conflitos socioambientais pela mineração no departamento de

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conflitos socioambientais pela mineração no departamento de
A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO
CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS PELA MINERAÇÃO NO
DEPARTAMENTO DE ANTIOQUIA COLÔMBIA
NATHALIA AVILA ESCOBAR 1
Resumo:
O artigo tenta, a partir da compreensão de processos como a reprimarização da econômica
latino-americana, as crises do sistema capitalista e a apropriação-privatização dos recursos naturais e
do subsolo, construir um panorama dos efeitos e conflitos socioambientais em relação à mineração
no departamento de Antioquia na Colômbia, visando compreender sua relação com as noções de
desenvolvimento e modernização dos territórios e com a construção de movimentos sócio territoriais,
lutas e resistências em defesa da vida, da água e do território.
Palavras-Chave: Mineração, conflitos sócio ambientais, desenvolvimento, apropriaçãoprivatização dos recursos naturais, movimentos sócio territoriais.
Abstract:
The aim of this article is to build a scene of the effects and socio environmental conflicts
related to mining in the department of Antioquia in Colombia, analyzing process such as
reprimarization of Latin America economic, the crisis of the capitalist system and the appropriationprivatization of natural resources, especially subsoil resources. Although pretends to understand the
relation with the actual notion of development and modernization of territories and the construction of
local social movements, struggles and resistance in defense of life, water and land.
Key words: Mining, socio environmental conflicts, development, local social movements,
appropriation-privatization of natural resources.
1- Introdução
Atualmente experimentamos uma mudança significativa nos territórios latinoamericanos que se baseia na apropriação privada dos recursos naturais, terra e
água, e na afetação das formas de vida locais que dependem destes recursos. A
consolidação da Mineração e do Agronegócio, e paralelamente à construção de
grandes empreendimentos industriais que garantem o funcionamento destes como
Hidroelétricas, Barragens, grandes rodovias entre outros, produzem mudanças
sócioterritoriais e ambientais de grandes magnitudes em diferentes escalas de
análise geográfica, e por tanto a sua vez, um aumento dos conflitos ambientais e
das tensões sociais de base territorial em nosso continente.
1
Mestranda do programa de pós-graduação em geografia da Universidade Federal do Paraná.
Bolsista do Programa Estudantes-Convênio de Pós-graduação – PEC-PG, da CAPES/CNPq – Brasil.
E-mail de contato: [email protected]
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Entender as especificidades deste modelo de desenvolvimento Latinoamericano num departamento da Colômbia, emblemático na consolidação e
construção deste tipo de empreendimentos, mas também na consolidação de lutas,
resistências e movimentos sociais em contra deste ideal de desenvolvimento, como
é o departamento de Antioquia localizado ao noroeste do País, é o objetivo principal
deste texto. A partir da mobilização de conceitos como acumulação por espoliação,
extrativismo e conflitos socioambientais, e a partir de fontes secundárias em relação
à política de desenvolvimento atual na Colômbia e às ações e posicionamentos dos
movimentos sócioterritoriais de Antioquia, espera-se fazer um panorama dos
conflitos ambientais e territoriais no departamento em relação à mineração
transnacional e a outros tipos de empreendimentos.
2- Colômbia e o Desenvolvimento: A “Locomotiva” Da Mineração
Atualmente, a estratégia fundamental de desenvolvimento na Colômbia, como
na maioria dos países da América Latina, encontra-se baseada na reprimarização da
economia e na exportação-apropriação-privatização de recursos naturais. Segundo
Machado (2011) esta lógica de desenvolvimento faz parte de um fenômeno mais
amplo que tem como ponto de partida as crises do sistema capitalista no século XX
e as transformações estruturais do modelo de acumulação do capital que implicam
uma reorganização na divisão internacional do trabalho e nos esquemas de
dominação mundial. Uma destas reorganizações ocorre a partir da década dos anos
70, com uma nova crise do sistema capitalista, onde se começa a experimentar uma
transformação, do modelo de substituição de importações, a processos de
desindustrialização, reprimarização e recolonização da econômica latino-americana,
como dinâmicas que buscam o acesso, o controle e a exploração, desde os centros
mundiais de consumo, dos recursos naturais da periferia.
