balancé em balanceio, chemin du bois em caminho da roça e Retournez! Il pleut! em "Volta que está chovendo!" ou "Olha a chuva!". # 22 – junho 2013 Ao pé da letra Luar do Sertão P oucas músicas conseguiram se fixar no imaginário popular da mesma forma que “Luar do Sertão”. Essa toada singela, de melodia simples e letra bucólica, recebeu inúmeras gravações desde que foi lançada em 1914 por Eduardo das Neves. Não tem aquela saudade, do luar lá do sertão Se a lua nasce por detrás da verde mata Mais parece um sol de prata, prateando a solidão E a gente pega na viola e ponteia E a canção e a lua cheia, a nascer no coração “Luar do Sertão” é também causa de uma grande controvérsia. Quando registrada na Biblioteca Nacional, sua autoria foi dada exclusivamente ao poeta Catulo de Paixão Cearense (1863-1946). Tempos depois, músicos como Heitor Villa-Lobos e Almirante defenderam que apenas os versos da canção eram de Catulo, sendo a melodia de responsabilidade do violonista João Teixeira Guimarães, o João Pernambuco (18831947). Não há, ó gente, ó não, luar como este do sertão Quando vermelha no sertão desponta a lua Dentro da alma flutua, também rubra nasce a dor E a lua sobe e o sangue muda em claridade E a nossa dor muda em saudade Branca assim da mesma cor Migrante, semi-analfabeto, ferreiro e depois calceteiro (assentador de paralelepípedos) e contínuo, João Pernambuco teve uma farta bagagem musical. Aprendera com os músicos populares das feiras de Jatobá e Recife a tocar no violão diversos cocos, toadas e emboladas da cultura tradicional. Grande improvisador, era dono de uma técnica rítmica e de uma capacidade de harmonização que impressionaram os músicos com quem conviveu, como Pixinguinha e Donga. Foi o caso de Catulo da Paixão Cearense, que até então era popular por seus versos para modinhas e seus livros de poesia. No entanto, aquilo que é considerado o melhor de sua obra –as poesias sertanejas– só surgiria depois de muito convívio com o violonista pernambucano. À parte as controvérsias, é inegável que Catulo, com seus versos, tornou populares muitas músicas que ganharam letras suas. Ah que saudade do luar da minha terra Lá na serra branquejando, folhas secas pelo chão Este luar cá da cidade tão escuro Discos onde ouvir Vicente Celestino – Catulo na voz de Vicente Celestino (1965) Luiz Gonzaga – A festa (1981) Milton Nascimento – O planeta blue na estrada do sol (1991) Chitãozinho & Xororó – Clássicos sertanejos (1996) Maria Bethânia – A força que nunca seca (1999) Elba Ramalho – Elba ao vivo (2003) Zezé Di Camargo e Luciano – Trilha sonora do filme 2 filhos de Francisco (2005) # 22 – junho 2013 Telinhas e telonas Avenida Brasil: Até onde você iria por justiça? e divertida cabeleireira Monalisa (Heloísa Périssé). Quem não gosta muito da ideia de casamento é a mãe do rapaz, Muricy (Eliane Giardini), que vive aos trancos e barrancos com Leleco (Marcos Caruso), o boêmio pai do jogador. C hega aos lares uruguaios (Canal 12, terças e quintas-feiras, às 22 horas), a telenovela que causou uma verdadeira comoção entre o público; de fato, o último capítulo parou o Brasil, como há tempos não se via. Talvez, o grande sucesso popular de Avenida Brasil se explique na direção primorosa e no grupo de atores brilhantes que, aliados ao bom texto, deram vida a uma galeria de personagens carismáticos e de forte apelo popular. Quando criança, Rita (Mel Maia) sofreu nas mãos da inescrupulosa madrasta Carminha (Adriana Esteves, foto na página seguinte), que com a ajuda do amante, Max (Marcello Novaes), armou para Genésio (Tony Ramos), pai da menina, perder tudo o que tinha. Abandonada por Carminha num lixão, aos cuidados do asqueroso Nilo (José de Abreu), Rita se refugiou na casa de Mãe Lucinda (Vera Holtz), onde conheceu Batata (Bernardo Simões), seu amor infantil. Mas o destino fez com quem eles se separassem quando um casal de argentinos a adotou, colocando nela o nome de Nina. O artilheiro do campeonato carioca de 1999 foi Jorge Araújo, mais conhecido como Tufão (Murilo Benício). Cria do Divino Futebol Clube, time do subúrbio carioca, onde reside até hoje, Tufão vive a boa fase no Brasil depois de morar no exterior, e está pronto para casar com o amor de sua vida, a apaixonada No dia da final do campeonato, depois da brilhante vitória, Tufão