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Revista Santa Cruz - 3
4 - Revista Santa Cruz
EDITORIAL
Nossa mãe terra, Senhor,
Geme de dor noite e dia.
Será de parto essa dor?
Ou simplesmente agonia?!
Vai depender só de nós!
Vai depender só de nós!
D
(Refrão do hino da CF 2011)
esde a quarta-feira de cinzas, a Igreja no Brasil
se lançou num grande mutirão em defesa da sustentabilidade
do planeta Terra. Para nós, franciscanos, esta luta remonta aos
primórdios de nossa Ordem. Os filhos e filhas de São Francisco
têm a grande responsabilidade de levar toda a sociedade a
respeitar e preservar a mãe natureza que “geme em dores de
parto”.
Nesse espírito, apresentamos aos leitores o primeiro número da
Revista Santa Cruz de 2011.
Uma boa preparação para a Páscoa do Senhor!
Revista Santa Cruz - 5
6 - Revista Santa Cruz
SUMÁRIO
EDITORIAL .......................................................................................... 5
VIDA DA PROVÍNCIA
- PROFISSÃO SOLENE DOS FREIS KELISSON, LUIZ ANTÔNIO E VALTER
(FREI OTON JÚNIOR) ............................................................................... 8
- NATAL CAMINHANDO (FREI ARLATON LUIZ SOARES DE OLIVEIRA) ............11
- ENTREVISTA COM OS FREIS HUGOLINO BROD E ADRIANO DE WIT (FREIS JÚNIO
FERNANDO E OTON JÚNIOR) .................................................................13
MEMÓRIA
1. “IN MEMORIAM” DE FREI HUBERTINO BACKES (FREI FLÁVIO SILVA VIEIRA)
............................................................................................................ 22
2. UM SÉCULO DE PRESENÇA FRANCISCANA EM JEQUITINHONHA (SHEILA ALMEIDA
N. LUNKES) ........................................................................................... 29
UMAS E OUTRAS
- HUMOR FRANCISCANO ..........................................................................38
Revista Santa Cruz - 7
VIDA DA
PROVÍNCIA
Esta seção se abre com o relato da profissão solene dos confrades
Kelisson, Luiz Antônio e Valter Júnior, seguido da crônica sobre o
“Natal caminhando 2010”. Finalmente, uma interessante entrevista
com os confrades Hugolino Brod e Adriano de Wit que, neste ano de
2011, celebram seu jubileu de ouro de ministério presbiteral.
1. PROFISSÃO SOLENE DOS
FREIS KELISSON GERALDO, LUIZ
ANTÔNIO E VALTER JÚNIOR
Frei Oton da Silva Araújo Júnior
“É isso que eu quero, é isso que eu
procuro, é isso que eu desejo fazer de
todo o meu coração”(1Cel 22).
Após uma longa caminhada formativa, em contato consigo, com a
fraternidade, em constante discernimento da vontade do Senhor
Deus sobre suas vidas, os freis
Kelisson Geraldo Machado, Luiz
Antônio de Jesus Reis e Valter Pinto
Vieira Júnior, entregaram suas vidas ao Altíssimo Senhor, por intermédio da Ordem Franciscana, por
toda a sua vida.
8 - Revista Santa Cruz
A celebração se deu na Igreja São
Francisco das Chagas, no bairro de
Carlos Prates, em Belo Horizonte,
no dia 2 de fevereiro, festa da
Apresentação do Senhor, na qual
se recorda a Família de Nazaré, ao
apresentar o seu ‘Bento Filho’ no
Templo de Jerusalém.
Muitas pessoas, testemunhas orantes junto a Deus na entrega
destes três irmãos, marcaram presença. Na sua maioria, vindos
da terra Natal de cada um deles,
respectivamente: Itatiaiuçu, Itaguara e Ubá. Além destes, compareceram muitos religiosos e religiosas, frades da Província Santa
Cruz, de outras entidades da Ordem e inúmeros amigos e companheiros de caminhada dos frades.
de, uma vez que “levando à plenitude a consagração batismal e
respondendo ao chamado divino,
os irmãos consagram-se totalmente
a Deus, sumamente amado, pela
profissão da obediência, da pobreza e da castidade [...]. Contraem
uma aliança com Deus, de modo
que sua vida se torna, por toda a
existência, um sacrifício oferecido a
Deus na caridade” (CC.GG 5).
Frei Kelisson (foto) concluiu, em
2010, o curso de Filosofia e, ao
longo deste ano de 2011, fará sua
experiência de “Presença Franciscana” junto á fraternidade do
postulantado, em São João delRei.
Em sua homilia, o Ministro Provincial frei
Francisco Carvalho
Neto agradeceu às
famílias dos três professandos por terem
doado seus filhos ao
“serviço de Deus, da
Igreja e da humanidade” (cf. Fórmula de
Profissão, CCGG 5).
As Constituições Gerais da Ordem dos
Frades Menores ressaltam a importância deste momento
para a vida do fra-
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Frei Luiz Antônio (foto) cursará, em 2011, o segundo
ano de teologia. Frei Valter (foto abaixo), o primeiro
ano. Ambos passaram a residir na fraternidade São
Boaventura, na paróquia de Santa Isabel, em Betim.
Aos nossos irmãos, os votos sinceros de uma feliz
entrega ao Deus da vida, que nos chama em nossa
fragilidade a respondermos, de forma livre e radical,
aos apelos do Evangelho.
10 - Revista Santa Cruz
2. NATAL CAMINHANDO - 2010
seguinte, com Tiago Flores, leigo
da Paróquia Santa Isabel de Betim
(MG).
Frei Arlaton Luiz Soares de Oliveira
No ano de 2010, o Secretariado
de Evangelização e Missão da
Província Santa Cruz abraçou a
proposta. A jornada teve seu início
no dia 10 de dezembro, com uma
“Celebração de envio”, realizada na
igreja São Francisco das Chagas,
em Belo Horizonte.
Desde 2009, os frades, na sua
maioria, professos temporários, decidiram fazer uma caminhada ao
longo do leito do Rio Itanhém.
Esta peregrinação se deu durante
o tempo litúrgico do advento. A
ideia fundamental
era reviver o “Natal
de Greccio” junto
às comunidades ribeirinhas, além de
chamar a atenção
da população para
a vida que nasce,
frágil, dócil e que
requer cuidados.
A iniciativa visava
também à conscientização dos ribeirinhos sobre as
questões ambientais ligadas ao rio
Itanhém, cuja nascente se dá no Nordeste de Minas
Gerais e curso na cidade de
Alcobaça (BA).
O trajeto feito pela equipe missionária foi o mesmo do já percorrido por frei Adelmo Francisco
desde 2007. Neste primeiro ano, frei
Adelmo contou com a companhia
de frei Júnio Fernandes e, no ano
No dia seguinte, já em Fronteira
dos Vales (antiga “Pam Pam”), todos
puseram o pé na estrada. Foram 14
peregrinos, dentre eles, dois leigos (Tiago Flores e Ana Turolli) e
um aspirante agostiniano (Leandro Santos). Os peregrinos percorreram os municípios de Fronteira
dos Vales, Santa Helena de Minas,
Revista Santa Cruz - 11
Bertópolis, Felisburgo, Machacalis e
Umburatiba. Durante a caminhada,
visitavam comunidades localizadas
às margens dos rios Itanhém e
Umburana.
Foram até à nascente do rio Umburana que deságua no Rio Itanhém, na comunidade do Prata, distrito Bom Jesus da Vitória
(Oropinha), em Santa Helena de
Minas. Na ocasião, visitaram, ainda
em Santa Helena, a aldeia Maxacali
chamada Água Boa. Vale ressaltar a
boa acolhida que os missionários
tiveram nesses lugares. Na cidade
de Felisburgo, visitaram o préassentamento do MST “Terra Prometida”.
Nas comunidades onde os missionários se hospedavam, ocorriam
diversas atividades, dentre elas
visitas às casas, palestras, oficinas,
e uma espécie de “Cinema na
Praça” com filmes com temática
franciscana, entre outras. As celebrações com as comunidades foram momentos muito ricos de espiritualidade. Entre os momentos
orantes, merecem destaque as celebrações da Eucaristia e do “Lucernário”.
12 - Revista Santa Cruz
Sob a orientação de frei Laércio
Jorge, coordenador do projeto
de Erradicação da Hanseníase, os
missionários colaboraram no trabalho de informação das pessoas
sobre o mal da Hanseníase, seu
diagnóstico e tratamento.
Com a celebração do Natal do Senhor, em Umburatiba, deu-se por
encerrada a jornada. Os peregrinos
retornaram para as suas casas, no
dia 26 de dezembro.
