A evolução na Farmacoterapia - Biblioteca

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A evolução na Farmacoterapia - Biblioteca
Revista trimestral de ciência e investigação em saúde
Nº11 - Ano 2008 - 4€ | Julho/Agosto/Setembro
Tratamento Médico da Epilepsia
A evolução na
Farmacoterapia
Neuromodulação
cerebral
Abordagem autónoma
do enfermeiro na dor
2
Editorial
«Quem tem coragem, é;
Quem sabe, actua;
Quem acredita, inova».
Agostinho da Silva
Foi com coragem que o ISAVE e a Ser Saúde ganharam esta forma,
cresceram em vida, experiência e humanidade.
Foi actuando diariamente, com paixão, em respeito pelos valores e pela
ética que transformamos a educação em desenvolvimento e o trabalho em
liberdade.
Foi a acreditar que inovamos. No ensino, na ciência, nas pessoas, na Ser
Saúde. Inovamos nos meios com a construção de um dos mais modernos
institutos portugueses na área da saúde, inserido em meio rural, equipado
com as últimas tecnologias. Inovamos no futuro ao proporcionarmos aos
nossos alunos o ensino de valores e da excelência. Acreditamos e inovamos
em múltiplos momentos, em todos, e será sempre esta a nossa forma de
actuar, de ser, de estar… continuamos a sonhar, a acreditar nas pessoas, em
Portugal e no mundo.
A saber e a actuar. Sabemos que o nosso caminho, criado em bases sólidas
e que se estendem pelo mundo, tem amanhã e perdura pela qualidade dos
valores humanos que estruturam toda a nossa razão de ser e estar.
Acreditamos que o saber não tem fronteiras e é na junção de saberes que
a ciência se descobre nessa humildade de uma sabedoria de incerteza
constante.
Entregamos o prémio Ser Saúde/ISAVE de ciência e investigação em
saúde.
Queremos deste modo contribuir para o desenvolvimento do
conhecimento de Portugal e do mundo.
Neste caminho, sempre connosco, um Homem: Monsenhor Cónego
Doutor Eduardo de Melo Peixoto.
“Quando a perda se reporta aos afectos, resta-nos a memória de um
Homem único, maravilhoso…
Obrigado Monsenhor.
Adeus Amigo, até à Eternidade…”.
José Manuel dos Santos Henriques
Presidente do ISAVE
1
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Ramiro Délio Borges de Meneses
Juramento de Hipócrates
Entre o sentido e o valor
O ethos médico foi, desde longa data, expresso
em juramentos e códigos, que ao mesmo
tempo orientavam e protegiam o médico,
proporcionavam confiança ao doente e à
sociedade. Entre eles, merece especial relevo o
célebre Juramento de Hipócrates, verdadeiro
programa de inúmeras gerações de médicos
e que, ainda hoje, é usado em algumas
universidades, adaptado sob o nome de
Declaração de Genebra.
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Paulo Linhares
Neuromodulação cerebral
A neuromodulação cerebral é uma área em
desenvolvimento crescente havendo cada
vez mais indicações para a sua utilização.
Perfeitamente estabelecida nalgumas
patologias, permanece ainda em fase
experimental em muitas das novas indicações.
O melhor conhecimento da fisiopatologia
das doenças e a melhoria das técnicas
cirúrgicas têm-na tornado numa cirurgia
segura e eficaz, sendo uma ferramenta
fundamental na neurocirurgia moderna.
Poster
Carla Susana Oliveira, Eduarda Bastos,
Flávia Silva
Onde está o exemplo?
Reunião de Formação de Pediatria: Nutrição
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Entrevista a Mário Simões
Para o cérebro, pensar e
imaginar é o mesmo que
fazer
Somos capazes, hoje, utilizando somente
estados hipnoidais, de fazer realmente
projectos de cura, por exemplo, na dor
crónica, fobias, problemas de relações
interpessoais, diminuir alguns sintomas de
doenças graves, que não curamos, como
cancros, neoplasias, mas melhoramos a
qualidade de vida, aumentamos a sobrevida,
porque vamos estimular no imaginário,
através de visualização, defesas do indivíduo,
tipo imunológico, através do ponto de vista
imaginário.
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Gilberto Alves, Nulita Lourenço, Amílcar Falcão
Tratamento Médico da
Epilepsia (Parte I)
A evolução na
Farmacoterapia
A epilepsia não é uma condição patológica
única, mas antes uma família de diversas
perturbações do cérebro, de etiologias
variadas, que têm em comum uma
predisposição aumentada para interrupções
recorrentes e imprevisíveis da função cerebral
normal, designadas crises epilépticas.
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Ana Azevedo, Isabel Maia, João Pedro, Jorge
Ribeiro, Marta Barbosa
Abordagem autónoma do
enfermeiro na dor
A singularidade e individualidade de cada
pessoa confere ao fenómeno dor um
carácter subjectivo e único que depende da
percepção individual, da percepção do utente,
influenciada por vários factores mas, também,
da percepção do enfermeiro, sendo, mais
uma vez, fundamental salientar a importância
da sensibilização para este fenómeno e do
desenvolvimento de uma relação terapêutica
que irá consolidar a comunicação e a
confiança entre enfermeiro/utente, pilar
preponderante para o estabelecimento do
plano terapêutico.
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Felipe José Aidar, André Carneiro, António
Silva, Victor Reis, Nuno Garrido, Rui Vieira
Paralisia Cerebral e
actividades aquáticas:
aspectos ligados à saúde e
função social
A Paralisia Cerebral, segundo a World Health
Organization, é denominada também como
encefalopatia crónica não progressiva da
infância. Os distúrbios caracterizam-se pela
falta de controlo sobre os movimentos,
isto devido a modificações adaptativas
musculares, comprimento muscular e até
com deformações ósseas. O quadro tende
a comprometer o processo de aquisição de
habilidades, com possibilidade de prejudicar
actividades quotidianas realizadas por crianças
durante o seu desenvolvimento.
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Carla Cristina Alves da Silva, Sandra Maria Alves
Branco Miguel
Exercícios físicos no
pós‑parto
O período de puerpério, também conhecido
como período pós-parto, dura cerca de seis
semanas. Em nenhuma outra fase da vida da
mulher as modificações físicas são tão grandes
e acontecem em tão curto espaço de tempo.
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Carlos Manuel de Sousa Albuquerque, Ana
Paula Soares de Matos
Área de formação e
dimensões psicológicas:
Um estudo com jovens
estudantes universitários
Reportando-nos aos resultados obtidos
na nossa investigação, numa tentativa
de elaborar o perfil dos estudantes com
formação académica superior na área da
saúde (comparativamente com os que não
a têm) podemos dizer que, duma forma
geral, se caracterizam por serem jovens para
quem a vida faz sentido a nível cognitivo
e emocional, que aceitam e dão sentido às
experiências negativas tentando ultrapassálas, que acham que vale a pena investir nos
problemas e exigências do dia a dia (que
são desafios bem vindos e não ameaças
a ser evitadas) e que acreditam que os
resultados relacionados com a saúde não são
contingentes à acção de outras pessoas mas
que dependem sobretudo deles próprios,
revelando-se mais autónomos e mais
independentes de terceiros (familiares, amigos,
etc.) na manutenção da sua saúde.
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Actualidade
4
ISAVE desenvolve protector bucal
Para além do desenvolvimento de trabalhos
em prótese removível e fixa, o Laboratório de
Prótese Dentária do ISAVE trabalha na criação de
dispositivos desportivos para modalidades de forte
contacto físico, os protectores bucais.
Marisa Oliveira
Licenciada em Prótese Dentária, pós-graduação em Ciências da Educação,Coordenadora do
Curso de Prótese Dentária do ISAVE, Instituto Superior de Saúde do Alto Ave
O protector bucal é um dispositivo utilizado em algumas modalidades desportivas
e que, pela sua importância, deveria ser mais
valorizado e consequentemente mais utilizado. Quando se fala em protectores bucais,
normalmente associamos sempre a sua utilização ao Boxe, Kick-boxing e Rugby, mas para
além destas actividades desportivas existem
outras modalidades em que os atletas estão
sujeitos a grandes impactos físicos, como é o
caso do hóquei em patins e do andebol.
A realidade de uso destes dispositivos
noutros países é muito diferente em relação à
utilização em Portugal, que é muito baixa ou
quase inexistente.
No Reino Unido, todo o desporto universitário em que o contacto físico entre atletas
esteja presente, o uso deste equipamento é
obrigatório. Em Portugal, a falta de informação e motivação sobre a prática de utilização
de protectores bucais, faz com que o uso
desses dispositivos não esteja tão patente nas
nossas modalidades, dado que os atletas não
estão sensibilizados para os perigos que podem
ocorrer e desconhecem os riscos que alguns
desportos oferecem.
A saúde deve começar pela prevenção e não
pelo tratamento e, em Portugal, não existe esta
cultura. É necessário divulgar e o desporto é
uma boa maneira de promover a saúde, não
só para os participantes como para os seus
simpatizantes.
Um estudo feito nos Estados Unidos
demonstra resultados impressionantes. Mais de
5 milhões de dentes são perdidos todos os anos
em actividades desportivas naquele país. São
mais de 13 700 dentes por dia. A American
Dental Association estima ainda que mais de
200 000 traumas orais são prevenidos anualmente devido ao uso de protectores bucais.
Para além de protegerem os dentes, os
protectores bucais redistribuem as forças de
impacto evitando fracturas do ângulo ou
côndilo da mandíbula, hemorragias cerebrais,
desmaios e lesões do pescoço, sendo que o
grande papel destes protectores é evitar que o
maxilar inferior choque com violência contra
o maxilar superior. As características referidas
anteriormente são as mais importantes, mas
é importante salientar o factor psicológico
do atleta quando o está a utilizar, o que faz
com que se sinta mais seguro e com confiança reforçada para o confronto e impacto do
choque durante o tempo de competição.
5
Actualidade
6
Evidentemente, este objecto não apresenta
apenas vantagens, tem algumas limitações. A
dificuldade de comunicação com os companheiros de equipa e um desconforto sentido
pelo atleta numa região um pouco sensível
são as principais limitações destes dispositivos,
mas que são facilmente ultrapassadas. Desta
forma, treinadores, médicos e fisioterapeutas
de uma equipa devem incentivar o uso deste
equipamento.
Quando um atleta usa um protector bucal
tem de ter alguns cuidados. Deve ser lavado
em água corrente, fria, pois o calor danifica o
material, deve ser guardado em caixas perfuradas, e antes de uma nova utilização, deve
ser novamente passado por água corrente
fria. Quando o atleta usa este tipo de protector, sendo criança ou adolescente, deve ser
controlado periodicamente a sua adaptação
na boca, devido ao seu crescimento e erupção
dentária.
Tipos de Protector Bucal
O protector bucal tem diversas formas de
comercialização, sendo uns encontrados em
lojas de desporto e outros confeccionados em
laboratório de Prótese Dentária. Estima-se que
cerca de 90% dos protectores bucais utilizados
são adquiridos nas lojas de desporto, sendo
apenas 10% diagnosticados, encomendados e
confeccionados por um profissional de saúde
nos referidos laboratórios. Esta discrepância
de valores deve-se à falta de divulgação nos
departamentos médicos dos clubes e aos
próprios atletas.
Podemos encontrar, três tipos de protectores
bucais disponíveis no mercado: standard ou
pré-fabricado, termoplásticos e individuais.
Para além de protegerem os dentes,
os protectores bucais redistribuem as
forças de impacto evitando fracturas
do ângulo ou côndilo da mandíbula,
hemorragias cerebrais, desmaios e
lesões do pescoço.
Protector Bucal Standard ou
Pré‑fabricado
Este tipo de protector poderá ser encontrado em lojas de desporto, e disponível em
três tamanhos: pequeno, médio e grande.
De todos os tipos de protectores é o que
tem menor retenção e é fixado na boca sob
pressão oclusal. É desconfortável, exerce fraca
protecção, interfere na respiração e na fala do
atleta, são extremamente volumosos e têm
uma retenção mínima, fazendo com que este
protector bucal seja o menos aceitável e o
menos protector.
A principal vantagem é o seu preço acessível
e está pronto a ser usado após a compra, pois
não necessita de preparação adicional.
Protector Bucal Termoplástico
O protector bucal termoplástico é moldado e ajustável pelo utilizador. É de qualidade
superior ao protector standard ou pré-fabricado, pois tem maior retenção e o seu valor
comercial é de igual modo reduzido.
Sendo constituído por um material termoplástico, deve ser previamente aquecido e
depois moldado na boca do atleta. À primeira
vista pode ser interpretada como sendo uma
vantagem, mas muitas vezes torna-se incómodo, pois o atleta pode sofrer queimaduras
na mucosa durante a adaptação do material.
Outra grande desvantagem é o facto de
poder ser feita uma má moldagem à boca o
que implicará futuros problemas oclusais e
a maior parte deste tipo de protectores não
cobre por completo a arcada do indivíduo,
mais precisamente a zona posterior. Este tipo
de protector bucal é o mais procurado no
mercado e encontra-se disponível por tamanhos base.
Uma característica que se mantém, comparando com o protector anteriormente referido,
é o facto de serem alteradas as propriedades
do material por modificações feitas pelos seus
utilizadores. São estes tipos de protectores que
proporcionam um sentido falso de protecção,
devido à diminuição significativa da espessura
oclusal do equipamento, quando moldado à
boca do atleta.
7
Actualidade
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Protector Bucal Individual
Dentro dos protectores bucais individuais há
dois modelos de protectores confeccionados,
os protectores bucais individuais realizados em
sistema de vácuo e individuais realizados em
sistema de vácuo sob baixa pressão.
O protector bucal individual é confeccionado em silicone e pode ser feito com várias
espessuras, quanto maior esta espessura maior
será a protecção. Este tipo de dispositivo já
pode ser adaptado a pacientes sujeitos a tratamento ortodôntico e com dentes em erupção.
É considerado o mais elaborado e de melhor
qualidade disponível no mercado, pois recobre
todas as superfícies oclusais, previne lesões na
ATM e a fractura mandibular.
Este dispositivo é confeccionado num
modelo de gesso, réplica da boca do atleta,
a confecção é feita por adaptação de uma
ou mais placas de silicone ao modelo numa
máquina de vácuo. Tem a vantagem de poder
ser modificado por adição de placas até que
tenha uma espessura desejada para o atleta e a
modalidade em questão.
Máxima protecção
Protector para desportos de alto impacto
e/ou que envolvam a utilização de stiks.
Constituído por 3 camadas: 1ª - 2 mm flexível, 2ª - 0,8 mm rígida, 3ª - 4 mm flexível.
Exemplo: Rugby, kickboxing, boxe, hóquei,
squash, etc.
Excelente protecção/máximo conforto.
Protector para desportos de alto impacto
e/ou que envolvam a utilização de stiks.
Constituído por 3 camadas: 1ª - 2 mm flexível, 2ª - 0,8 mm rígida, 3ª - 2 mm flexível.
Exemplo: Rugby, kickboxing, hóquei, karaté,
basquetebol, andebol, etc.
O protector bucal individual
é confeccionado em silicone
e pode ser feito com
várias espessuras… pode
ser adaptado a pacientes
sujeitos a tratamento
ortodôntico e com dentes
em erupção.
É considerado o mais
elaborado e de melhor
qualidade disponível no
mercado, pois recobre
todas as superfícies oclusais,
previne lesões na ATM e a
fractura mandibular.
Medium – média protecção
Protector para a generalidade dos desportos
onde haja risco de impacto com superfícies
largas (braços, cabeças, etc.). Constituído por
2 camadas: 1ª - 2 mm Flexível, 2ª - 4 mm
flexível.
Exemplo: Basquetebol, andebol, luta livre,
judo, etc.
Light – leve protecção
Protector para crianças com idade inferior
a 10 anos e/ou desportos onde haja risco de
impactos dos dentes inferiores com os superiores. Constituído por 2 camadas: 1ª - 2 mm
flexível, 2ª - 2 mm flexível.
Exemplo: Motocross, btt, etc.
A criar, a inovar, o Laboratório de Prótese
Dentária do ISAVE assume-se como pioneiro
na criação de protectores bucais desenvolvidos conforme as necessidades de cada
atleta. Feitos à medida, o Laboratório sabe que
protege e cria um elemento fundamental para
a protecção e saúde de atletas. O Laboratório
de Prótese Dentária do ISAVE é único em
Portugal no desenvolvimento de protectores
bucais à medida de cada atleta.
9
15
Revista Trimestral de ciência e investigação em saúde
4
15
www.colegio7fontes.pt
Futuro
Modernidade
Qualidade
Rigor
Tradição
Colégio 7 Fontes
Do Berço à Universidade,
a Educar o seu Filho.
Línguas
Desporto
Civilidade
Ciências
Artes
Colégio 7 Fontes Academias:
Colégio 7 Fontes
Quinta do Cedro - Sete Fontes
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Conselho Científico Ser Saúde
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Adelino Correia
Carlos Albuquerque
Fernando Schmitt
Adília Rebelo
Carlos Pedro Castro
Fernando Ventura
Adrian Llerena
Carlos Pereira Alves
Freire Soares
A. Fernandes da Fonseca
Carlos Valério
Guilherme Macedo
Alberto Salgado
Carmen de la Cuesta
Gustavo Afonso
Albina Silva
Catarina Tavares
Gustavo Valdigem
Alexandre Antunes
Célia Cruz
Helena Alves
Alexandre Castro Caldas
Célia Franco
Helena Martins
Alexandre Quintanilha
Constança Paúl
Henrique de Almeida
Almerinda Pereira
Daniel Montanelli
Henrique Lecour
Alves de Matos
Daniel Pereira da Silva
Isabela Vieira
Amílcar Falcão
Daniel Serrão
João Costa
Ana Preto
Delminda Lopes de Magalhães
João Luís Silva Carvalho
António Miranda
Dinora Fantasia
João Pedro Marcelino
António Paiva
Duarte Pignatelli
João Queiroz
António Rosete
Eduarda Abreu
João Ramalho Santos
Armando Almeida
Elsa Pinto
Joaquim Faias
Arminda Mendes Costa
Eurico Monteiro
Jónatas Pego
Artur Manuel Ferreira
Fátima Francisco Faria
Jorge Correia Pinto
Berta Nunes
Fátima Martel
Jorge Delgado
Carla Matos
Fernando Azevedo
Jorge Ferreira
Carlos Alberto Bastos Ribeiro
Fernando Duarte
Jorge Marques
Jorge Soares
Manuel Mendes Silva
Raquel Andrade
Jorge Sousa Pinto
Manuel Teixeira Veríssimo
Regina Gonçalves
José Amarante
Manuela Vieira da Silva
Rosa Martins
José Carlos Lemos Machado
Marco Oliveira
Rui L. Reis
José Eduardo Cavaco
Margarida Soveral Gonçalves
Rui de Melo Pato
José Eduardo Lima Pinto da Costa
Mari Mesquita
Rui Nunes
José Luís Dória
Maria Júlia Silva Lopes
Sandra Cardoso
José Manuel Araújo
Maria Manuela Rojão
Sandra Clara Soares
José Matos Cruz
Maria Margarida Dias
Sérgia Rocha
José M. Schiappa
Marina Pereira Pires
Sérgio Branco
José Rueff
Mário Rui Araújo
Sérgio Gonçalves
Laura Simão
Mário Simões
Sérgio Nabais
Liliana Osório
Marta Marques
Sónia Magalhães
Lisete Madeira
Marta Pinto
Susana Magadán
Lucília Norton
Miguel Álvares Pereira
Tiago Barros
Luís Basto
Paulo Daniel Mendes
Tiago Osório de Barros
Luís Cunha
Pedro Azevedo
Wilson Abreu
Luís Martins
Pedro Vendeira
Veloso Gomes
Luiza Kent-Smith
Piedade Barros
Victor Machado Reis
Madalena Nunes
Querubim Ferreira
Virgílio Alves
Manuel Antunes
Ramiro Délio Borges de Menezes
Manuel Domingos
Ramiro Veríssimo
13
AG
EN
DA
Julho - Agosto - Setembro
Julho
14
The 25th International Literature and
Psychology Conference
02 de Julho
Lisboa
Genetic manipulations in the fruit fly
fight club: love and war in a single
gene and other stories
04 de Julho
Lisboa
18º Congresso Internacional de
Szondi
10 de Julho
Faculdade de Psicologia e de Ciências
da Educação da Universidade de Lisboa
Na Fronteira da Ciência – Na fronteira
do universo – Em busca do fim da
idade das trevas
16 de Julho
Fundação Calouste Gulbenkian
Aeromonas and Plesiomonas
10 de Setembro
UTAD e Hotel Miracorgo
AGOSTO
Caminhos de futuro novos mapas
para as ciências sociais e humanas
19 de Agosto
Coimbra
SETEMBRO
6th Intenational Congress on
Autoimmunity
03 de Setembro
Centro de Congressos e Exposições
Alfândega, Porto
7th International Conference On
Disability, Virtual Reality And
Associated Technologies
08 de Setembro
Fórum Maia
Transportes Transmembranares
10 de Setembro
FMUP
5.ª Conferência de Actualização em
Farmacoterapia
12 de Setembro
Auditório do Hospital Fernando da
Fonseca, Amadora/Sintra
6.ª Conferência de Actualização em
Farmacoterapia
19 de Setembro
Auditório do Hospital Fernando da
Fonseca, Amadora/Sintra
Centros de competência e redes de
referência para as doenças raras
na UE: estaremos nós à altura das
expectativas?
25 de Setembro
Auditório do INSA, Lisboa
9th International Symposium on
Director
Eugénio Pinto
[email protected]
[email protected]
Editores
Isabela Vieira
Rui Castelar
Joana Sousa Dias
Director de arte e grafismo
Ângelo Mendes
[email protected]
Fotografia entrevista
Jorge Gomes
Publicidade
Celmira Dias
Propriedade
Ensinave
Educação e Ensino Superior do Alto Ave, SA
Campus Académico do ISAVE
Quinta de Matos – Geraz do Minho
4830-316 Póvoa de Lanhoso
NIF – 504 983 300
Impressão
Orgal, impressores
Rua do Godim, 272
4300-236 Porto
Tiragem
5 mil exemplares / trimestral
Nº de Registo na ERC 124994
ISSN 1646-5229
Depósito Legal 246971/06
Feridas Crónicas
26 de Setembro
Setúbal
Contactos
Ser Saúde
Campus Académico do ISAVE
Instituto Superior de Saúde do Alto Ave
Quinta de Matos – Geraz do Minho
4830-316 Póvoa de Lanhoso
Telefone – 253 639 800
Fax – 253 639 801
www.isave.pt
[email protected]
[email protected]
_____________________________________
Os artigos publicados nesta edição da Ser
Saúde são da responsabilidade dos autores.
