planejamento estratégico planejamento estratégico

Transcrição

planejamento estratégico planejamento estratégico
Entrevistas
Para aprender é preciso
estar com a mente aberta
Henry Mintzberg
É melhor ter um mau plano
do que não ter nenhum
Luiz Alexandre Garcia
revista da espm • volume 19 • ano 18 • edição nº5 • setembro/outubro 2012 • R$ 28,00
A trilogia da gestão
João Vinicius Prianti
O lado humano da estratégia
Roberto Lima
PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO
o ideal e o possível
Artigos
Rupturas só acontecem
com os despreparados!
Cultura e estratégia:
um alinhamento necessário
Artigos
Negócios sem fronteiras
Empresa familiar: um dilema
entre a razão e a emoção
A personalidade dos
grandes líderes
O fim da desindustrialização
sustentada: discurso
desconectado
A ditadura do líder
Muito além do planejamento!
Entre o mundo ideal
e a vida real
DNA da comunicação
A matemática das decisões
AIDDU, uma questão
de bom senso!
Estratégia global,
inovação local
A vitoriosa carreira do atleta
do e-commerce
editorial
EXPEDIENTE
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Francisco Gracioso – Presidente
Alexandre Gracioso
Hiran Castello Branco
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em geral, do mar­k­eting e das comunicações. In­for­ma­ções sobre as formas
e condições, favor entrar em contato
com a coordenadora editorial.
Nem faz de conta,
nem faz milagres
S
e nos perguntassem qual é a maior satisfação que nos dá a direção editorial
da Revista da ESPM, diríamos que é a oportunidade que temos de estimular
tantas pessoas inteligentes a interromper os seus afazeres e colocar no
papel as suas ideias e experiências sobre assuntos relevantes, em benefício de
todos. Mais uma vez, essa é a sensação que temos, ao ver completada esta edição
da nossa Revista. Não poderia haver tema mais polêmico do que o planejamento
estratégico, principalmente porque muitas empresas não têm obtido bons resultados com a sua aplicação.
Há 18 anos, o americano Henry Mintzberg (veja entrevista nesta edição) escreveu o
famoso livro Ascensão e queda do planejamento estratégico, que muitos interpretam
erroneamente ainda hoje. Mintzberg não é contra o plano estratégico, mas diz, com
razão, que nenhum plano pode criar uma estratégia de competição. Esta é um ato
de criação que deve utilizar o plano como trampolim para o salto criativo. Mas, nas
páginas que se seguem, há muitas outras entrevistas, depoimentos e artigos de
valor inestimável para quem deseja aprofundar-se nesse tema. Podemos afirmar,
sem receio de exagerar, que nunca antes se publicou em língua portuguesa uma
coletânea tão completa de trabalhos sobre planejamento estratégico, e o resultado
não poderia ter sido mais categórico.
O plano estratégico é visto, principalmente pelos executivos que o aplicam na prática, como um instrumento indispensável da gestão empresarial moderna. O plano
não pode prever o futuro, mas nos prepara para enfrentar melhor as dificuldades
imprevistas e as oportunidades inesperadas. Acima de tudo, o plano não deve ser
engessante, dificultando a mobilidade da empresa, mas sim, estimular a inovação e
o aproveitamento das oportunidades do mercado. Mais do que um instrumento de
previsão do crescimento, recheado de cifras, o plano deve ter uma definição clara
de nossas vantagens competitivas e de nossas metas e objetivos de longo prazo. Por
último, vários de nossos entrevistados falaram também da importância do fator
humano como condicionante do sucesso de um plano estratégico. A integração
das pessoas, na preparação e na implementação do plano, é tão importante, que
exige uma cultura organizacional voltada para o futuro e favorável ao surgimento
de normas claras de governança no seio da empresa.
Francisco Gracioso
Presidente do Conselho Editorial
PARA ASSINAR, LIGUE: (11) 5085-4508 OU MANDE UM FAX PARA: (11) 5085-4646 - www.espm.br/revistadaespm
instituição mantenedora
conselho deliberativo
associados
• Armando Ferrentini – Presidente
• Alex Periscinoto
• Armando Strozenberg
• Dalton Pastore
• Décio Clemente
• João Vinicius Prianti
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• Alex Periscinoto
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• Armando Ferrentini
• Armando Strozenberg
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• Dalton Pastore
• Décio Clemente
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conselho fiscal
Titulares
• Luiz Carlos Brandão
Cavalcanti Jr. – Presidente
• Adriana Cury
• Percival Caropreso
Suplente
• José Heitor Attilio Gracioso
6
Revista da ESPM | maio/junho de 2012
• José Heitor A­ttilio Gracioso
• Luiz Carlos Brandão
Cavalcanti Júnior
• Luiz Carlos Dutra
• Luiz Lara
• Luiz Marcelo Dias Sales
• Marcello Serpa
• Octávio Florisbal
• Orlando Marques
• Percival Caropreso
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• Ricardo Fischer
• Roberto Civita
• Roberto Duailibi
• Roberto Martensen
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Diretoria
executiva
da ESPM
• J. Roberto Whitaker Penteado
Presidente
• Alexandre Gracioso
Vice-presidente Acadêmico
• Elisabeth Dau Corrêa
Vice-presidente Administrativo Financeira
• Emmanuel Publio Dias
Vice-presidente Corporativo
• Hiran Castello Branco
Vice-presidente de Operações
Índice
Rupturas só acontecem
com os despreparados!
Didier Marlier e Marcelo C. Pontes
(Jimmy)
A Open Source Economy
está chegando e, com ela, a
obrigação de desenharmos
organizações mais rápidas,
ágeis, nas quais as pessoas
vivem e pensam estrategicamente
de modo contínuo
Página 18
Cultura e estratégia: um
alinhamento necessário
Cultura e estratégia devem
ser alinhadas para que o
planejamento saia do papel e
aconteça na vida real. Uma
ideia não é quase nada se
a empresa não tiver a capacidade
de executá-la
latinstock
Susana Arbex de Araujo
Página 24
A personalidade
dos grandes líderes
Simoni Missel
Um novo perfil de liderança se
define a partir das novas
necessidades das empresas
movidas pela globalização,
tecnologia e transformações
socioculturais
Página 34
A ditadura do líder
Célia Marcondes Ferraz
Enquanto no dia a dia das
pessoas as mudanças foram
profundas e significativas,
nas organizações a impressão
que temos é de que tudo
10
Revista da ESPM | setembro/outubro de 2012
permaneceu igual, pelo menos
nos últimos 30 ou 40 anos.
As estruturas, na sua maioria,
ainda são hierarquizadas,
e o modelo de gestão
predominante é o autoritário
Página 38
A matemática das decisões
Anna Gabriela Araujo
Como as melhores e maiores
empresas do Brasil utilizam o plano
estratégico para buscar a inovação,
moldar a cultura empresarial e
motivar seus colaboradores
Entre o mundo ideal
e a vida real
Página 54
Roberto Camanho
Estratégia global,
inovação local
O dinamismo dos mercados
exige agilidade e assertividade
das empresas nas suas
escolhas estratégicas, além
de um ambiente confiável.
Essa gestão deve ser feita com
regularidade e disciplina, além
de envolver todo o board
Página 48
Marcos Amatucci
A estratégia tradicional das
montadoras foi o resultado de um
equilíbrio sociotécnico criado dentro
das fronteiras nacionais com a
exportação. A globalização colocou
abaixo os pilares desse equilíbrio
Página 70
Empresa familiar:
um dilema entre a razão
e a emoção
Eduardo Najjar
A necessidade de
amadurecimento das relações
entre os membros das famílias
empresárias, como um meio
para a perenização da empresa
e do patrimônio familiar
Página 76
Negócios sem fronteiras
Rodrigo Cintra
A maior parte das empresas
ainda precisa de práticas
que as capacitem para uma
internacionalização mais
profissional. O planejamento
estratégico deve ser capaz de
considerar tanto as dimensões
internas da corporação, quanto
seus objetivos no momento da
internacionalização
Página 82
O fim da desindustrialização
sustentada: discurso
desconectado
Edmir Kuazaqui
Economias como a do Brasil
devem se remodelar às
transformações decorrentes do
cenário internacional e priorizar o
desenvolvimento econômico por
meio de ações mais planejadas e
assertivas
Página 88
Muito além do
planejamento!
Entrevistas
Paulo Roberto Ferreira da Cunha
Uma reflexão sobre as contribuições
que algumas metodologias
ofereceram e continuam oferecendo
ao pensamento estratégico de
comunicação
Página 94
É melhor ter um mau
plano do que não ter
nenhum
DNA da comunicação
André Felix
Planejar é usar diferentes mídias
com inteligência e estratégia. É
cruzar ideias, respirar a alma do
negócio e traduzir isso em uma
campanha cheia de elementos
que, juntos, resultam no que todos
almejam: o sucesso
Página 100
Luiz Alexandre Garcia
28
Para aprender é
preciso estar com a
mente aberta
AIDDU, uma questão
de bom senso!
Henry Mintzberg
Edmour Saiani
Uma marca que queira construir
reputação forte e inabalável tem
de se voltar para as conexões
humanas. Ecologia de marca
deve começar com a empresa se
conectando com sua equipe
44
Página 106
A trilogia da gestão
Ele passou pela ESPM
João Vinicius Prianti
A vitoriosa carreira do atleta do
e-commerce
Página 112
62
Seções
Leitura recomendada
Ponto de Vista
12
118
122
O lado humano
da estratégia
Roberto Lima
setembro/outubro de 2012 | Revista da ESPM
11
entrevista | luiz alexandre garcia
12
Revista da ESPM | setembro/outubro de 2012
É melhor ter um
mau plano do que
não ter nenhum
D
os herdeiros das grandes dinastias empresariais do Brasil contemporâneo, Luiz Alexandre Garcia é um dos mais discretos.
Ele é filho de Luiz Alberto Garcia e neto do imigrante português
Alexandrino Garcia, fundador do grupo Algar – cujo nome é um
amálgama de suas iniciais. Um dos últimos moicanos independentes e regionais das telecomunicações no Brasil, o conglomerado está presente em
três outras indústrias e mantém um pé no setor agrário – é um dos maiores
produtores de soja e milho de Minas Gerais. Tudo somado, o grupo mineiro
fatura R$ 2,6 bilhões por ano. É o filho pródigo de Uberlândia, de onde até
hoje despacha Luiz Alexandre, o CEO da companhia.
Representante da terceira geração da família Garcia, sucessor do pai como
presidente executivo do grupo, Luiz Alexandre nasceu em Uberlândia em
janeiro de 1965 e viveu na cidade até os 17 anos, quando se mudou para o Rio
de Janeiro. Cursou economia na Universidade Gama Filho e, dali, ganhou o
mundo. Seguiu para os Estados Unidos para fazer mestrado na Catholic University of America, em Washington. Com o MBA no currículo, mudou-se para
a França, onde fez especialização em marketing, e em seguida para a Suíça,
onde participou do Programa de Desenvolvimento de Executivos do IMD. Sua
carreira também é internacional. Trabalhou no IFC, do Banco Mundial, em
Washington; no escritório da Ericsson em Dallas; e na francesa Bull, em Paris,
antes de voltar para Uberlândia como executivo da CTBC.
Entrevistado por Alexandre Teixeira
setembro/outubro de 2012 | Revista da ESPM
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entrevista | luiz alexandre garcia
Nesta entrevista, Luiz Alexandre
Garcia, eleito em abril para o conselho do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, explica o que o
grupo Algar entende hoje por planejamento estratégico, fala de seu papel como presidente e detalha como
a corporação concilia o desejo de
pensar nos próximos 100 anos com
o imperativo de administrar em tempos de incerteza e volatilidade. “Para
toda a inovação que fazemos, lançamos um projeto-piloto e testamos”,
exemplifica. “Se o teste sugerir que o
produto pode ter sucesso, vamos em
frente. Do contrário, simplesmente
encerramos o projeto e partimos
para outro.”
Alexandre – Como toda organização
complexa, o grupo Algar certamente
tem sistemas de planejamento estratégico. Como vocês calibram esses sistemas, levando em conta que o ambiente
de negócios hoje é volátil e a agilidade
para escapar das armadilhas e perseguir oportunidades parece mais importante que a capacidade de planejar?
Luiz Alexandre – O planejamento
estratégico tem de ser aderente aos
princípios e valores da organização.
Esse é o primeiro passo de um processo de pensamento estratégico.
A empresa precisa definir bem seus
pilares de construção de valor para
a sociedade. Com isso, desenvolve
uma visão estratégica que aponta a
direção que vai seguir. Mas o planejamento estratégico é muito mais
um processo que uma ação pontual.
Nesses tempos de volatilidade e de
mudanças rápidas nos cenários interno e externo, o que vai garantir o
atingimento das metas definidas no
direcionamento estratégico são duas
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Revista da ESPM | setembro/outubro de 2012
coisas: a capacidade de ler os sinais
de mudanças no mercado e a flexibilidade para se adaptar a elas.
Alexandre – Como se identificam os
sinais de mudanças no horizonte?
Luiz Alexandre – Essa é a parte
mais complicada da execução de um
planejamento estratégico. O cenário
político e macroeconômico é algo a
que todas as empresas estão muito
atentas. Isso tem um impacto muito
forte na demanda e no consumo. Ao
mesmo tempo, no mundo globalizado de hoje, às vezes um conflito lá na
Síria afeta os seus negócios do outro
lado do mundo.
“O planejamento
estratégico tem de
ser aderente aos
princípios e valores
da organização. Este
é o primeiro passo
de um processo
de pensamento
estratégico”
Alexandre – Nem todas as mudanças
afetam as companhias do mesmo jeito,
certo?
Luiz Alexandre – Os cenários mais
específicos estão atrelados a cada
indústria. O grupo Algar, por exemplo, atua no agronegócio. Uma seca
na Argentina ou uma supersafra nos
Estados Unidos podem afetar um
negócio específico aqui no Brasil. Se
a China consumir mais ou menos,
vai afetar os preços das commodities.
No caso da Algar, essa leitura [de cenários específicos] precisa ser feita
pelos executivos responsáveis por
cada negócio.
Alexandre – O senhor pode dar um
exemplo prático de estratégia que o
grupo formulou e teve de ser revista devido a uma mudança de cenário?
Luiz Alexandre – Posso dar um
exemplo mais antigo, da época do
primeiro leilão de telefonia celular
no Brasil, a chamada Banda B. Nós
ganhamos a licitação da Banda B no
Rio de Janeiro. Tínhamos um milhão
de clientes nas mãos, mas o nosso
planejamento estratégico contemplava uma abertura de capital para
capitalizar a empresa. Só que nós
fomos surpreendidos pela crise da
Coreia, que fechou o mercado de
IPOs [ofertas iniciais de ações em
bolsas de valores]. Não havia condições de se fazer IPO para captar
recursos nem dentro nem fora do
Brasil. Foi um exemplo clássico de
um problema macroeconômico que
aconteceu do outro lado do mundo e
nos obrigou a vender um negócio estratégico. Talvez seja o melhor exemplo que temos até hoje aqui na Algar
de uma situação fora de controle que
inviabilizou um negócio que, técnica
e comercialmente, era um sucesso
total. Isso aconteceu em 1998.
Alexandre – Mais do que flexibilizar
a estratégia, imagino que tenha sido
necessário redesenhá-la.
Luiz Alexandre – Para toda estratégia, é preciso ter planos de contin-
gência. Se você não conseguir atingir
o seu objetivo A, precisa ter um objetivo B, um objetivo C e um objetivo D.
É mais ou menos como um avião, que
está em altitude de cruzeiro com destino a uma cidade qualquer. Ele está
sempre monitorando as alternativas
de pouso, caso aconteça alguma coisa naquela cidade.
Alexandre – O que o episódio da Banda B ensinou ao grupo Algar?
Luiz Alexandre – Um dos nossos
pa râ met ros de d i reciona mento
estratégico agora é não assumir
uma alavancagem financeira superior àquela que pudermos suportar.
Aquele fato nos ensinou a criar um
“Para toda estratégia, é preciso ter planos
de contingência. Se você não conseguir atingir
o seu objetivo A, precisa ter um objetivo B,
um objetivo C e um objetivo D”
limitador de alavancagem financeira, para não colocar em risco o
negócio como um todo.
Alexandre – Assim como o mercado
muda rápido e traz riscos inesperados,
devem surgir oportunidades no radar
de vocês que não estavam previstas.
Como manter o plano estratégico sem
abrir mão delas?
Luiz Alexandre – Pelo conceito que
usamos hoje, a estratégia nasce de
um processo de planejamento dinâmico. Ele não é fixo. Precisa ser corrigido a todo momento, dependendo
das reações do mercado. As melhores
pessoas para monitorar essas mudanças são as que estão no campo.
São os vendedores, porque a única
coisa que nenhuma empresa do mundo consegue planejar é o hábito do
consumidor. Às vezes, você tem um
produto maravilhoso, mas ao qual o
consumidor não se adapta. Aí é que
está o risco do negócio.
setembro/outubro de 2012 | Revista da ESPM
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entrevista | luiz alexandre garcia
Alexandre – O senhor não acredita
em pesquisas de mercado?
Lui z A lexandre – Podemos ter
pesquisas buscando identificar as
pretensões de consumo. Elas, sem
dúvida alguma, trazem maior assertividade para as previsões. Mas
o consumo em si é uma variável
incontrolável do planejamento estratégico. Por mais fantástico que o
produto pareça ser nas pesquisas, se
o consumidor não aderir a ele, você
precisa desistir e tentar outra coisa.
Alexandre – Como vocês administram
essa incerteza?
Luiz Alexandre – Para toda inovação que fazemos, lançamos um
projeto-piloto e testamos. Se esse
teste sugerir que o produto pode ser
ajustado para que tenha sucesso,
vamos em frente. Do contrário, nós
simplesmente encerramos o projeto
e partimos para outro. Esta é uma
tendência que vai ficar cada vez mais
usual no mercado. Se o projeto-piloto
funcionar, você aumenta a escala.
Caso contrário, você assume o prejuízo e lança outro. O grande desafio
é acertar mais do que errar.
Alexandre – Como funciona o processo de planejamento estratégico do
grupo Algar?
Luiz Alexandre – O início do planejamento estratégico é uma reunião que chamamos de Algar 2100.
Durante dois dias, a gente projeta
a empresa 100 anos à frente, quando, provavelmente, nenhum de nós
estará mais aqui. É uma forma de
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Revista da ESPM | setembro/outubro de 2012
prospectar o futuro sendo totalmente independente, sem pensar no impacto na sua vida. Esse é o primeiro
input do nosso ciclo de planejamento
estratégico. É quando se discute,
por exemplo, a importância do meio
ambiente na relação entre produção
e consumo. São vários temas que no
início podem parecer abstratos. Mas
precisam fazer sentido na estratégia
da empresa numa dimensão que
ultrapassa a dos produtos e serviços.
Alexandre – E depois?
Luiz A lexandre – Uma vez discutidas essas questões, passamos
ao planejamento de cada empresa
do grupo, especificamente. Somos
segmentados em quatro divisões de
negócios: TI-Telecom, Agronegócio,
Turismo e Serviços. Cada uma tem
negócios distribuídos em quatro
quadrantes: cash-cow (mais do mesmo), abacaxi (os que já passaram da
fase de maturidade), adjacente (algo
paralelo ao negócio principal) e inovação disruptiva (algo totalmente
diferente). Alocamos os projetos de
cada empresa nesse gráfico e analisamos as necessidades de investimentos em cada um deles. E depois
monitoramos tudo isso, o tempo
todo.
Alexandre – Quanto tempo dura cada
ciclo de planejamento?
Luiz Alexandre – Tudo começa nessa reunião Algar 2100, que é no início
do ano. Depois fechamos o plano de
investimentos, priorizando projetos
de acordo com dois princípios: o que
vai gerar caixa hoje, no presente, e o
“A única coisa que
nenhuma empresa
do mundo consegue
planejar é o hábito do
consumidor. Às vezes,
você tem um produto
maravilhoso, ao qual
o consumidor não se
adapta. Aí é que está o
risco do negócio”
que vai gerar caixa no futuro. Basicamente, o presente precisa financiar
o futuro. Depois do plano de investimentos, construímos o orçamento,
que já é algo mais elaborado, com
retorno sobre o investimento etc. E
então começa a fase de execução.
Isso é dinâmico. O projeto é anual,
mas isso não quer dizer que a estratégia não possa ser revista se ocorrer
algum desvio de percurso.
Alexandre – O que faz a diferença
entre um bom e um mau planejamento
estratégico?
Luiz Alexandre – O grande desafio
do planejamento estratégico é a execução. As pessoas se sentem mais
confortáveis fazendo aquilo que
fazem todos os dias. Mas quando
você quer uma mudança disruptiva
numa organização, precisa abandonar alguns hábitos e quebrar alguns
paradigmas internos. Na maioria
das vezes, os planejamentos estratégicos falham pelo fato de as empresas não criarem métricas nem
uma disciplina rígida para executar
aquilo que foi proposto.
Alexandre – As pessoas na cúpula se
autoenganam?
Luiz Alexandre – Elas fazem planejamentos estratégicos maravilhosos,
saem da reunião e continuam fazendo exatamente o que faziam antes.
Aí nada muda.
Alexandre – Com o cenário marcado
pela imprevisibilidade, por que ainda
vale a pena investir tempo e energia
para fazer planejamento estratégico?
Luiz Alexandre – Porque é melhor
ter um mau planejamento estratégico do que não ter nenhum. Todo
planejamento estratégico força você
a analisar alternativas para o seu
negócio. Mesmo que você não iden-
tifique, num primeiro momento, alternativas viáveis ou o “pulo do gato”,
esse exercício faz parte da construção do futuro da organização. A
gente começa a separar a análise
do desempenho das empresas em
dois momentos: a discussão sobre o
orçamento atual e a discussão sobre
o orçamento futuro. Esse exercício
de analisar alternativas, possíveis
riscos e oportunidades é importante
para que, no momento em que precisar mudar, você já tenha aprendido
a conviver com a imprevisibilidade.
“Todo planejamento
estratégico força você
a analisar alternativas
para o seu negócio.
Mesmo que você não
identifique, num
primeiro momento,
alternativas viáveis ou
o “pulo do gato”, esse
exercício faz parte da
construção do futuro
da organização”
“Hoje, 60% da nossa
remuneração são
variáveis, divididos
entre objetivos
pessoais e objetivos
corporativos. Aqui
incentivamos a
autonomia com
responsabilidade”
Alexandre – Toda companhia séria
tem seus rituais de avaliação de desempenho e meios de promover a meritocracia. O grupo Algar tem alguma
prática especial nesse sentido?
Luiz Alexandre – Hoje, 60% da nossa remuneração são variáveis, divididos entre objetivos pessoais e objetivos corporativos. Aqui incentivamos
a autonomia com responsabilidade.
O reconhecimento financeiro não é
o mais importante. Ele faz parte de
um pacote de celebração.
Alexandre – Qual é o seu papel, como
presidente, no planejamento estratégico e na execução do que é decidido?
Alexandre – Peter Drucker costumava
dizer que administrar é criar o futuro.
Nesse contexto, o plano estratégico
seria o instrumento por meio do qual
essa intenção se materializa. O senhor
acredita que isso é verdade na prática?
Luiz Alexandre – Primeiro, o presidente é o grande responsável por
esse processo que descrevi. Segundo, tem de gerenciar as empresas
através de fatos e dados, monitorando se aquilo que foi proposto
no planejamento estratégico está,
realmente, sendo executado pela
organização.
Luiz Alexandre – Eu acho que sim.
O que fizemos até hoje serve só como
aprendizado. O que vamos fazer para
a empresa do futuro começa no dia
seguinte. Estar antenado com as mudanças e criar motivação, modelos
e processos para tentar construir
o futuro é o que prepara a empresa
para o amanhã.
setembro/outubro de 2012 | Revista da ESPM
17
Planejamento
Rupturas só acontecem
com os despreparados!
Diante da emergência da Open Source Economy, o planejamento estratégico
clássico terá sua utilidade reduzida. A ideia de “estrategizar” a empresa será,
provavelmente, a melhor escolha
Por Didier Marlier e Marcelo C. Pontes (Jimmy)
O
professor e consultor belga Nick van Heck
costuma falar de modo provocativo que “as
rupturas só acontecem com as organizações
despreparadas”. Para ele, as empresas precisam desafiar a ortodoxia do modo como o planejamento
estratégico é pensado e estruturado. “Estratégia tem de
deixar de ser adivinhar o futuro e passar a ser preparar-se
para qualquer futuro que seja”. Nós apoiamos fortemente
esse modo de pensar.
No início dos anos de 1980, o futurólogo americano Alvin Toffler dividiu a história do mundo em três momentos,
chamando-os de Ondas. A Primeira Onda (de 8000 a.C.
até 1750 d.C.) é caracterizada pela era agrícola. A Segunda
Onda marca o período dominado pela industrialização e
vai até 1955. A partir daí, tem início a Terceira Onda, claramente marcada pelo domínio do conhecimento.
Nesta era, há cerca de 20 anos, vimos surgir uma invenção tecnológica que está revolucionando a história
da humanidade: a internet. O meio é tido como um dos
eventos mais importantes da era moderna, assim como
foi a prensa de tipos móveis, criada há 550 anos, na época,
por Gutemberg.
O fenômeno da globalização acelerou inúmeras mudanças culturais e econômicas, até que a crise de 2008 deu um
golpe final no antigo modelo capitalista-financeiro. Esta
é uma crise que ainda não está resolvida e pode ressurgir
com violência a qualquer momento. O movimento global
sacudiu a economia mundial e abriu espaço para novos
poderes econômicos, entre os quais o Brasil – que ainda
precisa resolver os desafios da corrupção, de uma administração pública ineficiente, da desigualdade social e
da infraestrutura. Essa crise também desafiou, de modo
18
Revista da ESPM | setembro/outubro de 2012
profundo, os valores nas economias tradicionais dos Estados Unidos e da Europa. Esses países vivem uma verdadeira “crise de valores” do modelo capitalista-financeiro,
fazendo com que muitas pessoas desenvolvam ideias e
propostas de um novo modelo, como o visionário Umair
Haque e seu conceito de “Capitalismo Autêntico”.
O livro Wikinomics: Como a colaboração em massa pode
mudar o seu negócio (Don Tapscott e Anthony D. Tapscott,
Editora Nova Fronteira, 2007) explica a consequência
de tudo isso no universo empresarial. De acordo com os
autores, hoje, estamos vendo emergir uma nova forma de
economia, que mistura o capitalismo tradicional, a volta de
valores fortes e um modelo inédito: o Open Source. A Open
Source Economy é a mistura desses três componentes, e
estamos entrando nesta nova era.
Esse novo modelo mostra que as rupturas acontecem
cada vez mais rapidamente, sem nenhum aviso. A Kodak,
por exemplo, levou décadas para derrubar a antiga câmera
de tripé. A Nokia, que nem mesmo estava no mercado de
fotografia, acabou com a Kodak em menos de uma década,
quando resolveu colocar câmeras fotográficas digitais
nos seus aparelhos de telefone celular. Por outro lado, a
Apple levou quatro anos para criar um novo sistema operacional para celular (iOS), que derrubou o Symbian, da
Nokia, forçando-a a uma aliança antes inimaginável com
a Microsoft, que ainda tenta impor seu próprio sistema na
telefonia móvel.
O planejamento estratégico está morto?
Em tempos acelerados, onde a explosão tecnológica se
encontra com a globalização, será que o planejamento
estratégico tradicional está ultrapassado? Como é que o
latinstock
setembro/outubro de 2012 | Revista da ESPM
19
Planejamento
planejamento de longo prazo (como eram os famosos planos soviéticos da era stalinista) pode ajudar num período
onde agilidade, velocidade, conhecimento, experimentação, audácia e risco se tornam cada vez mais necessários?
A preparação das organizações para um período onde
a ruptura pode ocorrer a qualquer instante tem forte impacto em três níveis: liderança, estratégia e organização.
O professor inglês David Snowden, criador do “Cynefin
framework”, explica que o contexto dentro do qual os
líderes precisam atuar se modificou radicalmente (ver
ilustração ao lado)
Segundo Snowden, nós continuaremos a evoluir e a
liderar em contextos simples, onde a causa é identificada
e tem como consequência um efeito previsível e linear.
E, em contextos complicados, onde a causa e o efeito
também são previsíveis, a explicação do fenômeno é
mais difícil e, por isso, necessita de um especialista para
entender e explicar. Este foi o mundo no qual fomos formados e treinados, tanto nas universidades quanto nas
empresas. E ele continuará a existir.
Todavia, dentro da Open Source Economy, onde quase
tudo pode acontecer de modo inesperado, estamos vendo
que os antigos modelos de predição estão sendo desafiados por contextos de liderança muitas vezes complexos
e até mesmo caóticos. Nessas situações, o líder não deve
mais pretender saber mais que todo o resto – ao contrário,
o líder tem de abrir mão da ilusão de saber mais que seus
liderados. Exatamente por isso, nesse novo contexto, o
líder não deve mais se arriscar a “adivinhar o futuro”
tomando por base seu conhecimento e expertise. Ele
tem de observar, deixar as tendências emergirem e, até
mesmo, deve aceitar a ideia de tentar e errar.
O planejamento estratégico tradicional e ortodoxo não
combina bem com o estilo de liderança necessário para
lidar com ambientes caóticos ou complexos. Um líder que
adivinha o futuro usa planejamento. Mas o líder que se
prepara e prepara sua organização para o futuro usa outras
técnicas, como o processo que chamamos de “estrategizar”.
A estratégia é um documento, uma foto, via de regra,
feita em um determinado momento por uma elite que
muitas vezes está longe e desconectada da realidade,
do dia a dia da organização e do mercado, a chamada
diretoria. Em contextos simples e complicados, continua
tendo sua “raison d’être”. Mas, quando o mundo se torna
imprevisível, uma organização ágil e proativa tem muito
mais chance de prevalecer.
20
Revista da ESPM | setembro/outubro de 2012
mudança radical
Representação do modelo ”Cynefin framework”
mostra como o contexto alterou radicalmente a
atuação dos líderes durante as tomadas de decisão
Cynefin framework
Complexo
C
C E
E
E
C
E
Complicado
C
causa
efeito
Contexto não linear,
imprevisível
Contexto linear,
previsível e
sofisticado
Caótico
Simples
Contexto
não linear,
imprevisível
não há padrões
causa
efeito
Contexto linear,
previsível
Fonte: adaptado de Snowden & Boone, 2007
Daí a importância do processo de “estrategizar”. Em vez
de depender apenas de uma diretoria fazendo seu dever
de casa a cada um, dois ou três anos, o processo de “estrategizar” é constante e engaja toda a organização. Esse
método é composto por processos de capacitação, criação
de inteligência e desenvolvimento da organização.
Processo de capacitação: “Estrategizar” sugere que todos
na empresa entendam o suficiente sobre o negócio, sua
razão de ser, seus clientes, seus processos, sua estratégia e seu ecossistema. Entendendo este contexto, os
funcionários se sentem mais envolvidos na estratégia,
se comportam mais como “donos do negócio”, agem com
mais “senso de propriedade” e ficam atentos e curiosos ao
que pode impactar a organização da qual eles fazem parte.
Processo de criação de inteligência: Em vez de ficar preso
na antiga ortodoxia de que só a diretoria precisa saber
latinstock
disso ou aquilo, “estrategizar” significa criar, incentivar
e promover o Q.I. coletivo da empresa. Os funcionários
passam a se questionar, pensar no futuro e ter ideias não
apenas durante as horas de trabalho, mas também indo
e voltando para casa, enquanto fazem compras e no fim
de semana. Isso acontece não porque são workaholics sob
pressão, mas porque estão engajados. No nosso trabalho
sempre constatamos que existe uma relação muito forte
entre clareza e energia. Com mais clareza estratégica, a
energia dos funcionários é multiplicada.
Processo de desenvolvimento: Todos nos lembramos da
história que circulava sobre motivação nos anos 1980.
Nos tempos da Idade Média, um nobre francês viu um
grupo de homens trabalhando sem muita energia e perguntou: “O que vocês estão fazendo?”. Os homens responderam de maneira educada, mas sem muita garra: “Gentil
homem, estamos lapidando pedras”. Mais adiante, o
nobre avistou outro grupo que fazia o mesmo trabalho,
Em vez de depender apenas de
uma diretoria fazendo seu dever
de casa a cada um, dois ou três anos,
o processo de ”estrategizar” é
constante e engaja toda a organização
mas com paixão, alegria e energia. Aproximou-se e fez
a mesma pergunta: “O que estão fazendo?”. E a resposta
veio rápida: “Vossa Senhoria, estamos construindo uma
catedral!”. Liderados que realmente entendem como o
trabalho deles se encaixa no propósito superior da empresa são muito mais motivados.
É evidente que a diretoria terá de continuar a fazer o
seu trabalho, planejando as estratégias da organização,
mas isso não será suficiente. As empresas que criarão as
rupturas de amanhã só conseguirão fazer isso se todos
estiverem focados em “escanear a periferia”, pensar no
setembro/outubro de 2012 | Revista da ESPM
21
Planejamento
futuro, achar novas ideias, novas maneiras, novos processos, novas soluções. O processo de “estrategizar” é
fundamental para criar essa cultura.
Organismo vivo
Será que o corpo humano precisa de planejamento estratégico para nos levar a viver? A melhor analogia para a
organização da Open Source Economy é o corpo humano.
As empresas do futuro serão muito mais orgânicas do
que organizadas.
Segundo os neurocientistas americanos Antonio
Damásio e Joseph LeDoux, o cérebro humano recebe até
11 milhões de informações por segundo, mas consegue
processar, conscientemente, apenas... 50! Isto pode ser
chamado de sobrecarga de informação, mas nosso corpo
aguenta e nos mantém vivos. Isso acontece por alguns
motivos descritos a seguir.
Primeiro, porque no corpo humano senioridade não
significa superioridade! O cérebro não é o único líder do
corpo, porque depende do coração. O coração não sobrevive sem o estômago, que morreria sem os pulmões etc.
Num organismo, todos os órgãos são interdependentes e
estão alinhados através de um objetivo comum: manter-nos
vivos e em boa saúde.
É importante ressaltar que o planejamento estratégico
pertence ao antigo modo organizacional, cujo discurso é
“plan and engage” (planejar e engajar), em vez de “engage
and plan”. Andy Grove, um dos fundadores da Intel, dizia
que o erro mais frequente dos líderes era exatamente
fazer a primeira opção (plan and engage), que pertence à
cultura do planejamento estratégico tradicional, em vez
de optar pelo segundo caminho (engage and plan), que tem
tudo a ver com a ideia de “estrategizar”.
Ter um senso de propósito claro e compartilhado é
fundamental para que as empresas possam engajar em
primeiro lugar, confiantes de que as pessoas farão o necessário para adaptar suas próprias estratégias àquilo
que for importante e benéfico para a organização.
Outro motivo é que, no corpo humano, cada órgão
recebe um feedback permanente sobre o contexto onde
o corpo se encontra e como esse órgão está se comportando em relação ao propósito superior. As organizações
clássicas, que ainda vivem sob uma hierarquia pesada e
burocrática, não têm essa transparência. Um time que
entende o propósito superior da organização, e recebe o
feedback constante sobre como está posicionado em rela-
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Revista da ESPM | setembro/outubro de 2012
Politicagem, brigas de poder e falta de
confiança têm uma causa em comum: a
falta de conexão direta entre as pessoas
ção a esse propósito, tentará mais fortemente se superar.