Todos puderam constatar, por
um lado, que a presença dos franciscanos nesses locais foi muito
significativa, pois, além de vivenciar, nas comunidades, a espiritualidade do Advento e do Natal,
foi de muita valia o trabalho de
sensibilização ecológica. Por outro
lado, os peregrinos revisitaram
os locais onde, no passado, houve a presença franciscana de missionários como frei Peregrino Loerakker (1910 - 1988), frei Afonso
Muré (1914 - 1993) e frei Lauro de
Koning (1912 - 1979).
3. ENTREVISTA COM OS FREIS
HUGOLINO BROD
E ADRIANO DE WIT
RSC: Fale-nos sobre sua vocação à
vida religiosa.
Por ocasião de suas bodas de
ouro de ministério presbiteral, frei
Hugolino Brod e frei Adriano de Wit
concederam à Revista Santa Cruz
(RSC) a seguinte entrevista:
Frei Hugolino: Tudo começou com
as visitas do vigário à casa dos meus pais, tomando chimarrão, conversando com as crianças. Neste
ambiente surgiu o pensamento:
“Ah! vou ser padre também, que
nem ele!” Meus pais eram muito
católicos, rezavam sempre o terço,
todos os dias. Trabalhavam no
campo com a plantação de arroz,
feijão, milho (multicultura). Até
aos 13 anos, eu ajudei meus pais
nos trabalhos; durante as férias
escolares também trabalhava. Filho de colonos (agricultores) tem
que trabalhar. Os meus avós são da
Alemanha, daí o sobrenome Brod.
RSC: Por que o senhor decidiu ser frade franciscano?
Frei Hugolino Brod
Frei Hugolino: Os franciscanos
visitaram a minha casa, na pessoa
do frei Olímpio Reichert, descendente de alemão, foi um contato
interessante. Outro motivo é que
naquele tempo na Diocese os pais
tinham que pagar os estudos. Já
nos franciscanos, após o Noviciado,
não precisava pagar os estudos.
Honestamente, um dos motivos
da opção pela vida franciscana
foi de ordem econômica, porque
eu não queria onerar meus pais
Revista Santa Cruz - 13
que trabalhavam duro, no campo,
durante os longos anos de vida no
seminário.
RSC: Como era a vida nas casas
de formação em Daltro Filho, Divinópolis, Belo Horizonte?
Frei Hugolino: Minha formação
aconteceu antes do Concílio, era
um tempo mais fechado. Fiz o
Noviciado em Daltro Filho. Não
era permitido fazer passeios. Geralmente não saíamos do convento. E se isso acontecesse, o mestre
tinha que estar junto. A Filosofia também foi realizada em
Daltro Filho, não tínhamos apostolado, não tínhamos nenhum trabalho nas comunidades. A Teologia aconteceu em Divinópolis,
também sem atividade pastoral.
No 4º ano do curso teológico, ensinávamos teologia nas escolas primárias (fundamental). Durante os
anos de formação, o tempo era
gasto na oração (breviário completo, ou seja, rezávamos praticamente todas as horas), missas, meditação pessoal (meia hora pela manhã
e meia hora pela tarde) todos os
dias, leitura pessoal e estudos. Em
Belo Horizonte, fiz o ano pastoral.
Fui ordenado presbítero no meio
do 4º ano de Teologia. Quando cheguei a Belo Horizonte (Carlos Prates),
já era padre. Durante a semana,
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tínhamos aulas de pastoral com o
objetivo de aprender a trabalhar na
paróquia e, nos finais de semana,
íamos para as paróquias. Frei Bruno
Götems, docente do ano pastoral,
escolhia as paróquias para onde iam
os jovens padres. Eu, geralmente, ia
para São Joaquim de Bicas e Igarapé. Estas paróquias eram diocesanas, mas se encontravam sem padre. Frei Bruno tomava conta.
RSC: E a opção de trabalhar como
missionário na Indonésia?
Frei Hugolino: Espírito aventureiro!
Pediram-me para ir para a Indonésia
e eu quis ver como era. Precederamme: Frei Vicente Kunrath, frei Oto
Düpont, frei Antônio Mariani e frei
Inácio Dresch. Pensei: “Bom, se eles
foram eu também posso ir.” Outro
motivo é que, naquele tempo, por
questões políticas, os holandeses
não podiam entrar na Indonésia,
então a Província Mãe (da Holanda)
pediu para que fossem enviados
frades brasileiros para a Indonésia.
Seria feita uma troca, a cada frade
brasileiro enviado para a Indonésia,
seriam enviados dois holandeses
para o Brasil.
Frei Hugolino no parque dos macacos Indonésia
RSC: Como foi o processo de
inculturação: a língua (bahasa indonésio), costumes, alimentação
etc?
Frei Hugolino: Nos primeiros meses,
na cidade de Cicurug (interior),
foi muito difícil aceitar, tragar a
comida deles. Emagreci uns 5
quilos. A comida era feita de carne
e queijo de soja, arroz sem sal, não
tinha feijão. Depois percebi que
a comida varia de acordo com a
região. Na capital Jacarta, tinha
mais variedades, a alimentação aproximava-se da culinária chinesa
e, a meu ver, aproximava-se mais do
meu costume alimentar no Brasil.
Em Cicurug, comecei a aprender
a língua com frei Vicente Kunrath,
mas não aprendi nada, a gente só
falava em português. Depois de
um mês, fui para Jacarta, com a
função de rezar a missa na casa das
irmãs, isto era possível, pois ainda
se utilizava o latim. Durante o dia, ia
aprender o bahasa indonésio, com
uma professora. Fiquei dois meses
estudando em Jacarta. Depois fui
trabalhar nas montanhas, a 100
km de Jacarta, e morar com um
frade, irmão leigo, que só falava
o indonésio. Aos domingos tinha
que rezar a missa com o povo,
fazer sermão na língua indonésia.
Eu geralmente escrevia uma folhinha com o sermão e pedia a
um professor da escola ao lado de
nossa casa para conferir, ele sempre
aprovava e dizia que estava muito
bom. Então aprendi a língua com
os professores, o irmão indonésio
e o povo.
RSC: Foram 39 anos de trabalho
missionário na Indonésia. Que tipo
de atividades o senhor realizou durante esses anos?
Frei Hugolino: De 1963 a 1965, trabalhei como vigário da Paróquia
Saint Paskalis. De 1966 a 1968, trabalhei na Ilha de Flores, “mais ou
menos” como pároco, o termo correto não me lembro agora. Andá-
Revista Santa Cruz - 15
vamos muito a cavalo, para atender
as comunidades, às vezes, quatro
horas seguidas. De 1968 a 1982,
fui vigário, até 1971, e depois nomeado pároco provisório até 1982.
De 1982 a 1990, fui pároco na
Paróquia Saint Paulus, em Depok, a
30 km de Jacarta. De 1990 a 2001,
trabalhei em um pensionato com
250 meninos. Tinha que procurar
120 quilos de arroz por dia, para
alimentar as crianças, dentre elas
muçulmanos e chineses.
RSC: A Indonésia tem a maior população islâmica do mundo. Como é realizado o trabalho de
evangelização? E como é a convivência entre cristãos e muçulmanos?
Frei Hugolino: A primeira coisa é
viver como São Francisco ensinou:
viver e conviver no meio deles como cristãos, não fazer propaganda. Se for possível e conveniente,
então abrimos a boca para anunciar o Evangelho. Nós tínhamos
escolas com grande número de
muçulmanos, nós dávamos aulas
de religião, não especificamente
cristã. Apresentávamos algumas
passagens bíblicas, como as parábolas. Muitos alunos depois se
tornaram católicos. Quanto aos
islamitas, nunca batizávamos crianças ou adolescentes, cujos pais
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eram muçulmanos. Só batizávamos
adultos para não causar problema.
Quanto aos chineses era mais
aberto, podíamos tranquilamente
acolher a todos. Costumávamos
observar se havia a possibilidade
de os jovens continuarem sua caminhada na Igreja. Por meio das
crianças, a religião entrou na vida
de muitas famílias. Os pais diziam
que as crianças ficavam melhores,
mais maduras, por isso resolviam
também aderir à religião cristã.
Tinha crianças chinesas muito bacanas que viviam o cristianismo
com muita maturidade. Às vezes,
a influência da criança batizada
atraía o resto da família que, em
geral, era numerosa. Os islamitas
se tornavam católicos por causa da
convivência e escolas católicas. As
escolas católicas eram, em geral,
melhores que as estaduais e muitas
outras particulares.
RSC: Como está organizada a Igreja
da Indonésia?
Frei Hugolino: A conferência dos
bispos é chamada de: Konperensi
Waligereja Indonesia (KWI). A organização é bem parecida com a
Igreja do Brasil com os bispados,
paróquias, pastorais e movimentos.
No entanto, os religiosos são mais
numerosos que os diocesanos. Os
missionários estrangeiros estão di-
minuindo e está aumentando o
número de religiosos e diocesanos
nativos.
RSC: Fale sobre a entidade franciscana que o acolheu na Indonésia.
Têm surgido vocações religiosas e
franciscanas por lá?