O neoliberalismo portanto surge, em palavras de Machado (2011) como uma
estratégia de resolução da crise sistêmica dos anos 70 e como um esquema de
reorganização sócio territorial da acumulação à escala global, no qual América
Latina em geral e a Colômbia em particular, adquirem uma importância fundamental
no mapa do domínio e controle sobre os territórios e os recursos naturais. Nesta
nova geografia desigual do capitalismo, os processos de mercantilização e de
exploração da natureza e da vida adquirem escalas globais nunca antes alcançadas,
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que se concretizam na América Latina na década dos anos 90, em um ciclo de
privatizações e reformas estruturais da economia, que em relação à mineração,
traduziu-se em reformas para facilitar e garantir a entrada dos capitais
transnacionais, como aconteceu em países como o Chile, o Peru, a Bolívia e o
México2 (MACHADO, 2011, p. 160)
A Colômbia introduziu na década dos anos 90 uma série de reformas
neoliberais destinadas a consolidar o desenvolvimento econômico por meio da
privatização, da apertura comercial, da liberalização financeira e da inversão
estrangeira. Porém, em relação com os outros países da América Latina, a Colômbia
entrou relativamente mais tarde nesse processo de reformas institucionais
destinadas à garantia da inversão estrangeira na mineração3. Foi no ano 2001 que a
Colômbia construiu a Lei 685, mais conhecida como o Código de mineração, no qual
se instaurou a mineração como uma atividade pública e de interesse social, sentouse as bases para incentivar a inversão estrangeira e se enfatizou o papel do Estado
como facilitador e fiscalizador do desenvolvimento de projetos mineiros.
A partir deste momento, e especialmente a partir do ano 2002 e junto com
uma política de segurança que promulgava a militarização do país, a inversão
estrangeira total no país cresceu de uma maneira exponencial passando de menos
de 3 mil milhões USD no período de 2001-2004 a 10 mil milhões USD no período de
2005-2008 (SOLER, 2012). No ano 2012 a Colômbia ocupava o terceiro lugar,
depois do Brasil e do Chile, em inversão estrangeira (ISUASTY E GRISALES, 2014).
Paralelamente, a inversão estrangeira na mineração tem tido um crescimento
constante desde o ano 2002. (SOLER, 2012)
Junto com o crescimento da inversão estrangeira na mineração, que para o
ano 2012 significava 17 % da inversão estrangeira total (BETANCUR, 2013),
2
Segundo Machado, nos países latino-americanos a partir da década dos anos 90 e com o apoio do
Banco Mundial, começaram a estabelecer-se as bases legais e institucionais que converteriam a
região num Território propício para o desenvolvimento dos interesses mineiros globais. Estas bases
legais foram adotadas em 1991 no Peru e na Bolívia e em 1992 no México. O caso do Chile é
especial já que foi o primeiro país na região em adotar estas bases nos anos 70 e 80 no contexto da
ditadura militar de Pinochet.
3
Segundo Vicente, Martin, Slee (2011) a entrada tardia da Colômbia no estabelecimento das bases
legais e institucionais para a entrada de multinacionais da mineração tem relação com a prevalência
do conflito armado interno.
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claramente os títulos em as solicitações de exploração no país aumentaram,
chegando a concessionar-se e solicitar-se para o ano 2012, 40 % do território
nacional a empresas de mineração (VICENTE, 2011). Todo o anterior, em um clima
de garantia a estes empreendimentos, estipulados na modificação do código de
mineração no ano 20114, nos planos nacionais de desenvolvimento desde 2002 até
o atual 2014-2018, e nos planos nacionais de desenvolvimento mineiro, que
promovem a segurança jurídica, os benefícios fiscais e comerciais e a flexibilidade
nos sistemas de controle ambiental5, características que segundo Machado (2011)
são fundamentais para facilitar a entrada das transnacionais nos territórios.
