O preço de ser parte da UE e da Zona do Euro

Transcrição

O preço de ser parte da UE e da Zona do Euro
UNIÃO EUROPEIA
O preço de ser
parte da UE
e da Zona do Euro
A. I.
ANALISAMOS EM OUTRO ARTIGO
que, a partir de sua entrada na
zona do euro, a Grécia
percorreu o caminho que a
transformou de sócio menor
da cadeia imperialista em uma
semicolônia das potências
imperialistas europeias,
especialmente da Alemanha.
Algumas elaborações dentro
da LIT-QI consideram que
esse caráter semicolonial já
começou a ser construído a
partir do segundo pós-guerra
e que agora se aprofundou
ao extremo.
Destino do dinheiro entregue à Grécia
nos resgates de 2010 e 2012
32,0% Devolução da
dívida
16,0% Pagamento de juros
19,0% Capitalização de
bancos
18,1% Recompra da dívida
3,8% Pagamentos ao FMI
0,9% Pagamento a MEDE
10,6% Estado grego
Fonte: Equipe de Análise Econômico da FES.
Elaboração a partir de Macropolis.gr
12
definição de semicolônia parte do
fato de que o país assinou pactos
políticos e econômicos que o subordinam ao imperialismo, como aqueles que
integram à UE (1993) e à zona do euro
(2001). Também existem pactos militares de
subordinação, como a adesão da Grécia à
OTAN (Organização do Tratado do Atlântico
Norte) a aliança militar imperialista, encabeçada pelo imperialismo norte-americano
como uma peça-chave de sua estratégia militar e política mundial. A OTAN possui quatro bases na Grécia (Tessalônica, Larissa,
Preveza e Souda Bay) de alto valor geográfico para o controle do Mediterrâneo oriental.
Nesta subordinação ao imperialismo, a situação da Grécia é similar à dos países latinoamericanos.
Ao adotar o euro como moeda, a Grécia
renunciou ao direito de emitir sua própria
moeda, pelo que sua política monetária e financeira (de acordo ao Tratado de Maastricht) passou a ser supervisionada pelo BCE
(Banco Central Europeu) e controlada pelas
potências imperialistas do continente. Isto é,
perdeu sua soberania monetária e financeira.
Esta situação de base deu um salto ao iniciar os acordos para os “planos de resgate”
da dívida externa grega. Estes acordos tiveram duas consequências. Por um lado, a
Troika (BCE, UE e FMI) passou a dirigir diretamente toda a política econômica grega,
com a capacidade de definir o que podia e o
não se podia fazer. Por outro, expressou-se
em planos de ajuste (cujo eixo era garantir o
pagamento da dívida externa) que reduziam
cada vez mais a economia do país e atacavam duramente o nível de vida dos trabalhadores e do povo. Alguns pontos do recente
acordo, como a “privatização” da cobrança
de impostos já são diretamente elementos
coloniais.
A
Ao mesmo tempo, esse caráter semicolonial leva a um esvaziamento de todo conteúdo de vontade popular das instituições da
democracia burguesa. Quem realmente governa (a Troika) não é eleito pelo voto popular. E inclusive quando suas propostas são
claramente rechaçadas pelo voto popular
(como na eleição do Syriza, no ano passado,
e no plebiscito do último dia 5 de julho), acabam se impondo planos ditados pela vontade
da Troika, através de governos que passam
a atuar como verdadeiros “administradores
coloniais” do país.
Um país que se contrai
Este caráter semicolonial e o saque de riqueza se expressam com clareza na grande
redução da economia do país. Inicialmente, a
integração na UE e a zona do euro (no marco
de uma fase expansiva da economia mundial)
originou um crescimento do PIB grego a uma
média anual de 4% entre 2001-2006.
