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boletim científico boletim científico
ISSN 2238-0450
Volume 1
n° 2
Dezembro / 2012
BOLETIM
CIENTÍFICO
2012
no 2
DE PEDIATRIA
EDITORIAL
Incentivando a publicação científica .............................. 41
Epifanio M.
Entendendo a triagem auditiva neonatal
e as causas de perda auditiva na infância ....................... 51
Ogando P.B. & Lubianca Neto J.F.
ARTIGOS DE REVISÃO
Coqueluche: revisão atual de uma antiga doença . ......... 42
Motta F. & Cunha J.
Fatores de risco cardiovasculares, metabólicos
e inflamatórios e suas relações com obesidade
em crianças e adolescentes – fisiopatologia
e aspectos clínicos ......................................................... 47
Pitrez Filho M.S., Santana J.C., Hauschild J.A.,
Vargas L.T.R., Pinto L.A., Oliveira J.R., Bruscato N.M.
RELATOS DE CASOS
Tuberculose pleural na infância:
relato de caso e revisão .................................................. 58
Brust M.C., Lumertz M.S., Salerno M., Pinto L.A.
Repercussões neonatais
do uso materno de crack ................................................ 63
Renner F.W., Gottfried J.A., Welter K.C.
ISSN 2238-0450
DEZEMBRo / 2012
Bol Cient Pediatr
Volume 1, Nº 2
EDITORIAL / EDITORIAL
Incentivando a publicação científica ....................................................................................................................... 41
Encouraging scientific publication
Matias Epifanio
ARTIGOS DE REVISÃO / REVIEW ARTICLES
Coqueluche: revisão atual de uma antiga doença ................................................................................................ 42
Pertussis: current revision of an old disease
Fabrizio Motta, Juarez Cunha
Fatores de risco cardiovasculares, metabólicos e inflamatórios e suas relações
com obesidade em crianças e adolescentes – fisiopatologia e aspectos clínicos ....................................... 47
Cardiovascular, metabolic and inflammatory risk factors and their relationships
with obesity in children and adolescents – patophyisiology and clinical aspects
Manoel Soares Pitrez Filho, João Carlos Santana, Jorge Antônio Hauschild, Luiz Telmo Romor Vargas,
Leonardo Araújo Pinto, Jarbas Rodrigues Oliveira, Neide Maria Bruscato
Entendendo a triagem auditiva neonatal e as causas de perda auditiva na infância . ................................. 51
Understanding the newborn hearing screening and causes of hearing loss in childhood
Patrícia Barcelos Ogando, José Faibes Lubianca Neto
RELATOS DE CASOS / CASE REPORTS
Tuberculose pleural na infância: relato de caso e revisão .................................................................................. 58
Pleural tuberculosis in childhood: case report and review
Marília Comissoli Brust, Magali Santos Lumertz, Margareth Salerno, Leonardo Araújo Pinto
Repercussões neonatais do uso materno de crack . ............................................................................................. 63
Repercussions of neonatal maternal use of crack
Fabiani Waechter Renner, Jéssica Alessio Gottfried, Kelly Caroline Welter
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PREPARO DO MANUSCRITO
Artigos de Revisão
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de Revisão e Relatos de Casos o resumo não deve ser estruturado.
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Revisões e Atualizações: o texto não deve ultrapassar 2.000 palavras, excluindo referências e tabelas. O número total de ilustrações
e tabelas não deve ser superior a 4. O número de referências bibliográficas deve se limitar a 30.
Relatos de Casos
Assim como nos artigos de revisão, o texto não deve ultrapassar
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e discussão. O número total de ilustrações e/ou tabelas não deve
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Tabelas e Figuras
Tabelas e gráficos devem ser apresentados em preto e branco, com
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Word e as figuras em arquivos Microsoft Excel, Tiff ou JPG. Fotografias de exames, procedimentos cirúrgicos e biópsias onde foram
utilizadas colorações e técnicas especiais serão consideradas para
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Legendas
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Além disso, todas as abreviaturas e siglas empregadas nas figuras e
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Referências
Devem ser indicadas apenas as referências utilizadas no texto,
numeradas com algarismos arábicos e na ordem em que foram citadas. A apresentação deve estar baseada no formato Vancouver
Style, atualizado em outubro de 2004. Para todas as referências,
cite todos os autores até seis. Acima desse número, cite os seis
primeiros autores seguidos da expressão et al.
Abreviaturas
Com relação as abreviaturas, sempre defini-las na primeira vez em
que forem citadas, por exemplo: proteína C reativa (PCR). Após a
definição da abreviatura, o termo completo não deverá ser mais
utilizado. Com exceção das abreviaturas aceitas sem definição, elas
não devem ser utilizadas nos títulos e evitadas no resumo dos manuscritos se possível. Ao longo do texto igualmente evitar a menção ao nome de autores, dando-se sempre preferência às citações
numéricas apenas.
Toda correspondência para a revista deve ser encaminhada para o
e-mail do Boletim Científico de Pediatria:
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Leonardo A. Pinto
Editor do Boletim Científico de Pediatria
2238-0450/12/01-02/41
Copyright © by Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul
Editorial
Incentivando a publicação científica
Encouraging scientific publication
Matias Epifanio1
Seguindo nosso objetivo de transformar o novo Boletim Científico de Pediatria em um meio
de atualização para colaborar especialmente com o pediatra, é que queremos convidar e estimular
os colegas a submeter e publicar neste periódico.
A oficialização do boletim como periódico científico no Instituto Brasileiro de Informação em
Ciência e Tecnologia (IBICT) e a obtenção de um International Standard Serial Number (ISSN)
podem contribuir e estimular para que todos possam colocar suas experiências e conhecimentos
em uma publicação de ampla divulgação regional.
Como novidade a partir desta edição, temos a inclusão de Relatos de Casos, que permitem
uma visão rápida de casos de doenças mais raras ou casos de difícil manejo. Acreditamos que
este tipo de publicação contribui muito também, além dos artigos de revisão, para o pediatra
em consultório ou no manejo hospitalar. Este tipo de publicação também deverá seguir algumas
normas de publicação e ter como foco temas importantes para a prática clínica.
Outra mudança realizada pela editoria é em relação à periodicidade do nosso Boletim, que
tinha um planejamento trimestral e a partir desta edição passa a ser quadrimestral. Portanto, já em
2013, teremos três publicações referentes aos meses de janeiro a abril, maio a agosto e setembro
a dezembro. Acreditamos que com este formato o interesse pelo boletim se intensificará dado
o número expressivo de publicações em cada edição. Além disso, teremos artigos de um nível
científico de excelência, e com grande relevância clínica.
Dessa forma, todos os pediatras ou outros profissionais que trabalham com a saúde da criança estão convidados a submeter artigos para avaliação por pares, apenas seguindo as normas de
redação da revista, que estão publicadas em todas as edições do novo modelo.
O grande desafio para 2013 será a criação do novo formato virtual, disponível a partir do site
da SPRS, facilitando o acesso a todos, mas especialmente aos sócios.
Finalmente, desejamos um feliz 2013, com realizações, saúde e muitas alegrias para todos.
1. Editor associado do Boletim Científico de Pediatria.
Como citar este editorial: Epifanio M. Incentivando a publicação científica. Bol Cient Pediatr. 2012;01(2):41.
41
2238-0450/12/01-02/42-6
Artigo de Revisão
Copyright © by Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul
Coqueluche: revisão atual de uma antiga doença
Pertussis: current revision of an old disease
Fabrizio Motta1, Juarez Cunha2
RESUMO
A coqueluche é a doença causada pela Bordetella pertussis, ocorrendo mesmo após o advento da vacinação em
pequenas epidemias a cada 2-3 anos. Cursa com 3 fases clínicas, sendo a fase paroxística a fase onde o diagnóstico fica evidente em virtude da tosse clássica. O tratamento deve ser realizado logo que houver suspeita clínica,
sem necessidade de aguardar o testes confirmatórios. Os antibióticos de eleição são os macrolídeos, preferencialmente a azitromicina, por 5 dias. Todos os contactantes devem receber profilaxia com antibiótico; deve-se
também revisar a situação vacinal do caso index e de seus contatos. É doença de notificação compulsória assim
que existir suspeita clínica.
Descritores: Coqueluche, Bordetella pertussis, crianças.
ABSTRACT
Pertussis is a disease caused by Bordetella pertussis, occurring even after the advent of vaccination in small
epidemics every 2-3 years. There are 3 clinical phases, and in the paroxysmal stage the diagnosis is evident due
to the classical paroxysmal cough. The treatment should be performed without waiting for the confirmatory tests.
The first line treatment is the macrolides, rather azithromycin for 5 days. All contacts should receive prophylaxis
with antibiotics. One should also review the vaccination status of the index case and their contacts. Pertussis is
a compulsory reportable disease.
Keywords: Pertussis, Bordetella pertussis, children.
Epidemiologia
A coqueluche é uma doença infecciosa causada pela
Bordetella pertussis, e em casos raros pela Bordetella
parapertussis. A Bordetella é um bacilo aeróbico gramnegativo, pleomórfico1. Após a década de 40, com o advento
da vacinação (difteria, tétano e pertussis - DTP), o número
de casos caiu drasticamente, porém aumento de casos são
identificados a cada 2-3 anos.1 A doença ocorre em todo o
mundo, aparentemente sem padrão sazonal. Alguns autores sugerem uma maior ocorrência no verão e outono. O
número de casos vem aumentando de forma assustadora
1. Mestre em Saúde da Criança e Adolescente pela HC-FMRP-USP. Infectologista Pediátrico pela SBP. Médico da CCIH da Santa Casa de MIsericória de Porto
Alegre e do Instituto de Cardiologia - Hospital Viamão. Presidente do Comitê de Infectologia Pediátrica da SPRS – gestão 2012/2013.
2. Médico do Núcleo de Pesquisa em Vacinas, Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Porto Alegre, RS, Brasil. Médico pediatra, Secretaria Municipal da
Saúde de Porto Alegre, RS, Brasil.
Como citar este artigo: Motta F, Cunha J. Coqueluche: revisão atual de uma antiga doença. Bol Cient Pediatr. 2012;01(2):42-6.
Artigo submetido em 30.11.12, aceito em 12.12.12.
42
Coqueluche: revisão atual de uma antiga doença - Motta F & Cunha J
nos últimos 2 anos no Rio Grande do Sul (RS), no Brasil
e no mundo. Cada vez mais deve-se buscar o diagnóstico
precoce, o controle de contactantes com profilaxia e a vacinação das populações atualmente não vacinadas ou pouco
vacinadas (adolescentes, adultos e gestantes). As Figuras
1 e 2 evidenciam os coeficiente de incidência e letalidade
dos últimos 12 anos no RS2.
A definição de caso segue os critérios a seguir:
Tosse por pelo menos 2 semanas e:
– paroxismos; ou
– guincho inspiratório com vômitos após, sem causa
aparente.
Boletim Científico de Pediatria - Vol. 1, N° 2, 2012
43
Critério laboratorial:
– Bordetella pertussis isolada em espécime clínica; ou
– reação de cadeia da polimerase positiva para B. pertussis.
Quadro clínico
A coqueluche tem duração de aproximadamente 6 a 12
semanas, e apresenta três estágios clínicos:1,3
– Fase catarral, com duração de 7 a 14 dias: cursa com
rinorreia, lacrimejamento, febre baixa, e no final desta
fase inicia a tosse seca.