Essa interdependência dos órgãos do corpo humano
faz com que todos reajam rapidamente. O cérebro claramente coordena, atribuindo recursos diferentes a uma
ação ou reação, mas a conectividade dos órgãos assegura
uma grande agilidade e velocidade de ação. Na empresa
de amanhã, se os silos, os guetos e a falta de conexão
entre departamentos e pessoas retardarem a troca de
informações inibindo uma resposta rápida, a empresa,
rapidamente, estará ultrapassada. Politicagem, brigas de
poder e falta de confiança têm uma causa em comum: a
falta de conexão direta entre as pessoas.
Então, o planejamento estratégico é uma ferramenta
de dinossauro? Provavelmente não. Como falamos, o
cérebro humano continuará coordenando a ação dos
vários órgãos. Mas com uma capacidade de tratar 50
informações por segundo, enquanto o meio ambiente o
inunda com 11 milhões, o pobre cérebro precisa de ajuda.
O planejamento estratégico provavelmente corresponde
a esses 50 bits tratados a cada segundo. Mas, se o restante
do corpo não ajudar, será rapidamente mais um caso de
“paralisia da análise”. Por isso, da mesma maneira que
o corpo humano desenvolveu uma estratégia para lidar
com isso (baseada na interdependência, no propósito
superior, no feedback permanente e na conectividade),
as organizações terão de recolocar o planejamento estratégico ao seu lugar (40 x 11 milhões). É mais importante
desenvolver um novo estilo de liderança conectada e
simples, que convida os funcionários para um amplo e
contínuo processo de “estrategização”, numa empresa
mais orgânica do que organizada.
Didier Marlier
Sócio-fundador da rede de consultores Enablers Network, foi professor
na Fundação Dom Cabral, Insead (França) e Nyenrode (Holanda)
Marcelo C. Pontes (Jimmy)
Doutor em administração e marketing pela FEA/USP, líder da área
de marketing, pesquisa e economia da ESPM-SP, diretor da Brand Leader
Comunicação e Marketing e consultor da Enablers Network
cultura organizacional
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Revista da ESPM | setembro/outubro de 2012
Cultura e estratégia: um
alinhamento necessário
O alinhamento da cultura da empresa com a sua estratégia é fator crítico
para o sucesso do planejamento. Gerenciar a cultura com metodologia
e não deixá-la correr ao acaso é uma opção estratégica da liderança
Por Susana Arbex de Araujo
foto: latinstock
A
tualmente, é indiscutível a importância de
um processo de planejamento estratégico
para as grandes empresas. O cenário de
alta volatilidade que vivemos aumenta o
seu desafio, mas pouco se discute se é devido ou não
a dedicar tempo e recursos a essa agenda. Está claro
que a velocidade de mudança dificulta a elaboração
milimétrica de cenários futuros, o que não diminui o
valor desse exercício.
A questão crítica que se coloca atualmente é outra. A
pergunta é: por que planos tão bem elaborados, resultado
de processos intensos e profundos, conduzidos por profissionais de primeira linha, muitas vezes não saem do
papel para virar realidade nas organizações?
De alguns anos para cá, a aderência da cultura organizacional aos imperativos estratégicos das empresas
começa a ser apontada como um dos fatores-chave para
o sucesso ou fracasso dos planos.
A Apple, com sua cultura de inovação, a excelência da
Toyota e a simplicidade do Google são exemplos de empresas nas quais esse alinhamento acontece. Esse tipo de
posicionamento provoca uma série de discussões sobre
até onde a gestão cultural é capaz de provocar impactos
nos resultados.
A questão-chave que se apresenta aos gestores de planejamento estratégico, atualmente, é como tornar realidade
todas aquelas metas, oportunidades e desafios tão bem
detalhados nos planos de ação. Mudanças conjunturais
à parte, diversas pesquisas apontam que o fracasso da
maioria dos objetivos definidos nos planejamentos vem da
dificuldade das organizações em implementá-los. Segundo
“Um plano tem pouco valor se a
organização a que se destina
não é capaz de executá-lo”
Russell Lincoln Ackoff
o professor Todd Jick, a articulação da visão representa 10%
do trabalho e sua implementação, 90%. Ou seja, uma ideia
não é quase nada sem uma execução exemplar.
Bem, não existe execução sem pessoas. E onde houver
mais de uma pessoa trabalhando em conjunto, já há uma
cultura organizacional, que pode favorecer ou dificultar
a implementação dos objetivos. Logo, a correlação entre
cultura e sucesso do planejamento estratégico é quase
de um para um. Simples assim.
Certa vez, estávamos no meio de um longo processo de
planejamento estratégico e de marca no Banco Real, quando um membro da equipe lançou um questionamento:
“Por que mesmo perdemos tanto tempo nestes processos
de planejamento, se sabemos que, na prática, será feito
tudo de forma diferente?”. Uma das gerentes prontamente
respondeu: “Porque a gente planeja, planeja e planeja, para
na hora da verdade saber improvisar melhor”.
A grande sabedoria dessa frase não está, de maneira
alguma, em aceitar uma regra do improviso, como se a
aleatoriedade fosse fator inexorável, mas na afirmação
de que é possível “improvisar melhor”.
Afinal, ouve-se muito nas empresas que “o papel
aceita tudo”. E é verdade. O planejamento estratégico
setembro/outubro de 2012 | Revista da ESPM
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cultura organizacional
dá a diretriz, mas não consegue antever todas as possíveis situações de desdobramento da estratégia, em um
ambiente cada vez mais complexo, interconectado e
mutante. Significa dizer, em outras palavras, que, quando
falamos do ambiente em geral, está cada vez mais difícil
“combinar com os russos”.
Por isso, o planejamento não deve ser visto como um
fim em si mesmo, mas como o passo inicial de uma longa
jornada. E para que essa jornada seja bem-sucedida, é
fundamental que a empresa tenha uma cultura alinhada à
sua estratégia, que seja capaz de fazer o plano acontecer,
sair do papel e ganhar vida.
Mas, se as pessoas não se identificarem com as ideias do
plano e “cruzarem os braços”, adeus estratégia... Não é raro
observarmos situações nas quais, ao terminar um ciclo de
planejamento, as pessoas voltam às suas rotinas e continuam se comportando exatamente como antes. As forças
do hábito e da cultura são poderosas. E não dá para esperar
um resultado diferente fazendo tudo igual. Se queremos
resultados diferentes, precisamos fazer algo diferente.
Parece óbvio, mas nem sempre é assim que acontece. Como
disse Mark Fields, presidente da Ford Motors Company nos
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Revista da ESPM | setembro/outubro de 2012
A cultura de uma empresa pode
ser definida como o padrão de
comportamentos que são encorajados
ou desencorajados pelas pessoas e
sistemas ao longo do tempo
Estados Unidos, “a cultura devora a estratégia no café da
manhã” (“Culture eats strategy for breakfast”).
Então, na prática, o que significa esse alinhamento?
Significa agir intencionalmente na cultura, identificando e intervindo nas dimensões que jogam contra a
implementação da estratégia e estimulando aquelas que
jogam a favor. Essa gestão, feita por meio de metodologias
específicas, vem sendo experimentada com sucesso por
diversas empresas. A liderança, portanto, pode e deve gerenciar ativamente a cultura de suas empresas. Afinal, a
cultura existirá de qualquer modo. Gerenciá-la ou deixá-la
ao acaso é uma opção estratégica.
Apesar de cada vez mais frequente, a referência à cultura
ainda é feita muitas vezes de modo subjetivo, sem um con-
torno claro, às vezes tomando-se a parte pelo todo. Por exemplo, ações como team buildings, projetos de comunicação
interna e elaboração de valores, que são importantes para
fortalecer e manter a cultura, mas não esgotam a questão
na sua profundidade, por vezes são chamados de projetos
de cultura. Cultura é tudo isso também, mas é ainda mais.
A cultura de uma empresa pode ser definida como “o
padrão de comportamentos que são encorajados ou desencorajados pelas pessoas e sistemas ao longo do tempo” (Ned
Morse), ou, de modo prático, “o jeito como fazemos as coisas
por aqui”. Isso equivale a dizer que são as mensagens implícitas que formam a cultura, fazendo as pessoas entenderem
qual o comportamento esperado e valorizado naquela
organização e repetindo esse padrão. Essas mensagens são
enviadas por meio de ações da liderança, de símbolos (como
alocação de tempo e dinheiro) e de sistemas.
Quando uma empresa dá clareza aos funcionários de
qual o norte desejado (planejamento estratégico) e com
base em que valores eles podem tomar decisões (cultura),
algo muito interessante acontece: forma-se um escudo
que protege a essência da empresa das turbulências do
cenário e garante a coerência na execução dos planos.
Apostar no fortalecimento da cultura significa ter coerência com os valores que guiam a empresa. Mas não
são aqueles valores que só existem nas belas palavras
dos quadros na parede, que muitas vezes somente se
sustentam por um prego. São os valores que de fato servem de balizadores para a tomada de decisão no dia a
dia daquela organização. O que ela vai priorizar na hora
de fazer escolhas. Significa alinhar o que a empresa diz,
o que ela faz e aonde ela quer chegar com quem ela é.
Em outras palavras, ter a marca, a cultura e a visão em
sintonia com a identidade empresarial.
Agir de acordo com o que se fala consolida o entendimento dos objetivos e da essência da empresa. E esse é o
ativo, é a caixa de ferramentas da qual as pessoas, quando
empoderadas, vão lançar mão, nas diversas situações em
que se encontrarem representando a empresa. Situações
que tantas vezes fogem dos manuais e dos planos de ação,
mas que podem ter alto impacto nos resultados.
Um ótimo exemplo desse alinhamento acontece na
Zappos, uma loja on-line de calçados. O alinhamento
entre cultura e marca começa na seleção, na qual se avalia
a aderência dos valores da pessoa aos da empresa, passando por um intenso período de adaptação e compartilhamento expresso do seu conjunto de valores. O resultado
A cultura existirá de qualquer modo.
Gerenciá-la ou deixá-la ao acaso
é uma opção estratégica
está na atitude dos funcionários, que é a franca expressão
da essência da empresa, claramente reconhecida pelos
consumidores e pelo mercado. O mesmo se dá com a
Southwest, companhia aérea americana de baixo custo,
na qual os funcionários têm autonomia para resolver os
problemas dos clientes na hora em que eles ocorrem, gerando uma fidelidade de marca ímpar nesse segmento. Ou
ainda na Apple, onde um pensamento comum costumava
ser “o que Steve Jobs faria nessa situação?”
Por isso, concordamos profundamente com Mary Jo
Hatch e Majken Schultz, autoras de diversos livros sobre
o assunto, quando afirmam que a cultura é um parceiro
silencioso na construção de uma marca. Nessa linha,
podemos pensar em diversas situações: um engenheiro
deslocado para uma obra no interior; um garçom diante
de um cliente em uma situação constrangedora; um atendente interagindo em um atendimento on-line com um
cliente... Cada vez mais, as marcas se constroem na ponta,
na interação entre pessoas.
Não gerenciar cultura significa deixar essas interações
ocorrerem ao sabor do vento, e correr o risco das pessoas
agirem de modo desalinhado dos valores centrais da empresa. Que o digam a Enron, Arthur Andersen, Goldman Sachs,
entre tantos outros casos que hoje, devido à tecnologia e às
mídias sociais, ganharam uma visibilidade exponencial.
Vivemos um tempo, portanto, no qual o controle passa a
dar lugar ao aprendizado coletivo e à aceitação de uma maior
diversidade de caminhos para um mesmo fim. Planejar
nesse cenário não é, portanto, engessar. Não é ter a ingênua
expectativa de controlar o incontrolável.
Planejar significa conduzir um processo maduro de
compartilhamento de direção, de empoderamento dos
indivíduos e de gestão da cultura organizacional. É assim
que são construídas marcas fortes, com resultados sustentáveis, minimizando atritos e custos invisíveis. Ou, como
diria aquela sábia gestora, é assim que se improvisa melhor.
Susana Arbex de Araujo
Sócia-executiva da consultoria ATMA – Cultura e Marca
setembro/outubro de 2012 | Revista da ESPM
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entrevista | henry mintzberg
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Revista da ESPM | setembro/outubro de 2012
Para aprender é
preciso estar com
a mente aberta
A
scensão e queda do planejamento estratégico. Este é o título de um
livro do acadêmico canadense Henry Mintzberg que fez sucesso
nos meios empresariais de todo o mundo nos anos 1990. Nesse
texto, Mintzberg, um dos principais pensadores contemporâneos da administração, aponta uma contradição na própria expressão que
dá nome à obra, que foi publicada no Brasil em 2004, pela Bookman Editora.
A estratégia, observa ele, não pode ser planejada, porque planejamento é
análise e estratégia é síntese. Daí os fracassos dos planejadores estratégicos.
Esse trabalho de Mintzberg foi originalmente publicado na edição de
janeiro e fevereiro de 1994 da revista acadêmica Harvard Business Review.
O ponto a destacar é que tal texto já tem mais de 18 anos. Sua maioridade
sugere que as definições simples oferecidas por Mintzberg sobre liderança e
modelos estabelecidos de pensamento estratégico merecem uma revisão. É
natural que seja assim, sobretudo porque esse é um livro de história – a história do planejamento estratégico desde suas origens, nos idos de 1965.
Entrevistado por Alexandre Teixeira
Fotos Owen Egan
setembro/outubro de 2012 | Revista da ESPM
29
entrevista | henry mintzberg
Há muita teoria ali. E também uma
visão prática de como as organizações funcionavam na primeira
metade dos anos 1990 ou “como os
gestores estão ou não à altura desse
funcionamento; também como nós,
seres humanos, pensamos e às vezes
paramos de pensar”, conforme escreveu Mintzberg.
É um texto clássico sobre um processo que fascina organizações. Em
especial as americanas e, por tabela,
as empresas de boa parte do Ocidente. Não obstante, entre as ferramentas utilizadas nos processos de gestão, típicos dos anos 1990, algumas
parecem datadas, como a gestão da
qualidade total. Outras, definitivamente, envelheceram mal, como o
conceito de reengenharia. Que dizer
do planejamento estratégico?
Lembre, porém, que, em seu livro,
Mintzberg criticou, agressivamente,
muitas das práticas associadas ao
planejamento estratégico. Em especial, aquilo que chamou de fórmulas
prontas do planejamento.
Com a refundação do capitalismo
em pauta desde a crise de 2008, é
interessante discutir a dicotomia entre as premissas e diretrizes do planejamento estratégico e a extrema
mutabilidade social e econômica dos
nossos dias. Para que serve um plano
estratégico em 2012? O que justifica
a sua preparação?
Há ainda o fator humano, inevitavelmente presente na implantação
de um plano. Em tempos de gritaria
global contra bônus milionários e
gatos gordos do mundo corporativo,
é interessante analisar a figura do
CEO, tratando de sua liderança, sua
capacidade de gestão e de estimular,
30
Revista da ESPM | setembro/outubro de 2012
motivar e orientar as pessoas que o
cercam. Há quem diga que a gestão
dos detalhes é tão ou mais importante que as diretrizes de longo prazo
– e também aqueles que juram que o
“microgerenciamento” destrói até o
melhor dos planos.
Henry Mintzberg esteve no Rio
de Janeiro no início de outubro deste
ano e, mais crítico do que nunca,
conversou sobre planejamento estratégico com a Revista da ESPM.
Confira os melhores momentos da
entrevista.
“Temos uma imagem
preconcebida do
que é planejamento
estratégico: um monte
de gente se tranca
numa sala e sai dela
com uma estratégia”
Alexandre – Seu livro sobre planejamento estratégico está perto de completar 20 anos. Será esta uma boa hora
para revisitá-lo?
Mintzberg – É sempre uma boa hora
para revisitá-lo, porque não há muita
gente que o leve a sério.
Alexandre – O senhor acha que não?
Mintzberg – Algumas pessoas levam a sério, mas muita gente não
entende a questão [planejamento
estratégico], embora não possa falar
sobre o Brasil, obviamente. A única
coisa que sei sobre o mercado brasileiro é que as pessoas nas empresas
tendem a ser bem mais adaptáveis
do que nos Estados Unidos.
Alexandre – Por que o senhor tem
essa sensação?
Mintzberg – A história do país faz
com que o povo se comporte dessa
forma. As pessoas têm de ser mais
adaptáveis, porque os desafios são
maiores. Precisam ter a capacidade
de “quebrar um galho”. Trata-se de
achar um meio de lidar com uma
circunstância difícil, seja a ditadura
militar, a questão da pobreza, o problema do racismo ou o que quer que
seja. Sempre houve desafios. O Brasil
lidou e vem lidando muito eficazmente com esses desafios.
Alexandre – Já em 1994, quando
publicou seu livro, o senhor fez uma
crítica profunda em relação ao planejamento estratégico. O que está
envelhecendo melhor: o planejamento
estratégico em si ou sua crítica a ele?
Mintzberg – Depende do que você
quer dizer com planejamento estratégico. Você pode fazer o que quiser e
chamar de planejamento estratégico.
Pode passar um fim de semana no
campo discutindo estratégia e chamar
isso de planejamento estratégico. Quase sempre há processamento de números, mas todos esses dados raramente
levam a uma estratégia. Muito do que
chamam de planejamento estratégico
é programação de estratégia. É pegar
a estratégia que você já tem – em geral
porque não é hábil o bastante para
criar uma nova – e apenas convertê-la
em orçamentos. Isso não tem nada a
ver com a criação de uma estratégia.
gia. O processo não surgiu de um
bando de gente importante dentro
de um escritório.
Alexandre – Esta ideia de que estratégia é algo que se aprende na prática era
verdadeira em 1994 e ainda parece ser
hoje. Porém há algumas questões novas
a enfrentar, como a tecnologia, que faz
tudo acontecer mais rápido.
Para atender a demanda de mercado, a rede de lojas Ikea mudou seu posicionamento
Alexandre – Então, como se daria o
verdadeiro processo de criação de uma
estratégia?
Mintzberg – Meu argumento é,
basicamente, que a estratégia não
surge de um processo formal de
pla neja mento. Vem de u m pro cesso de aprendizado. As pessoas
aprendem seus caminhos para a
estratégia. Elas não acham seus
caminhos para a estratégia. Então,
se você chamar o aprendizado de
pla neja mento est ratégico, tudo
bem. Mas nós temos uma imagem
preconcebida do que é planejamento estratégico: um monte de gente
se tranca numa sala e sai dela com
uma estratégia. O que eu estou dizendo é que a estratégia não nasce
assim. Nasce do aprendizado.
Alexandre – O senhor pode dar um
exemplo de como esse aprendizado
se dá?
“A estratégia não vem
de um processo formal
de planejamento.
Vem de um processo
de aprendizado.
As pessoas aprendem
seus caminhos
para a estratégia”
Mintzberg – Não posso me aprofundar agora, porém a Ikea, uma grande
rede varejista de móveis, é um caso
interessante. Ela vende móveis desmontados, que você põe no carro e
leva para casa. A ideia veio quando
um trabalhador tentou colocar uma
mesa em seu carro e não pôde tirar
as pernas dela para fazê-la caber
no porta-malas. Alguém disse “se
ele fez isso [tentou tirar as pernas
da mesa para transportá-la por conta
própria], talvez os clientes também
o façam”. Foi daí que veio a estraté-
Mintzberg – Sei, e se você tinha
uma empresa no Brasil durante
o período de controle militar, as
coisas eram estáveis? Que tal a Segunda Guerra Mundial? E a Grande
Depressão? Fala sério. A ideia de
que vivemos uma era de mudanças
como nunca houve é uma bobagem
que a imprensa perpetra. Sabe quão
para trás essas alegações vão? Ao
menos 50 anos. Na verdade, muito
mais. Posso lhe mostrar uma citação da [revista] Scientific American,
em 1867, que diz que nunca antes
experimentamos tanta mudança.
Alexandre – Ok. Mas não lhe parece
que o próprio ritmo das mudanças está
acelerando?
Mintzberg – Há coisas mudando
agora, sem dúvida. A economia está
mudando muito. A tecnologia também. Mas nem tudo. Os automóveis
basicamente ainda são movidos por
motores de quatro ciclos de combustão interna. Eles estavam no Modelo
T [o famoso “Ford Bigode”, primeiro
carro do mundo a ser produzido em
série]. Roupas? Como você ainda está
usando algodão se o mundo está mudando tão rápido? Você abotoou sua
camisa esta manhã logo depois de
setembro/outubro de 2012 | Revista da ESPM
31
corbis
entrevista | henry mintzberg
Até hoje, a indústria automobilística ainda produz veículos movidos pelo mesmo sistema utilizado no Ford T, de 1908
acordar? Como você ainda usa essa
tecnologia? Fala sério. É do interesse
da imprensa alegar que há mudanças
como nunca antes. Mas algumas coisas estão mudando, e outras não.
Alexandre – As mudanças tecnológicas me parecem mais relevantes para
as empresas...
Mintzberg – Vamos ser específicos.
Você quer falar da tecnologia do
iPhone? Ok. A tecnologia de telefones está mudando. Mas os laptops
não têm mudado tanto. Estão um
pouco mais rápidos, mas ainda fazem o mesmo tipo de coisa. Eu não
engulo essa premissa. Não acho que
no período de 1994 para cá mudou
alguma coisa fundamentalmente.
32
Revista da ESPM | setembro/outubro de 2012
“A ideia de que vivemos
uma era de mudanças
como nunca houve é
uma bobagem que a
imprensa perpetra.
Sabe quão para trás
essas alegações vão?
Ao menos 50 anos”
Alexandre – Então, suas críticas ao planejamento estratégico estão mantidas?
Mintzberg – Se vivemos tempos de
maiores mudanças, como você parece acreditar, há ainda mais razões
para que não se possam planejar
estratégias. Primeiro, porque não
podemos prever o futuro. Segundo,
porque, se você não pode sossegar
em uma estratégia, você precisa
ser adaptável. Então, há uma nova
razão para não fazer o planejamento
estratégico.
Alexandre – Se tivesse que reescrever
seu livro sobre planejamento estratégico, o senhor mudaria alguma coisa?
M i n t z b e r g – P reci so da r u m a
olhada no livro, não faço isso há
tempos. Mas, em princípio, a única mudança que eu faria seria trazer novos exemplos de por que o
planejamento estratégico não funciona. Ou, mais especificamente,
de por que gra ndes est ratégias
surgem do processo de aprendizado. Como o exemplo da Ikea.
latinstock
Alexandre – Hoje, o papel dos CEOs no
planejamento estratégico é o mesmo de
décadas atrás?
Mintzberg – Está mais claro hoje do
que nunca. O Bear Stearns [banco de
investimento de Nova York, que quebrou
no início da crise financeira de 2008]
fazia planejamento estratégico. O
Lehman Brothers [outro banco de investimento de Nova York, cuja falência levou
a crise ao ápice] fazia planejamento
estratégico. Esses bancos eram controlados por tecnocratas financeiros e
acabaram devastados.
Alexandre – O senhor acha que isso
vai mudar depois da crise?
Mintzberg – Você mesmo pode responder à pergunta. O que mudou? E já
se passaram quatro anos inteiros. O
problema está enraizado muito mais
profundamente do que parece. É um
problema político. O mundo corporativo – empresas de energia, indústria
farmacêutica, o setor militar e o segmento financeiro – está totalmente
no controle dos governos americano e
britânico. Eles gostariam de controlar
todos os governos. Esse é o problema.
Alexandre – Que processos de apren-
O mundo corporativo
– empresas de energia,
indústria farmacêutica,
o setor militar e o
segmento financeiro
– está totalmente no
controle dos governos
americano e britânico”
Em 2008, o Lehman Brothers pediu concordata, o que agravou a crise nos EUA
dizado os gestores de hoje deveriam estar usando para formular estratégias?
Mintzberg – Não acho que exista
uma fórmula para aprender. É apenas uma questão de abertura e habilidade para ouvir.
Alexandre – O que é preciso para desenvolver essa habilidade de ouvir?
Mintzberg – Uma cultura aberta,
que respeite ideias e assuma que elas
podem vir de qualquer lugar. Uma
cultura que encoraje as pessoas a ter
ideias e depois encoraje o sistema a
levar essas ideias adiante. Aprender
não é nenhum processo mágico; basta
estar com a mente aberta.
Alexandre – Até que ponto se pode ir
quando se trata de mudar um plano
estratégico sem comprometer aquilo que
“Não há fórmula
para fazer coisa alguma
em administração.
As fórmulas são
o problema,
e não a solução”
você passou semanas ou mesmo meses
formulando?
Mintzberg – Não há fórmula para fazer coisa alguma em administração.
As fórmulas são o problema, e não
a solução. Não há fórmulas. Apenas
ideias e treinos que você pode fazer
para pensar sobre as coisas. Quanto
ao desafio de adaptar um plano sem
comprometer sua essência, bom, às
vezes é preciso comprometê-la. Se a
sua estratégia é ruim, você terá de
comprometê-la.
setembro/outubro de 2012 | Revista da ESPM
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latinstock
Liderança
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Revista da ESPM | setembro/outubro de 2012
A personalidade
dos grandes líderes
Um novo perfil de liderança para o mundo corporativo do século 21
Por Simoni Missel
O
desenvolvimento da tecnologia e a globalização favoreceram diversas fusões e
aquisições de empresas, que desencadearam
transformações mundiais na estrutura,
nos processos e no perfil dos profissionais que nelas
trabalham. Uma consequência dessa evolução é que ela
requer, desde a soma de novas habilidades até um novo
perfil de líderes organizacionais, sendo esses, hoje, peças
fundamentais na gestão dos negócios.
No Brasil e no mundo, nunca se falou tanto em liderança como nas últimas décadas. Impulsionadas pela
globalização, empresas transnacionais instaladas no Brasil estão colaborando para a formação de um novo perfil
profissional para gestores brasileiros. As mudanças que
derivam desse cenário passam a exigir dos profissionais
conhecimentos e aptidões diferenciados para atuarem no
ambiente contemporâneo de negócios. Na busca de gestores que apresentem o novo perfil, as empresas veem-se
sob uma nova pressão: recrutar, treinar e desenvolver
líderes capazes de atender às demandas desse mercado
e gerentes que deleguem mais.
Dentre tantas habilidades a serem desenvolvidas, é
difícil saber quais são as mais importantes para obter
sucesso. Observar os perfis que distinguem os grandes
líderes e entender quais as características comuns na
personalidade deles é fundamental na busca do aprimoramento e desenvolvimento profissional.
Com o objetivo de descobrir tais particularidades,
realizei uma pesquisa com 427 líderes de 249 grandes
empresas, com idade entre 25 e 56 anos. Como critério
de inclusão foi utilizado o quesito trabalhar em empresas
com, no mínimo, um ano de experiência em cargos de
gestão. Esse estudo foi premiado em congressos internacionais, dado o grau de relevância que adquiriu.
Dos 427 líderes pesquisados, 73% possuem curso superior, 20% são pós-graduados e apenas 7% têm somente o
ensino médio. A grande maioria dos líderes organizacionais é do sexo masculino (77%), ante 23% de mulheres. Os
entrevistados têm entre 25 e 56 anos de idade. O tempo médio de permanência desse público nas empresas é de 12,95
anos, sendo que eles ficam em média 8,36 anos no cargo.
Adotei nesse levantamento o modelo dos Cinco Grandes Fatores, ou Big Five, como é mais conhecido, um
instrumento psicológico construído para a avaliação da
personalidade. Mas o que é personalidade? A personalidade é uma construção pessoal formada ao longo da
Raio X da liderança
Levantamento feito com 427 líderes
organizacionais de 249 empresas aponta
o perfil dos grandes líderes do mundo
corporativo
• 73% possuem curso superior
• 20% são pós-graduados
• 7% têm somente o ensino médio
• 12,95 anos – tempo médio de permanência
nas empresas
• 8,36 anos – tempo de experiência no cargo
• 77% homens e 23% mulheres
• Idade entre 25 e 56 anos
setembro/outubro de 2012 | Revista da ESPM
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Liderança
latinstock
vida e tem seus alicerces no meio social em que estamos
inseridos, sendo também resultado de nossa história de
vida, isto é, da forma como sentimos e interagimos com
as nossas experiências. Um indivíduo pode agir e pensar
diferentemente de outro em situações diversas, indicando que o comportamento pode ser variável de pessoa para
pessoa. As características de personalidade indicam
uma dimensão das diferenças individuais e padrões de
pensamento, sentimentos e ações do indivíduo.
Dessa forma, cinco características de personalidade
foram analisadas: socialização; extroversão; abertura às
novas experiências; realização; e instabilidade emocional.
Entre os perfis mais desenvolvidos nos líderes organizacionais, está a Socialização (m = 5,65 e DP = 0,48), que
avalia a qualidade e o tipo das relações interpessoais
Entre os perfis mais desenvolvidos nos
líderes organizacionais, está a socialização,
que avalia a qualidade e o tipo das relações
interpessoais dos líderes
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Revista da ESPM | setembro/outubro de 2012
Perfil do líder
Estudo aponta as características de
liderança mais marcantes no mercado
brasileiro
• seguir regras
• ser persistente
• sentir-se útil e cooperativo
• ser comunicativo
• ser ativo
• ser assertivo
• ser gregário
• ser compreensivo e empático
• ter atitude ativa na busca de objetivos
• saber que é preciso fazer alguns sacrifícios pessoais
para obter os resultados esperados
• acreditar na sua capacidade para realizar atividades
difíceis e importantes
dos líderes. O resultado apresentado indica uma boa
capacidade de convivência social. Esse perfil é formado
pelas características de personalidade: amabilidade,
pró-sociabilidade e confiança nas pessoas.
Em segundo lugar está a Realização (m = 5,46; DP =
0,61), que mede o grau de organização, pontualidade,
persistência, controle e motivação, bem como motivação
para o sucesso, perseverança, capacidade de planejamento de ações em função de uma meta. Esse perfil é
formado pelas seguintes características de personalidade: competência, ponderação e empenho.
A terceira característica da personalidade com maiores escores é a Extroversão (m = 4,77; DP = 0,70). Está
relacionada ao modo como as pessoas interagem com
os demais e indica o quanto elas são comunicativas,
ativas, assertivas, responsivas e gregárias. No contexto do trabalho e das organizações, essa característica
tem se mostrado uma variável bastante valorizada. A
extroversão está relacionada com uma tendência à liderança. É formada pelas características de personalidade:
comunicação, altivez, dinamismo e interações sociais.
A instabilidade emocional (m = 2,55; DP = 0,56) aparece
como um dos perfis menos desenvolvidos nos líderes
organizacionais. É um atributo relacionado às características emocionais das pessoas. Também se refere à habilidade de resiliência, habilidade de lidar com as diferenças
latinstock
As características de personalidade
indicam uma dimensão das diferenças
individuais e padrões de pensamento,
sentimentos e ações do indivíduo
individuais e como se comportam nessas situações. Esse
dado aponta que os líderes estudados apresentam-se
menos instáveis emocionalmente e costumam ter um
controle emocional em momentos de tensão. As características de personalidade que compõem este perfil são:
vulnerabilidade, passividade e depressão.
Outra característica pouco desenvolvida entre o público
pesquisado é a abertura às novas experiências (m = 4,60;
DP = 0,58), que está relacionado à curiosidade e à importância dada às novas experiências, tendo como características
de personalidade: o interesse por novas ideias, o liberalismo e a busca por novidades. Em uma época de culto à
inovação, é importante observar tal resultado. Na área
organizacional, isso significa que, quanto maior a abertura
às novas experiências, menor o comprometimento com a
organização. Esse resultado sugere que os líderes estudados, apesar de serem cobrados por inovações, tendem a
ser mais conservadores.
As características de lideranças mais marcantes
apontadas neste estudo foram: seguir regras; ser persistente; sentir-se útil e cooperativo; comunicativo; ativo;
assertivo; gregário; compreensivo e empático; ter atitude
ativa na busca de objetivos e consciência de que é preciso
fazer alguns sacrifícios pessoais para obter os resultados
esperados; e acreditar na sua capacidade para realizar
atividades difíceis e importantes.
Simoni Missel
Diretora da Missel Capacitação Empresarial, executive coach,
psicóloga, consultora de carreira e professora da ESPM
setembro/outubro de 2012 | Revista da ESPM
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gestão de pessoas
A ditadura do líder
Dizer que os funcionários são resistentes à mudança é talvez uma forma de defender
o autoritarismo e a ausência de diálogo como inevitáveis. Talvez isso só interesse
aos detentores do poder nas organizações. Mas é possível fazer diferente
S
e tomarmos como ponto de partida a chegada do
milênio, podemos dizer que, em todo o globo, as
transformações foram profundas. Quem poderia
imaginar que, em doze anos, a vida das pessoas
seria transformada pela internet da forma como foi? Quem
diria que o ensino a distância, incipiente na época, se
tornaria algo comum e usado não somente por quem está
longe, mas por quem não tem tempo a perder? E as redes
sociais? Quem poderia prever que pessoas quisessem ser
rastreadas num sábado à noite por meio do seu celular? E
quem diria que alguém desejaria compartilhar cada passo
da sua existência com um grupo de pessoas, a turma da
sua rede social? Enfim, a tecnologia foi permeando nossa
existência e alterando comportamentos. A comunicação
pessoal se intensificou e se expandiu. A participação das
pessoas ganhou status de verdade: o rádio-jornal da manhã
deve ter talvez 40% do seu tempo dedicado às notícias do
trânsito trazidas pelos ouvintes.
Porém, se no plano pessoal tudo mudou, a sensação é
que, nas empresas, o que tínhamos visto até a virada do
milênio não se transformou com a mesma intensidade. A
estrutura de poder continuou sendo predominantemente
piramidal. A prática do “manda quem pode e obedece
quem tem juízo” é o modelo de gestão predominante, e a
organização matricial foi “entortada” para comportar dentro dela as formas do relacionamento piramidal. Embora
estimuladas, as comunicações laterais são incipientes
e, no plano das decisões, a chefia vertical conversa com
a horizontal e decide o que as pessoas deverão fazer. As
relações ficam dessa forma mais complexas. Quem está
na linha de frente se sente agora com dois chefes, com
uma autonomia ainda menor, olhando com descrença as
sugestões das chamadas áreas-suporte que, por sua vez,
não se sentem com autonomia suficiente para promover
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Revista da ESPM | setembro/outubro de 2012
alterações nos processos da organização, tal como imaginavam que deveriam fazer.
Enquanto o diretor da linha de negócios debate cada
decisão com o diretor da estrutura matricial de apoio, amplos contingentes de pessoas, aquelas que estão em contato
com clientes e que definem a real qualidade dos produtos e
serviços, ouvem as reclamações, mas, para evitar que erros
sejam cometidos e que terminem por perder seus empregos,
preferem não mudar e não sugerir nada de novo, embora
as informações sejam muitas e proveitosas. Ou melhor,
seguem o protocolo sem avisar que há defasagem entre
aquilo que o cliente deseja e o que a empresa oferece.
As modernas organizações em rede, cuja estrutura se
modificaria na medida da necessidade dos projetos, onde
não existiria uma hierarquia formal, mas somente níveis
de alçada para aprovar despesas e fazer investimentos,
totalmente desconectados de uma estrutura organizacional
fixa, permanecem talvez como uma utopia sempre prestes
a se realizar, mas sem nunca se concretizar realmente. Ou
seja, independentemente do tamanho, setor, origem do
capital, tipo de negócio, as empresas mudaram muito pouco
na primeira década do século 21.
Haveria necessidade de ser diferente? Não sei. Porém
é ampla a literatura que atribui a dificuldade em mudar à
resistência das pessoas que estão espalhadas pela empresa,
participando da comercialização e entrega dos produtos e
serviços. Há inclusive afirmações de que os funcionários
resistem, subvertem e entravam a mudança.
Como pode essa afirmação ser verdadeira se foram justamente as pessoas mais desprovidas de poder, em especial as
mais jovens, que melhor aceitaram as mudanças profundas
trazidas pela tecnologia nas suas vidas?