Atualmente,
a
mineração
é
a
“locomotiva”
mais
importante
do
desenvolvimento na Colômbia e segundo o documento de Colômbia 2019, esperase que este segmento continue crescendo até conseguir posicionar a indústria
mineira Colombiana numa das mais importantes da América Latina (VICENTE,
MARTIN, SLEE, 2011). Sob o discurso de geração de emprego, responsabilidade
empresarial, desenvolvimento sustentável e crescimento do Produto Interno Bruto, a
exploração mineira, a eficácia na exploração do subsolo colombiano e a inversão
privada, concebem-se como as únicas formas possíveis de alcançar o tão anelado
desenvolvimento econômico e a superação da pobreza (SOLER, 2012). Sob este
discurso de desenvolvimento impõe-se então uma racionalidade mercantil e uma
lógica econômica baseada na conquista-apropriação-privatização da entidade
natureza, terra-território-recursos naturais, e da conquista-apropriação-privatização
dos sujeitos, dos corpos e da vida mesma (MACHADO, 2011).
Este (re) surgimento do extrativismo baseia-se, portanto, num processo social
de apropriação privada, por parte de grandes corporações de bens naturais que são
fundamentais para a reprodução da vida local (GONÇALVES E MENDONÇA, 2013).
4
No ano 2011, implementou-se a reforma ao código de mineração de 2001, no qual se incluíram
modificações principalmente em relação ao aumento das zonas protegidas da mineração, à
supressão da divisão entre pequena, média e grande mineração, e no estabelecimento de
importantes isenções tributárias para as empresas (SOLER, 2012). No entanto, esta reforma ao
código de mineração foi declarada inconstitucional, por não prever os mecanismos de consulta prévia
que estipula a convenção 169 da OIT, aceita na Colômbia no ano 1989. Atualmente, portanto, o
código de mineração vigente é o primeiro código do ano 2001.
5
No ano 2010 foram feitas denúncias públicas por parte do Ministério de moradia e Meio Ambiente
em relação à adjudicação de títulos de exploração de mineiros em zonas de ecossistemas frágeis e
de proteção ambiental, que incluíam Parques Naturais e zonas de reserva Florestal. (VICENTE,
MARTIN, SLEE, 2011)
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A apropriação privada da terra, do território e da água, é fundamental então para a
viabilização da mineração e do modelo de desenvolvimento, e portanto também
paralelamente, os mecanismos de despojo e de violência exercidos em
comunidades, populações e modos de vida locais. A acumulação por espoliação
(HARVEY, 2005) como marco para entender esses processos que se baseiam na
mercantilização e apropriação da natureza e no despejo de populações
camponesas, assim como a violência estrutural da repressão-criminalização,
parecem ser processos fundamentais para compreender o modus operandi deste
modelo na Colômbia, quando o mapa do despejo, da expropriação e da violência
coincide com aquele dos grandes empreendimentos minero-energéticos6.
3- Antioquia: Apropriação Dos Recursos Naturais e Acumulação Por
Espoliação
Antioquia encontra-se localizado no noroeste da Colômbia e é um
departamento emblemático na produção minero-energética do país. No plano de
desenvolvimento do departamento 2012-2015 estipula-se a necessidade de
consolidar uma estratégia de desenvolvimento baseada na produção e geração de
madeira, água, irrigação e energia, o que se traduz no aproveitamento de sua
topografia e geologia para a geração de energia hidroelétrica e para a exploração
mineira (MARIN, 2013). De fato, Antioquia conta com uma grande riqueza hídrica,
encontram-se ali importantes bacias (a bacia do rio Cauca, a bacia do rio Magdalena
e a bacia do rio Atrato), com uma topografia onde 30% de seu território encontramse por cima dos 1.500 metros, e com um subsolo rico em minerais, principalmente
ouro, prata, calcário, cobre e carvão. Estas características convertem Antioquia num
território vital para a extração, a apropriação e a exploração de recursos naturais e,
portanto, em um departamento com um número significativo de conflitos ambientais
e territoriais pelo uso e a apropriação da terra, da água e do território.
6
Segundo Isuasty e Grisales (2014), e levando em conta a informação da Unidade de Restituição de
Terras, as regiões mais fortemente afetadas pelo conflito armado interno coincidem com as regiões
dos grandes empreendimentos minero-energéticos do país. Vicente, Martin, Slee (2011) afirmam
também que muitas multinacionais chegaram a lugares que tinham sido cenários de violência,
desaparição forçada e assassinatos e que atualmente os índices de violação aos direitos humanos
nas zonas de mineração são alarmantes.