Fonte: Centro Estadual de Vigilância em Saúde do RS.
Figura 1 - Coeficiência de incidência (por 100.000 habitantes) no Estado
do Rio Grande do Sul, de 2000 a 2012 (até a semana epidemiológica 42)
Fonte: Centro Estadual de Vigilância em Saúde do RS.
Figura 2 - Coeficiência de letalidade (%) no Estado do Rio Grande do Sul,
de 2000 a 2012 (até a semana epidemiológica 42)
44
Boletim Científico de Pediatria - Vol. 1, N° 2, 2012
– Fase paroxística, com duração de 1 a 4 semanas: cursa
com 5-10 episódios de tosse durante uma expiração,
guincho na inspiração forçada, vômitos pós-tosse, paroxismos em torno de 30 episódios a cada 24 h (espontâneos
ou por estímulo). Durante o paroxismo pode ocorrer
cianose, olhos salientes, salivação, lacrimejamento e
distensão das veias do pescoço. Normalmente a criança
fica assintomática entre os episódios de tosse.
– Fase de convalescença, com duração de 1 a 2 semanas:
cursa com diminuição da frequência e gravidade da tosse.
Neste período o epitélio do paciente fica susceptível
e pode ocorrer paroxismos novamente se o paciente
apresentar uma infecção respiratória concomitante.
É importante lembrar que lactentes menores de 6 meses
podem apresentar uma clínica atípica, sem guincho. Muitas
vezes apenas apresentando uma fase catarral mais curta,
paroxismos sem guincho, cianose e ou apneia. Os pacientes
maiores de 10 anos também apresentam uma clínica não tão
intensa com paroxismos sem guincho. A vacinação prévia
também pode atenuar o quadro clínico.
As complicações em adultos e adolescentes são incomuns, mas incluem desde síncope e distúrbios do sono até
Coqueluche: revisão atual de uma antiga doença - Motta F & Cunha J
fratura de costela. Lactentes podem apresentar quadros mais
graves com pneumonia (22%), convulsões (2%) e encefalopatia (< 0,5%). Óbitos são raros e afetam principalmente
menores de 6 meses.
Pacientes no pós-coqueluche podem reapresentar tosse
paroxística mesmo após estarem assintomáticos, caso apresentem uma nova infecção na via área (exemplo: Influenza),
em virtude das alterações que persistem no epitélio do trato
respiratório nos meses que seguem à coqueluche.
Diagnóstico laboratorial
A cultura é um método de alta especificidade, porém
vários fatores interferem na sua sensibilidade. Seu uso tem
grande importância epidemiológica para a vigilância da
sensibilidade da bactéria aos macrolídeos.
A Tabela 1 mostra as características dos métodos disponíveis para o diagnóstico laboratorial da coqueluche1,3,9.
O meio mais fácil e sensível para o diagnóstico é
através da PCR da secreção respiratória, mas a cultura
também pode ser utilizada, porém esta pode ter sua sensibilidade diminuída caso o paciente já esteja em uso de
Tabela 1 - Características dos métodos diagnósticos disponíveis para o diagnóstico laboratorial da coqueluche
Métodos
Vantagens
Desvantagens
Cultura
Especificidade 100%
Sensibilidade variável 30-60%
Antibiograma
Sensibilidade baixa:
em vacinados
uso de antimicrobiano
coletado após 3 semanas de tosse
Negativo não afastada doença, em virtude
da baixa sensibilidade do método
Demora 7-10 dias
DFA
Teste rápido
Meio de cultivo específico
Sensibilidade e especificidade baixas
Falso positivo com Haemophilus e Mycoplasma
Sorologia (IgA/IgG)
Especificidade boa
Necessita amostras pareadas
Sensibilidade baixa 1° teste após início doença
Diagnóstico tardio, sem auxílio clínico
Imunizados a menos de 2 anos não podem realizar
PCR
Especificidade > 95%
Resultado rápido < 48 h
Sensibilidade > cultura
Falso positivos
Detecção ou infecção?
Sensibilidade diminuída em vacinados
DFA (direct fluorescente antibody), PCR (reação em cadeia da polimerase).
Coqueluche: revisão atual de uma antiga doença - Motta F & Cunha J
Boletim Científico de Pediatria - Vol. 1, N° 2, 2012
antimicrobianos ou em pacientes vacinados. A sorologia
só tem benefício em pacientes vacinados há mais de 2
anos, e deve ser colhida em duas etapas, sendo a primeira
amostra preferencialmente colhida na fase catarral.
Com relação à PCR é importante ressaltar que ela
detecta bactérias mortas e vivas. Podemos estar apenas
diante de detecção de uma bactéria morta que causou
infecção há algumas semanas. Por isso o teste deve ser
indicado somente quando a sintomatologia é condizente
com coqueluche.
Tratamento
O tratamento e a profilaxia devem ser realizados com a
mesma dose e o mesmo tempo indicados na Tabela 24,5.
É importante ressaltar que a evolução da doença só é
modificada pelo antimicrobiano se iniciado na fase catarral.
Quando iniciado tardiamente o antibiótico só evita que o
paciente siga transmitindo a doença1. Com relação aos
macrolídeos, a resistência é rara, não devendo nos dias de
hoje ser ainda motivo de preocupação.
Pacientes menores de 6 meses que utilizaram macrolídeo
no tratamento devem ser observados durante 30 dias, pelo
risco de desenvolver estenose hipertrófica de piloro4,5.
O tratamento da tosse com outros medicamentos (corticoides, salbutamol) não se mostrou eficaz, conforme revisão
da Cochrane de maio de 20126.
45
Prevenção, isolamento, quimioprofilaxia
A transmissão ocorre através de gotículas produzidas
durante o acesso de tosse, atingindo a via área do contactante
susceptível1. O paciente deve ficar afastado da escola ou
do trabalho durante pelo menos cinco dias do início dos
antibióticos descritos na Tabela 2. Na hospitalização, o
mesmo período deve ser observado. A coqueluche tem uma
taxa de ataque que varia de 70-100%, assemelhando-se a
doenças de alta contagiosidade, como a varicela1,3.
Nem a infecção, nem a imunização conferem imunidade
duradoura, portanto mesmo os pacientes com coqueluche
devem revisar sua carteira de vacinação1,3.
A quimioprofilaxia, que é feita com os mesmos medicamentos e pelo mesmo tempo que o tratamento, deve ser
indicada conforme abaixo:3
– Independentemente da vacinação, mas até 21 dias do
início da tosse no caso index:
Para todos contactantes domiciliares,
e contactantes próximos (creches).
– Após 21 dias do início da tosse no caso index somente
nos de alto risco:
Lactentes, gestantes, contactantes de lactentes.
Com relação à vacinação, as crianças devem receber a
vacina DTP de células inteiras da pertussis ou DTPa com
Tabela 2 - Tratamento e a profilaxia da coqueluche
Idade
< 1 mês
1 a 5 meses
> 6 meses
Adolescentes e adultos
Drogas recomendadas
Alternativa
Azitromicina
Eritromicina
Clindamicina
SMX-TMP
10 mg/kg/d 1x/dia
por 5 dias
40-50 mg/kg/d 4x/d
por 14 dias*
Não recomendada
Contraindicada
em menores de 2 meses
Veja acima
Veja acima
15 mg/kg/d 2x/dia
por 7 dias
> 2 meses: TMP 8 mg/kg/d
2x/d por 14 dias
10 mg/kg/d 1x/dia
por 5 dias
40-50 mg/kg/d 4x/d
por 14 dias
Veja acima (max 1g/d)
Veja acima
500 mg 1x/dia
por 5 dias
500 mg 4x/d
por 14 dias
500 mg 2x/d
por 7 dias
TMP 160 mg
2x/d por 14 dias
* Em menores de 1 mês, preferir azitromicina pelo risco maior de estenose hipertrófica de piloro com eritromicina.
46
Boletim Científico de Pediatria - Vol. 1, N° 2, 2012
componente pertussis acelular aos 2, 4, 6 meses; primeiro
reforço com 15 meses, e segundo reforço com 4-6 anos. É
recomendado que o reforço entre 10 e 14 anos seja feito
com a tríplice bacteriana acelular do tipo adulto (dTpa), e
não apenas com a forma dupla (difteria e tétano)1,3.
Outras estratégias visam diminuir a circulação da Bordetella entre os adultos, como a vacinação dos profissionais
da saúde, a vacinação das gestantes (após 20 semanas), e a
vacinação dos adultos (pais, avós, irmãos, babás, etc.), que
irão ter contato com crianças menores de 1 ano (estratégia
cocoon/casulo)7,8.
A coqueluche é uma doença de notificação compulsória, e sempre que o médico suspeitar do diagnóstico deve
comunicar a Vigilância do município.
Coqueluche: revisão atual de uma antiga doença - Motta F & Cunha J
3. Red Book: 2012 Report of the Committee on Infectious Diseases.
4. Morrison W. Infantile hypertrophic pyloric stenosis in infants treated
with azithromycin. Pediatric Infect Dis J. 2007;26(2):186-8.
5. Mahon BE, et al. Maternal and infant use of erythromycin and other
macrolide antibiotics as risk factors for infantilehypertrophic pyloric
stenosis. J Pediatric. 2001;139(3):380-4.
6. Bettiol S, Wang K, Thompson MJ, et al. Symptomatic treatment of
the cough in whooping cough. Cochrane Database Syst Rev. 2012;
May 16:5.
7. Skowronski DM, et al. The number needed to vaccinate to prevent
infant pertussis hospitalization and death through parent cocoon
immunization. Clinical Infectious Disease. 2012;54(3):318-27.
8. Gall SA. Prevention of pertussis, tetanus and diphtheria among pregnant,
postpartum women, and infants. Clinical Obstetrics and Gynecology.
2012;55(2):498-509.
9. Soares JLMF, et al. Métodos diagnósticos: consulta rápida. 2a ed.
Porto Alegre: Artmed; 2012.
Referências
1. Feigin and Cherrys´s: Textbook of Pediatric Infectious Diseases. 6a
ed.; 2009.
2. Centro Estadual de Vigilância em Saúde – RS. http://www.saude.
rs.gov.br/
Correspondência:
Fabrizio Motta
[email protected]
2238-0450/12/01-02/47-50
Copyright © by Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul
Artigo de Revisão
Fatores de risco cardiovasculares, metabólicos e
inflamatórios e suas relações com obesidade em crianças e
adolescentes – fisiopatologia e aspectos clínicos
Cardiovascular, metabolic and inflammatory risk factors and their relationships with obesity
in children and adolescents – patophyisiology and clinical aspects
Manoel Soares Pitrez Filho1, João Carlos Santana2, Jorge Antônio Hauschild1,
Luiz Telmo Romor Vargas1, Leonardo Araújo Pinto2, Jarbas Rodrigues Oliveira3, Neide Maria Bruscato4
RESUMO
A incidência de sobrepeso e obesidade está aumentando na população pediátrica, assim como na população adulta. Em
paralelo com o crescente problema mundial da obesidade, vários estudos observaram um aumento da prevalência dessa
enfermidade em crianças e adolescentes latino-americanas e brasileiras. Existe uma significativa preocupação devido
ao fato de a epidemia da obesidade aumentar o risco de morbidade e mortalidade em adultos jovens, especialmente
relacionadas com a diabetes, hipertensão arterial e doenças metabólicas e cardiovasculares. O aumento da prevalência
da obesidade em crianças e adolescentes e seu alto impacto epidemiológico na saúde humana explica o interesse atual
nas possíveis associações entre crescimento no início da vida e o posterior desenvolvimento de obesidade e de enfermidades associadas à obesidade, incluindo a síndrome metabólica. O impacto que a obesidade infantil tem na saúde
de um indivíduo a curto e a longo prazos e seu potencial efeito sobre o sistema de saúde no futuro é tão grande que a
obesidade na infância se tornou um dos mais discutidos temas em saúde pública nos dias atuais.