Proibida a reprodução parcial ou total, sob
qualquer forma, sem prévia autorização
escrita.
15
Ramiro Délio Borges de Meneses
Professor do Instituto Politécnico de Saúde do Norte, Gandra;
Investigador do Instituto de Bioética, Universidade Católica
Portuguesa, Porto
Juramento de Hipócrates
Entre o sentido e o valor
17
Desde Hipócrates que os médicos vêm
fazendo o juramento, que é o acto mais solene e importante da sua actividade clínica. Será
apresentado como Código Deontológico, que
inclui valores da ética e do humanismo.
A prática sanitária planeia exemplos
reais como a relação profissional/doente, a
confidencialidade e o segredo profissional,
o consentimento informado, a aceitação de
participar em ensaios clínicos, a justa distribuição de recursos e o esforço para evitar a
massificação na assistência.
As deficiências éticas, nestas situações, são
tão habituais que no final são credíveis como
normais, porque dos costumes se fazem as
leis.
A palavra ética significa, na sua origem,
costume, e chegou a designar a ciência que
trata dos ideais das correlações humanas, sendo
uma reflexão categoricamente normativa
sobre o agir humano. Com o tempo, mudam
os costumes, muito embora seja a essência da
ética a mesma, a sua relação com a conduta
dos indivíduos, na sociedade actual, é distinta,
porque os valores sociais se modificam.
Tais mudanças históricas denominam-se
dinâmica dos valores sociais ou ética dinâmica. Esta transforma o nível intelectual, ao
mesmo tempo que diminui a flexibilidade. As
causas são múltiplas, mas entre elas está a nova
mentalidade da cidadania, que mudou esta
auréola em normas morais. López-Aranguren
refere-se à moral como ética vivida e à ética
uma moral pensada.
A conduta do médico deverá pautar-se
por um conjunto de valores, que norteiam
a relação médico/doente, com nova leitura
axiológica e sentido estético, que classificam a
nossa conduta normativa do agir humano.
O Juramento de Hipócrates contém uma
afirmação e uma negação testemunhada.
É a afirmação do compromisso de assumir
determinadas condutas morais e a negação de
realizar acções punitivas. A reprovação estará
na consciência e na perda da auto-estima e
consideração pelos demais.
No juramento evidencia-se a dignidade
profissional, o respeito ao mestre, a veneração
pela pessoa total, particularmente a sua saúde
e a sua vida e o segredo médico. O Juramento
Hipocrático é um código deontológico,
pelo qual o médico faz promessa clínica, que
embora rotineiro não deixa de ser algo mais
importante do seu serviço como acto, cuja
simbologia só é verdadeiramente compreendida pelos mais humanistas.
1. Hipócrates (460 a.C. – 360 a.C.) foi
um médico grego, neto e filho de médicos,
que eliminou as explicações sobrenaturais da
origem das doenças e desenvolveu um sistema
racional baseado na observação. Atribui-selhe o Iusiurandum Hippocraticum, que era um
código profissional de ética, que praticavam os
iniciados na confraria de Asclépio.
O Juramento contém uma afirmação ética
testemunhada. Refere o compromisso de
assumir determinadas condutas morais e a
negação de realizar acções maléficas, filosoficamente a reprovação estava na consciência
pela perda de auto-estima.
No juramento, evidencia-se a dignidade
profissional, o respeito pelo médico e pelo
doente, em especial pela saúde e pela sua vida,
bem como o “segredo médico”.
2. Juro pelo Apolo Médico (Deus do Sol,
da razão e da Medicina), Asclépio, Higea,
Panaceia e por todos os deuses e deusas,
tomando-os por testemunhas, que cumprirei
este juramento e ofereço a cumprir com todas
as minhas forças e entendimento.
Tributarei ao meu mestre de Medicina o
mesmo respeito que aos meus pais, partilhando a minha vida com ele e socorrendo-os se
necessário seja. Tratarei os seus filhos como
meus irmãos, se quiserem aprender a ciência,
ensiná-los-ei, quando estiver falto de meios, eu
lhes porei à disposição, estimarei a sua família
como se meus irmãos fossem; e lhes ensinarei
a arte, se carecerem de apreendê-la sem salário
e nem contrato; proporcionarei ensinamentos
escritos, orais e de toda a outra espécie, aos
meus filhos e aos do meu mestre e aos alunos
inscritos, que prestam juramento segundo a
lei médica e a mais ninguém.
Instruirei com preceitos, lições orais e
demais modos de ensino os meus filhos, os do
meu mestre e os discípulos, que se me unam
sob o convénio e juramento, que determina a
lei médica e a mais ninguém.
Usarei tratamentos para ajudar os que
sofrem, segundo as minhas forças e o meu
entender, evitando toda a injúria e toda a
injustiça.
Não darei veneno mortal algum a quem mo
pedir, nem fornecerei tal conselho, abstendome igualmente de aplicar às mulheres pessários
abortivos. Passarei a minha vida e exercerei a
minha profissão com inocência e pureza. Não
matarei e operarei os calculosos, deixando tal
operação aos que se dedicam a praticá-la.
Em qualquer casa que entre, vindo para
auxiliar os doentes, livrando-me de cometer
voluntariamente faltas injuriosas ou acções
corruptas e evitando, sobretudo, abusar dos
corpos de mulheres ou jovens, livres ou
escravos.
19
Aquilo que eu vir e ouvir no exercício da
minha profissão, ou mesmo fora dela, na vida
corrente, que não convier divulgar, calá-lo-ei,
entendendo que se não deve dizer, considerando o segredo como um dever sagrado.
20
Se eu cumprir, com rigor, este juramento
e não o violar, seja-me concedido que ganhe,
para sempre, fama, pela minha vida e pela
minha arte, entre os homens. Se quebrar, sou
perjuro, e caia sobre mim a sorte contrária1.
3. O ethos médico foi, desde longa data,
expresso em juramentos e códigos, que ao
mesmo tempo orientavam e protegiam o
médico, proporcionavam confiança ao doente e à sociedade. Entre eles, merece especial
relevo o célebre Juramento de Hipócrates,
verdadeiro programa de inúmeras gerações de
médicos e que, ainda hoje, é usado em algumas universidades, adaptado sob o nome de
Declaração de Genebra (1948). O Juramento
de Hipócrates reflecte os princípios universais
da ética profissional médica. Foi apresentado
como a primeira síntese deontológica para a
classe dos médicos.
Esta síntese de ética profissional não se sabe
se terá sido influenciada pelo pensamento
moral de Aristóteles, particularmente, porque
o filósofo cita, numa obra, o fundador da
Escola de Cós.
A Declaração de Genebra foi aprovada
pela Assembleia-Geral da Associação Médica
Mundial (1948) e referenciada em Sidney
(1968), podendo enunciar-se da forma
seguinte:
Prometo solenemente consagrar a minha
vida ao serviço da humanidade, outorgar aos
meus mestre o respeito e a beatitude que merecem; exercer a minha profissão dignamente e
com consciência; velar solicitamente, antes de
tudo, pela saúde do meu doente; guardar e
respeitar o segredo profissional; manter incólume, por todos os meios ao meu alcance, a
honra e as nobres tradições da profissão médica; considerar como irmãos os meus colegas;
não fazer caso de credos políticos e religiosos,
nacionalidades, raças, posição social e económica, evitando que se entreponham entre os
meus serviços profissionais e o meu doente;
manter o máximo respeito pela vida humana,
desde o mesmo momento da concepção e
não utilizar – incluso por ameaça – os meus
conhecimentos médicos para infringir as leis
da humanidade.
Solene e espontaneamente, sob a minha
palavra de honra, prometo cumprir tudo
aquilo que foi dito anteriormente. Tratou-se,
assim, de uma generalização do Iusiurandum
Hippocraticum.
4. Este pequeno, mas profundo documento
hipocrático, é um hino à vida, tal como referiu
João Paulo II, “sicut iam, illud semperque validum
confirmavit Hippocratis Iusiurandum, secundum
quod cuique medico est ad laborandum pro absoluta
vitae humanae reverentia eiusque sacra índole.”2, e
que contribuiu para fazer da Medicina uma
das mais nobres profissões, porque se apresenta, hoje e sempre, como a arte e a ciência do
curar.
Outros ditames morais terão influenciado este texto, nomeadamente os
provenientes de Pitágoras (Samos, 570-489
a.C.) e de Aristóteles (Estagira, 384-322 a.C.),
que os discípulos ou anteriores a Hipócrates
utilizaram na redacção do Juramento. Segundo
Ackernecht, Hipócrates foi o símbolo do
primeiro período criativo da Medicina Grega,
rompendo com a Medicina Sacerdotal, dos
Asclepíades, seguindo-se, após a sua morte, a
Medicina Diagnóstica.
O Juramento de Hipócrates
contém uma afirmação e uma
negação testemunhada. É a
afirmação do compromisso
de assumir determinadas
condutas morais e a negação
de realizar acções punitivas.
A reprovação estará na
consciência e na perda da
auto-estima e consideração
pelos demais.
21
5. Alguns dos princípios éticos fundamentais, que constituem a principiologia
contemporânea, encontram-se a fundamentar
códigos médicos, no domínio ético, como é o
caso do Iusiurandum.
22
O princípio da beneficência vem referenciado na conclusão ou cláusula final. O bonum
est faciendum, que encontramos na Ética a
Nicómaco, será o princípio ético primeiro
das actuações médicas. Tal como se vincula
moralmente, neste Iusiurandum, o princípio
da beneficência obriga o profissional de saúde
a usar a máxima ao atender o doente e fazer
tudo quanto possa para melhorar a saúde.
Trata-se, desde Hipócrates, em sentido etimológico, de um princípio básico, que se aplica
não só ao doente, como também a outros, que
poderão beneficiar do progresso clínico. Este
tem como obrigação a “confidencialidade”.
A designação hipocrática, que vem no
Corpus Hippocraticum é: primum non nocere,
na versão latina de Anuntius Frösius, de
Frankfurt-am-Main, em 1624, que hoje em
dia se qualifica como não-malificência, segundo Beauchamp e Childress. Estes consideram
este princípio distinto do da “beneficência”,
já que o dever de não causar dano é mais
obrigatório do que a exigência de promover
o bem. Para Hipócrates, o primum non nocere
vem integrado no anterior princípio, tal como
se refere nos Aforismos, seguindo o sentido da
aretologia nicomaqueia: bonum est faciendum
malumque vitandum (… e nunca para o seu
mal, ao aplicar medicamentos), daqui teremos
como obrigação a “fidelidade”3.
O princípio da autonomia, não se encontra
expresso no hipoeratismo ético, já que ele
surgiu com I. Kant e passou, nos nossos dias,
para a principiologia clínica. O paternalismo,
na sociedade grega do tempo de Hipócrates,
era um modo natural de tratar os doentes.
Este paternalismo surge, sobretudo, nos escritos tardios do Corpus Hippocraticum.
Segundo o pensamento hipocrático, o
médico deve querer o maior bem para o
doente, mas sem contar com a sua vontade,
dado que ao doente falta, em princípio, a
autonomia moral. Assim, surgem, na obra
hipocrática – Decência – e, em muitas outras,
os variados sentidos.
A atitude do médico hipocrático é paternalista, no sentido em que considera os doentes
como incapazes mentais, sendo pessoas que
não podem nem devem decidir sobre a sua
própria doença.
Tal como se caracteriza no livro – Epidemia
–, o paternalismo assume-se como algo de
materno. K. Deichgraeber definiu o médico
hipocrático com o título de medicus gratiosus,
em virtude do termo grego, na obra referida.
Segundo o pensamento kantiano, o princípio da autonomia baseia-se na convicção de
que o ser humano deve ser livre do controlo
exterior e ser respeitado nas suas decisões
vitais. Trata-se de um princípio ético, enraizado na cultura ocidental, que tarda em ter
repercussão na actividade clínica4.
6. O conceito de justiça, analisado por
Aristóteles, no quinto livro da “Ética a
Nicómaco”, definida como “equidade”, foi
sistematizada, no século III, por Ulpiano, institia est constans at perpetua voluntas ius suum cuique
tribuere, atravessa, como fundamento, todo o
Iusiurandum Hippocraticum, tendo como obrigação a privacidade, da qual se fala, aquando
do siggilum. Para Hipócrates, a justiça será um
modo de ser da physis (natura per se), sendo esta
um bem através da operação do médico, quer
pela theoretica quer pela practica do Jusiurandum.
A justiça é um conceito natural e ético,
dado que a saúde é um estado vital justo. A
justiça apresenta-se como elemento que define a condição da physis do homem. O médico
sabe conduzir de novo ao que no corpo é
natureza e justiça. Para o médico hipocrático,
a doença é, de algum modo, uma injustiça. A
justiça, no Juramento, abarca a distributiva, a
cumulativa e a legal, tal como se verifica na
aretologia teleológica.
Para um grego, o bem moral não é possível
sem a saúde. Olhando para o ajustamento das
qualidades físicas, a equidade adequada determina a justiça moral.
Pelo sentido hipocrático, a justiça consiste,
segundo o pensamento socrático, no ajustamento da ordem da natureza, seja física, seja
moral. O médico deve abster-se de causar
um dano ou uma injustiça. O conceito de
justiça surge em muitas obras do Corpus
Hippocraticum.
No Juramento hipocrático, a justiça insere-se
na terceira parte, denominada habitus, porque,
no serviço clínico, está sempre presente a
virtude. Sem esta, nem a phrônesis funciona,
surgindo um mau exercício da Medicina5.
O ethos médico foi, desde
longa data, expresso em
juramentos e códigos, que
ao mesmo tempo orientavam
e protegiam o médico,
proporcionavam confiança
ao doente e à sociedade.
Entre eles, merece especial
relevo o célebre Juramento
de Hipócrates, verdadeiro
programa de inúmeras
gerações de médicos e
que, ainda hoje, é usado
em algumas universidades,
adaptado sob o nome de
Declaração de Genebra.
23
24
7. O Juramento de Hipócrates enumera
alguns procedimentos clínicos, que carecem
de reflexão ética, correspondendo àquilo a
que chamamos Bioética, nos dias de hoje (Van
Potter) e estando integrados na vida hospitalar,
e são eles:
• Farmacovigilância e Farmacodinamia,
em ordem à cura da doença, não provocando
outras, desde um remédio mortal (veneno),
segundo a toxicologia, aos fármacos;
• O planeamento familiar, segundo a prática
de substâncias não abortivas, para não permitir a morte fetal, seguindo-se métodos, que
se conheciam desde a civilização egípcia (os
métodos mecânicos e os químicos sugerem a
condenação do aborto);
• Há uma referência à eutanásia activa e
indirectamente à forma passiva (conselho que
leve o doente à morte): “não darei qualquer
droga fatal a uma pessoa”.
Desta forma, a escola hipocrática já se
posicionou contra o que hoje denominamos
como eutanásia e suicídio assistido.
A mesma posição assumiram Pitágoras e
Aristóteles. Não se referencia a distanásia e a
cacotanásia.
Era natural que estas referências não surjam
nos Conselhos de Asclépio, mas estariam
presentes em civilizações circunvizinhas.
A cirurgia nunca foi grande apanágio da
Escola de Cós, até porque muito se perdeu
sobre os escritos hipocráticos, em virtude da
extracção de cálculos, deixando a alguém que
saiba cirurgia.
Na interpelação deste ponto, surge a
promessa de não praticar a cirurgia da litíase
vesicular. Assim, Edelstein refere a aversão dos
pitagóricos e da Escola de Cós à Cirurgia6.
8. No Juramento, múltiplas são as referências, quer directas, quer indirectas no
âmbito da ética profissional, a começar pela
responsabilidade. O termo spondere (spondeo)
define etimologicamente um compromisso
com alguém, possuindo um carácter religioso. No idioma grego, significa a “obrigação”,
que deriva do rito. Segundo Hipócrates,
as ocupações (cirurgia) estavam sujeitas à
responsabilidade jurídica, enquanto as profissões (a arte de curar) estão sob orientação da
responsabilidade moral. O profissionalismo
responsável, na altura, era impune. Mas, o
médico exerce, profissionalmente, uma proclamação e promete um sacerdócio fisiológico.
O Juramento, no domínio da ética profissional, refere-se ao segredo, que poderá ter
vários sentidos, desde o segredo religioso ou
sacerdotal até ao familiar. Assim diz o texto:
“tudo o que vir e ouvir no exercício da minha
profissão e no comércio da vida comum e que
não deva ser divulgado, conservar-se-á como
segredo”.
No exercício da sua profissão, o médico
terá de cumprir deveres perante o doente,
em relação com os outros médicos e frente
à physis, que estão indirectamente expressos
no Juramento e escritos noutros textos do
Corpus Hippocraticum, que são matéria de Ética
Profissional.
O médico favorece o doente, quando, para
tratar dele, escolhe os melhores recursos terapêuticos, ao seu alcance, e assim executa recta
e belamente, quando é assíduo nas visitas e
sabe respeitar o decoro do doente.
A intuição do terapeuta terá em conta,
além da saúde, a – euskhemosyne – do doente,
porque na boa aparência resplandece a perfeição da physis.
Logo, procedendo assim, o médico observa, com reverência, um decreto inabalável da
divina natureza ao aceitar os limites da sua arte
e o seu próprio limite, evitando um pecado da
Hybris.
Um ponto fundamental da relação ética,
entre o médico e o doente, no aspecto profissional, refere-se aos “honorários”.
Nos escritos hipocráticos, vitupera-se o
lucro desonesto (diskhrokerdeie) e afirmam-se
os riscos ao acreditar na força do dinheiro
para comprar a cura.
Segundo os “Preceitos” a relação económica
entre o médico hipocrático e os seus doentes
teve de se ajustar às seguintes normas:
• Para o médico hipocrático, servidor da
natureza, os honorários só se justificarão eticamente, quando a conduta profissional procura
a perfeição na arte, que pratica. Não se pensa
no salário, sem o desejo de buscar instruções.
O bom médico deverá ser sempre aprendiz da
sua arte, isto é, o que, em última análise, justificaria a sua ganância;
• O médico honrado, segundo a rapidez do
mal, não deverá buscar o que lhe dá proveito,
mas aquilo que lhe dá glória;
• O médico deverá ter em conta, ao estabelecer a quantia dos seus honorários, a situação
económica do doente, sem abusar na exigência e na ausência de humanidade;
• Muitas vezes, o médico prestará serviços
gratuitamente, ora na recordação de um favor
recebido, ora para conseguir fama. Assim,
deverá proceder o médico, quando o doente
for estrangeiro ou pobre. É neste contexto
que surge a frase: onde há amor ao homem,
surgirá o amor à arte7.
Segundo a ética profissional hipocrática,
a assistência gratuita, ao doente, tinha dois
motivos fundamentais: ânsia de fama e o amor
ao homem-doente. E, através deste, o amor
à natureza. Resumidamente, diríamos que se
trata de uma “filantropia fisiológica”.
25
26
9. O Juramento começa, desde logo, com
uma evocação mitológica, na qual se define
o “apolinischer Artz” e se apela aos deuses da
saúde, para que o clínico cumpra, ora, segundo
a norma objectiva da moralidade (recta ratio),
ora, de acordo com a norma subjectiva, as
virtudes noéticas. Já de si o preâmbulo, como
cláusula inicial, inclui uma pedagogia e antropologia clínicas.
O sentido pedagógico e antropológico do
Juramento encontra-se delineado no empenho. Estimarei, como meus pais, aqueles que
me ensinaram esta arte… e ensinar-lhe-ei
a mesma, sem retribuição e sem promessa
escrita.
Aqui se refere ao ensino da Medicina, muito
particularmente à Semiologia e Semióptica
clínicas, apanágio do prognóstico da Escola
de Cós, em oposição ao método de ensino da
Escola de Cnide.
No Iusiurandum, encontramos os três níveis
de conhecimento clínico de P. Entralgo, isto
é, conhecimento expositivo, conhecimento
etiológico e conhecimento interpretativo.
Assim surge a preocupação e a obrigação
de ensinar e transmitir conhecimentos sobre
a arte de curar. A saúde e a doença, na arte
de curar, serão uma obrigação, não jurídica,
mas religiosa e moral. O texto hipocrático
cria uma obrigação, sendo uma espécie de
promessa solene. Daqui se traduz o sentido da
primeira parte do compromisso8.
10. O Juramento, um dos mais célebres
textos médicos de todos os tempos, contém os
preceitos essenciais da deontologia profissional e clínica. Naturalmente, J. Jouanna salienta
que este texto alia a elevação das ideias da
arte de curar e a sobriedade da forma, onde a
moral pagã atingiu de uma só vez o cume. Por
isso, segundo este especialista da História da
Medicina Grega, foi integralmente retomado
pelos árabes e pelos cristãos, que se contentaram em substituir as divindades invocadas
(Apolo Médico, Asclépio, Higeia e Panaceia,
bem como todos os deuses e deusas) pelo seu
Deus, uno e trino.
Este texto, que marcou, durante dois mil
trezentos e cinquenta anos, a civilização
ocidental, é uma summula tão perfeita que
continua na base dos juramentos dos graduados em Medicina, em uso, em vários países,
incluindo o nosso.
Com efeito, qualquer alteração substancial,
que se faça na sua deontologia, logo denuncia uma mudança no paradigma de uma
civilização.
Segundo o pensamento
kantiano, o princípio da
autonomia baseia-se na
convicção de que o ser
humano deve ser livre
do controlo exterior e ser
respeitado nas suas decisões
vitais. Trata-se de um princípio
ético, enraizado na cultura
ocidental, que tarda em ter
repercussão na actividade
clínica.
Com o Jusiurandum, que se completa com
outros escritos do Corpus Hippocraticum,
fica bem clara a existência de escolas, onde se
fazem estudos conducentes a uma profissão
específica. Contudo, não fica esclarecida a
exigência de qualificações legalmente reconhecidas.Tudo parece indicar que a frequência
de centros, como Cós ou Cnide, era uma
condição de preferência para a escolha no
concurso ao lugar de médico da cidade/estado, auto-governada.