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Mapa 1 – Colômbia: Departamento de Antioquia.
Fuente: Sociedad Geográfica de Colombia, Atlas de Colombia IGAC. 2002
Organização: Sociedade Geográfica de Colômbia
Em relação à geração de energia, Antioquia é a região com maior potencial
hidroelétrico do país, já que conta com 45 hidroelétricas, onde gera-se 33% da
produção nacional de energia (MARIN, 2013). Estas hidroelétricas são propriedade
de diversos empresários privados nacionais e das empresas públicas de Antioquia
ISAGEN e EPM. A construção destas hidroelétricas e de mais nove que tem
planejado
construir-se,
têm
gerado
uma
forte
modificação
da
natureza,
principalmente da dinâmica dos rios e das fontes hídricas, que a sua vez têm
afetado a produção e reprodução de modos de vida camponeses, principalmente
pelo despejo e pela apropriação privada da água e da terra que pressupõem estes
empreendimentos (BETANCUR, 2013).
Em relação à mineração, Antioquia ocupa o primeiro lugar em títulos e
solicitações de exploração mineira e conta com uma porção importante dos distritos
mineiros de ouro do pais. No departamento nos últimos cinco anos aumentou o
número de solicitações de exploração de minerais especialmente nas sub-regiões do
Nordeste e do Sudoeste e para o ano 2012, 17 % do território do departamento
encontrava-se titulado a empresas mineradoras (BETANCUR, 2013).
Segundo
dados da Agencia Nacional de Mineração ANA, os principais minerais extraídos para
o ano 2014 foram metais preciosos, ouro, prata, zinc e cobre, extrações localizadas
em quase todo o departamento, mas principalmente nas sub-regiões do Nordeste,
do Baixo Cauca, do Sudoeste e do Ocidente; materiais para a construção,
especialmente calcário e mármore, localizados principalmente na sub-região do
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Oriente; e carvão, localizado na sub-região de Uraba. No mapa 2 podem observarse a localização dos títulos e das solicitações para mineração em Antioquia.
Mapa 2 – Localização de Títulos e solicitações para Mineração, Antioquia 2012
Fuente: Cadastro Mineiro Colombiano. Títulos e solicitudes 2014
Organização: Terra Minada
A extração de minerais é realizada por algumas empresas privadas nacionais
e por grandes empresas transnacionais dentro das quais encontram-se, na
mineração de ouro e metais preciosos, Gran Colômbia Glod, Solvista Gold
Corporation e Continental Gold do Canadá e Anglo Gold Ashanti da Sudafrica, e na
mineração de materiais para a construção, Holcim da Suíça, Cemex do México e
Argos. É importante ressaltar que esta divisão entre empresas nacionais e
transnacionais não é muito clara já que estas últimas “fraccionam” suas áreas e
realizam “alianças” com outras empresas como estratégia para ocultar a grande
concentração de áreas de exploração que possuem e para reduzir o pago de
impostos. Desta forma, títulos minérios que aparecem com o nome de Minera
Quebradona Holdings Ltda. e Exploraciones Chocó Colômbia S.A.S têm conexões
diretas com Anglo Gold Ashanti, e títulos com o nome de Minerales OTU S.A, têm
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conexões diretas com Continental Gold7. De fato, Continental Glod e Anglo Gold
Ashanti são duas das empresas multinacionais com mais títulos no país.
A
mineração
no
departamento
claramente
configura
processos
de
apropriação de recursos naturais, principalmente terra e água, que são vitais para a
produção
e
reprodução
de
modos
de
vida
camponeses,
indígenas
e
afrodescendentes. Em relação à pose da terra por exemplo, pode observar-se que
Antioquia não só ocupa o primeiro lugar em títulos e solicitações mineiras, senão
também em número de vítimas afetadas pelo conflito armado interno, que no
departamento ascendem a 1,2 milhões de pessoas. De fato, as zonas com maiores
títulos e solicitações para a exploração mineira, coincidem em algumas sub-regiões
especialmente o Nordeste, o Sudoeste e o Oriente, com as zonas de violência que
são alvo dos processos de restituição de terras despojadas pelo conflito armado
interno, como o assinala Isuasty e Grisales, (2014).