O objetivo dessa revisão é discutir a obesidade e sua relação com fatores de risco para o desenvolvimento de enfermidades cardiovasculares e metabólicas na infância e adolescência.
Descritores: Fator de risco cardiovascular, obesidade na criança, sobrepeso.
ABSTRACT
The incidence of overweight and obesity is rising in the pediatric population, just as in the adult population. In parallel
with the worldwide growing problem of obesity, several reports have observed an increasing prevalence of obesity in
Latin American and Brazilian children and adolescents. There is an important concern that epidemic obesity increases
the risk of young adult morbidity and mortality especially related to diabetes, arterial hypertension and metabolic
and cardiovascular diseases. The rise in the prevalence in the obesity in the children and adolescents and its high
epidemiological impact in human health explain interest currently in the associations between growth in early life and
the later development of obesity and obesity-related disease including metabolic syndrome. The impact that childhood
obesity has on an individual’s health both in the short and long term, and the potential effect on the health care system
in the future is so great that it has become one of the most critical public health issues today.
The aim of this review is to discuss obesity and its relationship with risk factors for the development of cardiovascular
and metabolic diseases in childhood and adolescence.
Keywords: Cardiovascular risk factor, children obesity, overweight.
1. Mestre. Departamento de Pediatria, Hospital São Lucas, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (HSL-PUCRS), Porto Alegre, Brasil.
2. Doutor. Departamento de Pediatria, HSL-PUCRS, Porto Alegre, Brasil.
3. Doutor. Departamento de Biofísica, Instituto de Biociências, PUCRS, Porto Alegre, Brasil.
4. Mestre. Projeto Longevidade de Veranópolis, Veranópolis, Rio Grande do Sul, Brasil.
Como citar este artigo: Pitrez Filho MS, Santana JC, Hauschild JA, Vargas LT, Pinto L, Oliveira JR, Bruscato NM. Fatores de risco cardiovasculares, metabólicos
e inflamatórios e suas relações com obesidade em crianças e adolescentes - fisiopatologia e aspectos clínicos. Bol Cient Pediatr. 2012;01(2):47‑50.
Artigo submetido em 14.11.12, aceito em 07.12.12.
47
48
Boletim Científico de Pediatria - Vol. 1, N° 2, 2012
A prevalência de sobrepeso e obesidade tem aumentado
em crianças e adolescentes em todo o mundo, indicando a
possibilidade de elevação de doenças crônico-degenerativas
e comprometimento da qualidade de vida em populações de
adultos e idosos. A grande preocupação dos especialistas é
que, entre as condições mórbidas associadas à obesidade,
as doenças cardiovasculares, metabólicas e inflamatórias
(DCVMI) parecem ser diretamente responsáveis por significativas morbidade e mortalidade em adultos1-4.
A obesidade é uma enfermidade inflamatória, crônica,
multicausal e resultante da combinação de influências
ambientais e predisposição genética. As consequências da
obesidade na infância são de grande importância clínica e
podem ser observadas precocemente (desordens ortopédicas,
hipertensão arterial, dislipidemias e hiperglicemia, além de
distúrbios respiratórios e do sono). Por sua vez, diversos
estudos têm demonstrado que crianças com obesidade ou
sobrepeso são mais predispostas a terem obesidade futura
e, por consequência, desenvolverem complicações clínicas,
especialmente hipertensão arterial sistêmica, arritmias
cardíacas, aterosclerose, infarto do miocárdio, coronariopatias, acidente vascular cerebral, hipercolesterolemia,
dislipidemia, diabete, hepatopatia gordurosa não alcoólica
(esteatose, esteato-hepatite, fibrose ou cirrose), síndrome
metabólica, apneia, dores musculoesqueléticas e distúrbios
psicossociais3,5-9.
Fatores genéticos, como hereditariedade e etnia, também têm sua relevância no desenvolvimento de DCVMI.
Obesidade, resistência à insulina, doença cardiovascular e
diabete comprometem desproporcionalmente mais crianças
negras e hispânicas do que caucasoides em todo o mundo.
Alguns estudos demonstraram que crianças com sobrepeso, cujos pais haviam tido coronariopatia, apresentaram
níveis séricos mais elevados de colesterol total, colesterol
LDL (low-density lipoprotein) e glicose. Na mesma linha,
crianças com um dos pais tendo síndrome metabólica,
exibiram maiores índices de obesidade central e resistência
à insulina10,11.
As principais fases em que se pode influenciar na
evolução da obesidade são justamente infância e adolescência, quando são incorporados hábitos sociais e culturais
relacionados com dieta, atividades físicas, sono e consumo
de cigarros e álcool. A associação entre dieta inadequada
(distúrbios metabólicos, balanço energético positivo e ganho
ponderal) e sedentarismo (pouca atividade física e aquisição
de alguns hábitos modernos, como a permanência prolongada diante de jogos eletrônicos, televisão, computadores e
tabletes) tem colaborado para aumentos de peso, de índice
Obesidade infantil e fatores de risco para enfermidades – Pitrez Filho MS et al.
de massa corporal, de cintura abdominal e de depósitos de
gordura em órgãos e na circulação. Destacadamente, esses
achados clínicos são mais significativos em indivíduos com
antecedentes familiares de doença arterial coronariana.
Estudos populacionais revelaram que diversos fatores de
risco estariam relacionados com a gênese e a evolução
das DCVMI, podendo se iniciar no período perinatal, na
infância e na adolescência e progredir lentamente até a
idade adulta. Contudo, há a necessidade de exposição a
um hábito ou comportamento para que sua expressão seja
efetiva, ou seja, a influência do meio é importante, nunca
determinante11-15.
A presença de dislipidemias em crianças e adolescentes,
destacadamente aumento de triglicerídios e diminuição de
colesterol HDL (high-density lipoprotein), está relacionada
com resistência à insulina e, consequentemente, com o
aumento do depósito hepático de ácidos graxos livres. A
elevação dos níveis de colesterol VLDL (very-low-density
lipoprotein), através da ativação da lipase hepática, diminui
a circulação do colesterol HDL, que é considerada uma
lipoproteína protetora contra eventos cardiovasculares.
Por sua vez, o aumento de colesterol LDL (low-density
lipoprotein), envolvido na aterogênese, está associado
com obesidade abdominal, gordura visceral e resistência
à insulina em adultos e crianças10,14-17.
A aterosclerose tem uma evolução lenta, progressiva e
silenciosa, com manifestações de sinais e sintomas clínicos
típicos somente na idade adulta. Até duas décadas atrás, a
aterosclerose era considerada uma consequência inevitável
do envelhecimento. Atualmente, pode-se observar que se
trata de um processo inflamatório e fibroproliferativo crônico
que desencadeia diversos eventos clínicos pela ruptura da
placa aterosclerótica. A lesão básica da aterosclerose é o
ateroma, uma placa focal elevada, no interior da camada
íntima da artéria, contendo um núcleo lipídico e uma
placa fibrosa de revestimento. A estria gordurosa juvenil
é a lesão aterosclerótica mais precoce, encontrada mesmo
em crianças com poucos anos de vida. Curiosamente,
essas estrias gordurosas são observadas com frequência
semelhante em pessoas de até 20 anos em todos os países
em que foram realizados tais estudos, inclusive naqueles
em que a prevalência de aterosclerose e de DCVMI eram
baixas em adultos10,18-21.
O espessamento da camada íntima de artérias coronárias foi encontrado em autópsias de crianças menores de 1
ano que morreram por diferentes causas, destacadamente
naquelas com história familiar de doença coronariana. O
surgimento de métodos não invasivos, como o ultrassom,
Obesidade infantil e fatores de risco para enfermidades – Pitrez Filho MS et al.
permitiu avaliar as estruturas vasculares in vivo. O espessamento da íntima e da média das carótidas é uma alteração
vascular precoce que precede a formação da placa e tem sido
utilizado como um marcador subclínico de aterosclerose.
A ultrassonografia de alta resolução vem demonstrando a
existência de um aumento no espessamento médio-intimal
(EMI) das carótidas em crianças e adolescentes com hipercolesterolemia. Esse aumento estaria correlacionado
com a gravidade da aterosclerose coronariana, predizendo
eventos cardiovasculares na população adulta. Além do
EMI, o endotélio e sua eventual disfunção parecem apresentar importante papel na formação da placa de ateroma
e no curso clínico da aterosclerose. O endotélio controlaria
o tônus vascular, a coagulação e a resposta inflamatória
de tal forma que a sua disfunção poderia representar um
evento precoce na aterosclerose, talvez até precedendo as
alterações morfológicas na parede dos vasos22,23.
Atualmente, a função endotelial pode ser avaliada pelo
teste de reatividade da artéria braquial (braquial artery
reactive test - BART), permitindo avaliação funcional
adequada e não invasiva e através da resposta vascular
pós-oclusiva ao óxido nítrico, liberado pelo endotélio na
presença de vasodilatação. Embora a presença de disfunção
endotelial e o EMI tenham valor prognóstico demonstrado
como preditivos independentes de eventos cardiovasculares
futuros (infarto agudo do miocárdio, acidente vascular
cerebral e óbito), o emprego clínico desses métodos
como indicadores de possível doença arterial coronariana
ainda não está bem definido, especialmente em população
pediátrica e de adultos jovens22-24.
Além da avaliação por ultrassom, a medida da obesidade abdominal estaria relacionada com hipertensão
arterial e com aumento na incidência de doenças cardiovasculares e na mortalidade. A avaliação do acúmulo
de gordura intra-abdominal tem sido implicada como um
importante agente etiológico nessas relações. A tomografia
computadorizada tem sido destacada como uma excelente
técnica para quantificar a gordura intra-abdominal (gordura visceral)22-25.
Existem diversas alterações fisiopatológicas que estão
relacionadas com hiperglicemia ou resistência à insulina
(secreção insuficiente, defeitos na ação, maior clearance
ou combinação de todos esses fatores) e que se configuram como fatores de risco para o desenvolvimento
de DCVMI. Assim, com o progressivo crescimento das
taxas de obesidade, é obrigatória a identificação precoce
de hiperglicemia na infância e na adolescência, mesmo
quando assintomática.
Boletim Científico de Pediatria - Vol. 1, N° 2, 2012
49
A relação entre resistência à insulina e HAS parece estar
bem estabelecida, ainda que os mecanismos envolvidos
não estejam totalmente elucidados. A insulina se comporta
como um vasodilatador endotelial, efeito que pode ser resultante da ação do óxido nítrico, da reabsorção de sódio,
do aumento do tônus simpático e da vasodilatação causada
pela presença de ácidos graxos. A grande maioria dos estudos tem demonstrado que o conjunto de anormalidades
associadas à síndrome metabólica tem um efeito deletério
sobre a pressão arterial bem maior do que cada um desses
fatores individualmente26,27.