Para contribuir com a polêmica, gostaria de considerar
que, ao contrário de ser alguém que evita a mudança de
foto: shutterstock
Por Célia Marcondes Ferraz
setembro/outubro de 2012 | Revista da ESPM
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shutterstock
gestão de pessoas
forma generalizada, as pessoas mudam todos os dias e
incorporam, na sua forma de pensar e de entender o mundo, as novidades advindas das experiências vividas, dos
conhecimentos adquiridos, do convívio com o outro e, seja
em casa ou na empresa, no plano profissional ou pessoal,
aceitam as mudanças e reconhecem as diferenças.
Pesquisas demostram que conhecimentos adquiridos
nos cursos voltados ao desenvolvimento profissional nas
empresas influenciam as ações no plano pessoal. Todos
aqueles que conheceram os preceitos da qualidade total
tentaram aplicar nas suas vidas o “faça certo da primeira
vez”, ainda que isso contrarie a lei das probabilidades.
Cursos que falam que as pessoas são diferentes porque têm
personalidades distintas e, por essa razão, agem de forma
diversa, contribuíram para trazer a paz entre pais e filhos,
marido e mulher. Por que então imaginar que as pessoas
resistem a fazer seu trabalho de outro modo?
Ideologia é o conjunto de crenças e valores de um grupo,
mas é, também, uma forma de agir que visa perpetuar verdades que interessam apenas a determinadas pessoas. A ideologia é transmitida por meio da linguagem, dos rituais e dos
mitos e faz parecer natural o que é regido por um interesse
particular. Não seria a crença generalizada de que as pessoas da linha resistem à mudança uma forma de preservar
hierarquias e formas institucionalizadas de comando que
são do interesse maior das chefias? Se os chefes acreditam
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Revista da ESPM | setembro/outubro de 2012
Não seria a crença generalizada de que
as pessoas da linha resistem à mudança
uma forma de preservar hierarquias e
formas institucionalizadas de comando
que são do interesse maior das chefias?
que devem prosseguir nos modelos de gestão do passado,
nada melhor do que dizer que as pessoas são resistentes
e, portanto, se é preciso mudar, apesar delas, é necessário
um rígido controle e quem não concorda é ameaçado com a
perda do emprego. É dessa forma que o poder com base na
intimidação se perpetua.
As recomendações sobre novas formas de gerir pessoas
trocam o controle por participação, inserem no dia a dia
das organizações o envolvimento, trocam o comando puro
e simples, o “faça isso faça aquilo” por sensibilização e
compartilhamento. Instituem o autocontrole, ou seja, com
regras claras e com transparência, é possível imaginar que
as pessoas são perfeitamente capazes de se autogerirem de
forma madura. O ponto de partida é acreditar que nem todas
as pessoas são más, preguiçosas e não se importam com os
problemas da empresa. Certamente há pessoas boas e más,
há quem tenha sido educado segundo valores que defendem
do pai todo-poderoso da “horda primitiva” imaginada por
Freud que controlava os filhos e os privava do prazer, seria
parte da explicação? Mas há também a lembrança do senhor
de escravos, dono da vida e da morte daqueles que eram sua
propriedade e que talvez nem tivessem alma. Há também a
figura do patriarca, detentor do patrimônio da família que
a todos sustentava e por isso deveria ser obedecido. E há
certamente a inspiração taylorista do chefe que controlava os
tempos e movimentos dos trabalhadores que carregavam os
fardos de algodão nos primórdios da industrialização. Talvez
seja influência da hierarquia militar e, entre nós, no Brasil,
há lembranças de um passado de restrição de liberdades
dos tempos da ditadura. Tudo isso deve estar presente no
Se não é costume compartilhar
decisões com as equipes, é preciso
ajudar coordenadores e supervisores,
até mesmo gerentes, a agir dessa
forma, muitas vezes fornecendo
instrumentos que facilitem a
comunicação e a discussão
shutterstock
o cumprimento das promessas, reconhecem o valor de um
emprego e a responsabilidade de uma função. E certamente
haverá outras que agem diferentemente. Não se trata de
negar um tipo ou outro, mas de não aceitar um modelo de
gestão fechado apenas porque há pessoas desonestas e não
comprometidas.
O ganho quando se compartilham visões, conhecimentos, informações é tal, que não podemos defender a gestão
hierarquizada e não participativa como necessária porque
nem todas as pessoas merecem ter liberdade. Os estudos
realizados pelo Great Place to Work Institute mostram,
claramente, que as melhores empresas para se trabalhar
apresentam retornos superiores para os acionistas. Ser
um ótimo lugar para se trabalhar inclui respeito, confiança, regras claras e sempre cumpridas, além de orgulho de
pertencer e da camaradagem. Ou seja, o clima e o estilo de
gestão influenciam no retorno dos negócios.
Voltando às chefias, hoje ninguém aprende na escola que,
ao assumir uma função de supervisão, é preciso controlar
pessoas com mão de ferro. Pelo contrário, em todos os programas de gestão de pessoas se ensina que liderar é influenciar
pelo exemplo, é compartilhar visões e decisões. Portanto,
os princípios da moderna gestão estão ao alcance de todos.
Porém, há uma crença atávica do que é ser líder. A imagem
setembro/outubro de 2012 | Revista da ESPM
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gestão de pessoas
Com regras claras e transparência,
é possível imaginar que as pessoas
são perfeitamente capazes de se
autogerirem de forma madura.
O ponto de partida é acreditar que
nem todas as pessoas são más,
preguiçosas e não se importam
com os problemas da empresa
imaginário das pessoas do que é ser um bom líder e faz com
que, ao assumir, até mesmo a coordenação de um pequeno
grupo, se acredite ter poder sobre as pessoas.
Portanto, quando é preciso mudar, é de fundamental
importância o trabalho com todos os níveis de liderança
da empresa. Eles precisam entender por que a mudança é
necessária e ter a oportunidade de refletir sobre a melhor
forma de conduzir as alterações na forma e conteúdo do
trabalho. Se não é costume compartilhar decisões com as
equipes, é preciso ajudar coordenadores e supervisores,
até mesmo gerentes, a agir dessa forma, muitas vezes
fornecendo instrumentos que facilitem a comunicação e
a discussão. Recomendar a utilização de um conjunto de
práticas cujo objetivo é facilitar o diálogo é muitas vezes um
apoio indispensável.
As práticas são simples e a área de recursos humanos
pode ajudar. Uma primeira possibilidade seria reunir os
líderes e oferecer a eles a oportunidade de exercitar algo
que posteriormente poderiam fazer com suas equipes.
Basta entregar aos líderes, divididos em grupo, um conjunto
de revistas e pedir que elaborem cartazes traduzindo em
imagens a sua opinião em relação a um determinado tema.
Pode ser colocada em discussão a qualidade dos produtos,
dos serviços, da comunicação interna, da forma de processar pedidos dos clientes, ou qualquer outro assunto,
projeto ou ação relacionados com a mudança desejada. É
mais fácil projetar opiniões com imagens do que verbalizar. Por outro lado, pensar em grupo e elaborar o cartaz
exige uma análise sob ângulos diferentes e considerando
as opiniões dos outros. Depois de pronto o cartaz, cada
um dos grupos explica sua forma de pensar e, para tanto,
examina a coerência daquilo que está sendo apresentado.
Após as apresentações, os grupos são convidados a refletir
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Revista da ESPM | setembro/outubro de 2012
sobre como colocar na prática novas formas de trabalho.
Ao final, se for necessário, alguém pode apresentar, se for
o caso, os impedimentos ligados às questões institucionais,
ou a limitações operacionais, e decidir com a equipe o que
muda, quando, como e os responsáveis por fazer acontecer.
O mesmo exercício seria agora feito entre o líder e a sua
equipe. Tal como no exemplo, há muitas outras formas de
apoiar chefias para envolver as pessoas no processo de
mudança e quebrar a sua própria resistência, uma vez que o
novo traz a ameaça de piores resultados, força a sair da zona
de conforto e coloca em risco o próprio controle do chefe em
relação aos atos das pessoas. São eles, mais que todos os
funcionários da empresa, que merecem atenção especial no
momento de implementar o novo. Portanto, devem ter a oportunidade de compartilhar seus temores, entender os motivos
que exigem mudar, expressar claramente suas vivências e
participar intensamente do processo. Quando for a vez deles
de falar com suas equipes, estarão preparados para agir de
forma positiva e assumir o papel de agentes de mudança. Ou
seja, a resistência à mudança pode ser minimizada quando
há oportunidade de diálogo, debate e consenso.
Célia Marcondes Ferraz
Diretora de educação executiva da ESPM
Bibliografia
CALDAS, M. P.; HERNADEZ, J. M.
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LEVERING, R. A. Great place to work:
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what makes some employers so
entrevista | joão vinicius prianti
44
Revista da ESPM | setembro/outubro de 2012
A trilogia da gestão
E
conomista formado pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, João Vinicius Prianti fez carreira na Unilever em marketing
durante quase 20 anos e depois gerência-geral num total de 37 anos.
Entrou como trainee, em 1971, liderou grandes projetos da companhia no Brasil, na Inglaterra, no México e na Colômbia, até chegar à presidência da filial brasileira, cargo que ocupou de 2001 a 2008.
Prianti, em nova fase de sua trajetória profissional, vem se dedicando a
funções de consultoria e membro do conselho de administração em grandes empresas e instituições. Atualmente, desenvolve trabalho junto a empresas, tais como O Boticário, CVC, Kirin Holdings Internacional e local,
Mercapital Private Equity Madrid e ESPM.
A discussão de objetivos e estratégias no longo prazo é talvez a parte
mais importante de seu trabalho, enriquecendo ainda mais a experiência
trazida de sua vida de executivo.
Em conversa com os professores Francisco Gracioso e Marcelo Chiavone Pontes, Prianti ensina como fazer um bom planejamento estratégico e
apresenta a trilogia da gestão, além de transmitir conselhos valiosos aos
leitores da Revista da ESPM.
Para assegurar maior clareza dos temas abordados, em vez do tradicional sistema de “perguntas e respostas”, o conteúdo exposto pelo entrevistado foi resumido, organizado e dividido em tópicos. O resultado você confere nas páginas a seguir.
Entrevistado por Francisco Gracioso e Marcelo Chiavone Pontes
Fotos Roberto Braga Barbieri
setembro/outubro de 2012 | Revista da ESPM
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entrevista | joão vinicius prianti
A razão de ser
do plano estratégico
Qualquer sociedade organizada,
das nações até as empresas privadas, precisa de um plano no longo
prazo que defina os seus principais
objetivos e estratégias de competição. Até o lojista da esquina deve
ter uma ideia clara do que é mais
importante para o seu negócio.
Acima de tudo, o plano deve prever
as entradas e saídas de recursos,
no período coberto pelo plano e as
prioridades para investimentos.
Isso não mudou, apesar da extrema
volatilidade dos tempos de hoje.
“Até o lojista da esquina
deve ter uma ideia
clara do que é mais
importante para
o seu negócio”
Planejamento
estratégico é simples
O planejamento estratégico é, e
continuará sendo, uma questão
f undamenta l para as empresas.
Seu conceito é simples. O que o faz
ser difícil não é o plano estratégico
em si, mas a complexidade da organização e dos mercados. Isso significa que em uma multinacional,
com atividades em vários países,
a análise dos ambientes deve ter
uma dimensão maior, além de considerar aspectos regionais. Em uma
pequena organização, o conceito se
aplica da mesma maneira e o resultado é semelhante: a definição clara
do que deve ser feito, a forma como
a empresa pretende atingir esses
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Revista da ESPM | setembro/outubro de 2012
objetivos e os investimentos necessários para reforçar as vantagens
competitivas da organização.
Adaptação do plano
aos dias de hoje
Hoje, os fenômenos macroeconômicos, políticos e sociais são mais
imprevisíveis e traumáticos do que
no passado. Mas isso não é motivo
para que se deixe de ter um plano
mais extenso, que parta necessariamente de cenários e julgamentos
subjetivos no longo prazo. Atualmente, os planos estão mais flexíveis, justamente para poderem se
adaptar às novas conjunturas. Em
contrapartida, o acompanhamento
dos planos é feito mais de perto,
muitas vezes com revisão trimestral de metas e revisão total dos
objetivos em intervalos menores,
de três anos, no máximo. Os planos
também preveem opções, justamente para refletir com mais segurança
a incerteza futura.
Quem participa da
elaboração do plano?
Conforme o tamanho das empresas,
o CEO pode delegar a preparação e
acompanhamento do plano a um diretor de planejamento estratégico,
que reportará a execução e os resultados diretamente à presidência.
Nos processos de elaboração, avaliação e revisão do plano, esse setor
específico deverá assegurar a participação de todos os níveis de decisão que também respondem pela
implementação do plano. Embora
parta de diretrizes propostas pela
presidência, o plano deve refletir as
opiniões de todos, facilitando a integração e a motivação do pessoal.
O processo é estratégico
e de longo prazo
Há uma nuance de linguagem que
deve ser registrada: a diferença entre os termos “estratégico” e “longo
prazo”. Estratégico é tudo que é vital
para o bom desempenho da empresa,
mesmo no curto prazo. É por isso que
o acompanhamento do plano pode e
deve ser trimestral, uma vez que ocorrem fatos de relevância estratégica
praticamente todos os meses. Já o longo prazo é tudo aquilo que vai ocorrer
nos anos cobertos pelo plano.
“Estratégico é tudo
que é vital para o
bom desempenho da
empresa, mesmo no
curto prazo. É por isso
que o acompanhamento
do plano pode e deve
ser trimestral, uma vez
que ocorrem fatos de
relevância estratégica
praticamente todos
os meses”
Cultura, governança
e estratégia
Essa trilogia é de extrema importância para explicar por que algumas
empresas conseguem executar os
seus planos com sucesso, enquanto
outras fazem deles meros instrumentos burocráticos. A cultura da
empresa deve favorecer a simbiose
entre a estratégia no longo prazo e
as oportunidades ou desafios que
surgem a todo momento. Para isso, a
cultura organizacional deve possuir
“Cultura, governança
e estratégia. Essa
trilogia é de extrema
importância para
explicar por que
algumas empresas
conseguem executar
os seus planos com
sucesso, enquanto
outras fazem deles
meros instrumentos
burocráticos”
valores e convenções que facilitem
a governança da empresa, isto é, a
interação entre os vários níveis de
decisão; o estímulo à inovação e às
mudanças; a motivação pessoal e
os mecanismos de premiação ou
punição. Enfim, governança é uma
gestão eficiente e coerente com a
missão e os objetivos do negócio. Nas
companhias de maior porte, esse
quesito pressupõe a existência de um
conselho de administração ao qual
se reporta a presidência executiva.
Divisão de
responsabilidades
É crescente a tendência para a criação de conselhos de administração
(e até com conselheiros externos)
nas empresas de grande porte, principalmente aquelas de capital aberto ou que exijam transparência
pública. Cabe a esses conselhos a
aprovação e o acompanhamento
da execução do plano estratégico
no longo prazo, fazendo dele a base
para avaliar o desempenho da diretoria executiva. Muitas vezes, o conselho de administração pode dar
início ao processo de planejamento,
discutindo e transmitindo à diretoria executiva os grandes objetivos e
diretrizes do plano, como margens
de lucro, estrutura do capital etc.
Feito isso, cabe à diretoria executiva
desenvolver o plano e apresentá-lo
à aprovação final do conselho de
administração, respondendo, em
seguida, por sua implementação.
“Erram aqueles que
encaram o plano
estratégico como
um instrumento que
engessa e condiciona as
decisões da empresa,
aconteça o que
acontecer. Na verdade,
o que ocorre é
exatamente o
contrário”
Estratégia versus
oportunidade
Erram aqueles que encaram o plano
estratégico como um instrumento
que engessa e condiciona as decisões da empresa, aconteça o que
acontecer. Na verdade, o que ocorre
é exatamente o contrário. O plano
deve estimular duas coisas básicas: o
surgimento constante de inovações
e mudanças no seio da empresa,
visando obter ou reforçar as suas
vantagens competitivas; e o aproveitamento das oportunidades inesperadas que podem surgir a qualquer
momento. Explica-se, assim, o caso
citado durante a entrevista, pelo professor Francisco Gracioso, segundo o
qual os novos clientes conquistados
por uma grande agência de propaganda quase nunca coincidiam com
os nomes dos “prospects” que constavam do plano estratégico anual.
Enfim, o plano não pode e não deve
prejudicar o espírito de iniciativa, o
senso de oportunidade e o empreendedorismo dentro da empresa.
Ética, cidadania e
sustentabilidade
Ninguém ignora que a visão ética,
a participação na comunidade e a
preocupação com a sustentabilidade se transformaram em obrigações
de todas as empresas, grandes,
médias ou pequenas. Na verdade,
hoje, as empresas são avaliadas no
seu todo, até mesmo como instrumentos de ação social e não apenas
por meio de suas marcas e produtos.
A exploração do trabalho infantil
na Indonésia, por exemplo, pode
prejudicar a imagem global de uma
grande multinacional. Portanto,
embora não implique investimentos
de grande vulto, a preocupação ética
e social é parte fundamental do plano estratégico no longo prazo.
“O planejamento
estratégico é, e
continuará sendo, uma
questão fundamental
para as empresas. Seu
conceito é simples. O que
o faz ser difícil não é o
plano estratégico em si,
mas a complexidade
da organização
e dos mercados”
setembro/outubro de 2012 | Revista da ESPM
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Gestão de processos
Entre o mundo
ideal e a vida real
A insegurança gera baixas velocidades e incrementa os custos da empresa.
Um ambiente confiável é fundamental para gerar respostas assertivas e
rápidas. Esse mecanismo possibilita a construção de processos decisórios
estruturados, que facilitam a transparência nas decisões estratégicas
V
ivemos em um ambiente de sobrecarga de
informações. Assim, para otimizar o tempo
e a efetividade das ações, não vou me aprofundar na já conhecida história da evolução
das escolas da estratégia.
Sabemos que elas se consolidam em meados do século passado e passam por marcos como: a orientação
econômica de Michael Porter e seu famoso artigo What is
strategy (O que é estratégia), publicado na revista Harvard
Business Review, em 1996; a orientação sociológica de
Henry Mintzberg presente no livro The strategy process (O
processo da estratégia, Editora Pearson Education), que escreveu em 1996, junto com James Brian Quinn; ou ainda A
orientação da estratégia como prática (Strategy as practice),
que Richard Whittington produziu em 2003.
O processo evolutivo não se limita a essas teorias. Há
um desenvolvimento contínuo das escolas da estratégia,
com críticas mútuas devido às suas diferentes abordagens.
Assim sendo, na academia, não há uma definição única e
consolidada do processo de estratégia empresarial.
E nas organizações? Como essas teorias são aplicadas na
prática? As teorias definem condições de contorno simpli-
ficadoras demais face das inconsistências, dos paradoxos,
paradigmas múltiplos e modelos conflitantes, presentes na
realidade dos executivos, conforme afirma Flávio Vasconcelos, no artigo Safári de estratégia, questões bizantinas e a
síndrome do ornitorrinco, que recomendo a leitura.
No artigo, o autor apresenta um estudo que avalia os
pressupostos adotados pelos executivos no processo de
formação da estratégia e a sua aderência às diferentes
escolas da estratégia.
Para não limitar os possíveis resultados de sua pesquisa empírica, ele partiu da tipologia proposta por Mintzberg, Bruce Ahlstrand e Joseph Lampel no best-seller
Safári de estratégia (Editora Bookman, 2000). No livro, um
animal é associado a cada uma das dez principais escolas
da estratégia citadas pelos autores. Por exemplo: o búfalo
representa a escola do posicionamento, o esquilo está associado à escola do planejamento e o macaco foi escolhido
como símbolo da escola da aprendizagem.
Ao comparar o modelo teórico com a prática, a pesquisa de Vasconcelos sugere que, na gestão da estratégia,
os executivos costumam privilegiar a utilidade prática
sobre a coerência teórica, combinando partes de diver-
Na gestão da estratégia, os executivos privilegiam a utilidade prática
sobre a coerência teórica e combinam partes de diversas escolas
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Revista da ESPM | setembro/outubro de 2012
ilustração: latinstock
Por Roberto Camanho
setembro/outubro de 2012 | Revista da ESPM
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latinstock
Gestão de processos
Metas incertas levam a um diagnóstico
mais longo e com ciclos repetitivos,
o que dificulta a separação da fase
de seleção das alternativas do
processo de análise do problema
sas escolas. Na obra, os executivos compõem seu próprio
animal, como o ornitorrinco, que para o autor seria a
metáfora mais adequada para mostrar o pensamento
estratégico presente em sua pesquisa. Segundo ele, para
os executivos, as disputas teóricas parecem não passar
de questões bizantinas.
Como vimos, os executivos não têm nenhum compromisso ou vínculo com uma escola específica da estratégia.
Assim, se você não se sentia bem por não ser ativista de
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Revista da ESPM | setembro/outubro de 2012
uma determinada escola da estratégia, deixe disso!
A prática da execução do planejamento estratégico
está consolidada nas grandes empresas. Para entender
as dificuldades na gestão da estratégia, costumo fazer
a seguinte pergunta aos executivos: “Nestes tempos de
incertezas, quais são as suas principais angústias na
gestão da estratégia?” As angústias são tantas, que daria
para escrever um livro sobre elas. Entretanto, vou listar
as mais significativas: inércia do planejamento estratégico; conclusão das decisões estratégicas; dificuldade em
estabelecer prioridades operacionais alinhadas com a
estratégia; manter um objetivo estratégico que não dá resultado; e dificuldade em alinhar as visões dos diretores.
Apesar da maturidade da prática formal do planejamento estratégico, os erros fundamentais se repetem.
Não é à toa que as revistas especializadas nessa temática
apresentam artigos que tratam diretamente das falhas na
gestão da estratégia. Um deles é Hidden flaws in strategy
(Falhas ocultas na estratégia), escrito por Charles Roxburgh
e publicado na McKinsey Quarterly, em 2003. Outro artigo
é Four fatal flaws of strategic planning (Quatro falhas fatais
de planejamento estratégico), que Ed Barrows escreveu em
2009 para o blog da Harvard Business Review.
Com base nas angústias apresentadas e na literatura
especializada, surge a questão: até que ponto é possível
mudar um plano estratégico sem comprometer o que ele
tem de melhor?
A resposta parece óbvia. Em tempos incertos, deve-se
praticar o monitoramento da execução da estratégia em
ciclos mais curtos. Mas é importante observar que esse
monitoramento deverá ser realizado de forma integrada e
cooperada, mantendo um diálogo estratégico regular com
todo o board, o que ajudará as empresas a se adaptarem ao
inesperado, conforme recomenda Kathleen M. Eisenhardt, no artigo Strategy as strategic decision making (A estratégia como tomada de decisão estratégica), publicado na Sloan
Management Review, em 1999. Renomada pesquisadora
especializada em estratégia para mercados dinâmicos,
Kathleen destaca que Less succesfull top-management
teams rarely meet with their colleagues in a group (Líderes
malsucedidos raramente se reúnem com suas equipes).
A mesma recomendação para as reuniões periódicas do
board está no artigo Managing the strategy journey (Gerenciando a jornada estratégica), produzido para a McKinsey
Quarterly, em julho deste ano. O texto de Chris Bradley,
Lowell Bryan e Sven Smit sugere a criação da jornada da
Em tempos incertos, deve-se praticar
o monitoramento da execução da
estratégia em ciclos mais curtos
estratégia, que consiste em realizar o planejamento e
monitorá-lo semanalmente ou quinzenalmente, com o
objetivo de adequá-lo às estratégias exigidas por mudanças nas forças globais.
A proposta na jornada da estratégia é que, ao passar
mais tempo reunido, o board poderá revisitar, periodicamente, as aspirações corporativas e fazer mudanças nas
estratégias; criar um processo rigoroso de gestão contínua
para a formulação das iniciativas estratégicas – fechar
as lacunas entre a trajetória atual da empresa e as suas
aspirações; converter essas iniciativas em uma realidade
operacional, integrando-as formalmente ao processo de
gestão estratégica. Aplicadas essas recomendações, as
angústias listadas podem ser reduzidas ou eliminadas.
Para que a proposta da adoção de uma jornada da estratégia seja mais efetiva, é bom citar as quatro abordagens
recomendadas por Kathleen: desenvolva uma intuição
coletiva que aumente a capacidade dos executivos para
enxergar ameaças e oportunidades com antecedência e
mais precisão; estimule conflitos rápidos para melhorar a
qualidade do pensamento estratégico, sem sacrificar um
tempo significativo; mantenha um ritmo disciplinado que
conduza o processo decisório a uma conclusão oportuna;
e desarme o comportamento político que cria conflitos
improdutivos e perda de tempo.
Ainda assim, o plano estratégico, por mais bem feito
que pareça, não é garantia de sucesso. Grandes corporações que nunca deixaram de ter planos estratégicos
quase perfeitos enfrentaram dificuldades, como é o caso
do maior banco dos Estados Unidos, o J.P. Morgan Chase.
Recentemente, a instituição financeira anunciou um
prejuízo-surpresa de US$ 2 bilhões, mesmo sendo o seu
presidente (James Dimon), considerado o mais prudente
líder de Wall Street. Outro exemplo é a BP – Beyond Petroleum (antiga British Petroleum), que foi pioneira em
construir a imagem de empresa petrolífera preocupada
com sustentabilidade ao investir US$ 200 milhões em
relações públicas, a partir de julho de 2000. Mas, em 2010,
a companhia gerou um vazamento de petróleo de grande
impacto ambiental. Afinal, o que está em xeque nesse
caso é a própria filosofia do planejamento estratégico?
O que está mais em xeque parece ser a qualidade das
decisões estratégicas, já que os resultados das organizações dependem delas. A prática do planejamento
estratégico está mais madura nas organizações do que o
exercício da melhoria das decisões estratégicas. Vale destacar que, apesar dos erros e das perdas significativas, os
executivos não buscam a melhoria da qualidade das suas
decisões estratégicas.
E não é por falta de uma base teórica sobre o tema. Há
cientistas renomados nas teorias das decisões que, devido a sua relevância, até foram agraciados com o prêmio
Nobel de Economia, como Herbert Simon, pela Teoria da
Racionalidade Limitada (em 1978), e Daniel Kahneman,
autor da Teoria da Perspectiva (em 2002).
Os pesquisadores sugerem que os processos decisórios
As principais angústias dos executivos na gestão estratégica
causa
Inércia do planejamento estratégico
Concluir as decisões estratégicas
Dificuldade em estabelecer prioridades
operacionais alinhadas com a estratégia
Manter um objetivo estratégico que não dá resultado
Dificuldade em alinhar as visões dos diretores
Pensamento
Queremos sair da caixa!
Elas sempre aparecem, novamente, no fim do ano
Temos dificuldade no desdobramento
das metas estratégias até a operação
Posicionamento sem visão no que quer ser...
Nem todos os líderes entendem as estratégias
setembro/outubro de 2012 | Revista da ESPM
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latinstock
Gestão de processos
influenciam no sucesso das decisões e, consequentemente, nos resultados das organizações. Para quem quiser
se aprofundar no tema, recomendo a leitura dos artigos
Investigating the success of decision making (Investigando o
sucesso da tomada de decisão), de Paul Nutt (2008), e Does
decision process matter? A study of strategic decision-making
effectiveness (Será que o processo de decisão é importante?
Um estudo sobre a efetividade da tomada de decisão estratégica), de James W. Dean Junior e Mark P. Sharfman (1996).
Habitualmente, não se adota um processo estruturado
para decisões estratégicas. Quem nunca se sentiu perdido
em uma reunião de comitê? Com certeza, ao longo das
reuniões você já se questionou: “Estamos discutindo o
problema ou as alternativas?”. E, no final da reunião, a
única decisão tomada é a data da próxima reunião.
Para entender o que deve ser melhorado, é preciso
avaliar a realidade de algumas organizações. Nelas, os
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Revista da ESPM | setembro/outubro de 2012
As metodologias de apoio à decisão
levam à conversação estruturada,
transparência nas argumentações e
busca dos questionamentos corretos
problemas não são bem definidos e os processos decisórios são fluidos, desestruturados e com metas ambíguas.
É complicado definir metas consensuais quando elas e
seus significados não estão claramente definidos. Metas
incertas levam a um diagnóstico mais longo e com ciclos
repetitivos, o que dificulta a separação da fase de seleção
das alternativas do processo de diagnóstico do problema.
Além disso, por vezes, adotam-se soluções prontas baseadas em conhecimentos e habilidades disponíveis que
atendem aos interesses de um grupo. Por isso, podem ser
criadas situações para justificar essas decisões.
Dessa forma, nas organizações coexistem as soluções
prontas com novos problemas e as soluções de todos os
tipos que surgem ao longo do tempo. Uma das características dessa dinâmica é o fato de os problemas e as soluções estarem parcialmente conectados. Essa conexão
só acontece por meio de coalizões, que ocorrem de forma
aleatória ou acidental, o que transforma as organizações
em anarquias organizadas.
Você deve estar pensando: “Conheço uma empresa assim!”. Mas essa dinâmica funcional foi descrita em 1972,
no artigo A garbage can model of organizational choice (O
modelo lata de lixo da escolha organizacional), por Michael
D. Cohen, James G. March e Johan P. Olsen. Com certeza,
isso não seria novidade se houvesse a busca pela melhoria da qualidade das decisões. Considero pesado o termo
“garbage can”, mas a análise por ele apresentada espelha
o que tenho vivenciado em empresas brasileiras ou multinacionais de vários setores econômicos.
Para definir um rumo na melhoria da qualidade dos
processos decisórios para as escolhas estratégicas mais
racionais, é importante observar que eles podem ser
estruturados com metodologias robustas de apoio à decisão. A prática oferece resultados rápidos tanto para os
gestores quanto para os seus colaboradores.
De acordo com os estudiosos Dean e Sharfman, o
procedimento racional influencia positivamente a decisão estratégica eficaz: “Os executivos que aplicaram
técnicas analíticas tomaram melhores decisões frente
àqueles que não utilizaram o método”. O procedimento
racional também é recomendado pela pesquisadora
Kathleen em ambientes onde novas tecnologias são
introduzidas com rapidez.
Já o comportamento político influencia negativamente
a decisão estratégica eficaz, sendo que os atores atrelados
ao poder e agendas ocultas foram menos eficazes do que
os não atrelados. Na abordagem de Paul Nutt – autor de
Why decisions fail (Por que as decisões fracassam, Editora
Berrett-Koehler Publishers, 2002), o comportamento político é reconhecido como um aspecto a ser observado no
processo decisório das organizações, pois os executivos
têm interesses pessoais, profissionais, hierárquicos e
funcionais e, como consequência, procuram influenciar
os resultados das decisões pela prática de políticas.
As metodologias de apoio à decisão levam à conversação estruturada, transparência nas argumentações e
Resolver errado o problema
certo é bem melhor que resolver
certo o problema errado
busca dos questionamentos corretos.
Diante de decisões estratégicas, é saudável definir
quais são as questões que precisam de respostas. Fazer
as perguntas certas já é um bom começo para estruturar
uma decisão estratégica. Resolver errado o problema
certo é bem melhor que resolver certo o problema errado.
A complexidade não está na decisão em si, mas nas consequências das possíveis decisões.
Para que as metodologias de apoio à decisão tenham sucesso, é necessário definir o fluxo do processo funcional
que irá suportá-la, além de manter a disciplina. Embora
essas metodologias tragam bons resultados, é importante
destacar que um ambiente de confiança permite maior
velocidade nas decisões.
A desconfiança gera insegurança, que gera a queda da
velocidade e o aumento dos custos. Esse é o conceito do
“dividendo da confiança”, apresentado por Stephen R. Covey, em 2009, no livro The speed of trust: the one thing that
changes everything (A velocidade da confiança: elemento que
faz toda a diferença, Editora Campus, 2009). Um conceito
semelhante é apresentado pela antropologista Karen
Stephenson, que criou a Quantum theory of trust (Teoria
quântica da confiança. Site: www.netform.com). Ela propõe
tornar visível em uma organização a conexão entre o nível
de confiança das pessoas e a habilidade de conjuntamente
gerarem conhecimento tácito.
A confiança é um fator econômico, não apenas uma
virtude intangível e social. Tem de ser cultivada; ela é
competência-chave para os líderes nestes tempos de incertezas. As inovações requeridas na implementação das
novas escolhas estratégicas fluem em ambientes onde há
confiança. As escolhas estratégicas corretas, no tempo
certo, dependem de respostas assertivas e ágeis, que
acontecem, facilmente, em um ambiente de confiança.
Roberto Camanho
Professor da ESPM/SP nos cursos de pós-graduação
em Jornalismo e Administração de Empresas.
Atua na estruturação e condução de decisões estratégicas
para governos e empresas no Brasil e no exterior
setembro/outubro de 2012 | Revista da ESPM
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gestão empresarial
A matemática
das decisões
Saiba como o plano estratégico, a inovação,
a cultura empresarial e os profissionais são
tratados nas melhores e maiores empresas do Brasil
Por Anna Gabriela Araujo
U
54
Revista da ESPM | setembro/outubro de 2012
“A melhor
maneira de
predizer o
futuro
é criá-lo.”
shutterstock
m dos mais respeitados pensadores da gestão, na atualidade, Jim Collins costuma afirmar em suas palestras que a
queda de grandes empresas, muitas vezes, está relacionada
à continuidade de um único modelo de gestão. Isso ocorre
porque muitas companhias, quando atingem o sucesso, costumam
manter o mesmo formato que trouxe bons resultados no passado. Com
isso, acabam se acomodando e deixam de inovar. “É preciso manter a
empolgação, a autoestima, a criatividade e a intensidade, mesmo quando tiver sucesso. Se as pessoas perdem isso, existe a possibilidade de
declínio”, afirma o autor dos livros Empresas feitas para vencer (Editora
Campus, 2001) e Como as gigantes caem – e por que algumas empresas
jamais desistem (Editora Campus, 2010).
Considerado por muitos como o sucessor de Peter Drucker, Collins
afirma que “o sucesso de uma organização nada mais é do que sua
capacidade de fracassar e se levantar mais uma vez, infinitamente”.
Em um mundo cada vez mais competitivo e repleto de oportunidades
reais e armadilhas virtuais, que transformam a realidade do mercado
do dia para a noite, como assumir riscos e manter um posicionamento
inovador constante no mercado?
Para Peter Drucker, o caminho está no planejamento estratégico e no
gerenciamento dos processos, que permitem “substituir músculos por pensamentos, folclore e superstição por conhecimento e força por cooperação.”
No livro Como as gigantes caem, o discípulo de Drucker detalha esse
caminho, que tem como base o fato de o declínio das organizações
ser gerado pelas próprias empresas. “Algumas companhias caem ou
sobem e isso não é questão das circunstâncias; é questão de escolha
consciente e disciplina”, afirma o autor, citando os cinco estágios do
declínio de um negócio. “O primeiro estágio tem origem no excesso
de confiança proveniente do sucesso, que leva ao segundo degrau” –
Peter Drucker
setembro/outubro de 2012 | Revista da ESPM
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gestão empresarial
à busca indisciplinada por mais (escala, crescimento,
“aplausos”...). “No terceiro estágio ocorre a negação dos
riscos e perigos, que leva à luta desesperada pela salvação” e, no quinto e último estágio, ocorre a entrega do
negócio à irrelevância ou à morte.
Na tentativa de evitar que as empresas desçam ladeira
abaixo rumo ao quinto estágio de Collins, a Revista da
ESPM entrevistou executivos e dirigentes de grandes
companhias no país, para mostrar o que Hering, Petrobras, O Boticário e tantos outros negócios bem-sucedidos
têm em comum no quesito gestão.
A seguir, você confere qual é a importância do plano
estratégico e como a inovação, a cultura empresarial e os
profissionais são tratados nas melhores e maiores empresas do Brasil. Esta reportagem contou com a consultoria
do professor Roberto Camanho, especialista em estruturar e conduzir decisões estratégicas para governos e
empresas, que selecionou alguns de seus maiores cases
para retratarmos nas páginas a seguir.