Logo, comprovaram-no, como observou
G. R. Lloyd, as inscrições a partir da época
helenística. Note-se, pois, que já no século IV
a.C., existiam decretos honoríficos, promulgados pelas cidades, em honra dos vencedores:
médicos da cidade ou médicos públicos. Aqui
surge um cargo que apresenta algumas semelhanças com as práticas hodiernas.
Entretanto, era a Assembleia do Povo, onde
estavam representadas várias profissões, que
procedia à escolha. Assim se revela num texto
de Platão-Geórgias (514 a.C.), que comprova, quando Sócrates dialoga com Cálicles: o
mesmo se dirá de todas as outras coisas, por
exemplo, se ambos decidíssemos candidatar-se
a um lugar público como médicos competentes, não deixaríamos de nos examinar
mutuamente. Pelos deuses, dirias ter, vejamos,
que tal está Sócrates a respeito da saúde e
se, além disso, já curou alguém, escravo ou
homem livre. Eu procederia, certamente, da
mesma maneira contigo. E se não achássemos
ninguém, estrangeiro ou ateniense, homem
27
28
ou mulher, que tivesse recuperado a saúde por
nosso intermédio, então Cácicles, por Deus,
não seria verdadeiramente ridículo conceber
uma pretensão tão insensata.
Propriamente, mais do que especificar,
sugerem-se aqui algumas das condições da
aceitação. Uma era a saúde do candidato,
como prova da sua capacidade de saber
mantê-la, outra o êxito da sua terapêutica.
Ao exemplificar com alguns doentes (escravos ou homens atenienses) eliminam-se muitos
possíveis equívocos que, com a tendência para
transferir para épocas passadas, as preocupações da nossa, chamaríamos discriminação
social, do género ou de raça. A simples leitura
das obras do Corpus Hippocraticum, como
os tratados sobre as Epidemias, mostra que tais
distinções não existiam.
Recordemos ainda outro lado importante
que nos é fornecido casualmente por um
discurso do orador Antifone: ao médico não
era imputada responsabilidade criminal, se o
doente falecesse.
Estes médicos da cidade estavam portanto,
até certo ponto, dependentes da arte oratória,
como se existissem. Esta circunstância explica
que tenham redigido obras que ensinavam,
também, a arte de refutar, como a retórica.
Na verdade, havia outras oportunidades em
que o médico deveria mostrar publicamente a
sua capacidade de persuasão. Assim, era numa
outra forma do exercício da Medicina, a dos
chamados médicos itinerantes, que iam, de
terra em terra, por conveniência ou para se
tornarem conhecidos ou, ainda, para observarem os climas e as doenças locais.
O exemplo mais clarividente deste último
tipo de interesse será aquele que nos revela
o tratado – Ares, Águas e Lugares –, onde se
contrastam os povos da Europa com os da Ásia,
relacionando as suas características e aptidões,
com a influência do meio ambiente, como
No exercício da sua profissão, o
médico terá de cumprir deveres
perante o doente, em relação com
os outros médicos e frente à physis,
que estão indirectamente expressos
no Juramento e escritos noutros
textos do Corpus Hippocraticum,
que são matéria de Ética Profissional.
29
Bibliografia
30
1. Cf. M. HELENA DA ROCHA PEREIRA – Helade,
tradução e adaptação de textos, 7ª edição, Imprensa Coimbra,
Coimbra, 1998, pp. 225-226.
2. Cf. R. LUCAS (direc.) – Comentario Interdisciplinar a la
Evangelium Vitae, B.A.C., Madrid, 1996, pp.185-186.
3. Cf. T. L. BEAUCHAMP; J. F. CHILDRESS – Principles
of Biomedical Ethics, Oxford University Press, Oxford, 1994,
pp. 150-230.
4. Cf. I. KANT – Fundamentação de Metafísica dos Costumes,
Edições 70, Lisboa, 1995, pp. 85-87.
5.Cf. D. GARCIA – Fundamentos de Bioética, Eudema,
Madrid, 1989, pp. 30-60.
6. Cf. R. D. BORGES DE MENESES – “Juramento de
Hipócrates: implicações éticas e pedagógicas”, in: Medicina e
Morale, 6 (2005, Roma), p. 120.
7. Cf. É. LITTRÉ – Ouvres Complètes d’Hippocrate, I volume,
Belles Lettres, Paris, 1839, pp. 30-75.
8. Cf. J. A. ESPERANÇA PINA – A Responsabilidade dos
Médicos, 2ª edição, Lidel, Lisboa, 1998, pp. 21-26.
9. Cf. P. L. ENTRALGO – La Medicina Hipocrática, Alianza
Editorial, Madrid, 1987, pp. 380-390.
10. Cf. J. JOUANNES – Hippocrate, Belles Lettres, Paris,
1969, p. 184.
11. Cf. D. SERRÃO; R. NUNES (coord.) – Ética em
Cuidados de Saúde, 3ª edição, Porto Editora, Porto, 1990, pp.
11-20.
se refere numa das obras célebres do Corpus
Hippocraticum. Outros textos descrevem os
cuidados que o médico deve ter com a sua
apresentação, vestuário e gestos, bem como o
modo de falar ou de lidar com o doente9.
11. O Juramento de Hipócrates delimitase como documento sacerdotal, não típico
dos conselhos de Esculápio das Asclépiades,
com um conteúdo moral, que vai do espírito
apolíneo (Deichgraeber), não se limitando ao
pitagórico (Edelstein). O Juramento confronta-se com o espírito dionisíaco das práticas
médicas, segundo F. Nietzsche. O médico é
o homem distinto – Origem da Tragédia –,
no exercício da arte de curar, guiado pelos
ditames éticos, aqui professados. Este juramento constitui o paradigma, não só de ética
clínica, como também de ética profissional.
O médico hipocrático surge, ao abrigo deste
documento, e por força da sociedade grega
da época, como um sacerdote da natureza e
não como sacerdote religioso. O Juramento
deverá colocar-se mais ao nível da Medicina/
profissão, do que da Medicina/sacerdócio10.
O ideal moral do Juramento atinge o seu
ápice, quando, no primeiro parágrafo, se diz
que a actividade do médico será Kalos kai
Kagathos.Trata-se de um texto de ética racional e humanista. A excelência do homem, no
mundo homérico, pela Kalokagathía, não será
o aspecto físico ou moral das classes nobres;
mas, antes, a virtude acessível, daqueles que
praticam uma arte, no caso a arte de curar.
O Iusiurandum é a expressão ética de
uma axiologia humanista e de uma aretologia racional11. Revela-se na dualidade do
espírito apolíneo e no espírito dionisíaco,
pela leitura do pensamento de Nietzsche, na
Origem da Tragédia. O médico, no processo
de humanização, poderá associar o sentido e o
valor pela besta loira e o homem distinto, no
“Uebermensch”.
Após esta reflexão sobre os elementos
morais do Iusiurandum, poderemos afirmar,
com Veatch, que nenhuma profissão foi tão
consciente, desde a antiguidade, dos problemas éticos no seu exercício, como a arte e a
ciência do curar.
O ethos médico foi assinalado, ao longo
de séculos, em códigos, sendo o seu mais
lídimo representante dado no Juramento
de Hipócrates. O ethos do Juramento situase na consciência moral do médico como
plena Vontade de Poder, segundo a leitura de
Nietzshe. Pelo Juramento de Hipócrates, está
presente de um lado, o espírito apolíneo e, de
outro, o espírito dionisíaco.
31
Paulo Linhares
32
Assistente hospitalar de Neurocirurgia, Serviço de Neurocirurgia,
Hospital de São João, Porto; Assistente da Faculdade de
Medicina da Universidade do Porto
Neuromodulação cerebral
A neuromodulação cerebral
é a modificação reversível
e ajustável da actividade
cerebral por estímulos
eléctricos externos. Evoluiu
das técnicas ablativas, que foi
substituindo progressivamente
baseando-se no conceito de
áreas cerebrais responsáveis
por funções específicas,
cujo funcionamento pode
ser ajustado por estímulos
excitatórios ou inibitórios.
Introdução
A neuromodulação cerebral é a modificação reversível e ajustável da actividade cerebral
por estímulos eléctricos externos. Evoluiu
das técnicas ablativas, que foi substituindo
progressivamente baseando-se no conceito de
áreas cerebrais responsáveis por funções específicas, cujo funcionamento pode ser ajustado
por estímulos excitatórios ou inibitórios. A
alteração anatómica irreversível das neurotomias foi substituída pela alteração funcional
com preservação anatómica da neuromodulação. Os progressos constantes levam à sua
utilização num número cada vez maior de
patologias com resultados bastante encorajadores e desempenham um papel fundamental
na medicina moderna.
33
34
A história e as patologias
As doenças do movimento foram uma das
primeiras patologias a ser alvo do interesse da
modulação cerebral.As técnicas ablativas iniciaram-se nos anos 30 com a excisão de partes
do córtex motor para controlo do tremor e
dos movimentos distónicos nos doentes com
doença de Parkinson, mas foram rapidamente
abandonadas pela pouca eficácia e elevadas
complicações, com taxas de mortalidade significativas. O aprofundamento do conhecimento
das estruturas cerebrais ligadas aos movimentos involuntários, com o reconhecimento da
importância dos núcleos cinzentos da base,
acrescentou novos alvos de lesão, determinados por técnicas de localização puramente
anatómicas até à introdução da estereotaxia.
A utilização dos núcleos cinzentos da base
surgiu em 1953 quando Cooper durante uma
pedunculotomia num doente pós-encefalítico
lesou acidentalmente uma artéria coroideia
anterior necessitando de a laquear. Do consequente enfarte do pallidum resultou uma
melhoria considerável dos sintomas motores da
doença. Daí ao início da lesão destas estruturas
foi um pequeno passo; primeiro por acesso
intraventricular, depois por acesso transcortical,
e posteriormente, por técnicas estereotáxicas.
Concomitantemente com os estudos efectuados na doença de Parkinson, outras doenças do
movimento foram sendo alvo da atenção dos
investigadores e a neuromodulação cerebral
passou a ser utilizada no tremor essencial e na
distonia, nos anos 90.
A neuromodulação não parou nas doenças
do movimento. Nos anos 50 começou a ser
usada no tratamento da dor crónica, com
Heath, em 1954, a reportar o alívio doloroso
por estimulação directa da região septal. Tal
como nas doenças do movimento, também
na dor, não estão cabalmente esclarecidos os
mecanismos fisiopatológicos envolvidos dificultando a determinação da melhor técnica e
do melhor alvo.
Se não existe afinidade entre as doenças do
movimento e a dor, excepto no seu tratamento,
também só a mesma afinidade se encontra no
terceiro grupo de doenças passíveis de neuromodulação cerebral, as doenças psiquiátricas,
onde tem havido um crescente entusiasmo na
sua aplicação. A doença obsessivo-compulsiva e
a depressão grave são duas áreas onde a psicocirurgia tem rejuvenescido. Apesar dos substratos
patológicos destas doenças serem bem compreendidos e as suas manifestações geralmente
incluírem achados físicos e neurológicos, as
bases biológicas de muitas das doenças psiquiátricas permanecem pouco compreendidas e
a sua expressão envolve sintomas mentais sem
sinais físicos objectivos. 10% dos doentes com
Se não existe afinidade entre
as doenças do movimento
e a dor, excepto no seu
tratamento, também só a
mesma afinidade se encontra
no terceiro grupo de doenças
passíveis de neuromodulação
cerebral, as doenças
psiquiátricas, onde tem havido
um crescente entusiasmo na
sua aplicação.
doença obsessivo-compulsiva apresentam um
curso progressivo independente, apesar dos
tratamentos farmacológicos. Baseado em estudos experimentais com cães, Bueckhardt, nos
fins do século XIX, reportou uma série cirúrgica em que efectuou orifícios na cabeça de seis
doentes psiquiátricos agitados graves.Apesar de
ter sucesso em três casos e sucesso parcial em
dois, a pressão dos colegas obrigou-o a abandonar esta técnica. Baseando-se no conceito
de que malius anceps quem nullum, melhor um
tratamento desconhecido do que nada, iniciou
a guerra da psicocirurgia. No início do século
XX, Fulton e Jacobsen mostraram alterações
do comportamento com diminuição dos estados de ansiedade em chimpanzés após ablação
de áreas frontais e Moniz, após análise crítica
desta ideia, associou os comportamentos dos
doentes psiquiátricos com substratos neurais
anatomicamente normais mas funcionalmente desajustados, o que poderia ser corrigido
cirurgicamente, desenvolvendo com Almeida
Lima a leucotomia pré-frontal. Também
uma pequena percentagem de doentes com
depressão crónica major permanece mal apesar
do tratamento médico e psicoterapêutico, o
que levou à extensão da psicocirurgia a esta
patologia cada vez mais prevalente. Estas são
as duas entidades particulares em que a neuromodulação cerebral tem ganho terreno com
resultados cada vez mais promissores.
35
Tão importante como
a técnica cirúrgica é o
estabelecimento do melhor
alvo. Dois factores são
cruciais, o controlo dos
sintomas e a redução dos
efeitos laterais e mortalidade.
36
Os alvos
Tão importante como a técnica cirúrgica
é o estabelecimento do melhor alvo. Dois
factores são cruciais, o controlo dos sintomas
e a redução dos efeitos laterais e mortalidade.
Lesões bilaterais estavam associadas a complicações severas e, se o controlo do tremor era
facilmente conseguido, o mesmo não acontecia com os outros sintomas motores da doença
de Parkinson. O alvo talâmico inicial, o VIM,
conseguia um controlo do tremor em mais de
70% dos casos, mas os efeitos na rigidez e na
bradicinésia eram muito limitados. Também a
talamotomia bilateral estava associada a graves
complicações numa percentagem elevada de
casos, tendo a maior parte dos tratamentos
que ser unilateral. Os estudos efectuados por
Leksell e, posteriormente, adoptados por
Laitinen e Hariz, levaram à adopção do globo
pálido interno como novo alvo terapêutico na
doença de Parkinson. Não só era controlado
o tremor como existia um claro benefício
no controlo das discinésias, muito frequentes
nestes doentes, passando a ser o alvo de eleição.
Contudo, a palidotomia bilateral apresentava
riscos reportando-se alterações da fala, do
equilíbrio e da marcha, alterações dos campos
visuais e défices cognitivos, continuando a
necessidade de encontrar alvos e técnicas mais
seguros. Nos anos 90 Benabid introduziu o
núcleo subtalâmico, mostrando um benefício
maior com menos efeitos laterais, tornando-se
o principal alvo actualmente.
Historicamente referem-se três alvos para
o tratamento da dor. A substância cinzenta
periaquedutal e que pelos seus efeitos laterais evoluiu para a estimulação do tálamo
medial adjacente. O tálamo somato-sensitivo
(VPM-VPL), estimulado inicialmente por
Hosobuchi num caso de anestesia dolorosa e a
estimulação talâmica ventrobasal intermitente
para o tratamento da dor central. A multiplicidade de origens da dor e dos mecanismos
envolvidos quer na sua génese quer na sua
percepção tornam difícil a sua classificação e
tratamento. A dor neuropática resultante da
lesão primário ou da disfunção do sistema
nervoso e a dor nociceptiva resultante da
activação dos receptores periféricos parece
serem os dois principais candidatos à neuromodulação cerebral. Em 1991 Tsubokawa
introduziu a estimulação cortical para o
tratamento da dor. Mais uma vez permanece
incerto o mecanismo de acção, parecendo o
efeito terapêutico dever-se à activação dos
neurónios sensitivos não-nociceptivos que se
crê exercerem um efeito inibitório nos nociceptivos e que persiste após a desactivação do
neuroestimulador.
As doenças psiquiátricas continuam em
acesa discussão quer quanto à real indicação
para cirurgia quer quanto aos alvos cerebrais
envolvidos. O braço anterior da cápsula interna, o núcleo accumbens e zonas intermédias
têm sido tentados para o tratamento da
doença obcessivo-compulsiva grave. Também
a depressão major resistente ao tratamento
médico parece ter benefício com a estimulação destas áreas, mas a este momento
ainda não existe o alvo ideal, permanecendo
este tratamento em fase experimental. Pelo
menos dois grupos europeus, um belga e um
sueco e um grupo canadiano têm trabalhado
em estreita colaboração na determinação do
melhor alvo a estimular.
A neuromodulação cerebral é
uma área em desenvolvimento
crescente havendo cada vez
mais indicações para a sua
utilização. Perfeitamente
estabelecida nalgumas
patologias, permanece ainda
em fase experimental em
muitas das novas indicações.
O melhor conhecimento da
fisiopatologia das doenças
e a melhoria das técnicas
cirúrgicas têm-na tornado
numa cirurgia segura e
eficaz, sendo uma ferramenta
fundamental na neurocirurgia
moderna.
37
38
As técnicas
Não só a técnica cirúrgica foi modificando
como, e principalmente, o conceito, sendo
o avanço mais importante a substituição da
lesão estrutural pela estimulação eléctrica em
1993. A reversibilidade e a adjustabilidade da
neuroestimulação transformaram-na na técnica de eleição para o tratamento sintomático
das doenças do movimento, estendendo-se
progressivamente a todas as outras patologias.
A leucotomia pré-frontal foi desenvolvida
e modificada, nem sempre da melhor forma,
e tal como nas doenças do movimento com
o aparecimento da DOPA, o surgimento da
clorpromazina, em 1954, levou ao declínio da
psicocirurgia. O renascimento surgiu com a
estereotaxia com Spiegel e Wycis a fazerem
a primeira talamotomia dorsomedial. Estava
aberto o caminho para a neuromodulação
cerebral nas doenças psiquiátricas, sendo a
estimulação precedida pela cingulotomia, a
capsulotomia, a tractotomia subcaudada e a
leucotomia límbica.
Hoje são as técnicas estereotáxicas que
predominam na estimulação cerebral profunda
e as técnicas de neuronavegação na estimulação cortical. Tão importante como a técnica
cirúrgica em si, é a determinação correcta da
localização do alvo escolhido. Existem vários
programas informáticos que facilitam esta tarefa, não se justificando, hoje em dia, o recurso
à velha ventriculografia. Os núcleos da base
são identificados por dois métodos complementares. Uma primeira aproximação é feita
tendo em conta o referencial comissura anterior – comissura posterior e as coordenadas
estereotáxicas determinadas por atlas anatómicos sendo corrigidas em pormenor pela
visualização directa dos núcleos em imagem
de RMN. Efectuada a colocação do quadro
estereotáxico, é realizada uma TAC ou RMN
estereotáxicas. Exame de todo o crânio no
plano axial com cortes de 2 mm de espessura.
È feita de seguida a fusão da imagem com a
de RMN previamente efectuada. È utilizado
um protocolo de imagem que inclui a realização de RMN cerebral em aparelho de 1,5
Tesla nos dias prévios à cirurgia nas sequências
T1 com GAD axial e T2 axial e coronal. As
imagens são então introduzidas numa estação de tratamento com o software Framelink
onde é realizada a fusão da imagem de TC
estereotáxico com a imagem de RMN, o que
permite a obtenção de imagem de RMN
cerebral de alta resolução com os pontos de
esterotaxia que vão permitir a determinação da comissura anterior e da comissura
posterior para a determinação indirecta do
núcleo e a visualização do núcleo subtalâmico
para a confirmação directa do alvo. Após a
determinação das coordenadas estereotáxicas
são introduzidos os eléctrodos para registo
e estimulação, que permitem a confirmação
electrofisiológica e clínica do alvo. Novamente
no bloco operatório e também sob anestesia
local é realizado um buraco de trépano frontal
de 14 mm de diâmetro e abertura da dura
mater. São introduzidos os eléctrodos para a
realização de micro-registo, electro-fisiológico
e micro-estimulação. A avaliação clínica intraoperatória confirma o alvo definitivo. Após
a verificação do benefício obtido com a
estimulação é colocado o eléctrodo definitivo
e a bateria. A colocação do gerador Kinetra
é efectuada sob anestesia geral, numa bolsa
subcutânea infraclavicular esquerda.
A estimulação cortical é utilizada especialmente no tratamento da dor. A estimulação
é efectuada na circunvolução pré-central na
região suprassilviana na dor predominantemente da face e membro superior e na região
paramediana na dor com predomínio no
tronco e membro inferior. A identificação do
sulco central é feita com técnicas de neuronavegação e monitorização intra-operatória
dos potenciais evocados somato-sensitivos
(inversão N20 e P 20) e por estimulação eléctrica cortical. É então colocado o eléctrodo
de estimulação e conectado à bateria. Este
tipo de estimulação cortical passou também a
fazer parte das opções cirúrgicas da doença de
Parkinson nos poucos casos em que a DBS
está contra-indicada.
A técnica utilizada na estimulação cerebral
profunda para o tratamento das doenças
psiquiátricas é similar à das doenças do movimento do movimento.
Outro tipo de neuromodulação cerebral que
tem ganho adeptos é a estimulação magnética
transcraniana. Actua de forma transitória e
não-invasiva e pode servir de teste à eficácia
da estimulação cortical. Pode ser utilizada em
casos de dor neuropática e na depressão grave.
39
Referências
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Stereotact Funct Neurosurg 2001; 77: 87-90.
Os resultados
No tremor essencial o VIM continua a ser
o alvo de eleição, com melhorias superiores
a 80%. Casos mais complicados de tremor
como, por exemplo, os associados à esclerose
múltima ou tremor cerebeloso também têm
sido submetidos com algum sucesso a esta
técnica, embora havendo uma maior variabilidade nos resultados.
As formas primárias generalizadas de distonia respondem à estimulação do GPi com
melhorias médias de 50% relativamente aos
resultados pré-operatórios avaliados pela escala
de distonias de Burke-Fahn-Marsden.
Ayres-Basto M, Linhares P, Sousa A, et al. A imagem na cirurgia da
doença de Parkinson. Acta Médica Portuguesa 2003; 16: 135-140.
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Takeshita S, Kurisu K,Trop L, Arita K, Akimitsu T,Verhoeff N. Effect
Efectuada uma metanálise para avaliação
dos resultados da estimulação subtalâmica na
doença de Parkinson verificou-se uma redução do UPDRS II (actividades da vida diária)
e III (avaliação motora) sem medicação de
13,35 e 27,55, respectivamente, ou seja, uma
melhoria de 50% e 52% relativamente à
linha de base. A redução da dose de DOPAequivalente foi em média de 55,9% e as
discinésias após a cirurgia reduziram-se em
69,1% e houve uma redução dos períodos off
diários de 68,2%.
of subthalamic stimulation on mood state in Parkinson’s disease:
evaluation of previous facts and problems. Neurosurg Rev 2005; 28:
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de una tomografía computarizada (TC) en las primeras horas tras el
procedimiento? Neurocirugia 2002; 13: 299-304.