O caso de Antioquia é um exemplo de como, com o objetivo de favorecer as
dinâmicas de mundialização do capital e portanto, de reprodução das condições de
acumulação do sistema capitalista, constrói-se uma dinâmica de modernização do
território baseada na commoditização dos recursos naturais e na apropriação do
subsolo (GONÇALVES E MENDONÇA, 2013). Esta apropriação privada do subsolo
ligada irredutivelmente à destruição e contaminação ambiental e à exportação do
espaço ambiental, gera a sua vez uma multiplicação dos conflitos ambientais e das
tensões sociais de base territorial (ZHOURI E LASCHEFSKI, 2010). Os grandes
empreendimentos, neste caso de mineração e de construção de hidroelétricas,
intervêm o espaço territorial e alteram o ambiente e as relações culturais, integrando
de forma violenta espaços às dinâmicas capitalistas e afetando espaços e territórios
onde privilegiam outras dinâmicas e racionalidades e outras relações com a
natureza e os recursos ambientais.
4- Em Defesa da Vida e do Território: MOVETE
A mercantilização dos recursos naturais e a espoliação da Natureza e da
sociedade que pressupõe este modelo de desenvolvimento, gera disputas e conflitos
territoriais principalmente baseados nas expropriações das formas e modos de vida
7
Informação obtida do jornal Colombiano el Tiempo Artigo “Los dueños de las minas” 30 de nov. De
2012.
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que dependem dos recursos naturais, da terra e da água, para sua reprodução
material e simbólica. O território para estas comunidades é visualizado como um
todo onde não só convergem as condições naturais e físicas, senão também suas
próprias formas de sociabilidade e de construção comunitária e social. A
apropriação-privatização da Natureza e do subsolo baseada num ideal de
desenvolvimento pressupõe a alteração de formas e modos de vida alternativos e a
integração violenta de suas territorialidades ao sistema urbano-industrial-capitalista
(ZHOURI E LASCHEFSKI, 2010).
Mas esta alteração e integração não se dá sem luta, organização e
resistência. Numerosos movimentos sócioterritoriais surgem para defender o
território e a vida e para denunciar as contradições do desenvolvimento e a
situações que ameaçam a sua existência e sua reprodução material e simbólica. Na
Colômbia, estes movimentos têm numerosas nuances que podem ter como ponto de
partida tanto reivindicações nacionais quanto locais e/ou regionais, que podem ser
construídas em relação à posse da terra e/ou à contaminação da água e do ar, e
que são construídas também por uma diversidade de atores sociais, comunidades e
populações camponesas, indígenas, afrodescendentes e urbanas.
No âmbito regional e local, mais especificamente de Antioquia, encontramos o
Movimento pela defesa da Vida e do Território MOVETE. Este movimento surge no
ano 2012 como uma articulação de diversas organizações camponesas da subregião do Oriente, de aproximadamente onze municípios, em resposta aos efeitos da
construção de Hidroelétricas na Região e da mineração, e em defesa da água, do
território, da vida e da soberania alimentar. Este movimento tem como antecedentes
o “Movimento Cívico”, surgido na mesma região na década dos anos 80, que se
posicionava em contra da construção de hidrelétricas e que foi fortemente reprimido
e criminalizado. Além da criminalização, as comunidades camponesas do oriente de
Antioquia foram vítimas de deslocamentos forçados no ano 2003 por causa das
dinâmicas do conflito armado interno da época. Desde o ano 2008, as comunidades
camponesas começaram um processo de retorno aos territórios, experimentando,
porém, novos ciclos de despejo e apropriação privada de seus territórios, ligados à
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construção de hidroelétricas e à exploração mineira e da mão dos discursos de
desenvolvimento minero-energético no departamento8.
É significativo ressaltar que algumas organizações que fazem parte deste
movimento, junto com outros movimentos de Antioquia, conseguiram no período de
2008 a 2010 frear dois projetos hidroelétricos de vital importância: o projeto
hidroelétrico do rio Tapemares no município de Granada e o projeto do rio Chorrera
no município de San Carlos. Por meio de manifestações, pressões políticas e
recursos públicos os moradores organizados destes municípios conseguiram
pacificamente a realização de audiências públicas e a revocatória das licenças
ambientais outorgadas a empresários privados para a construção das hidroelétricas.
