relatório do desenvolvimento das atividades da oficina
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relatório do desenvolvimento das atividades da oficina
CENTRO BRASILEIRO DE REFERÊNCIA EM TECNOLOGIA SOCIAL TECNOLOGIA SOCIAL E AGRICULTURA FAMILIAR: SEMEANDO DIFERENTES SABERES 19 a 21 de outubro de 2004 Brasília – DF ÍNDICE Apresentação............................................................................................ 3 Relatório do desenvolvimento das atividades da oficina tecnologia social e agricultura familiar..................................................................................... 5 I. Introdução: AgriCultura e Tecnologia Social..................................... 5 II. A oficina................................................................................. 12 Trocando experiências................................................................... 21 A mesa de abertura – “Tecnologia social: conhecimento e sociedade”... 22 Práticas solidárias: o papel das instituições articuladoras.................... 25 Pedagogia da alternância: instrumento para promoção de desenvolvimento da agricultura familiar........................................... 36 Inovações nas tradições da agricultura familiar: O enfoque da agroecologia................................................................................. 40 III. Quem ensina e quem aprende? Aprendizados e desafios da assistência técnica e da extensão rural............................................. 45 Referências Bibliográficas............................................................... 51 Anexo I.................................................................................................. 52 Anexo 2.................................................................................................. 67 Anexo 3.................................................................................................. 72 Anexo 4.................................................................................................. 75 Anexo 5.................................................................................................. 76 2 APRESENTAÇÃO Este relatório é resultado da oficina “Tecnologia Social e Agricultura Familiar: semeando diferentes saberes”, promovida nos dias 19, 20 e 21 de outubro de 2004, em Brasília-DF, pelo Instituto de Tecnologia Social (ITS), por meio de seu projeto Centro Brasileiro de Referência em Tecnologia Social (CBRTS), em parceria com as Secretarias de Ciência e Tecnologia para Inclusão Social – Ministério da Ciência e Tecnologia e de Agricultura Familiar – Ministério do Desenvolvimento Agrário. A oficina fez parte ainda das diversas atividades que compuseram a I Semana Nacional de Ciência e Tecnologia. A Semana foi instituída por meio de um decreto presidencial1 e tem como objetivo a mobilização da população em torno de temas e atividades científicas, valorizando a criatividade, contribuindo para que esta possa conhecer e discutir os resultados, a relevância e o impacto das pesquisas científicas e tecnológicas e suas aplicações. O presente relatório é o quarto fruto2 que se colhe da parceria firmada entre o ITS e o Ministério da Ciência e Tecnologia, através de sua Secretaria para a Inclusão Social, registrada sob o Termo de Parceria nº 13.0002.00/03. O seminário contou com a participação de 26 representantes de entidades não-governamentais, associações comunitárias, poder público, universidades e institutos de pesquisa, todos eles interessados em conhecer e debater as três experiências de Agricultura Familiar, portadoras/usuárias de Tecnologia Social, que foram apresentadas e debatidas durante o evento. Foram elas: assessoria e apoio à formação de empreendimentos coletivos, conduzida pela Confederação das Cooperativas da Reforma Agrária do Brasil – CONCRAB; uso da Pedagogia da Alternância em Casas Familiares Rurais e Escolas Famílias Agrícolas, conduzidas pela Associação das Casas Familiares Rurais – ARCAFAR/Pará e pela União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas – UNEFAB e, finalmente, a experiências de apoio aos agricultores-experimentadores, conduzida pela Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa, AS-PTA. Feita a pesquisa inicial sobre as experiências citadas, num segundo momento, o debate e a partilha das informações e dos conhecimentos no espaço da oficina permitiram fortalecer o diálogo entre diversos atores da sociedade, A Semana Nacional de Ciência e Tecnologia ocorrerá em outubro de cada Ana, sob coordenação do Ministério da Ciência e Tecnologia. 2 O primeiro foi o relatório “Tecnologia Social: Desenvolvimento Local, Participativo e Sustentável nos Municípios”; o segundo foi o relatório “Tecnologia Social e Educação: para além dos muros da escola” e o terceiro foi o Caderno de Debates – Tecnologia Social no Brasil. Todos os documentos estão disponíveis em formato eletrônico na página eletrônica do Instituto de Tecnologia Social, http://www.itsbrasil.org.br . 1 3 tendo em vista a construção do conceito de Tecnologia Social, a partir das questões que o tema Agricultura Familiar veio nos oferecer. Este terceiro tema, a exemplo do segundo, foi escolhido a partir da reflexão feita após o primeiro encontro de que seria analiticamente importante refletir em dois momentos distintos acerca dos elementos de TS mais relacionados ao universo das ciências humanas3 e, em seguida, ao universo das chamadas “ciências duras”. A metodologia de trabalho adotada reflete o que entendemos por tecnologia social. Falar em tecnologia, atribuindo a ela o adjetivo social significa, a um só tempo, postular a ampliação do que se compreende como Ciência e Tecnologia, e reconhecer a necessidade de pensá-la a partir de critérios como democracia, justiça social e desenvolvimento humano. Importante, ainda, é sublinhar que tais critérios, que são, sobretudo, princípios e valores, não devem aparecer apenas nas discussões. Justamente por isso, a criação de fóruns, ambientes de discussão e grupos de trabalho torna-se meio favorável não só para elaborar o conceito de Tecnologia Social de maneira participativa, como também para consolidar uma cultura de Ciência Tecnologia e Inovação voltada ao desenvolvimento social. Entre as Linhas de Ação que dão corpo ao projeto CBRTS, duas delas visam o desenvolvimento do conceito de TS. Primeiramente, a Linha de Ação chamada Mapeamento Nacional de Tecnologias Sociais Produzidas e/ou Utilizadas por ONGs consiste na pesquisa dos usos institucionais do termo, a partir de literatura científica e da caracterização qualitativa de experiências de organizações não-governamentais “mapeadas” que usam Tecnologias Sociais. Já a Linha de Ação chamada Encontros para Discussão e Sistematização de Conhecimentos sobre Tecnologia Social estabelece espaços para discutir e aprofundar estas experiências concretas que contém elementos de Tecnologia Social, produzindo, ao final desse processo, relatórios que organizam as reflexões realizadas durante os encontros. A oficina “Tecnologia Social e Agricultura Familiar: semeando diferentes saberes” faz parte destas atividades. Após a realização do encontro, iniciou-se o trabalho para sistematizar essa produção coletiva. O produto desta trajetória afina-se, assim, com o objetivo geral do CBRTS, que é identificar, conhecer, sistematizar e disseminar práticas de Tecnologia Social (TS), reunindo e organizando os conhecimentos produzidos em publicações como esta, que o ITS aqui apresenta. Estes documentos visam multiplicar os significados dos encontros e subsidiar a desejada continuidade do debate. O presente relatório foi criado para atender a estas expectativas. O que foi feito durante a oficina “Tecnologia Social e Educação: para além dos muros da escola”, realizada em São Paulo, entre 9 e 11 de agosto de 2004. 3 4 RELATÓRIO DO DESENVOLVIMENTO DAS ATIVIDADES DA OFICINA TECNOLOGIA SOCIAL E AGRICULTURA FAMILIAR Relatora: Cyra Malta Olegário da Costa I. Introdução: AgriCultura e Tecnologia Social “Moreover, all progress in capitalist agriculture is a progress in the art, not only of robbing the worker, but of robbing the soil; all progress in increasing the fertility of the soil for a given time is a progress towards ruining the more long lasting sources of fertility. The more a country proceeds from large scale industry as the background of its development, as in the case of the United States, the more rapid is this process of destruction.”4 (Marx) A atividade agrícola pode ser vista como uma das mais antigas na organização da sociedade. Das atividades desenvolvidas pela humanidade é a que melhor permite visualizar o caráter co-evolutivo entre os seres humanos, o meio ambiente e sua organização social. A riqueza desta co-evolução pode ser percebida nas diferentes manifestações culturais que ocorrem em torno da agricultura, como as festas antes da semeadura e as comemorações de colheitas fartas. A complexidade do fazer agricultura reside em conhecer o solo, o clima, as plantas e os animais tornando a observação e a prática fundamentais para a produção de inovações e tecnologias de domínio popular. Não há tecnologia no campo da agricultura que não tenha se consolidado a partir da experimentação dos agricultores através dos tempos, sendo a resultante de um complexo processo sócio-econômico. Há um aprimoramento constante nos sistemas agrícolas e o fazer agricultura exige o desenvolvimento de saberes sobre as plantas e sobre o meio ambiente propiciando o desenvolvimento de tecnologias apropriadas ao local. Cyra Malta é doutoranda em Engenharia Agrícola na área de concentração de Planejamento e Desenvolvimento Rural Sustentável, UNICAMP. 4 “Além disso, todo progresso na agricultura capitalista é um progresso não apenas na arte de expropriar o trabalhador mas na expropriação do solo; todo progresso em aumentar a fertilidade do solo durante um determinado período de tempo é um progresso em direção à destruição das fontes de fertilidade mais duradouras. Quanto mais um território deriva da indústria de grande escala as bases de seu desenvolvimento, como é o caso dos Estados Unidos, mais rápido é este processo de destruição”. As traduções feitas ao longo do relatório são livres, sendo de responsabilidade dos autores. 5 Compreendido deste modo, o fazer agricultura contrasta, fortemente, com o modo de produção do AgroNegócio. Esta distensão histórica entre os interesses do AgroNegócio e da AgriCultura é bem retratada por José Eli da Veiga nos parágrafos que se seguem: Em quase todos os países do chamado “Primeiro Mundo”, os intensos choques socioculturais dos anos 60 deram forte impulso a movimentos que vinham contestando a ciência agronômica normal desde o final do século passado. Nos Estados Unidos, como uma espécie de subproduto do fenômeno contracultural, surgiram novos adeptos dos métodos orgânico, biodinâmico, biológico, e natural. Quando começaram a ter alguma visibilidade, foram alvo de uma intensa campanha de descrédito, lançada por uma coalizão de interesses do agribusiness e do sistema de pesquisa agropecuária. Em ambientes ‘arejados’, os chamados ‘alternativos’ eram considerados apenas ‘folclóricos’. Mas em entidades mais fechadas de educação, extensão e pesquisa, profissionais com dúvidas sobre os programas dominantes sofreram uma verdadeira ‘caça as bruxas’. E só agora, meados dos anos 90, algumas dessas vítimas sentem segurança suficiente para vir a público revelar como conseguiram escapar dessas perseguições e denunciar empresas e instituições que ainda permanecem nessa linha. Na verdade, a mesma coalizão que promoveu o escárnio dos ‘alternativos’ durante os anos 70, agora admite, com certo embaraço, que a agricultura precisa mesmo ser mais sustentável". (1997:128) Esta perseguição, longe de estar superada, pode ser vivenciada por qualquer estudante ou profissional de agronomia ainda nos dias de hoje. Talvez o preconceito seja expresso com menos intensidade, mas ainda existe. As discussões mundiais5 acumuladas até o momento deram visibilidade aos impactos ambientais causados pela agricultura de cunho industrial. Este processo explicita o quanto os sistemas de pensamento atravessam os tempos e justificam ações e práticas; além disso, deixa claro que mudanças, quaisquer que sejam, são processos. Como as conferências de Estocolmo’72 e Rio’92 que ajudaram na construção da agenda 21. 5 6 Um bom exemplo é o pensamento malthusiano6 que ainda serve de base para justificar o modelo produtivista defendido pelo agronegócio. Para o grupo que se apóia nas teorias de Malthus, a fome está diretamente relacionada com a capacidade produtiva e não com a possibilidade de acesso da população à produção agrícola. O problema, portanto, não estaria na desigualdade social gerada pela forma como organizamos nossa sociedade e, sendo assim, para que resolvêssemos o problema social da “fome” bastaria produzir mais e em maior escala7. A sociedade se organiza por meio de processos, cujas variáveis e direções estão longe de ser conhecidos pelos estudiosos das Ciências Sociais e Humanas. Em conseqüência disto, imensa é a dificuldade de reconhecer em quais termos se dá a relação entre Economia e Sociedade: é muito difícil definir se a economia de uma sociedade se deve às relações que nela estão presentes ou se, ao contrário, é a organização econômica de uma sociedade que acaba definindo suas relações sociais. Depois de Marx, os termos desta equação se complicaram ainda mais. A despeito desta dificuldade de compreensão, parece-nos importante compreender os princípios da reciprocidade e da distribuição e qual o papel que cumprem nas diferentes sociedades, mesmo nas que apresentam as formas mais avançadas do capitalismo, pois tais princípios também estão ali presentes. Karl Polanyi, que buscou compreender os significados da “grande transformação” provocada pelo advento do modo capitalista de produção, quando apresenta a idéia de Aristóteles sobre o princípio de uso e o princípio de ganho aponta para o fato da produção voltada para o lucro não ser natural, levando a um desequilíbrio por conta da ruptura entre a motivação econômica e as relações sociais: por não ter limites, sendo orientada apenas pela racionalidade do lucro, a motivação puramente econômica não leva em conta as relações sociais nas quais está inserida, geralmente conduzindo a graves desigualdades econômicas e sociais. O historiador Edward Thompson (1998), ao tratar da formação da classe trabalhadora na Inglaterra, tece todo um conjunto de argumentações sobre a economia moral, com base nos motins do Reino Unido do século passado, e apresenta uma série de evidências de que a ação coletiva que levou ao motim não se deu única e exclusivamente em razão da economia de mercado e da Aquela idéia de que a população cresce em progressão geométrica enquanto a produção de alimentos cresceria em progressão aritmética, levando à necessidade de controle da natalidade e de aumento da capacidade de produção da agricultura. Caso ambas as medidas não fossem adotadas, correr-se-ia o risco de uma crise mundial de abastecimento. 7 Para a compreensão da complexidade deste problema, ver Amartya Sen (2000), especialmente o livro Desenvolvimento como liberdade, São Paulo: C ia. das letras. 6 7 fome. Sua análise revela que outros aspectos contribuíram para levar ao motim, tais como os interesses de cunho político e social e o potencial de ação coletiva da época. Esta discussão sobre a “grande transformação” faz sentido, no contexto deste texto, pois a agricultura familiar tal como a conhecemos hoje é o resultado do processo como se organiza a sociedade capitalista e, nesta perspectiva, o jeito de fazer agricultura destes agricultores familiares tem sido identificado como uma forma de resistência (ou mesmo de resiliência) à ordem estabelecida. Os assentados, por sua vez, são ex-trabalhadores rurais ou arrendatários que também têm a idéia de economia moral muito presente. Na perspectiva de uma economia moral, a terra é de trabalho e não uma mercadoria; também está presente o princípio da reciprocidade. Os assentados são herdeiros dessa tradição e a recriam (WOORTMANN, 1990). No desenvolvimento das sociedades a atividade agropecuária tem um lugar central pois é atividade primária e fundamental tanto para a segurança alimentar como para a produção de insumos básicos a serem transformados por outros setores produtivos. A contraposição entre AgriCultura e AgroNegócio nos dá a dimensão da problemática atual. De um lado temos a possibilidade de trazer para um lugar mais central na sociedade contingentes da população que na atualidade estão marginais dentro do sistema econômico e, já no campo do AgroNegócio a tendência é jogar para um lugar mais periférico maiores contingentes populacionais. Vale lembrar que uma pesquisa inédita no país revela que, em 2003, a agricultura familiar respondeu por 10,1% do Produto Interno Bruto (PIB) - a soma de todas as riquezas do Brasil. O levantamento encomendado a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) revela que o PIB do setor cresceu R$ 13,4 bilhões no ano passado, um incremento de 9,37% em relação a 2002. Esta foi a primeira vez que o governo federal mediu o impacto econômico da atividade praticada exclusivamente por agricultores familiares. A agricultura é estratégica para o desenvolvimento do país, seja pela oportunidade de gerar emprego e renda, seja pela sua importância na oferta de alimentos. A agricultura familiar responde hoje por 84% da mandioca, 67% do feijão, 58% dos suínos e frangos, 49% do milho e 31% do arroz produzidos no Brasil e por 32% das exportações de soja, 25% de café e 49% de milho8. 8 Boletim eletrônico “Em questão” Nº 266 - Brasília, 20 de dezembro de 2004. 8 O modelo de desenvolvimento agrícola adotado por uma sociedade está relacionado com a base dos conhecimentos que são referência para a construção da política pública que coordenará os rumos do processo. A experiência cubana recente serve para ilustrar a complexidade de temas como tecnologia social, tecnologias apropriadas, segurança alimentar e suas interfaces e por esta razão a descreveremos brevemente nos parágrafos seguintes. Nos últimos quinze anos, Cuba passou por mudanças profundas em função do colapso do bloco soviético e a dissolução do COMECON9. Nos anos compreendidos entre o ‘triunfo da revolução’ (1959) e a ‘queda do muro de Berlin’ (1989) várias políticas foram desenvolvidas visando o desenvolvimento do setor agrário cubano. Podemos dizer que o caminho adotado levou ao desenvolvimento de uma espécie de agronegócio com um viés socialista. A reforma agrária deste período privilegiou a empresa agropecuária em detrimento da agricultura camponesa, baseada no ideário marxista-leninista dos idealizadores da revolução cubana, responsáveis pelo processo que identificamos como ‘descampenização’. O setor agrícola nunca deixou de ser fundamental para a economia cubana, que manteve seu caráter agroexportador. As tecnologias desenvolvidas a partir do ‘pacote tecnológico russo’ são muito parecidas com o que conhecemos como ‘pacote tecnológico da revolução verde’, pois apresentam a mesma base de conhecimento cientifico tecnológico, mesma base conceitual e trazem consigo a dependência por insumos, máquinas e sementes. Muito do abastecimento da ilha se fazia com base na importação de alimentos, não havia auto-suficiência. Quando ocorre o colapso do bloco socialista, uma série de medidas são adotadas para evitar o colapso econômico e de abastecimento alimentar: este momento é conhecido como ‘período especial’. É neste momento que ocorre a valorização das ‘tecnologias alternativas’ de domínio camponês10 e nasce a perspectiva de que o desenvolvimento da agricultura de base agroecológica pode se tornar uma realidade concreta. O camponês sempre sofreu pressão para aderir à empresa estatal ou a cooperativas e isso se fez através das políticas públicas que privilegiavam as empresas estatais e as cooperativas coletivas. Este seguimento, apesar de ser menos valorizado pela revolução por seu caráter individual, é justamente aquele que conserva as práticas agrícolas tradicionais e de baixa dependencia a Conselho para Assistência Econômica Mutua que foi a organização de comércio do bloco soviético. Para aprofundar este tema consultar autores como Peter rosset, Miguel Altieri, Richard Levins, Niurka Perez Rojas, Carmem Diana Deere, Equipe de estudos rurais (Cuba). 9 10 9 insumos modernos. É preciso dizer que mesmo antes do ‘período especial’ já havia setores do núcleo de poder cubano que percebiam a necessidade de mudanças na conduta do regime para evitar a crise econômica que se anunciava e que, infelizmente, foi agudizada pela crise do bloco soviético em 1989. Em conseqüência, houve uma mudança no cenário agrário cubano de forma a fortalecer as alternativas possibilitadas pelo mundo da economia solidária e as práticas de cunho agroecológico, reconhecendo-as como fundamentais para garantir a segurança alimentar, ou seja, reconhecendo-as como um caminho para desenvolver uma agricultura sustentável. Neste processo de reorientação da economia cubana as empresas estatais foram divididas e transformaram-se nas UBPC – Unidade Básica de produção Cooperativa, as CCS – Cooperativas de Crédito e Serviço são fortalecidas e as CPA – Cooperativa de Produção Agropecuária recebem novas orientações. Passou-se ainda a adotar uma política denominada de ‘vinculação do homem a área’. Estas políticas procuraram reorientar o jeito de fazer agricultura nos campos cubanos, estimulando o sentimento de pertencimento como forma de estimular a produtividade partindo da idéia de que a autonomia na organização do trabalho na propriedade é um dos componentes fundamentais para estimular a produtividade do trabalho na agricultura. A ‘vinculação do homem a área’ vem substituir o trabalho outrora realizado por brigadas. A organização do trabalho em brigadas acabava por alienar os trabalhadores da atividade agrícola, reproduzindo a lógica de organização do trabalho na indústria. Para as práticas agroecológicas esta forma de organização do trabalho dificulta a observação dos processos da natureza de forma sistêmica. A ‘vinculação do homem a área’ possibilita o retorno à totalidade, já que um agricultor está responsável por todas as atividades numa determinada área. Este formato também possibilita melhor racionalização no uso dos recursos, pois o rendimento da área depende do agricultor que nela trabalha e, por sua vez, este não receberá mais um valor médio de salário como acontece com a organização do trabalho em brigada. O processo de transformação das empresas estatais em UBPC pode ser identificado com a constituição de cooperativas a partir de empresas falidas no cenário brasileiro (SINGER, 2002). Na verdade o que ocorreu foi um desmembramento da empresa estatal que era composta da planta industrial e dos campos de produção. As UBPCs foram formadas a partir da divisão destes campos de produção e passaram a adotar um processo de gestão mais horizontal do que o das antigas empresas estatais, pois são geridas pelos 10 cooperativados. Este foi o caminho encontrado para aumentar a eficiência do setor agroindustrial cubano, inclusive aproveitou-se este momento para fechar as agroindústrias que operavam com ineficiência, o que impulsionou outras políticas sociais para minimizar o impacto da crise sobre os trabalhadores. O objetivo perseguido por estas mudanças era despertar o sentimento de pertencimento através da ‘vinculação do homem a área’, que, como dito acima, é identificado como motriz da produtividade. O caso cubano nos permite refletir sobre a construção histórica dos caminhos de desenvolvimento, seus instrumentos e referenciais teóricos-metodológicos. A opção em adotar políticas que promoveram a ‘descampenização’ está estreitamente ligada a orientação político ideológica dos dirigentes cubanos: eles pensaram que este era o melhor caminho rumo ao desenvolvimento. A crise política do bloco socialista desencadeou a crise econômica e afetou o abastecimento do país. Este momento histórico deu visibilidade a elementos da agricultura familiar (camponesa). Pôde-se perceber o lugar da agricultura familiar no que se refere à segurança alimentar à produção/conservação de conhecimentos do campo da agroecologia, de