Alguns autores têm demonstrado que, nos pacientes
mais obesos, ocorre uma inflamação persistente do tecido
adiposo, provavelmente resultante da ativação crônica do
sistema imune. Nesse tecido gorduroso, pode se observar
aumento da produção e da secreção de diversos mediadores inflamatórios, destacando-se a interleucina-6 (IL-6), a
interleucina-18 (IL-18) e o fator de necrose tumoral-alfa
(FNT-α). A gordura visceral é a principal fonte de IL-6; ela
também é secretada no hipotálamo, desempenhando papel
na regulação do apetite e no gasto energético, inibindo a
lipoproteína lípase, induzindo a lipólise e aumentando a
captação da glicose. Ainda, a IL-6 pode induzir a síntese
hepática da proteína C-reativa e aumentar os riscos de
complicações cardiovasculares28.
O FNT-α, em conjunto com a produção aumentada
de leptina e resistina, parece ter desempenho importante
na patogenia da resistência à insulina. Por outro lado, em
indivíduos obesos, são diminuídos os níveis plasmáticos
de adiponectina, um efetor insulino-sensibilizante. Assim,
ficam antagonizados importantes efeitos antiateroscleróticos
da adiponectina: a gliconeogênese hepática, a oxidação de
ácidos graxos no músculo esquelético e a neutralização
do FNT-α28-30.
Em termos fisiopatológicos e clínicos deve-se considerar
que a obesidade corresponde a uma condição inflamatória
subclínica que promove cronicamente a produção de fatores
pró-inflamatórios envolvidos na patogênese da resistência
à insulina e, consequentemente, da síndrome metabólica.
A elevação de proteína C-reativa, adipocininas, IL-6,
IL-18 e FNT-α, entre outros, tem se mostrado associada
com a obesidade, resistência à insulina e dislipidemia na
infância e na adolescência. O reconhecimento do papel
da inflamação e sua associação com síndrome metabólica é essencial para a percepção de que muitas dessas
manifestações clínicas que ocorrem precocemente vão
repercutir na vida adulta futura.
50
Boletim Científico de Pediatria - Vol. 1, N° 2, 2012
Obesidade infantil e fatores de risco para enfermidades – Pitrez Filho MS et al.
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Correspondência:
João Carlos Santana
E-mail: [email protected]; [email protected]
2238-0450/12/01-02/51-7
Artigo de Revisão
Copyright © by Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul
Entendendo a triagem auditiva neonatal
e as causas de perda auditiva na infância
Understanding the newborn hearing screening and causes of hearing loss in childhood
Patrícia Barcelos Ogando1, José Faibes Lubianca Neto2
RESUMO
A triagem auditiva neonatal (TAN) permite a identificação de recém-nascidos com perda auditiva, os quais tratados
adequadamente e estimulados precocemente são capazes de desenvolver a fala e linguagem. A TAN deve ser universal
e o médico que se dedica ao atendimento da população pediátrica deve ter conhecimento das formas de triagem auditiva utilizadas e do significado de cada resultado. Saber identificar os fatores de risco e saber orientar adequadamente
os pais de crianças reprovadas na TAN tornou-se fundamental e faz parte do cotidiano do pediatra. O objetivo desta
revisão é fornecer um panorama sobre os métodos de triagem utilizados atualmente, como interpretar os resultados
de cada exame e qual o caminho a ser seguido após o diagnóstico de deficiência auditiva.
Descritores: Perda auditiva, surdez, implante coclear.
ABSTRACT
Neonatal hearing screening (NHS) allow the identification of infants with hearing loss, that when correctly treated
and stimulated are capable to develop adequate language and effective communication. NHS must be universal, and
the physicians that works with pediatric population should have the knowledge about the hearing screening methods
and the meaning of the results. It is crucial and became a daily routine to identify the risk factors and be able to
advise the parents when the child is reproved during the screening. The aim of this review is giving a panoramic
view of the methods of screening, how to analyze the results and how to conduct these children and families to early
intervention.
Keywords: Hearing loss, deafness, cochlear implant.
Introdução
A perda auditiva em crianças é um problema silencioso, com repercussões graves no desenvolvimento da fala,
cognitivo e educacional. Três em cada 1.000 nascidos vivos
apresentam perda auditiva bilateral, e este número aumenta
para 2 a 4% nos tratados em unidade de terapia intensiva
neonatal1. Aproximadamente 126.000-500.000 crianças
nascem com perda auditiva significante no mundo, e 90%
dessas crianças estão em países em desenvolvimento como
o Brasil2. Estes valores superam em prevalência qualquer
uma das alterações diagnosticadas no Teste do Pezinho,
como hipotireoidismo congênito, fenilcetonúria ou anemia
falciforme.
1. Médica otorrinolaringologista do Complexo Hospitalar Santa Casa (CHSCPA) – Hospital da Criança Santo Antônio (HCSA) de Porto Alegre. Especialização
em otologia pediátrica pelo Children’s Hospital Boston.
2. Médico otorrinolaringologista, Professor Associado Doutor e regente da disciplina de otorrinolaringologia do Departamento de Clínica Cirúrgica da UFCSPA.
Chefe da Divisão de Otorrinolaringologia Pediátrica do HCSA do CHSCPA, Presidente da Academia Brasileira de Otorrinolaringologia Pediátrica.
Como citar este artigo: Ogando PB, Lubianca Neto JF. Entendendo a triagem auditiva neonatal e as causas de perda auditiva na infância. Bol Cient Pediatr.
2012;01(2):51-7.
Artigo submetido em 14.08.12, aceito em 26.12.12.
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Boletim Científico de Pediatria - Vol. 1, N° 2, 2012
Triagem auditiva neonatal e perda auditiva na infância – Ogando PB & Lubianca Neto JF
Na última década, a triagem auditiva neonatal (TAN)
vem sendo adotada em vários países e, em 2010, tornou-se
obrigatória no Brasil3. O país ainda encontra-se em fase de
implementação e estudos apontam a falta de equipamentos
e profissionais capacitados para a realização deste procedimento4. Além disso, observa-se um desconhecimento por
parte dos profissionais de saúde quanto às técnicas utilizadas
e indicações da TAN5.
O objetivo desta revisão é esclarecer alguns pontos
chaves no processo da TAN e na avaliação da população
pediátrica quanto a desordens da audição, orientando pediatras no manejo destes pacientes.
Definição de perda auditiva
A deficiência auditiva (DA) é definida com base no nível
de perda, medido em decibéis em diferentes frequências
de 126 Hz (sons graves) a 8.000 Hz (sons agudos) (Tabela
1). É classificada de acordo com o local da lesão como
sensório-neural (lesão na cóclea em mais de 90% das vezes),
condutiva (líquido na caixa timpânica ou lesão no meato
acústico externo, lesões de membrana timpânica ou cadeia
ossicular) ou mista6.
Fatores de risco
Na Tabela 2 listam-se os fatores de risco definidos pelo
Joint Comitte on Infant Hearing de 20078. Uma maneira
fácil de lembrar dos principais fatores de risco é o mneumônico HEARING (do inglês, audição). Cada uma das letras
corresponde a um fator, assim o “H” vem de Hereditary
(hereditariedade); o “E” de Ear, head and jaws malfomations
(malformações de ouvido e crânio-faciais); o “A” de anoxy
(anóxia neonatal); o “R” de Rx (maneira que se abrevia
tratamento nos EUA, equivalendo ao uso de medicações
ototóxicas); o “I” de Infections (infecções); o “N” de Neonatal intensive care (cuidado intensivo neonatal); e o “G” de
Growth retardation (retardo de crescimento, peso < 1,5 kg
ao nascimento). Vale lembrar que a preocupação dos pais
e cuidadores quanto à audição da criança é considerada
fator de risco independente e deve ser investigada. Apenas
metade das crianças com perda auditiva apresentam algum
fator de risco identificável e, por isso, a triagem deve ser
universal. Para atingir os 95% de abrangência da população
neonatal, recomenda-se que a mesma seja realizada antes
da alta hospitalar4,8.
Tabela 2 - Fatores de risco para perda auditiva
Tabela 1 - Classificação da perda auditiva de acordo com
a ASHA (American Speech-Language-Hearing
Association)
História familiar
Níveis auditivos (dB HL)
Anomalias craniofaciais, inclusive aquelas envolvendo a
orelha externa
Normal
-10-15
Infecções congênitas, inclusive meningite bacteriana,
citomegalovirose, toxoplasmose, rubéola, hérpes e sífilis
Discreta
16-25
Leve
26-40
Moderada
41-55
Moderada-grave
56-70
Grave
71-90
Grau de perda auditiva
Profunda
> 90
No período neonatal, o principal tipo de PA é sensório-neural e relacionado a danos nas células ciliadas da
cóclea. Em países desenvolvidos, estima-se que 50 a 60%
dos casos já sejam de etiologia genética, e, destes, 70%
sejam não sindrômicos7. No Brasil, as causas infecciosas,
como a rubéola congênita e a meningite neonatal são as
principais causas.
Achados físicos relacionados a síndromes associadas à
perda auditiva
Permanência em UTI neonatal por mais de 2 dias OU
qualquer um dos fatores abaixo, independentemente do
tempo de permanência:
•
•
•
•
circulação extracorpórea
ventilação assistida
uso de medicações ototóxicas
hiperbilirrubinemia com necessidade de exsanguineotransfusão
Importância da TAN
O primeiro ano na vida de uma criança é fundamental
para o seu desenvolvimento auditivo. Sabe-se que o sistema
nervoso central apresenta grande plasticidade quando estimulado antes dos seis meses de idade, podendo aumentar o
Triagem auditiva neonatal e perda auditiva na infância – Ogando PB & Lubianca Neto JF
número de conexões nervosas e melhorar a reabilitação das
vias auditivas9. Por outro lado, a deprivação de sons leva à
uma reorganização em nível cortical tanto estrutural quanto
funcional. O impacto na fala e na linguagem é diretamente
proporcional ao grau de perda auditiva8,9.
O diagnóstico precoce e a intervenção imediata são
fundamentais no desenvolvimento das crianças com perda
auditiva. O diagnóstico deve estar firmado aos 3 meses de
vida e a intervenção deve iniciar-se até o 6° mês de vida.
Quando a triagem não é realizada, o diagnóstico de deficiência auditiva tende a ser feito apenas em torno dos 24
meses, quando a criança já apresenta déficit de linguagem6,9.
Tanto para médicos quanto para pais e cuidadores, os sinais
e sintomas da perda auditiva são sutis, considerando-se que
as crianças com perda auditiva são extremamente vigilantes
quanto a outros fatores ambientais. Perdas leves a moderadas
podem passar despercebidas até a idade escolar10-14.
Métodos de triagem auditiva
Historicamente, a triagem auditiva em neonatos e lactentes era realizada através da observação clínica da resposta
ao estímulo sonoro (reflexo cócleo-palpebral, audiometria
Boletim Científico de Pediatria - Vol. 1, N° 2, 2012
53
comportamental, audiometria de respostas condicionadas).
Nenhum estudo foi capaz de comprovar eficácia e acurácia
suficientes destes métodos7.