Estes acontecimentos são fundamentais para os movimentos sociais de Antioquia já
que demonstram que, numa história de despejo, conflito armado e criminalização, a
organização comunitária é capaz de alterar as relações de poder que este modelo
apresenta.
As organizações locais e especificamente as organizações de Antioquia
conseguem mostrar e visibilizar os efeitos socioambientais do modelo de
desenvolvimento atual, e suas dinâmicas de despejo da terra, dos territórios e da
água, e de imposição violenta de lógicas e racionalidades capitalistas. O surgimento
destes movimentos ressalta a existência e permanência de modos diferenciados de
relacionar-se com a natureza e com o território, questionando a mesma ideia de
desenvolvimento e resistindo ao ideal e a prática das sociedades e dos modelos
urbano-industriais (ZHOURI E LASCHEFSKI, 2010). A defesa da vida ressalta a
defesa dessas outras racionalidades, produzidas e reproduzidas na cotidianidade
mesma das relações sociais comunitárias, desses outros saberes sobre a natureza e
sobre a terra, que se opõem à lógica de crescimento econômico e de dominação da
natureza, e que tem resistido historicamente aos embates do progresso.
A defesa da água ocupa também um lugar fundamental já que permite
assinalar a dependência que tem o modelo de desenvolvimento atual da terra, da
água e dos recursos minerais e portanto, a centralidade que estes adquirem nas
disputas territoriais e ambientais atuais. A realização de festivais em defesa da agua
8
Informação obtida de vídeos feitos pelo MOVETE publicados pelo sistema de televisão comunitária
do município de Rionegro, Acuario TV.
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que são feitos pelo MOVETE, fazem ver a centralidade da luta e da resistência pela
terra, pela a água e pelo território, como base material e simbólica da reprodução da
vida e dos meios que os fazem corpos e sujeitos.
5- Considerações Finais
O caso da Colômbia e especificamente de Antioquia permitem observar e
analisar alguns pontos fundamentais do que nos apresenta o modelo de
desenvolvimento atual na América Latina. O primeiro que é importante ressaltar é a
relação e a influência que exercem as configurações econômicas e sociais dos
países centrais do sistema-mundo capitalista nas configurações sociais e
econômicas dos países da periferia, baseadas estas últimas atualmente num modelo
extrativista e de reprimarização da economia (SEAONE, 2012). Este ponto ressalta a
importância da análise do desenvolvimento geográfico desigual e combinado da
produção e organização capitalista do espaço, no qual conceitos como acumulação
por espoliação são fundamentais (HARVEY, 2005).
De fato, o modelo de desenvolvimento e as dinâmicas de modernização do
território de Antioquia, ressaltam a importância do despejo e despojo da terra, da
água e do território em favor da apropriação, privatização e colonização dos
recursos naturais. A criminalização da organização social em Antioquia, assim como
a ligação entre os territórios de violência e os territórios modernizados no
departamento, ressalta a importância da relação estrutural entre extrativismo e
violência (SEOANE, 2012), violência em tanto coação física e repressão para
garantir o despejo quanto violência simbólica de imposição de racionalidades sobre
o progresso e o desenvolvimento (MACHADO, 2011). Nesta dinâmica o Estado tem
um papel fundamental como facilitador e propiciador da entrada das multinacionais
nos territórios, mediante a modificação, adaptação e criação de leis e reformas que
dão a segurança jurídica e benefícios fiscais e comerciais a estas empresas, e
mediante a defesa inquestionável do desenvolvimento como verdade absoluta. A
defesa da racionalidade mercantil precisa indubitavelmente desta articulação entre
capital e Estado para a conquista e a produção colonial da natureza e dos corpos e
sujeitos (MACHADO, 2011). É por isso que as organizações e movimentos,
constroem conjuntamente ações em defesa da vida e dos territórios e em contra das
racionalidades modernas e do desenvolvimento criando e (re) criando desde a
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cotidianidade da vida comunitária e da diversidade das relações sociais que
estabelecem entre si e com a natureza, contra poderes territoriais autônomos e
formas alternativas de entender o desenvolvimento, sendo capazes de alterar as
relações de poder e de construir espaços alternativos de vida.
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