Frei Hugolino: Fui acolhido na
Província São Miguel da Indonésia,
também fundada pela Província
dos Santos Mártires Gorcumienses,
da Holanda. Quando voltei para o
Brasil, tinha 75 professos solenes, 42
professos temporários e 11 noviços.
Hoje o número é bem maior. Da
Província da Indonésia surgiu a
Custódia Duta Damai (Mensageiros
da Paz), em Papua, Nova Guiné. Há
10 anos aqui existiam 42 professos
solenes, 9 professos simples e 6
noviços. A Província da Indonesia
tem tido muitas vocações e atualmente tem muito mais frades
que a nossa Província Santa Cruz.
RSC: Certamente aconteceram fatos
pitorescos nesta sua trajetória como
missionário “ad gentes”. O senhor
poderia citar algum?
Frei Hugolino: Um dia entraram
e roubaram todas as imagens da
Igreja. Tinha um órgão bonito, o
sistema de som era muito bom,
mas eles não se interessaram por
isso. Roubaram as imagens de
Nossa Senhora, Santo Antônio e o
Crucifixo. Nós estávamos tentando descobrir quem havia feito
isto, estávamos desconfiados dos
islamitas. Então aconteceu que,
há algum tempo, havia um filho
de uma família (católica) que, às
vezes, sumia e depois retornava,
após algumas semanas. Da última
vez que sumiu não retornara. O
pai foi à polícia. Lá mostraram as
fotos das últimas pessoas que
haviam sido assassinadas. Entre as
fotos das vítimas, estava a do filho
dessa família. O grupo que o havia
assassinado ficou com medo, por
que haviam encontrado o corpo.
A mãe havia feito uma novena a
Santo Antônio e dizia que ele tinha
ajudado a encontrar o corpo. Então
o grupo devolveu as imagens com
medo de que a mulher continuasse
rezando e assim descobrisse outros
crimes por eles cometidos. O grupo
que cometeu o assassinato era
islamita e o filho do casal estava
envolvido com drogas.
RSC: Em 2002, o senhor resolveu
retornar ao Brasil. Como se deu essa
decisão?
Frei Hugolino: Frei Patrício, frei
Diogo e frei Luciano Brod, enquanto
ministros provinciais, sempre me
Revista Santa Cruz - 17
convidavam para retornar ao Brasil,
mas eu não queria. Em 1990, pensei
em voltar, mas a Província da
Indonésia me pediu com insistência
para assumir o internato e eu acolhi
o pedido. Atualmente, eles não
precisam mais de mim, eles podem
mandar frades para cá. Pensei que
poderia trabalhar no Brasil e ajudar
a Província Santa Cruz. Também
estou ficando velho e não queria
morrer na Indonésia.
RSC: Como tem sido a vida em
Salinas? Que atividades o senhor
vem desenvolvendo lá?
Frei Hugolino: Trabalhando na
paróquia e atendendo o Setor de
Novo Horizonte. Descansando também, tomo uma cachacinha, de vez
em quando. Na Indonésia não tinha cachaça, lá eu tomava uísque,
mas não era tão caro como aqui.
18 - Revista Santa Cruz
RSC: O que significa, para o senhor,
celebrar 50 anos de ministério
presbiteral?
Frei Hugolino: Tudo passou muito
rápido, ao longo destes 50 anos.
Apesar dos altos e baixos, fui
levando a vida. Não me arrependi
de nada. Passei a maior parte deste
tempo servindo o povo de Deus
nas paróquias. Eu me considero
um franciscano, mas não sei se
consegui viver, de forma coerente,
o ideal de São Francisco.
RSC: Algum recado aos frades da
PSC?
Frei Hugolino: Que cada um continue com ânimo, trabalhando com
empolgação e coragem para enfrentar as dificuldades. Às vezes,
as fraternidades apresentam dificuldades, se a fraternidade não é
como eu quero, então desisto e vou
embora. Não é por aí, é necessário
viver em fraternidade, saber viver
e conviver com as diferenças e não
querer moldar o outro segundo as
expectativas pessoais.
FREI ADRIANO DE WIT
RSC: Frei Adriano, conte-nos um
pouco sobre sua família, sua infância.
Frei Adriano: Minha família era
muito religiosa, muito católica. Meu
pai tinha dois irmãos padres, um
era padre secular e o outro cartuxo,
e duas irmãs freiras franciscanas.
Nós pertencíamos a uma paróquia
franciscana, por isso desde pequeno fiquei muito familiarizado com
os franciscanos.
Enquanto cursava o 6° ano primário, o meu pai ficou sem empregados. Ele me chamou para
ajudá-lo na fazendinha de gado
de leite. Lá fiquei dois anos e
meio trabalhando, enquanto frequentava um dia por semana uma
escola primária de agricultura. Mas
continuei pensando em ir para o
seminário e ser padre.
Depois de dois anos, criei coragem de falar com meu pai que
sempre se orgulhava de me ter
como seu ajudante na fazenda.
Meu tio padre não gostava muito
dos franciscanos, e, influenciado
por ele, que frequentava muito
a nossa casa, decidi ir para o seminário dos padres seculares, mas
não passei pelo exame de admissão. Então, resolvi logo ir para o
seminário dos Franciscanos em
Megen, onde já havia alguns conterrâneos estudando. Lá também
devia fazer um exame de admissão, mas lá passei.
RSC: E a partir de então, o senhor se
preparou para ser um franciscano...
Frei Adriano: Sim. Durante este
tempo de seminário em Megen,
foi também crescendo meu conhecimento sobre São Francisco
e assimilando o seu espírito. Não
custou muito e logo quis me tornar
franciscano. Muito me ajudaram
nesta decisão o exemplo de vida
dos freis e a convivência fraterna,
no seminário.
Revista Santa Cruz - 19
RSC: Como foi seu processo de
adaptação no Brasil?
Frei Adriano: Quando cheguei aqui
no Brasil, em outubro do ano de
1961, eu não sabia falar nada de
português. Por isso a primeira
dificuldade de adaptação foi com
a língua. Tive vários professores,
mas a fluência nunca é a mesma da
língua materna. Mas, mesmo assim,
falando mal, os amigos sempre me
animavam: “O senhor fala muito
bem” etc. Nunca tive problema de
adaptação com a comida brasileira,
porque logo tive de seguir o regime
alimentar para diabéticos.
Quanto à parte pastoral foi tudo
muito fácil. Na Holanda nunca
tinha trabalhado na pastoral porque cursei aqui, em Belo Horizonte, o 5°ano de Pastoral, com os
competentes professores frei Bruno e frei Félix. Portanto, foi mais
um tipo de introdução do que
problema de adaptação.
RSC: Quais os principais lugares onde
o senhor trabalhou?
Frei Adriano: Os principais lugares
onde trabalhei são três: A Paróquia
de Santo Antônio dos Funcionários
em BH, onde fiquei 12 anos como
vigário paroquial, enquanto frei
Hilário era o Pároco. Depois fui
20 - Revista Santa Cruz
transferido para Ubá onde trabalhei com muito prazer, durante 9
anos, na Paróquia São Januário;
depois fiquei 12 anos em Guidoval.
RSC: Quais foram as maiores dificuldades que o senhor enfrentou
enquanto religioso?
Frei Adriano: Uma das maiores
dificuldades que encontrei na minha vida de religioso são as mulheres, principalmente as mais bonitas e as mais simpáticas. Mas isto
é próprio do ofício.
Outra dificuldade tem a ver com o
fato de eu ser um estrangeiro. Além
de não ter conseguido aprender a
língua perfeitamente, também não
consigo entender tudo o que o
povo fala, sobretudo as piadas, as
gozações, as brincadeiras, etc.
As transferências constituem para mim uma grande dificuldade.
Quando a gente está se dando bem
com o povo e o povo está gostando da gente, me pergunto: por que
então transferir para outro lugar
totalmente diferente?
RSC: Certamente o senhor teve muitas alegrias, enquanto religioso franciscano...
Frei Adriano: Com certeza. As
alegrias foram muitas. Trabalhar
na paróquia e poder atender as
pessoas; ouvir uma pessoa dizer
depois de tê-la atendido em confissão: “ah, que alívio estou sentindo em meu coração” e tantos
outros casos que pude atender;
também foi sempre uma grande
alegria trabalhar com grupos e
movimentos religiosos como: Apostolado da Oração, Irmandade
do Santíssimo Sacramento, Vicentinos... e, principalmente, com o ECC
(Encontro de Casais com Cristo).
RSC: Finalizando nossa conversa, que
mensagem o senhor deixaria para os
leitores da Revista Santa Cruz?
Frei Adriano: Quem sou eu para
deixar uma mensagem a vocês,
leitores da nossa Revista Santa
Cruz. A única mensagem que posso
dar é aquela que dei, certa vez, a
um senhor que me procurou para
confessar e, como penitência, lhe
recomendei: “Leia durante uns 10
minutos algum trecho do Evangelho”. Depois ele me disse que
gostou tanto que, desde então,
não deixou mais de ler, todo
dia, algum trecho do Evangelho.