Mas estas cifras escondiam um processo
profundo e muito perigoso de “simplificação” da economia do país. A grande indústria
passou a concentrar-se em um único setor (a
construção naval), enquanto outras, como a
mineração, praticamente desapareciam. O
outro setor privilegiado foi o turismo e as atividades associadas. Foram precisamente os
rendimentos gerados pelo turismo e as atividades afins os que permitiram, nesses anos,
compensar as crescentes importações de produtos industriais.
Mas em 2006 a economia grega “estagnou” e, até 2010, cresceu apenas 0,10% de
média anual. O pagamento da dívida externa
já passava sua fatura e, ao mesmo tempo, se
antecipava a crise econômica mundial que estouraria em 2007.
A partir de 2010 começa o “colapso” completo. Com grandes dificuldades para pagar
a dívida externa, os governos da Nova Democracia e do Pasok aceitaram “planos de
resgate/ajuste” cada vez mais duros e destruidores.
O resultado é que, desde 2011 até hoje, esses planos fizeram com que a economia grega
decrescesse uns 28%, uma verdadeira catástrofe econômica e social gerada pelo capitalismo imperialista europeu.
A dívida externa
Alguns trabalhadores, ao ouvir nossa proposta do não pagamento da dívida externa,
nos respondem que quem contraiu uma dívida deve pagá-la, como faz um trabalhador
que pediu um crédito para comprar uma casa,
um automóvel ou um eletrodoméstico. E se
ele se endividou acima de sua capacidade de
pagamento a culpa é dele e não do credor.
CORREIO INTERNACIONAL
UNIÃO EUROPEIA
Mas, há uma grande diferença: quem contrai as dívidas externas dos Estados não são
os trabalhadores, e sim os governos burgueses. E a maior parte dessas dívidas não foi
para solucionar as necessidades do país ou do
povo senão dos banqueiros e empresários.
Vejamos a evolução da dívida externa grega, para analisar sua composição. Nas últimas décadas, a dívida externa sempre foi
relativamente alta comparada com o PIB do
país: em 1990, representava 72%. A integração à zona euro (e a perda de soberania monetária) elevou essa percentagem ao redor de
100% e assim se manteve até 2005. Em 2006
e até 2010 (já no meio da crise econômica)
salta para 150% e, a partir dos “planos de resgate”, cresce até 180% do PIB (mais de 310
bilhões de euros ou 338 bilhões de dólares).
É preciso entender o que são realmente os
chamados "planos de resgate". Na verdade,
os "resgatados" são os bancos credores, uma
vez que o país que solicita o resgate (porque
não pode pagar as dívidas contraídas previamente) não vê a cor do dinheiro. Esses planos
permitem que os bancos credores realizem
um movimento contábil e "limpem" os seus
balanços, sendo que a primeira coisa que fazem é "separar" a parte dos pagamentos previamente comprometidos e assegurar os
pagamentos futuros (ver gráfico).
Ao mesmo tempo, avança-se nos compromissos de privatizações de empresas do Estado a “preço de oferta”. Na Grécia, por
exemplo, se fará um fundo com o resultado da
venda das poucas que restaram no país (como
o porto do Pireu) para... pagar a dívida.
Isto é, o país devedor paga, e paga: só neste plano de resgate se “reservaram” 13 bilhões de euros (14,17 bilhões em dólares) para
os pagamentos deste ano. Aos quais devem
ser somado os 425 milhões de euros que já
foram pagos em abril passado.
Inclusive se considerássemos que a dívida
externa grega de 2001 (ano da integração do
país à zona euro) era “legítima” e não fraudulenta (120 bilhões de euros), ela já foi paga
em excesso. Mas, em lugar disso, a dívida do
país se multiplicou duas vezes e meia, com a
“magia especulativa” dos chamados juros
compostos.
As dívidas são de honra?
Em realidade, são as grandes potências
imperialistas as que na história disseram várias vezes “que Deus lhe pague” com sua dívida externa. Após a Segunda Guerra
Mundial, a Grã-Bretanha devia bilhões de libras esterlinas à Argentina pelo fornecimento
de alimentos durante o conflito. Mas não pagou: declarou um bloqueio de libras esterlinas e obrigou a Argentina a aceitar como
AGOSTO DE 2015
pagamento as já muito obsoletas instalações
da ferrovia, de empresas de energia e telefones de sua propriedade no país.