modo a caminhar rumo a agricultura sustentável. Mas isto não quer dizer que haja unanimidade entre os cientistas cubanos quanto à eficiência da agricultura de base agroecológica. Este é o ponto onde capitalismo e socialismo se encontram: a matriz tecnológica que origina e dá força ao AgroNegócio. A experiência cubana ilustra qual lugar da agricultura e quais suas possibilidades, e mesmo potencialidades, quando lhe agregamos o adjetivo familiar. É importante não perdermos a perspectiva de que há diferentes projetos de sociedade em disputa e que há diferenças fundamentais nas relações sociais estabelecidas em nossa sociedade classista. Portanto, quando olhamos a produção agropecuária do AgroNegócio no Centro Oeste brasileiro podemos visualizar toneladas de milho/ha, ou seja, a produtividade. Por outro lado, quando nos viramos para o campo da AgriCultura o elemento que salta aos olhos são as festas de São João com seu milho verde, curau, pamonha e pipoca. A Agroecologia e seus conceitos são frutos das contradições geradas pelos passos largos rumo à destruição ambiental promovidos pelos sistemas agroindustriais. Os impactos ambientais gerados pela atividade agrícola são antigos e temos registros históricos dos desequilíbrios causados pelo processo de experimentação das diferentes sociedades humanas e a ascensão e queda dos impérios (PERLIN, 1992). Trazendo esta idéia mais pra pertinho da sociedade brasileira podemos citar o conhecimento da relação entre ciclo hidrológico e 11 floresta que levou D. Pedro II a ser o responsável pelo maior reflorestamento de que se tem noticia no mundo de hoje, a Floresta da Tijuca no município do Rio de Janeiro. O reflorestamento foi feito devido à necessidade de garantir o abastecimento de água para a cidade, que havia sido comprometido pela forma de desenvolvimento da atividade agropecuária na época. Já na Índia, poderíamos citar a luta desenvolvida pelo movimento Chipko – que significa abraçar na língua indi. Este movimento, organizado por mulheres, tinha como objetivo a proteção das florestas que eram importantes para a conservação do meio. As mulheres então se abraçavam às árvores para evitar o corte indiscriminado, que produzia impactos ambientais violentos. Essas mulheres não possuíam nenhum saber acadêmico, mas tinham o saber popular e perceberam a relação entre as mudanças que estavam ocorrendo no meio ambiente e o corte das árvores (SHIVA, 1991). Os saberes têm seu tempo e seu lugar na sociedade, assim como a ciência e as inovações tecnológicas. Os aspectos trabalhados na oficina “Tecnologia Social e Agricultura Familiar: semeando diferentes saberes” mostram os caminhos das diversas experiências na construção de algo novo. A teoria nos dá uma perspectiva, um horizonte; já o fazer nos mostra as possibilidades reais. A partir das experiências concretas relacionadas com a agricultura familiar, esta oficina buscou identificar os elementos relacionados com a tecnologia social, representando mais um passo na construção deste conceito. II. A oficina “Que se fortalezcan las áreas de docencia e investigación orientadas al medio rural y que los estudios que realizamos, nos permitan encontrar soluciones viables para el agudo problema rural latinoamericano”11 (Dra. Blanca Rubio, presidente de ALASRU). É com grande prazer que enfrentamos o desafio de fazer o relatório da oficina "Tecnologia social e Agricultura familiar: semeando diferentes saberes”. Trata-se de um desafio, uma vez que ambos os temas são instigantes e pensar sobre o possível encontro a partir de uma abordagem reflexiva é tarefa difícil. Chegamos ao Centro Cultural de Brasília na manhã de terça-feira, 19/10/2004. O local era muito agradável e dispunha de uma estrutura que se mostrou “Que se fortaleçam as áreas de docência e investigação orientadas para o meio rural e que os estudos que realizamos nos permitam encontrar soluções viáveis para o problema rural latinoamericano”. 11 12 adequada à realização da oficina. O evento foi aberto com uma atividade de introdução ao processo de construção do conceito de TS12, dividida em duas apresentações. A apresentação esclareceu, logo de início, que durante a oficina o centro da discussão não seria a agricultura familiar e sim a tecnologia social. Procurou-se, então, apresentar as razões que levaram à organização do evento. Esta idéia seguramente promoveu certo estranhamento entre os participantes que, majoritariamente, eram mais afeitos ao tema da agricultura familiar do que ao da tecnologia social. Este momento foi importante para democratizar e apresentar as referências e formulações sobre Tecnologia Social acumulados pelo ITS até o momento da oficina, possibilitando aos participantes conhecerem o ITS e sua proposta. Primeiramente, Fabiana Jardim iniciou sua apresentação pela história do Centro Brasileiro de Referência em Tecnologia Social (CBRTS), que tem como objetivo final a melhoria da qualidade de vida da população. A questão que a discussão sobre Tecnologia Social procura esclarecer é: como se faz isso? Esta questão a experiência das ONGs pode ajudar a responder, na medida em que se percebe que elas propiciam espaços promotores de inovação tecnológica, mesmo que não sejam reconhecidos como tal pelos órgãos financiadores e produtores de CT&I. O projeto CBRTS13 visa conhecer e difundir práticas de ação e intervenção geradoras de mudanças principalmente no universo em que as ONGs estão inseridas. Entre os objetivos do Centro está a difusão de conhecimentos e Tecnologias Sociais que são definidas como um “conjunto de técnicas e metodologias transformadoras, desenvolvidas e/ou aplicadas na interação com a população e apropriada por ela, que representam soluções para inclusão social e melhoria das condições de vida”14. Trata-se, portanto, de processos coletivos que possuem certos elementos que os tornam eficazes para transformação social. É ainda neste primeiro momento da oficina que se explicita o papel da relatoria cujo objetivo é estabelecer o diálogo entre o trabalho que o ITS vem desenvolvendo e a área temática específica. A oficina “TS e Agricultura Familiar” foi a terceira realizada em 2004, precedida por dois eventos similares, sobre os temas Desenvolvimento Local e Educação. Esta oficina procurou refletir sobre o A programação pode ser visualizada nos anexos. O projeto CBRTS é fruto de uma parceria entre o Instituto de Tecnologia Social e a Secretaria de Ciência e Tecnologia para Inclusão Social, do Ministério da Ciência e Tecnologia. O projeto tem duração de 4 anos, sendo que o primeiro ano (2004) foi dedicado às atividades tidas como necessárias à implantação, tais como instalação física, mapeamento de organizações nãogovernamentais que produzem e/ou utilizam Tecnologia Social, promoção de encontros temáticos, desenvolvimento conceitual, elaboração de uma páginas eletrônica, entre outras. 14 Instituto de Tecnologia Social, 2004, p.26. 12 13 13 diálogo de saberes presente no universo da agricultura familiar, esclarecendo, deste modo, alguns aspectos do jeito de fazer específico que caracteriza a TS. É reconhecida a necessidade de estabelecer diálogos entre os diferentes saberes (acadêmico e popular), construindo “pontes” entre eles, e a oficina buscou recolher elementos para qualificar como são as “pontes” já existentes. Um exemplo interessante de diálogo é o trabalho desenvolvido pelo Instituto Sócio Ambiental – ISA junto aos indígenas da Amazônia, para repovoamento dos rios: a Piracema de laboratório. Neste projeto um grupo de indígenas recebeu treinamento em técnicas reprodutivas de piscicultura na Faculdade de zootecnia da USP. Nesta parceria entre comunidade e ISA foram aliados conhecimentos tradicionais a técnicas modernas gerando esta nova forma de fazer a Piracema, e assim, possibilitando o repovoamento dos rios da região a partir da irradiação deste processo para as demais tribos da reserva. Este é um exemplo de como é possível articular de forma sinérgica os diferentes saberes (popular e científico), para resolver problemas e demandas sócio-ambientais. O conceito de TS procura ressaltar certos aspectos das experiências estudadas; não é qualquer intervenção sobre a realidade que se caracteriza como TS e percebeu-se que a experiências de ONGs na produção de conhecimento se constituía num “objeto” privilegiado para a coleta de informações e aprendizagens sobre TS. E é no esforço de garimpar tais elementos que se chega a esta terceira oficina. Enquanto a primeira oficina trabalhou um tema bastante amplo, qual seja o desenvolvimento local, a segunda abordou um tema mais ligado ao universo das ciências humanas. A proposta com esta terceira oficina era trabalhar um tema que tivesse uma interface mais clara com o que se identifica com as ciências “duras”15. O primeiro momento de exposição da metodologia e do conceito de TS gerou/possibilitou uma discussão bastante interessante, durante a qual os participantes puderam contribuir com suas diferentes perspectivas; o debate que se sucedeu à exposição deixou clara a importância e a necessidade de promoção de tais espaços, na medida em que não há consenso sobre a questão de como devem ser as relações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade, especialmente no meio rural, no qual tais relações têm se dado historicamente de modo conflituoso e pouco democrático. Provavelmente, a fecundidade das questões levantadas se deve ao fato da Esta “dureza” atribuída às ciências exatas se relaciona com a idéia de que a ciência cartesiana, positivista acaba por gerar uma certa “dureza”, significando a falta de humanidade nas tecnologias geradas, (tais como maquinários pesados, técnicas sofisticadas que se tornam incompreensíveis a não ser para os cientistas etc.).Tal “dureza” identificada a estas ciências visa, portanto, fazer a crítica da ausência de participação humana, tanto na formulação de problemas científicos, quanto em seu desenvolvimento ou utilização. A distinção, entretanto, é simplesmente analítica, visando distinguir campos diferentes de geração do conhecimento. 15 14 agronomia ser uma “ciência de fronteiras”, ou seja, possui interfaces com várias outras ciências, pois se utiliza do conhecimento gerado por outras ciências na base de sua formulação – o que possibilita o trânsito entre as ciências humanas, exatas e biológicas. A escolha do tema da agricultura familiar possibilita vislumbrar novos elementos de TS a partir do olhar sobre as experiências apresentadas, em função da riqueza de elementos presentes nelas. O objetivo era conhecer mais o processo, qualificando-o. Trata-se de um objetivo fundamental, pois o resultado das intervenções não carrega em si os elementos TS: para identificá-los é preciso um olhar atento para o processo. A análise das experiências mostra que a realidade concreta é mais rica e plural do que a reflexão que permanece apenas no campo das idéias. Portanto para atingir os objetivos específicos da oficina, que visavam vislumbrar o processo de geração e introdução de tecnologias na agricultura familiar, bem como as formas encontradas para o diálogo destes processos, buscaram-se experiências que estivessem em funcionamento há pelo menos 8 anos e que, na medida do possível, fossem representativas das diferentes regiões do país e permitissem a coleta de características de atuações locais, regionais e nacionais. Foram selecionadas as experiências de assessoria e apoio à formação de empreendimentos coletivos, conduzida pela Confederação de Cooperativas da Reforma Agrária do Brasil – CONCRAB; utilização da pedagogia da alternância em Casas Familiares Rurais e Escolas Famílias Agrícolas, conduzidas pela Associação das Casas Familiares Rurais – Arcafar/PA e União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil – UNEFAB, respectivamente e a experiência de formação de agricultores-experimentadores, conduzida pela Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa, AS-PTA. Além disso, houve duas exposições durante a oficina, a primeira sobre as relações entre Pesquisa e Assistência Técnica e Extensão Rural – ATER e a segunda sobre Princípios de Agroecologia. Estes foram os temas que serviram de base para a constituição das mesas de debate no decorrer do evento. É importante conhecer melhor estes três aspectos da agricultura familiar que foram debatidos na oficina, ou seja, a formação/educação, o fazer agricultura (tecnologias alternativas de cunho agroecológico) e a organização dos agricultores e sua relação com Tecnologia social. Falou-se sobre a importância do debate e sobre as parcerias entre ministérios (MDA e MCT) e secretárias 15 (SAF, SIS, SES). Tais parcerias são impulsionadas pelas demandas e pelos movimentos sociais e também por instituições envolvidas com o tema agricultura familiar e inclusão social que buscam melhoria da qualidade de vida da população, mas seguramente há um outro aspecto muito importante que leva à articulação de diferentes organismos de governo: a garimpagem de recursos financeiros. É importante na gestão pública que as políticas não sejam concorrentes, mas convergentes, pois não há recursos para tudo e muitas vezes diferentes secretarias disputam um mesmo recurso para um mesmo fim, então a parceria otimiza e dinamiza o uso do recurso, desde que se consiga focar (superar) o processo de gestão pública para além dos interesses de poder, que é particular de cada secretaria e de seus dirigentes. A apresentação de Martina Otero teve como objetivo o aprofundamento da discussão conceitual. Ela procurou explicitar qual é a marca do Instituto de Tecnologia Social na construção do conceito de TS, sublinhando que para além da pesquisa bibliográfica, procurou-se mapear as experiências existentes de modo a construir um conceito pautado por experiências concretas. Este momento de apresentação do “desenvolvimento conceitual: tecnologia social até agora” suscitou vários questionamentos, o que estendeu a apresentação e acabou prejudicando o momento de troca de experiências entre os participantes, previsto no programa. Apesar da proposta de encontrar um outro momento para que as trocas de experiência ocorressem, isto não aconteceu. A ausência deste momento específico pode ter contribuído para a referência constante que cada um fazia à suas experiências, quando das intervenções no debate. De qualquer forma, “nos bastidores” foi possível conhecer um pouco mais das experiências presentes a partir de contatos individualizados nos intervalos entre atividades e durante café da manhã, almoço e janta. Durante o debate que se seguiu à exposição conceitual, houve um questionamento a respeito da pertinência de se debruçar sobre aspectos epistemológicos da constituição do saber, procurando compreender mais cuidadosamente a distinção entre ciência, tecnologia e técnica, como estratégia para lançar luz sobre o adjetivo social que vem acompanhando a tecnologia. Levantou-se uma questão quanto ao caráter indutivista da metodologia adotada pelo ITS e sua suscetibilidade a críticas na construção do conceito. Para esta questão procurou-se recordar a base do trabalho do ITS, que tem origem na demanda concreta de ONGs que produzem CT&I. À medida que estas entidades sistematizam suas experiências conseguem dar mais visibilidade a suas experiências, mas que não são reconhecidas pelos organismos oficiais de 16 pesquisa e, portanto não conseguem obter financiamento dos órgãos oficiais dos sistema de CT&I. Para além da origem da formulação das questões que circulam em torno do tema da Tecnologia Social, outra parte da resposta consistiu em sublinhar que os instrumentos de conhecimento sobre os sistema C&T existentes são insuficientes para compreender e mensurar a produção de saber dentro das ONGs; neste sentido, a opção por uma metodologia indutivista esteve relacionada com a necessidade de formular novas perguntas e construir um novo olhar sobre C&T, capaz de identificar e caracterizar as especificidades do saber produzido pelas ONGs. No processo desenvolvido até aquele momento da oficina chegou-se aos seguintes princípios, que compõem o conceito de TS: a) Participação e aprendizagem caminham juntas; b) Transformação da sociedade – compreensão sistêmica da realidade; c) Identidade local respeitada e transformação local; d) Todo indivíduo é capaz de gerar conhecimento. Durante a exposição houve polêmica sobre o que é “transformação social”, ou seja, transformar em que sentido e se há neutralidade científica? Esses questionamentos servem de referência do quão é essencial a base epistemológica do saber. Para o público presente na oficina era importante a interlocução com o ITS no sentido de conhecer qual era o entendimento da equipe organizadora do evento, principalmente para balizar o pensamento dos participantes com a equipe e parece que houve um consenso de que a transformação social era no sentido da melhoria da qualidade de vida da população no geral e que a neutralidade cientifica não existe. Em seguida, apresentou-se alguns parâmetros do conceito de TS. Os parâmetros são algumas características das intervenções, que visam, futuramente, possibilitar o desenvolvimento de indicadores que permitam identificar as intervenções sociais ao universo das tecnologias sociais. Os parâmetros identificados até agora se referem a diferentes dimensões das intervenções: - Quanto a sua razão de ser: TS visa à solução de demandas sociais concretas, vividas e identificadas pela população. 17 - Em relação aos processos de tomada de decisão: Formas democráticas de tomada de decisão, a partir de estratégias especialmente dirigidas à mobilização e à participação da população. - Quanto ao papel da população: Há participação, apropriação e aprendizagem por parte da população e de outros atores envolvidos. - Em relação à sistemática: Há planejamento, aplicação ou sistematização de conhecimento de forma organizada. - Em relação à construção de conhecimentos: Há produção de novos conhecimentos a partir da prática. - Quanto a sustentabilidade: Visa a sustentabilidade econômica, social e ambiental. - Em relação à ampliação de escala: Gera aprendizagens que servem de referência para novas experiências. Gera, permanentemente, as condições favoráveis que deram origem às soluções, de forma a aperfeiçoá-las e multiplicá-las (ITS, 2004: 28-30). No universo das ONGs, percebe-se que há dificuldade em organizar seus conhecimentos e sistematizar experiências: pela própria natureza dessas organizações – geralmente pequenas ou circunscritas a ações locais, tais organizações não dispõem de tempo ou de quadros suficientes que tornariam possível a sistematização de suas práticas. Ainda assim, muitas experiências desenvolvidas possuem alto grau de inovação tanto no campo tecnológico como na apropriação e gestão do saber. E há por parte da academia uma desvalorização dessas experiências pela ausência do “rigor científico”, e até mesmo de “mérito científico”. Aqui cabe a discussão sobre método e metodologias, pois nem sempre é possível isolar todos os fatores e realizar repetições à exaustão no mundo real, para além dos muros do laboratório. É este o grande gargalo para que efetivamente seja possível o diálogo entre os diferentes saberes, pois há uma hierarquização das áreas de conhecimentos: o saber popular ocupa posição inferior ao saber científico na sociedade contemporânea. O que se observou e se reconhece como ganho até o momento é o fato de que tecnologia social está relacionada com a apropriação do saber e o diálogo dos saberes na comunidade. 18 No momento desta apresentação, várias foram as manifestações dos participantes que questionaram sobre aspectos que estão relacionados com a produção de conhecimento, mas talvez não tão diretamente com a Tecnologia Social, afinal experiências geram referências que propiciam condições para pensar e criar soluções, o que permite a reprodução continuada e a ampliação dos saberes. Dentre os assuntos abordados, a propriedade intelectual é um “tema quente” no âmbito do conhecimento popular, englobando conhecimentos sobre manejo da biodiversidade, como por exemplo, o uso e cultivo tradicional plantas medicinais. O tema da biodiversidade também se apresentou como valioso aos participantes da oficina, inclusive com forte ênfase a importância do banco de sementes. A parceria entre a EMBRAPA e a comunidade indígena dos Craôs foi um exemplo citado que mostra que há diálogo possível entre saber tradicional e o saber científico, e demonstra o quanto estrategicamente a sinergia e colaboração entre eles é fundamental para o país. O exemplo acima se refere ao fato de que os Craôs de uma determinada tribo perderam suas sementes e através do banco de sementes da EMBRAPA foi possível o resgate e devolução da biodiversidade de sementes de abóboras a comunidade. A agroecologia, a agricultura orgânica e o agronegócio expressam o “como” fazemos a agricultura e, conseqüentemente, desenvolvimento para a sociedade. Isto, os possíveis caminhos de aliado ao debate sobre a escala de reprodução local e a capacidade de replicação de experiências dá um “bom caldo”, pois este assuntos permitem visualizar com força a questão da territorialidade que muitas vezes caracteriza a agricultura. Há saberes que são possíveis por características específicas do local como recursos ambientais, econômicos e sociais. A questão sobre o quanto a estratégia produtiva da unidade está ligada ou não á reprodução familiar e, em conseqüência, influenciando o tipo de tecnologia e as formas de adoção tecnológica, são temas que expressam os interesses e a essência da agricultura familiar. A lógica que permeia o processo produtivo da unidade familiar não é ditada somente pela eficiência econômica, pois a há fatores que são desconhecidos pelos agrônomos, mas que fazem parte do saber do agricultor e que são levados em consideração antes da adoção de novas tecnologias. Podemos imaginar que o agricultor familiar é parecido com os antigos indígenas norte-americanos que, para tomar uma decisão, procuravam projetar qual seria seu impacto até a sétima geração vindoura. 19 Entre os exemplos apresentados na oficina que expressam de alguma forma esta territorialidade sobre a produção de inovação tecnológica e que reforçam a idéia de que experiências geram referenciais, encontramos o da Articulação do Semiárido (ASA), que encabeçou o programa de transformação das cisternas em uma política pública. Neste processo de consolidação da ASA houve valorização do conhecimento local e se percebeu a importância dos encontros para promover a troca de conhecimentos entre os agricultores como um caminho rumo a uma sociedade sustentável. Um dos elementos identificados que dificulta a valorização destas experiências “alternativas” é o fato delas estarem fora do mundo reconhecido pela ciência. Ainda não se inventou uma metodologia de avaliação que leve em conta fatores sociais, ambientais e econômicos juntos: o que temos são metodologias fragmentadas. Houve inclusive uma sugestão, durante o debate, de que o conceito de TS supere a referência das ONGs porque há muitas experiências que acontecem dentro das instituições de C&T ou de pesquisa agropecuária que também não são reconhecidas e, portanto, são “desperdiçadas”. Neste sentido, deveria-se incorporar mais as experiências da instituição pública, pois há muitos profissionais que estão marginais ao processo científico de suas instituições e que não são reconhecidos nem por quem esta dentro e nem por quem esta de fora das instituições, sendo duplamente discriminado. O trabalho apresentado pela Profa. France Maria Contijo Coelho16 é muito interessante, pois desvenda o conhecimento dos agricultores sobre homeopatia animal e agrícola socialmente apropriada e inovada a partir da experimentação e os processos de difusão entre os agricultores. Este trabalho, que envolve pesquisa, ensino e extensão, consegue ser duplamente discriminado tanto pela forma como pelo conteúdo. Pela forma, porque a proposta se desenvolve com base no diálogo de saberes entre a comunidade de agricultores e a comunidade da Universidade Federal de Viçosa, e pelo conteúdo porque a homeopatia dentro da academia enfrenta preconceitos históricos em função do descrédito construído socialmente (em grande parte sob influência da indústria farmacêutica). Neste momento de discussão sobre o conceito de TS também surgiram várias intervenções sobre questões ligadas à formação e foram feitas sugestões de criação de oficinas de nivelamento da assistência técnica. A idéia é formar um A Professora France Maria Contijo Coelho da Universidade Federal de Viçosa fez a distribuição de uma “cartilha de homeopatia” fruto de parceria desenvolvida entre associação de produtores orgânicos da região da Vertente do Caparaó/MG, alunos e professores da UFV. Na Cartilha em questão encontramos a seguinte referência ”O Prêmio Fundação Banco do Brasil de Tecnologia Social edição 2003 certifica, que ‘Uso da Homeopatia na Agricultura’ implementado pela Universidade de Viçosa é uma tecnologia social efetiva(...)”