Atualmente, a TAN é realizada através de testes fisiológicos como as Emissões Otoacústicas (EOA) e o Potencial
Evocado Auditivo de Tronco Encefálico (PEATE) convencional ou automatic (PEATEa). As características de cada
um destes testes estão listadas na Tabela 36. Estes testes
estão disponíveis para pacientes do SUS nos hospitais de
escola de Porto Alegre e também em várias clínicas para
pacientes privados e de convênios.
As EOAs correspondem a energia sonora emitida pelas células ciliadas externas da cóclea, em resposta a um
estímulo sonoro. Elas podem ser detectadas em 99% das
orelhas sem alterações. A resposta geralmente está ausente
em casos de perda auditiva maior ou igual a 30 dB6.
O PEATEa analisa a atividade cerebral elétrica em
resposta ao estímulo sonoro. Ao contrário da EOA, ele
é capaz de avaliar a via auditiva neural, possibilitando o
diagnostico de recém-nascidos com neuropatia auditiva
(NA). Nestes casos, as células ciliadas externas funcionam
normalmente, porém as células ciliadas internas ou o nervo
Tabela 3 - Características da EOA e PEATEa
EOA
PEATEa
Realizado por um fonoaudiólogo ou médico
Realizado por um fonoaudiólogo ou médico
10-15 min
15-20 min
Equipamento portátil
Equipamento portátil
Idealmente realizado em neonatos com mais de 24 h de vida e mais de 34 semanas gestacionais
Idealmente realizado em neonatos com mais de 24 h
de vida e mais de 34 semanas gestacionais
Resultado podem ser afetado pelo movimento, barulho ambiental, alterações de orelha média ou externa
Resultados podem ser afetados pelo movimento,
barulho ambiental, alterações de orelha média ou externa
Não invasivo, probe colocado no conduto auditivo externo
Não invasivo, três eletrodos são colocados na cabeça,
fones de ouvidos são colocados no conduto auditivo
Ambos ouvidos podem ser testados simultaneamente
Ambos ouvidos podem ser testados simultaneamente
Identifica perda auditiva condutiva e coclear. Avalia o conduto auditivo externo, a orelha média e a cóclea, até o nível das células ciliadas externas
Identifica perda auditiva neural. Pode ser normal
em perda condutiva ou coclear em frequências baixas
Detecta perdas a partir de 30 a 40 dB
Detecta perdas a partir de 30 a 40 dB
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Boletim Científico de Pediatria - Vol. 1, N° 2, 2012
Triagem auditiva neonatal e perda auditiva na infância – Ogando PB & Lubianca Neto JF
auditivo foi danificado. A etiologia da NA ainda não está
bem estabelecida, sendo possivelmente multifatorial14.
Observa-se uma tendência mundial em se realizar a
triagem auditiva combinada, utilizando-se tanto as EOAs,
quanto o PEATEa. As EOAs são indicadas como primeiro
teste. O PEATEa, realizado em casos de falha nas EOAs ou
em pacientes de alto risco para neuropatia auditiva, como
pacientes com internação em UTI neonatal, prematuros
extremos, história de hiperbilirrubinemia, entre outros15.
As crianças reprovadas em qualquer etapa da TAN
devem ser encaminhadas para diagnóstico da DA. O
diagnóstico definitivo se dá através da aplicação de testes
como o Potencial auditivo de Tronco Encefálico (PEATE)
com pesquisa de limiares auditivos, imitanciometria com
sonda de 1.000 Hz e das emissões otoacústicas (transientes e produto de distorção). Para que o diagnóstico seja
firmado deve-se testar o lactente em mais de um momento.
As Figuras 1 e 2 apresentam os algoritmos utilizados no
Serviço de Otorrinolaringologia Pediátrica do Hospital da
Criança Santo Antônio.
Cabe ressaltar que a TAN é uma abordagem de rastreamento e que os testes fisiológicos utilizados não são
100% sensíveis nem específicos. A taxa de falso positivo
gira em torno de 2-4%, ou seja, a criança pode ser reprovada na triagem auditiva e ser normo-ouvinte. Existem
também casos de falso negativo, com diagnóstico tardio de
comprometimento da audição. Isto se deve às limitações
dos métodos e a experiência do examinador, sendo mais
frequente nas fases iniciais da implementação do programa
em cada instituição8,16.
Crianças com perda auditiva leve, menor do que 30 dB,
podem ser aprovadas na TAN. Além disso, crianças com
perda progressiva, como ocorre em crianças infectadas pelo
citomegalovírus ou em algumas causas genéticas podem
EOAT = emissões otoacústicas transientes, PEATE-AUT = potencial evocado auditivo de tronco encefálico automatizado, PEATE-dx = potencial evocado auditivo de tronco encefálico diagnóstico, ORL = otorrinolaringologista.
Figura 1 - Protocolo de TAN do HCSA – RN sem fatores de risco
Triagem auditiva neonatal e perda auditiva na infância – Ogando PB & Lubianca Neto JF
Boletim Científico de Pediatria - Vol. 1, N° 2, 2012
55
* Acompanhamento audiológico 6, 12, 18 e 24 meses quando presença de fatores de risco.
EOAT = emissões otoacústicas transientes, PEATE-AUT = potencial evocado auditivo de tronco encefálico automatizado,
PEATE-dx = potencial evocado auditivo de tronco encefálico diagnóstico, ORL = otorrinolaringologista.
Figura 2 - Protocolo de TAN do HCSA – RN com fator de risco
ser normo-ouvintes no momento em que são submetidas
ao teste16. Programas de triagem que utilizam apenas as
EOAs podem não diagnosticar os casos de NA. Devemos
ter conhecimento de tais particularidades, para adequada
orientação de pais e familiares.
As crianças com fatores de risco (Tabela 1), mesmo
que aprovadas na triagem auditiva, devem ser reavaliadas
antes dos 30 meses de idade8,9. Avaliações periódicas e
mais precoces devem ser realizada naquelas crianças com
diagnóstico de citomegalovirose, síndromes associadas à
perda auditiva progressiva, desordens neurodegenerativas,
trauma, diagnóstico de infecções associadas à DA sensórioneural, crianças submetidas à circulação extracorpórea ou
quimioterapia. Em casos de preocupação por parte dos
pais ou educadores, a criança deve ser reavaliada através
de audiometria e avaliação com otorrinolaringologista.
Intervenção
A abordagem da DA na infância deve ser multidisciplinar
e realizada por grupo composto por otorrinolaringologista,
pediatra, fonoaudióloga, geneticista, pedagogo, psicólogo
e assistente social. As crianças com diagnóstico firmado de
perda auditiva devem ser avaliadas por um otorrinolaringologista com experiência em perda auditiva na infância.
Deve-se encaminhar tais crianças para avaliação com
oftalmologista, pois os defeitos de refração e a retinite
pigmentosa são mais comuns nessa população.
A forma de intervenção dependerá do grau de perda
auditiva e da etiologia. É importante ressaltar que a investigação da etiologia não deve atrasar o tratamento.
Pacientes com perda auditiva unilateral devem ser
orientados quanto a maneiras de amenizar a dificuldade
auditiva. Por exemplo, direcionar a orelha ouvinte para a
56
Boletim Científico de Pediatria - Vol. 1, N° 2, 2012
Triagem auditiva neonatal e perda auditiva na infância – Ogando PB & Lubianca Neto JF
professora quando em sala de aula. O uso de sistemas que
amplificam o som ambiental, também chamados sistema
FM, pode beneficiá-los. Sistemas FM são sistemas de
envio de informação sonora sem fio que permitem que
o sinal captado pelo microfone do transmissor sejam
enviados diretamente a caixas de som que ficam próximo
ao aluno ou até mesmo ao aparelho auditivo utilizado
pela criança.
Deve-se orientar os pais sobre o fato de que seus filhos
terão plenas condições de desenvolver a fala e linguagem,
mas que os mesmos poderão necessitar estimulação e
acompanhamento com fonoterapeuta.
Pacientes com perda auditiva bilateral leve, com perda moderada ou grave uni ou bilaterais são candidatos à
amplificação sonora. Não existe idade mínima para o uso
de aparelhos de amplificação sonora individuais (próteses
acústicas). Os mesmos são indicados assim que a perda
auditiva é confirmada e devem ser usados o máximo de
horas possível.
Crianças com diagnóstico firmado ou suspeita de
neuropatia auditiva devem ser acompanhadas com muita
cautela. Pode-se observar, nestes casos, melhora nos níveis
de audição à medida que a via auditiva amadurece, e os pais
devem ser orientados quanto a esta possibilidade15.
O tratamento com fonoaudiólogo é fundamental para
desenvolvimento da linguagem. Esta pode ocorrer de diversas formas, através da linguagem oral, uso de linguagem dos
sinais (LIBRAS) e inclusive a associação de ambas. Tais
pacientes devem ser monitorados pelo otorrinolaringologista
a fim de se evitar acúmulo de cerúmen que comprometa
o funcionamento do aparelho de amplificação sonora ou
otites com efusão, que por si só, são responsáveis por uma
queda de 20 a 30 dB nos limiares auditivos.
Os pacientes com perda profunda bilateral, que não
se beneficiam de aparelhos de amplificação sonora, são
candidatos a implante coclear, já a partir do segundo
semestre de vida (maioria dos serviços atualmente implantam crianças com pelo menos 1 ano de idade). Estes
são aparelhos eletrônicos, implantáveis cirurgicamente na
cóclea, que oferecem estímulo direto ao nervo auditivo.
As crianças submetidas a implante coclear necessitam
um acompanhamento prolongado por equipe multidisciplinar. No Rio Grande do Sul crianças já podem ser
implantadas, inclusive pelo SUS, no Hospital de Clínicas
de Porto Alegre e, numa fase preliminar e somente para
pacientes particulares e de convênios, no Serviço de
Otorrinolaringologia Pediátrica do Hospital da Criança
Santo Antônio.
As crianças diagnosticadas precocemente, com perda
auditiva profunda, desde que recebam estímulo precoce
e terapia multidisciplinar, são perfeitamente capazes de
desenvolver a fala e linguagem.
Investigação da causa
A causa da perda auditiva deve ser investigada. Só assim
podem-se detectar doenças potencialmente fatais, como a
Síndrome do intervalo QT longo do eletrocardiograma,
que pode levar à morte súbita, ou a infecções congênitas
como citomegalovirose e sífilis que, quando precocemente
tratadas, levam a recuperação dos níveis de audição. Ao
se identificar a causa, pode-se orientar quanto ao risco
de DA em outros familiares, evitar o uso de medicações
potencialmente ototóxicas (há crianças com mutações
conhecidas em DNA mitocondrial que são propensas à
ototoxicidade) e orientar, por exemplo, quanto à atividade
física e risco de decréscimo dos níveis auditivos quando
ocorrer traumatismo encefálico naqueles com malformação
anatômica de orelha interna.
A investigação da causa deve iniciar com uma boa
anamnese, questionando-se a possibilidade de infecções
gestacionais, história familiar, permanência em UTI neonatal, uso de mediações ototóxicas. A realização de exames
laboratoriais de rotina já se mostrou pouco custo-efetiva7.