Na dor uma resposta positiva surge em 44%
a 100% dos doentes tratados e a principal
indicação para esta técnica é a dor crónica
neuropática refractária à analgesia convencional, estando a tornar-se o tratamento cirúrgico
preferencial da dor neuropática central.
Numa revisão recente de doentes com
doença obsessivo-compulsiva, a cingulotomia
foi eficaz em 56% dos doentes, a tractotomia
subcaudada em 50%, a leucotomia límbica em
61% e a capsulotomia em 67%.
Nos doentes com alterações afectivas major a
cingulotomia foi eficaz em 65%, a tractotomia
subcaudada em 68%, a leucotomia límbica em
78% e a cápsulotomia em 55%. Não podemos
esquecer que se tratam de séries pequenas e
de doentes criteriosamente seleccionados. A
estimulação da substância branca do cíngulo e
de áreas adjacentes também tem sido utilizada
no tratamento da depressão grave resistente à
terapêutica médica e a lesão tem sido progressivamente substituída pela estimulação, sendo
que 25 a 50% dos doentes poderão beneficiar
com esta técnica, com resultados ainda incipientes mas promissores. Esta é uma área onde
as questões éticas se põem de forma marcada e os avanços são lentos e cautelosos. No
presente, os resultados ainda são limitados e
existe também uma indefinição relativamente
aos alvos como a cápsula interna, o núcleo
accumbens ou a base anterior.
Há ainda evidência de que a estimulação da
região talâmica adjacente ao núcleo centromediano pode ter benefício nos doentes com
síndrome de Tourette.
De forma ocasional têm sido reportados
casos de epilepsia refractária tratados com
estimulação cerebral profunda com taxas de
redução das crises da ordem dos 50%, não
sendo ainda esta uma indicação formal.
As conclusões
A neuromodulação cerebral é uma área
em desenvolvimento crescente havendo
cada vez mais indicações para a sua utilização.
Perfeitamente estabelecida nalgumas patologias, permanece ainda em fase experimental
em muitas das novas indicações. O melhor
conhecimento da fisiopatologia das doenças
e a melhoria das técnicas cirúrgicas têm-na
tornado numa cirurgia segura e eficaz, sendo
uma ferramenta fundamental na neurocirurgia moderna.
41
Para o cérebro,
pensar e imaginar
é o mesmo que fazer
Entrevista a Mário Simões
Os Estados Modificados de Consciência abrem novas
naus de conhecimento. Num apelo a memórias
corporais e psicológicas de bem-estar, num imaginário
vivido, sabe-se que através dos Estados Modificados de
Consciência não se curam determinadas doenças, mas,
em mais de 70%, cura-se a totalidade de sintomas e
melhora-se a qualidade de vida. As próximas grandes
descobertas em saúde, em ciência, podem nascer
através desses estados que lidam com a emoção.
Mário Simões, 59 anos, director do curso
de pós-graduação em Hipnose Clínica e
Experimental, professor de Psiquiatria e de
Ciências da Consciência na Faculdade de
Medicina da Universidade de Lisboa. Numa
das salas da Casa do Médico, no Porto, onde
decorre o 7º Simpósio da Fundação Bial,
Aquém e Além do Cérebro, Mário Simões
fala dos Estados Modificados de Consciência.
Em gestos que transportam palavras, uma certa
musicalidade no tempo, diz que o marcou o
ensino das ciências naturais junto ao mar, na
serra, nas arribas a ver fósseis. Marcaram-no
determinados professores que foram exemplo
para a sua carreira futura. E na vida profissional, quando vai para a Suiça, e contacta
com as áreas novas de fronteira, os Estados
Modificados de Consciência, inicia-se nesse
mundo de novos sonhos, novas naus.
43
44
E são essas áreas de fronteira que
definem toda a sua vida?
Escolhi psiquiatria por motivações filosóficas.
Ouvia histórias contadas pelos pacientes com
grande veemência, crença noutros mundos.
Pensei: ou fico louco também ou tento estar
próximo deles para os perceber na crença
noutros mundos. Foi isso que me levou para
psiquiatria. Onde estive, na Suiça, o projecto
era estudar modelos experimentais da psicose,
na altura estudava-se os Estados Alterados de
Consciência, com a utilização de drogas, ficar
na privação sensorial e silêncio total, ter a estimulação sensorial em sobrecarga, a meditação,
a hipnose, tudo servia para modificar a consciência e criar situações semelhantes ao início
de uma esquizofrenia, de uma psicose.Vi que
havia um apelo grande como experimentação
mas também vi o potencial terapêutico.
Como ciência de fronteira, foi essa
possibilidade de potencial terapêutico
que o levou a seguir este caminho?
Claro. Fiz doutoramento ligado à esquizofrenia, à consciência do eu, que é o reactor
nuclear da esquizofrenia. Depois a investigação
que se seguiu sobre os Estados Modificados
ou Alterados de Consciência, com apoio da
Fundação Bial, foi um tempo muito criativo, e continua a ser, embora tenha estado
mais envolvido na preparação de provas de
agregação.
O que é um EMC (Estado Modificado
de Consciência)?
Modificado é em relação a este estado em
que estamos agora, acordados. Neste momento temos uma consciência vigil. Quando
modificamos esta consciência achamos que
está modificado. Se esse estado modificado é
demasiado profundo, no sentido em que fico
um pouco sonolento, um pouco desconcentrado, a palavra passa a ser mais forte e digo
Estado Alterado de Consciência. Mas hoje
prefiro chamar modificado, pois já não se utilizam drogas para proporcionar estes estados.
Que descobriu desde que se iniciou
estes estudos até hoje? O que houve
de evolução?
Foram abandonados os recursos a químicos
e o que evolui foi o modo de os provocar, de
os produzir. Passou a utilizar-se, por exemplo,
a meditação, a hipnose, a respiração holotrópica (respirar profundamente e rapidamente),
a dança, meios mais suaves para modificar a
consciência. Outra situação que evoluiu não
foi só o aspecto experiencial para ver como
é, o que é isso, mas a utilização deles para
actividades curativas, isto é, psicoterapia sob
EMC. Estas foram as grandes evoluções que
aconteceram nos últimos tempos.
Explique-me um caso onde possa
ser utilizado um EMC para fim
terapêutico.
A utilização da meditação transcendental,
para estados de relaxamento, de paz, de autodescoberta. No sentido da cura, sem recorrer
a drogas alucinogéneas, utilizamos a hipnose.A
hipnose é um EMC. A pessoa percebe a realidade de outro modo, sente que está diferente,
mas continua acordada, pode abrir os olhos,
nota que está a ter percepções diferentes das
que tinha habitualmente. Somos capazes,
hoje, utilizando somente estados hipnoidais,
de fazer realmente projectos de cura, por
exemplo, na dor crónica, fobias, problemas
de relações interpessoais, diminuir alguns
sintomas de doenças graves, que não curamos,
como cancros, neoplasias, mas melhoramos a
qualidade de vida, aumentamos a sobrevida,
porque vamos estimular no imaginário, através de visualização, defesas do indivíduo, tipo
imunológico, através do ponto de vista imaginário. Passamos a utilizar estes EMC para
algumas situações mais ligadas à psiquiatria e
psicologia. Quanto à medicina, temos a dor
crónica, melhoria da qualidade de vida e da
sobrevida em alguns casos, situações dermatológicas, verrugas, eczemas difíceis de tratar.
Tudo através do imaginário. Como se
cria esse imaginário?
Primeiro, fazemos apelo a memórias que a
pessoa tem, não só abstractas, mas corporais,
de bem-estar.Vamos fazer a pessoa recuar no
tempo, apelar a memórias corporais e psicológicas de bem-estar. Vamos recordar ao corpo,
ao cérebro, esse bem-estar que a pessoa teve.
Esse é o primeiro passo. Depois, introduzimos
elementos do imaginário, como, por exemplo,
uma infusão com soro, com estrelinhas, com
uma capacidade de anticorpo fabulosa, capaz
de reconhecer células cancerosas. Pomos um
Somos capazes, hoje,
utilizando somente estados
hipnoidais, de fazer realmente
projectos de cura, por
exemplo, na dor crónica,
fobias, problemas de relações
interpessoais, diminuir alguns
sintomas de doenças graves,
que não curamos, como
cancros, neoplasias, mas
melhoramos a qualidade
de vida, aumentamos a
sobrevida, porque vamos
estimular no imaginário,
através de visualização,
defesas do indivíduo, tipo
imunológico, através do
ponto de vista imaginário.
45
46
outro soro, tudo imaginário, um imaginário
que a pessoa vive, uma cor rubra, mesmo
roxo, que vai ter uma apetência para as células
cancerosas. No soro vão estrelinhas com capacidade de anticorpo que vão matar as células
más. É com este imaginário, que a pessoa vive
intensamente, que este processo decorre.
Outras vezes é à própria pessoa que digo: fale
com o seu terapeuta interior, ele conhece-a melhor do
que eu. O que é que ele lhe diz para curar? Estou
a lembrar-me de uma senhora que tinha uma
doença auto-imune. Perguntei-lhe o que dizia
a sua terapeuta interior. Ela responde-me: Ela
ataca as células porque não sabe que são minhas.
Sabe? Vou pegar num carimbo e vou carimbar as
células todas que o lúpus anda a atacar. Deixei-a
meia hora a carimbar com o nome dela, Sofia.
Fazia o gesto com a mão, como estivesse a
carimbar alguma coisa. E já acabou? Ainda
faltam mais 20 ou 30 células. Até hoje, já se
passaram mais de 10 meses, não teve mais
nenhum episódio de lúpus.
É de atribuir à terapia?
Penso que não, provavelmente trata-se da
evolução da própria doença. O que é certo é
que a pessoa nunca mais se queixou.
Conte-me mais casos.
Fiz uma reunião de trabalho para a
Associação de Doentes com Células
Falciformes, uma doença do sangue, hereditária, onde as células dos glóbulos vermelhos
ficam com a forma de foice, alteram-se. E com
aquela forma de foice não deslizam bem pelos
vasos, encostam-se umas às outras e causam
dores terríveis nas extremidades dos ossos
onde circulam. As pessoas têm de ser tratadas
com morfina, levam transfusões, é uma doença gravíssima que não podemos curar.
Os exemplos que me dá podem ser
considerados especulativos?
Estou a dar exemplos de utilização, que
diria, especulativa destes EMC para doenças
que sabemos que não vão ser curadas. O
que diminuímos foi o número de recaídas, o
recurso às urgências, o absentismo no trabalho,
porque comparamos com os anos anteriores e
as pessoas, a fazer os tratamentos que faziam,
melhoraram. E então dizia uma pessoa assim: é
fácil, quando as células começarem a ficar esquisitas,
logo que sinta que vem aí a crise, elas estão encostadinhas aos vasos, eu pego numa mangueira dos
bombeiros e lavo o chão junto às artérias para as
descolar dos vasos. Dizia outra: quando elas ficam
assim todas paradas, encostadas umas outras, ponhoas a dançar, ficam quentinhas, e assim sinto-me
melhor. Outra dizia: o que a gente tem de fazer é
tirar aquela casca à volta do glóbulo vermelho, pelar
o glóbulo vermelho, para ele ficar com aquela segunda pele, e fica mais móvel. Fizemos estas reuniões
duas vezes e, porque tínhamos esse controlo,
o número de vezes de crises e de absentismo,
diminuiu significativamente.
As pessoas estavam num EMC?
As pessoas estiveram num estado de hipnose
e nesse estado de hipnose viajaram para falar
com o seu ou sua terapeuta. E nesse estado
quem lhes diz o que fazer é o terapeuta. A
partir daí vão por isso em prática em casa
quando sentem que vem a crise.
É uma subjectividade com um efeito
objectivo?
Passa a ter. Não cura, mas ajuda, melhora a
qualidade de vida. Temos visto que em algumas pessoas, não em todas, conseguimos que
as pessoas deixassem de fumar mas ao fim de
seis, sete sessões. É como se necessitasse de
vacinas injectadas psicologicamente.
Como se faz?
Temos de dar um imaginário de um futuro
imaginado sem tabaco, a respirar bem, e volta
para casa e os filhos dizem «pai que alegria
nos deste por teres deixado de fumar», os
amigos a dizer «podes ficar aqui, não precisas
de ir para a varanda». Criamos futuros dessa
imagem, pomos a pessoa a visualizar algo
que fica como sinal pós-hipnótico. Depois
da hipnose, se olhar para um maço de tabaco,
fica com a visão turva, está a pegar no tabaco
e o tabaco cai-lhe das mãos, e se colocar o
cigarro na boca fica com o sabor a gasolina na
boca.Temos de criar muitas imagens de certo
modo aversivas, por um lado, e, por outro, o
desejo de um futuro diferente. Leva sete, oito
sessões até instilar isso com efeito residual
permanente. Tem de haver uma motivação, a
pessoa tem de querer, pela família, por questão
de saúde. Só por ter de ser não chega.
Precisa de uma grande criatividade
para inventar os imaginários?
É verdade.
Tem de criar para cada pessoa um
mundo próprio?
Faço um protocolo para cada pessoa, um
protocolo muito específico. Ouço, escrevo tudo o que leva a pessoa a sentir-se mal,
pergunto sempre se estivesse bem o que faria,
como se sentiria, o que poderia fazer da sua
vida. E são essas palavras que ela me diz, que
lhas vou devolver num EMC. O inconsciente
não rejeita porque lhe vou dizer as mesmas
frases que a pessoa me disse, mas num estado
em que está ampliada a sua percepção das
coisas, em que está mais concentrada naquilo
que lhe digo. Dou-lhe aquilo que a própria
pessoa já me deu antes. Esta parte aqui nem
tem muita criatividade. Mas durante a sessão
posso reforçar com música, para criar ambiente, posso tocar na pessoa. Há outros meios que
posso utilizar para reforçar o mal-estar e o
bem-estar. Existe uma quantidade de situações
que podemos criar para melhorar a adesão ao
projecto terapêutico. Dou aquilo que a pessoa
quer.
Mas num estado mais ampliado…
Tudo começa por um estado de relaxamento. A respiração profunda é o início de tudo.
Depois, damos sugestões de relaxamento. E
nesse estado de paz, de grande relaxamento,
iniciamos o processo. Apesar do estado de
grande relaxamento corporal, a pessoa está
com uma mente aguda, atenta, brilhante, as
capacidades estão ampliadas. Penso que, mas é
47
48
Ouço, escrevo tudo o que
leva a pessoa a sentir-se mal,
pergunto sempre se estivesse
bem o que faria, como se
sentiria, o que poderia fazer
da sua vida. E são essas
palavras que ela me diz, que
lhas vou devolver num Estado
Modificado de Consciência.
A respiração profunda é o
início de tudo. Depois, damos
sugestões de relaxamento.
E nesse estado de paz,
de grande relaxamento,
iniciamos o processo.
Apesar do estado de grande
relaxamento corporal, a
pessoa está com uma mente
aguda, atenta, brilhante, as
capacidades estão ampliadas.
especulação, neste estado pomos a funcionar
áreas que geralmente estão adormecidas. Os
EMC fazem ligações entre áreas que normalmente estão adormecidas, áreas cerebrais. É
como se estivéssemos a criar um estado que
não é sono nem sonho.
Disse: As novas naus são feitas das
matérias dos sonhos.
Fernando Pessoa escreveu que os novos
descobrimentos irão ser feitos com as naus da
mesma matéria que os sonhos são feitos. É isto.
Estas são as naus que utilizamos. Relaxamento,
uma indução para aprofundamento de relaxamento e, depois, passamos a navegar na mente.
Nos EMC são as novas naus. Fernando Pessoa
antecipou-se. Se, como Portugueses, vamos
descobrir alguma coisa de novo, nos mundos
interiores, porque nos mundos exteriores não
temos tecnologia para isso, não sei. Acho que
as grandes descobertas, sobre os mundos interiores, virão pelos EMC.
Pouco percebidas pelas pessoas.
São áreas de fronteira. Se não estudamos, se
não nos dedicamos, vamos dizer que os EMC
não passam de um fenómeno de placebo mal
entendido.
A pessoa não tinha nada e, somente,
sugeriram-lhe o contrário.
Os estudos placebo dizem que o modelo
existe no modelo animal e o animal não vai
pela sugestão, como no ser humano existem
estudos que comprovam que a utilização de
um medicamento placebo vai activar quase
as mesmas áreas que o medicamento activo,
49
50
só que a pessoa não sabe que está a tomar
medicamento placebo. Sabe-se hoje que são
activadas as mesmas áreas, o cérebro activa
quando faz uma acção ou quando pensa nela.
Pensar e imaginar é o mesmo que fazer.
A pessoa faz, mas o que imaginou é
diferente, e o que recorda foi o que
imaginou e não o que fez?
Exactamente. Para o cérebro, imaginar
ou fazer são áreas idênticas que são postas a
funcionar. Na hipnose, se é o mesmo para o
cérebro, ele não sabe, imagina e isso funciona
como fosse realidade, mas virtual.
Qualquer pessoa pode utilizar esta
terapia?
Qualquer pessoa, sem dúvida, pode beneficiar destes EMC para uma terapia. Algumas
pessoas são mais predispostas, é algo que
nasce connosco. Algumas vão ter muitos mais
benefícios do que outras, em algumas não se
consegue nada. Esse grau de adesão a estes
estados nasce connosco, pode ser um pouquinho modificado mas muito pouco.
E porque é que alguns nascem com
essa apetência e outros não?
Já se descobriu um gene que, de certo
modo, está ligado ao grau de adesão a este tipo
de modificação da consciência. Possivelmente,
há combinações genéticas que facilitam para
que umas sejam mais do que outras.
Fernando Pessoa escreveu
que os novos descobrimentos
irão ser feitos com as naus
da mesma matéria que os
sonhos são feitos. É isto. Estas
são as naus que utilizamos.
Relaxamento, uma indução
para aprofundamento de
relaxamento e, depois,
passamos a navegar na
mente.
Mas que futuro para tratamentos
com EMC?
A nível psicoterapêutico vamos mais
longe, de forma mais profunda, mais rápido e
eficazmente, de forma mais duradoura. Não
estou a rejeitar, estou antes a ampliar o modo
e o potencial que todas essas psicoterapias já
estabelecidas têm utilizando os EMC. Será o
futuro das psicoterapias. Recebemos os casos
de fim de linha, pessoas que experimentaram
tudo e nada resultou. Temos os casos mais
difíceis, e nesses, em dez, ou melhoramos ou
curamos definitivamente sete. Podemos dizer
que há um remanescente de 30%, casos muito
difíceis que, por qualquer motivo, orgânico, por
exemplo as neoplasias, determinantes genéticos não deixam alterar. Há um remanescente
que não podemos curar. Há alterações de tipo
orgânico, estrutural, que não são alteráveis por
estes métodos ou, filosoficamente, porque
aquela pessoa teve uma certa experiência de
vida que por mais boa vontade que tenhamos
não podemos alterar.
Mas os EMC sempre foram ligados
a supostas vidas passadas e, talvez,
tenha nascido esta certa confusão
destas novas terapias aliadas a um
certo folclore.
A má imagem dos EMC utilizada em
psicoterapia vem, sobretudo, de dois aspectos:
a visibilidade pública destes estados utilizados
em palco. Se é para diversão, muito bem. Mas
o local próprio para terapia é o consultório,
feito por pessoa treinada. Quando sai disso é o
ridículo. Por outro lado, foi o acesso através de
livros, ou outros meios, e as pessoas autodenominarem-se com títulos terapêuticos que não
sabem manejar, levando ao descrédito, pois
não há sucesso e temos de receber pessoas
vítimas dessa má utilização. Palco e charlatanismo criam um mal-estar, um mau nome,
uma má visibilidade, uma desconfiança.
Também, com estas técnicas, começou a
pensar-se que, sobre hipnose, sobre EMC, era
possível ter acesso a memórias passadas.Temos
acesso a memórias a partir dos nossos dois
anos, para trás é muito difícil, quase impossível obter. Mas sobre hipnose temos atitudes
próprias de um ano, seis meses, pessoas que
recordam situações reais no momento de
parto e, até aí, não temos dúvidas. Mas começaram a surgir pessoas a relatar memórias de
vida intra-uterina. Seguem todas um certo
padrão, recordam-se de frases, situações ligadas
à mãe, ao pai. Não podiam ter conhecimento
disso. Registamos e as pessoas vão confirmar.
Começaram ainda a contar coisas mais estranhas ligadas a outros tempos, a outros espaços
geográficos e personagens, com uma riqueza
de pormenores tal, nunca tendo lido nada
sobre isso; e, ainda mais estranho, é que nesse
estado de hipnose não só assume as personagens, como gestos, mas tem performances,
não é uma palavra isolada numa língua, pessoas que nunca falaram alemão, inglês, e que
falam fluentemente essa língua nesses estados.
Isso começou a por a hipótese que utilizando a hipnose se tem acesso a vidas passadas.
Esta história começou nos anos 70/80 com
a terapia das vidas passadas. Existem explica-
51
Para o cérebro, imaginar
ou fazer são áreas idênticas
que são postas a funcionar.
Na hipnose, se é o mesmo
para o cérebro, ele não sabe,
imagina e isso funciona como
fosse realidade, mas virtual.
52
ções alternativas para isso, desde pessoas que
propõem uma memória genética, outros
dizem que é fraude, outros que é imaginação,
um mito. Existem sete ou oito explicações
alternativas para este tipo de vivências, daí
que a designação de vidas passadas deve ser
abandonada. Prefiro dizer que as pessoas vão
recorrer a mitos pessoais, será um mecanismo
de censura de mim mesmo, desloco isso para
outro espaço, para outra época, apetece-me ter
um mito. É difícil dizer que é vidas passadas,
e hoje diz-se que são supostas vidas passadas
e entrega-se isso ao paciente. Para mim não
me interessa, o que me interessa é o material,
tudo aquilo que vem vivido, que eu trabalho
terapeuticamente, se é verdade ou não, não
me interessa, porque para o cérebro é igual.