Isto vale também para todos nós.
Fazer todos os dias uma leitura
orante da Palavra de Deus é fundamental para o sustento de nossa
vida.
Revista Santa Cruz - 21
MEMÓRIA
Desta vez, registramos em nossa “memória” a figura do
saudoso confrade frei Hubertino Backes (+ 24/11/2010)
e os 100 anos da presença franciscana na cidade de
Jequitinhonha.
1. “IN MEMORIAM” DE FREI
HUBERTINO BACKES
Frei Flávio Silva Vieira
22 - Revista Santa Cruz
Frei Hubertino (Josef Backes),
filho de Johann Josef Backes e
Maria Agnes Backes Olivier, nasceu
no dia 13 de abril de 1914, em
Würsel, na Alemanha. Sua família,
naturalizada holandesa, migrouse para o sul daquele país, onde
o pai foi trabalhar nas minas de
carvão. Fato é que o jovem Josef foi
crismado na Holanda, na paróquia
São Pedro (Pietersrad, diocese de
Roermond), no dia 16 de setembro
de 1925.
No dia 7 de setembro de 1933,
ingressou no noviciado em Hoogcruts (Holanda) e, no ano seguinte, fez a sua profissão temporária. Três anos depois, em
08/09/1937, professou solenemente na Ordem dos Frades Menores,
em Alverna. Foi ordenado diácono
em Weert, no dia 08 de Setembro
de 1937 e, na mesma cidade, recebeu o presbiterato no dia 3 de março de 1940, durante a segunda grande guerra. Até 1947 permaneceu
na Holanda, preparando-se para
ser missionário na China. Entre seus
documentos, consta que, no ano
de 1942, participou de um curso
preparatório para missionários, realizado em Nijmegen, tendo inclusive estudado chinês.
A ida à China
A revista Neerlandia Seraphica
do ano de 1947 deixou registrado
que, no dia 21 de fevereiro daquele
ano, frei Hubertino embarcou na
Antuérpia, num navio cargueiro,
repleto de dinamites, rumo à China.
No dia 13 de março, no porto de
Gênova, o referido navio explodiu.
Nosso missionário escapou por milagre! E por causa da bagagem a
bordo não arredou pé de perto
do navio em chamas. No dia 19 do
mesmo mês, retornou à Holanda.
Dessa vez, de trem.
Em 25 de abril do mesmo ano,
vai novamente a Gênova onde
embarca rumo a Pequim.
Antes de sua vinda ao Brasil, como bem disse frei Feliciano Van
Sambeek (Santa Cruz, out./dez.
2010, p. 143), frei Hubertino “deu
uma verdadeira volta ao mundo”.
Enquanto estava em Pequim estudando chinês, Mao Tsé Tung toma
o poder e expulsa os missionários.
Num artigo de frei Arnulf Camps,
“Novas e Animadoras Informações
sobre a Igreja católica na China”
(Santa Cruz, fev. 1998), o tradutor
do referido artigo assim se expressou em nota: “Nessas nossas
dioceses muitos confrades têm
feito bons trabalhos, mas depois
sofreram muito dos japoneses,
dos comunistas e das revoluções
Revista Santa Cruz - 23
chinesas: Fr. Leônides Bruns foi
martirizado, muitos missionários
confinados em campos de concentração como nossos confrades
Leônides Schoorl e Álvaro Van
de Reep. Nosso frei Hubertino
conseguiu fazer seu curso de chinês em Pequim, mas não achou
ambiente para evangelizar. Voltou
para a Holanda e veio depois
para o Brasil” (art. cit., p 12). Na
verdade, frei Hubertino com outros
missionários da diocese de Shansi
fugiram para o Japão, certos de
que a ditadura de Mao não duraria muito, podendo então retornar
à China. Não foi o que aconteceu.
Fato é que não demorou muito e
Hubertino se dirige à Califórnia, nos
EUA, onde estuda inglês e chinês.
A decisão de vir ao Brasil
Ao que parece, nosso confrade,
convencido de que a situação na
China não mudaria como o esperado, tomou a decisão de oferecerse como missionário no Brasil.
Nas “Notícias do Comissariado da
Santa Cruz”, do ano de 1949, assim
lemos: “Acabamos de receber, por
intermédio do Secretariado de
Weert, a notícia de que o Revmo. Pe.
Fr. Hubertino Backes, ex-missionário na China, atualmente em Oaklandia, Califórnia, está destinado
ao Brasil. Seja Bem-vindo!” (Rev.
24 - Revista Santa Cruz
cit. p. 114). Na página 134 da mesma revista se lê: “No dia 24 ou 25
espera-se no Rio o Revmo. Pe. Frei
Hubertino Backes, proveniente de
New Orleans (Louisiana), onde tomou o vapor Del Aires que partiu
daí em 08 de agosto. Seja bemvindo!” Certo é que, no dia 27 de
setembro de 1949, frei Hubertino
finalmente desembarcou no Brasil.
A vida em Belo Horizonte
De 1950 a 1967, nosso confrade
viveu e trabalhou em Belo Horizonte, no convento São Bernardino.
Já em 1951, juntamente com frei
Abel Snel, matriculou-se no curso
de línguas anglo-germânicas na
Faculdade Santa Maria, futura Universidade Católica de Minas Gerais, bacharelando-se no dia 10 de
dezembro de 1952. Além disso,
na mesma faculdade, cursaram
pedagogia durante dois anos.
Na Santa Cruz de maio de 1954,
lemos: “Menção honrosa – o nosso
confrade frei Hubertino Backes foi
nomeado lente na Faculdade de
Filosofia da futura Universidade
Santa Maria em Belo Horizonte,
para lecionar Didática Especial das
línguas anglo-germânicas”.
Durante sua longa estadia em
Belo Horizonte, nosso confrade exerceu várias funções: discreto da
residência, conselheiro do diretor
do Colégio Santo Antônio em BH,
professor, diretor, vice-diretor, secretário do colégio, capelão das
irmãs clarissas, além de diretor
da florescente Ordem Terceira,
no Colégio Arnaldo. Apenas por
um lapso de tempo (de maio de
1961 a janeiro de 1962) foi diretor
provisório do Colégio Santo Antônio, em São João del-Rei.
o então provincial frei Erardo Veen
lembra-lhe a nomeação capitular
e lhe recomenda paciência com
dois padres novos que ali estão
para estudar português. Ademais,
pouco se sabe sobre o tempo de
sua permanência em Visconde. Frei
Hubertino era o homem do silêncio
e pouco escrevia. Três anos depois de sua chegada àquele lugar,
o governo provincial o nomeia
cooperador do pároco de Nanuque, devendo residir em Serra dos
Aimorés, na divisa com a Bahia.
A vida entre os pobres de Serra
dos Aimorés
A transferência para Visconde do
Rio Branco
Em janeiro de 1968, por decisão do
Congresso Capitular, frei Hubertino
foi nomeado guardião do convento
Santo Antônio de Visconde do Rio
Branco, deixando definitivamente
o Colégio Santo Antônio, em Belo
Horizonte, que ajudara a fundar.
Em carta de 19 de janeiro de 1968,
De 1971 a 1973, nosso confrade
ali viveu e trabalhou. Não é difícil
imaginar o que essa transferência
representou para um homem acostumado às lides acadêmicas.
Agora se vê diante de uma realidade paroquial com suas exigências, além da dureza da vida
dos pobres do lugar. Há quem diga
que frei Hubertino sequer sabia
como requerer uma certidão de
Batismo! Ademais, para sobreviver,
vai lecionar na única escola pública do lugar. Numa de suas correspondências ao velho amigo Abel
Snel, descreve a vida que leva, fala
do sofrimento dos pobres do lugar
e o descaso do poder público. Mas
não se queixa de nada.
Revista Santa Cruz - 25
Contudo, de julho a dezembro
de 1973, passa a lecionar provisoriamente no Ginásio Santo
Antônio de Nanuque.
Transferência para Muzambinho
Após o Capítulo Provincial de
janeiro de 1974, Hubertino é nomeado coadjutor em Muzambinho, sendo o então pároco frei
Ambrósio Boude. Ali no Sul de
Minas permanece até a entrega da
paróquia à diocese de Guaxupé, no
dia 28 de fevereiro de 1988, ocasião
em que recebe o título de cidadania honorária do lugar, juntamente com frei Francisco Duarte Júnior, responsável pela paróquia até
então (cf. Santa Cruz, fev. 1988, p.
8). Em Muzambinho o nosso confrade Hubertino permaneceu por
13 anos.