Vestida para crescer
Mesmo sendo uma empresa familiar, a Hering chega aos
132 anos como exemplo de gestão bem-sucedida. Por meio
de um planejamento estratégico estruturado, a companhia centenária conseguiu se reinventar, superando a
ameaça da invasão chinesa na área têxtil. “A gestão foi
nosso diferencial, pois nos deu uma capacidade grande
de mudança e rápida adaptação ao mercado”, comenta
Fabio Hering, presidente da Hering, que em 2010 foi
considerada a Empresa do Ano, no ranking Melhores e
Maiores da revista Exame.
A complexidade do modelo de sua gestão está atrelada
à área de atuação da companhia, que marca presença
nas três etapas da indústria, desde a produção própria e
terceirizada da roupa até a comercialização de marcas
próprias no varejo, passando pela segunda etapa que é o
investimento em branding. “Desenvolvemos um modelo de
gestão em rede que nos permite ter agilidade, flexibilidade
e capacidade de mudança, conceitos que estão impregnados na organização. Hoje, todos os nossos profissionais
estão comprometidos com esse lema.” Assim, a marca da
famosa camiseta branca ganhou cor, valor, estilo e design.
De acordo com Fábio, essa reinvenção do básico começou
em 1998, quando a primeira Hering Store foi inaugurada.
Em 2002, a Hering deixou de apostar em cinco de suas nove
marcas, abandonando etiquetas como Omino e Mafisa.
56
Revista da ESPM | setembro/outubro de 2012
“Boa gestão é aquela que
enxerga a decisão equivocada e
consegue rapidamente gerar uma
mudança no posicionamento”
Fabio Hering, presidente da Hering
Quatro anos depois, a companhia começou a investir
em uma campanha publicitária para associar a marca
com as celebridades da moda, como a atriz Grazi Massafera, e o slogan Eu uso Hering.
Em 2007 a empresa ingressou no Novo Mercado da
Bovespa e levantou R$ 230 milhões. “Plantamos sementes em terra fértil e começamos a tocar nosso plano de
expansão, com a abertura de lojas e novos negócios, que
nos permitiu crescer na faixa de 33% ao ano até 2011”,
assegura o presidente.
A experiência adquirida nesse período levou a equipe
de Fabio a concluir que a empresa tinha um grande ativo
nas mãos: a presença da marca nos canais de distribuição. “Tomamos a decisão de não abandonar a indústria,
nem transformar o negócio em varejo puro. Criamos
um modelo híbrido, baseado em uma grande rede e acabamos encontrando um ponto de equilíbrio”, comenta o
executivo, ressaltando que quando você tem velocidade
para fazer mudanças, a decisão errada pode ser revertida,
rapidamente, evitando assim maiores danos.
Em seus estudos, Paul Nutt, autor de Why decisions fail
(Editora Berrett-Koehler, 2002), observou que 63,4% das
decisões de executivos são tomadas a partir da fuga do
problema. Logo, metade dessas escolhas empresariais acaba
fracassando. Para evitar esse problema, Fabio sempre revisa
as decisões tomadas. “Boa gestão é aquela que enxerga a decisão equivocada e consegue gerar uma mudança rápida no
posicionamento”, ensina o presidente de uma das maiores
indústrias têxteis do Brasil, com 9 mil colaboradores diretos
e outros 10 mil profissionais indiretos.
Em uma dessas revisões, ele descobriu que estava
seguindo por um caminho errado. “Nosso projeto de varejo nasceu completamente focado na abertura de lojas
próprias. Com o tempo ficou claro que seria mais lucrativo
investir em um modelo de franquia, capaz de gerar menos
custo e mais valor para a marca. A decisão inicial foi revista
e a estratégia de implantação foi toda alterada.”
Hoje, dos 429 pontos de venda da Hering, apenas
Nova campanha publicitária da Hering traz a atriz Grazi Massafera usando as roupas da marca
10% são próprios. De acordo com Fábio, outras 75 lojas
franqueadas serão abertas ainda este ano. “O Brasil
apresenta um potencial para mais de 600 lojas Hering
Store, principalmente nas cidades localizadas no interior dos Estados.”
O aroma da inovação
Lançada em março de 2011, a Eudora – nova marca do
grupo O Boticário – nasceu para disputar mercado com
duas consagradas companhias no segmento de venda
direta, a Natura e a Avon. Enquanto uma pesquisa
realizada entre quatro mil mulheres definia o perfil
da marca, o consultor Roberto Camanho apontava
os caminhos que o planejamento estratégico da nova
operação deveria seguir. “Esse trabalho selecionou os
projetos estratégicos para a operação da empresa envolvendo a decisão dos principais gestores”, detalha o es-
pecialista em gestão, que também é professor da ESPM.
Ivon Neves, diretor de canais e trade da Eudora conta
que, como em qualquer startup, a nova empresa precisa
constantemente rever suas prioridades e estratégias para
realçar os acertos e corrigir os erros. “Nosso principal
desafio é estabelecer uma fórmula rápida e confiável de
direcionar os esforços da empresa de forma coerente
com as estratégias, que estão em constante movimento.”
Assim, em 2011, a equipe de Neves sentiu a necessidade
de integrar as novas ideias aos pilares estratégicos definidos no planejamento inicial. “Para isso, utilizamos o
AHP (Analytic Hierarchy Process, método que auxilia na
tomada de decisões complexas), para priorizar todo o
plano tático de canais e trade da Eudora.” Após a priorização do portfólio de projetos, no início de 2012, surgiu
a necessidade de um modelo de governança simples e
eficiente, capaz de gerir e executar a carteira de projetos.
setembro/outubro de 2012 | Revista da ESPM
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gestão empresarial
O fluxo do ouro negro
Na década de 1980 a Petrobras criou o Programa de
Inovação Tecnológica e Desenvolvimento Avançado
em Águas Profundas e Ultraprofundas (Procap), área
na qual a produção de tecnologia é algo vital para o
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Revista da ESPM | setembro/outubro de 2012
Estratégia de
lançamento da Eudora,
marca do grupo
O Boticário criada para
disputar o mercado
de venda direta com
Natura e Avon
divulgação
A montagem desse processo de arquitetura proporcionou, inicialmente, um alinhamento das estratégias
com todos os níveis de liderança presentes, além de um
entendimento dos pilares e necessidades da empresa.
“Isto foi feito de forma prática e com a ‘mão na massa’,
por meio de reuniões que instigam todos a opinar e
confrontar suas ideias. Com o modelo de governança,
conseguimos rapidez e coerência na execução dos projetos, a modernização dos serviços e a diferenciação no
mercado pela inovação”, revela Neves.
Hoje, uma segunda fase do projeto está em andamento,
com o objetivo de mudar a cultura da empresa. “Normalmente, os colaboradores de trade marketing e marketing
são contrários a metodologias e padrões, pois seus projetos são executados de forma rápida e leve”, explica o
executivo. “Assim, em vez de impor o método, fazemos
com que as pessoas enxerguem o benefício dessa iniciativa ao incluir seus projetos dentro do processo.”
Como resultado, a Eudora conseguiu montar um
time dedicado a atuar no processo de arquitetura, que
responde pela inovação na área de serviços da empresa.
“Funciona como um moedor de carne de novas ideias,
sendo que o filtro são os objetivos estratégicos e a priorização se dá pela otimização do portfólio em comparação
com os pilares estratégicos”, compara Neves.
Sobre a mudança de comportamento, ele diz que a
estratégia usada foi a de aprender fazendo. “Pensamos
na teoria e procuramos colocá-la em prática e, de acordo
com a adaptação da cultura da empresa, vamos ajustando, cortando e adicionando detalhes, que fazem toda a
diferença”, salienta o diretor de canais e trade da nova
empresa do grupo O Boticário, que administra a maior
rede de franquia de cosméticos do mundo, com três mil
franqueados. “O principal diferencial da Eudora são
os colaboradores que em menos de um ano de projeto,
desenvolveram uma empresa multicanal, com mais de
200 produtos em seu portfólio, devido a sua capacidade
de inovação, criatividade e motivação empreendedora.”
Tudo isso com o objetivo de ser a terceira maior empresa
de venda direta de cosméticos até 2016.
andamento do negócio. Para organizar o processo
de seleção e priorização de novos projetos, em 2007,
Marcus Vinicius Schornbaum Coelho, que na época
trabalhava na coordenação do Procap, implantou uma
nova metodologia para gestão e fluxo de processos
da companhia, em parceria com o consultor Roberto
Camanho. “Nove carteiras distintas de projetos de
pesquisas estratégicas da área do abastecimento da
Petrobras (Pesquisas & Desenvolvimento – P&D) foram
analisadas, o que envolveu 600 projetos e mais de 100
avaliadores”, afirma o professor da ESPM.
O modelo organizacional criou áreas de gestão
tecnológica nos segmentos de negócios, que atuam
como contato (single-point contact) do setor com a área
de P&D, em ambos os sentidos da comunicação: apresentação de demandas e disseminação de soluções.
Em outra frente, a área de P&D espelha a estrutura
de gestão tecnológica à qual está ligada. Isso facilita
e agiliza a comunicação e integra clientes e fornece-
dores de tecnologia em torno de objetivos comuns e
alinhados com a estratégia da empresa. “Por facilitar
e prover um maior embasamento metodológico à formação das carteiras de P&D, o projeto contribuiu para
o fortalecimento da imagem da Petrobras como uma
empresa de base tecnológica no Brasil e no exterior.
Além disso, ficou mais fácil demonstrar os motivos de
uma determinada decisão.”
Hoje, Coelho é administrador sênior da Transpetro e
não trabalha mais no Centro de Pesquisas da Petrobras.
Porém, as lições de planejamento estratégico aprendidas
na época do Procap ele ainda utiliza no seu dia a dia. “Esse
projeto contribuiu consideravelmente para o meu desenvolvimento profissional e pessoal.”
Ele ressalta que o processo de tomada de decisão acontece a cada minuto na vida de todos e, muitas vezes, essas
escolhas são feitas de maneira intuitiva. Por isso, Coelho
procura aplicar essa metodologia, que está baseada em um
modelo matemático simples, em quase tudo o que faz, vi-
“Como em qualquer outra startup,
a nova empresa precisa rever suas
prioridades e estratégias para
realçar acertos e corrigir os erros”
Ivon Neves, diretor da Eudora
sando obter resultados mais efetivos. Recentemente, usou
o conceito que aprendeu com o professor Camanho para
avaliar as opções e escolher o modelo de seu novo carro.
“Troquei um Honda Civic por um Elantra, da Hyundai, que
veio com um pacote de eletrônica embarcada muito mais
vantajoso do que o veículo da concorrência.”
Eis a questão...
Que o planejamento é essencial, todos concordam. Mas
até que ponto é possível mudar um plano estratégico sem
comprometer o que ele tem de melhor? Para Tarcísio Al-
setembro/outubro de 2012 | Revista da ESPM
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gestão empresarial
Petrobras comemora 59 anos investindo em modelos de gestão inovadores e uma nova campanha publicitária
para divulgar os investimentos da companhia em toda a cadeia de petróleo e gás no Brasil
buquerque Queiroz, superintendente de planejamento
e gestão estratégica da Companhia Energética de Minas
Gerais (Cemig), independentemente de quão perfeito é o
plano, a realidade é sempre mais importante. “Se o plano
não se enquadra mais ao momento atual da empresa,
muda-se o plano, mesmo que ele seja novo. A gestão da
estratégia, que vai além do planejamento, é um processo
contínuo, retroalimentado e de aprendizado.”
Como exemplo, Queiroz cita a mudança regulatória
recente, que afeta todo o setor elétrico do país. “As novas
regras regulatórias trazem, potencialmente, enormes
desafios e riscos, não só para a Cemig, mas para todo
o segmento. Eficiência operacional, disciplina de investimentos e melhoria de atendimento aos clientes
são nossas prioridades”, detalha o executivo da Cemig,
companhia que também figura na carteira de clientes do
professor da ESPM. “O processo implementado por Camanho no final de 2007 promoveu uma grande melhoria
60
Revista da ESPM | setembro/outubro de 2012
na velocidade e na qualidade das decisões da Cemig, o
que foi reconhecido por todos os executivos, na época.
O que antes poderia tomar dias e dias de reuniões pouco
produtivas passou a ser decidido com muita qualidade,
discussões profundas e objetivas em poucas horas”,
assegura Queiroz.
O papa da administração moderna costumava dizer
que “as únicas coisas que evoluem por vontade própria
em uma organização são a desordem, o atrito e o mau
desempenho.” Logo, toda empresa precisa planejar para
inovar, visando atingir a liderança, dentro de um determinado ambiente. “Caso contrário, esse tipo de estratégia
empresarial simplesmente irá criar uma oportunidade
para a concorrência”, ensina Drucker. “Mas não tente
inovar pensando no futuro. Inove pensando no presente,
por que se não houver aplicação imediata da sua ideia
agora, ela nada mais será do que os desenhos no caderno
de anotações de Leonardo da Vinci – uma ideia brilhante.”
entrevista | roberto lima
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Revista da ESPM | setembro/outubro de 2012
O lado humano
da estratégia
A
paixonado por conectar pessoas. De forma geral, um cara
que gosta de gente.” Usando menos de 140 caracteres, Roberto Lima encontrou as palavras certas para definir seu
estilo de gestão.
Considerado um dos maiores líderes empresariais dos últimos tempos,
o executivo chega aos 37 anos de carreira com a sensação de missão cumprida. Depois de passar cinco anos no comando da maior operadora de
telefonia móvel do Brasil, Lima deixou a presidência da Vivo em 2010 para
investir no seu próprio negócio, a Grau Gestão de Ativos. “Sei que tive uma
carreira bem-sucedida porque fui muito feliz e também fiz pessoas felizes
por onde passei. Esse é o meu maior ativo”, avalia o executivo, que atualmente também participa de sete conselhos de administração em grandes
empresas, como Telefônica, Natura, Rodobens e Pão de Açúcar.
Roberto Lima também foi presidente da Credicard, entre 1999 e 2005. Antes
disso, o executivo atuou por 17 anos no grupo Accor, no cargo de vice-presidente executivo da organização.
Nesta entrevista, ele mostra como um planejamento estratégico voltado
para a valorização das pessoas, inovação e qualidade é capaz de reverter
resultados negativos, melhorar a imagem e contribuir para o crescimento
das empresas.
Entrevistado por Francisco Gracioso e Célia Marcondes Ferraz
Fotos Wilian Tadeu Ambrozio
setembro/outubro de 2012 | Revista da ESPM
63
entrevista | roberto lima
Gracioso – O tema desta edição da
Revista da ESPM é a dicotomia entre
o ideal e o possível dentro de um plano
estratégico. A ideia é abordar a necessidade de formular e implantar este plano
considerando interesses do acionista,
cultura organizacional, análise do mercado e do momento presente e o próprio
estilo de gestão do principal executivo.
Tudo isso, de certa forma, precisa funcionar em sincronia, no momento em
que esse plano é posto em ação. E aí
começam as dificuldades. Uma delas
é o fator humano, a necessidade de
lidar com as pessoas. Outro desafio é a
economia de um mundo cada vez mais
imprevisível, com mudanças radicais e
inesperadas. Tudo isso gera alterações
mensais no plano anual. Esse é o primeiro tema a ser abordado.
Roberto – A questão do processo de
planejamento estratégico deve sempre começar com duas perguntas:
por que fazer um plano estratégico e
qual a necessidade de termos isso?
Antes de discutir sobre o lado estratégico, a empresa precisa avaliar a
sua própria existência para saber o
que ela quer ser e fazer. Analisando a
origem das empresas, muitas vezes
concluímos que elas são resultado da
decisão de um empreendedor, que,
com conhecimento, predileção e vontade resolve estabelecer um negócio.
Ele contrata um advogado, faz um
contrato social e procura definir os
motivos pelos quais a empresa existe.
Com isso, ele escreve o objeto social
da organização, o seu DNA. Esse é o
momento mágico em que a empresa
diz: “Eu vou existir para fazer isso”.
Esse posicionamento é claro para o
empreendedor e para as pessoas que
o acompanham na organização. Mas
se perde com o passar do tempo. Por
64
Revista da ESPM | setembro/outubro de 2012
isso é difícil fazer uma empresa passar da segunda ou terceira geração.
Todo plano é feito para que a empresa
se perenize fazendo aquilo que foi
proposto. Mas para continuar atendendo às necessidades da sociedade,
as empresas evoluem e até se transformam, como a Nokia, que começou
fabricando botas de borracha e hoje
fabrica celular. Nos vários momentos
da sua trajetória, ela foi ajustando
sua vontade de continuar prestando
serviços naquilo que era necessário.
Esse posicionamento é definido no
planejamento estratégico, que deve
resgatar o que a empresa se propõe
na sua essência. Muitas empresas
chegam a uma época da vida na qual
chamam um consultor para definir
visão, missão e valores, numa tentativa de reconquistar o que foi definido
pelo empreendedor, lá atrás.
Gracioso – O que é preciso ser feito
para o plano estratégico dar certo?
Roberto – Esse posicionamento precisa estar claro para todos os stakeholders. Se isso está claro e a empresa
é capaz de ter ao seu lado todos os
seus stakeholders, fica mais fácil realizar o que é proposto. As pessoas
– clientes, colaboradores, acionistas,
investidores institucionais ou não,
fornecedores, governo, imprensa, comunidade e competidores – são muito
importantes nesse processo. Mas
resultados não devem ser medidos
somente do ponto de vista financeiro.
O planejamento estratégico muitas
vezes é confundido com o orçamento
de três ou cinco anos. Não é viável
ficar projetando resultado para os
próximos cinco anos. O plano estratégico deve ser feito para dizer o que
vou fazer nos próximos cinco anos
levando em consideração a expectativa dos acionistas e da comunidade,
mas não quanto vou faturar no futuro.
A primeira reflexão a ser feita é como
vai ser minha relação com a comunidade. Aí, a comunidade se materializa
na forma de cliente. A partir dessa
relação com os clientes é que você
deverá escolher que tipo de colaborador terá. Se a ideia é criar um produto
industrial que é comprado por outra
empresa, na qual a qualidade do produto é muito relevante, você precisará
de um certo tipo de profissional. Se
a qualidade dos serviços prestados
for mais importante, vai precisar de
pessoas que tenham o DNA de servir.
A questão da nobreza do objetivo
da empresa muitas vezes é a grande
fonte de motivação para os colaboradores, que acabam se dedicando mais
e aderindo ao plano, já que sabem por
quê estão fazendo aquilo.
Célia – Mas existem aí interesses conflitantes. Você tem, por exemplo, o cliente
que pede um serviço excepcional, mas
quer pagar pouco, o colaborador que
está disposto a fazer um serviço benfeito, mas não aceita eventualmente sua
“A questão da nobreza do objetivo da empresa
muitas vezes é a grande fonte de motivação
para os colaboradores, que acabam se
dedicando mais e aderindo ao plano,
já que sabem por quê estão fazendo aquilo”
“Você pode estabelecer
a estratégia que
quiser, desde que
consiga a adesão dos
seus colaboradores,
principalmente o pessoal
do backstage, como
a área de call center”
Campanha ”Brasil conectado”, lançada pela Vivo em maio de 2010 com o objetivo
de conectar os brasileiros por meio dos serviços da companhia
resolve isso? Você precisa criar uma
causa e entregar aos clientes aquilo
que nos comprometemos a fazer. No
caso da operadora de telefonia móvel,
a qualidade na prestação de serviços
passou a ser a causa principal do nosso trabalho. Para isso, tínhamos que
ser os melhores em cobertura de rede,
faturamento e recarga e call center,
que são os três principais pontos de
contato do cliente com a prestação de
serviços. Internamente, todos os gerentes e colaboradores gostariam de
trabalhar numa empresa que entrega
aquilo que promete, uma empresa
que não é a campeã de reclamações
no Procon. Pode parecer teórico, mas,
ao focar nossa atuação em três pilares-rede, faturamento e recarga e call
center –, conseguimos dar orientação
a 40 mil colaboradores para aumentar
a qualidade dos serviços prestados.
Célia – Você definiu três prioridades.
chefia imediata. Com base na sua experiência de CEO de grandes empresas,
como conciliar todos esses pontos?
Roberto – Tudo que relatei aqui resulta dos meus 37 anos de carreira
como executivo. Sempre fui muito
feliz, principalmente nos últimos
seis anos, quando consegui fazer as
coisas acontecerem. Isso parece algo
teórico, mas responde à sua pergunta.
Tanto na Vivo quanto na Credicard,
contei com as pessoas para transformar a realidade desses dois grandes
grupos empresarias. Quando cheguei
a essas empresas, encontrei pessoas
angustiadas e forçadas a melhorar
os resultados financeiros. Como se
Roberto – Sim. Mas você pode estabelecer a estratégia que quiser, desde que
consiga a adesão dos seus colaboradores, principalmente o pessoal do backstage, como a área de call center. Com
uma comunicação clara, é possível
fazer com que todos se comprometam
com a causa e ainda eliminar discussões e disputas internas, porque as
setembro/outubro de 2012 | Revista da ESPM
65
entrevista | roberto lima
pessoas trabalham na organização
para atingir um objetivo maior: fazer
a empresa crescer, para que todos
cresçam com ela. A fórmula é manter a satisfação dos colaboradores e
clientes para cima e as despesas para
baixo. Quando você faz as coisas com
qualidade, os custos começam a cair.
“A fórmula é manter a satisfação dos
colaboradores e clientes para cima e as despesas
para baixo. Quando você faz as coisas
com qualidade, os custos começam a cair”
Gracioso – As empresas que você já
dirigiu eram abertas à inovação? Era
possível estimular novas ideias entre as
equipes?
Roberto – No caso da Credicard, o
primeiro grupo que presidi, tínhamos um bom nível de inovação de
produtos e serviços, mas uma limitação na capacidade de inovar em função da regulamentação do setor financeiro, que é grande. Também era
preciso trabalhar dentro das regras
dos próprios acionistas – Unibanco,
Itaú e Citibank. Então, não investíamos em nada que pudesse ultrapassar a operação de cartão de crédito.
Mas, dentro da operação, passamos
a oferecer crédito através do cartão
para aquelas pessoas que só conseguiam crédito na Casas Bahia.
Passamos a atender ao público com
renda mensal de R$ 300 a R$ 500
e nunca tivemos uma carteira com
índice de inadimplência tão baixa
quanto essa. Chegamos a vender 800
mil cartões para esse segmento. Essa
foi uma inovação trazida pelos funcionários. Isso porque as portas da
empresa estavam abertas para que
as pessoas pudessem trazer as suas
ideias. Vou contar o fim da história
sobre o que significa envolver pessoas num processo de inovação, juntar
um pouco as histórias da Credicard
e da Vivo, para mostrar como esse
estilo de gestão tem coerência. No
66
Revista da ESPM | setembro/outubro de 2012
Em 2003, quando Roberto Lima estava na presidência da Credicard, a empresa lançou
a campanha ”O melhor da vida”, com o objetivo de rejuvenecer a marca
final de 2008, a crença era de que as
pessoas passariam a ser mais restritivas por conta da crise mundial. Era
preciso levar a questão da qualidade
ao extremo e ser extremamente inovadores para manter os clientes da
Vivo satisfeitos. Já tínhamos feito a
cobertura em todo o Brasil, lançado
a operação no Nordeste, comprado a
Telemig e precisávamos de projetos
novos para manter a empresa em
movimento. Tínhamos 340 lojas no
Brasil com 5.300 atendentes terceirizados. Resolvi contratar todos esses
profissionais, que estabelecem o
primeiro contato com o nosso cliente, e acabar com a terceirização. O
processo começou em fevereiro de
2009 e se estendeu de São Paulo até
o Rio Grande do Sul. Em setembro
do mesmo ano, começamos a subir
para o Nordeste. Em oito meses, o
custo de loja caiu 12%, a satisfação
do cliente subiu de 6% para 8,5% e a
satisfação dos colaboradores passou
de 7% para 9%. Tivemos casos como
o de uma funcionária de São Luís,
Maranhão, que 15 minutos antes de
a loja fechar atendeu a um senhor
asiático que não falava o português.
Para conseguir se comunicar, ela
chamou o cliente para o fundo da
loja, abriu seu laptop e entrou no tradutor do Google. Ele escrevia o que
queria em japonês e ela traduzia para
o português. Ele saiu da loja com um
modem 3G e no dia seguinte voltou
para comprar um celular para ele e
outro para a esposa. Isso é inovação?
Gracioso – Isso é mais do que inovação. Certa vez, entrevistei o comandante Rolim Amaro. Ele contou que, num
fim de semana em que estava fora do
país, um cliente paranaense ligou para
a Central de Atendimento da TAM,
em São Paulo, pedindo uma hélice que
deveria ser entregue no Paraná ainda
naquela manhã de sábado. Era um
cliente importante. A telefonista de
plantão não hesitou em contratar um
táxi aéreo para levar a hélice ao cliente.
Quando Rolim soube do caso, chamou
a moça, que estava esperando ser demitida, e perguntou: “Por que você gerou
essa despesa tão alta para a empresa,
apenas para atender ao cliente? ”.
Ela respondeu: “Comandante, porque
achei que era isso que o senhor faria”.
Algo semelhante aconteceu em São
Luís, Maranhão. A moça deve ter pensado no que os seus superiores fariam.
“Os profissionais
podem realizar mais
do que se espera
deles se sentirem que
têm a confiança da
organização para tal”
Roberto – O importante nessa sua
afirmação é que, provavelmente,
os superiores dela não teriam essa
ideia. Ninguém num laboratório de
pesquisa e desenvolvimento de inovação teria essa ideia, porque estão
preocupados com coisas muito mais
elaboradas do que simplesmente
entrar no Google Tradutor para entender o que a pessoa quer. Agora,
quando você tem 5.300 pessoas em
contato com o cliente, as ideias se
multiplicam numa velocidade brutal e a empresa passa a ser sinônimo de inovação. Temos dezenas de
exemplos assim. Um funcionário foi
passar férias no Norte e aproveitou
para conhecer o canteiro de obras da
Usina Hidrelétrica de Jirau, em Ron-
dônia. Lá, verificou que seu celular
não pegava porque não tinha sinal.
Quando retornou para a empresa, comunicou que precisava colocar uma
antena no local. Ouviu dos técnicos
que, enquanto o projeto não estivesse andando, isso não seria possível
devido à falta de fornecimento de
energia elétrica na região, além da
necessária autorização do Ministério do Meio Ambiente para a instalação da antena. Ele transformou
aquilo num objetivo pessoal, buscou
alternativas para os problemas levantados e conseguiu colocar a antena de transmissão no local. Quando
começaram a contratar os funcionários para o Projeto Jirau, a primeira pergunta que os trabalhadores
faziam era se havia telefonia na
região, porque eles iriam ficar três,
quatro meses longe de casa. Essa
foi uma das antenas mais rentáveis
que a Vivo já teve. Quando tivemos
as catástrofes de Teresópolis e Nova
Friburgo, no Rio de Janeiro, o que
as pessoas mais queriam usar era o
celular para tentar encontrar os parentes desaparecidos. Acontece que
a usina de Nova Friburgo tinha sido
destruída e nossas antenas estavam
perdendo carga. O gerente da loja da
Vivo começou uma campanha para
manter essas antenas funcionando.
A população chegou a fazer mutirões
de motocicleta para comprar gasolina no posto e levar para abastecer os
geradores adaptados no local. Como
muita gente ia buscar informações
sobre a tragédia na loja, o gerente
contratou psicólogas e assistentes
sociais para prestar um serviço de
amparo psicológico às pessoas que
perderam seus parentes. Ele fez o
que a comunidade esperava de nós
naquele momento. Agora, pergunte
setembro/outubro de 2012 | Revista da ESPM
67
entrevista | roberto lima
a ele se alguma vez ligou para o seu
superior, no Rio de Janeiro, para pedir autorização. Não, ele foi fazendo.
Célia – Como se contratam pessoas
assim?
Roberto – Elas são assim. As empresas é que as tolhem.
Gracioso – É uma cultura que não é
escrita, mas de alguma forma chega até
as pessoas...
Roberto – É a cultura da confiança
das pessoas. Os profissionais podem
realizar mais do que se espera deles
se sentirem que têm a confiança da
organização para tal. Tem sempre alguém que vai exagerar e tirar proveito
da situação. E nós temos de ter um
sistema para evitar que isso aconteça
e, se acontecer, aplicar uma punição
exemplar para evitar a repetição da
falta. Caso contrário, você começa
a criar controles e inibir que as boas
ações sejam feitas.
Gracioso – Henry Mintzberg, um dos
gurus do planejamento estratégico de
hoje, ficou famoso com o livro Ascensão
e queda do planejamento estratégico,
em que deixa claro a sua filosofia de que
o plano é importante. Mas você prefere
trabalhar com a ajuda de um plano no
longo prazo com objetivos estratégicos
definidos de antemão ou aproveitar as
oportunidades que o momento oferece?
Roberto – As duas coisas são extremamente importantes. Mas é preciso ter cuidado na hora de formular
e expressar esse plano. Se fizermos
um plano para ampliar 10% ou 15%
da receita todo ano e 30% de crescimento na margem, posso fazer
68
Revista da ESPM | setembro/outubro de 2012
todo o possível para que a empresa
se encaixe nesses parâmetros. Isso
será a minha regra, mas não gosto de
fazer planos numéricos codificados.
Prefiro colocar no plano que o objetivo, segundo os critérios de crescimento, rentabilidade e satisfação,
será transformar a empresa em uma
das três melhores do mundo. Passei
por quatro mudanças tecnológicas
na Vivo e todas elas conviveram com
nosso plano estratégico. As coisas
mudam com uma velocidade muito
grande. Veja o tablet, por exemplo.
Era algo que há dois anos não existia.
Nesse ano serão vendidos dois milhões de tablets no Brasil. Quem não
estiver criando aplicativos para esse
equipamento estará fora do mercado
em pouco tempo. Por isso é importante definir uma visão de negócios.
Gracioso – Os brasileiros são mais propensos a aceitar diretrizes de longo prazo
do que os europeus ou os americanos?
Roberto – O brasileiro tem uma característica de adaptabilidade que é
muito forte, porque viveu em cenários
totalmente inseguros no período da
hiperinflação, quando ninguém sabia
dizer qual o valor real do seu salário
ou se daria para pagar as contas. O
brasileiro é extremamente criativo,
inovador e consegue entender a profundidade das coisas sem precisar que
o plano seja muito detalhado. É preciso
“Na Vivo, a visão do
ambiente é a de que
todos fazem parte de
uma sociedade em rede
e o indivíduo pode mais
e vive melhor se estiver
conectado”
ter um plano, mas ele não deve ser
uma amarra para a organização, seja
ela qual for, pode ser uma empresa ou
uma organização social. Na Vivo, a
visão do ambiente é a de que todos fazem parte de uma sociedade em rede e
o indivíduo pode mais e vive melhor se
estiver conectado. Nossa missão passou a ser conectar pessoas. Então, eu
não instalava uma antena para gerar
receita, mas para fazer com que as pessoas pudessem se comunicar de forma
mais segura. Utilizamos o celular para
transformar a vida das pessoas, deixando ela mais divertida, inteligente e
segura. Com a implantação desse conceito, começamos a vender serviços de
maior valor agregado, como cursos de
inglês e espanhol, e nossas receitas de
não voz, que eram de 8% sobre o total
do faturamento, passaram para 27%.
Célia – Qual foi a importância da sua
formação para a sua vida de CEO?
Roberto – Foi relevante, principalmente porque fiz duas escolhas na
vida que foram contra a corrente.
Quando estava no terceiro ano do
ensino médio (antigo colegial), todos os meus amigos foram aprender
inglês. Como eu conhecia um pouco
esse idioma, resolvi estudar francês.
Depois, todos foram estudar nos Estados Unidos e eu fui fazer mestrado na
França. Convivi com pessoas do mundo inteiro, o que aumentou minha cultura geral e me abriu possibilidades
enormes. Antes disso, quando entrei
para a Fundação Getulio Vargas, optei
por fazer faculdade de administração
pública, por conta de matérias como
sociologia e ciência política. Essa
formação me deu uma grande sensibilidade para entender melhor o papel
das organizações na sociedade. Uma
empresa não existe somente para
fazer parafuso porque esse parafuso
deve servir para alguma coisa.
Gracioso – Nesse contexto, você considera corretas as preocupações das empresas que pensam em sustentabilidade,
integração com a comunidade e ética?
Roberto – Acredito nisso profundamente. Mas algo que me chama a atenção é que, às vezes, os representantes
das empresas colocam isso como algo
à parte do seu plano estratégico, quando, na verdade, deveria fazer parte do
próprio negócio. Certa vez, estávamos
pesquisando como promover a educação através de celular e conhecemos
o trabalho de um médico no meio da
Amazônia, na beira do rio Tapajós,
que criou uma ONG, chamada Saúde
e Alegria, para ensinar noções de
saneamento básico por meio de um
circo, o Circo Mocorongo. A informação era passada por meio de folhetos
feitos num mimeógrafo. Ele ficou 25
anos trabalhando na divulgação desse
projeto em 30 comunidades da região,
que reduziu a mortalidade infantil a
zero, na região. Fomos até lá para ver
como esse médico ensinava as pessoas numa região onde a comunicação
era muito difícil. Resolvemos colocar
uma antena de celular na cidade de
Belterra para ajudá-lo. Um ano depois,
40% dos alunos matriculados na escola da região faziam suas pesquisas
escolares pela internet; 20% deles
tinham se matriculado em cursos
de universidades; o Instituto Butantan escolheu a cidade para abrir sua
primeira filial fora do Estado de São
Paulo; uma segunda empresa de ônibus se estabeleceu no local; a estrada
entre Belterra e Santarém foi asfaltada; e Alter do Chão, que fica perto de
“Se você assume um
compromisso social
e entrega serviços
com qualidade, já
está promovendo um
ganho para a região,
não precisa de uma
fundação ou instituto
para cuidar
das crianças”
Belterra, virou ponto turístico, sendo
considerada a praia de rio mais bonita
do mundo pelo jornal londrino The
Guardian. Ali aprendemos que tínhamos de orientar nossos investimentos
não para as regiões onde havia mais
potencial econômico, mas para aquelas onde existia maior necessidade de
comunicação. Com isso, passamos
a ter taxas de crescimento de 40% ao
ano. A perenidade da empresa só vai
existir se eu continuar produzindo
serviços e produtos que respondam
às expectativas da comunidade. E se
eu fizer com qualidade, de maneira
correta e sustentável, melhor ainda.
Aí entra a questão da visão. Se você
assume um compromisso social e
entrega serviços com qualidade, já
está promovendo um ganho para a
região, não precisa de uma fundação
ou instituto para cuidar das crianças.
Um dia ainda vou escrever um livro
sobre isso.
Célia – De que maneira toda essa vivência ajudou você a investir na carreira de
consultor no mercado financeiro?
Roberto – Na verdade, não sou consultor. Participo de sete conselhos
de administração – cinco no Brasil
e dois no exterior –, o que me cria
uma carga de trabalho relativamente
grande. No Brasil, estou na Telefônica, na Natura, na Rodobens Imobiliária e Serviços, e no grupo Pão de
Açúcar. No exterior, estou na Indian
Red e na Naspers, empresa sul-africana que detém 30% da Editora Abril.
Também tenho dois sócios no escritório Grau Gestão de Ativos e uma
equipe de 15 pessoas. Depois de viver
37 anos como executivo, sei que tive
uma carreira bem-sucedida porque
fui muito feliz e também fiz pessoas
felizes por onde passei. Esse é o meu
maior ativo. Não esperava terminar
como presidente da maior empresa
em vendas do Brasil. Não planejei
isso, as coisas foram acontecendo.