Dois são os exames iniciais mais úteis, a detecção de mutações no gene da conexina 26 (realizado em Porto Alegre para
pacientes conveniados e pelo SUS através de associações
de alguns hospitais-escola com centros de São Paulo) e os
exames de imagem. Enquanto que a pesquisa da mutação
na conexina 26 deve ser feita em todos deficientes auditivos
não sindrômicos sem história familiar ou naqueles com
perdas recessivas não sindrômicas (responsável por cerca
de 20% de todas perdas auditivas presentes ao nascimento),
os exames de imagem são indicados como exames iniciais
em casos de perda auditiva unilateral ou perda auditiva
condutiva. Existem controvérsias quanto ao momento de
sua realização e qual o melhor exame, quando comparado
tomografia e ressonância17.
Conclusões
É importante ressaltar que o diagnóstico de perda auditiva de uma criança é um momento de grande sofrimento
para os pais. Tal fato não deve ser menosprezado. É comum
a busca inadequada e infrutífera de um responsável ou
culpado pelo acontecido. Deve-se lembrar da importância
que o profissional da saúde tem em dar suporte familiar16,
Triagem auditiva neonatal e perda auditiva na infância – Ogando PB & Lubianca Neto JF
esclarecer as dúvidas e enfatizar que, quando bem estimulada e conduzida, a criança poderá ser capaz de desenvolver
fala e linguagem. Além disso, é fundamental a desmistificação do uso do aparelho auditivo, mostrando que tais
equipamentos podem ser divertidos e extremamente úteis
para a criança.
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Correspondência:
Patrícia Barcelos Ogando
E-mail: [email protected]
2238-0450/12/01-02/58-62
Copyright © by Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul
Relato de Caso
Tuberculose pleural na infância:
relato de caso e revisão
Pleural tuberculosis in childhood: case report and review
Marília Comissoli Brust1, Magali Santos Lumertz2, Margareth Salerno3, Leonardo Araújo Pinto3
RESUMO
Introdução: O objetivo deste relato é descrever uma situação clínica relevante e que deve ser lembrada pelos pediatras
quando do atendimento de crianças e adolescentes com febre ou sintomas respiratórios prolongados. Relato do caso:
Paciente feminina, 18 anos, procurou atendimento em consultório de pediatra com relato de febre, até 38,8 ºC, há 4 dias.
Realizado exame físico, onde se observou redução do murmúrio vesicular em hemitórax direito à ausculta pulmonar,
sem sinais de esforço respiratório ou hipoxemia. A radiografia de tórax demonstrou opacidade associada a extenso
derrame pleural em hemitórax direito. Análise do líquido pleural (LP) apresentou: 300 células (84% de linfócitos, 4%
monócitos, 12% macrófagos), glicose menor que 20 mg/dL, proteínas 4,9 g/dL, pH 7,20. Paciente permaneceu em
acompanhamento ambulatorial, tendo resultados de adenosina deaminase no LP de 405 U/L e 407 U/L respectivamente,
e cultura para micobactéria positiva (M. tuberculosis). Foi realizado tratamento com rifampicina/isniazida/pirazinamida/
etambutol, com boa resposta. Conclusões: Este caso demonstra uma apresentação clínica relevante de tuberculose
(TB) na infância. Considerando as elevadas taxas de incidência em nosso país, e especialmente em Porto Alegre, é
fundamental que médicos da rede de atenção primária e pediatras conheçam as diferentes formas de apresentação da
doença em crianças e adolescentes, e as características clínicas da TB pleural.
Descritores: Tuberculose pleural, M. tuberculosis, infância.
ABSTRACT
Introduction: The aim of this report is to describe a relevant clinical situation that should be considered by the
pediatricians when treating children and adolescents with prolonged fever or respiratory symptoms. Case report: A
female patient, 18 years old, came to the clinic with reported fever of 38.8 °C for 4 days. In the physical examination,
decreased breath sounds in the right hemithorax was detected on auscultation, with no signs of respiratory distress
or hypoxemia. Chest x-ray showed extensive opacity associated with pleura effusion in the right hemithorax. Pleural
liquid analysis showed: 300 cells (84% lymphocytes, 4% monocytes, macrophages, 12%), glucose less than 20 mg/dl,
Protein 4,9 g/dl, pH 7,20. The patient remained in outpatient clinic, where further labs were evaluated: ADA results in
the pleural liquid of 405 U/L and 407 U/L respectively and positive culture for mycobacteria (M. tuberculosis). The
patient received treatment for tuberculosis with good response. Conclusions: This case demonstrates a significant
clinical presentation of tuberculosis in childhood. Considering the high incidence rates in our country and especially
in Porto Alegre, it is essential that the primary care physicians and pediatricians be aware of the different forms of
tuberculosis in children and adolescents, and the clinical features of pleural infection by M. tuberculosis.
Keywords: Pleural tuberculosis, M. tuberculosis, childhood.
1. Médica Infectologista Pediátrica, Mestranda do Programa de Pós-graduação em Pediatria e Saúde da Criança, Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul (PUCRS), Porto Alegre, Brasil.
2. Médica Pediatra e aluna do Curso de Especialização em Pneumologia Pediátrica, PUCRS, Porto Alegre, Brasil.
3. Professor da Faculdade de Medicina da Faculdade de Medicina, PUCRS, Porto Alegre, Brasil.
Como citar este artigo: Tuberculose pleural na infância: relato de caso e revisão. Brust MC, Lumertz MS, Salerno M, Araújo Pinto L. Bol Cient Pediatr.
2012;01(2):58-62.
Artigo submetido em 06.11.12, aceito em 04.12.12.
58
Tuberculose pleural na infância – Brust MC et al.
Introdução
Tuberculose (TB) é uma doença causada pelo Mycobacterium tuberculosis, bacilo de crescimento lento, aeróbio
estrito, álcool-ácido resistente (BAAR). Geralmente afeta
os pulmões (TB pulmonar), podendo atingir outros órgãos e
sistemas (TB extrapulmonar), determinando altos índices de
morbidade e mortalidade, sendo sério problema de saúde pública em países desenvolvidos e em desenvolvimento1-4.
A infecção na criança ocorre por inalação do bacilo em
aerossol de gotículas respiratórias derivadas de um caso bacilífero de TB pulmonar (caso fonte), geralmente um adulto
com doença pulmonar cavitária, mas crianças mais velhas
também podem ser bacilíferas2,3,5,6. O risco de infecção
depende da duração e exposição ao caso fonte, de fatores
sociais, prevalência da doença na comunidade e da idade
do paciente. O estado nutricional, imunológico e vacinal
também influenciam no risco de progressão da infecção
latente (TBL) para a doença ativa (TB)2,3,5,6. Crianças
têm risco maior de progressão para doença, disseminação
extrapulmonar e mortalidade, principalmente nos dois
primeiros anos de vida5-7. Diferenças na fisiopatologia e
na apresentação clínica na infância tornam o diagnóstico
mais difícil7-9. As lesões pulmonares são pobres em bacilos (paucibacilar), e cerca de 20% dos casos de TB têm
apresentação extrapulmonar (ganglionar, pleural, óssea,
meningoencefálica)3,9,10.
A TB pleural ocorre em até dois anos como complicação da TB primária, ou após décadas como reativação
endógena. Quando um foco parenquimatoso justapleural ou
um gânglio mediastinopulmonar se rompe para a cavidade
pleural, os bacilos desencadeiam uma reação de hipersensibilidade, resultando na formação de derrame pleural (DP).
Raramente associado à TB miliar, costuma ser unilateral e
ter volume variado. Geralmente as crianças iniciam com
quadro abrupto de febre, dor torácica e dispneia quando o
DP é de grande volume, podendo simular uma pneumonia
bacteriana1,2,10,11. A toracocentese revela exsudato, com
aumento de celularidade e predomínio de linfócitos1,2,10‑12.
A baciloscopia costuma ser negativa e a dosagem de adenosinadeaminase (ADA) > 40 U/L (sensibilidade de 95%
e especificidade de 90% em líquido pleural - LP)11-14.
Biópsia pleural permite diagnóstico em cerca de 90% dos
casos, associando cultura e exame histopatológico (granuloma com ou sem necrose caseosa)10,11. A combinação de
imunoensaio (Interferon-Gamma Release Assay - IGRA) e
detecção molecular (Polymerase Chain Reaction - PCR) é
uma promessa para o diagnóstico clínico de TB pleural15-19.
O objetivo deste relato é descrever uma situação clínica
Boletim Científico de Pediatria - Vol. 1, N° 2, 2012
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relevante e que deve ser lembrada pelos pediatras quando
do atendimento de crianças e adolescentes com febre ou
sintomas respiratórios prolongados.
Relato do caso
Paciente feminina, branca, 18 anos, procurou atendimento em consultório de pediatra com relato de febre, até
38,8 ºC, há 4 dias. Responsável pela paciente relata ter feito
uso de azitromicina nos últimos 3 dias, sem modificação
da curva térmica. Além disso, a paciente apresentava tosse
discreta intermitente e se encontrava em bom estado geral.
Realizado exame físico (EF), onde se observou redução
do murmúrio vesicular (MV) em hemitórax direito à ausculta pulmonar (AP), sem sinais de esforço respiratório
ou hipoxemia. Considerando-se a hipótese de pneumonia
bacteriana, foi prescrito amoxicilina com clavulanato e
solicitada radiografia (RX) de tórax, o qual foi realizado
dois dias após.
Na história médica pregressa, a paciente apresentava
retardo no desenvolvimento neuropsicomotor (RDNPM),
possivelmente associado a crises convulsivas de início
precoce e hipoglicemia neonatal. Nasceu a termo; peso
de nascimento de 4.200 g. Imunizada com BCG neonatal,
com cicatriz presente. Apresentava internações prévias por
crises convulsivas e por infecção de trato urinário, porém
nenhuma recente. Havia relato de episódios recorrentes de
otite média aguda. Faz uso de dieta pastosa, por dificuldade
de deglutição, porém negava pneumonias de repetição.
Apresenta desnutrição crônica grave, realizava fonoterapia
e fisioterapia motora em centro de atendimento a crianças
com necessidades especiais. Medicamentos de uso contínuo:
carbamazepina, divalproato de sódio e fluoxetina.
Após visualização do Rx de tórax (Figura 1) com
opacidade associada a extenso DP em hemitórax direito,
optou-se por hospitalização da paciente e troca do antibiótico para cefuroxima endovenoso. EF semelhante ao
previamente descrito. Realizada ecografia torácica que
apresentava volumoso DP à direita com vários septos e
volume estimado de 350 a 400 mL, com pouca área de
consolidação. No seguimento, exames laboratoriais (6.860
leucócitos totais, 52% segmentados, 3% bastões, 26%
linfócitos, 17% monócitos; velocidade de hemossedimentação - VSG 89 mm/h; proteína C-reativa 18,1 mg/L; antiHIV não reagente; hemocultura, que finalizou negativa);
e toracocentese, com drenagem de 195 mL de líquido
amarelo citrino. Análise do LP demonstrou: 300 células
(84% de linfócitos, 4% monócitos, 12% macrófagos),
glicose menor que 20 mg/dL, proteínas 4,9 g/dL, pH
60
Tuberculose pleural na infância – Brust MC et al.
Boletim Científico de Pediatria - Vol. 1, N° 2, 2012
7,20, lactato desidrogenase (LDH) 6128 U/L, pesquisa
de BAAR negativo e bacteriológico negativo. No dia
seguinte, devido história clínica e exames realizados até
aquele momento (aguardava resultado de ADA, e de cultura
para micobactéria no LP), foi iniciado tratamento com
rifampicina-isoniazida-pirazinamida-etambutol (RHZE)
por provável TB pleural. Foi conversado com família
que, embora negasse contato com indivíduo com tosse
crônica, concordou com tratamento.