. Banco de Tecnologias sociais, localizado no site http://cidadania-e.com.br (p.4). 16 20 profissional com um perfil que responda a um novo tipo de ATER, uma assistência que construa junto com o agricultor, que saiba articular os saberes. Neste processo de ‘chuva de idéias’ se questionou a política de elaboração de PDA (Plano de desenvolvimento de Assentamento), que abriu espaço para o surgimento do “gigolô da Reforma agrária” - o técnico que produz o PDA descolado da realidade concreta, descaracterizando-o em relação à sua função de instrumento para planejamento de ações no assentamento de reforma agrária. Parece que há diferenças na gestão pública a serem superadas pelo MDA e pelo INCRA, que talvez auxiliassem na implementação de programas que fossem no sentido da formação do corpo técnico para executar uma ATER com base em outra linha pedagógica e tecnológica. O Diagnóstico Rápido Participativo (DRP), que é um dos instrumentos utilizados por várias ONGs, recebeu duras críticas e se questionou sua verdadeira finalidade, qual seja, um instrumento para apreender um momento de uma dada realidade e conhecê-la melhor contribuindo com o planejamento de ações. A crítica foi a de que, algumas vezes, o DRP acaba sendo utilizado como um instrumento para preencher relatórios a fontes financiadoras nacionais ou internacionais. Este é um tema importante, pois o DRP é um instrumento de grande utilidade e pode desvendar muitas coisas tanto no âmbito das relações sociais locais quanto sobre o uso dos recursos naturais. Durante a realização de um DRP junto a uma comunidade no sertão mineiro encontrou-se uma planta que era muito coletado pelos agricultores e ao se estudar a cadeia produtiva desta planta descobriu-se que seu princípio ativo era muito apreciado pela indústria farmacêutica que pagava bom preço pelo produto. Os intermediários adquiriam o produto junto a comunidade, que realizava a coleta e secagem da planta, em troca de café e açúcar. Esta experiência tornou-se a dissertação de mestrado de Laura Jane Gomes. Este exemplo mostra que o acesso ao conhecimento amplia as possibilidades de mudança social. Trocando experiências A proposta deste momento consistia na apresentação dos participantes e das experiências que trouxeram para serem compartilhadas. Infelizmente, conforme já mencionado, este momento foi prejudicado pelo andamento da programação da oficina. Esta atividade ficou espremida entre a apresentação conceitual e a mesa de abertura composta por representantes de instituições importantes relacionadas com o tema da oficina. 21 Solicitou-se às pessoas que trouxessem sistematizadas suas experiências, de modo a facilitar o processo de apresentação e inclusive possibilitando a exposição em painéis, no entanto, apesar deste pedido ter sido enviado com antecedência aos participantes, com orientações quanto ao teor das informações necessárias17, quase ninguém havia preparado esta apresentação. Então, cada um procurou fazer seu relato considerando esses itens. A maioria dos participantes estavam ligados a programas desenvolvidos em instituições públicas e talvez este tenha sido o motivo da forte tônica dada a questões referentes a gestão pública durante a oficina. A mesa de abertura – “Tecnologia social: conhecimento e sociedade” Este foi um momento importante, pois os participantes puderam ter contato com a visão multivariada dos representantes do poder público sobre o tema da oficina. De um modo geral, percebe-se que há necessidade de aumentar o diálogo entre ministérios, secretarias e órgãos públicos como um grande desafio a ser enfrentado na gestão pública. A mesa, coordenada pela Gerente Executiva do Instituto de Tecnologia Social, Irma Passoni, contou com a participação do Secretário de Ciência e Tecnologia para Inclusão Social/MCT, Rodrigo Rollemberg; do Secretário da Agricultura Familiar/MDA, Valter Bianchini; da Secretária-adjunta da Secretaria Nacional de Economia Solidária/MTE, Sônia Kruppa; de Francisco Hercílio Matos, da Secretaria da Ciência e Tecnologia para Inclusão Social/MCT; do Deputado Estadual César Medeiros (PT/MG); do Diretor de Programas Setoriais do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, CNPq, Manuel Barral Neto; do Presidente da EMBRAPA, Clayton Campanhola; de Aliomar Arapiraca, representando a Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira, CEPLAC e de Paulo Egler, representante da Academia Brasileira de Ciência – ABC. A mesa de abertura teve um caráter bastante solene e, como é possível notar acima, contou com a presença de um grande número de participantes, cada um deles representando instituições tradicionalmente ligadas à pesquisa, à Universidade ou à Extensão Rural. O primeiro a falar foi o Deputado César Medeiros. Ele destacou a importância da promoção de espaços para a discussão da Agricultura Familiar e tratou, especificamente, das Casas Familiares Rurais e Escolas Famílias Agrícolas. Segundo o deputado, tem havido um movimento do Estado para o O formulário que foi enviado aos participantes pode ser encontrado no anexo 4, ao final do relatório. 17 22 reconhecimento da eficácia da Pedagogia da Alternância, transformando-a num modelo de Educação Rural. O diferencial deste modelo está na articulação entre teoria e prática, que permite a interação entre os indivíduos, sua família e o corpo de conhecimentos “universais”. O deputado encerrou sua fala chamando a atenção para a necessidade de investimentos, a fim de ampliar o alcance das iniciativas das Casas e das EFAs; investimento que está plenamente justificado pelo fato de que a Pedagogia da Alternância é um instrumento de melhoria da educação, estímulo à agricultura familiar e ao desenvolvimento sustentável. Em seguida, passou-se a palavra ao Secretario Rodrigo Rollemberg, que falou da mudança de paradigma instaurada pelo governo Lula, pondo no centro das preocupações a inclusão social. Neste sentido, afirmou o Secretario, a definição do conceito de TS pode ser um instrumento de construção de clareza para as ações do MCT, pois ajudaria a identificar os projetos que visam, realmente, a inclusão social, não apenas em seus produtos, mas já desde sua concepção. O Secretário afirmou ainda a importância estratégica da extensão universitária como a grande executora da mudança de postura da Sociedade em relação à C&T: por meio da extensão (nem messiânica, nem assistencialista), construirse-iam novas bases de diálogo entre diferentes atores. Deste modo, ganharia a população, que teria acesso a conhecimentos produzidos nas Universidades, e ganharia a Universidade, que assumiria sua missão pública e ampliaria o conjunto de questões com as quais as pesquisas devem lidar. Finalmente, Rodrigo sublinhou que estas mudanças na lógica do Estado, ainda que pequenas, representam passos para a transformação do país, em direção à redução de desigualdades e desenvolvimento sócio-econômico e ambiental. O Secretario Valter Bianchini falou sobre alguns dos desafios que estão postos para o desenvolvimento da agricultura familiar. Ele tomou alguns dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, que permitiam entrever uma correlação entre a ausência de escolas e de assistência técnica e extensão rural e níveis de pobreza: nos locais em que não existiam escolas e onde as políticas de ATER não chegavam, a pobreza era bem maior. Este dado, frisou o Secretário, evidencia a necessidade de se pensar as relações entre inclusão social e o acesso ao conhecimento e ao saber. É neste sentido que as escolas que utilizam a Pedagogia da Alternância, as extensões universitárias, a educação formal e a formação profissional desempenham importante papel. No entanto, ele ressaltou, é preciso repensar a formação profissional oferecida, por exemplo, pelas instituições que compõem o chamado sistema “S”, que privilegiam unicamente um modo de organização da agricultura: o agronegócio. O 23 desenvolvimento deve ser multifuncional e multi-setorial, e não pode estar restrito a um ou outro modelo de organização econômica. Foi seguindo este tema da diversidade que Clayton Campanhola iniciou sua fala, dizendo da importância de se reconhecer que há várias agriculturas familiares, de acordo com as realidades locais onde estão inseridas. Como presidente da EMBRAPA, Clayton abordou o desafio de enfrentar a cultura institucional, que tem tratado de modo dissociado Pesquisa e ATER. Ele sublinhou ainda que Tecnologia e Ciência não são socialmente neutras e, deste modo, é preciso ter clareza de para que se está trabalhando; além disso, o desejável seria que os pesquisadores lograssem trabalhar com a sociedade. Este trabalho com a sociedade significa, entre outras coisas, ampliar o controle dos impactos sociais e ambientais de tecnologias, definir quais os temas que merecem ser pesquisados, participar do desenvolvimento das pesquisas etc. Finalmente, Clayton sublinhou que uma nova abordagem requer a construção de massa crítica e fica posto o desafio, portanto, de possibilitar que a EMBRAPA seja tão plural quanto o meio rural. Francisco Hercílio Matos, em sua fala, reforçou a pluralidade e a multifuncionalidade do espaço rural, sublinhando que menos do que um modo de organização da produção, a agricultura familiar envolve também uma certa concepção das relações sociais. Manuel Barral, presidente do CNPq, falou sobre as iniciativas de editais conjuntos, entre MCT e MDA, que visam estimular a preocupação com a inclusão social e incluir a população na construção de soluções. Ele observou que muitos dos projetos recebidos, apesar de apresentarem propostas interessantes, não conseguiram atingir os requisitos do edital, pois deixavam entrever uma postura intelectual da Universidade “Toda Poderosa” que vai até às comunidades levar conhecimentos. A idéia dos editais é que se pense a extensão como uma atividade de troca e aprendizagem conjunta. Em seguida, Aliomar Arapiraca, da CEPLAC, começou sua fala remetendo à necessária articulação entre utopia e pés no chão. Arapiraca endossou a necessidade de mudanças identificadas nas falas dos que o precederam e formulou mais um desafio: o de fazer convergir o trabalho das diversas instituições para a comunidade sem grandes modificações estruturais. Paulo Egler também pôs em cena uma discussão importante sobre o que define o mérito científico. Lembrando a experiência de um projeto que foi recusado pela falta de mérito cientifico, pois as tecnologias empregadas eram simples e baratas, Paulo Egler pôs em questão uma concepção de mérito científico que não leva em conta impactos sociais ou ambientais. Apresenta-se assim o desafio de construir novas medidas para o que seria o mérito científico. Egler comentou 24 ainda o princípio de TS de que aprendizagem e participação são processos que caminham juntos, destacando que isso é verdade desde que haja organização da população: se a população local conhece suas necessidades e demandas, se há clareza dos objetivos e das expectativas, a participação e uma efetiva troca de conhecimentos pode acontecer. Finalmente, Sônia Kruppa encerrou a mesa comentando as falas anteriores da perspectiva de que elas evidenciam que o modelo de gestão pública vertical está esgotado na medida em que políticas setoriais estanques não dão conta das complexidades dos problemas. É preciso, então, pensar como operacionalizar políticas transversais, pensadas por um conjunto de ministérios e complementares entre si. A sugestão provocadora de Sônia Kruppa foi de que é preciso pensar a Administração Pública como uma Tecnologia Social, aproveitando este momento de abertura, em que a exclusão passa a ser um termo que adquire visibilidade e o espaço para o diálogo parece existir. Práticas solidárias: o papel das instituições articuladoras O eixo para reflexão do tema proposto foi a experiência acumulada até o momento pela Confederação de Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil – CONCRAB. Pedro Christoffoli primeiramente apresentou a leitura que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra faz sobre agricultura familiar e sobre tecnologia, deixando claro o pressuposto da leitura marxista de mundo. Dois elementos são importantes na leitura do MST/CONCRAB sobre a agricultura familiar: a organização social e a tecnologia como processo organizativo e produtivo. Ele apresentou a importância do apoio do poder público, da burguesia agrária para o processo de modernização da agricultura brasileira que conduziu ao que hoje conhecemos como agronegócio. Este apoio se expressa nos programas e políticas de crédito, pesquisa e difusão tecnológica. Pedro chamou a atenção para o fato de que não existe uma linha especifica de pesquisa voltada para a agricultura familiar na EMBRAPA. Ele apontou que há diferenças na forma de gerar conhecimento voltado para o grande ou para o pequeno agricultor, pois há diferenças no sistema de manejo da unidade. Enquanto a pesquisa desenvolvida para o agronegócio está pautada pelo cultivo, as unidades familiares possuem um outro tipo de demanda no que se refere à pesquisa, pois a unidade produtiva não está baseada no monocultivo, apresentando uma agrobiodiversidade maior. Isto torna a agricultura familiar mais complexa, pois as relações estabelecidas dentro do sistema exigem uma 25 metodologia de pesquisa que extrapole a pesquisa por cultivo, prática muito adotada pelos centros de pesquisa. Nos assentamentos de reforma agrária encontramos todas as contradições geradas pela sociedade brasileira. Sabe-se que as experiências vividas pelos assentados serão referenciais para a organização do assentamento e para o estabelecimento dos sistemas de produção. Neste momento, quando o assentamento se inicia, é importante haja acesso a práticas que incrementem a experiência vivida, inclusive a possibilidade de articulação em cooperativas/associações como forma de superar os problemas econômicos, que quando enfrentados coletivamente podem obter melhores resultados18. Neste sentido, Pedro afirmou, entende-se que o agronegócio e agricultura familiar se excluem mutuamente: não há possibilidade de coexistência dos dois modelos. Os referenciais agroecológicos existentes no Brasil foram construídos principalmente pelos agricultores familiares e é importante reconhecer e batalhar para que a EMBRAPA e a Universidade, junto com os trabalhadores, tenham programas para desenvolver a agroecologia. Neste momento da discussão, Pedro defendeu que a TS deveria marcar uma posição, dizer para onde quer ir. Isto porque o que está em discussão é o modelo de agricultura. O “agronegócio verde”19 também existe e não muda os impactos ambientais e sociais. A dimensão do tempo na agricultura é importante porque o modelo agrícola adotado permitirá a exploração por mais ou menos tempo em função dos impactos ambientais que promovem escassez de recursos, ou seja, há uma forte relação entre a capacidade de recuperação do meio ambiente e a forma de exploração: é preciso levar em conta, portanto, a resiliência do sistema agroecológico. Até onde se pode ir com esse jeito de explorar o meio ambiente é a grande pergunta que a sociedade deve fazer para compreender a urgência de rediscutir a base científico-tecnológica do modelo agrícola hegemônico e qual sua sustentabilidade econômica, ambiental e social. A proposta de um novo modelo, um novo jeito de fazer agricultura, que se contraponha ao modelo convencional que gerou o agronegócio, deve trabalhar com a diversidade em oposição ao atual modelo que adota a homogeneização, a simplificação do sistema agrícola como base de seu desenvolvimento. No modelo alternativo, além da agrobiodiversidade, o local adquire importância, pois é necessário resgatar o conhecimento perdido, esquecido e/ou re-elaborado. Para Por exemplo, na compra coletiva de insumos ou na comercialização dos produtos. Esta é uma referência a agricultura que substitui os insumos químicos por orgânicos, mas mantém a lógica do agronegácio. 18 19 26 resgatar este conhecimento é necessário trabalhar junto às populações tradicionais, valorizando o conhecimento popular. Para o palestrante, a TS está relacionada aos processos que conduzem a mobilizações para exigir resposta a demandas sociais. Pedro apresentou a idéia desenvolvida por Roseli Caldart de que o MST é uma escola - é no fazer que se aprende. Pedro comentou ainda a necessidade de não perder, de modo algum, a organicidade, a unidade na luta. A perda da organicidade é um risco presente à medida que o movimento vai ampliando o número de participantes – o aumento das instâncias de participação e decisão traz consigo o desafio de encontrar maneiras de conciliar unidade e diversidade. É importante, então, dialogar nos diferentes níveis e construir caminhos que respondam a questões internacionais e nacionais, bem como a questões mais locais, criando identidade entre as diferentes instâncias. Organizar os coletivos, coordenações e os setores conduz a geração de conhecimento e tecnologia (social). É esta uma das razões pelas quais o MST prioriza as formas coletivas/associativas de produção, por entender que tais formas propiciam uma experiência do coletivo que é, ela mesma, educativa. O Movimento dos Sem Terra é uma escola em si mesmo (Caldart, 1997). Não há seleção prévia para participar. Procura-se a participação dos “excluídos” e não dos “escolhidos”. É no processo, da ocupação ao assentamento, que se dá a formação e a seleção de quem permanecerá. No processo todos devem ter as condições para se destacarem de forma a evitar um único líder. As ações no assentamento devem propiciar a organização de modo a garantir a convivência coletiva e a cooperação, pois é no coletivo que nos educamos e podemos desenvolver nossa consciência crítica. Este é um dos motivos que leva o MST a estimular as formas associativas nas áreas de acampamento e assentamento. Durante estes 20 anos de história o MST aprendeu muito com a organização de formas associativas e sabe que os processos são lentos. Percebemos que há possibilidades distintas para as comunidades de agricultores “tradicionais” (incluídas aqui as comunidades indígenas e os quilombolas) e assentamentos de reforma agrária ou de atingidos por barragens. Enquanto os primeiros estão territorializados, os segundos estão desterritorializados e este fator abre uma brecha, uma predisposição para experimentar o novo. 27 Reconhece-se que a organização é um fator importante e deve ser estimulada desde o momento do acampamento. Esta força da organização será muito importante para o processo de inovação e adoção de tecnologias. Isto não significa supor que, necessariamente, a comunidade assentada utilizará práticas de cunho agroecológico, principalmente se em seu entorno as experiências produtivas são desenvolvidas com base no modelo tecnológico convencional (pacote verde). Isto significa apenas reconhecer que a des-instalação resultante da luta pela reforma agrária abre espaço para modificações nos modos de produzir e fazer agricultura. O MST tem realizado várias ações para construir este caminho buscando um modelo alternativo. Tais ações procuram envolver o maior número possível de participantes do movimento, promovendo diálogos na sua base. Um dos caminhos encontrados foi a constituição da Rede de Pesquisas Tecnológicas em Agroecologia do MST, uma rica experiência de troca de informações entre pequenos agricultores que praticam a agroecologia. Há ainda um programa em desenvolvimento que procura inserir um programa de educação ambiental na escola, a discussão da importância e da necessidade dos bancos de sementes, a proposta de desindustrialização da agricultura a partir da redução no uso de insumos industrializados, a internalização da pesquisa como forma de responder as necessidades dos assentados e a construção de parcerias com o objetivo de promover a agricultura de base agroecológica. Enquanto organização, o MST, adota as seguintes estratégias que contribuem com a formulação e geração de pesquisa: Técnicos “pés no chão”: jovens que passam pela educação do campo (escola no campo/ escola do campo) nos assentamentos. Já há experiência acumulada no nível médio, o que leva a demanda por cursos de agronomia com ênfase em agroecologia ao nível superior. A idéia é que a combinação do técnico de pé-no-chão com uma cabeça criativa possibilite a construção de um novo mundo. Formação de uma rede de pesquisa agroecológica com o objetivo de desenvolver uma nova concepção de pesquisa: para isto é importante que a pauta de pesquisa seja participativa e de construção coletiva. Entende-se que a pesquisa em centros são importante, mas que a pesquisa/investigação de campo, pautada pela realidade concreta deveria ser priorizada. A idéia é popularizar o conhecimento e constituir grupos de agricultores pesquisadores. 28 No campo das políticas públicas: “balançar a árvore” e dar visibilidade às demandas sociais no campo de Assistência Técnica e Extensão rural – ATER e produção de conhecimentos agroecológicos ao Estado. Onde o povo está organizado há perspectiva de mudança. É importante estruturar convênios com governo para financiamento de ATER, mas compreende-se a necessidade de desconstrução do técnico, para que este atue em novas bases cientifico - tecnológicas. Residência agrária: instrumento na formação de estudantes, de forma que este tenha a possibilidade de aprender os elementos a partir da realidade concreta. Dialogar sobre os limites do modelo hegemônico de agricultura e construir um novo modelo, alternativo, dentro das condições concretas dos assentamentos não é tarefa fácil. Os assentados têm como referência o modelo hegemônico, que através de programas como o “Globo Rural” reforça a viabilidade da agricultura convencional. Boa parte das cooperativas/associações ligadas a CONCRAB tem a tendência de seguir o modelo hegemônico de desenvolvimento. A questão toda é a disputa desleal entre o modelo acabado e o modelo inacabado, pois exige que as pessoas escolham entre “algo que conhecem” e uma “possibilidade sem garantias”. Nos assentamentos um dos elementos muito explorado é a “mística da superação”, que procura trabalhar o emocional ao lado do racional, construindo a identidade do grupo na luta pela reforma agrária. É neste processo que se organizam e se constroem as bases das relações sociais que darão a “liga” no tempo de acampamento e, posteriormente, no tempo de assentamento, quando as forças terão que novamente se reordenar. Percebe-se que os processos de participação ocorrem com mais força onde há organização social. O processo de transformação é lento, tem seu tempo e ritmo próprios, pois passa pela validação da comunidade e, posteriormente, da sociedade. No universo do enfrentamento entre ideologias e formas de pensar a sociedade, os movimentos sociais cumprem um papel muito importante pois carregam em si o germe da mudança – fruto das contradições e diferenças dentro da sociedade. Neste sentido, é muito importante que o enfrentamento se realize ancorado por bons fundamentos. 