Gracioso – O planejamento estratégico
não funcionou no seu caso.
Roberto – O planejamento era um só.
Meu pai sempre foi pesquisador e passou a vida fazendo pesquisas sobre a
aplicação da química nuclear na área
da medicina. Ele tinha uma vontade
de servir à comunidade por meio
daquilo que fazia. Eu, como administrador, também sempre tive essa vontade de servir. Esse era o meu plano e
ele foi executado. Comecei como analista de sistemas, passei pela área de
finanças até chegar à administração
geral. Eu não sabia que seria assim,
mas estava pronto para as oportunidades que surgiram. O plano tem de
ser adaptado a cada momento, só não
devemos perder o fio da meada. Todos
nós temos de ter um propósito. Se o
plano seguir esse propósito, ele não
se perde e faz com que uma empresa
se torne perene e ultrapasse gerações.
Gracioso – Roberto, obrigado, foi uma
belíssima entrevista.
setembro/outubro de 2012 | Revista da ESPM
69
Indústria automobilística
No último dia 22 de outubro, o 27º
Salão Internacional do Automóvel
de São Paulo abriu suas portas ao
público. Este ano, o maior evento
do setor automotivo na América
Latina apresenta 500 veículos,
Revistaem
da ESPM
| setembro/outubro de 2012
de 70
49 marcas
exposição
Estratégia global,
inovação local
Aprendendo estratégia global com as montadoras: introduzindo
a descentralização parcial do desenvolvimento de produtos
Por Marcos Amatucci
um projeto de sustentação e comunalidade de peças entre
os diferentes modelos.
A estratégia de volume e diversidade logrou fornecer
aos consumidores maior variedade com melhores preços.
E hoje é seguida em sua forma “pura” pela General Motors,
Ford, Volkswagen, Fiat, PSA (Peugeot e Citroën) e, no Japão, pela Nissan. Outras montadoras, como a Toyota – que
segue a estratégia de redução permanente de custo –, ou
a Honda e a Renault, que adotam o conceito de inovação
de modelos, utilizam a ideia de maneira mais comedida,
em seus cross-overs, que são utilitários esportivos baratos
sobre plataformas de carros médios.
Equilíbrio das políticas empresariais
Mais do que uma matriz de produtos e mercados, a estratégia na indústria automobilística deve relacionar o
tipo de crescimento econômico do mercado e sua forma
de distribuição da renda com um modelo de governança.
Esse modelo de governança está baseado no equilíbrio entre a política de produtos, um tipo de relacionamento diferenciado com os funcionários e uma organização produtiva.
shutterstock
fotos: divulgação / salão do automóvel
A
estratégia tradicional das montadoras de
veículos era resultado de um equilíbrio
sociotécnico criado dentro das fronteiras
nacionais, com a exportação. A globalização
colocou abaixo os pilares desse equilíbrio, forçando a
busca de uma nova estratégia global.
Foi o presidente da General Motors, Alfred Sloan, que
enfrentou o trade-off fundamental da produção em massa,
variedade ou escala, com a estratégia hoje conhecida como
“volume e diversidade”. Para atingir diferentes segmentos
de clientes, é necessário oferecer variedade de produtos.
Mas a indústria automobilística, a exemplo de tantas outras, é passível de ganhos de escala. Isso significa que não
apenas a lucratividade da empresa, mas também a competitividade de seus preços perante a concorrência, depende
de volume de produção para sua viabilidade.
Na década de 1960, o principal executivo da GM na
época teve a ideia de produzir diversos modelos em cima
do mesmo chassi ou da mesma plataforma. Hoje a indústria praticamente varreu o chassi dos projetos de carros
de passeio, que utilizam uma carroçaria monobloco. Não
obstante, o conceito de plataforma continua na forma de
setembro/outubro de 2012 | Revista da ESPM
71
A política de produtos deve adequar-se à estrutura
do mercado onde os veículos serão comercializados.
Em particular, a distribuição de renda da população
da região. Se a distribuição de renda for suave, então
a estratégia de plataformas é bastante adequada, pois
os modelos mantêm entre si relativamente poucas diferenças. Logo, executivos e técnicos podem ter carros
parecidos, por exemplo.
Se a distribuição de renda de um mercado for mais recortada, sendo muito grande a diferença entre o salário
do chefe e do subordinado, então os carros terão de ser
muito diferentes e a mesma plataforma não vai atender
às diferentes demandas.
A estratégia de uma indústria tão complexa quanto
a automotiva não deve, contudo, resumir-se à política
de produtos. Além da adequação com o mercado, esse
posicionamento deve também alinhar-se com a política
de relacionamento com os funcionários e com a organização produtiva.
Para garantir sua estratégia de redução permanente
de custo, a Toyota do Japão teve de desenvolver um relacionamento com os funcionários baseado em confiança,
emprego vitalício para compensar salários não tão atraentes, e recompensas proporcionais ao tempo de casa.
Não cabem nesse sistema recompensas ao brilhantismo,
independentemente da idade. Já no modelo de inovação
constante da Honda, o que conta são as ideias inovadoras,
sendo que os salários são mais atraentes e não há compromisso de manter o emprego do funcionário.
Durante décadas, essas estratégias garantiram a sobrevivência das empresas e o delicado equilíbrio entre
trabalho, distribuição de renda e modelo produtivo foi
mantido. Até a globalização dos mercados.
Automóveis globalizados?
Quando as exportações das montadoras demonstram
uma competitividade tal que ameaçam os fabricantes
locais, o governo pode reagir levantando barreiras para
defender a indústria nacional ou adotar uma posição mais
liberal e deixar para a indústria local a tarefa de retaliação.
No primeiro caso, resta à indústria estrangeira aproveitar-se das medidas defensivas e estabelecer instalações
fabris no país hospedeiro. Além de agradar ao governo
local, esse movimento deixa a empresa com vantagens
sobre as outras exportadoras naquele mercado e é possí-
72
Revista da ESPM | setembro/outubro de 2012
latinstock
Indústria automobilística
A política de produtos deve adequarse à estrutura do mercado onde
os veículos serão comercializados.
Em particular, a distribuição de
renda da população da região
vel que se siga um movimento de crowd-in, uma verdadeira
invasão de fabricantes estrangeiros no país hospedeiro.
Em 1959, a Honda e a Toyota começaram a exportar
veículos para os Estados Unidos. Na década de 1970, a
Honda saiu na frente e foi a primeira empresa japonesa
a fabricar automóveis no mercado americano, o que a
colocou em vantagem em relação às vendas da Toyota.
Em consonância com as estratégias e culturas das duas
companhias do Japão (a primeira inovadora e a segunda
conservadora), a Toyota esperou a experiência se consolidar para, somente mais tarde, em 1988, passar a fabricar seus veículos nos Estados Unidos. Os dois modelos
são retratados por Robert Boyer e Michel Freyssenet,
no livro The productive models (Os modelos produtivos,
Editora Palgrave-MacMillan, 2002).
Quando as exportações das montadoras
demonstram uma competitividade tal
que ameaçam os fabricantes locais, o
governo pode reagir levantando barreiras
para defender a indústria nacional ou
adotar uma posição mais liberal
No segundo caso, a empresa local deve enfrentar a
concorrência dos importados com aumento de produtividade, ou, se isto não for possível, devido ao custo local
dos fatores de produção, que não controla, pode decidir
contra-atacar e abrir instalações produtivas no país que a
ameaça. A incursão das montadoras europeias, americanas e japonesas à China nas décadas de 1980 e 1990 pode
ser explicada por essa teoria. (Ver quadro ao lado)
É claro que a retaliação, como na ficção Minority Report,
pode antecipar-se ao ataque. Isso é estratégia. Mas o fato é
que ambos os movimentos aumentam o grau de internacionalização da indústria, e os problemas da estratégia.
A posição de internacionalização das montadoras
mais tradicionais no final da década de 1990 está retratada no quadro “Faturamento comercial de montadoras
por região”. Essa internacionalização põe em xeque as
bases da estratégia tradicional das montadoras.
Em primeiro lugar, o crowd-in, movimento provocado
pela vantagem competitiva do fabricante investidor sobre
o exportador, ameaça a escala. É comum fabricantes instalarem em um determinado país uma capacidade total
maior do que a necessária para atender ao mercado local.
Logo, são forçados a transformar a unidade em plataforma
de exportação e a situação se alastra para outros países.
O segundo ponto é a adequação do modelo produtivo
à curva de distribuição de renda, que fica arruinada. Se
a empresa encontra uma oportunidade de exportação
para um modelo de determinada plataforma – mas não
necessariamente para a linha toda –, aumenta sua escala
nesta plataforma. Porém, para fabricar no país estrangeiro, ela não pode se basear apenas em um modelo. Com
isso, sua planta no estrangeiro terá problemas na relação
custo-fixo e amortização da plataforma.
A terceira lição que as empresas cedo descobrem é o
fato de ser difícil, senão impossível, reproduzir no es-
Entrada de montadoras
estrangeiras na China (1980-1999)
Ano de entrada
País de origem
Montadoras
1985
EUA
Beijing Jeep
1985
Alemanha
Shangai VW
1987-98
França
Guangzhou Peugeot
1988
Japão
Tianjin Daihatsu
1991
Japão
Cangan Suzuki
1991
Japão
Guishou Subaru
1992
França
Dongfeng Citroën
1999
EUA
Shanghai GM
1999
Japão
Guangzhou Honda
Fonte: adaptado de Global Strategic Management. Teaching
support materials, de Philippe Lasserre (Palgrave Macmillan,
2003)
trangeiro o acordo de governança com os trabalhadores
de seus países de origem. Em vez disso, principalmente
no Ocidente, encontram acordos sindicais padronizados
que nivelam o relacionamento trabalho-capital em empresas com políticas bastante diferentes.
Ademais, os números mostram que as vendas de
automóveis são sensíveis às preferências locais. Carros
adaptados ou desenvolvidos para mercados específicos
vendem mais do que veículos globais. Isto é ainda mais
verdade para mercados emergentes, que são os que hoje
se encontram em expansão. Esse fato afasta ainda mais
o já longínquo ganho de escala.
Como sair dessa sinuca?
Rumo à descentralização
Na nova organização da indústria automobilística mundial, General Motors, Volkswagen, Ford e Fiat, herdeiras
da estratégia volume e diversidade, encontraram soluções
similares para readequar sua estratégia no mundo atual.
Todas investiram em um modelo que consiste na descentralização parcial das responsabilidades de engenharia.
setembro/outubro de 2012 | Revista da ESPM
73
Indústria automobilística
“Descentralização parcial” na teoria das organizações refere-se à descentralização com divisão de responsabilidades.
O termo originou-se na organização do departamento
de compras para rede de lojas e contrapõe-se à centralização de uma atividade – na qual todos os aspectos são
realizados uma única vez, em um só local – e à descentralização total, onde todos os pontos de uma atividade são
desenvolvidos múltiplas vezes, em múltiplos locais. Na
descentralização parcial há uma inteligente divisão das
diversas atividades que compõem uma tarefa, o que otimiza a relação entre customização e custo da operação.
Os custos de desenvolvimento de um novo modelo sobre
uma plataforma já existente giram em torno de US$ 400 milhões a US$ 500 milhões. Já o desenvolvimento de uma nova
plataforma pode chegar a US$ 1 bilhão. Os ganhos de escala
da indústria, além de enfrentar a concorrência, devem pagar esse desenvolvimento. A conta de padeiro da indústria é
de que são necessários quatro milhões de veículos vendidos
para pagar o desenvolvimento de uma plataforma. Isso equivale a toda venda de veículos de passeio de todas as marcas
juntas previstas para o Brasil em 2012. Logo, a indústria
hoje tem de ser global. Esse requisito não é mais uma opção.
Para coadunar as necessidades locais com a necessidade de escala, as montadoras estabeleceram centros
de engenharia em países-chave, com mercados locais
robustos o suficiente para sustentar subsidiárias com
departamentos de engenharia e design cujo head count
pode variar de 300 a 1.500 engenheiros e técnicos, mais
instalações de desenho e laboratórios de testes.
Cada centro de engenharia (os nomes variam de montadora para montadora) tem uma dupla função, sendo responsável pelo desenvolvimento de produtos para um conjunto
de mercados de características similares, e sendo o centro
mundial para a pesquisa e o desenvolvimento de determinadas especialidades de utilidade global.
A indústria automobilística é passível
de ganhos de escala. Isso significa
que não apenas a lucratividade
da empresa, mas também a
competitividade de seus preços perante
a concorrência, depende de volume
de produção para sua viabilidade
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Revista da ESPM | setembro/outubro de 2012
Os custos de desenvolvimento de um
novo modelo sobre uma plataforma
já existente giram em torno de
US$ 400 milhões a US$ 500 milhões.
Já o desenvolvimento de uma nova
plataforma pode chegar a US$ 1
bilhão. Os ganhos de escala, além
de enfrentar a concorrência, devem
pagar esse desenvolvimento
De acordo com o engenheiro brasileiro Pedro Manuchakian, nome conhecido e respeitado na indústria automobilística mundial, o mapa da engenharia mundial da
General Motors tem, basicamente: o centro da América
do Norte para atender América do Norte; o centro do Brasil criado para prestar serviço aos mercados da América
do Sul; o centro da Coreia do Sul, que atende Ásia, África,
Oriente Médio e Austrália; e o centro da Alemanha, que
trabalha para atender a Europa. Lembrando que a GM
tem subsidiárias em cerca de 60 países. Em termos de
especialidade, o centro brasileiro é responsável pelo
desenvolvimento de utilitários pequenos e médios.
Já a Ford tem oito centros, segundo Márcio Alfonso,
que trabalha na área de engenharia da montadora. Os
Centros de Desenvolvimento podem atuar ora como líderes de projeto ou como grupo de apoio, ou mesmo exercer
os dois papéis. A Ford América do Sul (que fica no Brasil)
lidera o projeto do novo EcoSport e tem o suporte das outras engenharias globais. No caso da nova Ranger, a Ford
Austrália teve a liderança do projeto e a Ford América do
Sul ofereceu o suporte para o desenvolvimento. Além
de Brasil e Austrália, a Ford tem hoje centros na China,
na Europa, México, Turquia e Índia (além do centro da
matriz, em Michigan).
O diretor de planejamento e estratégia de produto da
Fiat-Chrysler, Carlos Eugenio Dutra, afirma que a companhia possui centros na Itália, Brasil, Estados Unidos
e China. Nos Estados Unidos, o centro de engenharia
é referência em veículos elétricos, enquanto o centro
italiano atua na pesquisa de motopropulsores, novos
materiais, multimídia e telemática. E o centro brasileiro é
responsável pelo desenvolvimento para a América Latina,
além de fornecer suporte ao centro italiano e responder
Faturamento comercial de montadoras por região
Montadora(v)
Nafta
Europa
Ásia/Pacífico
resto do mundo
Ford (1990-9)
69,8%
23,7%
3,5%
3%
GM (1990-9)
75,4%
19,2%
3%
3%
Fiat Group (1995-9)
6,8%
79,5%(i)
n.a.
11,8%(ii)
Renault (1995-9)
10,0%
85,0%
3,5%
n.a.
VW (1995-9)
10,4%
74,2%
4,1%
9,8%(ii)
Honda (1997-9)
50,1%
12,0%
28,4% (iii)
Toyota (1997-9)
36,6%
9,0%
42,5% (iii)
Mercado mundial (2000) (iv)
28,0%
39,1%
Firmas americanas
Firmas europeias
Firmas japonesas
18,3%
14,6%
(i) 1999. (ii) América do Sul. (iii) Ásia/Pacífico mais resto do mundo. (iv) Automóveis e caminhões leves. (v) Montadoras em ordem
alfabética dentro das regiões.
Fonte: autor, a partir de dados de The internationalization of European automobile firms: a statistical comparison with american and
asian companies, escrito por Bruno Jetin no livro Globalization or Regionalization of the American and Asian Car Industry? (Freyssenet
M., Shimizu K. e Volpato G., Palgrave-Macmillan, 2003) e Global Strategic Management. Teaching support materials, de Philippe Lasserre
(Palgrave Macmillan, 2003). Disponível em: http://www.philippelasserre.net/slides.htm
pelo desenvolvimento de suspensões, tecnologias para
combustíveis alternativos e novos materiais.
Thomas Schmall, presidente da Volkswagen do Brasil,
explica que a montadora é responsável mundial pelo desenvolvimento dos veículos “de entrada” (veículos de baixo
custo para o primeiro carro da família) da marca.
O desenvolvimento com base em um desses centros
parte de um business case elaborado por um diretor (ou
uma diretora, pois já temos excelentes executivas nessa
posição numa indústria tradicionalmente masculina) de
estratégia de produto. Esse business case é levado a um comitê de produto internacional, e as oportunidades de comercialização nos diversos países de mercados similares
são avaliadas. O carro, então, é desenhado e “engenheirado”, com a participação de fornecedores, e as peças já são
projetadas com alguma flexibilidade e “preparadas” para
receber dispositivos obrigatórios em cada um dos países.
A estratégia de descentralização parcial de desenvolvimento de produtos é tipicamente global e não foi
desenvolvida atrás de uma escrivaninha, mas é fruto
da evolução de um setor que luta pela sobrevivência
perante a competição feroz e a alta regulamentação governamental. Diversos outros setores podem tirar lições
importantes dessa experiência.
Marcos Amatucci
Pró-reitor de pesquisa e pós-graduação da ESPM.
Professor do programa de mestrado em
gestão internacional da ESPM
setembro/outubro de 2012 | Revista da ESPM
75
empreendedorismo
Empresa familiar:
um dilema entre
a razão e a emoção
Devido à falta de planejamento da governança familiar
e corporativa, a maioria das famílias empresárias tende
a fazer da empresa familiar um palco para a resolução
dos conflitos pessoais dos seus membros
Por Eduardo Najjar
76
Revista da ESPM | setembro/outubro de 2012
latinstock
A
empresa familiar é um importante elo do mercado empresarial em todo o mundo. Sua estrutura organizacional, padrão
de operação e atuação no mercado não fogem aos padrões
das empresas em geral. Mas um de seus principais desafios
situa-se na necessidade de planejamento, ou, na falta dele, no âmbito
da governança do negócio e, principalmente, da governança da família.
Especialistas em estratégia empresarial afirmam que as empresas
familiares apresentam melhor performance global, quando comparadas a
negócios não familiares. Por quê?
Uma explicação é que, ao se defrontar com os mesmos desafios do mercado, acrescidos aos desafios criados pela família controladora do capital
(desafios já bem conhecidos por todos), esse tipo de negócio cria um campo
balanceado que propicia o aumento da disposição para vencer a competição
em todos os seus aspectos: familiar, que se posiciona no campo da emoção;
e de mercado, cujas questões são regidas pela razão.
Outra característica que contribui para esse aspecto é que o horizonte
de tempo considerado por elas é aferido em décadas e não em trimestres
(“quarters”). Uma visão em longo prazo, apoiada pela compreensão das
famílias que controlam seu capital. Isso significa que empresas familiares
estão focadas, ao mesmo tempo, no passado e no futuro.
Para seus dirigentes, meio ambiente, funcionários, comunidades, fornecedores, agências reguladoras e outros aspectos de sua atuação no mercado,
estão incluídos entre seus “stakeholders”.
No entanto, existe um estigma no mercado a seu respeito. Acredita-se que
a participação da família na empresa tende a reduzir a eficácia dos resultados.
Apesar de as estatísticas demonstrarem um grande percentual de extinção das empresas familiares ao longo do tempo, a história de companhias
bem-sucedidas confirma que o estigma deve ser revisto. Não é a família em
si que gera dificuldades ao negócio, ou vice-versa, mas sim o posicionamento
dos familiares diante dos problemas dessa relação especialmente sensível.
setembro/outubro de 2012 | Revista da ESPM
77
empreendedorismo
Muitos membros de famílias empresárias ainda não
perceberam um fator importante no contexto dos negócios
familiares. O aumento da complexidade na estrutura da
sociedade no mundo (e, por ordem de consequência, nas
famílias) atinge de frente as bases das empresas familiares.
Nesse novo cenário, faz-se necessário que essas famílias
passem a contar com novos instrumentos que apoiem a
preservação e a perenização da relação empresa-família.
Por exemplo: um código de relações familiares; uma estrutura de governança familiar; ou ainda um novo modelo de
governança corporativa.
Ganhos e perdas
A empresa familiar apresenta inúmeros pontos positivos.
Um deles é a maior taxa de lealdade dos funcionários após
algum tempo de trabalho. Esses profissionais identificam-se
com as pessoas que estão em seu dia a dia, sendo que muitas
são membros da família. Essa empatia estimula a motivação
dos profissionais e, com o tempo, o processo de comprometimento deles com os princípios do empreendimento.
Outro ponto forte é o nome da família. Na maioria dos
casos, a boa reputação e a tradição do nome da família garantem benefícios para a empresa, para a própria família
e para os funcionários.
Já a continuidade da gestão, por meio da sucessão
de membros competentes da família, contribui para o
crescimento dos negócios. Por outro lado, a união entre
quotistas/acionistas é muito importante em tempos de
“bons ventos”, bem como quando há algum indício de
“tempestade” à vista.
Geralmente, um negócio familiar apresenta rapidez na
tomada de decisão. Em alguns ramos de negócios, essa
velocidade é vital para um bom desempenho da empresa
diante da concorrência.
Especialistas também avaliam as gerações em sucessão como um ponto positivo, uma vez que essa “continuidade geracional” permite um traço de união entre o
passado e o futuro, guardando os valores da família ante
a operação da empresa.
A empresa familiar apresenta inúmeros
pontos positivos. Um deles é a maior
taxa de lealdade dos funcionários após
algum tempo de trabalho
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Revista da ESPM | setembro/outubro de 2012
Mas empresas familiares também estão cheias de
dilemas que, se não forem enfrentados, podem vir a
prejudicar os resultados e, até mesmo, ameaçar sua sobrevivência no mercado.
Muitos desses dilemas foram preconizados por um dos
mais reconhecidos especialistas brasileiros na área de
Family Business, o saudoso professor João Bosco Lodi. No
livro A empresa familiar (Editora Pioneira, 1993), Lodi descreve alguns dos pontos mais críticos. Entre eles estão:
a falta de disciplina de membros da família, no âmbito
profissional e da convivência societária; a longevidade da
permanência dos dirigentes à frente do negócio – citado
também como positivo, esse ponto pode, em muitos
Conflitos de interesse entre família
e empresa também podem levar
à descapitalização e utilização
ineficiente dos profissionais que
trabalham no negócio
No mundo
empresarial, a vida
imita a arte, como a
história dos irmãos
Caim e Abel, uma das
passagens bíblicas
mais retratadas por
artistas de todo o
mundo
presária; falta de planejamento na empresa e no âmbito
societário; inexistência de controles financeiros estratégicos e análises financeiras avançadas; resistência à modernização de processos, comunicação com o mercado,
políticas e práticas comerciais modernizantes, inovação
de serviços e produtos; e emprego de parentes e amigos
sem visão de competência profissional e desenvolvimento profissional com princípios baseados na meritocracia.
Aqui cabe citar uma regra de ouro que vale para empresas
de qualquer origem, mas principalmente para empresas
familiares: não contrate quem você não poderá demitir!
latinstock
Conflitos estruturais
casos, fazer com que não haja renovação dos princípios
de gestão e inibir o surgimento de novas lideranças. A
metáfora do líder Branca de Neve, descrita por Júlio Ribeiro em seu livro Fazer acontecer.com.br (Editora Saraiva,
2009), aplica-se perfeitamente também nesse contexto.
Conflitos de interesse entre família e empresa também
podem levar à descapitalização e utilização ineficiente
dos profissionais que trabalham no negócio, como mostra
Manfred Kets De Vries no livro Family Business: human
dilemmas in family firm (Thomsom Business, 1996).
A lista de problemas que costumam aparecer em um
empreendimento familiar é grande: utilização indevida
de recursos da empresa por membros da família em-
Em seu livro Wise growth strategies in leading family businesses (Sábias estratégias de crescimento das empresas
familiares líderes, Editora Palgrave MacMillan, 2005), o
professor Joachim Schwass, do IMD, analisa o papel das
gerações à frente dos negócios familiares.
Segundo o autor, a primeira geração é a do empreendedor, que desenvolve sua relação com o negócio recém-criado
com vetorização para o trabalho. Para essa família, o
status, o valor das retiradas mensais ou o sacrifício da
carga de trabalho que o novo projeto irá impor aos sócios
não importam. Os empreendedores pertencem a uma
linhagem única e se realizam ao terem a oportunidade
de cravar uma marca no mundo. O viés empreendedor,
o sonho do projeto e, muitas vezes, a necessidade de
sobrevivência dão o tom ao negócio.
Muitos empreendedores creem que tempos difíceis
podem trazer grandes lições para a consolidação de seus
negócios. Paixão e alta taxa de aversão ao risco são fatores
preponderantes para o seu sucesso.
A partir da segunda geração, a vetorização alinha-se à
existência do capital, do patrimônio formado pela geração
anterior. De acordo com o professor Schwass, filhos, sobrinhos, netos, familiares e agregados em geral têm em
sua frente a imagem do negócio bem-sucedido, que lhes
permite uma qualidade de vida e um status social elevado.
setembro/outubro de 2012 | Revista da ESPM
79
Dessa forma, esse público irá se relacionar com o
fundador e com seus pares sempre tendo em vista que
“um dia, um pedaço do patrimônio será meu”. Suas expectativas quanto à qualidade de vida e aproveitamento
das oportunidades de trabalho, saúde e lazer são muito
maiores do que as da primeira geração e darão o tom de
seu comportamento diante do negócio da família.
Há também diferentes desafios, em relação à formatação
da família empresária, que controla o capital do negócio.
No modelo de herdeiro único, a propriedade fica
concentrada, sendo que ele é desenhado para permitir
a continuidade e limitar o acesso de outros membros da
família que possam ameaçar o negócio.
A lógica é clara: se houver a divisão do patrimônio por
um número maior de herdeiros, inevitavelmente, com
o tempo, o patrimônio total será reduzido e se perderá
poder de negociação no mercado.
Como nesse modelo a sucessão não é definida por competência, caso o herdeiro único não quiser ou não tiver
talento para suceder ao fundador, poderá ser entronado um
parente mais distante para controlar o negócio da família.
Aí, a questão da manutenção da cultura da família para o sucesso do negócio poderá estar comprometida. Já no modelo
de múltiplos herdeiros, a propriedade é fragmentada, com
as participações acionárias divididas igualitariamente, o
que significa que haverá mais de um candidato a sucessor.
Os irmãos irão herdar igualmente, mas nem todos
terão a mesma motivação, foco, interesse e competência
para suceder ao fundador. A complexidade das relações
entre irmãos, primos, sobrinhos e agregados aumenta o
risco de disputas de poder, a formação de blocos antagônicos e ameaça a saúde do patrimônio comum.
Tema proibido
A governança dos negócios familiares segue, quase sempre, as mesmas regras e processos implementados pelo
fundador ou fundadores, durante os primeiros anos de vida
da empresa. São controles rígidos adequados aos primórdios da fundação, que nem sempre estão preparados para
adaptação às mudanças necessárias aos novos momentos
do ambiente empresarial. Outro problema é a baixa taxa de
adesão aos apelos tecnológicos, as dificuldades de adaptação às crescentes exigências dos órgãos governamentais
e as dificuldades na adaptação do diálogo com o mercado,
nas mudanças que impõem aos negócios em geral.
A governança das relações familiares na maioria das
80
Revista da ESPM | setembro/outubro de 2012
latinstock
empreendedorismo
Grupo Pão de Açúcar é um dos exemplos de negócio familiar
bem-sucedido que acabou nas mãos de um grupo investidor
por desentendimentos entre pais, filhos e demais parentes
famílias empresárias é, ainda hoje, baseada na confiança, num nível de comunicação deficiente, na falta de
informações atualizadas a respeito de instrumentos que
protegem o patrimônio e possibilitam a perenização do
negócio, geração após geração.
Em termos de governança familiar, trabalhar pela
prevenção de futuras dificuldades nas relações familiares
é, quase sempre, palavra morta, embora um dos maiores
clássicos da área de gestão, o livro The practice of
management (A prática da gestão, Editora Harper & Row),
escrito por Peter Drucker, em 1954, ensine que, para ser
bem-sucedido, o administrador precisa entender e analisar as condições atuais que irão moldar o futuro para poder
decidir sobre as mudanças que levarão a empresa para o
amanhã. Nesse contexto, a sucessão é sempre o capítulo
mais difícil na agenda do fundador, do empreendedor, dos
sócios, da família e da própria empresa familiar.
Na falta de um processo estruturado de sucessão, o
que ocorre em mais de 85% dos casos é que o modelo
do negócio pode sofrer impactos e necessitar de modificações abruptas, conforme pesquisa que realizei em
parceria com o professor Pedro Adachi, em 2010, com
cem empresas familiares que atuam no Brasil.
Especialistas em estratégia empresarial
afirmam que as empresas familiares
apresentam melhor performance
global, quando comparadas a
negócios não familiares
Muitos fatores devem ser considerados: no âmbito do
negócio em si, bem como na formatação das relações familiares. Mudanças e transições estruturais são eventos raros
nas empresas familiares. Se a mudança se referir, então, à
passagem do controle da primeira para a segunda geração,
a família não tem nenhuma experiência no assunto.
Falar em sucessão é especialmente difícil para a família, pois envolve reconhecer a possibilidade da morte. Dessa forma, quando a empresa familiar se vê na iminência de
planejar a sucessão, na prática, os conceitos desaparecem.
Considera-se que a nova geração que irá assumir aumentará a sede por controles, precisará ser bem recebida
pelas equipes da empresa, além de entender o interesse e
os dilemas do líder que está deixando o cargo.
Mas quais membros da nova geração terão perfil para
encarar esses e outros desafios?
Sentindo-se inseguro e vulnerável ante o risco da escolha,
muitas vezes o fundador simplesmente posterga sua permanência à frente dos negócios e o planejamento da sucessão.
Para não cair nessa armadilha, a empresa familiar e a
família empresária devem adotar práticas atualizadas de
governança, visando à perenidade – com saúde – de seu
patrimônio, como afirma John Ward no livro Unconventional wisdom: counterintuitive insights for family business
success (Sabedoria convencional: perspectivas contra intuitivas para o sucesso do negócio da família, Editora Jossey
Bass, 1991).
Hoje, devido ao aumento da complexidade das relações
sociais em todo o mundo, recursos técnicos para gestão das
relações familiares, que não eram requeridos há algumas
décadas, passaram a ser adotados.
Ainda assim, de tempos em tempos, especialistas e famílias empresárias referem-se ao mito da profissionalização,
como um elixir que irá curar todas as dores do crescimento
da família e da gestão da empresa. Mas o termo não se aplica a essa realidade. Os negócios familiares não estariam
mantidos no mercado por longo tempo, caso não fossem
operados profissionalmente.
Os esforços para uma suposta profissionalização da empresa familiar não devem servir de bandeira para os dilemas
da família empresária, que deve ter como objetivo modificar
a forma de pensar (o “mindset”) e agir da maioria de seus membros, buscando deles, em diferentes graus: integração familiar; comprometimento; disciplina; formação dos herdeiros
para o papel de sócios (este é um capítulo importantíssimo
na agenda das famílias empresárias, que daria forma a um
novo artigo que tratasse, especificamente, do tema); competência em assuntos ligados à direção do negócio e à gestão da
empresa; postura ética; manutenção dos valores familiares
(cultura familiar); interesse genuíno pelo negócio da família
(no sentido de participar de algumas ações relacionadas
com a empresa, na posição de sócios ou futuros sócios do
negócio); e, o item mais importante da lista, a manutenção
da harmonia “possível” entre todos os familiares.
Sei que, ao ler esta última frase, o leitor pode ter pensado
que eu seja uma pessoa alienada no que tange às idiossincrasias humanas. A reação da maioria foi algo como: “falar em
harmonia para administrar o negócio da família é... poesia!”.
Tenho essa mesma convicção quanto à manutenção da
harmonia total, o tempo todo, entre todos os familiares.
Por essa razão, defendo a manutenção de um nível de
“harmonia possível” entre os familiares, que faça com
que consigam sentar em torno de uma mesa, de tempos
em tempos, para discutir assuntos pertinentes ao controle do negócio, mesmo que não tenham aspirações de
conviver socialmente, familiarmente, em datas em que
se realizam as reuniões familiares para comemorações
de aniversários, bodas, nascimentos e outras efemérides.
Minhas convicções e palavras finais são pela defesa da
manutenção de boas relações entre familiares (harmonia
possível); pela implementação das melhores práticas de
gestão na estrutura da empresa familiar; pelo trabalho
de desenvolvimento do grupo de herdeiros visando ao seu
futuro papel de sócios; e pelo planejamento cuidadoso do
processo de sucessão. Tudo isso visando manter a segurança do futuro da empresa familiar e a saúde do patrimônio
da família, com vistas às próximas décadas!
Eduardo Najjar
Consultor, pesquisador, coach e professor na área
de governança corporativa, sucessão empresarial e
desenvolvimento de herdeiros em empresas familiares.
Seu livro mais recente é Empresa Familiar: construindo equipes
vencedoras na família empresária (Editora Integrare, 2011)
setembro/outubro de 2012 | Revista da ESPM
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Internacionalização
82
Revista da ESPM | setembro/outubro de 2012
Negócios
sem fronteiras
O planejamento estratégico para
internacionalização deve ser concebido levandose em consideração tanto as questões internas à
própria corporação quanto as possíveis formas de
ação internacional que podem ser seguidas
Por Rodrigo Cintra
shutterstock
A
s fronteiras nacionais estão mais fluidas e as distâncias
são cobertas numa velocidade cada vez maior. Essas características do mundo atual marcam fortemente várias
dimensões da vida internacional, com especial destaque
para o modus operandi das corporações transnacionais. Não bastando
os desafios apresentados para as corporações brasileiras, os desafios
são ainda maiores quando o foco é o exterior.
Não é novidade a existência de corporações transnacionais de
capital nacional no país. No entanto, sempre se apresentaram em
quantidade tão pequena, que não permitiam o desenvolvimento de
uma cultura internacionalizada. Nas últimas décadas, a maioria das
corporações brasileiras que se internacionalizaram é de empresas
de grande porte, geralmente baseadas em commodities (minérios,
grãos, petróleo, entre outras). Salvo honrosas exceções, como a sempre citada Embraer, essas companhias são de baixo valor agregado.
setembro/outubro de 2012 | Revista da ESPM
83
internacionalização
Desde a década de 1990, com a abertura comercial durante o governo Collor, o cenário começou a mudar. O país
se viu exposto ao comércio internacional, enfrentando
um positivo – e perigoso – choque de modernização e competitividade. Na época, muitas empresas não aguentaram
a competição dos produtos vindos do exterior, produtos
esses que apresentavam qualidade e preço melhores. Por
outro lado, as empresas que sobreviveram encontraram
novas formas de competir, valendo-se das mais variadas
estratégias, como barateamento, melhora da qualidade,
desenvolvimento de especificidades e formação de nichos de mercado.
A sobrevivência no mercado nacional, então mais
competitivo, permitiu às empresas nacionais um ganho
em competitividade que as qualificou para alçarem novos
voos, agora no mercado mundial. Esse movimento ainda
é muito recente e devemos tomar cuidado, pois não são
todas as empresas que estão qualificadas para isso. Se,
por um lado, a internacionalização começa a aparecer
como uma possível estratégia, por outro a cultura da
internacionalização ainda é muito frágil.
É importante cuidar para que a “moda” de se internacionalizar não mascare a necessidade de se preparar. O
aumento na velocidade da internacionalização da economia brasileira nos últimos anos é atribuído, principalmente, às corporações que já estão envolvidas há décadas
nesse movimento. Não se deve confundir o aumento do
volume de exportações com o aumento da capacidade de
internacionalização das corporações brasileiras.