Paciente permanece em acompanhamento ambulatorial
com sua médica pediatra, tendo resultados de ADA no LP
de 405 U/L e 407 U/L respectivamente e cultura para micobactéria positiva (M. tuberculosis). Descrição do controle
radiológico: pequeno espessamento seio costofrênico à
direita; demais, sem evidência de alterações. Não foi identificado o contato bacilífero transmissor da doença.
Discussão
O DP é a uma das apresentações mais comuns de TB
em adultos jovens HIV negativos20. Apesar de a TB ser
uma doença de evolução subaguda à crônica, o DP pode
se apresentar com sintomatologia aguda de febre, dor
torácica, tosse predominantemente seca e diferentes graus
de dispneia, conforme seu volume e tempo de instalação,
sendo diretamente proporcional ao volume e inversamente
proporcional ao tempo de instalação20,21. Estudo radiológico
auxilia no diagnóstico de DP, geralmente unilateral com
presença de lesão parenquimatosa concomitante em 20 a
50% dos casos de derrame tuberculoso22,23. Em crianças,
o diagnóstico deve ser considerado em DP isolado na ausência de toxemia22.
Figura 1 - Rx de tórax evidenciando opacidade associada a
extenso DP em hemitórax direito
Paciente evoluiu com manutenção dos picos febris,
progressivamente mais espaçados e de menor monta até
5 dias após associação do RHZE. Tentativa de coleta de
escarro, sem sucesso. Teste tuberculínico (TT) não reator.
Pela persistência da imagem radiológica, optado por realização da nova ecografia torácica (demonstrou DP com
septos, em hemitórax direito, com pelo menos 331 mL)
e biópsia de pleura por videotoracoscopia (após 7 dias
da toracocentese), cujas características do líquido drenado
evidenciavam: 320 células (38% de linfócitos, 16% monócitos, 45% neutrófilos), ausência de células neoplásicas,
glicose menor que 20 mg/dL, proteínas 3,9 g/dL, pH
7,27, LDH 6311 U/L, BAAR negativo, e bacteriológico
negativo (também havia resultado de ADA e cultura para
micobactéria pendentes). Anatomopatológico da biópsia
pleural demonstrou presença de granuloma, ausência de
BAAR e de fungos. Após 12 dias de internação, paciente
recebeu alta hospitalar em uso de RHZE e apirética há
7 dias (Figura 2).
A paciente apresentou quadro agudo de febre, tosse,
alteração unilateral da ausculta pulmonar e estudo radiológico com derrame pleural associado à lesão parenquimatosa
pulmonar sugestivo de pneumonia bacteriana, mantendo-se
sempre em bom estado geral, apesar da persistência da febre
em vigência de antibioticoterapia, tornando a punção do
DP ainda mais necessária para seguimento da investigação
diagnóstica26.
A análise de ADA e biópsia pleural são as principais ferramentas à confirmação do diagnóstico de DP
tuberculoso10,12,18,22. ADA > 40U/L é o principal método
acessório, em conjunto com exsudato com > 75% de linfócitos e ausência de células malignas no DP, para autorizar
início de tratamento para TB10,12,18,24,25. Pelo DP ser uma
Figura 2 - Rx de tórax na alta hospitalar
Tuberculose pleural na infância – Brust MC et al.
reação de hipersensibilidade ao bacilo na cavidade pleural,
o rendimento da baciloscopia direta no DP é praticamente
nulo e da cultura, de 12 a 25%11,20. Apesar do atraso no
resultado de ADA, pela evolução clínica, radiológica e
possível infecção pulmonar pelo sistema de pontuação
do escore de TB pulmonar para crianças (< 10 anos) e
adolescentes (com BAAR negativo no escarro) e demais
achados do DP, optou-se por iniciar tratamento para TB
preconizado para > 10 anos de idade (2 meses de RHZE
e mais 4 de RH)10.
Apesar do baixo peso e estatura, a paciente tem 18
anos e radiologia sugestiva de TB pulmonar. Adolescentes
geralmente apresentam padrão radiológico semelhante a
adultos. A pesquisa de BAAR no escarro apresenta valor
preditivo positivo > 95% no nosso meio, mas baixa sensibilidade (40-60%)10. Entretanto, não foi possível coletar
pela dificuldade de expectoração associada ao RDNPM.
Em criança, lavado gástrico para pesquisa de BAAR e
cultura não é realizado de rotina (sensibilidade de 10 a
15% e de 30 a 50% respectivamente), sendo indicado
se a pontuação do sistema de escore para diagnóstico
de TB pulmonar em criança (< 10 anos) for negativa e
houver possibilidade de solicitar cultura para micobactéria. O mesmo sistema de pontuação pode ser utilizado
em adolescentes com BAAR no escarro negativo10,27. No
caso, a adolescente somou 35 pontos (febre > 2 semanas
+ alteração radiológica > 2 semanas em tratamento para
germes comuns + desnutrição grave = 15 +15 +5). A
paciente não somou pontos para contato com adulto com
TB nos últimos 2 anos e teste tuberculínico (< 5 mm).
Contato com adulto com TB pulmonar reforçaria a
suspeita de TB no DP6,7,10,11,22. No caso não foi identificado contato bacilífero domiciliar ou na instituição que
frequentava, porém, procede de município com alta incidência de TB. O Brasil é um dos 22 países que abrangem
80% dos casos mundiais de TB, ocupando a 19ª posição
com taxa de incidência de 37/100 mil habitantes. O Rio
Grande do Sul é o sexto estado e Porto Alegre a primeira
capital brasileira em incidência de TB, com taxas de 47 e
109/100 mil habitantes, respectivamente3.
O TT não exclui diagnóstico de TB. Este representa
reação de hipersensibilidade cutânea tardia, que faz com
que o indivíduo previamente sensibilizado (por infecção ou
vacina) seja capaz de reagir com formação de induração no
local de injeção intradérmica do antígeno micobacteriano.
Considerar a prevalência de infecção tuberculosa, além do
passado vacinal e do estado imunológico na interpretação
do TT. Um terço dos pacientes pode apresentar TT nega-
Boletim Científico de Pediatria - Vol. 1, N° 2, 2012
61
tivo na vigência de infecção, principalmente aqueles com
imunodepressão grave pelo HIV e em até 40% das crianças
HIV-negativas com TB extrapulmonar5,6,10,22. Exceto pelo
anti-HIV, a paciente não possuia avaliação imunológica
complementar.
A biópsia confirmou o dignóstico de TB, pela associação de granuloma no exame anatomopatológico e cultura
positiva para M. tuberculosis no fragmento pleural10,11,21.
Até o momento a biópsia de pleura parietal é o teste
mais sensível de diagnóstico para DP tuberculoso. Apresenta
granulomas em 50 a 97% dos casos, cultura de micobactéria
positiva em 39 a 80%, e quando combinados o diagnóstico
é de 60 a 95%21.
PCR e interferon-gama (IFN-γ) estão sendo avaliados
para o diagnóstico clínico de TB pleural. Por ser o DP
paucibacilar, o PCR pode melhorar a sensibilidade (20
a 90%) e especificidade (78 a 100%), mas depende da
sensibilidade da técnica de amplificação, do número de
micobactérias e de sua distribuição na amostra. Não
exige imunocompetência e é mais rápido que a cultura.
É positivo em 100% dos DP com cultura positiva e em
apenas 30 a 60% com cultura negativa. A sensibilidade
(90%) e especificidade (~100%) do PCR na biópsia
pleural é semelhante à da cultura associada ao exame
anatomopatológico. Desvantagens do PCR incluem alto
custo, tecnologia ainda pouco disponível para rotina e
risco de contaminação3,15,16,21.
Exames para detecção de IFN-γ no sangue têm se
mostrado mais precisos que o TT para diagnóstico de
infecção por TB. O INF-γ, produzido por linfócitos T,
ativa macrófagos, aumentando a capacidade bactericida
contra M. tuberculosis e está envolvido na formação
de granulomas. Sua produção pelas células T efetoras
na cavidade pleural elevam sua concentração no DP
tuberculoso, com sensibilidade de 78 a 100% e especificidade de 95 a 100%. Em alguns estudos o IFN-γ foi
mais sensível e específico que ADA, porém mais caro e
menos disponível em relação a este. Estudos adicionais
estão sendo realizados para avaliar IFN-γ em crianças e
imunossuprimidos. Estes têm apresentado níveis semelhantes aos imunocompetentes18,19,21,22.
Este caso demonstra uma apresentação relativamente
frequente de TB na infância. Considerando as elevadas taxas
de incidência em nosso país, e especialmente em Porto
Alegre, é fundamental que médicos da rede de atenção
primária e pediatras conheçam as diferentes formas de
apresentação da doença em crianças e adolescentes.
62
Boletim Científico de Pediatria - Vol. 1, N° 2, 2012
Tuberculose pleural na infância – Brust MC et al.
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Correspondência:
Leonardo A. Pinto
E-mail: [email protected]
2238-0450/12/01-02/63-6
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Relato de Caso
Repercussões neonatais do uso materno de crack
Repercussions of neonatal maternal use of crack
Fabiani Waechter Renner1, Jéssica Alessio Gottfried2, Kelly Caroline Welter2
RESUMO
Introdução: A prevalência do uso da cocaína e do crack tem aumentado dramaticamente na população obstétrica
durante as últimas décadas, trazendo graves consequências para a saúde fetal. Este trabalho apresenta um caso de
recém-nascido de gestante usuária de crack e aborda os aspectos de relevância do assunto, como parto pré-termo,
malformações fetais, retardo de crescimento intrauterino, dentre outros, auxiliando os profissionais de saúde na conduta
frente esta realidade. Relato de caso: Recém-nascido masculino, parto normal, prematuro de 25 semanas, peso ao
nascer 700 g, Apgar 4/8, com ecografia obstétrica apresentando diagnóstico de hérnia diafragmática volumosa. Mãe
23 anos, usuária de crack, com duas consultas pré-natais, e VDRL positivo no dia anterior ao parto. Após o parto o
paciente necessitou de ventilação mecânica e cuidados intensivos, evoluindo ao óbito em 48 horas devido à prematuridade extrema, doença da membrana hialina, insuficiência respiratória e hérnia diafragmática volumosa. Discussão:
O cuidado de gestantes dependentes de drogas é complexo, difícil e exige um preparo especial dos profissionais de
saúde, os quais devem estar conscientes dos aspectos psicológicos e sociais, assim como das ramificações éticas e
legais destes comportamentos. No entanto, a gestação é um período facilitador de sensibilização ao tratamento. Se
houver preparo da equipe cuidadora, é exatamente nesta fase que se consegue abstinência completa e duradoura de
todas as drogas, desejo da maioria das mães para não prejudicar e poder cuidar melhor do seu filho.
Descritores: Cocaína crack, anormalidades congênitas, recém-nascido.