29 Pedro citou o Prof. Florestan Fernandes que dizia que o movimento social não pode ser cooptado ou esmagado e precisa ter vitórias e conquistas. As vitórias e conquistas para os movimentos sociais são valiosas, pois têm o efeito de deixar a chama acesa e são a injeção de ânimo que os participantes necessitam para continuar sua caminhada reivindicatória. Os fracassos desestimulam a caminhada, mas fazem parte do processo criativo. No universo das tecnologias sociais este é um elemento a ser considerado, pois no campo da agricultura os acertos estimulam a validação das inovações e o desenvolvimento de tecnologias que poderão ser apropriadas socialmente. A cooptação do movimento social, por sua vez, é um indicador que este não mais caminhará rumo a transformação, mas passará a fazer parte do status quo vigente, e isto contribuíra para a extinção de sua razão de ser. No campo da transformação social a capacidade crítica aliada à capacidade organizativa e de mobilização são elementos-chave, pois através da constante avaliação das experiências vividas se ganha elementos para mobilizar atores no caminho da mudança. A mudança é mais fácil no campo das idéias do que na arena do cotidiano social. A despeito disso, existe uma aposta grande na agricultura familiar como base de um outro modelo de desenvolvimento da sociedade, na busca da sociedade sustentável. Esta tem em sua base os ideais de sustentabilidade social, econômica e ambiental, que são identificados por muitos como de difícil equalização. Muitas organizações imbuídas deste ideário da sustentabilidade desenvolveram estratégias com o objetivo de contribuir na construção de possíveis caminhos. Para isto apostam na pluralidade metodológica. Este é o caso, por exemplo, das escolas que adotam a pedagogia da alternância, cuja metodologia supõe três passos distintos e constantemente percorridos: observar, refletir e experimentar. Nestas escolas, a formação é dada pela família, pelos professores e pelas associações de agricultores. São as interfaces das histórias de vida dos alunos, pais, professores, técnicos e camponeses que dão a tônica e compõem o repertório dos atores envolvidos nesse processo de ensino aprendizagem. Acredita-se que a formação deve ser um projeto de construção coletiva. Desta forma existe a possibilidade de concretizar e interrelacionar os diferentes saberes. A base da cognição esta na compreensão do processo que se apreende. Os alunos não são apenas depósitos de conhecimentos, mas têm a possibilidade 30 de refletir sobre a teoria e a prática, o que é fundamental para o processo de produção de conhecimento e inovação tecnológica. A capacidade criativa é infinita quando desenvolvemos a habilidade de pensar criticamente. Não é fácil seduzir as pessoas para o novo com um discurso tipo: “Sei que não sei fazer, mas sei que pode ser diferente” ou “vamos trocar a roda da bicicleta em movimento”. Existem aspectos que dificultam a mudança social e o “desconhecimento” é um deles. A decisão de adotar ou não inovações numa unidade de agricultura familiar pode ser um bom exemplo de como são vários os fatores que interferem nesta decisão. A decisão não é arbitrária: leva em consideração aspectos sociais, técnicos, ambientais, políticos e econômicos. Na construção de um outro caminho possível de organização da sociedade, os movimentos sociais cumprem um papel importante. A ação coletiva explicita as contradições e possibilita pensar e propor alternativas. Neste caso, alguns elementos são sempre lembrados como é o caso das relações de gênero e de geração. Na agricultura familiar as mulheres e os homens têm seu lugar bem definido, assim como pais e filhos(as), e também há uma territorialidade. Por exemplo, a responsabilidade por retirar o leite pode ser masculina, feminina ou dos filhos(as) conforme o local. Há comunidades que definiram em seu processo de organização social que a agricultura é uma atividade feminina: em outras comunidades, esta é uma atividade masculina. O que percebemos é que a questão da subordinação ou da complementação de um gênero em relação a outro depende de diferentes fatores e é socialmente construído, assim como o tema das gerações (Woortmann, 1992). Pedro deixou clara sua percepção de que não serão governos transitórios que farão a grande transformação, mas alguns elementos foram apontados de modo a contribuir com um outro projeto de sociedade e novos caminhos na construção do conhecimento. O crédito, os insumos e as parcerias foram identificados como instrumentos para estimular a experimentação dos agricultores. Os diagnósticos e análise devem ser realizados de forma continua e participativa, para terem sentido como instrumentos de planejamento. É necessário ainda pensar a transição das instituições. O atual modelo de produção tecnológica hierarquiza o conhecimento científico e chega ao agricultor por simples transferência. Adotou-se um modelo “transferencista” de tecnologia: neste modelo a tecnologia oriunda da pesquisa chega ao agricultor através da extensão rural de forma acrítica, pronta para ser “consumida”. Este formato de pesquisa e extensão nega por completo o conhecimento dos agricultores. O não- 31 reconhecimento do saber do agricultor é confundido com atraso, entende-se que resistência à adoção de inovações tecnológicas ocorre por mero conservadorismo e medo do novo. Mas há uma outra explicação para esta resistência que é o fato do sistema produtivo validado por este agricultor não comportar o risco da adoção da tecnologia proposta pela extensão rural. Muitas vezes, os fatores considerados pelo agricultor são identificados pelo técnico como “subjetivos” e, por esta razão, sem valor. Faz-se necessário pensar novas bases epistemológicas para um novo modelo de conhecimento, que está por construir-se. É preciso socializar o conhecimento, modificando o processo atual no qual temos a tecnologia totalmente baseada no “segredo”. É preciso desconstruir o processo de formação em vigor, criar um novo processo em outras bases, pois dificilmente conseguiremos formar novas lideranças no processo escolar vigente. Nestes momentos de busca de novos caminhos é possível pensar em incentivar a transformação de determinadas estruturas conservadoras do Estado, mas talvez o mais interessante seja desenvolver mais parcerias com organizações de caráter público não estatal. Tal idéia faz sentido principalmente quando pensamos na agricultura familiar e no grande número de ONGs que atua junto a este segmento - geralmente com muita dificuldade financeira. Durante a oficina, conhecemos o exemplo de muitas escolas que aplicam a pedagogia da alternância e que estão com dificuldades financeira; tais escolas poderiam contar com apoio do Estado. São tantos os interesses da agricultura que é muito difícil atender a demanda. A universidade, caso se aproprie deste novo projeto de sociedade, terá muito com que contribuir. Um novo tipo de agricultura exige um novo tipo de tecnologia social, um novo jeito de trabalhar a extensão e assistência técnica. Na atualidade a extensão rural tem dificuldade no diálogo entre agricultores familiares e técnicos tradicionais, pois estes têm uma visão parcial da realidade rural, o que impede uma boa relação entre as partes. Além disso, atuar simplesmente difundindo pacotes tecnológicos não é a melhor forma de trabalhar o desenho das unidades produtivas, principalmente se pensamos na agricultura sustentável. O que é reiterado no discurso de Pedro é que o discurso da “ciência neutra” é uma falácia, funcionando apenas para obscurecer a idéia de que a produção de conhecimento não responde a interesses. A questão é muito séria e deve ser analisada com cautela. No campo da agricultura temos vários exemplos de que 32 não há neutralidade na produção de conhecimento. O processo de modernização da agricultura brasileira nos fornece um exemplo eloqüente, pois se adotou o caminho da adaptação e difusão de tecnologias que ao final privilegiou um segmento de agricultores. É muito comum a associação de pesquisadores ao agronegócio e a grandes empresas que financiam parte das pesquisas com o objetivo de validar seus produtos. Dentro de nosso atual sistema de C&T, estes são os pesquisadores valorizados, os que apresentam resultados. Os pesquisadores que trabalham com conhecimento popular normalmente são desvalorizados, pois a pesquisa que desenvolvem não está ligada a nenhuma grande corporação e seus resultados são sempre duvidosos, pois são localizados, pequenos e de difícil replicação. Assim, podemos observar claramente que existe a produção de conhecimento que recebe apoio financeiro e os que não recebem. Claramente, isto está relacionado com a concepção de CT&I do pesquisador e das instituições financiadoras, que são balizadas pelo ideário hegemônico sobre o assunto. Poderíamos nos remeter a exemplos como o prêmio Nobel concedido ao inventor do DDT seguido das denúncias de sua toxicidade 50 anos depois; a liberação de CFC na atmosfera e as posteriores descobertas de sua relação com a destruição da camada de Ozônio; a talidomida e seus efeitos nocivos; as doenças negligenciadas pela indústria farmacêutica como o Mal de Chagas e a Leishmaniose...São muitos os exemplos que ilustram que a produção científica não é neutra, principalmente quando olhamos para o universo das questões ambientais que estão na agenda mundial. Um novo modelo de conhecimento deveria levar em conta que há diversos modos de conhecer o mundo e intervir sobre ele; assim, deveríamos dizer não ao desperdício das experiências. Afinal, porque não vejo ou compreendo, não quer dizer que não exista: o reconhecimento da pluralidade amplia o que é tido como possível. O desafio apresentado é o de efetivar uma nova matriz tecnológica onde a pesquisa, a extensão e a sociedade caminhem juntas. Para isso, é necessário lidar com a questão da escala de produção: existe uma pressão grande para que as técnicas gerem aumento na escala de produção. Para ilustrar esta questão talvez seja interessante utilizar o exemplo apresentado durante o seminário sobre a comercialização de sementes produzidas por agricultores do semi-árido brasileiro e que, com o uso de tecnologias apropriadas, tiveram seu potencial de germinação maior do que as sementes certificadas pela instituição de pesquisa. 33 As tecnologias ligadas ao aumento de escala nem sempre consideram aspectos sociais e ambientais. Estes fatores , quando considerados conjuntamente, podem colocar em xeque a idéia de que importa somente o aumento imediato da produção. A questão colocada por Pedro é como seria feito este trabalho com nova cara, se seria possível com a mesma estrutura de CT&I e ATER de que dispomos fazê-la convergir para o trabalho com a comunidade. A questão fundamental é a mudança de mentalidade; mudar a estrutura por decreto não muda a mentalidade. Portanto criar uma nova estrutura não necessariamente é uma solução – afinal, novas estruturas carecem de tempo para se enraizarem e adquirir capilaridade. Além disso, as estruturas institucionais mais antigas já estão estabelecidas quanto a recursos econômicos, técnicos e humanos. A principal crítica que foi feita se ampara na observação de que as ONGs são muito mais ágeis para de adequar a mudanças de demandas do que as estruturas do Estado. Ora, as estruturas do Estado dificilmente terão a mesma dinâmica de uma ONG, pois são essencialmente diferentes. O que pode ser feito, até como estratégia para dinamizar as instituições estatais é construir e reforçar canais de diálogo entre estas e a sociedade. As instituições de pesquisa, ensino e extensão necessitam ter mais diálogo com a sociedade, devem se reformular e sair do pedestal em que se encontram. As mudanças na extensão universitária podem aproximar a agricultura familiar da universidade e este caminho deve ser construído coletivamente a partir de metodologias participativas. Neste processo de mudança nas relações entre governo e sociedade, qual seria o papel da sociedade em relação ao governo? Um termo muito utilizado foi o de que é necessário “balançar a árvore”, cobrar do Estado políticas públicas que realmente atendam às demandas sociais. A questão que ficou sem resposta é como se reconhece qual o momento de cooperar com o governo e qual o momento de enfrentá-lo. O que ficou nítido no processo é que o “ritmo” do movimento social – MS é diferente do governo. O governo procurou fazer o mapeamento da economia solidária com a intenção de trabalhar a contradição entre o apoiar e o cooptar. Para que a mudança institucional ocorra “por dentro” é necessário conquistar técnicos, pesquisadores e professores para que estes coloquem suas competências a favor da construção de um outro modelo de desenvolvimento. Compreende-se que a construção do modelo de desenvolvimento é uma decisão política, foi assim com o processo de modernização da agricultura durante os 34 anos 70 e é assim com a expansão agrícola nos dias de hoje. É importante que se modifique o orçamento da EMBRAPA, pois hoje a pesquisa privilegia o agronegócio e não a agricultura familiar, este também é um aspecto político. Concluindo sua intervenção, Pedro afirmou que as intervenções neste campo não devem ser pontuais, devem ocorrer de forma sistêmica de modo a desenvolver a agricultura familiar. A promoção do processo de transição a agricultura de base agroecológica deve ser animada pelo Estado. Sônia Kruppa, iniciando sua reflexão, resumiu as falas da mesa de abertura e a exposição de Pedro numa sentença: “eu sei que não sei como fazer, mas sei que pode ser diferente”. Sônia puxou a discussão para o desafio que o governo Lula está enfrentando, para a criação de novas formas de gestão, e tratou especialmente da atuação da Secretaria Nacional de Economia Solidária. Ela retomou a discussão sobre os modelos que estão em disputa, sublinhando que um deles já está estabelecido – havendo, portanto, instituições, políticas públicas e acúmulo de reflexão dedicado a ele – e o novo movimento que nem sequer está desenhado como modelo. O desafio, segundo Sônia, é desenvolver ferramentas que modifiquem o modelo existente, mas sem pretender fazer isto a partir da criação de novas instituições que “magicamente” operassem segundo outra lógica: é necessário modificar o existente participando do existente. Ainda que tais mudanças sejam lentas, Sônia chamou a atenção para o papel desempenhado pelas entidades da sociedade civil organizada e pela população em geral: balançar constantemente a árvore. Trata-se de uma referência à exposição de Pedro, que disse que o esforço constante para transformar as instituições significa balançar a árvore e acrescentou que a lentidão das transformações se deve à arraigada cultura institucional, que faz com que as pessoas se agarrem fortemente à árvore, temendo cair. Ainda brincando com esta idéia, Sônia alertou quanto à força com que balançamos a árvore, pois os bons frutos podem cair também. Ainda em relação ao papel da sociedade civil organizada, Sônia Kruppa chamou a atenção para a dificuldade de interlocução com os desorganizados, ou seja, aqueles indivíduos que se encontram pulverizados em suas ações e estratégias. Outro papel atribuído à sociedade civil organizada foi o de apoio ao Estado. Segundo Sônia, a novidade das ações formuladas por este novo governo, associada à ausência de instituições que possam implementá-las, torna necessário o estabelecimento de parcerias. Tais parcerias visam, sobretudo, utilizar as redes das ONGs, conferindo capilaridade às novas políticas. Todavia, ela afirmou que tais relações entre sociedade civil organizada e Estado não se 35 dão de modo tranqüilo. Chamando ao diálogo a sociedade civil, o Estado acaba tendo que enfrentar o “fio da navalha” entre cooptar os movimentos sociais e “esmagá-los”. Caberia, do nosso ponto de vista, apenas um questionamento sobre a necessária distinção entre sociedade civil organizada, empreendimentos solidários e movimentos sociais. Finalmente, Sônia Kruppa fez um comentário sobre TS que vale a pena recuperar, por estar tão vinculado ao conceito desenvolvido neste ano de trabalho. Ela disse que a noção de TS põe em questão a ciência e o próprio modelo de conhecimento de que dispomos. Falar em TS não significa apenas falar dos objetivos da tecnologia, mas questionar o próprio processo de produção de conhecimento. Pedagogia da alternância: instrumento para promoção de desenvolvimento da agricultura familiar É interessante notar que, para este momento, tivemos dois expositores que optaram por caminhos bem diferentes em suas apresentações. A primeira foi mais pautada pela questão da pedagogia da alternância e a escola, esclarecendo como que se opera o processo de ensino aprendizagem neste contexto e como os atores envolvidos se relacionam. Já a segunda exposição apresentou mais elementos político-ideológicos e de críticas à sociedade. A primeira exposição foi feita por Cida, professora do curso de Pedagogia na Universidade Católica de Brasília e, na mesa, representante da União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil – UNEFAB. A professora apresentou as linhas gerais do trabalho das Escolas Famílias Agrícolas, definindo as EFAs como “uma associação de famílias, pessoas e instituições que se unem para promover um desenvolvimento sustentável e solidário no campo”. A Profa. Cida iniciou sua fala com a leitura de uma carta redigida de próprio punho, que expressa o significado da vivência numa EFA e sintetiza a visão de uma estudante que vivenciou a pedagogia da alternância. Em sua leitura, percebe-se a força do conhecimento construído a partir da realidade concreta. Este adquire um outro significado, mais ainda quando tem como objetivo a formação integral e passa a fazer parte do projeto de vida pessoal contribuindo com o desenvolvimento do meio social, econômico, humano, político. O processo de aprendizagem não está restrito à sala de aula e a aprendizagem transita por todas as ciências, independente de seu caráter humano, exato ou biológico, permitindo a articulação de conhecimentos e despertando a criatividade. Este processo é possível a partir da observação, reflexão e 36 experimentação proposta no método: ao observar estou pesquisando de forma participativa a realidade; ao refletir estou analisando a realidade e ao experimentar encontro novas interrogações e possibilidades de pesquisa. Tudo isto é possível devido à transversalidade que há no processo. Alguns dos instrumentos pedagógicos citados – como o plano de estudo, os cadernos da realidade empresa agrícola, caderno da experimentação, cadernos de atividades gerais – são fortes instrumentos pedagógicos e posteriormente servirão de material base para a monografia de conclusão de curso. Também ocorrem as visitas de estudo e é o momento no qual ocorre uma maior interação entre o professor, o aluno(a) e pais, pois o professor visita a propriedade dos pais, conhecendo a realidade concreta em que está inserido o aluno. A articulação entre conhecimento teórico e prático é fundamental no processo de aprendizagem - esta é a grande diferença da escola convencional que trabalha os conhecimentos de forma fragmentada e compartimentada, dificultando a capacidade de interligar e descobrir que há um “todo” e não somente “partes”. Esta proposta da pedagogia da alternância foi desenvolvida na França em 1935, e tinha como finalidade a formação de lideranças que pudessem alavancar o desenvolvimento rural. No Brasil a adoção da pedagogia da alternância e constituição das Escolas Familiares Rurais e Casas Família Agrícola está relacionada com a demanda por um ensino de qualidade no campo, que possa contribuir com o desenvolvimento local sustentável. As Casas Familiares Rurais e Escolas Família Agrícola assumem o desafio de formar cidadãos e construir lideranças sociais no meio rural. Este formato de escola permite que o agricultor não perca a mão de obra do filho e ainda tenha um técnico visitando sua propriedade com freqüência; esses são fortes motivadores para a implementação deste tipo de escola. Quando comparamos a experiência brasileira com a francesa devemos considerar o fato de haver uma tradição do envolvimento dos agricultores com associação e/ou cooperativa e que este envolvimento é um fator histórico que está menos presente na tradição dos agricultores brasileiros. A Pedagogia da Alternância é uma das possibilidades de utilização da educação como um instrumento de organização. Tanto a proposta da ARCAFAR quanto da UNEFAB pressupõem a organização dos trabalhadores, já que as escolas são formadas pelas organizações de trabalhadores. Toda esta experiência permite a construção de novos referenciais de como a sociedade pode se organizar. São fortes contribuições para gerar mudança e isto se confirma nestes dados sobre a importância dessas escolas para que os jovens tenham a opção de permanecer 37 no meio rural: 65% dos egressos permanecem em meios rurais e 35% migram para meios urbanos20. O internato, por exemplo, permite experimentar outras possibilidades; ele possibilita a convivência e a experiência da construção coletiva, à medida que põe o educando em contato com uma pluralidade de referenciais. Cada aluno traz consigo as regras e o conjunto de códigos da sua família, que podem ou não comungar com os de seus colegas. Além disso, cada professor também traz consigo suas referências e códigos sociais, o que irá oferecer aos alunos um mosaico de referências que extrapolam a sua individualidade. Este momento representa conflito, ganhos, perdas e possibilidade de mudança social. O jovem muda a partir deste diálogo constante entre os atores envolvidos no processo de aprendizagem, o diálogo das experiências da família/monitor / comunidade/escola. Podemos enxergar o desafio que é para a pedagogia da alternância contribuir para a construção dos conhecimentos necessários a uma nova extensão rural; a idéia é fazer acontecer o processo pedagógico em alternância modificando a participação do agricultor que passa a protagonista no processo de “comunicação” . 21 Vale a pena pensar nesta questão apresentada pelo Prof. João Batista Queiroz sobre a necessidade de trabalhar a formação dos educadores para utilização dos instrumentos pedagógicos. Segundo ele, as “EFAS/ES são muito escola, pouco família e pouco agrícola”. É fundamental consolidar a experiência das Escolas Família Agrícola e para isso é preciso integração entre escolaridade e formação profissional, afinal o trabalho de monitor é muito complexo no cotidiano e exige um processo constante de formação, pois o monitor não é apenas professor, passa a fazer parte da vida dos jovens, partilhando de seus problemas. Um outro gargalo das escolas é garantir a sustentabilidade econômica. Um caminho tanto para conseguir uma formação de qualidade como para construir a sustentabilidade das escolas é a ampliação de parcerias com universidades e centros de pesquisa. As escolas que utilizam a pedagogia da alternância são apaixonantes, pois simbolizam a busca de solução pelos trabalhadores. Como é possível fazer uma extensão rural diferente, que vá ao encontro das necessidades destes agricultores e dos jovens que vivem no meio rural? O espaço para pensar um Estes dados foram apresentados pelo Professor João Batista Queiroz, em sua exposição nesta oficina. 21 Referência ao livro Extensão ou comunicação? de Paulo Freire. 