Hoje, faço uma terapia pela reestruturação,
vou reestruturar aquilo que vem, o que quer
que seja a explicação que esteja para trás, de
forma vivencial e cognitiva. Hoje a designação é Técnica de Reestruturação Vivencial e
Cognitiva. Há evidências, somente, que existe
algo que sobrevive à morte física.
Mas que grande indicação para este
tipo de terapia?
São as relações interpessoais perturbadas,
familiares, amorosas ou profissionais, o autoconhecimento, a potenciação de algo que está
em nós como, por exemplo, a capacidade de
desenhar, de falar línguas ou actualizar algo
que está em potencial dentro da pessoa, as
doenças psicossomáticas onde o componente
psicológico no sentido de precipitar, manter
ou agravar uma doença física está muito
presente, fobias, crises de pânico. Estas são as
grandes indicações. Mesmo nas doenças com
componente mais orgânico, mesmo nessas,
conseguimos produzir uma melhor aceitação
e maneira de lidar com o sofrimento, melhoramos a qualidade de vida e tentamos aumentar
a sobrevida nas doenças incapacitantes ou
mesmo graves, mas isso é apenas um desejo.
Nestas o importante é fazer do paciente um
co-terapeuta da sua própria doença.
Nesta terapia há uma operação
cerebral?
Sim, é uma operação cerebral simbólica.
É como se nós ao evocarmos algum tipo de
conhecimento ou informação que a pessoa
possui, seja de maneira simbólica, imaginal
no sentido de ter acontecido ou do domínio
do possível, seja uma criação no momento
da sessão, esse conhecimento activará áreas
do cérebro que estavam mudas. A pessoa
obtém uma determinada informação que
recontextualiza a anterior. No fundo, quando
se visualizam novos dados, quaisquer que eles
sejam, reais, imaginários ou outros, o corpo
envolve-se, e o corpo inclui o cérebro. Há aí
qualquer modificação nos estados cerebrais
e essas visualizações vivenciadas, que estudei
com o professor Luís Sobrinho, alteram até a
parte neuroquímica hormonal de acordo com
as imagens serem ou não serem mais ou menos
impactantes. Estudamos bastantes doentes no
IPO e chegamos à conclusão de que as pessoas com imagens negativas, de violência, de luta,
têm uma produção aumentada das hormonas
ligadas ao stress. Nessa visualização não estamos
apenas a tratar informação, porque se fosse um
tratamento de informação, só isso, teríamos
a mesma resposta a um tratamento de uma
imagem com a mesma qualidade de impressão, qualquer que fosse o conteúdo. Imagens
de um carro ou de uma pessoa a matar outra
podem ter a mesma qualidade de impressão,
mas a informação é diferente. Há algo que
esta ciência dita cognitiva e de processamento
de informação esquece. Estamos a lidar com
emoção. É como andássemos só ao nível do
córtex cerebral. Mas esquecemo-nos de um
cérebro mais antigo, o cérebro reptliano, que
dá o colorido à vivência, à cognição, dá cor.
Capto a imagem impressa de informação,
mas depois tenho um cérebro mais abaixo do
cortéx que dá colorido, dá cor, e que diz isto é
violento, isto é crime.
Como houvesse informação à priori?
Sim. A tal operação trata disso. Ao visualizarmos, o corpo envolve-se nisso, altera-se até
quimicamente, porque há emoção e vivencia.
Aí há novas áreas, ou melhor, novas conexões
neuronais que vão ser activadas com a prática,
com a submissão a uma, duas, três, dez sessões
de terapia. Além disso, damos um outro
contexto àquilo que a pessoa traz.Tenho medo
de cães porquê? É como se a pessoa tivesse
um azulejo pequenino que encontrou caído
no chão de um painel de azulejos, e tem um
cão a ladrar. E tem medo dos cães. Quando
a pessoa é colocada em frente desse azulejo
(reestruturação vivencial) começa a ver que
à volta do cão há uma outra pessoa que está
a ser torturada pelo cão, há outras pessoas a
53
E em relação a estas novas abordagens e técnicas terapêuticas,
pelo menos, manter a dúvida, isto é, não dizer isso é
impossível, isso não resulta, não vale a pena, mas manter uma
certa sabedoria da incerteza. Porque se passam a ter certezas
nunca vão descobrir nada de novo. Dizer: não sei, não rejeito,
vou ver. Viver na incerteza é um acto de sabedoria…
54
Uma operação com regras, bem
definida…
Sim, trata-se de uma terapia onde se aprende a lidar com este tipo de fenómenos. Se for
feito por uma pessoa que não conheça estes
estados modificados de consciência pode
fazer com que a pessoa saia dessa vivência
ainda pior. Se não limpou, se não tratou, se não
recontextualizou, se não deu sentido e traz a
pessoa de novo para o estado vigil e o deixa
ficar naquela vivência onde esteve, pode andar
durante dias a vivenciar aquelas cenas como
se se tratasse de um flash-back. É preciso ter
cuidado com quem se vai ter para fazer uma
terapia destas. Os pacientes têm de ser acompanhados à posteriori, naquele estado não há
vontade completa sobre o acontecer, nem o
terapeuta nem o paciente sabem para onde
vão durante a sessão. Há um acontecer, um
fazer-se, um trabalho em progresso. Este tipo
de terapias têm de ser feitas com um certo
cuidado, com um certo recato, em contexto
terapêutico e com pessoas que saibam.
em muitas áreas da ciência, que se conhece
muito, mas sabe-se pouco, para ilustrar o que
acabo de dizer. Valor como conhecimento
pessoal não há dúvida. Mas a experiência
subjectiva tem interesse para a ciência e é
possível ser validada. A experiência subjectiva
de 500 pessoas tem pontos comuns. Se há
pontos comuns, há indícios fortes de que a
experiência subjectiva que é comum porventura existe, tal e qual como existe a ilusão. A
ilusão existe. A ilusão tem poder para alterar o
meu comportamento e não deixa de ser uma
experiência subjectiva. Se estou desiludido, é
porque andava iludido e a ilusão fez-me ter
comportamentos nesse sentido. A experiência subjectiva pode estar a falar de mundos
subjectivos que são comuns à humanidade e
que são capazes de provocar comportamentos.
Tem uma consistência, talvez não palpável,
mas tem a consistência da nossa cultura. As
regras sociais, que não são palpáveis, existem
e influenciam-nos. A ciência também deve
recorrer da experiência subjectiva que é
tratada inter-subjectivamente, ouvindo muitas
experiências, e a certa altura passamos a ter
consciência de mundos que diria subjectivos,
imaginais, mas com capacidade de influenciar
o nosso estar no mundo actual tal e qual como
objectos reais.
E como se estuda a experiência
subjectiva?
Primeiro deve ser considerada tão válida
como qualquer outra como forma de obtenção do conhecimento. Conhecimento com
valor para a ciência? É outra questão. Diz-se,
Esta ciência tem uma carga subjectiva
imensa…
Sou médico, não rejeito nada, absolutamente nada, das teorias psicoterapêuticas, seja do
próprio modelo biomédico. Pelo contrário,
isto é apenas para potenciar, para aumentar
assistir, afinal estou a perceber, a pessoa está ali
porque era um lutador por uma causa, é um
mártir (tem a visão do painel). Contextualizou
aquele azulejozinho que trouxe e criou um
painel.
o poder terapêutico. Sendo placebo ou não,
não me interessa. Sei que melhora a qualidade
de vida das pessoas e, eventualmente, pode
levar à cura de algumas situações que até ali,
pelos métodos anteriormente usados, não
foi possível. É importante manter isto. Não
é rejeitar de modo nenhum nenhuma das
outras abordagens, pelo contrário, integro-as e
potencio-as.
E é nessa integração que se consegue
criar uma unidade mais válida.
Não estou a tratar uma doença, estou a tratar
a pessoa.Vejo a pessoa como uma unidade.
Com os EMC consegue-se ter uma
melhor vida?
Nas neoplasias, em várias localizações, é o
tempo de sobrevida que as pessoas têm, é a
diminuição de dias de mal-estar, o aumento de
qualidade de vida. A evolução dos marcadores
tumorais é muito mais lenta, pelo menos em
alguns casos. Em termos de dor crónica estou
a lembrar-me de cefaleias resistentes ao tratamento, com consumo grande de fármacos, em
situações agudas. Num estudo que fizemos,
descobrimos que essa dor vinha sempre de
humilhação ligadas à infância, não de quedas,
mas de maus-tratos em público. Tratados e
trabalhados sobre estado de hipnose, tivemos
os resultados, e eram todas situações de fim de
linha, de 1/3 melhorarem francamente, 1/3
ficou livre, sem mais dores, no outro terço
nada conseguimos.
Que palavras para profissionais de
saúde?
Ter uma atitude benevolente querendo bem
à saúde mental. Não haver uma desconfiança
apriorística e aceitar que grande parte do
nosso mal-estar vem exactamente de emoções
perturbadas muito ligadas à saúde mental, ter
uma certa aceitação de que existem pessoas
capazes de lidar com essas situações e não
ter receio de recomendar quando o próprio
profissional de saúde não consegue lidar com
as situações. Encaminhar para o psiquiatra ou
psicólogo de modo a que pessoa não se sinta
rejeitada. E em relação a estas novas abordagens
e técnicas terapêuticas, pelo menos, manter a
dúvida, isto é, não dizer isso é impossível, isso
não resulta, não vale a pena, mas manter uma
certa sabedoria da incerteza. Porque se passam
a ter certezas nunca vão descobrir nada de
novo. Dizer: não sei, não rejeito, vou ver.Viver na
incerteza é um acto de sabedoria, porque se
há certezas absolutas, vai continuar a dizer que
a produção da úlcera gástrica, como aprendi,
era devido ao excesso de ácido, e chupavam-se
umas pastilhas, davam-se umas papas e bebiase muito leite. Mas porque houve alguém que
não tinha a certeza e veio a descobrir uma
bactéria, embora quando o disse foi ridicularizado.Vinte e seis anos depois tem o Prémio
Nobel da Medicina pela descoberta da bactéria. É fundamental manter essa humildade de
uma sabedoria de incerteza constante.
55
56
Gilberto Alves
Farmacêutico e Estudante de Doutoramento do Laboratório de Farmacologia; Faculdade de
Farmácia; Universidade de Coimbra
Nulita Lourenço
Médica Interna do Serviço de Medicina Interna; Hospital Amato Lusitano de Castelo Branco
Amílcar Falcão
Professor Catedrático do Laboratório de Farmacologia; Faculdade de Farmácia; Universidade
de Coimbra
(Parte I)
Tratamento Médico da Epilepsia
A Evolução na
Farmacoterapia
Introdução
O cérebro é talvez o órgão mais admirável
e enigmático do ser humano e continua a
inquietar toda a comunidade científica. A
última década do século passado foi considerada a “Década do Cérebro”. De facto, desde o
início dos anos 90 que se tem assistido a um
aumento exponencial da investigação na área
das neurociências. Os novos conhecimentos
têm, indubitavelmente, permitido um entendimento crescente das funções cerebrais e dos
mecanismos fisiopatológicos subjacentes a
diversos distúrbios neurológicos, porém, muito
mais estará ainda por desvendar. Na realidade,
apesar dos avanços recentes na genética e na
biologia molecular, do desenvolvimento de
novas técnicas de imagiologia e da descoberta
de novas estratégias terapêuticas, muitas são as
doenças neurológicas que continuam a afectar
a qualidade de vida de milhões de pessoas,
entre elas a epilepsia.
A epilepsia não é uma condição patológica única, mas antes uma família de diversas
perturbações do cérebro, de etiologias variadas, que têm em comum uma predisposição
aumentada para interrupções recorrentes e
imprevisíveis da função cerebral normal, designadas crises epilépticas (Fischer et al., 2005).
A epilepsia compreende, efectivamente, um
grupo heterogéneo de perturbações neurológicas com mais de 40 síndromas diferentes e
cujas manifestações clínicas apresentam grande
variabilidade (McNamara, 2006). Estima-se
que afectem cerca de 3% da população em
algum momento das suas vidas, com maior
incidência em doentes com menos de 1 ano
e naqueles com mais de 75 anos (Jarrar e
Buchhalter, 2003; Berkovic et al., 2006).
Nota
O artigo Tratamento Médico da Epilepsia é constituído por IV partes. Publicada neste número a Parte I – A Evolução na
Farmacoterapia, nos próximos três números da Ser Saúde são publicadas as partes II – A Cirurgia (Ser Saúde 12), III – A
Estimulação Vagal (Ser Saúde 13) e IV – A Dieta Cetogénica (Ser Saúde 14).
57
58
A epilepsia não é uma
condição patológica única,
mas antes uma família
de diversas perturbações
do cérebro, de etiologias
variadas, que têm em
comum uma predisposição
aumentada para interrupções
recorrentes e imprevisíveis
da função cerebral normal,
designadas crises epilépticas.
Opções terapêuticas
O tratamento das perturbações epilépticas é quase sempre multifacetado, ou seja, é
orientado em diversas vertentes de forma a
tratar as condições subjacentes que causam ou
contribuem para as crises, a evitar os factores
precipitantes e a suprimir as crises epilépticas,
sem esquecer alguns aspectos de natureza
psicológica e social. A terapia farmacológica
com os antiepilépticos disponíveis está estabelecida como a primeira opção terapêutica para
o controlo e prevenção das crises epilépticas,
porém, outras terapias não farmacológicas
como a cirurgia, a estimulação do nervo vago
e a dieta cetogénica parecem constituir alternativas a considerar nas situações de epilepsia
fármaco-resistente (Costa, 2002; Sheth,
Stafstrom e Hsu, 2005; Oijen et al., 2006).
Fármacos antiepilépticos
Apesar do progresso no entendimento da
patogénese das crises epilépticas, a base celular
da epilepsia humana não está ainda totalmente compreendida e, na ausência de uma
etiologia específica, a terapia farmacológica é
dirigida directamente ao controlo dos sintomas, ou seja, à abolição das crises (Loscher
e Schmidt, 2002). De facto, hoje, tal como
aconteceu no passado, a administração crónica
de fármacos antiepilépticos continua a ser a
modalidade de tratamento inicial para a vasta
maioria dos doentes com epilepsia (Glauser
et al., 2006). Então, os objectivos do tratamento da epilepsia passam por alcançar uma
condição de completa ausência de crises sem
originar efeitos adversos significativos, reduzir
a morbilidade e a mortalidade associada e,
naturalmente, melhorar a qualidade de vida
dos doentes (Gidal e Garnett, 2005; Sander,
2004).
boa tolerabilidade em animais de laboratório.
A partir desse momento a indústria farmacêutica e a academia começaram a explorar novos
métodos de indução de crises em animais e a
testar experimentalmente a potência anticonvulsivante das novas moléculas sintetizadas
(Krall et al., 1978). Desde a descoberta da
FNT até ao início dos anos 70 muitos foram
os fármacos antiepilépticos introduzidos na
clínica, designadamente, a primidona (PRM),
a etossuccimida (ESM), a carbamazepina
(CBZ), o ácido valpróico (AVP) e algumas
benzodiazepinas (BZDs), particularmente o
diazepam, o clonazepam (CNZ) e o clorazepato (Krall et al., 1978; Bazil e Pedley, 1998;
Perucca, 2001). O surgimento da maioria
destes fármacos proporcionou vantagens
importantes em relação ao FB, especialmente
uma melhor tolerabilidade e, concretamente
no caso do AVP, um espectro de eficácia mais
alargado contra os diferentes tipos de crises
(Perucca, 2001).
A abordagem farmacológica da epilepsia
com o intuito de prevenir a ocorrência das
crises epilépticas iniciou-se há cerca de 150
anos com a introdução dos brometos. Estes
compostos mostraram eficácia na redução
da frequência das crises e, apesar da sua toxicidade, constituíram os únicos compostos
usados durante cerca de 55 anos. Em 1912,
casualmente, foi descoberta a actividade antiepiléptica do fenobarbital (FB), o qual provou
ser mais eficaz e menos tóxico que os brometos. Mais tarde, em 1938, a fenitoína (FNT)
foi introduzida na prática clínica depois de ter
demonstrado actividade anticonvulsivante e
Até ao início da última década do século XX, proclamada a “Década do Cérebro”,
as opções farmacológicas disponíveis para
controlar a epilepsia limitavam-se aos principais antiepilépticos clássicos ou de primeira
geração tais como o FB, a FNT, a PRM, a
ESM, a CBZ, o AVP e algumas BZDs. No
entanto, estes fármacos mostraram-se insuficientes para responder com sucesso ao
pressuposto mais elementar do tratamento
da epilepsia, ou seja, ao controlo das crises
epilépticas. Estes fármacos antiepilépticos de
primeira geração possibilitam o controlo das
59
O tratamento das perturbações
epilépticas é quase sempre
multifacetado, ou seja, é
orientado em diversas vertentes
de forma a tratar as condições
subjacentes que causam ou
contribuem para as crises, a
evitar os factores precipitantes e
a suprimir as crises epilépticas,
sem esquecer alguns aspectos de
natureza psicológica e social.
60
Tabela 1
Tipos de crises epilépticas e principais opções farmacológicas
Tipos de crises
Opções Farmacológicas
1ª Linha
2ª Linha
Outras
CBZ, LTG, OXC,
AVP,TPM
GBP, LEV, PGB,
TGB, ZNS
CNZ, FNT, FB
a) Tónico-clónicas
CBZ, LTG, AVP,
TPM
LEV, OXC, ZNS
CNZ, FNT, FB
b) Ausências
ESM, LTG, AVP
CNZ,TPM
c) Mioclónicas
AVP,TPM
CNZ, LTG, LEV,
ZNS
d) Tónicas
LTG, AVP
CNZ,TPM, ZNS
e) Atónicas
LTG, AVP
CNZ,TPM, ZNS
1. Parciais
a) Com ou sem generalização
2. Generalizadas
FBM, LEV, FB,
FNT
ZNS, FBM, LEV,
FB
Adaptado de Ducan et al., 2006.
crises epilépticas somente em 50% dos doentes
que apresentam crises parciais e em 60/70%
daqueles que desenvolvem crises generalizadas (Ducan, 2002). Para além da ausência
do controlo das crises epilépticas em mais de
30% dos doentes, estes fármacos exibem uma
margem terapêutica estreita e uma variabilidade inter-individual pronunciada na sua
farmacocinética, sendo candidatos à monitorização farmacoterapêutica e à individualização
da posologia para minimizar a ocorrência de
efeitos adversos (Gatti et al., 2000; Johannessen
e Tomson, 2006). Infelizmente, alguns dos
efeitos indesejáveis são clinicamente relevantes, salientando-se a sedação causada pelo FB,
PRM e BZDs, as reacções de hipersensibilidade induzidas pela CBZ, a hiperplasia gengival
e o hirsutismo devidos à FNT e o aumento de
peso provocado pelo AVP (Gatti et al., 2000).
Estes fármacos muitas vezes podem também
causar distúrbios cognitivos, hematológicos e
endócrinos ou mesmo induzir efeitos teratogénicos (French, 2001; Beghi, 2004; Stefan e
Feuerstein, 2007). Além dos inconvenientes já
referidos, a maioria dos fármacos antiepilépticos de primeira geração apresenta um elevado
potencial para interacções farmacológicas,
pois são potentes indutores ou inibidores das
enzimas hepáticas, limitando a sua utilização
em regimes de politerapia (Brodie e French,
2000; Gatti et al., 2000; Beghi, 2004).
Face à necessidade de alternativas farmacológicas melhoradas e em resultado do
conhecimento crescente acerca da neurobiologia da epileptogénese, desde o início da
década de 90 que se tem assistido a progressos
consideráveis na farmacoterapia da epilepsia
(Bazil e Pedley, 1998; Loscher e Schmidt,
2002). A partir de então foram introduzidos
na prática clínica diversos novos fármacos
antiepiléticos ou de segunda geração, entre
eles a vigabatrina (VGB), o felbamato (FBM),
a gabapentina (GBP), a lamotrigina (LTG),
o topiramato (TPM), a tiagabina (TGB), a
oxcarbazepina (OXC), o levetiracetam (LEV),
a zonisamida (ZNS) e a pregabalina (PGB), e
de formulações melhoradas de alguns antiepilépticos de primeira ou de segunda geração
(Johannessen e Tomson, 2006; Bialer et al.,
2007; Stefan e Feuerstein, 2007).
O aparecimento repentino de uma nova
geração de fármacos antiepilépticos proporcionou um alargamento considerável nas
opções terapêuticas farmacológicas para
prevenir a ocorrência das crises epilépticas
parciais e generalizadas (Tabela 1), constituindo novas oportunidades para os doentes
com epilepsia intratável (French, 2001).
Efectivamente, o principal factor que
impulsionou o desenvolvimento dos antiepi-
61
Face à necessidade de
alternativas farmacológicas
melhoradas e em resultado
do conhecimento crescente
acerca da neurobiologia
da epileptogénese, desde
o início da década de 90
que se tem assistido a
progressos consideráveis na
farmacoterapia da epilepsia.
62
Tabela 2
Mecanismos de acção dos principais fármacos antiepilépticos
Mecanismo de acção
Fármacos Antiepilépticos
1ª Geração
2ª Geração
a) Bloqueio de canais de Na+
CBZ*, FNT*, AVP†
LTG*, OXC*, FBM#,
TPM#, ZNS#, GBP†
b) Bloqueio de canais de Ca2+
ESM*, FB†, AVP†
GBP*, PGB*, TPM#, ZNS#,
FBM†, LTG†, LEV†
2. Potenciação da neurotransmissão gabérgica
FB*, BZDs*, AVP#
TGB*, VGB*, FBM#, GBP#,
TPM#, LEV†
3. Redução da neurotransmissão glutamatérgica
FB†, AVP†
FBM#, TPM#, LEV†
1. Modulação dos canais iónicos
4. Ligação à proteína 2A das vesículas sinápticas
*
LEV*
Mecanismo primário; # Mecanismo provável; † Mecanismo possível.
Adaptado de Kwan e Brodie, 2006.
lépticos de segunda geração foi a necessidade
premente de controlar as crises epilépticas nos
doentes refractários aos antiepilépticos clássicos (Gatti et al., 2000). Contudo, os resultados
subsequentes não corresponderam às expectativas esperadas. Os estudos de eficácia com
os novos fármacos antiepilépticos, em terapia
adjuvante, têm indicado uma redução de 50%
na frequência das crises apenas em 32/37%
dos doentes refractários e quando consideradas as doses mais altas testadas (French, 2007).