acaba atropelando acidentalmente, na Avenida Brasil, um senhor que vinha transtornado pelo acostamento: Genésio. Ao prestar socorro, só conseguiu ouvir do homem o nome de sua mulher: Carmem Lúcia Moreira de Souza. Culpado pelo acidente, Tufão sai a procura da viúva fingindo ser um amigo de longa data do falecido, e oferecendo toda a ajuda necessária, já que é um homem rico. Enquanto isso a esperta Carminha descobre que o jogador foi o culpado pela morte do marido, e vê a chance da sua vida em se dar bem. Com a ajuda de Max, consegue separar a cabeleireira do jogador e se casa com Tufão, grávida do amante, dizendo ser fruto do verdadeiro amor que tinha com o falecido. Com uma vida de luxo, e com Max ao seu lado - ele se casa com Ivana (Letícia Isnard), irmã de Tufão-, Carminha volta às suas raízes no lixão atrás de Lucinda. Conhecidas do passado, ela vai decidida a levar o filho que abandonou quando bebê para ser criado por ela e Tufão: Batata. Doze anos depois, Batata, agora chamado de Jorginho (Cauã Reymond), é um jovem jogador de futebol em ascensão, namorado da bela Débora (Nathália Dill), mas atormentado com o sentimento de raiva que sente pela mãe, que ele acredita ser de criação. Já Rita, agora Nina (Débora Falabella, foto), se tornou uma excelente chef de cozinha. Os anos se passaram, mas ela jamais esqueceu a ferida profunda que Carminha deixou em sua vida, voltando ao Brasil para se vingar. Nina vai trabalhar como cozinheira na casa da ex-madrasta, que não a reconhece. Seu plano maior é destruir aos poucos a vida da patroa. # 22 – junho 2013 Focada na "nova classe C" (a que emergiu após o governo Lula), a novela fez bom uso da situação socioeconômica do país para refletir na tela um retrato pitoresco da realidade contemporânea, brincando com as nuances simbólicas de ricos e pobres, e cativando todas as classes. Pode-se dizer que o fictício bairro do Divino (onde se passava a trama) era um microcosmo do Brasil. “Não tenho vontade de fazer uma novela sociológica sobre o Brasil atual, é um exercício de ficção. Tanto que eu inventei um bairro que não existe, é o meu subúrbio, não tenho de prestar satisfação a nada", disse o autor, João Emanuel Carneiro, negando uma busca pela audiência da "nova classe C". Sucesso de audiência e também de repercussão, “Avenida Brasil” foi a primeira novela coqueluche da Internet, provando que a telenovela pode se aliar à rede, e não encará-la como uma concorrente. Que o digam os memes referenciando a trama, a "cascata" diária de "oioiois" no Twitter (aos primeiros acordes do tema de abertura de Robson Moura e Lino Krizz, “Vem dançar com tudo”), as inúmeras charges engraçadinhas no Facebook, os bordões "é tudo culpa da Rita!", "me serve vadia!", "quero ver você me chamar de amendoim" e "hi hi hi" (a risadinha de Nilo/José de Abreu), os GIFs animados com as caretas de Carminha e suas frases de efeito, e os avatares "congelados" ao estilo das fotos dos personagens sobre o fundo com bolinhas coloridas ao final de cada capítulo. No Twitter, a novela reuniu todas as noites milhões de brasileiros, ávidos em compartilhar opiniões, em um mesmo sofá virtual. Adriana Esteves se consagrou na interpretação antológica da vilã Carminha, o melhor papel de sua carreira até então. Débora Falabella também defendeu bem sua protagonista Nina, não deixando-se engolir por uma antagonista algumas vezes mais interessante. Foi também o melhor papel de Marcello Novaes, como Max. José de Abreu esteve irrepreensível como o monstruoso e divertido Nilo, bem como Vera Holtz, que esbanjou emoção como a misteriosa Mãe Lucinda. Para atender a todos os públicos, “Avenida Brasil” transgrediu a fórmula do folhetim clássico ao apresentar uma história de vingança em detrimento a uma história de amor. Apresentou uma heroína torta, de personalidade dúbia: Nina foi capaz de roubar e enganar para atingir seus objetivos. A estética da novela a aproximou do cinema. O ritmo alucinante da história e os ganchos bombásticos cativaram e mantiveram o telespectador preso à novela. João Emanuel Carneiro esclareceu que, “ao contrário de „A Favorita‟, que era uma novela muito 'preta e branca', eu quis fazer algo bem colorido. A história de Cadinho e suas três mulheres três relacionamentos modernos- é uma grande comédia. Na verdade, todos