20 38 outro jeito de fazer agricultura existe. A forma como se desenvolveu a ciência agronômica, fragmentada, fez com que perdêssemos a capacidade de gerar conhecimento para a agricultura de forma integral, pensando as unidades produtivas como agroecossistemas. Esta pedagogia possibilita resgatar a capacidade de produzir conhecimento para a agricultura de modo a produzir conservando o meio ambiente, desenvolvendo uma agricultura sustentável. Durante o debate surgiu uma provocação: A Educação tem respeito pela pedagogia da alternância? Porque a pedagogia da alternância não é adotada apesar do êxito reconhecido? A questão é que apesar do consenso que existe quanto à eficácia da pedagogia da alternância, desta refletir a construção de uma educação libertadora, nem todo mundo quer arregaçar as mangas, assumir e construir. O compromisso é difícil de ser assumido. Outro elemento é a necessidade de reconhecimento do currículo da EFA que, além de ter os elementos do currículo da escola fundamental, apresenta as especificidades por trabalhar dentro do calendário e da realidade agrícola. Nem tudo são maravilhas, há complicações no processo. Por exemplo, o plano experimental e de estudo da visibilidade aos conflitos quanto ao caráter familiar da propriedade, nem todo pai está aberto as experiências do filho. A questão da sexualidade é trabalhada a partir da conscientização através do diálogo, onde psicólogos ou casais levam sua experiência aos jovens. Como já foi dito, nem tudo são flores na pedagogia da alternância, pois os conflitos são muitos e estão diretamente relacionados com o envolvimento e participação de todos. O ambiente de respeito para os pais é muito importante e estes sentirão confiança e permitirão a participação do filho(a). Este filho(a) por sua vez dará visibilidade ao real caráter familiar da propriedade quando o pai não permitir que este desenvolva campo demonstrativo ou queira fazer alguma alteração no sistema desenvolvido pelo pai, ou mesmo quando for solicitada por parte da escola um maior envolvimento dos pais. Os processos participativos tendem a dar visibilidade as relações sociais historicamente constituídas e já incorporadas ao jeito de ser de cada um e, conseqüentemente, aos conflitos fruto do questionamento e potencialidades de processos de mudança ou permanência. A Escola Família Agrícola valoriza a cultura local e isso colabora com a permanência do agricultor no campo e abre a perspectiva de profissionalização dos seus filhos. Nesse processo da pedagogia da alternância ou do agricultorpesquisador a apropriação da metodologia científica torna-se possível, 39 aproximando o universo do conhecimento e do saber do agricultor. Este processo torna visível que o acesso ao conhecimento e a possibilidade de sair da marginalidade caminham lado a lado. Neste mesmo sentido da pedagogia da alternância, o Movimento dos Sem Terra busca apropriar-se do processo tecnológico com propostas como a formação de técnicos “pés no chão” e formação de rede de pesquisa tecnológica participativa. Desta forma se reconhece a produção de conhecimento não científico, ou seja, aquilo que não está encerrado no universo da academia e dos centros de pesquisa. Como já foi dito, temos que apostar na pluralidade metodológica pra gerar conhecimento e produzir inovações que sejam apropriadas socialmente e que nos aproximem, novamente, de processos coevolutivos. Este foi o rumo tomado pelo movimento de agricultores experimentadores como forma de resolver suas demandas específicas e viabilizar seus sistemas agrícolas, com base em sua realidade concreta. Este formato de ensino-aprendizagem baseado na realidade concreta e buscando responder a demandas, permite uma reflexão crítica da realidade e, conseqüentemente, a busca consciente de alternativas. No caso da Amazônia permite pensar a construção de alternativas como a produção de mel e de peixes, que são mais rentáveis/ha e menos impactantes ao meio ambiente que a criação de boi, tão difundida para a região desde a década de 70, ou mesmo a ampliação da fronteira da soja, que tem também em sua base o desmatamento, com conseqüente perda da biodiversidade. Este processo desencadeado pelas Casas Familiares Rurais e Escola Família Agrícola abre caminho para a formação de jovens comprometidos com sua comunidade, dando-lhe mais opções para permanecer e não migrar. Inovações nas tradições da agricultura familiar: O enfoque da agroecologia A proposta deste momento desenvolveu-se a partir de três exposições. A primeira que focou mais o processo histórico de Assistência técnica e extensão rural (ATER) no Brasil e a necessidade de construção e implementação de uma nova ATER, realizada pelo Prof. Eros Mussoi. A segunda apresentação, feita pelo Prof. José Antonio Costabeber procurou apresentar a construção do conceito de agroecologia e as possibilidades de construção de uma agricultura sustentável. E, por fim, a terceira que tratou da experiência da AS-PTA com tecnologia alternativa e o agricultor familiar, apresentada por Paulo Petersen. 40 A exposição de Eros procurou, justamente, traçar um breve histórico das relações entre Pesquisa e ATER. Em diversos momentos, durante a oficina, apontou-se para a dissociação que existe entre a Pesquisa e o trabalho de ATER; uma dissociação que revela muito sobre o modelo “difusionista” que tem caracterizado a assistência técnica e a extensão rural. Ao contrário da idéia de que não há políticas de ATER ou que elas não chegam a quem precisa, Eros mostrou que a ATER teve um papel fundamental para a condução de um processo de modernização do campo. No entanto, tal modernização foi conservadora, pois não alterou a estrutura fundiária do país. Seu objetivo foi apenas introduzir inovações na agricultura de modo a contribuir para a consolidação de um modelo de desenvolvimento urbano-industrial. Deste modo, em nenhum momento esta modernização se preocupou em construir instrumentos que permitissem ao pequeno agricultor permanecer no campo melhorando suas condições de vida: o modelo de produção privilegiado foi o do grande negócio, da produção dependente de insumos químicos e genéticos e da mecânica. A modernização conservadora não alterou significativamente o quadro das relações sociais no campo, apenas contribui para expulsar os pequenos agricultores de suas propriedades, tornando-as inviáveis economicamente. Dois pontos merecem destaque na exposição de Eros. O primeiro deles se refere à identificação do vazio existente entre Pesquisa e ATER, vazio que tem sido historicamente preenchido pelo trabalho de Organizações não governamentais. O segundo ponto se refere ao processo descrito por Eros, que evidencia que a construção de políticas públicas tem história. Embora mais ou menos óbvia, as próprias discussões ocorridas durante a oficina mostraram que esta idéia não se encontra enraizada nas práticas dos atores: diversas vezes se falou em construir novas institucionalidades como resposta às faltas localizadas nas instituições atuais, como se as instituições ou as políticas públicas, por si só, fossem capazes de liderar alguma transformação. A exposição de Eros, localizando os pontos de desarticulação institucionais que, ao longo dos anos, foram criando a inquietação necessária para a constituição de uma nova cultura, contribui para mostrar que as transformações devem ser endógenas, e passam pela sedução e conquista dos quadros que já estão instalados nas instituições. Aliás, muitas vezes, são estes próprios quadros, obrigados a lidar com as contradições do fazer, que acabam dando forma às transformações. Ao expor a nova política de ATER, recentemente lançada, Eros pôde nos apontar como as mudanças que elas marcam em relação ao passado estão carregadas das “angústias” e reflexões de pessoas e instituições. 41 José Antonio Costabeber nos trouxe alguns princípios de Agroecologia, exposição que foi muito interessante, principalmente porque Costabeber procurou pôr em diálogo sua reflexão com a idéia de Tecnologia Social. O primeiro ponto que abordou foi o risco das apropriações dos termos – notou que a Agroecologia tem assumido outros usos, menos sistêmicos, aparecendo mais como uma “marca” para o consumidor do que como um modo de conceber a produção, as relações sociais e ambientais etc. A Agroecologia pressupõe a dependência estrutural entre homem e ambiente e parte do diagnóstico de que os problemas que vimos enfrentando atualmente têm múltiplas causas, necessitando por isso da adoção de múltiplas medidas. Em outras palavras, trata-se de uma abordagem sistêmica, que tem mais impactos sobre a produção do que a ausência de agrotóxicos, por exemplo: se trata de sustentabilidade ambiental e social, de manutenção da diversidade e da heterogeneidade dos sistemas ecológicos. Como bem colocou Costabeber, a Agroecologia provoca a repensar nosso modo de compor o preço dos produtos, na medida em que implica em inserir outras dimensões além do presente na “conta”, tal como a sustentabilidade. Outro ponto importante levantado por Costabeber foi que a Agroecologia demanda a constituição de uma base renovada de conhecimentos e tecnologias. A recusa do modelo químico-genético-mecânico não significa, no entanto, que tais conhecimentos e tecnologias devam ser “simples”, mas sim que eles devam estar de acordo com os princípios agroecológicos e, importante ponto de contato com a discussão sobre Tecnologia Social, eles devem ser socialmente apropriados ou apropriáveis. A exemplo do que ocorreu com a Pesquisa e a ATER nos anos 70, reconhece-se no Estado um ator fundamental para induzir o processo de construção desta nova base de conhecimentos. No campo da agricultura sustentável pode-se pensar o aumento da renda, fruto da certificação por exemplo, como uma estratégia para cooptar maior número de agricultores familiares para adoção de práticas agroecológicas, mas não como um fim em si mesmo. Tem que fazer parte de uma intervenção multidimensional. O alimento saudável não pode estar disponível apenas a quem tem poder aquisitivo maior, mas deve estar na mesa da população como um todo. Portanto é fundamental para a agricultura familiar dialogar com os espaços urbanos, com a organização urbanas como, por exemplo, com associações de consumidores, até como forma de disputar espaço com o agronegócio. O êxito de uma pesquisa e sua utilidade pública podem ser medidos a partir de sua formulação, onde as propostas de pesquisa devem ser articuladas aos 42 processos locais de experimentação. E a superação das estruturas formais, tanto no campo da educação quanto na produção de conhecimento, é fundamental para a formação de pessoas para atender as demandas da agricultura familiar. É fato que o modelo tradicional de escola não colabora com a formação dos agricultores, pois é descolada da realidade. Esta é a vantagem das Escolas Famílias Agrícola e da Casas Familiares Rurais que nascem justamente para preencher a lacuna que existe na educação formal, que não atende ao interesse dos agricultores familiares. Sugere-se a reformulação do currículo escolar de modo a valorizar aspectos regionais procurando trabalhar o conhecimento a partir da realidade local, dando mais sentido ao processo de aprendizagem. Um novo jeito de fazer agricultura exige uma nova mentalidade. É um processo de mudanças das mentalidades. A ATER – assistência técnica e extensão rural deverá apresentar um novo perfil, o que exige um profissional com uma formação acadêmica e institucional diferente do que se promove hoje. Esse novo perfil deverá integrar pesquisa, ATER e sociedade. Processo bem diferente do difusionismo adotado até hoje pela extensão rural brasileira durante todo o período de modernização e sucateada na seqüência, pois o agronegócio não necessita mais da extensão, na medida em que está consolidado. Após a exposição de Eros e de Costabeber, tivemos a apresentação da experiência da AS-PTA, feita por Paulo Petersen. A AS-PTA desenvolve um interessante trabalho com agricultores-experimentadores, bastante rica para a reflexão sobre TS. Paulo iniciou sua fala observando a importância da precisão conceitual para a leitura da realidade e para a intervenção. Afinal, métodos estão baseados em conceitos, que permitam guiar as interpretações e os pensamentos. Assim, compreender o que se entende por Agroecologia, por TS ou por Agricultura Familiar é essencial para compreender as práticas que se pretende atrelar aos termos. Reforçando algo que apareceu diversas vezes durante a oficina, Paulo definiu a noção de tecnologia presente no modelo de ATER que tínhamos: nesta visão, tecnologias são produtos, passíveis de difusão indiferenciada a todos os contextos, cuja finalidade – previamente definida – é sempre o aumento da produtividade. Neste sentido, Paulo chamou a atenção para o fato de que não é possível dizer que os agricultores, neste modelo, são meros receptores de conhecimento, pois a eles só se deseja transferir o produto, pronto e acabado, sem que eles se apropriem do conhecimento que levou à construção da tecnologia. Ora, privar os agricultores destes conhecimentos significa privá-los 43 também dos instrumentos para a inovação e reforçar uma relação distante e dependente com pesquisadores, assistentes técnicos e extensionistas. Quando se fala de agricultores-experimentadores, está-se falando de uma cultura de troca e inovação. O primeiro passo é possibilitar que os agricultores tenham referências para a interpretação da realidade – e não se trata, é necessário sublinhar, de ensinar a eles modelos ou métodos “fechados”; ao contrário, a aposta é na pluralidade metodológica. Até para a sistematização das experiências, diversas linguagens são aceitas: o que importa é o trabalho de organizar o vivido, pensado em partilhá-lo com outras pessoas. O significado que se atribui à troca de conhecimentos também merece destaque, principalmente porque pode nos ajudar a pensar os desafios e os limites da “ampliação de escala” das Tecnologias Sociais: a AS-PTA estimula a criação de redes de troca, não para que dividam seus “modelos”, mas para provocar sua imaginação, para dar-lhes diferentes inspirações. Mais uma vez, a exemplo da importância da “circulação” atribuída à Pedagogia da Alternância, é o contato com diferentes realidades que torna mais provável que inovações aconteçam: a pluralidade amplia os limites do que é tido como possível. É neste sentido que Paulo sugere que não se fale apenas em “crédito para produção”, mas de “insumos para a experimentação”, conta na qual estariam incluídas viagens para conhecer outras experiências, promoção de encontros e atividades afins. É fundamental a promoção de intercâmbios entre os agricultores para que possam trocar experiências. O estímulo à inovação, como idéias e inspirações, ocorre quando a pessoa tem contato com outras realidades. Um bom exemplo é a contribuição ao projeto das cisternas da ASA – Articulação do Semi-Árido, onde uma inovação tecnológica para as cisternas foi criada porque um agricultor do semi-árido, que foi pedreiro no sudeste brasileiro e que trabalhou na construção de piscinas, apropriou-se de um conhecimento que possibilitou melhoria na construção de cisternas. Não é difícil perceber a radicalidade da mudança nas relações com o conhecimento que tal experiência mostra: as relações aqui são horizontais, os conhecimentos e a experimentação são infinitos processos que visam não só a melhoria da produção, mas também a emancipação, a realização pessoal. Esta visão integra fazer e pensar integra homem e ambiente, desfaz o desafio da conciliação entre igualdade de legitimidade e desigualdade de saberes, presente nas tensas relações entre agricultores e técnicos. Nesta visão, os técnicos seriam apoiadores de uma “experimentação metodológica”, sem oferecerem “pacotes”, 44 mas tendo muita clareza dos princípios de sua intervenção e também do modo de produção que desejam fomentar. Paulo fez uma sugestão para a definição da Tecnologia Social: “Tecnologia Social seria aquela desenvolvida a partir da restauração dos processos coevolutivos, apropriada localmente”. Finalmente, o último ponto que gostaríamos de relevar da fala de Paulo se refere à sua crítica ao já referido debate entre transformação endógena e criação de novas institucionalidades – segundo ele, é importante olhar para as práticas. Quando nos concentramos nas teorias, corre-se o risco de esbarrar nos bloqueios institucionais e no longo tempo necessário a sua superação. De outro lado, quando se examina práticas, examina-se maneiras já existentes de passar por cima dos bloqueios. Chamamos a atenção para este ponto porque, de algum modo, é este pressuposto que informa a escolha metodológica do ITS de pensar articulando reflexão teórica e exame de experiências. As experiências afirmam possíveis caminhos já em seu funcionamento. III. Quem ensina e quem aprende? Aprendizados e desafios da assistência técnica e da extensão rural Este foi o último momento da oficina, onde se procurou sistematizar as idéias que foram trabalhadas. Muitos e diferentes aspectos foram levantados, o que nos dá a dimensão da complexidade do tema agricultura familiar e das infinitas possibilidades de explorá-lo no campo das tecnologias sociais. A agricultura familiar nos permite fazer uma espécie de raio-x de alguns aspectos relativos a transformação social. Por exemplo, a despeito da confiança que quase todos os expositores depositam no processo, entendendo-o como algo que desempenha funções educativas, também apontou-se que uma prévia organização social é um dos elementos que distingue as possibilidades de um grupo ou outro em um dado momento. A organização social facilita o diálogo, organiza as necessidades, transformando-as em demandas sociais e, aspecto fundamental, torna a participação uma possibilidade mais concreta. É claro que com esta observação não se pretende dizer que apenas grupos já organizados podem ser agentes de transformação. Um outro importante fator de mudança é a motivação dos indivíduos. E deve-se sublinhar a idéia exposta durante a oficina que as motivações individuais podem ser heterogêneas: a “verdade”, a “mística” dos movimentos sociais e das organizações coletivas não está dada a priori; antes, o senso comum se constrói no processo. 45 A idéia de des-instalação, que apareceu com tanta força na experiência da Concrab, pode ser aplicada a diversas realidades. Afinal, o que se destaca da idéia de des-instalação não é tanto o fato dos indivíduos se encontrarem desterritorializados como o fato de se encontrarem num momento de estranhamento em relação ao funcionamento da sociedade num dado momento. Ou seja, é a abertura para a mudança, a percepção de que as coisas podem ser diferentes que importa nesta des-instalação. A análise das experiências de agricultura familiar também nos possibilita perceber que os processos de experimentação e de transformação social são lentos: eles se iniciam pequenos e sua propagação se dá com o tempo, num processo de validação e adaptação por outros agricultores até que se torne uma prática comum e de domínio popular. Há um movimento irradiador do agricultor experimentador (AE) rumo ao movimento social de experimentação. Este movimento pode ser visualizado no esquema abaixo. Movimento social de experimentação AE É desta forma que podemos identificar o processo de desenvolvimento da AgriCultura. Já o AgroNegócio, em contraposição, se desenvolve nos laboratórios, protegido por segredos industriais e patentes. O potencial de inovação presente na AgriCultura é muito maior que aquele presente no AgroNegócio pois temos, no primeiro caso, a necessidade de resolução de um problema que impulsiona a inovação e, no segundo, temos o mercado e a possibilidade de geração de lucro como motriz da inovação. Mais do que isso, a pluralidade metodológica presente na AgriCultura amplia as possibilidades de caminhos e, conseqüentemente, de respostas. Trata-se de um modelo de conhecimento fundamentalmente diferente do “best way” (“melhor caminho”) que, em geral, caracteriza a inovação tecnológica aplicada à indústria. 46 O processo de geração de conhecimento é tão importante quanto o conhecimento em si. É importante olhar o processo, pois nele está contido a possibilidade de apropriação social do saber produzido. Uma semente transgênica contém em si um processo de produção de conhecimento altamente concentrado e de difícil desvendamento para o agricultor ou para a pessoa comum. É um processo muito diferente da semente da paixão ou crioula, que reproduz o processo de domesticação adotado pelos agricultores desde os primórdios da agricultura, sendo um processo de fácil apreensão e reprodução por qualquer curioso – agricultor ou não. A democratização e equalização do acesso ao conhecimento estão intrinsecamente relacionadas à política. A visão de mundo e o projeto político das diferentes forças que compõem o cenário da sociedade dão o tom e o ritmo da democratização possível. Esta seguirá a perspectiva do projeto político do grupo dominante e hegemônico na sociedade e encontrará resistência nos movimentos sociais de contraposição ao status quo. Vários são os atores que participam deste processo de gerar conhecimento, (desde o agricultor até o cientista), mas ainda muito tem que ser feito para superar a hierarquia entre estes saberes. Os desafios institucionais são grandes e demandam uma mudança de mentalidade que aceite a pluralidade de idéias e a diversidade metodológica. Um primeiro passo seria a construção de novos critérios de julgamento e avaliação, que reconheça a produção de conhecimento de ONGs, Escola Família Agrícola/Casa Família Rural, enfim, das comunidades não-cientificas. Parte dos desafios institucionais que estão postos para a construção de um novo modelo de conhecimento e sua transmissão se coloca dentro dos órgãos responsáveis pela Assessoria Técnica e Extensão Rural. Desenvolver uma nova ATER que participe dos processos do agricultor exige um profissional com perfil diferente. E este perfil deve ir ao encontro de um novo referencial de desenvolvimento, menos relacionado apenas ao crescimento econômico, que considere aspectos sociais, econômicos e ambientais, que a agricultura tenha uma base agroecológica e a extensão se realize em bases participativas. O técnico extensionista deve atuar, assim, como um “tecnólogo social rural”. 47 Neste quadro de construção rumo à agricultura sustentável, a elaboração de uma estratégia para redução no uso de insumos químicos, genéticos e mecânicos é fundamental. Há uma relação direta estabelecida entre as condições do território e a melhoria da produção quando ocorre diálogo entre os diferentes fatores que envolvem a produção. Como comentado anteriormente, a forma como são avaliados e julgados os projetos científicos foram questionados e várias foram as intervenções que apontaram para a necessidade de construção de novos critérios de julgamento e avaliação de projetos. Um dos elementos considerados é o fato de que existem experiências no campo da experimentação, sistematização e produção de conhecimento em ONGs, e mesmo por outros atores que não fazem parte da academia, mas dificilmente são reconhecidas como produção de CT&I. Os professores que trabalham na academia com extensão universitária também se sentem desvalorizados pelos critérios que ora são adotados para avaliação de produtividade acadêmica. O desafio que se coloca para as instituições de CT&I é desenvolver indicadores e processos de avaliação que levem em conta o processo e não somente os resultados. No modelo atual, que reconhecemos como pouco democrático, pouca importância se dá ao processo e muita se dá aos resultados. Esta postura se ancora num certo modelo de produção do conhecimento, que não privilegia o atendimento das necessidades e demandas sociais e tampouco se preocupa com as formas de difusão deste saber ou do acesso que a população terá a ele. Este modelo reforça a cisão entre o sistema de CT&I e Sociedade, constituindo a conhecida “redoma de vidro” na qual os cientistas formulam suas questões e desenvolvem suas pesquisas. Tal concepção está longe de ser neutra. Aliás, a neutralidade científica foi identificada ao conjunto de argumentos falaciosos, que serve tanto aos cientistas que procuram garantir a autonomia científica quanto àqueles que buscam esvaziar suas pesquisas de interesses privados – é como se o método científico por si mesmo tornasse um problema relevante para toda a humanidade. É preciso que se reconheça, portanto, que a ciência não é neutra: ela é composta por pessoas que possuem o seu lugar, a sua posição, dentro de um campo social e representam seus interesses; seu projeto individual convive com um projeto de sociedade. Na busca de caminhos para atender suas demandas, os agricultores começam a organizar um outro modelo de Escola, uma escola que valorize a cultura local e a 48 realidade concreta. Os instrumentos pedagógicos da Alternância levam os alunos a entenderem sua realidade; no processo de aprendizagem desencadeado nestas escolas, a realidade vem em primeiro lugar. Os conteúdos trabalhados na escola são fruto de pesquisa prévia feita com o aluno – valorizando-se e respeitando-se a identidade local. O que é sempre importante sublinhar nestes processos é que, de modo algum, o respeito à identidade local significa isolar os educandos nos limites de seus interesses. Ao contrário, trata-se de provoca-lo a transgredir estes limites, seja por meio de pesquisa, seja por meio do encontro com pessoas diferentes. A ação coletiva é outro elemento muito valorizado no processo de ensino-aprendizagem e pode ser percebido pelo vínculo de 69% dos alunos de escolas famílias agrícola com outros tipos de associações. A experiência desenvolvida na disseminação do conhecimento e dinâmicas de agricultor a agricultor é um dos possíveis caminhos rumo a outro modelo de produção de conhecimento. Além da experiência da AS-PTA, um outro exemplo destes processos de busca de horizontalidade nas relações é o projeto “caracoles” dos zapatistas, que busca “criar organizações que sejam ferramentas de objetivos e valores a alcançar e que façam que a autonomia e o mandarobedecendo não fiquem no mundo dos conceitos abstratos nem das palavras incoerentes é uma das (González, 2003), desta participação, constrói contribuições mais importantes dos caracoles”22 forma o movimento zapatista, com criatividade e uma possibilidade de autonomia das comunidades indígenas e camponesas em seu território, constituindo verdadeiras redes. A lógica da extensão rural e da produção do conhecimento deve ter um elo com o agricultor e suas necessidades, ou seja, os técnicos, extensionistas e pesquisadores devem ser partícipes do processo dos agricultores e não o contrário. Se entendemos que a tecnologia é a mediação entre o ser humano e o meio ambiente é fundamental produzir tecnologias responsáveis social e ambientalmente e que sejam viáveis economicamente. No desenvolvimento do conceito de agroecologia e na prática da agricultura sustentável foram grandes as parcerias desenvolvidas com comunidades tradicionais como forma de resgatar as práticas adotadas no fazer agricultura. As comunidades também foram muito procuradas por seus bancos de sementes da paixão ou crioulas. A valorização do saber camponês é um instrumental importante no desenvolvimento da agricultura sustentável e das bases da agroecologia. É importante reconhecer que há outro modo de pesquisar com ”crear organizaciones que sean herramientas de objetivos y valores a alcanzar y hagan que la autonomia y el mandar- obedeciendo no se queden en el mundo de los conceptos abstractos ni de las palabras incoherentes es uma de las aportaciones mas importantes de los caracoles”. 