O imperialismo alemão saqueou a Grécia,
ocupada pelos nazistas durante a Segunda
Guerra Mundial, com empréstimos forçados
cujo valor hoje superaria os 150 bilhões de
euros. A isso haveria que lhe somar mais de
100 bilhões de euros pelos danos ocasionados
ao país durante a ocupação. Mas esta dívida
(e outras) foi perdoada à Alemanha (por ordem dos EUA e Inglaterra). Hoje, o imperialismo alemão lhes paga esse “favor”
destruindo novamente a Grécia.
Isto é, para as potências imperialistas suas
dívidas (inclusive quando foram originadas
sob o controle de baionetas dos agiotas) não
se pagam, mas as dos países semicoloniais
com eles são uma “questão de honra”.
As consequências para os trabalhadores
e o povo
Para os trabalhadores e o povo grego, este
caráter semicolonial e os sucessivos “planos
de resgate/ajuste” têm consequências terríveis.
Em primeiro lugar, com um aumento brutal do desemprego. Isto já começou no melhor período de integração à UE, onde só no
setor mineiro foram fechados 132.000 postos
de trabalho até 2005. O desemprego no país
era de 2% em 1980, e cresceu a 10% em
2000. A partir dos planos de ajuste iniciados
em 2010, há um salto impressionante deste
índice para 25,6% em abril de 2015 (53,2%
para menores de 25 anos). E a situação só vai
se agravar, já que o acordo recentemente assinado pelo governo do Syriza se compromete a reduzir 150.000 empregos no setor
público.
O poder de compra do salário mínimo
(640 euros) vem diminuindo desde 2009,
com uma queda superior a 30%, o que o leva
a níveis menores que em 1995. As aposentadorias sofreram uma redução real a mais de
30% e seu valor básico (recebido pela maioria dos aposentados) é de 360 euros. Também
se aumentou de 62 para 67 anos a idade mí-
nima para adquirir aposentadoria integral. E
isto também vai piorar com o acordo assinado pelo governo do Syriza que prevê a suspensão dos acordos salariais, a permissão de
realizar pactos salariais por empresa sem intervenção dos sindicatos, a limitação de prazos de vigência máximos dos acordos
salariais, a diminuição e o congelamento dos
salários mínimos, a criação de contratos de
formação abaixo do salário mínimo interprofissional, a extensão do tempo de experiência
para doze meses, a redução do prazo de demissão e do pagamento de indenizações, e a
ampliação do emprego temporário.
Agravando ao extremo as penúrias, o sistema de saúde está em situação de colapso
pela grande redução da despesa da saúde pública. Atualmente, está em curso uma reforma hospitalar que prevê, entre outras coisas,
a restrição de contratação de especialistas e
de pessoal dos serviços de urgências para reduzir “custos elevados e desnecessários”.
Além disso, continuarão reduzindo as despesas para medicamentos. Lembremos que uma
recente medida do governo do Syriza confiscou os fundos de reserva de caixa das dependências públicas (desde os municípios até os
hospitais), o que significa que agora não têm
dinheiro sequer para comprar curativos de
proteção.
A percentagem de população pobre no
país passou de 20,1% em 2009 para 35,8%
em 2012, e estima-se que em 2015 chegará a
quase 40%. Não é casual, então, que se tenham triplicado os casos de depressão e que
o número de suicídios cresceu em 45%.
Quando dizemos que a vida dos trabalhadores e do povo morre dentro do euro não estamos exagerando1.
Como analisamos em outro artigo, para
romper este circuito infernal de decadência e
miséria produzido pelo saque semicolonial é
necessário não pagar a dívida externa e romper com a UE e com a zona do euro.
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