Concretamente, apenas 15/20% dos doentes
refractários aos antiepilépticos clássicos parecem permanecer livres de crises ao usufruir
da terapia com os antiepilépticos de segunda
geração (Perucca, French e Bialer, 2007).
Em adição, nos doentes com epilepsia não
tratada ou recém diagnosticada, as evidências
decorrentes de diversos estudos clínicos em
monoterapia, não têm demonstrado uma
eficácia superior dos antiepilépticos de segunda geração comparativamente aos da primeira
geração, considerando vários tipos de crises
epilépticas em diferentes grupos etários
(Glauser et al., 2006).
Apesar dos novos fármacos antiepilépticos
não apresentarem uma eficácia claramente
superior em relação aos antiepilépticos clássicos, o valor adicional que representam para a
prática clínica é inquestionável. De facto, para
além de permitirem a redução na frequência
das crises em alguns doentes com um impacto positivo na qualidade de vida, oferecem
ainda um espectro de actividade alargado,
novos mecanismos de acção, um perfil de
tolerabilidade melhorado, características
farmacocinéticas favoráveis e menor potencial
de interacções farmacológicas (French, 2001;
Deckers et al., 2003).
Atendendo à cronicidade da epilepsia, à
elevada incidência em idades extremas e aos
inconvenientes evidenciados pelos antiepilépticos clássicos, as propriedades farmacológicas
melhoradas dos novos fármacos garantem
uma maior segurança no tratamento de determinadas populações especiais: crianças, idosos
e mulheres em idade fértil (Brodie e French,
2000; Leppik, 2001; Deckers et al., 2003;
Glauser et al., 2006). Por outro lado, quando
o tratamento em monoterapia não possibilita
um controlo adequado das crises epilépticas,
os regimes de politerapia são uma opção a
considerar. Efectivamente, os antiepilépticos
de segunda geração para além de proporcionarem um maior espectro de opções
disponíveis, apresentam ainda características
farmacológicas benéficas para os regimes de
terapia combinada. A combinação de fármacos antiepilépticos com mecanismos de acção
complementares parece ser uma opção bem
63
64
sucedida em alguns casos de epilepsia refractária (Stephan e Brodie, 2002; Kwan e Brodie,
2006). Os mecanismos de acção propostos
para os principais fármacos antiepilépticos são
apresentados na Tabela 2.
Globalmente, perante as evidências científicas actuais, os antiepilépticos de segunda
geração apenas são recomendados como
primeira escolha em condições clínicas específicas em que os antiepilépticos clássicos
tenham mostrado inefectividade ou estejam
contra-indicados (Perucca, 2002; Deckers et
al., 2003; Beghi, 2004; Glauser et al., 2006).
Porém, alguns dos novos fármacos antiepilépticos já são considerados fármacos de primeira
linha em diversos tipos de crises epilépticas
(Tabela 1). Neste momento é importante
focar que, embora os novos fármacos antiepilépticos pertençam a uma mesma geração,
todos eles são fármacos com características
próprias em que a relação risco/benefício
intrínseca a cada um deles deverá ser avaliada
individualmente e a sua utilização na terapêutica terá sempre que atender à situação clínica
específica do doente. As únicas propriedades
que estes fármacos partilham são uma experiência clínica a longo prazo mais limitada e um
maior custo que os antiepilépticos clássicos
(Tomson, 2004).
Infelizmente, a recente introdução na prática clínica de diversos fármacos antiepilépticos
não foi suficiente para reduzir substancialmente o número de doentes com epilepsia
intratável. De facto, apesar da disponibilidade
actual de mais de 15 fármacos antiepilépticos,
cerca de 30% dos doentes mantêm-se refractários à terapêutica farmacológica (Perucca,
French e Bialer, 2007). Mesmo nos doentes
em que a farmacoterapia é eficaz, os fármacos
antiepilépticos existentes parecem não impedir a progressão da epilepsia e, por vezes, os
efeitos laterais que apresentam impedem o seu
uso continuado. Além disso, os antiepilépticos
actualmente disponíveis parecem não interromper o desenvolvimento da epilepsia após
determinados danos iniciais, tais como traumatismo craniano e acidente vascular cerebral
(Loscher e Schmidt, 2006).
Neste momento, mais de 20 novos compostos com actividade antiepiléptica potencial
estão em diferentes fases de desenvolvimento
clínico e alguns deles parecem ser candidatos para a neuroprotecção (Perucca, French
e Bialer, 2007; Stefan e Feuerstein, 2007).
Alguns destes novos candidatos a fármacos
antiepilépticos são análogos estruturais de
fármacos antiepilépticos já existentes, outros
visam modular substratos fisiológicos específicos implicados na geração e propagação
das crises epilépticas e outros ainda resultaram
de processos de screening em vários modelos
animais apropriados para a identificação de
compostos com acção anticonvulsivante
(Bialer, 2006; Perucca, French e Bialer, 2007).
Por outro lado, quando o
tratamento em monoterapia
não possibilita um controlo
adequado das crises
epilépticas, os regimes de
politerapia são uma opção
a considerar. Efectivamente,
os antiepilépticos de
segunda geração para além
de proporcionarem um
maior espectro de opções
disponíveis, apresentam ainda
características farmacológicas
benéficas para os regimes de
terapia combinada.
65
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66
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Conclusão
Perante a situação actual persiste a necessidade de uma terceira geração de fármacos
antiepilépticos, mais eficazes e melhor tolerados, que para além da prevenção e supressão
das crises epilépticas exibam propriedades
antiepileptogénicas e neuroprotectoras que
permitam modificar a história natural da
doença e o perfil actual de fármaco-resistência.
Assim, o número elevado de moléculas com
actividade antiepiléptica potencial, presentemente em ensaios clínicos, é mais um sinal de
esperança para os doentes com epilepsia não
controlada.
67
Ana Azevedo
Licenciada em Enfermagem, Enfermeira Especialista em Saúde Materna e Obstétrica,
docente na Escola Superior de Saúde de Bragança, mestranda em Ciências de Enfermagem
Isabel Maia
Licenciada em Enfermagem, docente no ISAVE, Instituto Superior de Saúde do Alto Ave,
mestranda em Ciências de Enfermagem
João Pedro
Licenciado em Enfermagem, Enfermeiro Graduado no Serviço de Medicina no Hospital
Pediátrico de Coimbra, mestrando em Ciências de Enfermagem
Jorge Ribeiro
Licenciado em Enfermagem, Enfermeiro Especialista em Enfermagem Médico-cirúrgica,
Enfermeiro Graduado no Serviço de Neurocirurgia 1 dos Hospitais da Universidade de
Coimbra, mestrando em Ciências de Enfermagem
Marta Barbosa
Enfermeira no Serviço de Hemato-oncologia do Instituto de Oncologia do Porto, mestranda
em Ciências de Enfermagem
68
Abordagem autónoma
Resumo
A dor é um fenómeno complexo, uma
realidade com um grau de abstracção e indefinição sujeita a constantes transformações, que
pode interferir nas vertentes biofisiológicas,
bioquímicas, psicossociais, comportamentais
e morais das pessoas. É, portanto, difícil de
definir. No entanto, esta dificuldade não deve,
em momento algum, interferir na sua valorização, compreensão e, consequentemente, seu
controlo.
O controlo da dor é um desafio que deverá
estar presente no dia-a-dia de qualquer profissional de saúde e que, «pode e deve ser tratada,
com perspectivas de êxito proporcionais ao
entendimento que dela temos e fazemos, à
adequação e preparação científica dos serviços
e profissionais de saúde envolvidos e ao manejo judicioso de todos os recursos, técnicos
e humanos disponíveis» (Direcção Geral de
Saúde, 2001).
69
do enfermeiro na dor
A singularidade e individualidade de cada
pessoa confere ao fenómeno dor um carácter
subjectivo e único que depende da percepção
individual, da percepção do utente, influenciada por vários factores mas, também, da
percepção do enfermeiro, sendo, mais uma
vez, fundamental salientar a importância da
sensibilização para este fenómeno e do desenvolvimento de uma relação terapêutica que irá
consolidar a comunicação e a confiança entre
enfermeiro/utente, pilar preponderante para o
estabelecimento do plano terapêutico.
Com este propósito, iremos, inicialmente,
referir algumas definições de dor e sua evolução histórica enquanto preocupação humana,
bem como abordar questões relacionadas com
a percepção da dor, actividade neurofisiológica, características e tipos de dor e a sua
avaliação. De seguida, iremos contextualizar
as intervenções autónomas dos enfermeiros
nesta temática e proceder a abordagem de
intervenções não farmacológicas. Utilizaremos
como metodologia a pesquisa bibliográfica e a
reflexão, individual e em grupo.
Dor
O conceito dor tem evoluído, fruto de investigações,
experiências e estudos acerca desta problemática.Vários autores
debruçaram-se sobre esta temática, dedicaram-se ao estudo
da dor e tentaram elaborar um conceito que a definisse
claramente.
A International Association for the Study of Pain, IASP,
define dor como «uma experiência sensorial e emocional
desagradável, associada a dano tecidular presente ou potencial,
ou descrita em termos de tal dano» (CORDEIRO et al,
2005). Passa a estar implícito o seu carácter subjectivo como
corroborado por MCCAFFERY (1989) quando diz que dor
«…é aquilo que a pessoa que está a sentir diz que é…».
70
Ainda de acordo com a Classificação Internacional para
a Prática de Enfermagem, CIPE, (2000), «dor é um tipo
de sensação com as características específicas: aumento
da percepção sensorial de partes do corpo habitualmente
acompanhada por experiência subjectiva de sofrimento
intenso, com expressão facial característica, olhos baços e
apagados, olhar sofrido, movimento facial fixo ou disperso,
esgares, alteração do tónus muscular, variação da apatia à
rigidez, comportamento autoprotector, estreitamento do
foco de atenção, alteração da percepção do tempo, fuga do
contacto social, compromisso do processo de pensamento,
comportamento de distracção marcado por gemidos, choro,
andar a passos largos, procurar sem descanso outras pessoas ou
actividades…».
Devido a este carácter subjectivo torna-se praticamente
inviável uma definição mais objectiva que restrinja o âmbito
de avaliação da dor. Não há meios objectivos para confirmação
da existência de dor.
Na tentativa de objectivar o mais possível a abordagem à
dor, a Direcção Geral de Saúde, em 2003, considera a dor
como o 5º Sinal Vital e define-a como «…uma experiência
multidimensional desagradável que envolve não só a
componente sensorial como uma componente emocional da
pessoa que a sofre. Por outro lado, a dor associa-se ou é descrita
como associada a uma lesão tecidular concreta ou potencial».
Assim, e dada a sua complexidade/subjectividade importa
fazer uma abordagem da pessoa e do seu quadro de dor da
forma o mais abrangente possível para melhor conhecer o que
está a ser vivenciado. A partir deste pressuposto será possível
planear estratégias conjuntas, as mais adequadas possíveis àquela
pessoa, para controlo eficaz da dor.
Percepção da dor
Existe no fenómeno da dor um marcado
toque pessoal, constituindo uma experiência
singular, cuja percepção pode ser influenciada
por vários componentes, segundo Metzger et
al (2002).
A dor é um fenómeno
complexo, uma realidade
com um grau de abstracção
e indefinição sujeita a
constantes transformações,
que pode interferir nas
vertentes biofisiológicas,
bioquímicas, psicossociais,
comportamentais e morais
das pessoas. É, portanto,
difícil de definir. No entanto,
esta dificuldade não deve, em
momento algum, interferir na
sua valorização, compreensão
e, consequentemente, seu
controlo.
Componente sensório-discriminativa
Corresponde aos aspectos qualitativos e
quantitativos da sensação dolorosa, ou seja,
aquilo que a pessoa sente. Algumas questões
simples permitem delimitar esta componente. Onde se localiza a dor? Em que sítio? É
superficial ou profunda? Tem irradiação? A
que se assemelha? Qual é a sua intensidade? O
que a alivia ou agrava?
A componente sensório-discriminativa
tem valor semiológico porque as respostas às
perguntas feitas permitem evocar possíveis
causas. Esta componente é a que com mais
frequência é evidenciada.
Componente afectiva e emocional
Corresponde aos aspectos desagradáveis e
penosos da dor, isto é, ao modo como a pessoa
a sente. A dor pode ser descrita como um
simples mal-estar suportável ou como penosa,
terrível, fatigante, deprimente e insuportável.
A componente afectiva e emocional depende
essencialmente do carácter e da personalidade
da pessoa que a sente.
Componente cognitiva
Corresponde aos processos mentais postos
em jogo pela dor, ou seja, aos significados
(conscientes ou não) que o doente lhe atribui.
Esta componente depende, eminentemente, de factores sócio-culturais bem como
da história pessoal e familiar da pessoa. São
muitos os factores intricados de modo determinante na componente cognitiva. A relação
que o indivíduo mantém com a dor, depende,
antes de mais, da sua educação, do meio familiar e social em que cresceu, sendo primordial
a atenção que esse meio prestou aos acidentes
dolorosos na infância. Como qualquer dor
inflige limitação dos movimentos do corpo, a
71
72
relação com este, que depende da educação e
da profissão, influencia igualmente os processos
cognitivos. A natureza da afecção responsável
pela dor condiciona-a igualmente, porque é
evidente que o significado não é o mesmo
consoante se trate de uma afecção de evolução
aguda, curável, ou de uma afecção grave de
evolução inelutável. Por fim, as circunstâncias
em que a dor sobrevém, assim como os eventuais benefícios primários (atenção dispensada
ao doente, isenção de impostos pesados) ou
secundários (compensação financeira no caso
de acidente de trabalho) também influenciam
o significado da experiência dolorosa.
Componente comportamental
Corresponde ao conjunto de todas as
manifestações da dor, conscientes ou não.
Entre as manifestações inconscientes existem,
para além das reacções neuro-endócrinas e
neurovegetativas, manifestações não verbais,
ou seja, atitudes e mímicas, bem como manifestações verbais, palavras e expressões, que
podem traduzir muito sobre a origem da dor.
As dores violentas revelam-se, quase sempre,
através de manifestações extremas: gritos,
lamentações, palavrões, choro, palidez, taquicardia ou bradicardia que podem levar à perda
de consciência.
Atendendo aos elementos evocados pelas
componentes cognitivas e afectivo-emocionais, compreende-se que, apesar de um
mesmo mecanismo e de uma mesma causa
de dor, as pessoas não se queixam todos da
mesma maneira.
Características e tipos de dor
No que respeita à duração, METZGER et
al (2002) considera a dor aguda e crónica.
Assim, sistematizando podemos considerar
a dor aguda aquela que é provocada por
uma lesão interna ou externa, cuja intensidade se correlaciona com o estímulo
desencadeante, é claramente localizada e tem,
como já foi exposto, uma função de advertência e protecção.
A dor crónica é aquela com duração
superior a seis meses, que não se associa à
ocorrência que a provocou, cuja intensidade
deixa de estar correlacionada com um estímulo causal, sem função de advertência ou
protecção, e que se tornou por si só numa
doença, o que representa um desafio terapêutico especial.
A dor nociceptiva surge por estimulação
dos nociceptores e pode estar relacionada
com um estímulo sem lesão tecidular como
no caso do choque eléctrico e, se não alterar o
funcionamento das vias nociceptivas, provoca
uma dor passageira; ou derivar de uma lesão
tecidular real que pode ser aguda, como é o
caso das queimaduras e fracturas, ou crónica,
como é o caso do cancro em evolução Nestes
casos (lesão tecidular real) podem surgir fenómenos de sensibilidade periférica ou central.
A dor neuropática surge no decurso
de uma lesão do sistema nervoso central ou
periférico, com diminuição dos mecanismos
A singularidade e
individualidade de cada
pessoa confere ao fenómeno
dor um carácter subjectivo
e único que depende da
percepção individual, da
percepção do utente,
influenciada por vários
factores mas, também, da
percepção do enfermeiro,
sendo, mais uma vez,
fundamental salientar a
importância da sensibilização
para este fenómeno e do
desenvolvimento de uma
relação terapêutica que irá
consolidar a comunicação e a
confiança entre enfermeiro/
utente, pilar preponderante
para o estabelecimento do
plano terapêutico.
inibidores nociceptivos, por disfunção das vias
nociceptivas, ou por irritação/lesão de qualquer um dos elementos que as constituem.
Estas alterações podem ser de origem traumática, tóxica, metabólica, entre outras.
A dor psicogénica parece não possuir
uma base fisiológica. Na ausência comprovada
de qualquer prejuízo orgânico observável, as
queixas dolorosas referidas podem ser devidas
a patologia rara desconhecida, patologia qualificada de funcional, enquadrada nas afecções
psicossomáticas ou uma psicopatologia.
Avaliação da dor
Os profissionais de Enfermagem têm dedicado cada vez mais importância à avaliação e
controle da dor. A avaliação é uma actividade
integrante das suas funções, por ser indispensável, de acordo com os padrões de qualidade
da Ordem dos Enfermeiros, à excelência e
qualidade dos cuidados de saúde prestados.
Uma avaliação da dor a mais correcta e
objectiva possível é o ponto de partida para o
início e optimização das medidas de controlo deste sintoma tão temido. Esta premissa
levanta algumas questões, como a dificuldade
em conhecer o desconforto real vivenciado
pela pessoa com dor, as respostas e adaptações
orgânicas diferentes relativamente à dor e a
interpretação de escalas de avaliação da dor
numa perspectiva que não a das pessoas com
dor.
73
Cada pessoa experimenta e expressa a
dor de forma única, assim como lhe atribui
significados ou explicações pessoais diferentes.
Os significados que o enfermeiro atribui à
dor podem interferir e não corresponder à
avaliação que o doente esperava. Avaliar a dor
é muito mais do que tornar objectivo algo
subjectivo e pessoal. Avaliar a dor é descobrir
a verdadeira natureza e o significado da experiência e vivência dolorosa, ou seja, engloba
um conjunto de informações, história de
dor, que são fundamentais para a identificar e
quantificar.
74
METZGER et al (2002), salienta a ideia
de que para efectuar uma correcta avaliação
da dor o enfermeiro deve apoiar-se numa
entrevista e na observação, tendo também em
consideração os aspectos comportamentais e
fisiológicos da pessoa, não esquecendo que
estes não podem ser utilizados como indicadores exclusivos da existência de dor, na
medida em que, muitas vezes, algumas pessoas
fazem algum esforço para a tentar ocultar do
enfermeiro.
A avaliação da dor deve começar por uma
entrevista destinada a recolher a história da dor
vivida pelo doente. Não deve ser exaustiva, no
entanto, de acordo com CARDOSO (1999),
deve permitir dar uma série de resposta:
• História de vida do doente;
• Circunstâncias em que a dor aparece;
• História da dor;
• Localização da dor;
• Qualidade da dor;
• Frequência da dor;
• Intensidade da dor;
• Repercussões sobre as actividades de vida
e sobre a qualidade de vida.
A relação que o indivíduo
mantém com a dor, depende,
antes de mais, da sua
educação, do meio familiar e
social em que cresceu, sendo
primordial a atenção que esse
meio prestou aos acidentes
dolorosos na infância.
Como qualquer dor inflige
limitação dos movimentos do
corpo, a relação com este,
que depende da educação
e da profissão, influencia
igualmente os processos
cognitivos.
Quantificação da dor
O Plano Nacional de Luta Contra a Dor
(2001) denomina a dor como um verdadeiro
problema de saúde pública em virtude das incapacidades por ela geradas e a grande influência
na qualidade de vida de cada um, assim como
o impacto económico derivado do nível de
absentismo por ela provocado. Trata-se de uma
área que importa explorar para melhor conhecer, valorizar e definir actuações ajustadas.
Na avaliação da dor, o auto-relato deve ser
uma fonte primordial para a avaliação, podendo igualmente recorrer-se ao uso de escalas de
avaliação da dor para melhor a quantificar e
objectivar.
Para a avaliação da dor existem dois métodos,
a auto-avaliação, avaliação realizada pelo próprio,
em que a pessoa quantifica a sua dor com base
no significado e percepção da sua experiência
dolorosa, e a hetero-avaliação feita pelo enfermeiro, utilizando escalas comportamentais
ou mistas (contendo itens fisiológicos e itens
comportamentais). Este método de avaliação
apenas deve ser realizado quando a auto-avaliação é impossível.
A circular normativa da Direcção Geral de
Saúde em consonância com a Comissão de
Acompanhamento do Plano Nacional de
Luta contra a Dor considera como norma de
boa prática a utilização para mensuração da
intensidade da dor, uma das seguintes escalas
validadas internacionalmente, Escala Visual
Analógica convertida em escala numérica para
efeitos de registo, Escala Numérica, Escala
Qualitativa ou Escala de faces.
Autonomia do enfermeiro no
controlo da dor
MCCaffery (1989) salienta que a profissão de enfermagem deve interiorizar que a
avaliação e o controle da dor é uma responsabilidade dos enfermeiros.
É conhecido pelo senso comum que nas
unidades de saúde são os enfermeiros que
mais tempo passam com os doentes, com os
quais estabelecem uma ligação mais directa.
No dia-a-dia os enfermeiros têm o dever
de avaliar e controlar a dor dos doentes que
cuidam, contribuindo para a satisfação das
suas necessidades.
Sendo assim, o alívio da dor é um direito
do doente e um dever dos profissionais de
saúde.Torna-se urgente e eticamente correcto
o seu alívio, pois é uma experiência negativa
não só a nível físico, mas também psíquico,
social e espiritual. Na presença de um doente
com dor torna-se necessário que o enfermeiro conheça o ponto de vista deste em relação
à sua dor. Por vezes, esta é considerada numa
perspectiva biológica, sendo o resultado de
uma doença física, e ignora-se o seu aspecto
pessoal, ou seja, é imprescindível estabelecer
com o doente uma relação de empatia e
compreensão para que o enfermeiro consiga
ajudar, tendo como objectivo controlar a dor.
O enfermeiro intervém no controlo da dor
através da sua avaliação, ensinos, intervenções
farmacológicas e não farmacológicas, monitorizando a eficácia das mesmas e os efeitos
adversos.
75
Os factores intrínsecos ao cuidador, enfermeiro, são também para ter em consideração.