22 49 características próprias onde tanto a concepção quanto a pauta da pesquisa são participativas. É importante reconhecer que é possível fazer a pesquisa tanto no campo quanto no centro de pesquisa. As experiências expostas e debatidas durante a oficina afirmam que não é tão difícil escapar da camisa de força imposta pelo processo de simplificação e isolamento dos fatores. É importante, na produção científica agroecológica, aprender a lidar com a complexidade da pesquisa científica, buscar as pontes que relacionam o conhecimento, que conectam diferentes campos do saber como o meio ambiente, o social e o econômico. Durante os trabalhos desenvolvidos na oficina apresentou-se a importância do Estado como animador do processo transformação. Existe a necessidade de se pensar como caminhar dentro das estruturas formais e superá-las. Um dos caminhos apontados é o de ampliar as parcerias, como forma de superar as dificuldades. Outro caminho pode ser a criação de programas voltados para a agricultura familiar nas diferentes instituições. Estes podem ser possíveis caminhos para superar as dificuldades na gestão pública. Dentre os pontos levantados, destaca-se ainda a discussão que veio à frente da cena durante a oficina, qual seja, a relação entre Sociedade e Estado23. Muitas vezes se apontou a necessidade de repensar a cultura do estado em sua relação com a sociedade, mas é importante chamar a atenção para um aspecto levantado por Paulo Petersen: a sociedade também tem uma cultura de relação com o Estado, que também deve ser revista. De algum modo, nos parece que as disputas em torno de termos e conceitos, bem como em torno da direção das mudanças que devem ocorrer são um importante indicador da possibilidade de “democratizar a democracia”, afinal, cada um dos “campos de dissenso” conformados por tais termos (agricultura familiar, tecnologia social, agroecologia, ATER, para ficar apenas com alguns dos que foram nomeados na oficina) torna possível o esclarecimento de valores e princípios que, como também lembrou Paulo, informam práticas e intervenções. Deste modo, estes “campos de dissenso” acabam conformando espaços de participação, e acabam tornando mais complexa a própria idéia de democracia, distanciando-a da “representação”. É tendo em vista este contexto, mais geral, que as angústias em relação ao significado das redefinições entre sociedade e Estado pode ser “esvaziada” e problematizada. Este aspecto está melhor trabalhado no anexo 2, “Políticas Públicas e Tecnologias Sociais: reflexões a partir da oficina Tecnologia Social e Agricultura Familiar”. 23 50 A produção científica deve desobscurecer o que, o como e o porque da ciência. Talvez nesta busca de um novo caminho devêssemos nos afastar do significado da “cidadania” para nos aproximarmos da “florestania”. E buscar uma ciência mais voltada para a sociedade e menos para o mercado, mais responsável socialmente. 51 Referências Bibliográficas INSTITUTO DE TECNOLOGIA SOCIAL (2004) Caderno de Debates – Tecnologia Social no Brasil: São Paulo, Instituto de Tecnologia Social CALDART, Roseli Salete (1997). Educação em Movimento: formação de educadores e educadoras do MST. Petropolis:Vozes. GONZÁLEZ, Pablo Casanova. (2003) Los ‘caracoles’ zapatistas:redes de resistencia y autonomía in:Observatorio Social de America Latina (año IV nº11 mayo-agosto)(15:30). Consejo Latinoamericano de ciencias sociais. MARX, Karl (1990) Capita (v1l. England:Penguin (Penguin Classics). PEREZ, Niurka Rojas y Equipe (1994) Cuba hoje: reorientação e economia Araraquara/SP:UNESP(depto. de sociologia). RERLIN, John (1992) História da Florestas: a importância da madeira no desenvolvimento da civilização. Rio de janeiro:Imago. POLANYI, Karl (1980) A grande transformação: as origens de nossa época. Rio de Janeiro:Campus. SHIVA, Vandana (1991) Abrazar la vida: Mujer ecologia y supervivencia. Uruguay:Intituto del tercer mundo. SINGER, Paul (2002) A recente ressurreição da economia solidária no Brasil in:Produzir para Viver: os caminhos da produção não capitalista SANTOS, Boaventura de Sousa dos (org.) Rio de Janeiro:civilização Brasileira. THOMPSON, Edward (1998) Costumes em comum. São Paulo: Cia. Das Letras, 1998. VEIGA, José Eli da (1997) A Transição agroambiental nos Estados Unidos in: Reconstruindo a agricultura: idéias e ideais na perspectiva de um desenvolvimento rural sustentável ALMEIDA, Jalcione e NAVARRO, Zander Porto Alegre:Ed. Da universidade/UFRGS. WOORTMANN, Klaas (1990) “Com parente não se neguceia” O campesinato como ordem moral. Anuário antropológico v. 87 Brasília: UnB. WOORTMANN, Ellen F. (1992) Da complementaridade à dependência: espaço, tempo e gênero em comunidades “pesqueiras” do nordeste. In: Revista Brasileira de ciências sociais nº 18, ano VII, mês Fevereiro, ANPOCS Ed. Relume:Dumará. 52 ANEXO I Descrição das três experiências apresentadas na Oficina Pesquisadora: Martina Rillo Otero 1. Articulação e Organização de assentados no Sistema Cooperativista dos Assentados [email protected] (61) 322-5035 Informações sobre a Organização CONCRAB - Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil (MST) Alameda Barão de Limeira, nº 1232, CEP: 01202-002 - São Paulo - SP http://www.mst.org.br/setores/concrab/indice.html Breve Histórico A trajetória da CONCRAB se desenvolve na medida em que se aperfeiçoa a organização dos assentados e o Movimento dos Sem-Terra (MST) passa a assumir, nas suas discussões, os assentamentos como foco de suas ações. Também tem origem no reconhecimento de um esboço de uma política cooperativista no interior do MST (Fabrini, 2002). Visando garantir a melhoria da produção agropecuária, iniciou-se uma profunda avaliação de toda a política de estímulo à Cooperação Agrícola com vistas a melhorá-la. Dessas discussões optou-se pela criação do Sistema Cooperativista dos Assentados (SCA) que corresponde ao Setor de Produção e Comercialização do MST, tendo como objetivo a busca de maior articulação e afinidade entre as diversas formas de cooperação, elaboração e aplicação de políticas homogêneas de desenvolvimento, formação de quadros organizadores da cooperação, elaboração de programas de capacitação em todos os níveis, elevação da produção agropecuária e melhoramento da produtividade do trabalho nos assentamentos, a fim de atingir melhorias significativas nas condições de vida das famílias assentadas. O SCA articula diversos tipos de organizações dos assentados, desde Grupos Coletivos, Associações, Cooperativas de Produção Agropecuária (CPA) e Cooperativas de Prestação de Serviços (CPS). Ao nível estadual existem as Cooperativas Centrais dos Assentados (CCA). E, no nível nacional, foi criada a CONCRAB (em 15 de maio de 1992), para articular as demandas e as potencialidades regionais otimizando esforços e recursos em vistas do desenvolvimento sócio-econômico das famílias assentadas. Introdução A CONCRAB articula, dos diversos Cooperativista dos Assentados. atores, componentes do Sistema Para a promoção da produção agroecológica foram estruturados centros de pesquisa em parceria com ONGs e instituições públicas, no qual grupos de agricultores-pesquisadores e técnicos-pesquisadores puderam desenvolver experimentos dentro dos assentamentos, acompanhados pelos agricultores sujeitos e beneficiários diretos das pesquisas. 53 Além disso, a Concrab tem implementado diversos cursos formais e não formais voltados para os agricultores assentados e seus filhos, a fim de promover o acesso à escola (ensino) e o estímulo à cooperação e as formas associativas de organização da produção juntamente com a pesquisa e o estudo para a contribuição do desenvolvimento dos assentados. (Folder da organização). Princípios: - Cooperação social, econômica e no trabalho entre os assentados; - Preocupação com a estrutura física dos assentamentos (organização espacial); - Valorização das histórias de lutas do MST mantidas através das místicas e trabalhos coletivos; - Exemplos de conduta e motivação para os acampados e assentados; - Preservação da natureza (do meio ambiente); - Desenvolvimento de novas técnicas para os produtos e processos; - Formação e qualificação técnica para os assentados e seus familiares (filhos); - Estimulação à cooperação e as formas associativas de organização da produção; - Pesquisa e estudo para a contribuição do desenvolvimento dos assentados. Objetivos "A Confederação (Concrab), organização das cooperativas na terceira instância, tem a função de coordenação geral das políticas e planejamento do desenvolvimento das atividades das cooperativas. Cabe ainda, organizar a formação técnica (administrativa, financeira e agronômica) de caráter nacional, desenvolver estudos e estratégicas de mercado, cuidar das relações internacionais relacionadas às cooperativas (exportação, por exemplo) e articulação com outras confederações" (Fabrini, 2002). Atores Envolvidos De modo geral, os atores envolvidos são os vários grupos organizados no Sistema Cooperativista dos Assentados: desde os núcleos de base, os grupos coletivos, Associações de Assentados, Cooperativas de Produção Agropecuária, Cooperativas de Prestação de Serviços, Cooperativas de Crédito, Cooperativas Centrais dos Assentados (nível Estadual) e, finalmente, a própria CONCRAB a nível nacional. Funcionamento da Experiência Todos os assentamentos devem ir se organizando em núcleos de base. Eles são um espaço para discutir os problemas do assentamento, a organização da produção, a luta dos trabalhadores e o avanço da cooperação. O núcleo não deve ser entendido apenas como uma estrutura formal. A principal razão é garantir a gestão democrática do assentamento e da cooperativa. Na verdade, o núcleo é um espaço de construção da democracia participativa e do poder popular: ele analisa as demandas, elabora e aprofunda as propostas, participa na elaboração e implementação da estratégia e elege os seus representantes para a coordenação do assentamento e conselho da cooperativa (Página eletrônica da organização). 54 A partir da organização de grupos de assentados nos níveis locais, novos agrupamentos, dessa vez dos grupos menores vão formando coletivos mais abrangentes, até chegar na CONCRAB, que promove a articulação ao nível nacional. Segundo Scopinho e Martins (2003): "O SCA procura mobilizar e organizar os assentados para desenvolver a economia com base em outros valores que não apenas a busca de lucro, perseguindo objetivos políticos e sociais através da organização de base, da defesa da autonomia de organização e de representação e, o mais importante, da criação de mecanismos institucionais que possibilitem aos trabalhadores se apropriarem dos instrumentos de produção e de gestão das cooperativas. A formação de Núcleos de Base de Famílias (instância básica para a gestão do assentamento) é a estratégia utilizada para implementar e desenvolver uma proposta de organização econômica e social no território conquistado. Tal proposta, procurando articular o campo e a cidade, deve estar fundamentada na diversificação da produção rural, no fortalecimento dos mercados populares locais e regionais, no desenvolvimento de uma matriz tecnológica, agroecológica e conservacionista e na formação de valores humanos de justiça e eqüidade social. O papel do SCA é, essencialmente, formativo e politizador, no sentido de construir a idéia de que o mais importante não é o tipo formal de cooperativa, mas a adesão consciente aos princípios e ao método da cooperação autogestionária" (pp. 126 e 127). A consecução dos princípios (ver princípios, acima) é o que busca garantir a coesão e a passagem de um nível para o outro. A produção e a cooperação agrícola são organizadas por meio de planos de produção, na qual são definidas as estratégias econômicas das famílias e as formas de cooperação da produção a serem adotadas. Institucionalização da prática A CONCRAB está formalizada. Principais Dificuldades - Há dificuldades econômicas relacionadas à ausência de políticas de crédito, de subsídios e de comercialização para a pequena produção agropecuária (Scopinho e Martins, 2003). - As Cooperativas e iniciativas associativistas também têm enfrentado dificuldades para se inserir no mercado voltado para satisfação dos interesses ligados a exportação e as grandes empresas multinacionais voltadas para o setor de alimentos (Página da organização). - A implantação de cooperativas encontra dificuldades, por sua vez, devido à cultura da população, muitas vezes não compatível com as práticas de cooperação e de organização coletiva, dada uma história muito mais longa de divisão do trabalho e fragmentação dos grupos de agricultores e produtores (Fabrini, 2002, Scopinho e Martins, 2003) Dicas estratégicas - Organização das iniciativas associativistas a partir dos Núcleos de base, que garantem a participação de todos na gestão e decisão das iniciativas. 55 Elementos de Tecnologia Social A formação do Sistema Cooperativista dos Assentados busca viabilizar empreendimentos de pequenos agricultores assentados, por meio da associação entre les. A experiência de organização desses agricutores, primeiro em pequenos grupos, depois em congregações amiores representa uma tecnologia social de organização de pessoas. Fontes de Informação: Página Eletrônica da Organização: http://www.mst.org.br/setores/concrab/indice.html Fabrini, J. E. (2002). O projeto do MST de desenvolvimento territorial dos assentamentos e campesinato. Terra Livre, 18. nº 19 p. 75-94. Scopinho, R. A. Martins, A. F. G., (2003) "Desenvolvimento organizacional e interpessoal em cooperativas de produção agropecuária: reflexão sobre o método". Psicologia e Sociedade, 15 (2): 124-143. 2a.Trabalho com Pedagogia da Alternância nas Casas Familiares Rurais [email protected] (91) 248-7407 Informações sobre a Organização ARCAFAR/PA - Associação Regional das Casas Familiares Rurais do Estado do Pará Rodovia Augusto Montenegro, 6201-km 07, Pq.Verde - CEP: 66035-110 Belém/Pa Breve Histórico O sistema Casa Familiar Rural, no Brasil e a rede ARCAFAR tiveram seu início no Estado de Pernambuco, em 1984 (Martins, s/d). Já o Sistema Familiar Rural na Amazônia Brasileira teve seu início no Estado do Pará, em 1994. A ARCAFAR/PA foi fundada em 2003, numa Assembléia Geral realizada na cidade de Gurupá-PA. Sua constituição foi fruto de uma ampla discussão entre as Casas Familiares Rurais, que sentiam a necessidade de uma Organização Estadual para defender e representar seus interesses, promover o intercâmbio, garantir os princípios filosóficos e metodológicos, evitar o isolamento e acompanhar o processo de expansão das mesmas no Estado do Pará. Desde sua existência, a ARCAFAR/PA tem desempenhado importante papel na união e fortalecimento das Casas Familiares Rurais do Estado do Pará, possibilitando a expansão e a boa aplicação dos princípios que norteiam a Pedagogia da Alternância nas diferentes realidades do Estado do Pará. Principal Financiador da Experiência/ da Organização Apoio de ONGs, subsídios estatais e municipais e poucos recursos de empresas. Além do trabalho "idealista" de seus participantes. (Martins, s/d). Informações sobre a Experiência 56 Características Gerais da Experiência - Localização: A rede ARCAFAR é constituída pela ARCAFAR/ NORTE, ARCAFAR/ PARÁ, ARCAFAR/ MARANHÃO e ARCAFAR/ AMAZONAS. - Tempo de existência: aproximadamente, 20 anos. As Casas Familiares Rurais existem há, Princípios: - Promoção do Desenvolvimento Local Sustentável e Solidário; - Pedagogia da Cooperação; - Valorização da Cultura e dos Calores do Campo; - Promoção da Cidadania; - Economia Solidária; - Formação Integral do Jovem: social, profissional e pessoal. Introdução O Movimento das Casas Familiares Rurais nasceu na França, em 1935 a partir da necessidade de criação de uma escola que correspondesse às necessidades reais e aos problemas vivenciados no campo. Durante a década de 50 a experiência começa a chamar atenção e se expande para outros países da Europa. Em 1975 foi criada a Associação Internacional dos Movimentos Familiares de Formação por Alternância - AIMFR. A Pedagogia da Alternância é uma alternativa para a Educação no campo, já que o ensino nesse contexto não contempla as especificidades e as necessidades da população que vive no meio rural. Segundo Martins (s/d) alguns problemas educacionais encontrados nas escolas no meio rural dão origem à necessidade de uma proposta educacional específica para o campo. Alguns problemas que podem ser enumerados são: a escola desvinculada da realidade local, a falta de recursos para atividades básicas do campo, a necessidade dos alunos ficarem na propriedade com sua família para trabalhar e terem dificuldades de acompanhar o calendário tradicional das escolas, a desvalorização da escola multiseriada e a falta de vagas nas escolas agrotécnicas. A formação não voltada para as especificidades do campo também se reflete em baixos índices de produtividade pelo uso de técnicas inadequadas à realidade de cada região. Portanto, ainda segundo Martins (s/d): "Pensar numa proposta Educacional em oposição à educação convencional foi uma necessidade frente à realidade rural brasileira. Os fatores que contribuíram para o surgimento das Casas Familiares Rurais no Brasil tiveram relação direta com a economia agrícola baseada na produção de subsistência, a falta de conhecimento de técnicas alternativas para a preservação ambiental, o rápido processo de desmatamento, o uso do fogo de modo indevido, preparo adequado do solo, uso intensivo de agrotóxicos, baixo uso de práticas conservacionistas nas áreas de cultivos, a monocultura, êxodo rural, evasão escolar pela falta de respostas das escolas existentes às reais necessidades dos jovens camponeses e pela falta de escola básica do campo" (pp. 3 e 4). Objetivos O Modelo de Educação "Casas familiares Rurais" tem como objetivo promover uma educação, formação e profissionalização alternativa eficaz e concreta mais 57 apropriada à realidade do campo. Visa, com isso, incentivar a permanência do jovem na sua própria região, criando alternativas de trabalho e renda, numa perspectiva da Economia Solidária. A rede ARCAFAR visa o fortalecimento e expansão da formação em alternância no Brasil. (Martins, s/d) Atores Envolvidos O projeto pedagógico é resultado da ação de diversos atores que devem atuar em parceria, entre eles o monitor/ educador, o aluno, a família, a comunidade, profissionais e instituições locais. Funcionamento da Experiência As Casas Familiares Rurais são um modo específico de formar e educar pessoas que vivem no meio rural. São destacados dois eixos principais que dão base para o projeto de formação proposto: a Pedagogia da Alternância e a Associação das Famílias. 1) A Pedagogia da Alternância se caracteriza por alternar a formação do aluno entre momentos no ambiente escolar e momentos no ambiente familiar/ comunitário. A proposta é desenvolver um processo de ensino-aprendizagem contínuo em que o aluno percorre o trajeto propriedade - escola - propriedade: - Em um primeiro momento, na propriedade, o aluno se volta para a observação, pesquisa e descrição da realidade sócio-profissional do contexto no qual se encontra. - Em um segundo momento, o aluno vai à escola, onde socializa, analisa, reflete, sistematiza, conceitualiza e interpreta os conteúdos identificados na etapa anterior. - Finalmente, num terceiro momento, o aluno volta para a propriedade, dessa vez com os conteúdos trabalhados de forma a que possa aplicar, experimentar e transformar a realidade sócio-profissional, de modo que novos conteúdos surgem, novas questões são colocadas, podendo ser novamente trabalhadas no contexto escolar. De maneira geral, a Pedagogia da Alternância trabalha com a experiência concreta do aluno, com o conhecimento empírico e a troca de conhecimento com atores do sistema tradicional de educação, e também, com membros da família e da comunidade na qual vive o aluno e que podem fornecer-lhe ensinamentos sobre aquela realidade. Atualmente, já existe uma série de instrumentos especialmente elaborados para trabalhar em regime de alternância, como: Plano de Estudo com temas geradores escolhidos a partir de um diagnóstico da realidade local, o Caderno de Pesquisa, o Caderno de Acompanhamento, entre outros. 2) A Associação das Famílias tem como função gerir a Casa Familiar Rural administrativamente, financeiramente e juridicamente. Além disso, tem como responsabilidade participar da formação e complementá-la de modo coerente a partir do que lhe é ensinado na escola. Institucionalização da prática 58 As Casas Familiares Rurais são pessoas jurídicas próprias, vinculadas a Associações formadas pelos atores envolvidos no projeto pedagógico. Principais Dificuldades - Falta, no nível federal, de reconhecimento e regulamentação da Pedagogia da Alternância (Martins, s/d); - Falta de apoio financeiro para o funcionamento do modelo; - Ausência de Formação Acadêmica dos Monitores/ educadores especificamente para questões da alternância; - Instalações inadequadas; - Falta de equipamentos e materiais didático-pedagógicos (Martins, s/d). Dicas estratégicas A integração entre os diversos atores envolvidos se mostra um aspecto fundamental para o funcionamento da proposta da Pedagogia da Alternância. Dado que a formação do aluno se dá em diversos contextos, torna-se necessário que haja certa coerência de proposta entre eles. Além disso, segundo Passador (2000): "O envolvimento da comunidade é primordial para a consecução dos objetivos do Projeto, cuja implantação só acontece a partir da demanda da própria comunidade. A partir daí, começa a se desenvolver o senso de responsabilidade pelas escolas, a busca por soluções para os problemas da região, a valorização do agricultor como cidadão e como profissional. Conseqüentemente, o Projeto acaba despertando a iniciativa e a participação comunitária, além de uma atuação conjunta por parte dos órgãos executores e parceiros do Projeto. E ainda, cria projetos de desenvolvimento regional oriundos das aspirações da população local e dos ensinamentos da Casa Familiar Rural”. “As Casas tem evoluído de acordo com a maturidade política das comunidades. Nas cidades em que as lideranças constituídas e os agricultores compreendem suas atribuições junto ao Projeto, este se torna a mola propulsora da agricultura no município ou na região" (pp. 2) Resultados Segundo Martins (s/d) "As Casas Familiares Rurais apresentam resultados excelentes de custo/ benefício, sendo muito favoráveis aos interesses da administração pública, pois garantem qualidade no ensino e com um custo menor em relação aos obtidos com a educação nas escolas tradicionais" (pp. Outros resultados indicados pelo autor são: formação de lideranças, diversificação da propriedade, geração de trabalho e renda no campo, inclusão social, resgate da cidadania, qualidade de vida, vida digna e felicidade, continuidade dos jovens no campo e um projeto profissional de vida. Perspectivas - Aumento de parcerias com o poder público. As Casas Familiares Rurais têm dificuldades financeiras e, por outro lado, a proposta pedagógica realizada é tida como de interesse público. 