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PELO MUNDO
Nippon Ginko: sím
do desenvolvimen
Jorge Varaschin
Arquivo pessoal
O nono artigo da coluna “Pelo Mundo” trata do Banco de Desenvolvimento do Japão,
conhecido como Nippon Ginko. O artigo foi escrito por Jorge Varaschin, Bacharel e
mestre em Economia do Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS). Jorge obteve o 2º lugar no 34º Prêmio BNDES de Economia e no
Prêmio do Conselho Regional de Economia do RS 2014 com a dissertação “Para
Além do Populismo Econômico: Uma Interpretação da Política Econômica do
Governo João Goulart (1961 – 1964)”.
O
Japão obteve, durante todo o século XX, uma
das maiores taxas de crescimento do produto
verificadas até então. Símbolo do capitalismo
asiático, sua nova estrutura de organização
empresarial, câmbio desvalorizado e uma política monetária heterodoxa fizeram da construção do capitalismo japonês uma das mais exitosas experiências de desenvolvimento econômico do século passado. Sua peculiaridade
ultrapassa uma suposta vitalidade inerente à economia japonesa: associada a uma estratégia de expansão do mercado
externo via aumento das exportações, redução dos custos
empresariais e uma política deliberada de desvalorização
cambial, atrelando o iene ao dólar, a experiência japonesa
demonstra que uma perspectiva de desenvolvimento de longo prazo exige uma certa dose de paciência e criatividade.
Em outras palavras: o Japão nos mostra que os manuais
podem não apresentar as melhores soluções para um determinado cenário de política econômica. No caso, situações
específicas demandam respostas específicas.
Nesse contexto, o principal espaço de elaboração da política monetária, o Banco do Japão, conhecido como Nippon
Ginko, aparece como um dos grandes protagonistas na trajetória de crescimento do país, exercendo importante
influência nos rumos do processo de formação do capitalismo japonês. Criado em 1882 para sedimentar a unificação
monetária logo após a Restauração Meiji, que pôs fim à chamada Era Tukugawa e à descentralização econômica e política estabelecida pelos han, a instituição estabeleceu uma
ampla reforma financeira e monetária, com base na realocação dos fundos públicos herdados do período anterior.
Através, principalmente, da criação de uma dívida pública
nacional, lastreou-se a formação de um sistema financeiro
com capilaridade nos bancos privados em formação.
Apresentando o cenário do final do século XIX: as casas da
moeda dos antigos feudos tornaram-se, após a Restauração,
bancos comerciais com poder de emissão que, somado à Lei
da Cunhagem de 1871, instituindo o padrão-ouro no país,
criou um contexto de desordem monetária. Esse cenário foi
minimizado apenas em 1885, quando o recém-criado Banco
do Japão passou a emitir suas próprias moedas conversíveis,
tornando-se, a partir desse momento, o referencial para a
emissão monetária, política de crédito e controle inflacionário. Mais que isso: por meio de uma política de criação de
“bancos especiais”, que limitariam a expansão creditícia e
atuariam como bancos semioficiais (já que com recursos do
banco japonês e sob sua coordenação) de investimentos de
longo prazo, centralizaram-se capitais, tendo como perspectivas a adoção de políticas industriais seletivas para diferentes setores, além, é claro, de atuarem contra o ciclo econômico em momentos de recessão. Em outras palavras: o Banco
do Japão surgia como responsável por garantir a liquidez
para o sistema em sua totalidade. Anos mais tarde, essa política deliberada do governo japonês, sob a salvaguarda de seu
Banco Central, formaria os chamados Zaibatsus, conglomerados existentes em diversos setores industriais. Com isso,
em comparação com bancos europeus, estabelecia similaridades com o Reichsbank alemão, por meio de um manuseio
ativo da política monetária a favor da formação de novas
indústrias, marca indelével dos países da Segunda Revolução
Industrial. A elasticidade do sistema monetário permaneceu, regulando-se a partir de 1888, através de uma emenda à
Lei do Banco do Japão que impunha regras para a emissão
por parte dos bancos, lastreado, principalmente, por títulos
da dívida pública. Tendo como pano de fundo a visão de
uma moeda endógena, propunha-se garantir a liquidez para
as indústrias nascentes, o que, ligado ao então militarismo
existente no país, favoreceu amplamente a indústria bélica.