26 - Revista Santa Cruz
De Muzambinho a Divinópolis
Entregue a paróquia São José
de Muzambinho, frei Hubertino é
transferido como residente para
o convento Santo Antônio de
Divinópolis, onde permanece de
abril de 1988 a abril de 1990, data
em que é transferido para o sítio
Rivotorto em Areias, Ribeirão das
Neves.
Numa das poucas correspondências dirigidas a algum dos provinciais, encontra-se uma de nosso
confrade ao então provincial frei
Luciano Brod. Em face do Capítulo
a ser realizado em janeiro do ano
seguinte – a carta é datada de 29
de dezembro de 1991 –, Hubertino
manifesta a frei Luciano Brod seu
desencanto com o sítio de Areias,
sobretudo por causa do isolamento,
e sugere sua transferência, seja
para o Convento São Bernardino,
em Belo Horizonte, ou novamente
para Divinópolis. Com a cortesia e
elegância de sempre, brinca com
o Provincial: “Pedir não é proibido.
Não se trata de ‘súplica’”. Diante de
tal pedido, o Governo Provincial
achou por bem transferi-lo novamente para Divinópolis, onde ficará apenas por alguns meses (de
1º de março a 1º de setembro de
1992), retornando novamente para
Areias.
Em São Francisco das Chagas: o
Alverne de frei Hubertino
A partir de novembro de 1997 a
fraternidade de Carlos Prates, em
Belo Horizonte, será aquela na qual
nosso confrade viverá até o fim de
seus dias entre nós. Ali viveu por 13
anos.
Sua transferência de Areias se
deveu antes de tudo pelo seu
estado de saúde, inspirando cada
vez mais cuidados. Aliás, desde
1986, já vinha manifestando sinais
de debilidade. Naquele ano foi
diagnosticada uma diverticulite. Além disso, já não andava mais
com a mesma agilidade. Da fraqueza nas pernas resultou uma
queda com a fratura de quatro
vértebras, em agosto de 1998. Em
setembro de 1999, é submetido
a uma laparotomia (cirurgia de
desobstrução dos intestinos). Em
2001 é internado por mais de um
mês no hospital Felício Rocho, em
Belo Horizonte, por conta de uma
úlcera duodenal e a consequente
hemorragia. Mas nosso guerreiro
sempre se recuperava, voltando
alegre e animado para o convívio fraterno, agora sob os cuidados zelosos da equipe de enfermagem do Convento São Francisco das Chagas. Em
janeiro de 2003, é
novamente internado
para tratamento de desidratação e pneumonia, após o qual retorna
para casa, para viver seu
silêncio e cortesia para
com todos. Contudo,
cada vez mais enfraquecido, agora com
dificuldade de engolir,
é submetido, em agosto de 2004, a uma gastroctomia (colocação de sonda
definitiva para receber alimentação diretamente ao estômago).
Desde então, nosso confrade
não se levanta mais de seu leito.
Durante longos seis anos ficará
ali imóvel, vivendo até o fim a
sua configuração ao Cristo, na
serenidade e tranquilidade que
lhe eram próprias. Acompanhava a
vida diária pelo ouvido e pelo olhar
sem, no entanto, poder falar.
Revista Santa Cruz - 27
A Páscoa de frei Hubertino
No dia 24 de novembro de 2010,
fomos surpreendidos com a notícia
de que o Senhor chamou a si seu
servo fiel, na idade de 96 anos,
70 deles dedicados ao ministério
presbiteral e 77 no seguimento de
Cristo na vida franciscana! Faleceu de uma hemorragia na região terminal dos intestinos. Foi
sepultado no dia seguinte, no
cemitério provincial de Areias, Ribeirão das Neves. O ministro provincial frei Francisco Carvalho Neto,
quando do comunicado de seu
falecimento à Província assim se
expressou: “Celebramos a páscoa
de nosso saudoso frei Hubertino
Backes, um irmão que permanecerá
na nossa memória e no nosso
coração como exemplo de frade
menor. Permanece em nós o testemunho da sua cordialidade, da
sua serenidade e da sua mansidão
(Comunicações do Definitório Provincial, n. 67, dez. 2010).
Considerações finais
Revisitar a história desse nosso irmão me faz pensar na VI admoestação de Nosso Pai São Francisco: “Irmãos todos, prestemos
atenção ao Bom Pastor, que, para
salvar suas ovelhas, suportou a
Paixão da Cruz. As ovelhas do
28 - Revista Santa Cruz
Senhor seguiram-no na tribulação
e na perseguição, na vergonha e na
fome, na enfermidade e na tentação
e em outras coisas mais; e, a partir
disso, receberam do Senhor a vida
eterna. Daí, é grande vergonha para
nós, servos de Deus, que os santos tenham feito as obras, e nós,
proclamando-as, queiramos receber a glória e a honra” (Da imitação de Cristo - Escritos de São
Francisco).
Que nosso santo confrade Hubertino, agora envolvido no abraço
terno e fraterno da Trindade Santíssima, interceda por nós, filhos de
tristes e vergonhosos tempos de
tão pouca profecia e tanta busca
de glórias e honrarias. RIP.
2. UM SÉCULO DE PRESENÇA
FRANCISCANA EM
JEQUITINHONHA
(Apontamentos)
Sheyla Almeida N. Lunkes
O começo
Em outubro de 1911, o novo Comissário do então Comissariado
da Imaculada Conceição, frei Júlio
Berten, ansioso por melhorar e
aumentar a nossa missão, esteve
em Diamantina com dom Joaquim
Silvério de Souza. Este lhe ofereceu
diversas paróquias. Frei Júlio, porém, preferia paróquias que ficassem mais perto de Teófilo Otoni
e citou Araçuaí e Jequitinhonha.
O bispo consentiu, com a ressalva
de que os vigários diocesanos continuassem em suas funções na sede e os freis fizessem o trabalho
mais pesado fora, na roça. Para
Jequitinhonha foi designado frei
Samuel Tetteroo, que viajou em
março de 1912 para lá.
A Paróquia foi criada em 1831.
Em 1912 era vigário (desde 1872)
o padre Emerenciano Alves de
Oliveira, muito estimado por suas virtudes sacerdotais. Já estava
idoso, mas ainda dava conta da
sede. Frei Samuel foi residir em Jo-
aíma, a 36 km de Jequitinhonha.
Daquela residência os frades faziam
suas longas e pesadas viagens pela
imensa paróquia. Em 25.08.1913,
Jequitinhonha passou a pertencer
à nova diocese de Araçuaí, cujo
primeiro bispo foi dom Serafim Gomes Jardim, outro grande amigo
dos franciscanos.
No ano de 1917, o velho pároco
não tinha mais condições de assumir nem mesmo a igreja matriz. Desde então, frei Flaviano
van Liempt passou a residir com
ele, na cidade de Jequitinhonha.
Com o falecimento do padre Emerenciano, em 16.12.1921, frei
Flaviano foi nomeado pároco,
no dia 15.01.1922. Nesse mesmo
ano, no dia 23 de julho, o ministro
provincial da Holanda, frei Simão
Bennenbroek, esteve em Joaíma e
resolveu suprimir esta residência,
sempre problemática, transferindo
provisoriamente seus moradores,
frei Gualberto Schoonhof e frei
Luiz Geldens, para Jequitinhonha.
Juntamente com os freis Flaviano
e Querubim Breumelhof, davam
assistência também a Joaíma.
Frei Querubim nos informa: “Foi no
dia 06 de dezembro de 1922 que
frei Flaviano recebeu, como presente de São Nicolau, os freis moradores da extinta residência “São
Francisco Solano” de Joaíma. Se
gostou do presente? Ele o diga!
Certo é que, desde aquela data, os
Revista Santa Cruz - 29
Frades Menores moraram definitivamente em Jequitinhonha, onde
havia uma velha matriz e uma
residência nas mesmas condições.
Ambas precisavam ser renovadas.
Mas como?”
A Câmara Municipal, por meio do
decreto-lei n. 153 de 08.10.1925,
concedeu uma grande área com
pequeno outeiro para a nova matriz e, quase anexo, outro terreno
(o antigo cemitério) para a casa.
Frei Flaviano iniciou as obras. “Em
decorrência do Capítulo Provincial realizado na Holanda (12.
09.1925) - escreve frei Letâncio
Vaske -, houve uma troca de cargos
entre os freis Flaviano e Querubim
(que residia até então em Teófilo
Otoni). Frei Flaviano partiu de
sua “querida Jequitinhonha” com
lágrimas nos olhos e chumbo nas
botas”. A viagem de 37 léguas (222
km), a cavalo, foi dura por causa
das pesadas chuvas e inundações
naqueles meses. Com muita dificuldade, frei Querubim chegou a
seu novo destino, sendo, porém,
recompensado por encontrar ali
um clima, especialmente reservado
para ele.