Para se internacionalizar, uma corporação não deve
depender apenas de uma vontade. Há duas condições
primordiais para que ela possa começar a pensar de
forma séria e profissional em sua internacionalização:
a primeira é ter uma organização interna capacitada
e voltada à internacionalização; e a segunda, realizar
um planejamento estratégico capaz de promover a or-
A sobrevivência no mercado
nacional, então mais competitivo,
permitiu às empresas nacionais
um ganho em competitividade que
as qualificou para alçarem novos
voos, agora no mercado mundial
84
Revista da ESPM | setembro/outubro de 2012
ganização com a aplicação dos recursos da empresa na
consecução de seus objetivos.
Isso é fundamental na medida em que o mundo corporativo brasileiro, em uma parcela importante de sua
totalidade, é formado por corporações transnacionais de
capital estrangeiro. Nós nos acostumamos a ser uma terra
de filiais e, agora, temos de nos transformar em uma terra
de matrizes. Tal mudança de percepção e posicionamento é particularmente importante em termos de cultura
empresarial. É nesse sentido que a corporação deve ser
capaz de se organizar internamente, capacitando pessoas, criando departamentos especializados e disponibilizando recursos para que o mercado internacional possa
ser percebido, testado e conquistado.
É importante cuidar para que a ”moda”
de se internacionalizar não mascare
a necessidade de se preparar
Tipo exportação
No que se refere à dimensão interna da corporação, é importante considerar algumas dimensões, como o comprometimento dos dirigentes. É importante que os dirigentes de
uma corporação estejam alinhados à necessidade e urgência
da internacionalização. A concentração dos esforços de
internacionalização em apenas uma diretoria pode gerar
o desperdício de recursos, senão a neutralização deles, em
face das competições internas. Produção, novos negócios e
marketing devem estar integrados, ainda que não necessariamente todos devam se concentrar na internacionalização.
Produção e adaptabilidade também devem ser avaliadas, pois para se vender no mercado internacional é importante que a empresa considere, antes de mais nada, as
suas limitações produtivas. Isso não significa que todas
as corporações devem ser capazes de fabricar produtos de
ponta. Existem mercados com variados níveis de demanda. Mas é importante que a vontade de buscar o mercado
internacional não seja apenas pela queda das vendas
nacionais. O mercado internacional não é acessado de
forma rápida, exigindo esforços humanos e materiais, de
forma que deve ser uma escolha consciente e não a falta
de alternativas dentro do mercado doméstico.
Anúncio criado pela AlmapBBDO para divulgar Havaianas no exterior, processo que teve início em 2005, quando a Alpargatas
passou a investir na internacionalização da marca. Hoje, as exportações representam 30% dos negócios da grife de sandálias
Uma vez superada a questão da produção, é importante
discutir a adaptabilidade que o produto possa vir a ter em
sua inserção internacional. Pensar sobre possíveis mudanças no produto pode ser a diferença entre o sucesso
e o fracasso da operação.
Por outro lado, e não menos importante, o sucesso
dessa empreitada depende em grande medida de um
planejamento estratégico especialmente voltado à internacionalização. Ainda que esta leve a maior parte das
pessoas a pensar em vendas no exterior, é importante
considerar que ela pode se relacionar com as mais diversas dimensões de uma corporação.
Vendas internacionais é a forma mais comum de se
conceber a internacionalização, sendo marcada pela ex-
portação direta (venda direta do produtor nacional a um
comprador internacional), ou indireta (venda do produtor
nacional a um intermediário nacional, que, por sua vez, faz
a venda no mercado internacional).
Geralmente, os riscos nesse tipo de estratégia são menores na medida em que a corporação nacional investe
relativamente pouco na abertura e na manutenção do
mercado internacional. Por outro lado, o resultado é
um baixo conhecimento das dinâmicas de consumo no
mercado em que se atua, aumentando o risco de perda
de espaço diante de novos competidores ou mesmo de
esgotamento da demanda do produto.
É importante que a corporação, uma vez iniciada a ação
de vendas internacionais, se preocupe em aprofundar,
setembro/outubro de 2012 | Revista da ESPM
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internacionalização
O mercado internacional não é
acessado de forma rápida, exigindo
esforços humanos e materiais, de forma
que deve ser uma escolha consciente
e não, simplesmente, pela falta de
alternativas do mercado doméstico
cada vez mais, a sua presença no mercado internacional
escolhido. Não se trata, necessariamente, de abrir lojas e
promover ações de comunicação nesses mercados. Ainda
que sejam ações importantes, não são adequadas a todas
as corporações. Para muitas, o mais importante é manter-se
próxima do mercado, com constantes levantamentos
de informações para que se determine a dinâmica de
consumo e inovação que marca determinado segmento.
Acordos e parcerias estratégicas representam outra importante estratégia que as corporações podem seguir em
suas ações internacionais e está ligada ao estabelecimento
de acordos e parcerias. Geralmente, essa opção não é considerada pelas corporações que começam a desenvolver
suas primeiras experiências em mercados internacionais.
Dentro dessa linha estratégica, é possível desenvolver
diferentes formas de ação. O importante aqui é pensar o
negócio como parte de um todo maior. Por exemplo, uma
corporação pode deter uma patente e licenciá-la para a
produção internacional, ou ainda deter uma marca que,
carregada de algum atributo brasileiro ou regional, pode
ser licenciada para alguma corporação internacional
interessada em explorar tal característica.
Nesse mesmo contexto, mas agora considerando-se a
produção como partícipe, é possível imaginar corporações que produzem partes diferentes e complementares
de algo a ser vendido no mercado internacional. Aqui
podemos pensar desde joint ventures até acordos estratégicos. O importante é garantir que o todo seja entregue,
mesmo que isso signifique que cada corporação envolvida
seja responsável por etapas absolutamente independentes da produção (como a produção e a logística).
No caso de corporações que possuem uma maior disponibilidade de recursos, há de se considerar, também,
a possibilidade de realizar investimentos no exterior,
objetivando a produção local ou, pelo menos, um domí-
86
Revista da ESPM | setembro/outubro de 2012
Com 17.970 empregados e US$ 12,4 bilhões de pedidos firmes
em carteira até o terceiro trimestre de 2012, a Embraer é hoje
uma das maiores empresas aeroespaciais do mundo.
Com 42 anos de experiência no segmento, a empresa já
produziu cerca de 5 mil aviões, que hoje operam em 88 países.
Entre eles estão Rússia e Japão, como mostram esses dois
anúncios da companhia
Rumo ao exterior
Quando o assunto é internacionalização
da empresa, algumas dimensões precisam
ser consideradas
• Comprometimento dos dirigentes
• Produção e adaptabilidade
• Vendas internacionais
• Acordos e parcerias estratégicas
• Investimentos no exterior
• Substituição de fornecedores
A corporação deve ser capaz de se
organizar internamente, capacitar
pessoas, criar departamentos
especializados e disponibilizar recursos
para que o mercado internacional possa
ser percebido, testado e conquistado
nio maior sobre todo o processo de venda (incluindo-se
não apenas a venda, mas também o pós-venda e o
financiamento).
Nesses casos, o risco é sempre maior, na medida em
que envolve maior imobilização de recursos. É importante um bom conhecimento das condições locais, bem como
das garantias oferecidas ao investimento. A depender
do perfil do investidor, bem como do risco do negócio,
é ainda aconselhável que o empreendimento seja feito
juntamente com outros parceiros, pulverizando os riscos.
Ainda dentro dessa estratégia, é fundamental que o
projeto seja desenvolvido levando-se em conta o papel
desempenhado pelos Estados, que são capazes de atrair
grandes investimentos internacionais, oferecendo
apoios e incentivos.
A substituição de fornecedores é, provavelmente, um
dos fatores menos conhecidos sobre as estratégias de
internacionalização. Trata-se da busca de fornecedores
internacionais capazes de oferecer insumos melhores ou
mais baratos. Os resultados dessa estratégia podem ser
alcançados tanto em termos de redução dos custos de produção quanto da possibilidade de aumento da qualidade do
produto final a ser entregue. Seja qual for o caso, o retorno
que se percebe é o aumento da competitividade no mercado doméstico e, possivelmente, no mercado internacional.
Não se trata de uma estratégia fácil de ser implementada, sobretudo porque demanda conhecimentos sobre
comércio exterior e a antecipação de pagamento de
fornecedores. No entanto, diante das potencialidades de
ganhos, deve ser considerada.
Para essa linha estratégica, o importante é levar
em conta o sistema produtivo mundial como um todo,
buscando sempre estabelecer um ajuste com vistas aos
grandes produtores mundiais. Além da própria estratégia
voltada à estruturação produtiva, é importante também
que se considere o constante investimento em pesquisas
e levantamentos de mercado.
Essas são algumas estratégias possíveis para a internacionalização de empresas, tanto em sua dimensão interna quanto externa. Mas é importante ressaltar que, ainda
que haja um aumento paulatino na internacionalização
de corporações brasileiras, há de se tomar cuidado para
que a mobilização e o empenho de recursos não sejam
desperdiçados.
Uma profunda e séria discussão dos porquês da busca
pela internacionalização, seguida de um bom plano estratégico voltado especificamente para a internacionalização, é algo que faz toda a diferença em um mercado
cada vez mais competitivo.
Rodrigo Cintra
Coordenador do curso de Relações Internacionais da ESPM e sócio
da BR Target – Assessoria & Consultoria em Relações Internacionais
setembro/outubro de 2012 | Revista da ESPM
87
relações internacionais
O fim da
desindustrialização
sustentada: discurso
desconectado
O Brasil deve se remodelar ao cenário internacional,
priorizando o desenvolvimento econômico por meio de ações
mais planejadas e assertivas em detrimento de iniciativas
de curto prazo, por vezes ideológicas e demagógicas
Por Edmir Kuazaqui
A
pós o término da Segunda Guerra
Mundial, em 1944, foi realizada a
Conferência de Bretton Woods. O
encontro gerou um acordo no qual
os representantes dos 45 países mais ricos na
época reuniram-se com o objetivo de estabelecer uma nova ordem mundial econômica e
financeira, em decorrência da previsibilidade
do desequilíbrio econômico em efeito cascata,
o que oneraria as nações. A principal contribuição para a comunidade internacional foi
a criação de parâmetros que possibilitaram
certo nível de democratização no comércio
internacional. Isso ocasionou a redução das
restrições governamentais ao comércio e
eliminou, de certa forma, as diferenças estruturais dos países, de acordo com sua condição
econômica. Também promoveu o controle
das restrições impostas pelos monopólios
privados, descentralizando o poder econômico e democratizando os recursos numa base
mais competitiva. E gerou a diminuição dos
impactos nas áreas de produção e emprego,
estabilizando as relações internacionais entre
os países, equilibrando economicamente e
88
Revista da ESPM | setembro/outubro de 2012
modernizando sua base produtiva. Ressalta-se
o “certo nível” em detrimento das diferentes
estruturas econômicas, existentes até hoje,
que interferem no relacionamento e desempenho comercial.
A partir de diferentes rodadas de negociação
do Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e
Comércio (GATT, na sigla em inglês), foram formulados os grupos de princípios elementares
que norteiam os relacionamentos diplomáticos
e comerciais entre países.
Os princípios elementares são diplomáticos
e comerciais e não, simplesmente, ideológicos
ou sociais.
O comportamento contemporâneo dos relacionamentos diplomáticos e internacionais é
resultante dos princípios elementares discutidos no cenário pós-Guerra Mundial, refletindo
mais um temor das nações sobre os impactos
econômicos que poderiam surgir do que propriamente os efeitos sociais negativos decorrentes. Tais princípios podem ser categorizados em
dois grupos: o da nação mais favorecida, cujas
partes envolvidas devem outorgar-se, reciprocamente, isonomia ao melhor tratamento dado
latinstock
setembro/outubro de 2012 | Revista da ESPM
89
relações internacionais
Balança Comercial Brasileira 2011 x 2010 (US$ Milhões)
2011
2010
variação
Exportação
256.040
201.915
26,8%
Importação
226.243
181.768
24,5%
29.797
20.147
47,9%
482.283
383.684
25,7%
Saldo
Corrente de Comércio
shutterstock
Fonte: SECEX/MDIC
Principais Produtos
Exportados em 2011 (US$ Milhões)
Δ%
Valor 2011/10
Δ%
Valor 2011/10 Part %
Part %
1. Minérios
44.217
43,4
17,3
1. Combustíveis e lubrificantes
41.968
40,1
18,5
2. Petróleo e combustíveis
31.008
35,5
12,1
2. Equip. mecânicos
33.703
18,1
14,9
3. Material de transporte
25.120
15,5
9,8
3. Equip. elétricos e eletrônicos
26.395
18,6
11,7
4. Complexo soja
24.154
41,1
9,4
4. Automóveis e partes
22.621
30,9
10,0
5. Produtos metalúrgicos
17.387
34,3
6,8
5. Químicos orgân. e inorgânicos
11.765
14,9
5,2
6. Açúcar e etanol
16.432
19,3
6,4
6. Fertilizantes
9.138
84,9
4,0
7. Químicos
16.234
20,5
6,3
7. Plásticos e obras
8.104
24,3
3,6
8. Carnes
15.357
15,5
6,0
8. Ferro, aço e obras
7.583
-3,8
3,4
9. Máquinas e equipamentos
10.457
27,7
4,1
9. Farmacêuticos
6.499
6,7
2,9
10. Café
8.700
51,6
3,4
10. Instr. ótica e precisão
6.302
3,4
2,8
11. Papel e celulose
7.189
6,2
2,8
11. Borracha e obras
5.103
27,9
2,3
12. Equipamentos elétricos
4.811
-0,1
1,9
12. Cereais e produtos de moagem
3.245
16,5
1,4
13. Calçados e couro
3.659
4,1
1,4
13. Cobre e suas obras
2.775
12,4
1,2
14. Têxteis
3.012
33,0
1,2
14. Aeronaves e peças
2.516
9,7
1,1
15. Metais e pedras preciosas
2.961
30,4
1,2
15. Filamentos e fibras sintét. e artif.
2.342
20,1
1,0
Fonte: SECEX/MDIC
90
Principais Produtos
Importados em 2011 (US$ Milhões)
Revista da ESPM | setembro/outubro de 2012
Fonte: SECEX/MDIC
a um parceiro comercial; e o de mercados abertos, onde
existe a proibição de todas as formas de protecionismo,
com exceção das barreiras tarifárias. Dentro desse princípio, destacam-se o tratamento nacional, em que não deve
haver espécie alguma de discriminação entre o produto
nacional e o estrangeiro, depois de seu processo de nacionalização; a transparência, em que a Organização Mundial
do Comércio (OMC) – antigo GATT – deve ser notificada
sobre as normas que possam afetar o fluxo do comércio; os
procedimentos de importação, impedindo que a burocracia se torne uma barreira comercial, ou seja, uma barreira
não tarifária; proibição das restrições quantitativas, que
limitam o volume de operações; proibição das práticas
consideradas desleais, em senso comum, de comércio; o
comércio equitativo, conhecido também como fair trade,
com proibição de subsídios aos produtores nacionais.
Melhoramos no ranking de
competitividade, mas estamos
perdendo vendas internacionais
Tais princípios foram evoluindo de acordo com o
crescimento das transações mundiais de comércio. De
um cenário de reconstrução, diversas economias foram
se destacando de forma singular, em países como a Alemanha, os Estados Unidos e, na última década, a China.
A crise internacional de 2009 acentuou as diferenças
econômicas e sociais entre os países e expôs, talvez,
uma nova configuração de comportamento de negócios,
na qual, além das diferenças e vantagens competitivas
inerentes a cada país, tornaram-se necessários a criação
e o desenvolvimento de competências de cada um deles.
Tomemos como exemplo o México, que exporta
grande parte de sua produção para os Estados Unidos e
o Canadá, devido ao Tratado Norte-Americano de Livre
Comércio (Nafta, na sigla em inglês). Outro caso mais
contemporâneo é o da Índia, que possui um baixo nível
de desenvolvimento tecnológico, mas exporta tecnologia
de informação para outros países mediante investimento europeu. Os dois países não possuem diferenciais e
vantagens competitivas, nem tampouco competências
essenciais. Para eles, a única alternativa é a parceria
com outras economias mais favorecidas e, dessa forma,
restringir seu relacionamento comercial com outros paí-
ses. A dependência onera, sobremaneira, a área social.
Existe uma necessidade estratégica de tentar conciliar o
econômico e o social, mas vale ressaltar que o bem-estar
social não vem somente do bem-estar das pessoas, mas da
capacidade de uma sociedade gerar riquezas econômicas
que resultem no financeiro e, consequentemente, no atendimento social sustentado. Neste cenário, a participação
das empresas é preponderante para a geração de riquezas
econômicas, competindo ao governo a responsabilidade
de exercer determinado nível de gestão e influências
positivas em todo o sistema. Essa discussão não deve ser
encarada como reducionista, em relação ao capitalismo,
mas é uma forma lógica de os países se tornarem nações,
na acepção da palavra, em se tratando de mercados
internacionais. Assim, propostas ideológicas que se sobrepõem ao econômico devem prevalecer como formas
de desenvolvimento de uma sociedade mais saudável,
mais ética e mais humana. Entretanto, deve-se avaliar,
estrategicamente, o que resultaria em melhores contribuições a médio e longo prazos, em detrimento dos frutos
descontinuados do curto prazo. Nem sempre o resultado
econômico favorável reflete-se no social, porém é difícil
visualizar o bem-estar social sem o econômico.
Realidade brasileira
Dentro dessa linha de raciocínio e recortando parte dos
acontecimentos no país, de forma estrutural e até situacional, vamos então discutir pontos convergentes que podem
retratar cenários futuros, no sentido de nortear as empresas no Brasil. Com o fortalecimento institucional e político
da Organização Mundial do Comércio (OMC), houve o
incremento do relacionamento do comércio multilateral,
de que, teoricamente, as barreiras ao livre comércio foram,
gradativamente, eliminadas, dando a ideia de uma aldeia
global, onde os mercados se tornariam menos complexos
em relação à movimentação de produtos e serviços.
Dessa forma, a abertura dos mercados globais se norteia em três conceitos básicos: a confiabilidade política,
a partir da evolução histórica, atitudes e análises das
instituições domésticas dos países; a credibilidade perante o sistema e organismos internacionais, por meio do
perfeito cumprimento de acordos firmados; e a previsibilidade, obtida por diferentes ferramentas e indicadores.
Por meio desses indicadores de gestão, é possível prever
determinados cenários futuros, que refletem políticas e
ações atuais. Dessa forma, o atual fraco desempenho da
setembro/outubro de 2012 | Revista da ESPM
91
relações internacionais
Exportação dos setores industriais
brasileiros, por intensidade tecnológica
setores
2009
2010
2011
Alta tecnologia
8,6%
7,3%
6,2%
Média-alta tecnologia
26,0%
28,3%
27,9%
Média-baixa tecnologia
23,6%
22,9%
25,5%
Baixa tecnologia
41,7%
41,5%
40,3%
Fonte: adaptado a partir de dados do Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (2012)
indústria nacional brasileira é resultante de uma série de
ações passadas, a partir de políticas ideológicas que estão
conduzindo o país para uma situação pouco confortável,
se considerarmos comparativamente o crescimento de
outros países com a mesma classificação econômica,
como os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China, incluindo-se
a África do Sul), por exemplo. Não temos vantagens comparativas e é equivocada a afirmação de que o nosso fraco
desempenho internacional deriva simplesmente dos
efeitos da crise europeia, pois outros países têm previsão
de crescimento maior que o nosso. O baixo desempenho
deriva da falta de estrutura e tecnologia ocasionada pelos
altos custos internos de produção, comercialização e
logística, comumente chamados de custo país. Segundo
o ranking de competitividade global do World Economic
Forum (WEF), até 2011, o Brasil estava no 53º lugar entre
os países mais competitivos do mundo. Neste ano o país
alcançou a 48ª posição.
Segundo o relatório, um dos grandes entraves continuam sendo o governo e as respectivas políticas de curto
prazo, que oneram o país e não contribuem para o desenvolvimento sustentado. Nesse caso, a responsabilidade
da competitividade brasileira não pode ser atribuída às
práticas do governo, mas à eficácia dos empresários. A
partir desse relatório, pode se tornar incompreensível a
ideia de que melhoramos no ranking de competitividade,
mas estamos perdendo vendas internacionais.
Analisando a balança comercial do país, percebemos
que estamos diminuindo, gradativamente, nosso resultado comercial referente às exportações e importações.
O Brasil em 2011 fechou com um superávit de US$ 29,8
92
Revista da ESPM | setembro/outubro de 2012
bilhões, ante US$ 20,1 bilhões em 2010, o que pode parecer
um crescimento considerável. Entretanto, o que ocorreu
na verdade é que 47,8% de US$ 256 bilhões foram constituídos por commodities, lideradas pelo minério de ferro.
Não aumentamos em volume de venda, mas as commodities tiveram grande valorização no período. Em suma,
vendemos um volume similar, mas o preço aumentou em
31,3% na média. Em contrapartida, as importações estão
crescendo a cada ano, resultando em US$ 226,2 bilhões em
2011, valor 24,5% maior que o do ano anterior, tendo como
composição: 45,1% de bens intermediários; 21,2% de bens
de capital; 17,7% de bens de consumo; e 16% de petróleo e
combustíveis. Como complemento, fechamos 2011 com
19.194 empresas autorizadas a exportar, número que se
mantém estável há mais de dez anos. Em contrapartida,
em 2011, existiam 43.327 empresas importadoras em detrimento das 25.550 companhias de 2002. Em 2006, teve
início o período de crescimento desse tipo de empresa,
o que se configura como uma realidade, consolidada a
importação estratégica em detrimento ao abandono das
exportações. Comparativamente, temos um grande volume de manufaturados em detrimento do grande número
de exportação de básicos, que pouco contribuem, financeiramente, ao país.
Segundo Jakki Mohr, Sanjit Sengupta, Stanley Slater
e Richard Lucht, autores de Marketing para mercados de
alta tecnologia e de inovações (Pearson, 2011), indústrias
de alta tecnologia podem ser definidas como aquelas
envolvidas no desenvolvimento de processos inovadores a partir da aplicação sistemática do conhecimento
técnico e científico. Por outro lado, a Organização para
a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)
complementa a necessidade da agregação de valor, e a
National Science Foundation, a intensidade da pesquisa
e desenvolvimento nesse processo.
Voltando ao ranking, pode-se notar uma queda na qualidade das nossas exportações em relação à diminuição
gradual e histórica de bens com alta tecnologia, e sensível
Temos um grande volume de
manufaturados em detrimento
do grande número de exportação
de básicos, que pouco contribuem,
financeiramente, ao país
incremento dos bens de média-baixa tecnologia. Não é
possível realizar o mesmo estudo com as importações,
em decorrência da heterogeneidade de sua origem, mas
considerando a grande participação de bens industrializados e procedência – Ásia (31,0%) e União Europeia
(20,5%), liderada pela Alemanha (6,7%). Em suma, ficam
incoerentes os resultados do ranking de competitividade
se comparados aos de comércio exterior. Além disso, o que
vendemos reflete o nível de pesquisa, desenvolvimento e
tecnologia de nossos produtos e, consequentemente, do
parque industrial do Brasil.
Crescimento pseudossustentável
O termo sustentabilidade remete à ideia de continuidade,
mas não, necessariamente, para os melhores resultados.
O custo país inibe a possibilidade de novos empreendedores se tornarem empresários de fato, dificultando a
renovação e inovação tecnológica. De outro lado, temos as
médias e grandes empresas tentando, sistematicamente,
descobrir outras formas de como fazer com que o custo
país não interfira na sua competitividade. Voltando ao
caso do governo, foi justificado que o Japão, a Coreia do
Sul e a Austrália tomem a iniciativa de questionar a medida anunciada pelo governo brasileiro em 2011 que aumenta a alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados
(IPI) em 30 pontos percentuais, onerando de 37% a 55%
os veículos com menos de 65% de constituição nacional.
Tal medida fere, diretamente, o preceito do tratamento
nacional, no qual não deve haver discriminação sobre os
importados a partir de sua nacionalização. Para sustentar
tal tese, os países têm como alicerce a análise de comitês
técnicos que pode associar-se às práticas protecionistas.
O grande problema que poderá surgir a partir dessa
situação é a pressão política e comercial sobre o país. Posteriormente, outros países podem, em conjunto, solicitar
à OMC seu parecer e, em caso desfavorável, o Brasil será
passível de retaliações comerciais por parte dos países
reclamantes. A China, no limiar de introduzir no mercado
global sua linha de veículos, é conhecida por sua postura
e prática comercial, que provavelmente irá engrossar o
conjunto de países prejudicados. Do ponto de vista da
soberania nacional, são louváveis medidas protecionistas
que visam salvaguardar a indústria e empregos no país.
O grande problema é que tal medida já deveria ter sido
imposta há vários anos e de forma coerente e contextualizada. E não quando existe a iminência da entrada de veí-
culos chineses no mercado brasileiro. É de conhecimento
público que o Brasil não tem indústria automobilística nacional, sendo, pela medida, beneficiados os países como
os Estados Unidos e os países europeus, como a França e a
Itália, que têm montadoras e, estrategicamente, ainda não
se pronunciaram sobre tal medida. Além disso, não podemos culpar nossa incapacidade de atender ao mercado
interno em virtude de uma desindustrialização sustentada
e repassar o mérito para o que importamos.
Mostrou-se, então, um rápido panorama histórico-conceitual das relações comerciais e sua inserção no âmbito
das mudanças e transformações do sistema internacional. Tais mudanças e transformações afetam tanto as
relações multilaterais quanto bilaterais dos componentes
do sistema nacional e internacional, em que as empresas
devem procurar sua perfeita adaptação.
Todo o país deve identificar as competências existentes
ou tentar desenvolvê-las no sentido de melhor atender às
demandas internas e externas. Para isso, é necessário
um planejamento adequado aos resultados necessários
diante dos recursos disponíveis.
Tudo isso depende de uma proposta de governo que tenha por objetivo um crescimento econômico sustentado
dentro de uma dinâmica de mercado. E este é o problema. Vivemos dentro de um conjunto de ações que advém
de ideologias que até podem ser importantes, mas, por
outro lado, pouco contribuem de forma pragmática.
Esse discurso nada acrescenta ao crescimento econômico, que sustenta o social e deixa de lado a ideia
beggar-thy-neighbour, ou seja, menos intervenção do Estado. Portanto, trabalhamos fora da dinâmica do mercado
internacional, onde, por diferentes razões, nos tornamos menos piores no ranking de competitividade, mas
não incrementamos as nossas vendas internacionais.
Dessa forma, necessitamos rever os nossos conceitos no
sentido de tentar um crescimento sustentado. Citando o
Japão, em recente desastre nuclear, alguns até cogitaram
que o país poderia desaparecer devido à catástrofe, porém esse povo tem um alicerce econômico internacional
e uma cultura que continuariam a existir mesmo sem a
estrutura física.
Edmir Kuazaqui
Doutor e mestre em administração, pós-graduado
em marketing, professor da ESPM, autor de livros,
consultor e presidente da Academia de Talentos
setembro/outubro de 2012 | Revista da ESPM
93
Mercado publicitário
Muito além do
planejamento!
Algumas agências de comunicação adotam
metodologias de planejamento estratégico como
ferramenta de trabalho. O pensamento estratégico
se beneficia dessa prática utilizada como elemento
de diferenciação no mercado
Por Paulo Roberto Ferreira da Cunha
94
Revista da ESPM | setembro/outubro de 2012
latinstock
C
omo transformar números em estímulo? Como reunir
responsabilidades racionais de faturamento e de volume
a aspectos sensoriais e emocionais de pessoas que podem
ser os agentes de compra de um determinado produto? A
lógica impossibilita o intangível? Como uma agência pode capitalizar
esse cenário e se diferenciar? Essas são questões que passaram a ser
mais frequentes no universo da propaganda após a década de 1950.
A partir dessa época, a extrema segmentação de mercado passou a
exigir parâmetros, métricas e pensamentos mais sofisticados que os
já sofisticados relatórios de pesquisas, capazes de fundamentar as demandas de uma também crescente penetração da propaganda na vida
dos consumidores. Tem início, então, o esforço de desenvolver sistemas
específicos de análise, diagnóstico e recomendação de construção
de estratégias para a comunicação – com a liderança das agências e a
anuência de empresas anunciantes. O processo culminou na adoção
de metodologias de planejamento que, por sua vez, carregam em si a
responsabilidade de diferenciar e qualificar a visão e a capacidade
estratégica das próprias agências.
setembro/outubro de 2012 | Revista da ESPM
95
Mercado publicitário
– quando tomam corpo a amplitude midiática, os estudos
etnográficos, o papel da produção de conteúdo, a incorporação dos stakeholders e o foco maior na subjetividade
do consumidor – espera-se que o planejamento possa
oferecer uma indicação sobre como tangibilizar conceitos por meio de uma cirúrgica escolha de estímulos, de
mídias e de outras formas de comunicação, posto que a
razão de ser de um conceito está na forma como ele será
devidamente transmitido.
Um olhar sobre as práticas das agências de propaganda
indica que a adoção de metodologias de planejamento
não constitui uma visão unânime, expressa através de
três possíveis atitudes diante do tema. A primeira delas
é o fato de os publicitários não adotarem nenhuma metodologia formal para não engessar o exercício estratégico
shutterstock
Nesse sentido, é possível observar que, ao longo dos
últimos 50 anos, o uso de metodologias de planejamento
estratégico acompanhou as práticas mercadológicas
mais prementes a cada tempo. Num primeiro momento,
a necessidade poderia ser a organização objetiva e tática
das informações coletadas pela pesquisa e a tradução
desses dados em orientações estratégicas claras, com
contornos específicos para a comunicação. Nos anos de
1980, ante o excesso da oferta de produtos que possuíam
funcionalidades com menor poder de discriminação,
as orientações tiveram um foco mais emocional, como
suporte ao posicionamento das marcas. A integração das
ações de comunicação – não mais apenas a propaganda
– e o brand experience deram o tom do pensamento estratégico na década de 1990. E desde a virada do século 21
96
Revista da ESPM | setembro/outubro de 2012
e evitar a execução de todas as nuances exigidas por um
determinado projeto. O segundo ponto é o uso de alguma
metodologia quando o estudo em si demanda tal esforço,
mas estão livres para optar pelo modelo mais adequado
ou, simplesmente, não usar. Por último, eles investem em
metodologias proprietárias e, no caso de algumas agências internacionais, implementam o uso em todos os seus
escritórios. Outra análise pode verificar que, sob o ponto
de vista das estruturas das metodologias, elas são entendidas como processuais – em que o formato mais rígido
recomenda etapas a serem seguidas –, ou conceituais – que
recomendam um ponto, um aspecto, uma fundamental
questão que não deve ser esquecida durante o processo.
Sem entrar no mérito de validade, cabe, agora, uma reflexão sobre as contribuições que algumas metodologias
ofereceram ao pensamento estratégico de comunicação.
A era do planejamento
A ideia de que uma campanha termina em si e que depende, em primeiro lugar, de uma criativa sucessão de
campanhas foi questionada no final da década de 1970,
por Stephen King, da JWT Londres – criador do Account
Planning e de outras práticas estratégicas em agências. A
ousada proposta, para a época, de que a comunicação é
uma realidade perene, cuja orientação é dada pela estratégia da marca – e não por campanhas –, causou comoção no
mundo publicitário de então e foi traduzida em uma metodologia denominada Ciclo do Planejamento, largamente
adotada e copiada por agências em diversos países. Suas
etapas para elaboração indicam um modelo processual
(Onde estamos? Por que estamos aqui? Aonde queremos
chegar? Como chegaremos lá? Estamos chegando lá?). Mas
seu grande valor reside na definição de que, ao terminar
o processo, as precondições que determinaram o início
do estudo foram alteradas pela implementação do plano
em si, pelas reações de concorrentes e pela percepção de
consumidores diante desse conjunto de fatores. Logo, o
Na The Age of Reference, é no poder
de gerar identificações e de produzir
algum tipo de conteúdo relevante que
se encontram os focos mais objetivados
de um planejamento institucional
término de um projeto estratégico resultaria também em
um novo, ou seja, um processo que não teria fim, sob o
risco de perder a competitividade.
Uma das agências que mais investem no aprimoramento de suas técnicas de planejamento em todo o mundo, a
Ogilvy comprova, com as diversas metodologias que já
desenvolveu, a importância da sintonia com as demandas
da comunicação de cada época. Por exemplo, quando o
grupo, seguindo a tendência dos anos 1990, implantou
uma prática de gestão estratégica, denominada como
Orchestration, visando oferecer soluções de comunicação
para seus clientes, por meio de agências diferentes da
holding. Essa prática refletia a inquietação do mercado
diante da imperiosa necessidade de não mais concentrar
sua comunicação somente na propaganda.
Atualmente, a metodologia 360º Brand Stewardship, de
caráter processual, dividida em três etapas, apresenta em
seu detalhamento algumas questões importantes para a
comunicação, como o pressuposto de que não apenas o
consumidor, mas também outros públicos de interesse,
é importante no processo de comunicação, pela prática
do Brand Probe; e o alinhamento do posicionamento da
marca com aspectos relevantes do comportamento do
consumidor – pela determinação do Brand Print – que
possibilita apontar, com segurança, pistas para a criação
do conceito de uma campanha.
Por sua vez, a Ogilvy Public Relations Worldwide adota
uma metodologia que inclui as práticas de relações públicas
no contexto comunicacional mais amplo de uma marca,
incluindo atividades midiáticas: The Ogilvy Butterfly. É
interessante observar que ela propõe uma mudança no
estabelecimento de alvos. Antes, na The Age of Deference, o
foco da comunicação era o poder estabelecido e formal que
identificava principais formadores de opinião. Agora, na
The Age of Reference, é no poder de gerar identificações e de
produzir algum tipo de conteúdo relevante que se encontram
os focos mais objetivados de um planejamento institucional.
Em seu livro Beyond disruption – changing the rules in the
marketplace (Indo além da ruptura – a mudança das regras
no mercado, Editora Wiley, 2002), Jean-Marie Dru aponta
que a maior competitividade das marcas é oriunda da capacidade de se repensarem. E que, para isso, há de se identificarem os paradigmas que podem estar impedindo sua
evolução ou o atingimento de seus objetivos. Essa é a base
da metodologia Disruption, adotada pela TBWA em todo
o mundo. A reflexão sobre os entraves deve se debruçar
setembro/outubro de 2012 | Revista da ESPM
97
Mercado publicitário
sobre os níveis de negócio, produto ou serviço, marketing
e comunicação, no sentido de que as mudanças dentro de
uma empresa não devam ser mais lentas do que aquelas
que acontecem fora dela. Embora a agência mantenha seu
foco na comunicação, é válido pensar sobre a responsabilidade do gestor de processos de comunicação, que entende
que esta variável não está isolada ou incólume, e que a
perspectiva é mais ampla. Para que exista, é necessário
que a cadeia que a antecede esteja nos trilhos certos, sob
risco da própria comunicação e da marca.
Marcas são forças, na medida em que estabelecem, satisfatoriamente, relações com os seus consumidores. Uma
das alternativas para a comunicação é explorar vínculos
emocionais e a sua capacidade de gerar experiências de
encantamento ou de relevância. Kevin Roberts, CEO mundial da Saatchi & Saatchi, é o autor do livro Lovemarks – O
futuro das marcas (Editora M. Books, 2004), nome que batiza
a metodologia conceitual de planejamento desse grupo.
Segundo ele, a recomendação é clara: independentemente
do processo a ser conduzido, seja na coleta de informações,
seja na estruturação das lógicas, a premissa é o respeito ao
espaço afetivo que faz sentido para um indivíduo, no escopo
das expectativas pragmáticas e da motivação que possui
diante daquilo que consome. Esse é o desafio e a busca.