O que se depreende nesse momento é a centralidade do
papel do banco japonês no processo de industrialização nacional, adotando postura ativa e propositiva na condução de
RUMOS – 44 – Maio/Junho 2015
bolo da peculiaridade
to capitalista japonês
uma política monetária em prol do crescimento do produto e da consolidação de
um sistema financeiro nacional, com capilaridade e liquidez em seu sistema bancário. Tal postura tornou-se elemento cultural do próprio banco e mesmo da economia japonesa, permanecendo no pósSegunda Guerra Mundial, período no qual
se inicia uma nova etapa em seu desenvolvimento.
Após o lançamento de duas bombas
nucleares sob Hiroshima e Nagasaki e a consequente rendição para os Aliados, em
1945, o Japão estava devastado. Sua indústria estava destruída, assim como grande
parte da infraestrutura do país. Além disso,
nos anos posteriores à guerra, elevou-se a
emissão monetária, acarretando uma forte
pressão inflacionária. Em 1949, após uma
reformulação na chamada Banking Law of
1942, que estruturava a dinâmica interna do
banco, o Policy Board tornou-se o órgão
decisório, responsável pela elaboração e
supervisão das políticas monetária e creditícia. Juntamente a essas alterações, instituíase uma reforma orçamentária objetivando a queda das taxas
de inflação, paralelamente a um reordenamento da atividade
econômica, voltando-se a canalizar recursos para indústrias
estratégicas impactadas pela guerra. Nesse sentido, apesar das
pressões dos países aliados para que se desmantelassem os
Zaibatsus, o banco manteve o direcionamento da poupança
para determinados setores industriais, com taxas de juros artificialmente baixas. Essa política se manteve durante as décadas de 1950 a 1970, quando houve um aumento gradativo da
liberalização do mercado financeiro japonês. Durante esse
período, fortaleceu-se o sistema bancário do país, com o intuito de dar continuidade à supervisão da política creditícia, operada tanto pela taxa de redesconto quanto pelo controle quantitativo dos empréstimos aos bancos comerciais. Mantinhase, assim, uma combinação de políticas quantitativas e qualitativas para o fornecimento de crédito bancário.
O resultado das políticas descritas acima, somadas ao câmbio fixo, foi um rápido crescimento da economia japonesa,
mantendo em patamares moderados o nível geral de preços,
o que demonstra um aumento substancial de sua produtividade. Entre os anos de 1960 a 1973, o Produto Nacional
“
Bruto (PNB) cresceu a uma taxa média anual de 9,4%, com índices de inflação em torno de 5,8%. Em 1973, com o fim do sistema de câmbio fixo, voltou-se a uma política
monetária restritiva que, após um período
de relaxamento em 1975, se manteve até
1979. Como já referido anteriormente, a
década de 1980 representa o início de uma
liberalização gradual de seu sistema financeiro, acarretando um fortalecimento do
mercado de capitais, com um afastamento
entre as empresas e o sistema bancário nacional, diminuindo, com isso, o endividamento das primeiras. Durante todo o
período, o Banco do Japão operou ativamente para o fortalecimento da economia
japonesa em geral e de sua indústria em particular, com priorização de setores estratégicos, via crédito seletivo. É a liberalização
financeira, sob a pressão dos Estados
Unidos da América (EUA), que põem termo a esse modelo de política econômica.
As décadas de 1980 a 2000 foram de flexibilização do sistema financeiro japonês,
com feitos no dinamismo de seu sistema
bancário. O baixo crescimento, diretamente relacionado
com a valorização do iene, promovida no final da década de
1980, após pressão norte-americana, e seus previsíveis efeitos nas exportações do país, fizeram o banco japonês manter
uma taxa de juros em patamares muito baixos durante todo o
período. Com a crise de 2008, a situação se deteriorou, com
crescimento perto de zero e ainda o perigo deflacionário.
Nessa conjuntura, o início do século XXI tem sido de estagnação da economia japonesa, a despeito das tentativas de estímulo da instituição via política monetária. A liberalização
das últimas três décadas retirou parte substancial da capacidade de incidência do banco japonês, com aumento da
importância do mercado de capitais para o financiamento
das empresas, o que impõe limites e reduz a eficácia de sua
atuação.
Nesse contexto, sua peculiaridade, baseada em sua política pró-crescimento, por intermédio de uma certa dose de
heterodoxia, desvaneceu a partir do final do século passado.
Seu símbolo, porém, se mantém como uma das marcas do
capitalismo japonês e da expansão econômica asiática
durante o século XX.

A experiência
japonesa
demonstra
que uma
perspectiva de
desenvolvimento
de longo prazo
exige uma
certa dose de
paciência e
criatividade
“
RUMOS – 45 – Maio/Junho 2015