30 - Revista Santa Cruz
A construção da Matriz e da Casa
Paroquial
Igreja em construção
A empreitada da construção da
matriz e da casa paroquial coube a
frei Querubim, conforme ele mesmo registrou:
“Ao sermos nomeado vigário de
Jequitinhonha em maio de 1926,
recebemos também a incumbência
de construir uma nova matriz e
nova casa paroquial. Foi logo organizada uma grande comissão
dos principais homens do lugar,
a fim de apressar os necessários
preparativos para a construção da
nova matriz. Como tínhamos de
ir, em férias, à Holanda (junho de
1926), aproveitamos os conhecimentos de nossos parentes e tomamos lições de fazer e queimar
tijolos, de misturar cal, areia, terra
e cimento, como fechar os arcos
de janelas e saber qual a grossura
de cimento armado, calculada pelo
peso etc..
Quando voltamos para o Brasil,
em junho de 1927, trouxemos as
plantas da matriz e da casa, feitas
gratuitamente por um irmão nosso:
a ideia principal: Jesus que é a
cúpula com os quatro Evangelistas
que são os quatro cantos de apoio à
cúpula. O projeto, embora simples,
era difícil de executar por falta de
material, de pessoal competente,
sendo o meio de transporte o lombo
de burros. Por isso desistimos de
fazer a cúpula de cimento armado
e resolvemos usar madeira, ainda
abundante na região e garantida
pelos fazendeiros: cedro, vinhático, ipê e aroeira. Além da planta
trouxemos também a maquete
da cúpula à escala de 1:100, como
também uma escada caracol em
miniatura. Estávamos com toda a
planta com seus pormenores na
nossa cabeça. Na nossa passagem
pelo Rio de Janeiro, compramos
300 bombas de dinamite e vários
quilos de aço para bater as brocas.
Em Jequitinhonha obtivemos uma
boa pedreira para tirar as pedras:
todos os dias, às 16h30min, durante
um ano inteiro, os encarregados
tinham de dar sete tiros e ficávamos
parados em qualquer parte da
cidade para contar os tiros de
dinamite. Instalamos uma olaria,
onde queimamos 110.000 tijolos.
No antigo cemitério, fincamos os
paus para os serradores que, em
número de quatro, durante dois
anos, sem parar, serraram toda a
madeira necessária.
Dom Serafim já aprovara a planta
e, em julho de 1927, começamos
a abrir as primeiras covas. Dois
rapazes de 18 anos entraram como
pedreiros e um carpinteiro com seu
ajudante para todos os trabalhos do
seu ofício. Compramos uma junta de
bois com carro para buscar pedras
na pedreira. Pedimos a frei José
de Haas, então vigário de Araçuaí,
para comprar cal e nos mandar por
canoa (222 km); contratamos um
tropeiro para trazer o cimento.
Por falta da necessária firmeza,
aprofundamos as covas até seis
metros de altura e um metro de
largura, para alcançar a rocha viva e
levaram seis meses para saírem do
chão. Nesse trabalho encontramos
uma camada de um metro de
grossura de pura areia, a qual foi
aproveitada para fazer a massa de
cal e cimento. Os alicerces custaram
50 contos.
Levantamos as paredes até 15
metros; essa construção contou
com a proteção especial de Deus,
e do Padroeiro São Miguel. Basta
só lembrar os meios primitivos,
por exemplo, os andaimes de
madeira roliça, torta, amarrados
com arame; para colocar a cúpula
(centenas de quilos), tivemos que
armá-la e deixá-la suspensa no ar,
pendurada nos andaimes numa
altura de 30 metros, para depois de
Revista Santa Cruz - 31
armada, deixá-la descer nos quatro
cantos de apoio. Honra aos dois
pedreiros e aos dois carpinteiros,
pois os 4 cantos, onde a cúpula ia
pegar, de fato, as paredes, estavam
na sua justa medida, e receberam a
cúpula de tal forma que, uma vez
colocadas todas as peças, ela não
se mexeu mais de forma alguma...
No fim de 1930, tivemos a festinha
‘da cumeeira’, pois o telhado, a
cúpula, a cruz na altura de 28 metros
estavam colocadas; e gastos 170
contos. Uma vez coberta a Igreja,
os trabalhos continuaram devagar,
aprontando a igreja por dentro. E
nestes dias, no dia 25 de junho de
1936, tivemos o prazer de tomar definitivamente posse da nova matriz,
abandonando e fechando a velha.
Até a data de hoje gastamos a
importância de 240 contos; para o
completo acabamento está orçada a importância de 80 contos.
Gratidão para com o bom povo
da paróquia que nunca permitiu
que faltasse dinheiro, ao contrário,
sempre houve sobra”.
A nova residência
Continua frei Querubim: “[...] Grandes dificuldades nessa construção
(conforme a planta da nossa casa em Corinto), o vigário não as
encontrou, a não ser que, por
capricho do prefeito, a obra fi-
32 - Revista Santa Cruz
cou parada um ano, como se estivesse fora do alinhamento. O
povo já criticava o prefeito; outra
medição provou que estava tudo
certinho. No mesmo dia que a
nova matriz começou a funcionar,
a nova residência recebeu seus
moradores, no dia 25 de junho
de 1936. A casa, por dentro, está
arrumada, só faltando o forro dos
quartos; por fora falta o reboque.
O primeiro hóspede foi o padre
Comissário, frei Serafim Lunter,
que, no dia 6 de julho de 1936,
benzeu a casa. Terminamos estas
ligeiras notas com as palavras que
o Padre Comissário escreveu no
livro testemunhal de visitador: ‘Que
a bênção de Deus e do Seráfico Pai
Francisco desça sobre este novo
convento e todos os seus moradores atuais e futuros. Jequitinhonha,
7 de julho de 1936’”.
Em janeiro de 1936, frei Constantino van Rijn, recém chegado da
Holanda (14.10.1935), foi nomeado
coadjutor (vigário paroquial) de
Jequitinhonha. Ele mesmo escreve (Santa Cruz, agosto de 1936,
p. 74-76): “‘Então você vai para
Jequitinhonha? Ali o vigário fez
uma igreja, uma obra holandesa,
uma construção ótima’. Cheio de
curiosidade fui chegando à cidade,
e, à distância de meia légua, do
cume de um morro, avistei a cidade.
Um telhado vermelho, com a cúpula e pequena torre, dominava a
casaria baixa e espalhada em redor.
É a igreja que cada vez se destaca à
medida que íamos chegando...
Tudo na igreja inspira tranquilidade,
a gente se sente em casa. A igreja
está coberta de ardósias (plaquetas)
de amianto, todas vermelhas, a cor
do amor, exceto por cima da capelamor, onde são da cor cinza, para
indicar que ali está o Tabernáculo.
A planta da igreja é uma cruz grega;
no meio se levanta a cúpula de 40m
de circunferência e que se eleva a
28m. A cúpula cria uma atmosfera
de devoção por causa das suas 32
janelas de vidro opaco vermelho.
Em cima de tudo se eleva a cruz
de 2 m, cujas lâmpadas, à noite,
espalham seus raios luminosos e
chamam a todos para se reunirem
em redor de Cristo.
A igreja tem 31m de comprimento
por 21 de largura. As 15 janelas
de 5m de altura e de largura competente, todas de vidro opaco branco, deixam entrar o ar em abundância e impedem a luz direta. Ao
lado direito da capela-mor encontra-se a sacristia que mede 6x4;
nos três outros ângulos da cruz
grega estão incrustadas as capelas,
de modo que nada na igreja nos
distrai do ponto central, mas tudo
se dirige para o altar-mor.
Altar da igreja
O altar é moderno: uma mesa de
pedra, monolítica, descansa sobre quatro colunas; o conjunto é
abobadado por um cibório, encimado este por uma estátua do
Padroeiro da Igreja, São Miguel.
Nas paredes laterais da capelamor há 15 pequenas janelas de
vidro verde, o que é muito devoto;
dois degraus dão acesso do altar
para o corpo da igreja; segue-se
um espaço de 3 a 4 metros para a
mesa de comunhão. Depois vêm
os estrados para os bancos. O
resto do chão, os corredores estão
cobertos de 6.000 ladrilhos. O coro,
Revista Santa Cruz - 33
sobre a entrada principal tem as
dimensões de 5x13 m. Ao lado da
porta principal acha-se, dentro da
igreja, a porta que dá acesso ao
campanário, o qual, ao lado de fora,
se encosta à igreja; uma escada de
caracol, fechada, passa pelo coro e
conduz ao campanário. As ardósias
da torre são cor de cinza.
Apesar de todas as crises e lutas
políticas locais, a obra se está aproximando da conclusão. Oxalá seja
realmente o que deve ser: a casa de
Deus, onde todos, sem exceção, se
reúnam para oferecer ao Criador,
ao nosso Pai comum, um sacrifício
magnífico e agradável! Que todos
sejam um! Frei Constantino”.
“Além dessas construções, frei Querubim dirigiu a construção do hospital que abrigava dez doentes e
socorria com remédios um sem
Igreja concluída
34 - Revista Santa Cruz
número de ambulatórios, também
fora da cidade” (Santa Cruz 1959, p.