ABSTRACT
Introduction: The prevalence of cocaine use and crack has increased dramatically in the obstetric population during
the last decades and has severe consequences for fetal health. This paper presents a case of newborn pregnant users
of crack and addresses the relevance of the subject, such as pre-term delivery, fetal malformations, and retarded
intrauterine growth. Case report: Newborn male, normal birth, 25 weeks premature, 700 g birth weight, Apgar 4/8,
presenting with obstetric ultrasound diagnosis of diaphragmatic hernia. Mother 23 years, crack addicted, two prenatal
visits, and VDRL positive on the day before delivery. After delivery the patient required mechanical ventilation and
intensive care, progressing to death within 48 hours due to extreme prematurity, respiratory failure and massive
diaphragmatic hernia. Discussion: The care of pregnant women addicted to drugs is complex, difficult and requires a
special preparation of health professionals, who must be aware of the psychological and social aspects, as well as the
ethical and legal consequences. However, pregnancy period may be a treatment facilitator. If preparation of the care
professionals works, it is exactly at this point that if one can achieve sustained abstinence.
Keywords: Crack cocaine, congenital abnormalities, newborn.
1. Médica Pediatra e Professora de Pediatria – Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), Santa Cruz do Sul, RS, Brasil.
2. Acadêmica do curso de Medicina – UNISC, Santa Cruz do Sul, RS, Brasil.
Como citar este artigo: Repercussões neonatais do uso materno de crack. Renner FW, Gottfried JA, Welter KC. Bol Cient Pediatr. 2012;01(2):63-6.
Artigo submetido em 29.08.12, aceito em 29.10.12.
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Boletim Científico de Pediatria - Vol. 1, N° 2, 2012
Introdução
O abuso de substâncias ilícitas tem atravessado as
fronteiras sociais, econômicas e geográficas, e continua
sendo um dos maiores problemas que a sociedade moderna enfrenta em todo o mundo. A prevalência do uso da
cocaína, assim como de seu produto alcalinizado (crack),
tem aumentado dramaticamente na população obstétrica
durante as últimas décadas. Estima-se que até 10% das
mulheres norte-americanas tenham utilizado cocaína
durante a gravidez, tendo ocorrido parto pré-termo ou
descolamento prematuro de placenta na maioria dessas
pacientes, além de outras complicações, tanto maternas
quanto neonatais1,2.
A identificação do problema deve ser realizada durante
o pré-natal, mas muitas vezes é difícil o reconhecimento
dessas pacientes, visto que muitas negam a utilização da
droga e também realizam poucos exames pré-natais3.
A clínica observada em pacientes usuárias de cocaína/
crack mostra sinais e sintomas de exacerbação do sistema
simpático, como hipertensão, taquicardia, arritmias e até
falência miocárdica. A cocaína/crack atravessa rapidamente
a barreira placentária sem sofrer metabolização, agindo
diretamente na vasculatura fetal, determinando vasoconstrição, além de malformações urogenitais, cardiovasculares
e do sistema nervoso central4. Além disso, como o fluxo
sanguíneo uterino não é autorregulado, a sua diminuição
provoca insuficiência útero-placentária, hipoxemia e acidose fetal5.
Repercussões neonatais do uso materno de crack – Renner FW et al.
Paciente evoluiu para ventilação mecânica com tubo
número 2,0 devido à prematuridade extrema (24-25 semanas
de gestação, pequeno para idade gestacional (PIG), sem
abertura ocular ao exame físico), desconforto respiratório
associado à cianose e ao diagnóstico precoce de hérnia
diafragmática. Necessitou de parâmetros altos de ventilação
mecânica, recebeu duas doses de surfactante (170 mg/kg
cada dose). Foram cateterizados vasos umbilicais para
preservar membros para posterior passagem de cateter
central de inserção periférica (PICC). A radiografia de
tórax após a primeira dose de surfactante apresentava-se
pouco penetrada, sem visualização do parênquima pulmonar,
sendo refeito mais uma dose do surfactante. Associado
a esse quadro respiratório foi iniciado com penicilina G
cristalina e gentamicina devido ao VDRL positivo na mãe.
Exames no período da internação, logo após o nascimento:
Radiografia de tórax (Figura 1) – opacidade em hemitórax
esquerdo, comprimindo pulmão esquerdo e determinando
desvio contralateral do mediastino (observe a posição da
sonda nasogástrica). Hemograma: ausência de anemia
(hemoglobina 12,6), ausência de leucocitose ou leucopenia,
leve plaquetopenia, PCR e VDRL negativos.
Evoluiu ao óbito em 48 horas devido à prematuridade
extrema, doença da membrana hialina, insuficiência respiratória e hérnia diafragmática volumosa.
O objetivo deste trabalho é apresentar um caso de
recém-nascido (RN) de gestante usuária de crack e abordar os aspectos de relevância do assunto, como parto
pré-termo, malformações fetais, retardo de crescimento
intrauterino (RCIU) e outras complicações fetais/neonatais,
auxiliando os profissionais de saúde na conduta frente a
esta realidade.
Relato do caso
RN masculino, nascido de parto normal, prematuro
(PMT) de 25 semanas, peso ao nascer (PN) 700 g, altura
31 cm, perímetro cefálico (PC) 24 cm, perímetro torácico
(PT) 21 cm, Apgar 4/8, com uma ecografia obstétrica
apresentando diagnóstico de hérnia diafragmática volumosa.
Mãe 23 anos, Gesta 4 Parto 3, usuária de crack, fez duas
consultas pré-natais com sorologias: VDRL, anti-HIV,
toxoplasmose e HbsAg, estando todas negativas; porém
apresentava VDRL positivo no dia anterior ao parto e
infecção do trato urinário (ITU) por Pseudomonas dois
meses anteriores ao parto.
Figura 1 - Radiografia evidenciando hérnia diafragmática
Repercussões neonatais do uso materno de crack – Renner FW et al.
Discussão
O abuso materno de substâncias ilícitas é visto em
todas as classes socioeconômicas, idades e raças6,7, porém
existe um risco aumentado em mulheres mais jovens,
mulheres solteiras, e as mulheres com menor rendimento
escolar8,9. Muitas gestantes utilizam mais de uma droga8,9,
a exemplo disto, no estudo National Household Survey
on Drug Abuse (NHSDA)8, metade das mães que usaram
drogas ilícitas também usavam cigarros e/ou álcool. O uso
de múltiplas drogas apresenta um desafio crescente para
o cuidado de RN de mãe com policonsumo por causa da
necessidade de identificar e determinar as consequências
de cada substância específica.
Adicionalmente ao amplo espectro de problemas de
saúde que acarreta o uso de drogas ilícitas, o uso de drogas
na gravidez gera riscos únicos tanto para a gestante como
para o feto, sendo que diversas consequências negativas
decorrentes do uso de drogas ilícitas, como desnutrição,
suscetibilidade a infecções e disfunções orgânicas podem
ser transmitidas ao feto em desenvolvimento10. No entanto, o grande problema para se avaliar os efeitos diretos
das drogas ilícitas sobre o feto é a enorme quantidade
de fatores de risco psicossociais, sociodemográficos,
comportamentais e biológicos que se relacionam com
as drogas e com as consequências da gravidez quando
indesejada, tais como pobreza, falta de cuidado pré-natal,
doenças sexualmente transmissíveis e desnutrição. Entre
as drogas ilícitas, a cocaína tem sido uma das mais estudadas, com o objetivo de apurar seus efeitos sobre os
fetos a ela expostos durante a gestação10.
A cocaína se relaciona com RCIU como consequência da
vasoconstrição materna, com trabalho de parto prematuro e
com a rotura prematura de membranas. Muitos estudos encontram baixo peso ao nascer, baixa estatura, diminuição do
PC e alterações neuro-comportamentais (todos estes efeitos
dose-dependentes). O caso relatado ilustra esta realidade,
com idade gestacional de 25 semanas, PN de 700 g e demais
características que remetem à prematuridade10.
Durante a gestação o uso da cocaína pode provocar
malformação do feto, pois a droga diminui a oxigenação
cerebral deste RN. Os efeitos podem ser: fetos natimortos, microcefalia, retardo mental, alterações ósseas, baixo
peso, irritabilidade, atrasos no desenvolvimento neuropsicomotor e algumas vezes nascem com crises convulsivas,
ainda sob efeito da droga passada através da mãe. O RN
deste caso relatado apresentou hérnia diafragmática como
malformação principal, que foi diagnosticada ainda no
período pré-natal11.
Boletim Científico de Pediatria - Vol. 1, N° 2, 2012
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A hérnia diafragmática congênita é uma anomalia da
embriogênese do diafragma, com consequente herniação
das vísceras abdominais para o tórax. A incidência é de
1:2.000 a 1:5.000 partos, sendo 80% à esquerda, 15% à
direita, e 5% bilateral. O diagnóstico é geralmente feito pela
ultrassonografia fetal. A vantagem desse diagnóstico prénatal está em preparar os pais sobre possíveis prognósticos
e possibilitar uma transferência materna para um centro
terciário, onde a possibilidade de uma terapia precoce pode
melhorar a sobrevida12.
Na grande maioria dos casos, os RNs apresentam sintomas nas primeiras 24 horas de vida, pois geralmente está
presente uma grande hérnia diafragmática com hipoplasia
pulmonar severa. Logo após o nascimento, pode ocorrer
dificuldade respiratória grave, bradicardia e cianose persistente. Frequentemente o abdome está escavado, e o tórax
distendido de um só lado. A ausculta revela diminuição ou
abolição dos sons pulmonares no lado atingido, borborigmo
e desvio do mediastino para o lado oposto12.
A respiração distende as alças intestinais e piora o
quadro respiratório. A assistência ventilatória, quando necessária após o nascimento, deve ser feita com a intubação
endotraqueal, pois está contraindicada a ventilação com
máscara e bolsa. Uma sonda orogástrica para aspiração
contínua deve ser introduzida após o nascimento, quando o
diagnóstico tiver sido feito no pré-natal, ou no momento do
diagnóstico pós-natal. O recém-nascido deve ser transferido
para a unidade de terapia intensiva neonatal para cuidados
pré-operatórios que visem minimizar a hipertensão pulmonar, pesquisar outras malformações e, logo que possível,
a correção cirúrgica12.
O cuidado de gestantes dependentes de drogas é complexo, difícil e exige um preparo especial por parte dos
profissionais de saúde, os quais devem estar conscientes das
características únicas psicológicas e sociais, assim como
com as ramificações éticas e legais destes comportamentos.
A principal barreira para o tratamento das mulheres dependentes, em geral, é o preconceito que sofrem por parte
da sociedade. Quando estas mulheres estão grávidas, esse
preconceito se multiplica, tornando ainda mais difícil um
pedido de ajuda. Diante disto, essas gestantes raramente
fazem acompanhamento pré-natal e, quando o fazem, não
relatam espontaneamente seu problema com as drogas10.
Quanto à falta ou ao número escasso de consultas prénatais realizadas, em pesquisa feita com mulheres usuárias
de crack13, a discriminação, o racismo e o preconceito são
observados repetidamente como barreiras para a procura
pelos serviços de saúde. Esta realidade engloba não ape-
66
Boletim Científico de Pediatria - Vol. 1, N° 2, 2012
nas as consultas pré-natais, mas também a procura por
tratamento para o abuso da substância e para resolução de
problemas de saúde14.
Por outro lado, a gestação é um período facilitador
de sensibilização ao tratamento. Se houver preparo por
parte da equipe cuidadora, é exatamente nesta fase que se
consegue uma abstinência completa e duradoura de todas
as drogas10.
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Correspondência:
Fabiani Waechter Renner
E-mail: [email protected] ou [email protected]