os arredores têm comédia. Pensei em fazer uma novela que tenha a espinha dorsal de um folhetim russo." A novela foi o programa mais visto da TV em 2012. O último capítulo foi recorde de audiência: 52 pontos de ibope (cada ponto equivale a 60 mil domicílios na Grande São Paulo). O fenômeno “Avenida Brasil” também chegou à imprensa internacional. A popularidade da trama de João Emanuel Carneiro chamou a atenção do jornal britânico “The Guardian“ e da rede BBC depois que a campanha de Fernando Haddad (então candidato à prefeitura de São Paulo pelo PT) adiou um comício com a presidente Dilma Rousseff para evitar a concorrência com o final da novela. # 22 – junho 2013 Telinhas e telonas Uma noite com Orfeu e, instado por seu amigo, o poeta João Cabral de Melo Neto, ele a mandou para o concurso de teatro do IV Centenário de São Paulo, saindo premiada. Segundo Vinícius, “quando em 1956, através de um milagroso conjunto de circunstâncias, um amigo propôs-me financiar a peça exatamente 24 horas antes de eu tomar meu avião para Paris, onde me encontro em posto, um dos problemas mais sérios que me coube resolver foi a escolha do músico, de um compositor que pudesse criar para o “Orfeu Negro” uma música que tivesse a elevação do mito, que unisse a Grécia clássica ao morro carioca, e que reunisse o erudito e o popular”. I niciando o Ciclo Cultural Vivendo Vinícius Poetinha Poetão, no último 25 de abril, CasadoBrasil convidou para “Uma noite com Orfeu”, uma exibição e reflexão dos filmes (“Orfeu negro” e “Orfeu”) inspirados na peça teatral “Orfeu da Conceição”, escrita por Vinícius de Moraes (ver JornalDaCasa #18) em 1954, que reúne os principais temas poéticos de sua obra: a aliança entre a música e a poesia, a presença marcante da mulher, a obsessão pela morte e a fé no amor absoluto. Foi numa noite de 1942, depois de reler de uma sentada o mito grego de Orfeu, que Vinícius sentiu subitamente nele a estrutura de uma tragédia negra carioca. Ele não pretendia escrever uma tragédia realista, mas algo próximo de uma alegoria operística, negra e popular, ambientada na mais pagã festa brasileira: o carnaval. Porém, só 6 anos depois conseguiu terminá-la em Los Angeles Como o músico escolhido, Vadico, -antigo parceiro de Noel Rosa e pianista de Carmen Miranda- estava adoentado, Ronaldo Bôscoli sugeriu o nome de Tom Jobim. Marcaram, então, um encontro para o dia seguinte no Villariño, famoso bar frequentado por artistas e intelectuais. Lúcio Rangel levou Tom à mesa onde estava Vinícius, rodeado de gente e de uísque. Depois do convite para musicar “Orfeu”, o maestro quase pôs tudo a perder: “Tem um dinheirinho nisso?” Rangel, assoberbado com a pergunta, retrucou: “Tom, este é o poeta e diplomata Vinícius de Moraes!” O trabalho de Tom e Vinícius começou logo no dia seguinte. Em apenas duas semanas, entre maio e junho de 1956, eles deram conta de todas as árias. Enfurnados no apartamento de Tom, na rua Nascimento Silva, em Ipanema, compuseram de saída dois ou três sambas que foram direito para a lata de lixo. Sem sair do esquema de trabalho combinado (Tom dedilhava o tema no piano, Vinícius rascunhava a letra, mais atento à métrica que ao conteúdo, e depois a burilava, longe das vistas do parceiro), conceberam uma obra-prima: “Se todos fossem iguais a você”, a primeira composição oficial da dupla. # 22 – junho 2013 Poucos dias antes da estreia, o poetinha afirmou: “Esta peça é uma homenagem ao negro brasileiro, a quem, de resto, a devo; e não apenas pela sua contribuição tão orgânica à cultura deste país, melhor, pelo seu apaixonante estilo de viver que me permitiu, sem esforço, num simples relampejar do pensamento, sentir no divino músico da Trácia a natureza de um dos divinos músicos do morro carioca.” participa no violão e Roberto Paiva, interpreta "Um nome de mulher", "Se todos fossem iguais a você", “Mulher, sempre mulher", "Eu e o meu amor" e "Lamento no morro". Vinicius declama e teatraliza (com uma flauta pastoral ao fundo) o "Monólogo de Orfeu". Depois de três meses de ensaios, Orfeu da Conceição estreou no Teatro Municipal do Rio de Janeiro em 25 de setembro de 1956, e lá ficou em cartaz durante uma semana, transformando-se rapidamente num grande sucesso de público e crítica. Afinal, como não dar certo uma obra em que Tom Jobim