15-21).
De fato, não havia muita união na
sociedade jequitinhonhense; pelo
contrário, os partidos políticos eram bem ferrenhos e frei Querubim
convicto em seu PSD. Havia ainda
os tais coronéis, duros mandões,
que queriam ‘ensinar o Pai-nosso ao
vigário’. Como aconteceu com frei
Floriano Groen, coadjutor em Jequitinhonha, na sua visita à capela
de Joaíma. Um fazendeiro, mais rico
em gado e “massa” do que em boas maneiras, havia de ser padrinho
de dois casamentos. Ele exigia que
o frei fizesse tais casamentos fora
do horário. O Frei, porém, com
muita calma e delicadeza - pois
notava que o padrinho, vazio de
educação, estava cheio de cachaça
- procurava explicar-lhe que neste
particular não podia ir ao encontro
do seu desejo. Foi
o bastante: qual
faísca elétrica que
pega na gasolina
do motor, o qual a
todo gás começa
a chispar - a nossa
pipa de cachaça
despejou um turbilhão de impropérios e desaforos sobre o pobre
frei. Este soube,
heroicamente, guardar a calma
e teve o consolo de ver o povo
em peso colocar-se ao seu lado.
Houve, porém, exploração política,
publicada no jornal “Estado de
Minas” (31.01.1936): “[...] Sacerdote
agredido! Cena de vandalismo
praticada por um prócer perremista
contra um ilustre prelado!” (Santa
Cruz, 1936, p. 40).
Apesar dos pesares ou talvez
por causa dos pesares, as coisas
iam melhorando. Frei Querubim
escreveu: “A situação religiosa melhora lentamente. Aos domingos,
prega-se nas missas, como também nas festas de preceito, e nos
dias de reunião da Ordem Terceira
e nas primeiras sextas-feiras. Nas
viagens, prega-se diariamente e
se dá catecismo. Na matriz e
nas capelas filiais, há catecismo
semanalmente pelas catequistas;
no Grupo Escolar, quatro vezes por
semana e quatro vezes por todas as
professoras. Na Escola Normal, duas
vezes por semana pelo vigário. A
Ordem Terceira está em progresso
lento. Todas as terças-feiras há
Bênção do Santíssimo Sacramento,
e, anualmente, uma grande festa
em honra de Santo Antônio” (Santa
Cruz, 1937, p. 57).
No dia 08 de agosto de 1938, frei
Querubim parte de Jequitinhonha
em viagem de férias à Holanda.
Na mesma data, frei Virgílio
Hoogenboom se encarregou, como
substituto, da cura de almas de
toda a freguesia de Jequitinhonha,
à qual foi pertencer também
provisoriamente a paróquia de São
José de Vigia, cujo pároco falecera:
assim duas paróquias imensas.
Pouco depois, frei Constantino foi
transferido para Divinópolis, sendo
aqui substituído por frei Teodulfo
Kamsma. No começo de 1939, frei
Querubim foi nomeado vigário de
Figueira (Governador Valadares),
ficando frei Virgílio vigário (pároco)
em Jequitinhonha.
Avenida em frente ao mercado
Frei Virgílio - poeta-cronista – deixou registrado o seguinte: “Pediram-me uma pequena crônica
que acompanhasse o relatório anual de 1938 da freguesia. Não
pode ser senão uma crônica truncada e defeituosa, pois, tendo chegado a Jequitinhonha, em fins de
julho, para servir apenas de tapaburaco ou substituto na ausência
do vigário, surpreendeu-me, em
Revista Santa Cruz - 35
fevereiro p.p., uma ordem do
Revmo. Padre Comissário que me
transformou de substituto em
sucessor.
A nova Matriz: por sua solidez,
simboliza perfeitamente a vontade e a força dinâmica do vigário-construtor, pois ela é uma
verdadeira fortaleza, baluarte indestrutível do Guerreiro Celeste
São Miguel Arcanjo. Seu estilo?
Holandês? É estilo “Frei Querubim”.
Pena é que a planta não acertasse
as exigências do nosso clima, pois
a nova matriz é um forno! Ela não
está toda pronta, faltam: todo o
reboque por fora, o púlpito, mesa
de comunhão, confessionários, altares laterais, cronômetro etc. De
sorte que, por enquanto não podemos cruzar os braços. Amém!
O hospital: dez doentes, todos
indigentes; um sem número de ambulatórios; dois médicos. Damas
de Caridade visitam os doentes e
angariam esmolas. A enfermeira,
com família, mora no Hospital, toma conta dos doentes e da casa. É
fala geral por aqui que o Hospital
já não existiria mais se a direção
não tivesse ficado nas mãos de frei
Querubim.
A casa paroquial: é espaçosa, alta,
sólida, é simplesmente franciscana
e franciscanamente simples, agradável, tem todos os confortos modernos e satisfaz às exigências da
higiene contemporânea.
O movimento religioso: a vida religiosa nas mesmas condições do
comércio: parada, sem progresso;
o grande impedimento que emba-
Igreja, Casa paroquial e Rádio Santa Cruz
36 - Revista Santa Cruz
raça a vida espiritual é a política
partidária que o Estado Novo do
Getúlio Vargas não conseguiu
dominar. As Associações todas semimortas, pouca frequência; catecismo bem organizado em 20
pequenos centros, com catequista
que dá aula todos os domingos
ao meio-dia. No Grupo Escolar, todas as professoras, ajudadas pelo
vigário, ensinam catecismo dentro
do horário oficial. Na freguesia não
há protestantes nem espiritismo,
mas uma verdadeira praga são os
amasiados, muitos dos quais só
casados no civil.
As missões: o acontecimento mais
importante do último semestre de
1938 foi a pregação de missões
pelos padres Redentoristas de
Curvelo.
Excetuadas as missões, fala-se
nesta crônica só da cidade e não do
serviço na roça; visitei duas vezes
Joaíma, que tem uma população
quase igual à de Jequitinhonha;
está em franco progresso material,
mas com uma religiosidade muito
superficial; é visitada pelo padre
ao menos uma vez por mês. Todo o
serviço religioso da roça estava ao
cargo do zeloso vigário coadjutor.
O novo coadjutor é frei Teodulfo,
que fez apenas o primeiro giro para
acostumar-se com o serviço. Já
está gostando do trabalho e vai se
acostumando aos poucos” (Santa
Cruz,1939, p. 72-75).
Continua no próximo número...
Revista Santa Cruz - 37
UMAS E
OUTRAS
Por fim, mais uma boa pitada de “humor franciscano”,
para alegrar a vida.
“Como é, não vai pagar?”
Em estágio por Salinas, frei Júnio
Fernando se sentiu muito bem
acolhido pela fraternidade local.
Frei Hugolino, num dia de passeio
pela cidade, levou o jovem frade
38 - Revista Santa Cruz
a uma loja de material esportivo.
Frei Júnio, cruzeirense da gema,
ficou babando pelas camisas que
viu de seu time. O anfitrião então
perguntou se ele não iria escolher
uma. Ora, se era assim, claro:
escolheu logo a mais cara do estabelecimento. Mas o sonho da juventude terminou aí. Ao se encaminharem para o caixa, frei
Hugolino devolveu a mercadoria
para frei Júnio: “Como é, não vai
pagar?”. Tadinho do freizinho! Achou que iria ganhar uma camisa
lindona do seu time do coração!
Mas as frustrações fazem parte da
vida...
Papai Prick-Noel
A alquimia de um frade
Durante um de seus experimentos,
frei Paulo Afonso deixou uma panela em fervura no fogão enquanto fazia outra coisa. Acontece que
a poção começou a incandescer,
tornando-se uma labareda digna
de Hollywood. Quando o fradeguru retornou e se deu conta do
sucedido, perguntou a frei Eduardo
Metz por que ele não fizera nada
para evitar o fogaréu: “ué, achei que
o fogo fazia parte da receita”.
Assim como não há Páscoa sem
coelho e chocolate, não há natal
sem o “Bom Velhinho”. Pois lá estava
ele: Prickemente vestido, alegrando
a criançada, em Carlos Prates. How,
how, how.
Revista Santa Cruz - 39
Onde o Judas perdeu as botas
Eu não sou cachorro, não
Para acolher os novos moradores,
a residência da fraternidade São
Boaventura, na paróquia Santa
Isabel, vem passando por reformas.
O guardião, preocupado com o
bem-estar do pedreiro, comprou
um par de botas ad usum. Terminada a empreitada, o pedreiro disse
que depois voltaria para “pegar as
botas”. Isso foi motivo de grande
litania entre os confrades: a bota
era ou não era do pedreiro? Quem
podia ou não dar-lhe esse regalo?
Certamente este assunto constará
na pauta do próximo capítulo da
fraternidade.