Uma das alternativas para a
comunicação é explorar vínculos
emocionais e sua capacidade
de gerar experiências de
encantamento ou de relevância
Nessa mesma linha, a Human Kind, metodologia da
agência Leo Burnett, indica o importante foco em pessoas
e nos seus sonhos, medos, hábitos e vontades para propor
soluções que valorizem o humano no processo de construir
e vender produtos e a comunicação. Há três questões que
essa metodologia conceitual enfatiza: buscar o Human behavior, a base das expectativas e motivações de pessoas ante a
proposta de uma categoria, marca ou comunicação, fugindo,
assim, de classificações mais ortodoxas de comportamento;
identificar o Human brand purpose, capaz de diferenciar
pela inserção da proposta da marca e da comunicação na
98
Revista da ESPM | setembro/outubro de 2012
vida das pessoas, assim como evidenciar aquilo que pode
agregar a essas vidas; e pensar em Acts, e não apenas em
propaganda, ou seja, não apenas é válido ampliar o escopo
do pensamento para outras arenas da comunicação, como
também capitalizar algum fato gerado intencionalmente
no início do processo para influenciar o comportamento
das pessoas e gerar aderência à proposta de comunicação –
como, por exemplo, os consumidores serem convidados a
propor soluções para o (ainda) projeto do Fiat 500.
A relação entre marcas e pessoas é o foco do BAV
– Brand Asset Valuator, estudo mundial da Young &
Rubican que, embora não se constitua em uma metodologia de planejamento, oferece um profundo suporte
ao pensamento estratégico da agência. Englobando
44 países, cerca de 500 mil pessoas e mais de 20 mil
marcas avaliadas, o levantamento tem como foco a
capacidade de diferenciação e envolve muitos atributos
de imagem relacionados a variáveis como preferência,
diferenciação, relevância, estima, familiaridade, uso
e lealdade. Várias análises – como Brand Assets – são
produzidas, incluindo os 4 Cs – Cross Cultural Consumer Characterization –, que “clusterizam” os grupos de
consumidores nos seguintes perfis: transformadores,
vencedores, integrados, inconformados, inquietos,
emuladores e batalhadores. Tudo a serviço do foco que
empresas, produtos e serviços podem adotar no atual
cenário competitivo.
Valores implícitos
O estudo de metodologias pode permitir, também,
a identificação de valiosas recomendações inseridas em processos de pensamento estratégico. Por
exemplo, os Oito passos, adotados pela Unilever –
sim, empresas anunciantes também podem ter suas
próprias práticas –, auxiliam no desenvolvimento do
posicionamento de marca. Já a Demand creation sugere a inclusão da pop culture nas análises, remetendo,
em parte, às questões macroambientais. O Diálogo
por resultados, da Fábrica Comunicação Dirigida, não
esquece as importantes métricas para aquilo que foi
objetivado e obtido com uma campanha, enquanto o
Propagation planning, associado à BBH e à Campfire
NY, resgata o conceito de transmídia para focar na
repercussão de uma mensagem por meio de mídias,
arenas da comunicação e tecnologia.
shutterstock
Espera-se que o planejamento
possa oferecer uma indicação
sobre como tangibilizar conceitos
por meio de uma cirúrgica escolha
de estímulos, de mídias e outras
formas de comunicação
A inquestionável e infindável necessidade de oferecer
soluções estratégicas aos clientes gerou a oportunidade
para que algumas agências criassem e adotassem metodologias proprietárias de planejamento. Em paralelo
a seu uso pragmático em projetos, a existência dessas
metodologias passou a ser um diferencial importante
entre as agências, por representar uma prova de criatividade e inovação, fiel da balança em prospecções e
apresentações de projetos. De qualquer forma, o uso
de metodologias deve coadunar com a proposta de serviços que uma agência oferece ao mercado, sem que a
sua inexistência sugira menor capacidade, posto que o
pensamento estratégico torna-se maior e mais complexo do que os processos. Não é a metodologia que deve
ser o eixo, mas, sim, o planejador, que saiba manejar o
processo e engajar pessoas na sua execução.
O fato é que não há modelo mais eficaz, embora ainda
resistam críticas a seu uso ou sobre qual perfil seria mais
contemporâneo, com mais espaço para a criatividade.
Muitas visões e possibilidades comprovam a urgência de
um pensamento cada vez mais sofisticado para orientar
as práticas da comunicação. E não termina na criação
de um conceito estratégico ou na identificação de uma
relação entre consumidores e marcas. Esse pensamento
estratégico é capaz de interferir na gestão das ações de
comunicação, articulando-as e definindo o seu papel no
contexto da arquitetura de um plano estratégico. Como
descrito no livro A master class in brand planning (Uma
aula de planejamento de marca, Judie Lannon e Merry
Baskin, Editora Wiley, 2007), “Stephen King teve uma
grande ideia, que mudou o modo como as agências de
propaganda se estruturaram, pensaram e produziram
suas ideias”. Ideias que até hoje movimentam o mercado
publicitário e a forma como os planejadores perseguem,
religiosamente, um novo caminho, uma nova hipótese
transformadora que fará, em algum lugar, alguém escolher, usar e amar uma marca. Se possível, para sempre.
Paulo Roberto Ferreira da Cunha
Publicitário, psicanalista, coach, consultor, supervisor da área de comunicação integrada e professor de planejamento estratégico da ESPM-SP
setembro/outubro de 2012 | Revista da ESPM
99
Marketing digital
DNA da
comunicação
Rapidez, agilidade, dinamismo e senso de oportunidades são pilares
fundamentais para uma boa comunicação digital. Além, é claro, de pessoas
preparadas, criativas e com ousadia no lugar certo e na hora certa. Fácil, não?
A
essência do ser humano é a comunicação. Desde os primórdios, as
pessoas se comunicam por meio de
gestos, sons e pinturas rupestres.
Muitos enfeitavam com cores diferentes e inventavam imagens, tudo com o objetivo de comunicar
para deixar a sua marca. Aliás, fica a pergunta:
será que esses desenhos feitos nas cavernas já
eram uma forma de publicidade utilizada pelos
homens na época?
O tempo passou e a comunicação se adequou
aos novos formatos de inteligência humana, além,
é claro, ao avanço da tecnologia. Hoje, muito mais
pessoas estão aptas a se comunicarem por meio da
internet do que há 20 anos. Apenas para efeito de
comparação, em 1966 havia apenas cinco canais
de comunicação. Em 1986 esse número aumentou
para 12, sendo que dois destes eram digitais. E, desde 2006, são 30 canais, dos quais 23 são digitais.
Segundo dados do projeto Inter-Meios, o relatório de investimento em mídia no Brasil produzido
pelo grupo Meio & Mensagem, no primeiro semestre de 2012 algumas mídias perderam força, como é
o caso, por exemplo, das Guias e Listas. Essa é uma
tendência natural do mercado, considerando que
internet e TV por assinatura continuam liderando
o crescimento do setor, com alta de 18,4% e 17,99%,
respectivamente, nas receitas com publicidade.
(Ver tabela na página 104)
O interessante é analisar para onde vai essa fatia, em quais canais estão anunciando aqueles que
acreditavam piamente nesse formato. E a resposta
é: muitos continuam lá. Quem se readequou aos
100
Revista da ESPM | setembro/outubro de 2012
novos tempos foi a própria mídia. Ponto para eles.
Agora, tendo em vista que os canais se adequaram, vamos partir para outros dois públicos,
complementares e fundamentais no processo de
comunicação: as pessoas e as marcas. Atualmente, muito mais pessoas estão aptas a se comunicarem por meio da internet do que há dez anos.
Grandes marcas já entenderam esse fenômeno
e estão aproveitando a tendência. Outras ainda
caminham nesse sentido e, mesmo pisando em
ovos, trilham caminhos assertivos. O que muitas
ainda não perceberam é que não basta apenas
estar na rede. É preciso estar na rede certa, onde
aquele determinado consumidor está. É quase
uma brincadeira de pega-pega.
Tendo isto em mente, é necessário pensar em
três perguntas básicas: Como fazer? Por onde começar? Qual caminho devo seguir? Nem sempre o
planejamento antecipado é o mais certeiro. É claro
que não dá para sair inserindo a marca nas redes
sem uma estratégia, sem conhecer o objetivo de
negócios que está por trás de tudo. Mas, assim
como na publicidade tradicional – digo, off-line
–, ações de oportunidade são muito bem-vindas.
Aquela coisa de “rolou e preciso agir agora para não
perder o timing”. Rápido e ágil. Lembrei agora de
uma ação interessante do McDonald’s, que exemplifica bem essa questão do planejamento. A assinatura global “Amo muito tudo isso” foi a primeira
frase dita pelo Fael (Rafael Cordeiro), vencedor
do “Big Brother Brasil 12”. O tema ganhou espaço
no Twitter do McDonald´s e fez com que, apenas
uma hora após o término do programa, o nome da
latinstock
Por André Felix
setembro/outubro de 2012 | Revista da ESPM
101
marca e a assinatura atingissem o Trend Topics, que registra
os dez assuntos mais comentados. O post “Parabéns Fael,
vem gastar sua fortuna com a gente. #amomuitotudoisso
#bbb”, foi retuitado mais de duas mil vezes e o simples post
trouxe mais de 500 seguidores para o perfil da marca. A
repercussão foi maior do que a campanha do “McDia Feliz
de 2011”, que certamente teve um planejamento muito mais
“parrudo”. Conhecendo profundamente a empresa, o objetivo
e o perfil do consumidor, o planejamento digital não precisa,
necessariamente, ser extenso. Ele precisa, sim, ter como
meta final ações rápidas e tangíveis.
Posso citar aqui muitos outros cases de sucesso que
resultam de extenso planejamento, oportunidade ou,
simplesmente, da mente de um jovem gênio que acordou
inspirado e resolveu dar de presente para uma empresa toda
a estratégia digital que nunca havia sido pensada. De graça.
Foi o caso do “Gina Indelicada”. Uma empresa de palitos de
dente, sem glamour, sem carisma. Imagino que já devam
ter rolado infinitas ações de brainstorm nas agências que
atendem a conta, pensando como atingir um consumidor
de... palitos. Aí vem um menino, estudante de publicidade,
e resolve criar uma página no Facebook, onde são postadas
perguntas de supostos usuários anônimos com respostas
da Gina, a mãe dos palitos. Em menos de um mês, a página
Minutos depois de Fael falar o slogan do McDonald’s na final
do BBB12, a rede de fast food disparou uma mensagem no
Twitter que acabou entre os assuntos mais comentados do dia
102
Revista da ESPM | setembro/outubro de 2012
divulgação
Marketing digital
Para posicionar a marca no segmento de luxo, a Peugeot
investiu em uma ação de marketing digital que movimentou
as redes sociais. Em 10 dias, 35,2 mil links foram gerados e
outros 4,3 mil comentários publicados na web
já contava com mais de dois milhões de seguidores, número
digno de grandes empresas. O sucesso foi tanto, que acabou
fazendo com que o fabricante de palitos fosse para as redes
sociais, e a marca, que estava até meio esquecida pelos brasileiros, precisou estudar a possibilidade de parceria para
administrar o sucesso e a visibilidade.
Outra iniciativa muito bacana, da qual participei ativamente, foi a #Guessthecar, para a Peugeot. Tínhamos
um desafio em mãos: associar a montadora francesa aos
automóveis esportivos de luxo, segmento novo para a marca
no Brasil. A missão era instigar os possíveis consumidores
a conhecer o lançamento, no caso, o cupê esportivo RCZ.
Muitos diriam: “É apenas mais um lançamento, como
tantos outros. O negócio é divulgar”. Mas fomos além e
impactamos quase nove milhões de pessoas, com 35.284
links (inclusive dos principais concorrentes) e 4.318 comentários conquistados em apenas uma semana. Além
disso, o RCZ entrou em três comparativos da categoria na
imprensa especializada e apareceu ao lado das marcas
mais desejadas do país (Audi, Porshe e BMW). O segredo?
Utilizar pessoas comuns para serem a principal plataforma de mídia. Sim, os próprios internautas enveloparam
a campanha, participando de um Quiz para descobrir de
qual marca era o lançamento. Mais uma vez, provamos que
sem o envolvimento de “gente como a gente” não há ação
espetacular que sobreviva. Pensar fora da caixa, este deve
ser o objetivo principal de todo e qualquer planejamento. E
latinstock
Comunicação é um cruzamento de ideias. É saber usar
todas as mídias em uma única campanha ou, em outra,
trabalhar uma única ação, simples e centralizada
setembro/outubro de 2012 | Revista da ESPM
103
Marketing digital
Relatório de investimento em mídia no Brasil durante o primeiro semestre de 2012,
em relação ao mesmo período do ano anterior
Meio
1º semestre de 2011
1º semestre de 2012
R$ 8.151.781.001,11
R$ 9.255.954.715,43
Jornal
R$ 1.599.731.430,63
R$ 1.666.952.578,79
Revista
R$ 885.741.909,52
R$ 864.886.477,73
Internet
R$ 625.450.711,53
R$ 738.881.284,29
TV por assinatura
R$ 491.769.944,16
R$ 578.570.169,65
Rádio
R$ 512.618.347,90
R$ 564.092.214,64
Mídia exterior
R$ 413.651.512,51
R$ 437.558.939,28
Guias e Listas
R$ 146.399.781,06
R$ 131.324.002,77
Cinema
R$
R$
Televisão
Total
37.347.345,72
R$ 12.864.491.984,14
42.209.762,04
R$ 14.280.430.144,62
Fonte: Projeto Inter-Meios – produzido pelo grupo Meio & Mensagem
o “fora da caixa” não quer dizer que não possa ser simples.
Basta apenas ser inovador! Em contrapartida, uma marca
que esteve em evidência nos últimos tempos, por ações que,
certamente, tiveram profundos planejamentos, mas que o
resultado não foi o que a companhia esperava, foi a Nokia.
A empresa precisava mostrar a funcionalidade de uma
ferramenta de determinado produto. Quis ousar, fazer diferente, pensar fora da caixa. Lançou um viral que chamaram
de “Perdi Meu Amor na Balada”, no qual um rapaz contava
de forma emocional que havia conhecido uma garota, mas
sabia apenas o nome dela e tinha perdido o telefone. Pedia
ajuda aos internautas para enviarem pistas que fizessem
com que ele chegasse ao alvo. Durante uma semana, o
vídeo foi replicado e comentado em todas as redes sociais
até que a companhia revelou a verdade: foi uma ação de
marketing digital. Alguns consideraram genial, na linha do
“falem bem ou falem mal, mas falem de mim”. Outros, nem
tanto. A empresa acabou no Conar, se defendendo de uma
possível violação de direito dos consumidores, já que a ação
não estava identificada desde o início como publicidade. A
Nokia venceu a ação movida, mas fica a pergunta: venceu
também o objetivo de gerar o interesse do consumidor para
o produto? Atingiu, realmente, quem precisava atingir? Se
104
Revista da ESPM | setembro/outubro de 2012
sim, ótimo. Caso contrário, como é possível reverter isso?
Cases não faltam, empresas se multiplicam, assim como
ações que merecem destaque. Recebemos todos os dias
informações por todos os lados, somos o consumidor-alvo
de tantas e tantas marcas. Absorvemos o que nos interessa
e jogamos o resto fora. O que funciona para mim pode não
funcionar para você, leitor. E o que funciona para você pode
não significar nada para a pessoa que senta ao seu lado e que,
apesar da mesma idade, mesma profissão e mesmo estilo de
vida, enxerga aquilo de forma completamente diferente. Isso
porque comunicação é a ciência mais particular que existe. E
planejar isso é uma tarefa para poucos. Entender exatamente
o gosto de cada consumidor, conhecer profundamente o fã
da sua marca, saber como é a vida, como ele vai enxergar o
seu lançamento, a que horas ele vai entrar no Facebook naquela terça-feira que você precisa, necessariamente, colocar
determinado conteúdo.
Planejar é conhecer, respirar, ir a fundo em quem sempre
esteve com você enquanto marca. Mais do que vir a comprar
determinado serviço por ter sido atingido por tal ação, o consumidor precisa se sentir satisfeito por receber a informação
que deseja, da forma mais assertiva possível. Pessoa é um bicho complicado mesmo. E a comunicação, principalmente a
Rapaz procura amor da sua vida em polêmica ação viral da
Nokia, criada para divulgar o celular Pure View 808, que teve 1
milhão de visualizações no YouTube antes de ser tirado do ar
digital, precisa abraçar e sussurrar no ouvido do consumidor:
“Estamos com você e vamos para onde você for”.
Opções para esse relacionamento é o que não falta, principalmente com o avanço dos meios de comunicação e as
infinitas redes que surgem todos os dias. O imprescindível
é saber usá-las com inteligência e estratégia. Algumas, isoladamente, podem não surtir o efeito esperado, mas aí está a
alma do negócio. Comunicação é um cruzamento de ideias.
É saber usar todas as mídias em uma única campanha ou,
em outra, trabalhar uma única ação, simples e centralizada. Campanhas que vão do mundo off-line para o on-line
tendem a dar muito certo pelo simples motivo de atingir
diferentes públicos. A rede social tem o poder de gerar
engajamento, de trazer o consumidor para perto. A off-line,
por sua vez, tem todas as funcionalidades já conhecidas há
séculos. Ou alguém aqui duvida que um bom filme de TV
no intervalo da novela das 8 dá um excelente resultado?
O segredo é saber dosar, entender o momento onde cada
uma deve entrar e, principalmente, saber integrar. Todas as
mídias têm seu espaço. Afinal, um adolescente de 13 anos –
que já tem poder de decisão nas compras dos pais, mas que
não costuma ver TV e muito menos ler revista ou jornal para
ser impactado com um anúncio de material escolar – precisa
ser atingido de alguma forma. E, possivelmente, não será
impactado com um banner em algum portal de notícia. De
repente, ele precisa apenas de algumas dicas bem engraçadas de como fugir de uma professora chata para ter certeza
de que a caneta que ele usará no próximo ano letivo é aquela
da marca tal. Na imagem do post, o garoto escreve com a tal
caneta e atrai os olhares das menininhas. No mesmo dia, a
mãe do menino que está lendo o post vê um anúncio na Folha
de S.Paulo, que mostra como a bendita caneta escreve mais
e é mais barata. Pronto, bingo! A comunicação cumpriu bem
o seu papel e a papelaria do bairro, certamente, vendeu ao
menos um produto a mais nesse dia.
Não temos como negar que a tecnologia aproxima e gera
conexões cada vez mais rápidas. Meios que antes eram vistos como astros deram lugar ao conteúdo. Sites e banners
deixaram de ser a única forma de comunicar no digital.
Aliás, em muitos casos, já caíram em desuso. Afinal, sejamos coerentes. É realmente necessário ter um site, quando
é possível manter uma página que lhe permite interação
24 horas por dia, que faz você conversar com quem está ali,
entender as angústias e lamúrias, de forma rápida?
Assim como o ser humano evoluiu para sobreviver
no mundo moderno, a publicidade se reinventou para
continuar conquistando o consumidor, com criatividade
e inovação. Hoje, os meios são engolidos pela rapidez do
mundo. Você propõe agora, amanhã já mudou. São redes
sociais, vídeo, mobile, gamification, geolocalização, crowdsourcing, internet of things, enfim, frentes que mostram a
real necessidade de adaptação para sair da centralização
e partir para a multiplicidade. As formas são muitas, basta
saber usar da maneira certa.
Mas se está assim hoje, como será o futuro? Como será
o mundo das crianças que ainda estão por vir? Qual será o
“grau” de digital com que eles serão recebidos? Serão engolidos por uma tecnologia quase que impensável, ou a engolirão
formatando, em segundos, aplicativos para que, com apenas
uma foto e uma ferramenta de realidade aumentada, todas
as peças do quebra-cabeça sejam magicamente montadas,
tirando, diga-se de passagem, certa magia que vivemos ao
brincar de amarelinha nas ruas? Repensando o começo da
frase, talvez isso não seja o futuro. Ou, se for, é um futuro quase que imediato, assim como as mídias digitais. Pode chegar
amanhã, no próximo mês ou, o mais tardar, em dois anos.
Então, é bom começar a procurar talentos na maternidade.
O resumo de tudo é: escute o consumidor, participe das
interações, gere mais conexões, seja rápido (e, adivinha...
ágil). E seja flexível. O mundo anda cheio de cabeça dura.
Tenha cabeça mole, cara! Acredite na maleabilidade da
vida. E das redes.
André Felix
Publicitário, com MBA em marketing de serviço,
marketing esportivo e mestrado em administração pela
Universidade de Coimbra, além de ter sido diretor digital da
Loducca (grupo ABC) e do Media Contacts (grupo Havas)
setembro/outubro de 2012 | Revista da ESPM
105
Branding
O Homem Vitruviano, de Leonardo da Vinci, o mestre
do Renascimento que é considerado por muitos
como o maior gênio da história da humanidade
106
Revista da ESPM | setembro/outubro de 2012
AIDDU, uma questão
de bom senso!
Saiba como as conexões humanas podem ajudar sua empresa a construir
uma atitude e um atendimento incrivelmente diferentes do usual. Esse é o
diferencial sustentável das marcas que vão construir o novo capitalismo
Por Edmour Saiani
shutterstock
O
mundo mudou completamente nas últimas 24
horas. Duvida? Então experimente comparar
a paz entre o Ocidente e o Oriente depois
de um filme que ainda nem foi divulgado
falando sobre um assunto de que o outro lado preferiria
que não se falasse. A luta entre esses dois mundos tinha,
nos últimos tempos, se focado no campo do terrorismo.
Claro, a economia sempre motiva conflitos, mas ela é
velada. Em uma semana, a confrontação mudou para o
campo religioso. Com uma violência que só as notícias
sem apuração geram. Aliás, não foi necessário que alguma
notícia oficial fosse dada, apenas os rumores que os novos
e velhos meios deixaram vazar. Eles são massacrantes
ao comunicar que a mudança é a única regra. Os meios
permitem que se fale a tempo e a hora com qualquer lugar
do mundo em qualquer língua. Tudo é comunicado em
tempo real e em 140 caracteres. Eles são o símbolo da
transformação. Quem ainda tem alguma dúvida sobre a
velocidade de mudança que impacta o mundo já não deve
ter emprego, empresa, cônjuge e seus filhos devem ter uma
impressão estranha a respeito do que essa pessoa pensa:
agora ou daqui a pouco. Na verdade, quem não tem essa
consciência é de outro mundo.
Mais realista é chamar esse pessoal de fundamentalista.
Os mais complicados não são os que atacam ou reagem
quando o tema é religioso. São os que não entendem que
a competitividade nas suas vidas vai depender do fato de
fazerem coisas diferentes todos os dias. Não basta mais
ser competente. O futuro é dos competentes diferentes. Ao
contrário dos fundamentalistas, os lançadores de tendências são pesquisadores profissionais. O consultor Michael
Gelb escreveu How to think like Leonardo da Vinci (Como
pensar como Leonardo da Vinci, Editora Dell, 1999), um livro
interessante, que aborda as habilidades que o mestre do
Renascimento usou na sua vida para criar e inovar tanto.
A prática inicial é a curiosidade. Sem curiosidade não há
criação ou inovação. E a prática mais elevada é a conexão.
Tudo aquilo que o curioso descobriu que existe, se conectado
inteligentemente com outra coisa existente, resulta em algo
novo. O lançador de tendência usa o que há no mundo para
criar novas formas de viver. Boas, ruins, questionáveis,
elogiáveis, mas ele não para de ousar. Assim o mundo se
recicla. Assim as pessoas devem ser. Assim as marcas
devem se posicionar. É preciso inovar sempre e ter pronta
uma alternativa para a imitação.
A forma mais profunda de se conectar é a relação
humana. Pessoas das mais variadas origens vêm se conectando há milênios e, ainda assim, a conexão humana
é complexa demais para se compreender totalmente. O
domínio da conexão humana faz dos grandes líderes
pessoas inesquecíveis. Seus seguidores – claro, já há
seguidores muito antes do Facebook – são leais e, juntos,
unidos pela causa do líder, constroem obras grandiosas.
As marcas são a versão pós-moderna dos líderes que
sabem conectar humanos. Isso é fazer marketing competentemente. Para quem não quer confundir, marketing é
atrair e manter clientes. Mas os clientes, que antes tinham
poucas marcas para se conectar, aprenderam a exercer o
direito de apenas se conectar a marcas que trabalhem, de
fato, para eles, que assumam verdadeiramente o foco de seu
consumidor. E esse exercício de poder fez do cliente o líder
do mercado. Quem começou essa história foi Shakespeare.
“To be or not to be”? 2b or not 2b? Aí veio o B2C (Business to
Consumer), o B2B (Business to Business) e, afinal, o C2B (Customer to Business). Na verdade, um “customer” se relacionando
com uma pessoa do “business”. Essa é a direção do sucesso.
setembro/outubro de 2012 | Revista da ESPM
107
Branding
O cliente emana a energia que orienta a criação. Só marcas
que têm pessoas conectadas diretamente com o consumidor conseguem compreendê-lo e, antes dos concorrentes,
entregar o que ele quer, deseja ou nem sabe que deseja, mas
paga para ter quando percebe que existe.
Muito além da propaganda
Durante muito tempo, a comunicação de uma marca ficou num plano de importância maior do que a entrega da
promessa que a marca faz na comunicação. Esse embate
fez com que muitas marcas construíssem uma imagem
consolidada na cabeça do consumidor potencial e do
cliente. Com a competição desenfreada, a comunicação
virou arma comum e o grande diferencial apareceu: a
marca entrega mais ou menos do que promete?
Essa operação de subtração – o que a marca entrega menos do que o cliente espera – passou a ser o grande quesito
de avaliação para o cliente. Ele passou a ser implacável com
marcas nas quais aposta. Passou a valorizar marcas que
prometem, que têm uma garantia intrínseca ou explícita,
corajosamente declarada. Claro, se a marca entrega menos
do que o esperado, ele reclama. A United, por exemplo, teve
uma reclamação de uma banda postada no YouTube, porque
a guitarra do grupo foi “sacrificada” numa viagem. Quantas
pessoas viram esse filme de protesto? 12.457.014, até o fechamento desta edição. Se sua marca entrega apenas o que
promete, prepare-se para a traição: 80% dos clientes que abandonam uma marca estavam apenas satisfeitos. Só o cliente
que encontra mais do que espera no momento da verdade,
aquele em que a marca se conecta pessoal ou virtualmente
com ele, volta a comprar, recomenda e elogia a marca.
A diferença entre marcas que entregam ou não o que seu
público espera é o que constrói a qualidade da reputação.
Essa mudança de força levou a comunicação a ceder
lugar para qualidade de produtos, logística e inovação. Até
chegar à entrega da promessa da marca, esse posicionamento fez a indústria, definitivamente, perder o lugar de
conector do cliente para o varejo.
E a experiência do cliente no momento da verdade passou
a ter muito mais impacto do que qualquer outro fator na
escolha do que comprar, onde comprar e por que comprar.
Mas o que constrói essa experiência? É preciso ter o foco
do cliente para construir uma espécie de passo a passo.
O cliente quer sempre mais. Cabe à empresa oferecer
um produto diferente, um preço melhor e condições de
pagamento. Ele quer ter tempo para fazer mais. Então, nós
108
Revista da ESPM | setembro/outubro de 2012
O domínio da conexão humana faz dos
grandes líderes pessoas inesquecíveis.
Seus seguidores – claro, já há seguidores
muito antes do Facebook – são leais
e, juntos, unidos pela causa do líder,
constroem obras grandiosas
temos de dar conveniência. Ele quer ser mais. Logo, temos
de dar um atendimento personalizado. Ele quer aparecer
mais, por isso precisamos investir em design. Ele quer se
divertir mais. Nós temos de dar entretenimento. Ele quer
aprender mais. Nós precisamos educá-lo. E, pasme, apesar
da vocação “paparazzo” do cliente, ele adora poder elogiar
mais. Então, temos de dar carinho.
Para isso, uma marca tem de entregar cada item que
satisfaz suas demandas, desde as mais fisiológicas até as
mais filosóficas – estruturadamente. A seguir, vamos analisar passo a passo a pirâmide da experiência do cliente.
(Ver ilustração na página ao lado)
O ponto de partida é o produto, que representa o alicerce
da experiência do cliente. As pessoas precisam, querem
e desejam produtos. Aqueles que precisam querem preço. Já os clientes que querem precisam de condições de
pagamento, enquanto os que desejam querem produtos
diferentes e pagam mais por isso. As marcas têm de se
preocupar em entregar produtos que os clientes precisam,
querem e desejam. Certa vez, o guru americano Joe Siegel,
que hoje passa dos 90 anos, me disse que a proporção de
uma marca é ter 90% dos produtos de que o cliente precisa,
15% que ele queira e apenas 5% que ele deseja quando toma
conhecimento da existência desse produto.
O segundo passo é a conveniência. Todos temos muitos
problemas na vida, e as marcas ainda fazem pacotes que
não abrem, sites que não respondem, escadas e filas. É muito importante que o profissional de marketing da empresa
se coloque no lugar do cliente, entenda o que o incomoda
e elimine esse ponto negativo de sua marca. Quando perguntaram a Michelangelo como ele fez uma escultura tão
linda e precisa quanto a Pietá, ele disse: “Pensei na Pietá,
escolhi o mármore e fui tirando do mármore tudo o que
não era Pietá”. Pensando assim, sua marca se torna muito
conveniente. Depois que a adrenalina está controlada,
iniciamos a conversa com o coração do cliente.
divulgação
Inaugurada em 2005, a Galeria Melissa é um espaço que une conteúdo, cultura, entretenimento e compras. Canal de comunicação
da marca, essa loja conceito abriga mostras de grandes nomes do mundo da moda, design, arquitetura, música e artes plásticas
o atendimento com prazer e de coração. Pesquisas indicam
que, de 30% dos clientes que abandonam uma marca, 15% o
fazem por preço e 15% pela qualidade dos produtos. Outros
Satisfação garantida
Como entregar aquilo que
o cliente realmente deseja
Cliente que prefere recomenda e elogia
Nossa marca
tem de dar
Aprender +
Divertir +
Ser +
Aparecer +
Fazer +
Ter +
Carinho
Educação
Entretenimento
Atendimento
personalizado
Design
Conveniência
Produto diferente,
preço justo e condições
de pagamento
Serviço
Elogiar +
Produto
O cliente
quer
Relacionamento
Aí entra o design, que é vital para o processo de satisfação, já que é capaz de falar com os sentidos racionais
dos consumidores. A cor do produto, o apelo da vitrine,
a arrumação do produto, a sinalização e apresentação
dos itens, o uniforme e a aparência dos funcionários, o
cheiro do pão sendo assado, que chega ao nosso nariz
antes mesmo que tenhamos avistado a padaria... O design
apela para todos os sentidos! Tudo para atrair o cliente à
marca, muitas vezes, através de uma marca que não é a
sua. Cuidar de design ajuda o cliente a identificar e escolher
determinada marca, mesmo quando ainda não a conhece,
além de reforçar a lembrança do que a empresa faz quando
já consumiu seus produtos.
O próximo passo é o atendimento, a maneira mais consistente de mantermos o cliente, por meio de um contato realizado pelo profissional que representa a marca, com ou sem
crachá da empresa. Carinho organizado, que é a essência do
atendimento, ajuda muito na manutenção do cliente. Esse é
o composto mais difícil de executar, pois depende de muitos fatores para acontecer com consistência. Atendimento
competente é filho legítimo de cultura de atender e servir
e da liderança inspiradora. Só empresas com liderança altamente motivadora conseguem ter pessoas que praticam
setembro/outubro de 2012 | Revista da ESPM
109
Branding
70% dos que abandonam uma marca têm relação direta com
o atendimento: 21% porque ninguém lhes deu atenção; e,
49%, porque quem lhes deu atenção não era bem preparado.
O entretenimento também aparece entre os grandes
diferenciais das marcas bem-sucedidas. Afinal, por que a
Disney é um sucesso? Puro entretenimento. Por que as lojas
de animais de estimação são tão visitadas? Puro entretenimento. E, no seu negócio, há espaço para entretenimento?
Sempre há. As lojas de eletrodomésticos que o digam. Ou
será que nenhum dono de loja de eletrodoméstico foi à UD
(feira de utilidades domésticas) ver como se demonstram
os produtos vendidos? Se preparar produtos vira programa
de televisão, por que não poderia virar atração na sua loja?
Contrate uma cozinheira que saiba demonstrar mixers, batedeiras, micro-ondas e experimente o prazer de aumentar
as vendas substancialmente. Não porque algum vendedor
mal orientado ficou fungando no cangote do cliente, mas
porque o cliente, ao ser exposto a uma mera demonstração
de produto, fica com um sentimento obsessivo de compra.
Por fim, temos a educação. Em alguns negócios, como
no segmento de animais de estimação, educação é a única
maneira de manter o produto vivo na cabeça e no coração
do cliente. Não é exagero. Se o cliente não souber cuidar
do animal de estimação, ele morre. Em outros negócios, a
educação não é tão fundamental, mas tem um efeito mágico
na mente do cliente. Se você consegue educar o consumidor,
ele não esquece a sua marca e ainda conta o que aprendeu
para todos os amigos. Há muitas oportunidades de educar.
Marcas de calçados infantis, por exemplo, podem ajudar a
mãe a monitorar a saúde dos pés dos filhos. Fabricantes de
brinquedos têm a opção de ajudar os pais a escolher melhor
os produtos para reforçar a inteligência predominante dos
filhos. Isso sem mencionar a importância que a educação
tem no mercado de informática. Uma das tendências do
cliente é contratar educadores em alimentação. Se o seu
negócio fizer isso, vai ficar na cabeça do cliente.
Design, produtos, entretenimento e
conveniência podem ser produzidos
com dinheiro. Um arquiteto melhora a
aparência da marca. Um caixa a mais
ajuda a diminuir a fila. Mas educar o
cliente, atender de um jeito diferente
e dar carinho dependem de atitude
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Revista da ESPM | setembro/outubro de 2012
Venda com emoção!
Tudo isso somado a um toque de carinho torna a sua marca
imbatível. Carinho é fruto de boa educação. Marcas carinhosas com seus funcionários e canais de vendas recebem
esse carinho de volta. O maior carinho que o canal – próprio
ou terceirizado – pode dar para a sua marca é retribuir esse
carinho dando carinho para o cliente. O segredo é a alma
do negócio? A alma é o segredo de qualquer negócio.
Design, produtos, entretenimento e conveniência podem ser produzidos com dinheiro. Um arquiteto melhora
a aparência da marca. Um caixa a mais ajuda a diminuir a
fila. Mas educar o cliente, atender de um jeito diferente e
dar carinho dependem de atitude. Atitude não se compra
com dinheiro. Atitude se inspira por meio de exemplo. Por
depender de gente e levar muito tempo para se construir, o
AIDDU (Atendimento Incrivelmente Diferente do Usual,
uma adaptação do termo original Atitude Incrivelmente
Diferente do Usual) é o diferencial mais difícil de se imitar
Marcas que realmente queiram praticar AIDDU têm
um caminho a percorrer. Os líderes têm de virar a pirâmide da empresa e elevar os clientes e, quem está perto
deles, acima de tudo. (Ver ilustração “Fórmula para o sucesso”
na página ao lado)
Com base nessa filosofia, a matriz da marca entende
que precisa emanar exemplo de tratar bem quem está do
lado. Assim, o profissional do financeiro tem de tratar
bem a equipe de marketing, assim como a pessoa do departamento de RH deve cuidar do financeiro. E vice-versa.