O enfermeiro é também uma pessoa com
um passado de vivências e com percepções
próprias. Os juízos que faz enquanto profissional, assim como a sua tomada de decisão,
são influenciados pela sua subjectividade.
Ao considerar a dor como o 5º sinal vital,
tentou-se objectivar tanto quanto possível
a intensidade da dor para que seja percebida
da mesma forma por todos os cuidadores. O
mesmo tende a acontecer com as intervenções
a levar a cabo para o controlo da dor.
76
Conforme as orientações do Plano Nacional
de Luta Contra a Dor, se nos debruçarmos
sobre a vertente do ensino/educação para a
saúde, o nosso objectivo será a colaboração do
cliente, de forma esclarecida, no controlo da
dor.
De acordo com WATSON (2003) é o
doente quem sabe o que dói e quem presta os
cuidados deve permitir que a orientação do
processo terapêutico parta do doente.
Assim a auto-ajuda passa por:
• Ensino sobre a auto-avaliação da dor;
• Ensino sobre as formas de controlo dos
estímulos desencadeantes da dor e dos sintomas que podem diminuir a sua tolerância;
• Ensino relativo à medicação antiálgica;
• Ensino sobre o auto-controlo da dor
(técnicas não farmacológicas).
São diversas as oportunidades de actuação
para o enfermeiro recorrendo a medidas não
farmacológicas. No âmbito deste tipo de actuação importa ter presente que são um número
considerável aquelas que podem, com facilidade, integrar as intervenções de enfermagem,
do plano de cuidados de um doente com dor.
São medidas simples, de conforto e aumento
do bem-estar que o enfermeiro pode colocar
em prática. Este tipo de intervenção será mais
explorado no capítulo seguinte.
Nas questões de saúde, em geral, e no alívio/
controlo da dor, em particular, haverá toda a
vantagem em aproveitar o que cada vertente
tem para oferecer. Assim, seria ideal a adopção
de uma abordagem integral (ou integrada) em
que o objectivo primordial seria o melhorar
a qualidade de vida da pessoa, como defende
CAVALHEIRO citado por MALTA (2003).
As intervenções farmacológicas, resultantes
da administração de medicação, são também
áreas de intervenção do enfermeiro. A questão
da autonomia a elas inerente é ainda alvo de
discussão.
Assim, as tendências actuais, seja para
intervenções farmacológicas ou não farmacológicas, rumam para a diminuição do juízo
individual. Tem-se vindo a tentar protocolar
uma hierarquia de intervenções (farmacológicas e não farmacológicas). Se cada um reflectir
sobre a sua realidade de trabalho, poucos são
os que não chegarão à conclusão de que, ainda
que informal, o seu serviço tem uma forma
de actuação comum aos vários elementos da
equipa. São os valores que se perpetuam na
integração de novos elementos, que se partilham em passagem de turno.
Cada pessoa experimenta
e expressa a dor de
forma única, assim como
lhe atribui significados
ou explicações pessoais
diferentes. Os significados
que o enfermeiro atribui à
dor podem interferir e não
corresponder à avaliação
que o doente esperava.
Avaliar a dor é muito mais
do que tornar objectivo
algo subjectivo e pessoal.
Avaliar a dor é descobrir
a verdadeira natureza e o
significado da experiência e
vivência dolorosa, ou seja,
engloba um conjunto de
informações, história de dor,
que são fundamentais para a
identificar e quantificar.
Intervenções não farmacológicas no
controlo da dor
A tolerância à dor é diferente de pessoa para
pessoa e no próprio indivíduo, a intensidade
pode variar de acordo com diversos factores, pelo que o seu tratamento constitui um
desafio para os profissionais de saúde e, em
particular, para os enfermeiros.
Para Caunt (1993) a dor pode ser controlada com métodos farmacológicos e/ou não
farmacológicos, estes últimos mais no âmbito
específico das intervenções autónomas de
enfermagem.
As actividades autónomas da enfermagem
no controlo da dor passam pelo uso de técnicas que podem não eliminar totalmente a dor,
mas pelo menos vão actuar como adjuvantes
de outras medidas terapêuticas.
As técnicas seleccionadas podem ser utilizadas em ambiente hospitalar e fazem parte da
intervenção autónoma do enfermeiro porque,
como referimos no capítulo anterior, dependem do diagnóstico, prescrição e avaliação
deste.
77
Ambiente físico
O enfermeiro desenvolve um papel
fundamental na promoção de um ambiente
terapêutico, isto é, optimiza todas as vertentes
do ambiente de forma a proporcionar bemestar físico, psicológico, emocional e espiritual
ao doente.
Ruído
CARR (1990) acrescenta que o nível
excessivo de ruído pode causar ainda irritação,
frustração e agressividade, pelo que o enfermeiro deve, sempre que possível, promover
um ambiente isento de ruído (actividades
desenvolvidas, equipamento utilizado, horário
de visitas).
Temperatura ambiente
Compreende-se que um quarto extremamente aquecido ou arrefecido possa
contribuir para um mau-estar que alguns
doentes referem. Do mesmo modo, vestuário
limpo, uma mudança de roupa de cama e
esforços para manter a pessoa fresca são medidas que frequentemente aumentam o nível de
conforto e melhoram a eficácia das medidas
de controlo da dor.
Termoterapia
Representa a utilização do calor e/ou do
frio com intuitos terapêuticos. Podem ser
utilizados sacos específicos (contendo algodão
e sílica) que provocam uma libertação gradual
do calor.
78
Iluminação
É fundamental na concepção dos espaços de
cuidados incorporar o máximo possível de luz
natural balanceada com a luz artificial. Nestes
espaços a iluminação deve ser projectada para
aumentar a capacidade funcional do indivíduo, minimizar o desconforto e potenciar um
completo bem-estar. O acesso à luz natural
deve ser promovido por ocorrer estimulação
dos sistemas circadianos e neuro-endócrino
que regulam a homeostase do organismo,
contudo tal exposição requer ponderação de
acordo com a situação clínica de cada doente.
Odor
Este é provavelmente o mais subestimado
de todos os sentidos, apesar da sua grande
influência no bem-estar do cliente, nomeadamente na sensação de dor.
Calor
Consiste na aplicação de água quente
provocando vasodilatação e suavização do
tecido, o que permite a eliminação do material tóxico do corpo com diminuição do
espasmo muscular e relaxamento dos músculos do tracto gastrointestinal. O calor pode ser
aplicado em forma de esponja, compressas ou
panos quentes. Está contra indicado nas situações de pós trauma, massa tumoral e doença
vascular periférica.
Frio
O frio estimula a síntese de noradrenalina
cuja secreção excessiva faz com que uma
pessoa se sinta controlada, confiante e excitada. O frio também retarda a condução do
impulso, mantendo o tónus muscular e relaxando o músculo.A aplicação de gelo provoca
vasoconstrição, reduz ou evita o edema, diminui a inflamação e alivia a dor (pós-traumática
inicial). Está contra indicado nas seguintes
situações: doença vascular periférica, doença
cardíaca, sensibilidade ao frio e aumento da
dor com a sua aplicação.
79
Precauções na utilização do calor e
crioterapia:
• Proteger a pele com toalhas;
• Não exceder os vinte minutos de aplicação;
• Verificar se existem sinais de lesão de cinco
em cinco minutos;
• Redobrar a atenção em pessoas com a
sensibilidade diminuída ou com limitações da
comunicação.
80
Mobilização
Neste contexto o enfermeiro tem um papel
crucial quando o doente não é independente
na sua mobilidade. Apresentam-se seguidamente as considerações de METZGER et al
(2002) e de CAMPOS et al (2001) relativas às
questões da mobilização no controlo da dor.
Factores de atenuação da dor
Para o doente:
• Para evitar qualquer sensação de insegurança (apreensão, medo antes da mobilização,
medo de cair) e consequentemente reflexos
de defesa, rigidez e crispações que dificultariam a mobilização, é necessário explicar ao
doente os objectivos da manobra e a ajuda
que se espera dele;
• Aquando da mobilização é necessário não
esquecer a configuração vertebral do doente,
respeitar e apoiar as articulações e restantes
partes do corpo. Será igualmente necessário
atender à fragilidade óssea de alguns doentes
(idosos, doentes oncológicos com metástases
ósseas) e à existência de equipamentos terapêuticos (sonda nasal, tubo endotraqueal, sonda
nasogástrica, sonda vesical, cateteres periféricos
ou centrais, drenos).
Para o(a) enfermeiro(a):
• Executar gestos precisos, coerentes,
concertados e sincronizados com os do
ajudante, sem precipitação;
• Utilizar técnicas de postura correcta (costas
direitas, joelhos flectidos, braços estendidos);
• Usar calçado anti-derrapante para garantir
apoio estável e vestuário amplo para facilitar
os movimentos.
Posicionamentos
Consiste em alternar os decúbitos do doente
(com ou sem a sua colaboração), respeitando a
posição anatómica, o peso corporal e as zonas
de proeminência óssea e atendendo à caracterização da sua dor, às limitações decorrentes
da doença ou da intervenção cirúrgica a que
tenha sido submetido. Tem como objectivos:
estimular a circulação, respiração, eliminação e
exercício; facilitar a mobilidade de secreções
brônquicas; manter a amplitude articular;
manter a integridade cutânea; prevenir atrofias musculares; proporcionar conforto e
bem-estar; alternar o campo visual e favorecer
a independência do cliente. O doente pode
ser posicionado na cama ou num cadeirão,
quando possível. Por vezes, exige a colaboração de várias pessoas e de algum equipamento
(almofadas, lençóis, talas ou outros suportes
ortopédicos).
Toque
É uma técnica que tem por base a comunicação com a finalidade de compreender
melhor o empenhamento recíproco na relação
de intimidade, confidencialidade e confiança
entre o enfermeiro e o doente. Permite ao
enfermeiro modelar-se progressivamente
enquanto indivíduo e profissional e ajustar-se
continuamente à procura da ética e distância ideal do gesto nos cuidados (Sociedade
Francesa de Acompanhamento e de Cuidados
Paliativos, 1999).
Num caso de experiência de dor, o simples
estar por parte do enfermeiro pode contribuir
para a redução da ansiedade com consequente
diminuição da dor. O toque é também uma
técnica de comunicação na qual o enfermeiro
consegue transmitir alguma sensação de tranquilidade ao doente, pois muitas vezes este
gesto tão simples é interpretado pelas pessoas
como presença se algo acontecer, que a pessoa
não se encontra só, há alguém que toma conta
dela.
81
82
Técnicas de relaxamento
O relaxamento muscular progressivo e o
relaxamento pela respiração são as duas técnicas mais difundidas.
O relaxamento progressivo dos grupos
musculares foi desenvolvido pela primeira vez
por Jacobson, o qual refere que a ansiedade
e o relaxamento muscular produzem estados
fisiológicos antagónicos, logo não podem
coexistir. Este tipo de relaxamento consiste
num processo gradual de contracção (tensão
muscular) e relaxamento de todos os grandes
grupos musculares. No final da técnica esperase que todos os músculos estejam relaxados.
O exercício respiratório tem um papel
fundamental no controle da dor. Inspirações e
expirações lentas e profundas à medida que a
dor aumenta até à respiração superficial quando esta atinge o seu máximo. Estes exercícios
têm especial utilidade em procedimentos
dolorosos de curta duração.
O treino autógeno, desenvolvido por
Schutz, é uma técnica de relaxamento e
controlo fisiológico que usa a auto-sugestão;
a pessoa repete para si mesma, frases sugerindo
alterações no sentido do relaxamento e do
auto-controlo. (METZGER et al 2002).
Técnica de imaginação guiada
A imaginação é uma forma de aliviar a dor
através de vários mecanismos e constitui uma
intervenção semelhante à distracção, excepto
o facto de que com esta abordagem a pessoa
concentra-se em tentar reviver as situações
que tenham ocorrido durante uma experiência agradável anterior.
Técnicas de distracção
Esta técnica tem como objectivo encorajar
e incentivar a pessoa com dor a focar a sua
atenção numa imagem ou estímulo especial,
«relegando» para segundo plano a dor. Como
exemplos de técnicas de distracção a serem
utilizadas temos: jogar jogos; técnicas de respiração; assistir a filmes; ler; cantar mentalmente;
marcar o compasso de uma música com os
pés e com as mãos; imaginar cenas agradáveis.
O objectivo é produzir relaxamento, praticar
o bem-estar, retirar o foco da dor e diminuir a
sua percepção.
Aromaterapia
A aromaterapia é uma arte antiga. Já há
mais de 6 mil anos que o valor de óleos de
plantas naturais foi reconhecido, quer pelas
suas propriedades curativas, purificadoras e
de melhoria do estado de espírito, quer pelo
prazer das suas fragrâncias (McGILVERY et
al., 1998).
A arte da aromaterapia faz uso das potentes essências puras das plantas, flores e resinas
aromáticas, actuando nos sentidos do olfacto
e do tacto, para restabelecer a harmonia do
corpo e da mente.
Sendo assim, o alívio da dor é um direito do doente e um dever
dos profissionais de saúde. Torna-se urgente e eticamente
correcto o seu alívio, pois é uma experiência negativa não só a
nível físico, mas também psíquico, social e espiritual. Na presença
de um doente com dor torna-se necessário que o enfermeiro
conheça o ponto de vista deste em relação à sua dor.
83
Uso da música
Sendo a dor uma experiência pessoal e
sensorial, a música altera a percepção de dor
e desvia a atenção do foco doloroso, constituindo um método de distracção. Diminui
também a ansiedade, promovendo a qualidade
do sono. O uso da música pressupõe que o
doente escolha a que mais lhe agrada (BLACK
& JACOBS, 1996).
Massagem
É uma técnica terapêutica manual que
consiste na aplicação de uma série de movimentos que proporcionam um intercâmbio
entre o emissor (terapeuta) e receptor (doente) cujo objectivo final é a eliminação das
tensões, é a linguagem do tacto, ou linguagem
estabelecida através da pele, é uma transmissão
e uma forma de estabelecer uma comunicação ou conexão sem palavras, é um conjunto
de toques exercidos sobre o corpo. Segundo
a Sociedade Francesa de Acompanhamento
e de Cuidados Paliativos SFAP (1999), é um
acto privilegiado que permite comunicar
calor humano, apaziguar e não é invasivo.
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Enfermeiros, 2000. ISBN 972 – 98149-1-0.
CORDEIRO, Sara; [et al.] – O Cancro e a Qualidade de
… Podemos dizer que o
enfermeiro assume um
papel preponderante no
reconhecimento e avaliação
da dor, sendo o elemento da
equipa multidisciplinar que
pode ter grande influência
na decisão das estratégias a
aplicar.
Conclusão
A abordagem da percepção da dor como
experiência singular e pessoal e a importância
de sensibilizar os enfermeiros o seu controlo,
bem como da relação terapêutica de fundamental estabelecimento, vem dar ênfase à
nossa visão deste fenómeno.
Igualmente relevante foi o desenvolvimento
da temática sobre a autonomia/intervenções
autónomas dos enfermeiros no controlo da
dor. E, de acordo com a teoria de Watson, os
enfermeiros podem estabelecer uma colaboração para auxiliar a pessoa a obter controlo,
conhecimento e saúde.
Desta forma, e após a reflexão efectuada,
podemos dizer que o enfermeiro assume um
papel preponderante no reconhecimento e
avaliação da dor, sendo o elemento da equipa
multidisciplinar que pode ter grande influência na decisão das estratégias a aplicar.
85
Felipe José Aidar
Departamento de Ciências do Desporto, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro;
Coordenadoria Estadual de Defesa Civil de Minas Gerais, Gabinete Militar do Governador
(CEDEC/GMG – MG), Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil; Corpo de Bombeiros Militar de
Minas Gerais
André Carneiro
Faculdades Unidades do Norte de Minas (FUNORTE), Montes Claros, Minas Gerais, Brasil
António Silva
Departamento de Ciências do Desporto, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
Victor Reis
Departamento de Ciências do Desporto, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
Nuno Garrido
Departamento de Ciências do Desporto, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
Rui Vieira
FTCD
Palavras-chave: Paralisia cerebral, exercícios aquáticos, função social
Este artigo foi originalmente publicado na revista Motricidade, vol. 02, n.º 02, Abril 2006
86
Paralisia Cerebral
e actividades aquáticas:
Resumo
Fundamentação: Os casos de Paralisia
Cerebral (PC) têm aumentado nas últimas
décadas em todo o mundo. No Brasil, estimase que existam cerca de 30 mil a 40 mil novos
casos ano. A PC afecta o sistema nervoso
central, sendo que a disfunção está predominantemente aliada à parte sensoriomotor,
com distúrbios de tónus muscular, postura e
movimentação involuntária.
Objectivo: Avaliar a área da função social
em portadores de paralisia cerebral submetidos
a um programa de actividades físicas aquáticas,
com adopção do Inventário de Avaliação
Pediátrica de Disfunção (PEDI).
87
aspectos ligados
à saúde e função social
Materiais e métodos: Foram acompanhadas 27 crianças portadoras de PC nas suas
manifestações, predominantemente, espástica e
atetosa, com idade variando de um ano e três
meses a seis anos e sete meses. Foi utilizada
a avaliação da função social no que se refere
à assistência do adulto e sua melhoria antes e
depois da prática de exercícios físicos aquáticos. Foi utilizado para a avaliação o Pediatric
Evaluation Disability Inventory – PEDI, na parte
de função social.
Resultado: Houve melhoras significativas
na parte da função social nos alunos que foram
submetidos a actividades físicas aquáticas.
Discussão e conclusão: Os resultados
encontrados no estudo inferem tendências no
sentido de que a prática de exercícios físicos
aquáticos demonstram indícios de contribuição na melhoria motora, com consequente
melhoria na função social, trazendo uma maior
independência para a criança portadora de
PC.
88
A Paralisia Cerebral, segundo
a World Health Organization,
é denominada também como
encefalopatia crónica não
progressiva da infância.
Os distúrbios caracterizam‑se
pela falta de controlo
sobre os movimentos, isto
devido a modificações
adaptativas musculares,
comprimento muscular
e até com deformações
ósseas. O quadro tende a
comprometer o processo
de aquisição de habilidades
e com possibilidade
prejudicar actividades
quotidianas realizadas por
crianças durante o seu
desenvolvimento.
Introdução
A PC, segundo a World Health
Organization,WHO32, é denominada também
como encefalopatia crónica não progressiva
da infância. Os distúrbios caracterizam-se pela
falta de controlo sobre os movimentos, isto
devido a modificações adaptativas musculares,
comprimento muscular e até com deformações ósseas 27. O quadro tende a comprometer
o processo de aquisição de habilidades e com
possibilidade prejudicar actividades quotidianas realizadas por crianças durante o seu
desenvolvimento 20, 30.
No Brasil, estima-se que ocorram cerca de
30 mil a 40 mil novos casos ano8. Noutros
países considerados em vias de desenvolvimento, a incidência pode chegar a sete casos
por mil nascimentos10. Nos países considerados desenvolvidos, a PC tem apresentado
prevalência de casos considerados moderados
e severos, com incidência indicada de cerca de
1,5 a 2,5 por grupo de mil nascimentos12, 26.
A gravidade do comprometimento neuromotor de uma criança com PC pode ser
caracterizada como leve, moderada ou severa,
e a gravidade apresenta relação directa com
o meio de locomoção da criança23, 25. Para
WHO32, a PC pode também resultar em
incapacidade, como limitações no desempenho de actividades e tarefas quotidianas da
própria criança e de seus familiares.
Dentro desta premissa, o presente estudo tem por objetivo a avaliação na área da
função social de um programa de actividades
físicas aquáticas, adotando-se o Inventário de
Avaliação Pediátrica de Disfunção (PEDI)14.
Metodologia
Amostra
Foram avaliadas 27 crianças com idade
compreendida entre um ano e três meses e seis
anos e sete meses, sendo 11 do sexo feminino
e 16 do sexo masculino, com idade média de
4,2 anos ± 3,2, portadoras de PC moderada
ou severa e, principalmente, na predominância
das manifestações espática e atetosa (Tabela 1).
Para a recolha de dados foram observados
os instrumentos éticos com a assinatura de
consentimento por parte dos responsáveis
pelos sujeitos. Os responsáveis pelos alunos
foram informados do estudo que obedeceu
aos critérios da Declaração de Hensinke
1975.
Tabela 1
Dados dos Sujeitos
Ocorrência
Idade (média ± desvio padrão)
4,2 ± 2,0
Idade (média ± desvio padrão) – masculino
4,4 ± 2,3
Idade (média ± desvio padrão) – feminino
4,0 ± 1,4
Sexo (homens/mulheres) (%)
16 (59,3)/11 (40,7)
89
90
Instrumentos
Os materiais utilizados foram uma piscina
de 25x12,5 m, com profundidade média de
1,8 m, não aquecida, do Corpo de Bombeiros,
além de aqua tube, pull bóia, pranchas e outros
apetrechos destinados à prática de actividades
aquáticas.
Os alunos forma submetidos ao Pediatric
Evaluation Disability Inventory – PEDI14, 15.
Foi utilizada somente a parte do questionário,
PEDI, relacionada com avaliação da função
social, com acções relacionados somente
com assistência por parte do adulto. A avaliação levou em consideração a compreensão
do significado das palavras, compreensão
de sentenças complexas, uso funcional da
comunicação, complexidade da comunicação
expressiva, resolução de problemas, interacção
com companheiros, brincadeiras com objectos, auto-informação, orientação temporal,
tarefas domésticas, funções comunitárias e
jogos sociais interativos.
No PEDI, quanto maior a pontuação,
maior a independência, ou seja, menor o nível
de comprometimento do sujeito. O estudo
foi realizado no período de Março a Junho de
2004, tendo a duração de 16 semanas.
A frequência das aulas foi de duas vezes por
semana com duração máxima de 45 minutos
cada, os alunos tiveram a opção de fazer os
exercícios no período das 07h00 às 19h00.
Os sujeitos foram submetidos a avaliação
antes de iniciarem os trabalhos e após 16
semanas de actividades físicas aquáticas.
Estatística
O tratamento estatístico foi feito em relação
ao pré e pós-teste, sendo utilizado o teste t
para amostra emparelhada. Foi feita a verificação da homogeneidade da amostra através do
teste de Shapiro Wilk uma vez que a amostra
é de 27 sujeitos. Foi considerado um p<0,05,
sendo a análise feita no programa SPSS for
Windows versão 12.0.