59 - Formação de parcerias com Universidades para criação de projetos de curso de formação específicos para os monitores/ educadores da Alternância O desenvolvimento da Pedagogia da Alternância representa uma Tecnologia Social em si, pois é o desenvolvimento de um projeto pedagógico especialmente adequado á realidade rural, formando jovens que conheçam sua realidade e aprendam a partir dela. Elementos de Tecnologia Social O trabalho com a Pedagogia da Alternância também revela o potencial dos jovens agricultores se desenvolverem como atores de produção de conhecimento, a partir do momento que questionam sua própria realidade e detém os instrumentos para encaminhar a investigação de tais questões de maneira mais sistemática. Fontes de Informação: Informações sobre a organização: http://membres.lycos.fr/dominiquesourty/ A Notícia (1999) Projeto educacional ganha professores. Disponível em http://www.an.com.br/1999/mar/05/0ger.htm, em 13/10/2004. Martins, L. dos S. (s/d) Casa Familiar Rural - CFR - Formação a serviço da vida com dignidade no campo. Texto cedido pela organização. Passador, C. S (2000) “Projeto Escola do Campo: Casas Familiares Rurais do Estado do Paraná”. Em Novas Experiências em Gestão Pública e Cidadania. Marta Ferreira Santos Farah e Hélio Batista Barboza (orgs.). São Paulo: Editora FGV. 2b. Instrumentos Pedagógicos da Alternância [email protected] Telefones: (61) 226-3131 (61) 226-1941 (61) 321-8985 FAX: (61) 224-2754 Informações sobre a Organização UNEFAB - União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil Setor Comercial Sul Edifício Carioca - Quadra 06 nº 240 - Bloco "A'' Sala 501 5º Andar Brasília - DF, CEP: 70300-000 Caixa Postal: 10827 http://www.unefab.org.br/home/ Breve Histórico A União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil - UNEFAB foi criada em 1982, através de um processo de discussão e estudo realizados pelas EFAs Escolas Famílias Agrícolas, buscando ser uma instituição de representação e assessoria à estas escolas, auxiliando no fortalecimento e divulgação da proposta pedagógica da Alternância.O movimento das escolas rurais em regime de alternância nasceu em 1935, a partir da iniciativa de três agricultores e de um padre de um pequeno vilarejo da França que prestaram atenção na insatisfação sentida pelos adolescentes, demonstrando atenção para com o meio em que viviam, desejando promovê-lo e desenvolvê-lo. 60 Fora de estruturas escolares estabelecidas e sem referência a qualquer teoria pedagógica, estas pessoas imaginaram um conceito de formação que permitiria a seus filhos educarem-se, formarem-se e preparem-se para suas futuras profissões. Eles inventaram uma escola onde seus filhos não recusariam freqüenta-la, pois ela respondia às suas necessidades fundamentais, próprias da fase da adolescência: agir, crescer, ser reconhecido, assumir um lugar no mundo dos adultos, adquirir status e papéis. Eles criaram empiricamente uma estrutura de formação que seria da responsabilidade dos pais e das forças sociais locais, conhecimento que se encontra na escola e na vida cotidiana. Inventaram uma nova escola, baseada na Pedagogia da Alternância, onde há partilha e integração do poder educativo entre os atores do meio, os pais e os formadores da escola. Principal Financiador da Experiência/ da Organização Recursos do governo Belga, através da SIMFR - Solidariedade Internacional dos Movimentos Familiares de Formação Rural. Recursos da Fundação Vítae - Projeto de apoio ao Curso de Mestrado em Ciências da Educação "Formação e Desenvolvimento Sustentável", em parceria com a Universidade de François Rebelais de TOURS-França, Universidade Nova de Lisboa -Portugal, SIMFR e Universidade Católica de Brasília. Informações sobre a Experiência Características Gerais da Experiência Localização: a UNEFAB é uma organização com alcance nacional. Bases conceituais/ metodológicas/ princípios: crescimento da sustentabilidade pedagógica, intensificar e ampliar o intercâmbio com instituições parceiras, participação na melhoria e condição de vida dos projetos aplicados. Introdução A metodologia da alternância permite uma prática educacional concreta e viável a partir da realidade das famílias agrícolas inseridas no meio rural brasileiro, na qual crianças e adolescentes têm a chance de estudar e vivenciar a realidade em que estão inseridos. A prática da alternância nos estudos garante a permanência do vínculo familiar, as vivências culturais e auxilia no desenvolvimento de práticas ecologicamente viáveis na relação homem/meio ambiente. Alguns princípios: - Associação como princípio da participação e do envolvimento das famílias com os problemas da formação, do futuro dos jovens e do desenvolvimento local; associação como meio concreto de responsabilizar-se pelo Plano de Formação da Escola e pela gestão, uma forma de garantir os princípios político-pedagógicos específicos da EFA; - A Alternância como princípio metodológico, uma estratégia da ação pedagógica, mais eficaz, mais apropriada à realidade do campo e da Orientação Profissional de jovens rurais; e - A formação integral da pessoa humana como uma das principais metas da ação educativa em vista do desenvolvimento rural em bases sustentáveis. Objetivos 61 Os objetivos da UNEFAB são: - Representar e defender os interesses das EFAs filiadas, junto aos órgãos municipais, estaduais, federais e internacionais. - Fomentar e promover a comunicação e intercâmbio de experiências e de materiais educativos entre as EFAs e suas entidades mantenedoras. - Acompanhar e assessorar o trabalho das EFAs e suas associações, visando assegurar a qualidade das atividades e conseqüentemente uma boa formação dos jovens. - Manter a unicidade do Projeto Educativo das EFAs, quanto aos seus princípios filosóficos e metodológicos. - Articular e assessorar a organização e funcionamento das associações locais e regionais, tendo em vista o fortalecimento institucional e político das mesmas. - Estabelecer parcerias, convênios, acordos, etc. com Instituições nacionais e internacionais para o desenvolvimento e fortalecimento das ações promovidas pelas EFAs. - Estabelecer políticas e estratégias para questões de interesse comum em nível nacional. - Proporcionar momentos de estudos e reflexões sobre temas relacionados ao trabalho das EFAs e outras questões afins. Esta experiência, em particular, visa fortalecer a proposta da Pedagogia da Alternância em novos municípios. Funcionamento da Experiência Alguns Instrumentos Pedagógicos Específicos da Porposta da UNEFAB 1 - Plano de Estudo 2 - Colocação em comum 3 - Caderno da realidade Caderno didático 4 - Viagens e visitas de estudo As intervenções externas Atividades retorno 5 - Experiências Visitas às famílias Estágio 6 - Projeto Profissional Caderno de acompanhamento ou da Alternância Tutoria 7 - A Avaliação Principais Dificuldades - Reconhecimento pelo Governo Federal da Pedagogia da Alternância como uma alternativa de formação para meio rural. - Recursos financeiros. 62 Elementos de Tecnologia Social - Aproximação entre teoria e prática. - Elaboração de uma metodologia educacional baseada na realidade rural. Isso implica em gerar um processo educacional no qual os alunos compreendam melhor a sua própria realidade. - Processo que une formação e desenvolvimento, ou seja, na medida em que o aluno aprende, também está gerando melhores condições de produção na propriedade de sua família. Fontes de Informação: página da organização: www.unefab.org.br Gimonet, J.C (1998) A alternância na formação - Método pedagógico ou novo sistema educativo? Tradução de Thierry De Burghgrave. Disponível em http://www.unefab.org.br/home/artig_gimonet.htm, em 20/11/2004. Begnami, João Batista (s/d) Instrumentos Pedagógicos da Alternância. Disponível em http://www.unefab.org.br/home/eixostema.htm, em 20/11/2004. Chaves, A. P. P. (2004) Educação e Desenvolvimento Social - uma análise de sua relação em três experiências de pedagogia da alternância. Tese de Doutoramento. Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Filosofia e Ciências, da Universidade Estadual Paulista, Marília. Observações Não foi detalhado para a Oficina, porque não haviam confirmado apresentação. Com a finalidade de reunir maior força política para defender a proposta da Pedagogia da Alternância no Brasil, promover o intercâmbio de experiências e buscar em conjunto as soluções de problemas comuns em nível nacional, a UNEFAB vem buscando estabelecer parcerias com outras redes que trabalham dentro da mesma proposta pedagógica, procurando fortalecer e ampliar o trabalho das escolas que utilizam a metodologia da alternância. Neste sentido, a UNEFAB e a ARCAFAR, rede que congrega as Casas Familiares Rurais - CFRs, vêm construindo um processo de aproximação e relacionamento institucional, através de reuniões, encontros, contatos, troca de materiais, visitas, etc, tentando buscar na diversidade das experiências os pontos que nos unem e que nos enriquecem mutuamente, respeitando as especificidades de cada rede. O ponto de partida desta busca de aproximação, nasceu da necessidade de apresentar uma proposta comum das EFAs e CFRs ao governo federal para o reconhecimento nacional da Pedagogia da Alternância. (página da organização) 3. Agricultores na pesquisa [email protected] , [email protected] (21) 253-8317 / Fax: (21) 233-8363 Informações sobre a Organização AS-PTA Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa 63 Rua da Candelária, nº 09, 6º andar, CEP: 20091-020, Rio de Janeiro - RJ http://www.aspta.org.br/ Breve Histórico "A AS-PTA - Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa - foi fundada no ano de 1984 e tem por objetivo a promoção do desenvolvimento da agricultura brasileira com base nos princípios da agroecologia e no fortalecimento da agricultura familiar. Trabalha com dois projetos de desenvolvimento local no nível micro, no qual articulam-se vários objetivos através da constituição de redes sociais locais de experimentação e de disseminação de inovações. No nível macro, a AS-PTA integra ativamente redes regionais e nacionais de promoção da agroecologia, como a Articulação do Semi-árido Brasileiro, as Jornadas Paranaenses de Agroecologia e a Articulação Nacional de Agroecologia" (Página da Organização). Principal Financiador da Experiência/ da Organização Financiada por uma diversidade de instituições, que vão desde o poder público às agências de cooperação internacional. Informações sobre a Experiência Características Gerais da Experiência A experiência trabalha com o tema transversal da capacidade e da formação em pesquisa dos agricultores, os chamados "agricultores-experimentadores". Por meio de conhecimentos empíricos e cotidianos destes agricultoresexperimentadores, são elaboradas soluções satisfatórias a partir de uma investigação conjunta e dos resultados obtidos por uma pesquisa de campo. Posteriormente, tal conhecimento é trabalhado junto a outros agricultores que, conseqüentemente, trocam também suas próprias experiências. A experiência de formação de agricultores experimentadores se caracteriza pela inclusão de estratégias, nos projetos da AS-PTA, que englobem o conhecimento produzido pelos agricultores, além de estratégias que favoreçam a sistematização - pelo próprio agricultor - do processo de aperfeiçoamento do conhecimento adquirido através de um diagnóstico participativo, que busca na cultura e no imaginário do povo as opções técnicas e econômicas a serem discutidas, sendo que essa metodologia é desenvolvida pela AS-PTA desde sua fundação. A abrangência da atuação da organização é nacional, assim como a abrangência de aplicação da metodologia. Princípios: - Diagnóstico participativo; - Experimentação participativa; - As soluções agroecológicas são específicas para cada produtor (conforme suas economias); 64 - O produtor é um pesquisador e difusor de seus conhecimentos, o chamado agricultor-experimentador; - Analisar as variadas formas que os agricultores lidam com os problemas identificados, avaliando estas alternativas com vistas às futuras experimentações para outros agricultores Introdução A formação de agricultores experimentadores tem o intuito de demonstrar que o produtor pode ser um pesquisador e difusor de seus conhecimentos. Além disso, que a construção de soluções técnicas é um processo coletivo que envolve todos os agricultores interessados num determinado tema, juntamente com os técnicos de apoio. A formação de agricultores-experimentadores é conduzida através de seis grandes eixos centrais: - Experimentação dos agricultores e organização gremial no âmbito nacional; - Experimentação dos agricultores e entidades sócio-econômicas; - Experimentação dos agricultores e comunidades; - Experimentação dos agricultores e mercado/comercialização; - Experimentação dos agricultores e gestão de recursos naturais; - Experimentação dos agricultores e pesquisa do setor público. O problema-objeto está na criação de alternativas às pesquisas geradas convencionalmente, para promover a solução dos muitos problemas enfrentados e identificados pelos agricultores em suas propriedades de produção. É preciso conhecer a realidade local que circunda cada grupo de agricultores e uma aproximação entre os atores envolvidos, a fim de que se possam estabelecer as necessidades e as dificuldades específicas enfrentadas pelos agricultores, com possíveis soluções ou minimizações de seus problemas. Objetivo Construir propostas individuais de forma coletiva e compartilhada, a fim de que o agricultor possa desenvolver suas próprias técnicas sem a intervenção de instituições públicas ou privadas. Atores envolvidos Os atores da experiência são os agricultores-experimentadores, juntamente com os agentes comunitários, técnicos e pesquisadores da AS-PTA. Os agricultores experimentadores aparecem como identificadores de problemas e fatores limitantes e como detectores de soluções. Eles se mobilizam para a mudança, a fim de se adaptarem melhor ao entorno - que se encontra em constante mutação. Funcionamento da Experiência A preocupação dos agricultores experimentadores é resolver seus problemas e os da comunidade, tentando encontrar tecnologias que possam difundir para o maior número de agricultores possíveis, integrando seus trabalhos. 65 O problema local é a base para definição de conteúdos dos experimentos. Portanto, são os próprios agricultores experimentadores que definem os temas a serem investigados, assim como as prioridades de execução, avaliação e divulgação dos resultados. A necessidade de circular informação, comunicar seus resultados, experiências, dificuldades e metodologias são de interesse dos agricultores-experimentadores, de modo que há preocupação em realizar intercâmbios entre membros de diferentes regiões com o intuito de compartilhar conhecimentos e reflexões. Institucionalização da prática A AS-PTA se constituiu como uma Associação sem fins lucrativos com personalidade jurídica própria, desde 1990. A metodologia de formação de agricultores-experimentadores é um dos eixos da organização. Principais Dificuldades A priorização dos critérios é umas das dificuldades enfrentadas por estes agricultores experimentadores, pois há diferenças de interesses, como por exemplo: os aspectos econômicos, a gestão da força de trabalho, a diversificação de cultivos e o mercado. A diminuição dos custos de produção dos agricultores é o mais importante incremento da produtividade física das lavouras. Aqui está a dificuldade na modificação da utilização de produtos agrotóxicos por naturais, para o combate às pragas e o controle da fertilidade do solo. Essa é uma questão que mobiliza os agricultores-experimentadores. Parcerias estratégicas Na manutenção de diversificadas formas para o fortalecimento da experimentação dos agricultores, é imprescindível a adaptação do processo a outros grupos de outras localidades; para tanto se faz parcerias com as seguintes instituições: - Organização de produtores; - Universidades; - Setores público e privado; - Institutos de pesquisas, entre outras. Resultados Há uma diversidade de publicações sobre experiências e reflexões sobre a metodologia, inclusive uma série chamada "agricultores na pesquisa". Segundo Edwards (1993) a realização de projetos de implementação de tecnologias em conjunto com os agricultores gera mais segurança na introdução de novas tecnologias. Hocdé (1999) sintetiza: "Os A/E [agricultores-experimentadores] são melhores conhecedores do local. Nenhuma pesquisa, por melhor que seja, poderá conhecer tão profundamente o local. A pesquisa sobre sistemas de produção pode facilitar o resgate dos conhecimentos. Por outro lado, ninguém pode representar e defender melhor os interesses dos agricultores do que eles próprios. Da mesma maneira, nenhum 66 A/E pode substituir a função dos pesquisadores. As vantagens comparativas dos diferentes atores são cada vez mais claras. O encontro entre esses dois mundos é imprescindível. O diálogo é mais factível quando os dois conseguem se comunicar mais facilmente. Para isso, se faz necessário dotar agricultores de conhecimentos de tal forma que um entenda o idioma do outro, para sua própria capacidade de experimentar" (pp.33). Perspectivas O reforço das capacidades dos agricultores experimentadores é apresentado por quatro linhas complementares à experiência: I. "Apoio ao Processo" no qual está embutida a necessidade básica do aumento da capacidade e da dinâmica de trabalho dos agricultores experimentadores, a fim de que compartilhem conhecimentos entre si; II. "Aumentar a Capacidade dos agricultores experimentadores com rigor" a partir das falhas metodológicas encontradas, tentar corrigi-las para melhorar a qualidade dos resultados obtidos, a fim de oferecer respostas válidas para um âmbito desejável do espaço geográfico; III."Estimular as interações entre pesquisadores e agricultores experimentadore": envolvimento dos agricultores no processo de criação e difusão de alternativas tecnológicas para melhorar os papéis e as funções de cada um; IV. "Sustentabilidade": assegurar a continuidade de um processo promissor para que o desenvolvimento agrícola seja fortalecido e reconhecido para o desenvolvimento sustentável. Elementos de Tecnologia Social Semelhante à Pedagogia da Alternância, esta experiência revela metodologias para que os próprios agricultores desenvolvam instrumentos para encaminhamento da investigação de suas questões identificadas na interação com sua própria realidade. Esse se revela como um processo de "empoderamento" em relação à produção de conhecimento. Esse aspecto também revela uma questão relacionada com a criação de uma nova relação entre técnicos tradicionais da extensão rural e os agricultores. Aí, o componente de Tecnologia Social é a própria construção desse outro espaço de interlocução, no qual não há "transmissão de conhecimento", mas sim, "construção conjunta", troca. Finalmente, o envolvimento dos agricultores na produção de conhecimento acerca da sua realidade, faz com que o resultado desse processo - ou seja, o conhecimento produzido - já esteja mais próximo do que podemos chamar de Tecnologia Social, na medida em que responde, necessariamente, à uma demanda da realidade concreta, já nasce como um conhecimento enraizado. Fontes de Informação: Página eletrônica da organização: http://www.aspta.org.br Buckles, D. (1995). Caminhos para a colaboração entre técnicos e camponeses. Rio de Janeiro: AS-PTA. Edwards, R. J. A. (1993). Monitoramento de sistemas agrícolas como forma de experimentação com agricultores. Tradução de John Cunha Comeford. Rio de janeiro: AS-PTA. 67 Friedrich, K., Gohl, B., Singogo, L. e Norman, D. (1995). Desenvolvimento de Sistemas Agrícolas - uma abordagem participativa na assistência a pequenos agricultores. Rio de Janeiro: AS-PTA. HOCDÉ, Henri (1999). A Lógica dos agricultores experimentadores: o caso da América Central. Metodologias Participativas. Rio de Janeiro: AS-PTA. 68 ANEXO 2 Políticas Públicas e Tecnologia Social: reflexões a partir da oficina Tecnologia Social e Agricultura Familiar24 Sistematizadora: Fabiana A. A. Jardim Este texto tem como objetivo refletir sobre as aprendizagens possibilitadas pela oficina “Tecnologia Social e Agricultura Familiar: semeando diferentes saberes”, ocorrida em Brasília, nos dias 19 a 21 de outubro de 200425. Para além de organizar os aspectos de TS que foram levantados durante a oficina, este texto também tem como preocupação refletir sobre algumas questões envolvidas na formulação de políticas públicas de TS. A oficina está inserida numa série de quatro encontros que foram realizados durante 2004, como parte das atividades de implementação do Centro Brasileiro de Referência em Tecnologia Social (parceria Instituto de Tecnologia Social/Ministério da Ciência e Tecnologia) que visam o desenvolvimento do conceito de Tecnologia Social. Este foi o terceiro encontro realizado e tinha como objetivo geral compartilhar experiências de agricultura familiar para refletir sobre o diálogo de saberes e o uso de tecnologias na unidade familiar de produção agrícola. De fato, a oficina tinha um objetivo bastante específico, vinculado ao momento do desenvolvimento conceitual em que nos encontrávamos: recolher elementos que nos permitissem qualificar como se dá a geração de novos conhecimentos na unidade familiar, como se dá a introdução de técnicas e tecnologias na unidade familiar e, o mais importante, quais são as formas conhecidas e desejáveis de diálogo entre agricultores e técnicos. Ainda que tal estratégia pareça demasiadamente fundamentada numa metodologia “indutivista”, é importante explicitar que, pelo menos no primeiro momento do trabalho do Centro Brasileiro de Referência em Tecnologia Social, esta metodologia fazia todo o sentido. Estávamos diante de uma forma de conhecer e intervir sobre o mundo que não estava legitimada e, conseqüentemente, não erar plenamente reconhecida. Em outras palavras, era preciso aprender a olhar as experiências portadoras/usuárias de TS e, para isso, o caminho metodológico não podia deixar de partir da realidade: afinal, é a realidade vivida pelas populações e ONGs que põe em questão nossas estruturas de conhecimento e não o oposto e, por isso, não é olhando tais experiências com os “óculos” de que já dispomos que seria possível conferir visibilidade a outras formas de conhecer e intervir sobre o mundo. Daí a necessidade de um novo “óculos”, o da Tecnologia Social. Durante a preparação da oficina, a fim de organizar o conjunto de questões que estávamos interessados em discutir, definimos quatro eixos que poderiam articular os resultados das discussões coletivas. Os dois primeiros, sobre Ciência, Tecnologia e Sociedade, visavam a identificação dos atores da produção de conhecimento e estratégias de difusão científica. O terceiro, sobre o papel das assessorias26, visava identificar os parâmetros de uma assessoria entendida Estas reflexões, notadamente o que se refere às relações entre Estado e Sociedade, devem muito ao diálogo estabelecido com o moderador das atividades, Cassio França, o que não permite atribuir a ele a responsabilidade por quaisquer das posições aqui apresentadas. 