Para essa fórmula funcionar, todos na marca têm de
olhar para quem está perto do cliente. A ecologia da marca
é uma prática baseada no conceito de que alguém precisa
ajudar alguém a ajudar alguém, que ajuda alguém que, lá
no fim do processo, ajuda o cliente. (Ver ilustração ao lado)
A prática da ecologia da marca é papel da comunidade
de servir, que é sempre muito mais forte e conectada que a
cadeia produtiva. E essa comunidade de servir é adepta do
TRM, Team Relationship Management, ou Gestão do Relacionamento do Time. Esta, por sua vez, pratica o segundo
TRM, Trade Relationship Management, ou Gestão da Relação com os Canais. Não é apenas o tradicional Trade Marketing, que só fala de gerência de categoria. É mais que isso.
A ideia é ajudar o canal a ser melhor em todos os sentidos.
Os dois TRMs inspiram quem está perto do cliente
a praticar o verdadeiro CRM (Customer Relationship
Management). Gente que está perto do cliente, inspirada
pela marca a atender muito bem ao cliente. Não aqueles
Fórmula para o sucesso
Veja por que AIDDU (Atitude e Atendimento Incrivelmente
Diferentes Do Usual) é o diferencial mais difícil de se imitar
Alta
direção
Clientes
Alta gerência
Agentes de atendimento
Gerência
Supervisão
Supervisão
Gerência
Agentes de atendimento
Alta gerência
Clientes
Alta
direção
de softwares. Aquele que coloca alguém olhando no olho
do cliente e o ajudando em todos os sentidos.
Cuidar das relações é a maior tendência que está
acontecendo em um país mais pragmático em relação
ao capitalismo. Volta ao futuro total. Esse cuidado com
as coisas, além do resultado pelo resultado, fez com que
as marcas que caminharam para a ecologia empresarial
criassem, nos Estados Unidos, o movimento Capitalismo
Consciente. Essas marcas dão prioridade a todos os que
Ecologia da marca
Como funciona a gestão
da comunidade de servir
Clientes
Customer Relationship Management
Canais
Trade Relationship management
Team Relationship Management
Regionais
Marca
dependem dela em pé de igualdade. Acionistas, clientes
e funcionários têm a mesma prioridade.
O resultado? Bom, esse talvez seja o tema da maioria
dos artigos dos próximos anos. As empresas que optaram por esse modelo de gestão têm, agora, suas ações se
valorizando até dez vezes mais do que aquelas que optaram por seguir o caminho do capitalismo convencional,
sendo submetidas apenas ao critério da avaliação do
resultado trimestral.
Esta é uma boa hora para mudar o diferencial do seu
negócio. É uma boa hora para as marcas começarem
a pensar em sustentabilidade genuína. Dessa forma,
cuide do atendimento a quem cuida do atendimento a
quem, lá na ponta, cuida do seu cliente. Quando atendidos por quem é bem atendido, os clientes agradecem,
compram mais da sua marca, recomendam e elogiam.
O acionista da sua marca vai amar o resultado que essa
nova atitude gera. Equipe feliz e cliente satisfeito geram
muito mais lucro!
Edmour Saiani
Presidente da Ponto de Referência, empresa especializada
em construção de cultura e gestão de atendimento e serviços.
Autor dos livros Loja viva: revolução no pequeno varejo brasileiro
(Editora Senac, Rio de Janeiro, 2009) e Ponto de Referência: Como
se tornar número 1 no que você faz (Editora Pearson Brasil, 2005)
setembro/outubro de 2012 | Revista da ESPM
111
ELE PASSOU PELA ESPM
Roni Cunha Bueno
A vitoriosa carreira do
atleta do e-commerce
Por Carlos Roberto F. Chueiri
Conheça a trajetória de Ronaldo Cunha Bueno Neto, o Roni, ex-aluno da ESPM que
ajudou a transformar a Netshoes em uma das maiores empresas de e-commerce do Brasil
“O
executivo certo, no lugar certo.” Aforismo
barato? Dane-se. Se existe o casamento
perfeito entre a atividade profissional de um
indivíduo e a sua personalidade, a citação
do aforismo torna-se pertinente. No caso do ex-aluno da
ESPM Ronaldo Cunha Bueno Neto, o Roni, como está no
seu cartão de visita, a ligação é perfeita. Seduzido pela
internet e casado com o e-commerce, este paulista, paulistano e são-paulino, de 34 anos, dirige o marketing da
Netshoes com a precisão das cestas do atleta Varejão, a
decisão das cortadas do Giba, o preciosismo dos passes
do Lucas e a disposição inesgotável do Cielo.
Roni está no e-commerce há seis anos e seu crescimento
profissional acompanhou o desenvolvimento da Netshoes,
empresa à qual está intimamente ligado há mais de cinco
anos. Com um faturamento estimado em R$ 1 bilhão (para
2012) – incluindo as operações da marca na Argentina e no
México –, a Netshoes é oriunda de uma cadeia paulistana de
lojas de calçados. Uma dúzia de anos depois de sua fundação, em 2000, o empreendimento tornou-se o “maior conglomerado de lojas virtuais de esporte da América Latina”.
Para ajudar a transformar a Netshoes em um ativo canal
de venda através do e-commerce, os diretores da empresa
escolheram Roni Cunha Bueno, um jovem experiente,
estudioso, dinâmico e extremamente dedicado, que desembarcava de resultados marcantes em duas empresas
especializadas, ligadas ao marketing direto e ao uso intenso
dos recursos do marketing virtual: DMKT e CRMachine.
Em 2007, o desafio da Netshoes significava “uma ruptura de valores nas tradições do mercado calçadista, no
Brasil”, segundo Roni, que foi ex-aluno do Colégio Santa
Cruz e da ESPM, onde se graduou em 2001. O marketing
112
Revista da ESPM | setembro/outubro de 2012
desenvolvido pela equipe que ele dirige tornou possível
a nova realidade em cinco anos.
Eterno apaixonado
Roni passou no vestibular da ESPM junto com outros dois
cursos: arquitetura, no Mackenzie, e artes plásticas, na
Unesp. Mas acabou encantado pela ESPM e pelo marketing.
Ao desfrutar dessa opção, alguns fatos foram marcantes
durante o curso. “Aprendi muito nas salas de aula, com os
professores da ESPM. Entretanto, alguns acontecimentos
influenciaram fortemente essa fase da minha vida”, avalia
o profissional, que foi presidente do Centro Acadêmico
4 de Dezembro, zagueiro do time de futebol da Escola e,
durante quatro anos, chefiou a torcida da ESPM. “Nesse
período ganhamos todos os títulos de ‘melhor torcida’ nas
competições que disputamos.” Naturalmente, as amizades
nascidas naquela época ficaram registradas, para sempre,
na memória do ex-aluno. “Infelizmente, não mantenho
tanto contato com antigos colegas como gostaria, mas
não os esqueço. Considero o ‘não dispersar’ algo muito
importante para a nossa carreira.”
Logo surgiu o primeiro convite de trabalho. Começou
a atuar na área de criação. Depois passou a se interessar
pela internet e, na sequência, pelo marketing direto.
Sua carreira foi crescendo gradativamente até chegar ao
e-commerce, seu encantamento atual. “Eu deixo a minha
carreira me levar”, diz Roni, parodiando o cantor Zeca
Pagodinho. “Faço uma dicotomia entre (os conceitos)
‘fazer o que gosta’ e ‘aprender a gostar do que faz’. Faço o
que gosto e aprendi a gostar (mais ainda) do que faço. O
varejo é muito dinâmico. E o e-commerce é ainda mais!”
Segundo ele, fazer parte do mundo digital é o sonho de
“Aprendi muito nas salas
de aula, com os professores
da ESPM.Entretanto,
alguns acontecimentos
influenciaram fortemente
essa fase da minha vida”
setembro/outubro de 2012 | Revista da ESPM
113
ELE PASSOU PELA ESPM
qualquer executivo (ligado) ao marketing direto, porque
as premissas do marketing direto estão sublimadas na
prática do e-commerce. “Tudo o que um profissional da
área gostaria de fazer eu posso fazer com mais desenvoltura, maior rapidez e da maneira mais econômica na
internet”, observa o diretor de marketing da Netshoes,
ressaltando que o grande problema do marketing direto
sempre foi o custo da formação do mailing, da criação e
da produção das peças, da postagem.
Hoje, na Netshoes, ele consegue trocar, em “real time”,
todo o processo de comunicação com o mercado. “Em milésimos de segundo, posso modificar uma comunicação
publicitária e dirigi-la apenas para você!” Sem guardar
segredo, ele revela que o sucesso de uma ação está em atingir o consumidor em momentos especiais e memoráveis,
como a data do seu aniversário ou ainda a lembrança de
uma transação bem-sucedida, digamos, feita há um ano.
Apesar de ser a principal característica da Netshoes,
a operação dos processos de comunicação, inerentes ao
e-commerce, a equipe de Roni procura manter um ativo
processo de branding, com ações ligadas ao futebol, por
exemplo. “Estamos presentes nas placas dos jogos da
Seleção Brasileira e junto com diversos times profissionais, em diferentes mercados.” Ele também anuncia nos
programas esportivos da TV Globo. “Além disso, prestigiamos outras atividades esportivas, participando e
criando eventos, dentro das mais variadas modalidades.
Quando entramos numa categoria esportiva, participamos dela de A a Z.” No segmento de lutas marciais, por
exemplo, a marca é provedora de tudo, incluindo o protetor bucal usado obrigatoriamente pelo atleta durante a
luta. “Temos de oferecer diversos tamanhos, densidades,
formatos, cores... Tudo adaptado para qualquer tipo de
luta. E-commerce é prestação de serviço. E a Netshoes
leva tudo isso, absolutamente, a sério.”
A grande virada
Em 2007, Roni encarou um grande desafio do ponto de
vista do marketing: virar o jogo e construir uma marca
forte na internet por meio do e-commerce. Ele foi uma
das peças que caracterizaram esse movimento. “Essa
mudança de posicionamento significou uma ruptura de
valores nas tradições do mercado calçadista, no Brasil.
No início, tudo era difícil, pois a empresa era pequena e
precisava seguir as regras do mercado. Hoje, já podemos
até instituir novas regras no segmento.”
114
Revista da ESPM | setembro/outubro de 2012
Como exemplo, ele cita a questão do financiamento
e dos prazos das compras. Na época, a Netshoes seguiu
o que era praticado pelo mercado. Houve um momento
em que o mercado estava aberto a novas experiências.
Foi quando a empresa decidiu incursionar no caminho
do e-commerce e começou a ganhar “share”. “Nenhum
de nossos concorrentes teve a ‘visão mercadológica’ do
conjunto de oportunidades que a empresa vislumbrou na
ocasião”, lembra Roni. “Hoje, lideramos o e-commerce
no segmento de calçados e nossas regras podem ser
compartilhadas, alteradas, modificadas.”
Entretanto, a operação ficou mais cara, assim como os
investimentos em mídia. “Estamos vivendo um novo momento, mas é preciso ter cuidado. Quando um varejista
pensa em crescer, é natural que ele inaugure uma nova
loja. A Netshoes, ao pensar da mesma maneira, investe
em tecnologia”, compara o executivo.
“Em milésimos de segundo,
posso modificar uma
comunicação publicitária e
dirigi-la apenas para você!”
Ele explica que a forma de raciocínio sempre foi a
seguinte: em 2007, passar de sete para 14 lojas, dentro
de um programa de expansão, custaria tanto ou mais do
que apostar suas fichas no e-commerce. “Então, procuramos buscar a tecnologia necessária nos mercados mais
adiantados para atender melhor, prestar um atendimento
diferenciado e oferecer os melhores serviços.” Dessa forma, a Netshoes acabou construindo suas próprias regras
de atuação. Hoje, em mercados como o da Argentina e
do México, a Netshoes chega a exportar o seu know-how
para esse tipo de especialização comercial.
Diante dos resultados que colheu ao investir no e-commerce, Roni faz um alerta aos estudantes de marketing e
comunicação social: “Entrem no mundo digital de cabeça! Nos próximos anos, tudo que hoje é feito na internet
poderá ser realizado em qualquer outro equipamento
eletrônico: rádio, TV, tablet, telefone inteligente etc.
Existe uma frase crucial neste universo: ‘digital is dead’”.
Segundo as previsões de Roni, em breve, o adjetivo
digital vai desaparecer do mundo do marketing, porque
passará a ser obsoleto. Não haverá mais especialistas na
área digital – um criador digital, um planejador de mídia
digital, um vendedor digital – porque tudo, em termos de
mercadologia e seus desdobramentos, vai girar em torno
do digital. “Sugiro que os estudantes da área ‘mergulhem’
neste mundo. Caso contrário, não irão sobreviver ao salto
que está para ocorrer.”
Isso porque, hoje, as compras já podem ser realizadas
de dentro de um carro parado no trânsito, com a utilização
de um tablet. Além disso, no meio de uma aula pouco interessante, o potencial comprador poderá analisar ofertas
através de um telefone inteligente e, a partir daquele local,
realizar uma compra que será entregue na sua casa, com
toda segurança. É o chamado “mobile commerce” ou,
simplesmente, m-commerce. O mundo digital vem à tona
com propostas muito atuais e modernas. O potencial comprador está conectado com tudo, simultaneamente, em
busca de respostas imediatas, em frações de segundos”,
ensina o ex-aluno da ESPM.
Nunca menospreze uma informação!
Neste cenário interativo, quando a interação se apresenta
concluída, entre o consumidor e a empresa, dados são
levantados. Depois de analisados, esses dados devem gerar informação, que por sua vez gera uma ação. “Aqui, na
Netshoes, essas premissas acabaram se transformando em
uma espécie de mantra. Agora é o consumidor quem manda”,
assegura Roni, que desenvolve todas as suas ações com base
“Entrem no mundo digital
de cabeça! Nos próximos anos,
tudo que hoje é feito na internet
poderá ser realizado em
qualquer outro eletrônico”
nas informações fornecidas pelos clientes. “E toda resposta
deve ser imediata, 24 horas por dia, os sete dias da semana.”
Comparando o mundo real com o universo virtual, ele
diz que, antigamente, o planejador de mídia localizava
seu target, codificava suas características – idade/condição social/estado civil/ocupação etc. –, lançava a campanha publicitária do produto ou serviço em veículos de
comunicação criteriosamente selecionados, e pronto.
No mundo digital é diferente, porque seu potencial comprador aparece totalmente decodificado diante de você
e esperando o que sua empresa tem para lhe oferecer.
Como dizem os americanos: no mundo digital você não
tem diante de si “places”, você tem “faces”.
Uma segunda dica de Roni para os estudantes é que
pesquisem e procurem entender o mundo da TI (tecnologia da informação). “A pior coisa do mundo é ser refém de
TI. Para conviver com o mundo digital, é preciso saber se
conectar com o especialista no assunto. Ele vai ser o seu
guia. E você vai precisar entender o que ele está dizendo.
Esse entendimento vai resultar o seu sucesso.”
Raio x virtual
2007
Netshoes decide operar pelo
sistema de e-commerce.
Implanta a diretoria de
marketing e contrata
Ronaldo Cunha Bueno Neto,
ex-aluno da ESPM (turma
2001), para dirigi-la. Na
época, Roni tinha menos de
30 anos de idade.
2009
É realizado o primeiro grande
investimento na área de
futebol profissional, com
o patrocínio do time Santo
André. Naquele ano,
a empresa já registrava
um faturamento anual de
R$ 160 milhões.
2010/2012
Cresce o número de projetos
de patrocínios de times
profissionais, como Atlético
Paranaense, Bahia, Cruzeiro
e Santos. A Netshoes investe
também no patrocínio de
entidades sociais, como a
Associação pela Cidadania
de Pessoas Deficientes
(Acide), e o Instituto Passe
de Mágica. Também registra
participações no patrocínio do
Campeonato do NBB (Novo
Basquete Brasil), da Academia
de MMA do Corinthians/SP,
do Circuito Corpore, do Circuito
Athenas e do Circuito Netshoes
Juventude (Skate/ São
Bernardo do Campo). Começam
as campanhas publicitárias
nas mídias convencionais e
virtuais. Já o faturamento anual
da empresa passa de R$ 367
milhões, em 2010, para R$
700 milhões, no ano passado,
sendo que a previsão é faturar
R$ 1 bilhão em 2012. Enquanto
isso, o portfólio de produtos
saltou de 18 mil itens para mais
de 30 mil itens neste ano.
setembro/outubro de 2012 | Revista da ESPM
115
ELE passou pela espm
Na linha do conhecimento, ele também considera
fundamental ter um apoio na área de estatísticas e saber
entender os inúmeros relatórios e gráficos de uma empresa. “De nada adianta conhecer a informação se você
não souber transformá-la em ação. O direcionamento mal
orientado – a má interpretação de uma informação – pode
resultar em um desastre mercadológico.”
Para ele, a grande diferença da Netshoes é o pós-venda.
“Somos uma empresa de e-commerce, na qual a prestação de serviços é fundamental. É um tipo de filosofia
empresarial.” Como exemplo, Roni cita a representação
exclusiva que a marca tem com a NBA na América
Latina. “Mais do que uma grande jogada de marketing,
essa iniciativa representa, dentro da nossa filosofia
de trabalho, mais uma ferramenta para prestação de
serviço, que se reflete em toda a cadeia do processo de
trabalho: desde o primeiro contato com o consumidor
até o pós-venda.”
O executivo ressalta ainda que o e-commerce democratiza o acesso, principalmente no Brasil, onde nos grandes
centros o consumidor tem tudo ao seu alcance, mas são
núcleos urbanos caóticos, inseguros e confusos. Nas
“A pior coisa do mundo
é ser refém de TI. Para
conviver com o mundo
digital, é preciso saber
se conectar com o
especialista”
116
Revista da ESPM | setembro/outubro de 2012
principais metrópoles brasileiras, é comum o indivíduo
gastar até duas horas para chegar ao trabalho. “Com um
celular no bolso, esse indivíduo pode fazer compras sem
perder o pouco tempo que dispõe para outras atividades.
Outro aspecto importante é a questão do acesso a produtos que, em centros menores, não são mostrados nas
vitrines das lojas.”
Essa democratização da oferta permite ao consumidor
escolher uma entre três mil tipos de chuteira presentes
no site da Netshoes. Assim, mesmo morando a 500 quilômetros de distância da capital, esse internauta poderá
calçar a mesma chuteira que o jogador Luís Fabiano usa
para marcar seus gols no Morumbi. “Resultado: esse consumidor se sente incluído economicamente, partícipe,
atendido. Todo indivíduo faz parte do quadro social em
que está inserido”, assegura Roni, apresentando outro
exemplo. “No Brasil, a Netshoes tem exclusividade na
venda de camisas de clubes estrangeiros, como as do
Paris-Saint Germain. Essas camisas originais estão ao
alcance do toque dos dedos do consumidor. E o mais
importante: é uma transação de compra garantida, legal,
por se tratar de uma mercadoria genuína.”
Sem fronteiras
De acordo com Roni, a operação de internacionalização
da Netshoes está a todo vapor e está sendo comandada
a partir do Brasil. “Entramos em mercados que estão se
formando agora, passando por vicissitudes que nós já
superamos. Assim, a experiência brasileira vai servindo
de base para as adaptações locais. O argentino, por exemplo, navega mais que o brasileiro na internet, mas compra menos. Possivelmente, por dispor de menos opções”,
conclui Roni, que recentemente viu a Netshoes ser eleita
a melhor loja virtual em operação no território argentino.
“Pode parecer recorrente, mas não me vejo praticando o
marketing a não ser através do e-commerce. Tenho um
vínculo muito forte com a Netshoes e ela comigo.”
Ele revela que em qualquer outra empresa – “uma hipótese absolutamente inviável” – tentaria desenvolver o
e-commerce, algumas ações de marketing direto e a venda
do tipo one-to-one. “Este é o estilo de que eu gosto, que me
sinto perfeitamente à vontade. Para aqueles que estão
ingressando no mercado, recomendo muita persistência,
a busca incessante da cultura em assuntos de marketing
e, naturalmente, da ampliação do seu universo cultural.
E, dentro do possível, focalizar naquilo que mais gosta.”
Roni fala com propriedade no assunto, já que chegou a
fazer oito cursos complementares sobre internet e suas
especialidades, quando ainda era aluno regular da ESPM.
“E continuo atento, focado, querendo saber mais e mais. É
uma questão de disciplina pessoal ou de aperfeiçoamento
profissional. Algum preciosismo, talvez.”
Reconhecido pela crítica especializada, por duas
vezes, como o “melhor diretor de marketing direto do
Brasil”, Roni foi considerado pelo grupo M&M como um
dos “dez profissionais mais inovadores do mundo digital
do país”, bem como eleito pela Oracle o “melhor CMO do
ano de 2012”.
Praticante da corrida, ele diz que adora um bate-bola de
fim de semana e é fixado em fotografia. Ao descansar da
sua pesada agenda profissional, ele não abandona um minuto sequer a companhia da esposa e de suas duas filhas.
Finalizando a entrevista, perguntamos como enfrentaria
os desafios de alguma outra experiência revolucionária
como a da Netshoes em um ambiente mercadológico
diferente daquele no qual está inserido atualmente. A
resposta de Roni voltou incisiva: “Ainda nem pensei nesse
assunto...”. Ele é o executivo certo, no lugar certo. Alguma
dúvida? Por favor, cartas à redação.
Passo a passo
Confira quais foram os acontecimentos marcantes
na trajetória empresarial da Netshoes
2000 – Netshoes inicia sua operação comercial
com uma loja na rua Maria Antônia, no bairro da
Consolação, na capital paulista.
2007 – Marca entra no e-commerce, com o
encerramento das atividades comerciais das sete
lojas da rede. A nova Netshoes começa a operar no
seu Centro de Distribuição em Barueri (SP).
2009 – Inauguração da nova sede, no bairro da
Liberdade, em São Paulo.
• Tiger Global, importante fundo internacional
de participações entra no esquema operacional
da empresa.
• Primeira empresa brasileira no seu segmento
a atuar com atendimento via rede social.
2010 – Implantação da nova plataforma
ATG, da Oracle.
2011 – Netshoes adota novo posicionamento
mercadológico: ”Sem limite entre você e o esporte”.
• Recebe o Prêmio Oracle na categoria ”Inovação
do Ano”.
• No dia 1º de outubro implanta suas operações
na Argentina. Menos de vinte dias depois entra
também no mercado mexicano.
• Torna-se a primeira empresa e-commerce
de material esportivo brasileiro a operar com
uma loja mobile.
• Passa a ser a representante oficial da americana
NBA (National Basketball Association) para
a América Latina.
• Inaugura seu segundo Centro de Distribuição
em Itapevi (SP)
2012 – Inauguração de mais um prédio administrativo
na Liberdade, em São Paulo.
• Recebe o aporte de R$ 135 milhões da Temas.
• No Parque Villa Lobos, em São Paulo, implementa
o ”NBAX Basquete e Entretenimento”, em parceria
com a NBA.
• Inicia um processo operacional inédito de entrega
de bicicletas, enviando, ao usuário, o produto
devidamente montado.
setembro/outubro de 2012 | Revista da ESPM
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leitura recomendada
Felicidade S.A.
Alexandre Teixeira
Arquipélago Editorial,
Porto Alegre – 2012
288 p. – R$ 45,00
O mundo do trabalho vive uma revolução silenciosa. Depois de décadas
tendo o dinheiro como estímulo
quase único aos seus funcionários,
organizações inovadoras começam a
perceber que esse modelo está ruindo. A remuneração ainda é decisiva,
claro. Mas, num mundo traumatizado
pela crise que veio de Wall Street,
salários e bônus já não exercem o
mesmo fascínio. A busca por um
propósito, a chegada de uma nova
geração ao mercado e a reinvenção
dos escritórios convergem para um
ideal há muito negligenciado: a felicidade no trabalho. Este é o tema do
primeiro livro do autor.
Alexandre Teixeira é jornalista formado pela
Faculdade Cásper Líbero. Trabalhou em
algumas das principais redações do país,
sempre na área econômica e de negócios.
Foi repórter do Jornal da Tarde e do Valor
Econômico, além de editor das revistas
Istoé Dinheiro e Época Negócios
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Revista da ESPM | setembro/outubro de 2012
Estratégia Empresarial:
promovendo o crescimento
sustentado e sustentável
Luis Augusto L. Mendes
Editora Saraiva, São Paulo – 2012
360 p. – R$ 55,00
Obra ideal para executivos de empresas cujo crescimento é uma questão
relevante, pois mostra o que as organizações devem fazer para aumentarem suas receitas no difícil ambiente
econômico em que a maioria delas
está inserida. Além dos aspectos de
porte e posse de ativos, a geração de
vantagens competitivas empresariais
está associada à capacidade criativa. O
autor apresenta respostas para questões complexas, como: onde buscar
a próxima onda de oportunidades de
crescimento e para onde ela levará os
negócios?; e o que define as fronteiras
empresariais?
Luis Augusto Lobão Mendes é
mestre em engenharia de produção e
especialista em gestão da qualidade pela
Universidade Federal de Santa Catarina.
É professor de planejamento estratégico
e desenvolvimento organizacional pela
Fundação Dom Cabral
Frases perfeitas para
atender bem o cliente –
Situações delicadas pedem
respostas precisas
Robert Bacal
Editora Saraiva, São Paulo – 2012
240 p. – R$ 24,90
Você já deve ter ouvido a frase “O
cliente tem sempre razão”, certo? Esta
máxima é válida mesmo quando esse
cliente é desinformado, confuso ou
até mesmo difícil. Nesta obra, o leitor
encontra um guia com técnicas simples e efetivas para ajudar a atender
às necessidades dos consumidores
mais exigentes. Como neutralizar
situações ruins antes que se tornem
piores ou, ainda, como construir relacionamentos de longo prazo com
clientes importantes estão entre os
ensinamentos do livro.
Robert Bacal é CEO e fundador da
Bacal & Associates, consultoria de gestão
e empresarial. É autor de livros sobre
gestão de desempenho, metas,
avaliações de desempenho
e gestão de pequenas empresas
Jovens para sempre:
como entender os conflitos
de gerações
Sidnei Oliveira
Integrare Business, São Paulo – 2012
128 p. – R$ 35,00
O crescimento da economia, a crise
europeia e a busca por talentos fazem
do Brasil um novo polo de atração
para estrangeiros. Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e
pelo Conselho Nacional de Imigração
(CNig), em 2011 foram concedidas 70
mil autorizações de trabalho, um salto
de quase 25% em relação a 2010. Mas
não são apenas os estrangeiros que
desembarcam no Brasil em busca de
melhores cargos e salários. Brasileiros
da geração X – que agora atingem
seus 50 anos e fizeram carreira no
exterior – estão retornando ao País,
atraídos por propostas tentadoras,
fato que infla o mercado de trabalho
local e reduz as oportunidades para
os jovens da geração Y.
Sidnei Oliveira consultor, autor e
palestrante, expert em gerações,
desenvolvimento de novos talentos
e redes sociais
O mercado de luxo no Brasil:
tendências e oportunidades
Cláudio Diniz
Editora Seoman, São Paulo – 2012
248 p. – R$ 40,00
Diniz viaja através do tempo para caracterizar as configurações do luxo no
mundo, desde suas primeiras formas de
manifestação até a atualidade. A obra
destaca as potencialidades do mercado
brasileiro e as características psicológicas desse consumidor. Segundo o autor,
o segmento nacional é jovem e ainda
apresenta um crescimento significativo.
Os bons resultados do mercado de luxo
estão relacionados aos investimentos
em infraestrutura, promovidos pelo
pré-sal e por eventos esportivos que
marcarão o país na próxima década,
como a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 –, que têm atraído muitos investidores internacionais.
Cláudio Diniz possui MBA em gestão do
luxo pela Faap, tendo concluído estudos na
área no London College of Fashion
e na Essec Business School.
É embaixador no Brasil da rede social
ELEQT e idealizador da Maison du Luxe
(http://www.maisonduluxeeventos.com)
O lado humano do sucesso
Carlos Morassutti
Editora Alaúde , São Paulo – 2012
196 p. – R$ 24,90
Neste livro, o autor remonta a história de sucesso da Volvo do Brasil, ao
mesmo tempo em que narra a própria
trajetória profissional. Também aponta os erros e acertos em ambas as
situações, mostrando como a atitude
correta em cada ação acabou transformando fracassos em sucessos.
Um livro que certamente agradará a
empresários de todos os segmentos
e também a pessoas que se interessam por assuntos relacionados à área
de recursos humanos. Por meio dele,
tem-se a chance de conhecer mais
de perto a trajetória de uma empresa
que está presente em mais de 180
países, nos segmentos de caminhões,
ônibus, equipamentos de construção
e motores marítimos, além da área de
serviços financeiros.
Carlos Morassutti atua na área de
recursos humanos há mais de 40 anos.
É vice-presidente de RH e assuntos
corporativos da Volvo do Brasil, onde
trabalha desde a fundação da empresa
setembro/outubro de 2012 | Revista da ESPM
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leitura recomendada
Lean Office: operação,
gerenciamento e tecnologias
Ana Carolina Greef, Maria do Carmo
Duarte Freitas e Fabiano Barreto
Romanel
Hugo Pena Brandão
Editora Atlas, São Paulo – 2012
240 p. – R$ 52,00
Editora Atlas, São Paulo – 2012
160 p. – R$ 39,00
Esta obra oferece um referencial
amplo para a estruturação e administração de ambientes de escritório,
a partir de definições, práticas e fatos
históricos relativos ao Lean Office.
Na primeira parte da obra, os autores
apresentam a origem do conceito enxuto, por meio do histórico de
acontecimentos sociais, industriais
e comerciais da racionalização e da
melhoria do trabalho, precursores do
lean. Na segunda parte, enfatizam
aspectos gerenciais e operacionais da
gestão da informação, dos fluxos de
informação e da mentalidade enxuta.
Tanto no meio acadêmico quanto no
ambiente organizacional, muito se
discute a respeito do conceito de competência no trabalho, do processo de
mapeamento dessas competências e
de suas aplicações no campo da gestão de pessoas. Dividido em quatro
capítulos, o livro reúne mais de 15 anos
de experiência do autor – que é doutor
em psicologia do trabalho e das organizações e mestre em administração de
empresas – na condução e orientação
de processos de mapeamento de competências em diferentes organizações.
A publicação conta ainda com uma
série de exercícios práticos e seus
respectivos gabaritos, que ensinam o
leitor a aplicar as técnicas de mapeamento de competências.
Ana Carolina Greef é pesquisadora
especializada em fluxos de informação,
gestão da informação e Lean Thinking
Maria do Carmo Duarte Freitas é
engenheira civil, mestre e doutora em
engenharia de produção
Fabiano Barreto Romanel é engenheiro civil
pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP)
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Mapeamento de
competências: métodos,
técnicas e aplicações em
gestão de pessoas
Revista da ESPM | setembro/outubro de 2012
Hugo Pena Brandão é especialista na
elaboração e análise de projetos pela
FGV/Ebap, em marketing pela UFRJ/
Coppead
A notícia como fábula:
realidade e ficção se
confundem na mídia
Renato Modernell
Summus Editorial, coedição com a
Editora Mackenzie, São Paulo – 2012
168 p. – R$ 34,90
Onde se situa a fronteira entre o real e
o imaginário? Um texto tem condições
de traduzir a realidade? Este livro nos
lembra de algo que às vezes esquecemos: a notícia que consumimos no
dia a dia não passa de uma das possíveis versões de um acontecimento.
A obra é resultado de um estudo de
mestrado concluído em 2004, na USP,
e aprofundado posteriormente pelo
autor. Um trabalho que dialoga com a
fantasia e não se limita ao repertório
conceitual das áreas mais familiares
de Modernell, como o jornalismo e a
literatura. Suas reflexões passeiam,
sem muita cerimônia, pelos domínios
da filosofia, da mitologia e da arte.
Renato Modernell é jornalista e trabalhou
nas revistas Quatro Rodas, Globo Ciência,
Época e Caminhos da Terra. Atualmente,
dá aulas na Universidade Presbiteriana
Mackenzie e na Academia Brasileira de
Jornalismo Literário (ABJL)
Ponto de vista
Através da névoa
S
Jayme Sirotsky
empre que converso sobre mudanças tecnológicas
Observamos essas recomendações na governança do nose comportamentais com os colaboradores da nossa so grupo. Temos desenvolvido uma cultura de planejamento
empresa, todos mais jovens do que eu, costumo fazer centrada na realidade e nas projeções dos campos em que
uma brincadeira: digo-lhes que não temo o futuro porque atuamos ou pretendemos atuar. Recentemente, realizamos
já o conheço. Antes que eles me julguem pretensioso ou uma profunda discussão dos valores da empresa, procurandesconectado da realidade, porém, trato de esclarecer:
do ressignificá-los e atualizá-los. Esse processo foi ampla– Conheço o futuro porque já o vi chegar muitas vezes. mente compartilhado com os colaboradores. O grupo optou
Só para ficarmos na nossa atividade, a comunicação, por fazer um dos seus maiores investimentos nas pessoas,
vi chegar a televisão, o computador, o telefone móvel com o propósito de incentivar a agilidade, a criatividade e
e todas essas inovações que encolheram o planeta e o empreendedorismo. A ideia não é apenas permitir, mas
mudaram paradigmas culturais, sociais e econômicos. também criar e estimular a cultura da iniciativa. Tomamos,
Vi, também, que as empresas que melhor enfrentaram ainda, a decisão de manter tanto a governança quanto os
essas mudanças foram aquelas que tiveram condições de vários escalões da empresa informados e participativos a
fazer um bom planejamento estratégico
respeito do nosso planejamento estratégie souberam projetar cenários prováveis e
co. Entendemos que uma organização tem
Certamente, não se
improváveis para seus negócios.
de ser suficientemente ágil para permitir
Certamente, não se pode prever o futudiscussões e atualizações do planejamenpode prever o futuro
ro com precisão. Mas pode-se, sim, reduto, sempre que parecerem necessárias.
com precisão. Mas
Esse compartilhamento, acreditamos, é
zir consideravelmente as incertezas e os
pode-se, sim, reduzir
um
dos elementos que nos mantêm focariscos de surpresas impactantes. O nome
consideravelmente
desse oráculo continua sendo Planejados
nas premissas de um planejamento
as incertezas e os
bem-sucedido: procuramos saber cada vez
mento Estratégico – ferramenta que se
riscos de surpresas
mais qual é o nosso negócio, estabelecer
tornou ainda mais imprescindível neste
impactantes
prioridades sensatas e ter as pessoas certas
mundo globalizado em que as mudanças
nos lugares certos. E – não menos imporsão vertiginosas; os clientes, instáveis;
e os concorrentes, cada vez mais ágeis.
tante – fazemos questão de manter o olhar
Porém essa ferramenta também teve de se modernizar permanentemente no horizonte. Procuramos enxergar
para se manter eficiente. Já não basta para uma organi- através da névoa, pois é lá que está o futuro.
Planejar é revisar. Planejar é mudar mesmo quando tudo
zação fazer planos no longo prazo e jogar suas fichas na
implementação, sem considerar variáveis que possam parece estar dando certo. Planejar é confiar nas pessoas.
alterá-los completamente ou até mesmo inviabilizá-los. Planejar é entender que conflitos podem gerar soluções
Como ensina o professor Ram Charan, consultor de melhores. Planejar é unir pessoas, estratégias e operações
grandes corporações e guru dos administradores, o no sentido da perpetuação do negócio. Planejar é antecipar
planejamento estratégico precisa ter sentido prático e o futuro para que ele não nos surpreenda.
servir apenas de roteiro para a execução. “A essência da
estratégia é dizer em que direção o negócio está indo,
como o negócio se posiciona em relação aos concorrentes,
Jayme Sirotsky
se esse posicionamento faz sentido e como a empresa vai
Presidente emérito e integrante do conselho
crescer”, diz ele.
de administração do grupo RBS
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Revista da ESPM | setembro/outubro de 2012

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