compõe, Vinícius faz a letra, Luis Bonfá toca violão, Aloysio de Oliveira produz e Oscar Niemeyer projeta o cenário? Encenado pelo Teatro Experimental do Negro de Abdias Nascimento, foi também a primeira vez que um elenco de atores negros ocupava o mais famoso teatro brasileiro. O filme necessitou de cerca de 4 anos para ser realizado. O primeiro projeto de roteiro foi apresentado por Vinícius ao produtor Sacha Gordine em 1955. Depois de algumas modificações, foi adaptado em francês por Jacques Viot, que indicou o nome de Marcel Camus como diretor. Rodado no Rio de Janeiro em 1958, “Orphée Noir” foi lançado no Brasil como “Orfeu do Carnaval” e também conhecido como “Orfeu Negro”. A trilha sonora da peça foi lançada em 1º de outubro, em vinil, pela Odeon, com sete composições (uma delas instrumental) escritas por Vinícius e musicadas, orquestradas e regidas por Tom Jobim, que comanda a Grande Orquestra Odeon, composta por 35 elementos. Luís Bonfá O imaginário francês do Brasil era então dominado por 4 temas, que servem de base ao filme: a paisagem tropical, feita de sol, praia e natureza; o carnaval; a sensualidade e charme da mulher brasileira (clichê na França desde os anos ‟40 com o sucesso dos filmes norte-americanos de Carmen Miranda) e as religiões afro-brasileiras (que suscitaram a curiosidade e fascínio de intelectuais como Henri Georges-Clouzot e Simone de Beauvoir). # 22 – junho 2013 O filme encantou mundo afora, por três motivos principais: as imagens coloridas do Rio de Janeiro e da Baía de Guanabara, filmada a partir do morro de Babilônia na zona sul da cidade; o elenco inteiramente negro, no qual se destacam o ex-jogador de futebol Breno Mello, a atriz americana Marpessa Dawn e a jovem Lourdes de Oliveira; e a trilha sonora, incluindo as músicas de Vinícius e Jobim, “Frevo”, “O nosso amor” e “A felicidade” (ver JornalDaCasa #5), às quais o produtor acrescentou “Manhã de carnaval”, de Luiz Bonfá e Antônio Maria. “Orfeu Negro” arrebatou a Palma de Ouro no Festival de Cannes, em 1959, e o Oscar de melhor filme estrangeiro, em 1960. Graças a esses prêmios, beneficiou-se de uma ampla distribuição na Europa, nas Américas e até no Japão. Porém, Tom e Vinícius não gostaram de quase nada. Acharam-no ingênuo, excessivamente “éxotique”, algo próximo do que Oswald de Andrade chamava de “macumba pra turista”. Nem na sessão especial para o presidente Juscelino Kubitschek, no Palácio do Catete, Vinícius aguentou ficar até o fim. Assim, em 1980 Carlos Diegues combinou com Vinícius levar à tela a versão “correta” de “Orfeu da Conceição” e já haviam discutido detalhes da adaptação, quando o poeta morreu, inibindo o cineasta de seguir em frente com a produção. Um grupo de americanos tentaria seduzir Diegues para refilmar “Orfeu Negro”, em 1990, mas antes de acertarem os ponteiros a produtora faliu, frustrando mais uma tentativa de reabilitar o espírito original da peça, só viabilizada nove anos depois, pelo predestinado e insistente Diegues, numa versão adaptada aos tempos atuais -incluindo tráfico de drogas, rap e samba-funk- e simplesmente intitulada “Orfeu”, com novas músicas, compostas por Caetano Veloso. “O filme „Orfeu Negro‟ enveredava por visão exótica e turística da cidade, o que traía o sentido da peça. Saí do cinema sentindo-me pessoalmente ofendido. Passei então a sonhar com o filme que veio a se tornar o meu „Orfeu‟, realizado 40 anos depois. Nosso Orfeu não era, portanto, nem de longe um remake do „Orfeu Negro‟, mas sim um novo filme baseado na mesma peça”, disse Diegues. A denúncia do exotismo e da inautenticidade de “Orfeu Negro” foi retomada nos Estados Unidos em 2007, por Barack Obama, quando no seu livro autobiográfico “A origem dos meus sonhos” o então candidato à presidência dos Estados Unidos conta que sua mãe se apaixonou por seu pai, então estudante queniano em Hawaia, logo depois de ter assistido a “Black Orpheus”. Obama critica a visão do negro apresentada no filme como “simples fantasias”, denunciando o olhar estrangeiro tanto da mãe sobre a África, quanto de Marcel Camus sobre o Brasil. Até hoje, o filme teve uma recepção ambígua: se por um lado deu um impulso fundamental à projeção da cultura brasileira no mundo, por outro, foi sempre denunciado em nome da autenticidade da própria cultura brasileira.