25 A oficina foi promovida pelo Centro Brasileiro de Referência em Tecnologia Social (parceria ITS/MCT), pela Secretaria de Ciência e Tecnologia para a Inclusão Social/MCT e pela Secretaria de Agricultura Familiar/MDA. 26 O tema das assessorias, bem como o das lideranças, e seu papel de indução e articulação nos é bastante caro. Porém, em nenhum dos três encontros temáticos realizados este ano logramos trazer à tona tais conteúdos a partir da fala dos expositores. Estes, muitas vezes, eram os assessores ou os líderes e, ainda que tenhamos formulado questões específicas sobre o assunto, nenhum deles se sentiu à vontade para abordar o tema. Quando se fala de processos participativos, o tema das lideranças ou das assessorias se transforma numa espécie de tabu, como se a simples formulação da questão já pusesse em risco o caráter participativo dos processos: o tema causa desconforto e, deste modo, é empurrado para fora dos discursos. Outra hipótese interpretativa é reconhecer que a liderança ou a assessoria, quando não problematizada, simplesmente opera na realidade, sendo 24 69 como diálogo. Finalmente, sobre as formas de apropriação do conhecimento, buscava-se identificar as pontes possíveis, ou seja, buscava-se identificar nas experiências as maneiras por meio das quais lograram pôr em diálogo saberes diferentes. É possível afirmar, sem risco de exagero, que a oficina de TS e Agricultura Familiar propiciou um dos momentos de discussão mais ricos dentre os encontros realizados este ano. Para além da fecundidade do tema, acreditamos que a maior acuidade na formulação das questões dirigidas às experiências foi decisiva. Dito de outro modo, se revisitássemos os conteúdos dos encontros passados, provavelmente seríamos capazes de distinguir um conjunto maior de aspectos que nos interessam – justamente devido a maior clareza em relação ao conceito de Tecnologia Social, e aos aspectos da realidade que ele nos permite destacar. Um aspecto importante a ser sublinhado, antes de passarmos à reflexão sobre as aprendizagens geradas na oficina, é que diferentemente dos outros encontros nos quais se buscou garantir a heterogeneidade dos participantes, a oficina de TS e Agricultura Familiar contou com um grande número de representantes do Poder Público, o que certamente tem conseqüências para a compreensão dos resultados da discussão. O tom geral das discussões ficou enviesado pelas necessidades e angústias de quem enfrenta o desafio de construir novas políticas públicas. Por isso, esta reflexão procurará lidar, mais cuidadosamente, como o conjunto de questões enfeixadas sob o tema “desafios da gestão pública”. O texto não seguirá a ordem das exposições; como já dito acima, o objetivo aqui é sistematizar algumas aprendizagens relacionadas ao universo da Tecnologia Social. Na medida em que se trata de um processo de desenvolvimento conceitual, tal sistematização revela-se sempre fundamental para refinar o olhar dirigido à realidade. Um primeiro ponto que merece destaque é que muitos dos temas levantados nas oficinas anteriores voltaram a aparecer neste encontro. É possível apontar pelo menos duas explicações para que isto tenha acontecido: a primeira delas se relaciona à já referida maior acuidade de nosso olhar, voltado para os elementos de Tecnologia Social presentes na experiência já a partir de algumas clarezas. A segunda explicação se refere à “saturação”: aqueles que estão acostumados à pesquisa de campo sabem que, em determinado momento, as falas e narrativas começam a se repetir, reiterando posições sem agregar mais nada de novo. Não é o caso de dizer que foi isto o que aconteceu durante a oficina, pois nosso objetivo era mesmo qualificar alguns temas que já definíramos como importantes quando da preparação das atividades. Mas, de todo modo, o desenvolvimento de um conceito a partir de encontros e debates demonstra que só é uma metodologia sustentável no médio prazo quando há este constante ire-vir entre teoria e prática e as questões que se propõe para debate vão se tornando cada vez mais complexas. Neste encontro, as discussões se concentraram em dois principais eixos: 1) necessidade de afirmação de outros atores de conhecimento que não apenas os que estão inseridos no sistema de CT&I e 2) desafios de reinvenção das relações entre Governo e Sociedade, que passam pelas inovações de arranjos institucionais. Mas o que sobressai de todas as discussões, principalmente porque a Agricultura Familiar passa a fazer parte de uma certa pauta social (do mesmo modo que Agroecologia, Desenvolvimento Local, Responsabilidade Social, entre tantos outros termos que têm circulado), é o potencial que tais “termos em disputa” possuem para provocar espaços de discussão. Eles possibilitam a constituição de um “palco”, menos amplo que discussões macro-estruturais, e incitam diferentes impossível apanhá-la em práticas discursivas. Permanece, assim, o desafio de construir estratégias que permitam apanhar tais conteúdos. 70 atores a participar da “cena” – clareando conceitos e valores, delimitando semelhanças e diferenças e, enfim, aprofundando o sentido da democracia em nosso país. Deste modo, o que emerge como principal aprendizagem para o desenvolvimento do conceito de Tecnologia Social é, novamente, a reafirmação da importância da pluralidade e da promoção de espaços de diálogo para a experimentação e a invenção de novas (e melhores) práticas sociais. Há outro ponto, de certo modo relacionado ao parágrafo anterior, que se tornou mais claro após as discussões realizadas na oficina, qual seja, o duplo caráter do conceito de Tecnologia Social, há um só tempo analítico e estratégico. O próprio conceito, tal como têm sido desenvolvido, confronta-se com a necessidade de conciliar estas duas dimensões. Do ponto de vista analítico, o conceito se mostra interessante para ressaltar alguns aspectos da realidade, principalmente no que se refere às relações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade. De fato, neste ponto de processo, quando já é possível identificar alguns parâmetros de Tecnologia Social, que nos permitem distinguir nas diversas experiências quais são as características que as aproximam do universo das Tecnologias Sociais, pode-se dizer que, analiticamente, já houve importantes avanços27. Por outro lado, há um preocupação de que o conceito não seja estanque, mas que articule ao redor de si preocupações e práticas. Deste modo, o conceito acaba assumindo também uma dimensão estratégica, na medida em que articula diferentes atores, e provoca à constante revisão dos termos nos quais se dão as relações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade – tecnologia social acaba se tornando, também, um “termo em disputa” e, como tal, conforme ao redor de si um campo de dissenso. Ainda refletindo sobre sua dimensão estratégica, o conceito de tecnologia social pode operar como provocador da efetivação de direitos ligados à CT&I. Neste sentido, não se trataria de afirmar a tecnologia social, em si mesma, como um direito social: o “campo de dissenso” conformado por ela é que tornaria possível a efetivação de alguns direitos sociais, tais como o direito à escola, à informação, ao conhecimento etc. Embora chamar a atenção para este aspecto possa parecer preciosismo, é importante que haja clareza a este respeito uma vez que o conceito de TS, tal como desenvolvido até aqui, afirma a importância de um Estado que organiza e gerencia a efetivação de direitos sociais. Ademais, durante a oficina, um dos pontos que apareceram se refere, justamente, à necessidade de movimentos sociais bem fundamentados em suas análises e diagnósticos – deste modo, a clareza e a precisão conceituais não devem ser vistas como preciosismo, mas como passo necessário à construção de políticas públicas efetivas. Uma questão importante, surgida durante a oficina, pode ser formulada em relação ao que já foi exposto. Ao falar da disputa entre dois diferentes modelos de agricultura, quais sejam, a agricultura familiar e o agronegócio, Pedro Christoffoli, da Concrab, sublinhou a desigualdade dos termos nos quais se dá a disputa: enquanto o modelo do agronegócio (baseado nas técnicas químicas/genéticas/mecânicas) já está consolidado e legitimado, o modelo da agricultura familiar tem que buscar esta legitimidade por meio da ação de atores que estão “marginalizados” em relação ao sistema econômico. Como foi formulado por uma intervenção durante a oficina, embora constituam a maior parte da população do campo e embora contribuam com grande parte da produção agrícola, os agricultores não são visados por políticas públicas de Agricultura: constituem-se numa “maioria minoritária”. Gostaria de chamar a atenção para um dos aspectos presentes na interpretação de Pedro, na medida em que está bastante relacionada com a própria noção de Tecnologia Social e as transformações que ela pode provocar: de algum modo, ao reconhecer que a desigualdade no campo de disputas acaba por dificultar Para uma apresentação detalhada da metodologia e do conceito de TS desenvolvido pelo CBRTS, ver Otero e Jardim (2004). 27 71 muito a construção da legitimidade de novos modelos, Pedro explicita alguns dos limites da democracia brasileira e nos provoca a pensar se, realmente, a existência de um campo plural de diálogo é suficiente para a construção de medidas. Em outras palavras, a realidade que a fala de Pedro define é a da política como um embate de estratégias cuja eficácia está condicionada pelo poder de quem as põe em ação. Uma vez que a definição de TS enfatiza a todo o momento a participação e um dos princípios de TS vincula estreitamente aprendizagem, participação e transformação social, o diagnóstico de Pedro provoca a reflexão se não seria ingênua esta confiança na pluralidade e no espaço público. É como se a desigualdade criada pelos níveis de participação na economia tornasse inviável a igualdade da cidadania no campo da política e tornasse qualquer mudança praticamente impossível sem uma precedente revolução na estrutura econômica. Fica aberta a questão: será que nossa leitura é excessivamente otimista e ingênua ou, ao contrário, trata-se de uma postura diante do que é a política que não deve ser abandonada? Um último ponto que gostaria de destacar, ainda sobre políticas públicas e suas relações com tecnologia social, refere-se ao problema da escala. Diversas vezes nos deparamos com esta questão: falar em tecnologia social significa pensar em organizar intervenções de modo a permitir sua re(a)plicação? Se, de um lado, reconhecíamos a necessidade de organizar e sistematizar experiências, principalmente com o objetivo de permitir sua difusão, de outro lado recusávamos a idéia de que cada experiência sistematizada pudesse se expressar em uma espécie de “pacote”, contendo os passos necessários para sua reaplicação. De fato, no centro desta questão está a dificuldade de conciliação de um modelo de produção de conhecimento que enfatiza os resultados, conferindo ao processo uma posição secundária e o esforço pela criação de novos modelos, que, olhando cuidadosamente o processo permitam aprendizagens que, disseminadas, podem ser refletidas, apropriadas, reorganizadas e transformadas de acordo com as necessidades de cada um dos atores que a elas tenham acesso. As palavras chaves, portanto, menos que reaplicação, são sistematização do vivido, difusão/comunicação, acessibilidade ao corpo de conhecimentos gerados por cada uma das experiências e pluralidade e experimentação metodológicas28. Tais termos se contrapõem à idéia de reaplicação, na medida em que esta reitera uma concepção de Ciência que, justamente, a discussão de tecnologia social procura questionar. Seria impossível, mesmo que a tentação seja grande, tentar registrar e refletir sobre todos os aspectos interessantes que apareceram durante a oficina; afinal, o relatório elaborado visa, justamente, atender a esta expectativa. Deste modo, esse texto se encerra com a apresentação de algumas questões, que podem orientar a continuidade do desenvolvimento conceitual. A primeira questão, que pode ser relacionada ao que aqui chamamos de problema da escala se refere às diferenças entre um modelo de conhecimento que organiza para depois reaplicar, e, de um certo modo, “privatiza” o conhecimento gerado pelas experiências e um outro modelo, que não prescinde da organização dos conhecimentos, mas está pautado por relações hierárquicas de troca e partilha de conhecimentos. Seria importante esclarecer e precisar quais são estas diferenças. Além disso, tais diferenças podem ser fundamentais para a aproximação entre tecnologia social e o universo da Economia Solidária. Uma outra questão se refere à concepção de política que está na base da idéia de tecnologia social. Se a concepção de política for a de um embate de estratégias, faz-se necessário rever o peso dado à organização e a ação coletiva, que constantemente é reiterado na definição e nos parâmetros de TS29. Nesta Durante a oficina, esta idéia de pluralidade e experimentação metodológicas apareceram, especialmente, na fala de Paulo Petersen, que apresentou a experiência dos agricultoresexperimentadores desenvolvida pela AS-PTA. 29 Ver Instituto de Tecnologia Social, 2004. 28 72 perspectiva, também é preciso refletir sobre quanto a TS deve estar dependente à necessidade de novos arranjos institucionais dentro do Estado, pois a concepção de política como um embate de estratégias torna qualquer “aliança” instável e sujeita às oscilações de poder. De outro lado, e concluindo essas reflexões, se a concepção de política for a de um campo de dissenso, que torna possível a construção de medidas e referenciais comuns, a própria noção de tecnologia social aparece como, essencialmente, vinculada à política e ao fazer político. A questão que se propõe, então, é esclarecer qual seria a riqueza dos momentos de participação, os momentos fundadores que, passados, correm o risco de gerarem estruturas que simplesmente se reproduzem. Se uma das preocupações da tecnologia social é gerar processos que continuamente se alimentem, como se produzem processos que são eficazes para a manutenção da participação, ainda que os termos da participação se modifiquem? Em outras palavras, se o desenvolvimento do conceito de TS, até agora, obteve sucesso em identificar alguns termos para caracterizar o início dos processos organizativos, quais seriam os caminhos para que pudéssemos criar termos que caracterizassem processos sustentáveis? Esta questão, acredito, coloca-se tanto para a tecnologia social quanto para as aporias enfrentadas pela democracia brasileira. Referências Bibliográficas ARENDT, Hannah Universitária (1999) A condição humana: Rio de Janeiro, Forense INSTITUTO DE TECNOLOGIA SOCIAL (2004) Caderno de Debates – Tecnologia Social no Brasil: São Paulo, Instituto de Tecnologia Social OTERO, Martina R. & JARDIM, Fabiana A. A. (2004) “Reflexões sobre a construção do conceito de Tecnologia Social”. Em: Tecnologia Social: uma estratégia para o desenvolvimento: Brasília, Fundação Banco do Brasil 73 ANEXO 3 Programação da Oficina Oficina “Tecnologia Social e Agricultura Familiar: Semeando Diferentes Saberes” Brasília, 19 a 21 de outubro de 2004 Centro Cultural de Brasília, Av. L2 Norte Qd. 601-B – Brasília, DF OBJETIVO GERAL O objetivo geral da oficina é compartilhar experiências de agricultura familiar para refletir sobre o diálogo de saberes e o uso de tecnologias na unidade familiar de produção agrícola. Com isto, pretende-se compreender melhor como opera um dos princípios de Tecnologia Social já identificados pelo Instituto de Tecnologia Social – ITS, em nove meses de trabalho, qual seja, que “aprendizagem e participação são processos que caminham juntos”30. OBJETIVOS ESPECÍFICOS - Caracterizar como se dá a geração de conhecimentos e tecnologias no interesse da agricultura familiar; - Caracterizar como se dá a introdução de tecnologias nas unidades produtivas familiares; - Identificar formas adequadas de diálogo entre agricultores e técnicos, no interesse da agricultura familiar. PÚBLICO-ALVO: - Representantes de ONGs - Representantes do Poder Público - Representantes de instituições financiadoras de CT&I - Representantes de Institutos de Pesquisa, Instituições de Ensino e Extensão - Agricultores familiares PROGRAMAÇÃO Apresentação, 19/10, às 14h - “A construção do conceito de TS: os Encontros para discussão e sistematização de conhecimentos sobre Tecnologia Social” – Fabiana Jardim, Centro Brasileiro de Referência em Tecnologia Social/ITS - “Desenvolvimento conceitual: Tecnologia Social até agora” – Martina Otero, Centro Brasileiro de Referência em Tecnologia Social/ITS Painéis, 19/10, às 15h30 Dinâmica de apresentação e momento de troca de experiências entre os participantes do Encontro Mesa de abertura, 19/10, às 19h30 Tema: “Tecnologia Social: conhecimento e sociedade” 30 Ver Centro Brasileiro de Referência em Tecnologia Social, “Síntese da Reflexão Conceitual até 10/08/2004”, mimeo. 74 - Valter Bianchini – Secretário da Agricultura Familiar/MDA - Rodrigo Rollemberg – Secretário da Ciência e Tecnologia para a Inclusão Social/MCT - Sônia M. Portella Kruppa – Secretária-adjunta da Secretaria Nacional de Economia Solidária/MTE - Francisco Hercílio Matos – Secretaria da Ciência e Tecnologia para Inclusão Social/MCT - Irma Passoni – Gerente Executiva do Instituto de Tecnologia Social - César Medeiros – Deputado Federal/MG - Manuel Barral Neto – Diretor de Programas Setoriais do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, CNPq - Clayton Campanhola – Presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária Embrapa - Aliomar Arapiraca– Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira, CEPLAC - Paulo Egler – Representante da Academia Brasileira de Ciência , ABC Primeira sessão, 20/10, às 9h Tema: Práticas solidárias: o papel das instituições articuladoras 9h – 9h15: Apresentação da pauta do dia 9h15 – 10h15: Apresentação de experiência: Pedro Christoffoli (Área de Produção da Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil – CONCRAB) 10h15 – 10h50: Questões para o debate: Sônia M. Portella Kruppa (Secretária-adjunta, Secretaria de Economia Solidária/MTE) 10h50 – 11h10: Pausa para o café 11h10 – 12h40: Plenária 12h40 às 14h: Horário de almoço Segunda sessão, 20/10, às 14h Tema: Pedagogia da Alternância: instrumento para promoção do desenvolvimento da agricultura familiar 14h – 15h20: Apresentação de experiências: Escolas Famílias Agrícolas e Casas Familiares Rurais – Leônidas dos Santos Martins (Presidente da Associação das Casas Familiares Rurais – Arcafar/ PA) e (União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil – UNEFAB) 15h20 – 15h50: Questões para o debate: João Batista Queiroz (Universidade Católica de Brasília) 15h50 – 16h10: Pausa para o café 16h10 – 17h30: Plenária Terceira sessão, 21/10, às 9h Tema: Inovações nas tradições da agricultura familiar: O enfoque da Agroecologia 9h – 9h15: Apresentação da pauta do dia 9h15 – 9h45: Exposição: Relação da Pesquisa com Assistência Técnica e Extensão Rural – Eros Marion Mussoi (Epagri (Santa Catarina)/Univ. Federal de Santa Catarina e SAFDater/Secretaria da Agricultura Familiar – MDA) 9h45 – 10h30: Exposição: Princípios da Agroecologia – José Antonio Costabeber (Emater/RS) 75 10h30 – 10h50: Pausa para o café 10h50 – 11h40: Apresentação de experiência: Paulo Petersen (Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa, AS-PTA) 11h40 – 12h: Questões para o debate: Cyra Malta (Universidade Estadual de Campinas, Unicamp) 12h – 13h: Plenária Quarta sessão, 21/10, das 14h30 às 16h30 Tema: Quem ensina, quem aprende? Aprendizagens e desafios da assistência técnica e da extensão rural - Apresentação da proposta de trabalho – Moderação: Cassio França - Trabalhos coletivos – plenária ou grupos - Organização do vivido - Encaminhamentos CARÁTER Gratuito com inscrição e confirmação de presença por telefone do Centro Brasileiro de Referência em Tecnologia Social – (11) 31516499 e (11) 31516419 ou pelo endereço eletrônico [email protected] . Promoção: Centro Brasileiro de Referência em Tecnologia Social – CBRTS/ITS, Secretaria para Inclusão Social – SECIS/Ministério da Ciência e Tecnologia, Secretaria de Agricultura Familiar – SAF/Ministério do Desenvolvimento Agrário Apoio: Comissão Executiva do Plano de Lavoura Cacaueira - CEPLAC Relatoria: Cyra Malta – Unicamp 76 ANEXO 4 Formulário para Apresentação nos painéis NOME Endereço: DA NOME INSTITUIÇÃO DO PROJETO Informações sobre a Telefone: instituição Página eletrônica: Pessoa para contato: Contexto Diagnóstico Características da intervenção Resultados Aspectos de Tecnologia Social Explicação sobre os campos: 1. Contexto: algumas informações sobre o lugar no qual a instituição atua e quando começou a atuar (por exemplo: a instituição atua no sertão da Bahia, na zona do semi-árido, desde 1945). 2. Diagnóstico: algumas informações sobre o problema identificado pela instituição (por exemplo: a atuação teve início quando, após perderem a produção com a seca, um grupo de agricultores se reuniu para constituir um fundo de pesquisa). 3. Características da intervenção: algumas informações sobre as ações da instituição (por exemplo: capacitação, assessoria técnica, financiamento, intercâmbio...). Há espaço para breves descrições de como se dá a intervenção. 4. Resultados: podem ser descritos por meio de dados quantitativos e/ou avaliações gerais de mudanças provocadas pela intervenção (por exemplo: depois da intervenção, não houve mais perda total de produção, a despeito da ocorrência de secas e também se observou uma melhoria de 30% na renda média dos agricultores). 5. Aspectos de Tecnologia Social: este campo é mais uma provocação, para vocês já irem “esquentando os motores” para a oficina. Gostaríamos que vocês apontassem alguns aspectos da experiência que vocês imaginam que têm relação com Tecnologia Social (por exemplo: sustentabilidade ambiental e econômica, melhoria da qualidade de vida...). 77 ANEXO 5 Lista de Participantes e Instituições NOME Antônio Avelar da Rosa Schmidt Adilson Cabral Aelson Silva de Almeida Assis Marinho Carvalho ENTIDADE/ASSOCIAÇÃO MCT/SECIS/CGSAN Instituto de Formação e Assessoria Sindical Rural Ministério da Ciência e Tecnologia - MCT EMBRAPA - Hortaliças Associação do Desenvolvimento Local Integrado e Carlos da Silva Matias Claudia Queiroz Gorgati Edson Guiducci Filho Eleupéria Guerra Pacheco Mendes Eloisa Elena Cangiane Emanuel José da Silva Eny Therezinha da Motta Amadeu France Maria Gontijo Coelho Igor Simoni Homem de Carvalho Iracema Ribeiro Miranda Joana D' arc Aguiar Joana Paula Costa Cardoso e Andrade Juliana Andréa Oliveira Batista Maria Del Carmen Santiago Lopez Sustentável de Poço Redondo/SE CNPq EMBRAPA EMATER - DF MCT/SECIS/CGSAN MCT/SECIS/CGSAN Caixa Econômica Federal UFV ISPN - Instituto Sociedade População e Pesquisa ABIPTI Instituto de Formação e Assessoria Sindical Rural SEDUP - Serviço de Educação Popular EMBRAPA FINEP - Financiadora de Estudos e Projetos Associação para o Desenvolvimento de Jussaral e Maria Presciliana de Brito Ferreira Paulo Gabriel Soledad Nacif Renara Guedes Araújo Rodrigo Almeida Noleto Sônia Cascelli Sônia Maria Portella Kruppa Soraya Rashid Bruxel Walesca Barbosa Áreas Circunvizinhas Escola de Agronomia da UFBA MCT/SECIS/CGSAN Ministério do Meio Ambiente - MMA EMATER - DF Secretaria Nacional de Econômia Solidária Câmara dos Deputados ABIPTI 78 Instituto de Tecnologia Social Conselho Deliberativo Uraci Cavalcante de Lima (Presidente) Maria Lúcia Barros Arruda (Vice-presidente) Rogério Cezar Cerqueira Leite Moysés Aron Pluciennik Jorge Nagle João Eduardo de M. P. Furtado Conselho Fiscal Almir Roveran Marli Aparecida de Godoy Lima José Maria de Sousa Ventura Suplentes do Conselho Fiscal Antônio Lellis Maria Aparecida de Souza Débora de Lima Teixeira Gerente Executiva Irma Rossetto Passoni Gerente de Projetos Alcely Strutz Barroso Consultores Técnicos Gerson José Guimarães Martina Rillo Otero Fabiana Augusta Alves Jardim Philip Hiroshi Ueno Atendimento Edilene Luciana Oliveira Expediente Coordenação da atividade: Fabiana Augusta Alves Jardim Relator: Cyra Malta Olegário da Costa Colaboração na relatoria e revisão: Fabiana Augusta Alves Jardim Equipe do ITS/CBRTS Alcely Strutz Barroso, Beatriz Mecelis Rangel, Edilene Luciana Oliveira, Fabiana Augusta Alves Jardim, Fabiana Cunha, Gerson José da Silva Guimarães, Irma Rossetto Passoni, Martina Rillo Otero, Philip Ueno Contato Instituto de Tecnologia Social OSCIP nº 13.0002.00/03, publicado no DOU em 26 de novembro de 2003. Rua Rego Freitas, 454 – cj. 73 Centro – São Paulo/SP CEP: 01220-010 Fone/Fax: (011) 3151-6499 e 3151-6419 e-mail: [email protected] Comunicação Beatriz Mecelis Rangel 79