Em Itaguara, durante o tríduo
preparatório para a profissão solene
de frei Luiz Antônio, a cachorrada da
cidade fez a festa. Nunca se tinham
visto tantos frades juntos. Por onde
iam, os frades eram escoltados por
uma incontável matilha da região.
Tamanha amizade certamente faria
inveja ao lobo de Gúbio.
40 - Revista Santa Cruz
Polegares, polegares, onde estão?...
O esbelto frei José Roney, que
antes de ingressar na Vida Religiosa
animava muitos bailes por aí,
teve seus dias de instrumentista
ameaçados num estalar de dedos,
ou melhor, no bater de uma porta.
Na saída da kombi do convento
de Betim, um desavisado lhe fez
o favor de achatar seus dedinhos
delicados, prendendo-os na porta
traseira. A vantagem é que ninguém
debochou de tamanha sorte (se
é que isso pode ser chamado de
sorte).
aguaceiro, pondo os alpinistas em
pronta retirada, rolando, cantando
e seguindo a canção.
Farinha ou açúcar? Tanto faz!
Chuva na pedreira
Frei Valter, em Ubá, sua terra natal, pôde realizar um sonho de
infância: fazer seus confrades subirem a Pedra Redonda, um dos
pontos turísticos da região. O
que não estava previsto - ou pelo
menos não foi levado a sério - era
uma chuva das fortes. Quando
estavam “lá em riba”, veio o maior
O pior dos “frades internacionais”
é que encontram escapatória
pra tudo. Numa das refeições da
fraternidade, frei Basílio de Resende
pôs uma boa dose de açúcar na
comida, pensando ser farinha. Os
frades, em silêncio, aguardavam
a reprovação, mas pra não dar o
braço a torcer, o decano se saiu
bem: “No Paquistão se come muito
agridoce”. E se fartou como se nada
tivesse acontecido. Vai um bife com
açúcar aí?!
Revista Santa Cruz - 41
Casa-mãe tomada por ratos
O recreio do convento de Carlos
Prates teve uma agitação incomum. Um festival de vassouradas
e porretes, seguido de gritos desesperados, anunciava a chegada dos
invasores. Frei Joaquim Fonseca,
em vez de se inspirar no flautista de
Hamelin (irmãos Grimm), preferiu
mesmo foi uma batucada com cassetete. Salve-se quem puder, cambada de roedores!
E por falar em ratos, em nossa
última edição, apresentamos aos
leitores o gatinho mais fofo da
Província, o bichano Dunga, da
fraternidade Rivotorto, em Areias.
Pois há uns dias, sem um porquê,
fugiu de casa e foi se instalar no
alto de uma árvore, deixando a
fraternidade visivelmente abalada.
Com muito custo, ele foi localizado,
mas desceu como um tiro, e
escondeu-se de novo. Na manhã
seguinte, após terem acionado o
Corpo de Bombeiros e espalhado
cartazes com fotos do bichano pela
Grande BH, lá estava ele, deitado
no chão. Afinal, o bom filho à casa
torna. Que o diga o “filho pródigo”.
Dilema perante a invenção de
Grahan Bell
Procura-se Dunga, o gato mascote
Atenção! Nesta, vamos deixar o
autor às escondidas. Daremos so-
42 - Revista Santa Cruz
mente algumas dicas veladas, para
manter sua identidade protegida.
De antemão, alertamos o(a) leitor(a)
para a estrutura nada convencional
do relato: foi uma tentativa de caracterizar a linguagem “rococó” do
protagonista em questão.
Um belo dia, repleto de calor e luz
(que embriaga o ser, dando-lhe
força e motivação), o telefone tocava libidinosamente, impulsionando o corpo do frade (que sente
dor e prazer) a ir atendê-lo. Porém,
o seguidor de São Francisco (aquele santo de ternura e vigor, de
impulsos e afetos) não contava
com um despropósito da natureza
(essa força descomunal, capaz de
tornar a criatura humana frágil e
indefesa). Havia vários aparelhos
telefônicos juntos, cada um em um
canto. “E agora!? (pensou o frade, no
íntimo de seu ser, imerso na dúvida,
tencionando-o a tomar uma atitude que poderia mudar o rumo de
sua existência mortal) qual desses
estará tocando?” Tentou o primeiro,
nada. Atendeu o segundo, mas não
saiu nenhuma voz humana (capaz
de amar e odiar). Ah, sim, o terceiro
era o que clamava com toda a força
vital (como se vida tivesse) para que
lhe ouvissem. Após saudar a quem
ligava por mais de trinta segundos,
o frade pôde acalmar seu coração
(este pulsante vital, sede das paixões e ódios animalescos...).
Grande Prêmio de automobilismo da PSC - 2
E as emoções do campeonato provincial de automobilismo continuam. Durante as provas no fim do
ano, vários competidores tiveram
o sonho de assumir a liderança do
campeonato adiadas, pelo menos
temporariamente. Frei Eron, ao
voltar para os boxes, passando pelo
circuito da avenida Marco Túlio,
durante uma chuva torrencial, teve
o carro tomado pelas águas, capaz
de derrotar cavalos e cavaleiros. A
água do rio chegou ao motor, mas
por sorte não o fez parar. Já a dupla
de rali formada por frei Edson
Máximo e frei Basílio também teve
um susto quando a saveiro da
equipe deles bateu na vala lateral
e rompeu o eixo dianteiro. Fora
os pneus carecas e a falta de uma
revisão ‘daquelas’, nada de mau
Revista Santa Cruz - 43
aconteceu. Frei Geraldo Machado
também teve seu momento de
glória ao ser abordado por um
ACNI (Animal corredor não identificado) que deixou seu possante
de pneus pra cima. Bem, amigos, o
campeonato continua eletrizante.
Esperemos novas emoções e que
Jesus tome conta!
Sai, “espírito de porco!”
O bolo diabético
O aniversário de frei Leto deveria
ser comemorado com pompa, desejara o zeloso guardião. Como
aniversário que se preze não pode
passar sem bolo, surgiu então a
dúvida: fazê-lo ou não, visto que
o aniversariante tem problema de
glicose. Porém, mais uma vez o
guardião se saiu bem: “Ora, isso não
é problema. Vamos fazer um bolo
diabético!”. Afinal, será que se usa
insulina na receita?
44 - Revista Santa Cruz
Para comemorar a profissão solene
dos confrades Valter, Kelisson e
Luiz Antônio, o guardianato de
Areias ofereceu aos frades uma
leitoa assada de primeira. Como o
arroz ficara preso na Linha Verde,
os salivantes convivas resolveram
atacar a suína com farofa. Tudo
correu às mil maravilhas, muita
festa, muita fraternura, até que o
espírito da intrépida porquinha
decidiu atormentar alguns frades
ao cair da noite, forçando-os a permanecer às claras. Nem morta e
assada a danada não sossegou.
Especial do “Natal Caminhando”
Os frades que participaram da
caminhada pelo nordeste de Minas
tiveram experiências inesquecíveis. Relembrando os reis magos,
puseram-se a seguir a estrela-guia,
mas, lá pelas tantas, ela resolveu
fazer greve, deixando os pobres
frades num mato sem cachorro,
literalmente. O trecho entre Oropinha e Bom Jesus da Vitória foi feito
à custa de muito mato na cintura,
atoleiros e uma fome de leão. Já
em Umburatiba, os filhos de São
Francisco tiveram a oportunidade
de conhecer um artista local, poeta dos mais comoventes. Como
homenagem (vai que ele fique
famoso!), registramos aqui dois de
seus versos: “Lagartixa na parede /
parece um camaleão / mulher feia
na cozinha / parece um gato ladrão”;
“Eu fui para uma festa / com sapato
de algodão. / O sapato pegou fogo
/ e eu dancei com pé no chão”. Mas
o melhor ainda estava por vir. A ceia
natalina foi servida com grande
regalia: uma sopinha de macarrão
com legumes e suco de pacote.
Nos dias de regressarem, alguns
frades ainda foram presenteados
por incômodos intestinais e estomacais, o que fez com que a viagem dobrasse a quilometragem.
Mas, entre mortos e perdidos, os
caminhantes puderam ver o Menino envolto em panos, só não
tinham ouro, incenso e mirra. Para
alegrar o Recém-nascido, puseramse a cantar: “Lagartixa na parede /
parece um camaleão...”
Revista Santa Cruz - 45
Curso sobre férias
Estão abertas as inscrições para o
curso de “Horas de férias”. O curso
visa dar aos participantes a sensação
de estarem de férias, mesmo
dormindo em casa e retornando
sempre às atividades. Com um
pouco de criatividade, a pessoa se
autoconvence de que está vacante,
apesar de tudo à sua volta dizer o
contrário. Os interessados podem
procurar frei Basílio de Resende,
especialista no assunto que, como
passarinho acostumado à gaiola,
mesmo livre, sempre volta ao
refúgio de sempre.
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