Resultados
O teste adotado, segundo Haley et al.15, visa
principalmente três áreas de desempenho,
auto-cuidado, mobilidade e função social, área
esta foco do estudo. O teste é utilizado para
crianças de seis meses a sete anos e meio de
idade. Os resultados encontrados dentro da
metodologia propostas estão apresentados na
tabela 2.
Comparando-se os dados antes e depois do
início dos exercícios físicos verifica-se estatisticamente uma melhoria no nível da função
social do grupo como um todo.
Discussão e conclusão
A educação física e o desporto, no contexto
do processo da educação do indivíduo, teriam,
entre outros objectivos, os de recrear e resgatar
a infância e o prazer pelo movimento. Isto
proporcionaria e facilitaria a inserção no meio
social devido à redução de preconceitos e da
melhoria na condição de aprendizagem28.
si próprio. A necessidade seria a mesma para
o portador de necessidades especiais, porém
o método é que se encontraria alterado para
este segmento31.
A actividade física seria uma acção feita por
todos com vista a melhorias motoras, sociais
e mentais e não como, simplesmente, uma
actividade que visa a competição e a educação física de forma elitista21. A educação física
para todos teria como característica a busca da
alegria, diversão, prazer, socialização, recreação
e saúde.
A água, pelo Princípio de Arquimedes,
exerce uma força de baixo para cima igual
ao volume deslocado subtraindo o seu peso,
e isto tende a promover uma flutuação, que
seria utilizada para proporcionar um maior
relaxamento e fortalecimento inicial para os
músculos mais fracos, maior mobilidade articular, um stress biomecânico menor, auxílio
e resistência aos movimentos, uma vez que
diminui a sobrecarga, mas por outro lado tem
uma resistência maior do que a do ar9, 24. A
água ainda estimularia a circulação periférica,
facilitando o retorno venoso e melhoraria a
respiração, oferecendo um efeito de massagem,
estimulando uma melhor contração muscular,
o que promoveria uma melhoria na postura7.
Os portadores de necessidades especiais tendem a isolar-se1. O indivíduo
somente trabalha ou mesmo existe satisfatoriamente dentro de seu ambiente, quase em
relação directa com a sua habilidade e aceitação de outras pessoas, da capacidade dos outros
em aceitá-lo e de sua tolerância em aceitar a
As actividades físicas têm-se demonstrado
um meio eficaz na melhoria da mobilidade
em portadores de PC5, 11.
Tabela 2
Análise antes e depois da prática de exercícios físicos
Variável
Antes da prática de exercícios
N
27
Média
15,2
Desvio Padrão
3,1
Mínimo
9
Máximo
20
Depois da prática de exercícios
27
28,1*
2,3
21
38
*p<0,05
91
92
Os resultados apresentados indicam que os exercícios físicos,
mais especificamente os feitos no ambiente aquático, tendem
a melhorar a função social em portadores de Paralisia Cerebral,
permitindo maior participação uma vez que o questionário
utilizado avalia, entre outros progressos, as melhorias na
resolução de problemas, interacção com companheiros,
brincadeiras com objectos, tarefas domésticas, funções
comunitárias e jogos sociais interactivos, e apresenta-se
como forma de promover uma maior independência, com
consequente participação social mais efectiva, e com tendência
à melhoria na qualidade de vida e na saúde do portador de
Paralisia Cerebral.
O conjunto de respostas cardiovasculares à
imersão, incluindo bradicardia, vasoconstrição
periférica e desvio preferencial do sangue para
áreas vitais, é colectivamente conhecido como
reflexo de mergulho29. O reflexo de mergulho ocorreria de várias maneiras, inclusive
durante exercícios e terapias aquáticas. Uma
resposta imediata à imersão em água fria seria
o aumento do metabolismo, evidenciado por
um aumento no consumo de Oxigénio29. A
água apresentar-se-ia como um meio único
para a realização de exercícios, e algumas
respostas ao exercício na água seriam melhores do que aquelas em terra para portadores
de PC18. Durante o exercício dinâmico leve e
moderado na água, o metabolismo seria basicamente aeróbico promovendo uma melhora
na respiração18.
Actividades com a água na altura do peito
levariam a um aumento da pressão hidrostática nas paredes do peito e abdominais durante
a respiração3. A água faz resistência à respiração, principalmente em pacientes com baixa
capacidade vital, entre outros. Actividades
aquáticas, aliadas a exercícios respiratórios,
como respiração na água (fazer borbulhas), são
benéficas aos pacientes que tenham problemas
respiratórios18.
Durante os exercícios há uma expiração
forçada13. Isto pode ser potencializado em
trabalhos na água. O programa de natação
apresentou respostas melhores que outros
tipos de actividades físicas para portadores de
PC consistindo num exercício respiratório
eficiente17. No mesmo sentido, outros estudos
têm demonstrado que actividades feitas de
forma continuada e mais intensa têm demonstrado melhorias na mobilidade de portadores
de PC22.
A actividade na água seria a melhor de todas
as formas de exercícios, sustentando que a
natação é um exercício excelente para restaurar e manter o condicionamento de muitas
condições, sendo um meio valioso para recreação e desporto, devido aos factores aliados ao
meio líquido7. Outros facilitadores do meio
líquido é o facto de a água ser 770 vezes mais
densa do que o ar, quanto mais imerso está à
parte do corpo na água menor é a sobrecarga
acarretada, a frequência cardíaca apresenta-se
menor do que exercícios em terra, acabando
por proporcionar uma situação de maior
mobilidade e benéfica para portadores de PC,
dentre outros benefícios já citados9, 18.
93
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33. Ynch EW, Hanson MJ. (1992) Developing cross-cultural
competence. Baltimore: Paul Brookes Publish.
Nesta direcção, os resultados apresentados
tendem a confirmar que em crianças com
PC a tendência de realizar actividades sociais
está presente, inclusive com uma rotina diária
semelhante às das crianças consideradas
normais33. As evidências sobre o desempenho
funcional de crianças consideradas normais já
é bem definido4, 16, e estes mesmos parâmetros
acabam por nortear o processo de avaliação e
tratamento de crianças portadoras de PC19, e
este procedimento baseado em que a sequência e o tempo de desenvolvimento infantil
poderia ser semelhante, acaba por induzir a
uma melhoria em relação ao portador de PC2.
Por outro lado, a criança com PC tende a ser
mais dependente e ter menor participação
social6.
Outro ponto observado relacionado com a
parte social, é que estudos têm demonstrado
que actividades físicas tendem a melhorar a
participação em grupos considerados especiais, notadamente os portadores de PC11.
Os resultados apresentados indicam que
os exercícios físicos, mais especificamente
os feitos no ambiente aquático, tendem a
melhorar a função social em portadores de
PC, permitindo maior participação uma vez
que o questionário utilizado avalia, entre
outros progressos, as melhorias na resolução
de problemas, interacção com companheiros,
brincadeiras com objectos, tarefas domésticas,
funções comunitárias e jogos sociais interactivos, e apresenta-se como forma de promover
uma maior independência, com consequente participação social mais efectiva, e com
tendência à melhoria na qualidade de vida e
na saúde do portador de PC.
95
96
Carla Cristina Alves da Silva
Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, EPE; Serviço de
Radiologia, aluna do II Curso de Pós-Licenciatura de Especialidade
em Enfermagem em Saúde Materna e Obstetrícia
Sandra Maria Alves Branco Miguel
Hospital Geral de Santo António, EPE; Serviço de Neurocirurgia,
aluna do II Curso de Pós-Licenciatura de Especialidade em
Enfermagem em Saúde Materna e Obstetrícia
Exercícios físicos
no pós-parto
Desenvolvimento
Logo após o parto dá-se a involução uterina
(retorno do útero ao tamanho que tinha antes
da gravidez), que poderá ser coadjuvada com
início da amamentação materna.
A fragilidade da vagina e do períneo causada
pela dilatação dos tecidos e estruturas durante o trabalho de parto, leva à necessidade da
mulher executar exercícios de fortalecimento
dos mesmos.
Resumo
O período de puerpério, também conhecido como período pós-parto, dura cerca de
seis semanas.
Em nenhuma outra fase da vida da mulher
as modificações físicas são tão grandes e acontecem em tão curto espaço de tempo. Todos
os órgãos, principalmente os genitais, recuperam-se das alterações ocorridas ao longo
da gravidez e do parto. Nesta fase inicia-se
também, à partida, a lactação. Não podemos
descurar também as importantes modificações
a nível psicológico e de dinâmica familiar e
relacional.
No caso de episiotomia, ter em atenção
o início das primeiras relações sexuais que
devem apenas acontecer após a completa
cicatrização das regiões traumatizadas. Nas
primeiras relações sexuais, a penetração deve
ser mais cuidadosa, pois o revestimento da
vagina está mais fino e menos lubrificado.
A elasticidade dos ligamentos permanece
frágil por quatro a cinco meses pelo que a
mulher deve manter uma boa postura.
A região abdominal também está enfraquecida e deve ser fortalecida após o
fortalecimento do períneo.
No pós-parto a mulher poderá ter dores
lombares devendo preveni-las com uma boa
postura e a realização de exercícios físicos.
As pernas podem estar doridas, pesadas e
edemaciadas, devendo a mulher fazer exercícios com as pernas elevadas. Se se tratar
de alguém susceptível a tromboembolismo,
encorajar o uso de meias de descanso.
A incontinência urinária caracterizada pela
perda involuntária de urina após a mulher
tossir, espirrar, fazer um esforço, poderá ser
normal no final da gravidez e nos primeiros
três meses após o parto. Não será normal após
este período. Há que manter uma boa postura para consequentemente haver um bom
posicionamento dos órgãos internos, fazer
fortalecimento da musculatura da coluna e
do períneo, evitando assim a incontinência
urinária.
97
Há que activar a circulação sanguínea através de uma respiração adequada e exercícios
recomendados.
A puérpera deve descansar mas deve evitar
permanecer muito tempo deitada. Deve
deambular precocemente e tentar manter
uma boa postura caminhando com os pés
paralelos.
Os exercícios do pós-parto são muito
importantes para o mais rápido restabelecimento da puérpera. Poderão surgir-nos
algumas questões tais como Quando?, Onde?,
Como? e Porquê? a necessidade destes
exercícios.
98
Estes exercícios devem ser iniciados logo
após o parto desde que a mulher tenha
capacidade para os desempenhar e não tenha
nenhuma contra-indicação.
Poderão ser executados na sua própria
casa ou em locais onde existam profissionais
capacitados para orientar os exercícios nomeadamente o enfermeiro especialista em saúde
materna e obstétrica. Também em parques,
com caminhadas leves, respirando e apreciando a paisagem.
Os exercícios devem ser orientados por
profissionais capacitados, para segurança da
puérpera.
Estes exercícios têm como finalidade libertar ou reduzir a ansiedade da puérpera e mãe;
fazê-la recuperar a silhueta corporal anterior
à gravidez ou mesmo melhorá-la; melhorar a
disposição para cuidar do bebé; também tem
como objectivo reduzir algias nomeadamente
das costas.
Recuperar a figura anterior à gravidez
cada vez mais é um desejo da puérpera. O
exercício físico pode começar logo após o
nascimento da criança. Deve-se encorajar a
mulher a iniciar exercícios simples progredindo gradualmente para os mais complexos.
O período de puerpério,
também conhecido como
período pós-parto, dura cerca
de seis semanas. Em nenhuma
outra fase da vida da mulher
as modificações físicas são tão
grandes e acontecem em tão
curto espaço de tempo.
Os exercícios para a musculatura que forma
o revestimento da bacia podem ser iniciados
no dia seguinte ao parto, realizados várias
vezes ao dia e praticados por toda a vida. Eles
reforçam a sustentação da bexiga e do intestino, fortalecendo a vagina e diminuindo o
risco do aparecimento futuro de problemas
como perda de urina (incontinência urinária)
e queda da bexiga.
Os exercícios físicos para corrigir a flacidez
abdominal e o contorno corporal podem ser
iniciados após duas semanas do parto normal,
iniciando com poucos minutos, até atingir 20
a 30 minutos por dia. De maneira semelhante,
pode ser iniciada a prática desportiva. Quando
o parto tiver sido cesariana, o seu início deve
aguardar cerca de seis semanas.
Os seguintes exercícios físicos podem
melhorar as condições musculares da mulher
e devem ser iniciadas após avaliação do seu
estado geral e realizados em local e horário
adequado.
Devem ser orientados da seguinte
maneira:
Exercício 1 – Respiração abdominal.
Deitada de costas com os joelhos flectidos,
inspira profundamente pelo nariz. Mantendo
as costas fixas, permitir a expansão do abdómen. Expirar lenta, mas totalmente, enquanto
se contrai os músculos abdominais; mantendoos contraídos por 3 a 5 segundos enquanto
expira.
Exercício 2 – Rolar ambos os joelhos.
Deitada de costas com os joelhos dobrados
e mantendo os ombros e os pés assentes no
chão, rolar lenta e suavemente para a esquerda
até tocar o chão. Mantendo os movimentos
suaves movimentar os joelhos para a direita até
tocar o chão.Voltar à posição inicial e relaxar.
Exercício 3 – Rolar um joelho. Deitada de
costas com a perna direita esticada e a perna
esquerda dobrada pelo joelho, manter os
ombros no chão, rodar lenta e suavemente o
joelho esquerdo por cima do direito até tocar
no chão, retomar a posição inicial. Inverter a
posição das pernas. Rodar o joelho direito
sobre o esquerdo, tocar no chão e voltar à
posição inicial. Relaxar.
Exercício 4 – Rolar a perna. Deitada
de costas com as pernas esticadas, manter os
ombros no chão e as pernas esticadas e levantar lentamente a perna esquerda, rolando-a até
que toque no chão do lado direito e voltando
à posição inicial. Repetir com a perna direita
o mesmo exercício. Relaxar.
99
A fragilidade da vagina e do
períneo causada pela dilatação
dos tecidos e estruturas durante
100
Exercício 5 – Levantar os braços. Deitada
de costas com os braços esticados a um ângulo de 90º do corpo, levantar os braços para
que estes fiquem perpendiculares e as mãos se
toquem. Descer lentamente.
Exercício 6 – Deitar de costas, sem
travesseiro, com as pernas esticadas e juntas, e
os braços ao lado do corpo. Respirar profundamente expandindo o peito e contraindo a
barriga.
o trabalho de parto, leva à
necessidade da mulher executar
exercícios de fortalecimento dos
mesmos.
Exercício 7 – Partindo da posição indicada no exercício anterior, dobrar a cabeça para
frente e tocar o peito com o queixo mantendo relaxado o restante do corpo.
Exercício 8 – Partindo da posição indicada no exercício 6 levantar uma das pernas,
dobrando o joelho até encostar a coxa na
barriga. Fazer este exercício alternando a
perna direita com a esquerda.
Exercício 9 – Partindo da posição indicada
no exercício 6, levantar uma das pernas o mais
que puder, sem dobrar o joelho. Após alguns
segundos, baixar a perna lentamente. Fazer
este exercício alternando a perna direita com
a esquerda.
Poderão ser executados na
sua própria casa ou em locais
onde existam profissionais
capacitados para orientar os
exercícios nomeadamente o
enfermeiro especialista em
saúde materna e obstétrica.
Também em parques, com
caminhadas leves, respirando
e apreciando a paisagem.
Exercício 10 – Partindo da posição indicada no exercício 6, levantar as duas pernas juntas
o mais que puder, sem dobrar os joelhos. Após
alguns segundos, baixar as pernas lentamente
até retornar à posição inicial.
101
102
Exercício 11 – Deitar-se de costas, sem
travesseiro, com as pernas esticadas e cruzar os
braços sobre o peito. Sem mover os pés e as
pernas, levantar a cabeça e os ombros alguns
centímetros do chão. Ficar assim por alguns
instantes e retornar à posição inicial.
Exercício 12 – Partindo da posição indicada no exercício 11, sem mover os pés e as
pernas, levantar o tronco até ficar sentada.
Após alguns instantes retornar à posição
inicial. Este exercício pode ser realizado com
as mãos entrelaçadas atrás da cabeça.
Exercício 13 – Após entrelaçar as mãos
atrás da cabeça, tentar ficar sentada e inclinarse para frente 3 vezes, antes de retornar à
posição inicial.
Exercício 14 – Deitar-se de costas, sem
travesseiro, com as pernas ligeiramente afastadas e dobradas, com os pés apoiados no chão,
e os braços ao longo do corpo. Levantar os
quadris de modo que o corpo fique apoiado somente nos pés e nos ombros. Juntar os
joelhos e contrair os músculos da vagina, ânus
e nádegas e retornar à posição inicial.
Estes exercícios têm como
finalidade libertar ou reduzir a
ansiedade da puérpera e mãe;
fazê-la recuperar a silhueta
corporal anterior à gravidez
ou mesmo melhorá‑la;
melhorar a disposição para
cuidar do bebé; também tem
como objectivo reduzir algias
nomeadamente das costas.
Existem ainda os exercícios pélvicos de
Kegel que são extremamente importantes
para fortalecer a tonicidade muscular, principalmente após um parto vaginal, das estruturas
que envolvem os órgãos reprodutores, nomeadamente os utilizados durante as micções e as
relações sexuais.
Os exercícios de Kegel consistem na
contracção e relaxamento alternado dos
músculos da vagina, recto e nádegas. Estes
exercícios ajudam a adquirir o tónus muscular, habitualmente perdido com a dilatação
e estiramento dos tecidos pélvicos durante a
gravidez e nascimento.
Os exercícios de Kegel previnem o aparecimento de prolapso uterino, cistocelo e
rectocelo bem como incontinência urinária
de stress em fases mais avançadas da vida.Tem
também como vantagem, melhorar a circulação sanguínea vaginal, diminuindo o tempo
de cicatrização das episiorrafias. Potenciam o
prazer das relações sexuais no pós-parto.
Exercício 15 – Apoiar-se sobre os cotovelos e os joelhos, mantendo as costas rectas,
e contrair a barriga, mantendo-a assim por
alguns segundos. Aumentar diariamente esse
tempo até alguns minutos.
Logo que a mulher saiba localizar correctamente os músculos envolvidos nestes
exercícios, passa-se a ensinar os seus três
passos:
1 – Lentamente: contrair o músculo, manter
a contracção contando até três, e relaxar.
2 – Rapidamente: Contrair o músculo, e
relaxá-lo o mais rapidamente possível.
103
104
3 – Empurrar para fora, puxar para dentro.
Contrair todos os músculos da pelve como se
estivesse a sugar água para dentro da vagina.
De seguida fazer força empurrando para baixo
como se estivesse a tentar deitar para fora a
água imaginária. Este exercício também deve
englobar os músculos abdominais.
Deve-se respirar durante os exercícios.
Idealmente a bexiga deve estar vazia aquando
da sua realização.
No período de início dos exercícios, não
se recomenda fazer muitas repetições por dia.
Deve-se começar por fazer estes exercícios
poucas vezes por dia. À medida que se vai
sentindo mais forte, a mulher deve aumentar a
frequência e duração dos mesmos.
Estes exercícios podem ser executados
durante todos os dias da vida. Podem efectuar-se em séries de dez, pelo menos três vezes
por dia ou mais. É recomendado a prática
destes exercícios em séries de 100, número
este condicionado pela fadiga dos músculos
pélvicos.
A mulher deve tornar os exercícios de
Kegel parte da sua rotina diária. Será mais
fácil lembrar-se deles se estiver associados a
uma outra rotina diária, como por exemplo
quando está a ver televisão.
Conclusão
Num mundo onde cada vez mais se dá
ênfase à figura física e ao bem-estar da pessoa,
torna-se essencial que após o período de
gravidez e após o parto, a mulher recupere
rapidamente a silhueta habitual ou mesmo
a melhore, de forma a evitar, entre outras, a
depressão pós-parto.
Importante é também readquirir as funções
dos esfíncteres que após a gravidez e principalmente após o parto eutócico, poderão ter
perdido algumas resistências.
Aqui ficaram explicados e demonstrados
alguns exercícios que poderão contribuir
eficazmente para a rápida recuperação física
da jovem mãe, de forma a voltar ao seu estado
habitual antes da gravidez.
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105
Carlos Manuel de Sousa Albuquerque
Doutorado em Desenvolvimento e Intervenção Psicológica, Docente da
Escola Superior de Saúde de Viseu, Instituto Politécnico de Viseu
Ana Paula Soares de Matos
Doutorada em Psicologia da Saúde, Docente da Faculdade de Psicologia
e de Ciências da Educação, Universidade de Coimbra
Palavras-chave: Saúde; Formação Académica;
Locus de Controlo de Saúde; Coping; Auto-Conceito
106
Área de formação e dimensões psicológicas:
Um estudo com jovens estudantes universitários
Na presente investigação, através de um estudo ex post facto retrospectivo, avalia-se a influência da área de formação académica numa série
de variáveis psicológicas (auto-conceito, locus de controlo de saúde e
coping).A amostra, constituída por 948 participantes (76.37% mulheres),
é agrupada em dois grupos de estudantes universitários portugueses: um
a frequentar o curso de Enfermagem e outro a frequentar outros cursos
universitários não relacionados com a área da saúde (Português/Inglês,
Administração, Gestão). Como instrumentos de medida utilizámos
questionários de auto-avaliação, todos eles aferidos e validados para a
população portuguesa. Dos resultados obtidos podemos concluir que são
os estudantes do curso de Enfermagem a apresentar um Sentido Interno
de Coerência (coping) significativamente mais elevado e a evidenciarse mais internos relativamente ao Locus de Controlo de Saúde. Já as
dimensões do Auto-Conceito não são especialmente relevantes para a
discriminação entre estes dois grupos.
107
108
Introdução
Cada pessoa dá um significado e valor à saúde, tem os seus objectivos em relação à mesma e
comportamentos de saúde particulares. Para, de uma forma mais eficaz, promovermos a saúde,
reduzirmos a morbilidade da maior parte das doenças e a mortalidade prematura, teremos certamente que nos centrar no comportamento humano e num conjunto de variáveis psicológicas,
sociais e biológicas que com ele se relacionam, fazendo uma abordagem interdisciplinar.
Este artigo irá centrar-se, essencialmente, no estudo de um conjunto de variáveis psicológicas
que podem ser importantes para a saúde, considerando a saúde como um sistema dinâmico e
a pessoa como activa e participativa no processo de promoção de saúde e prevenção da doença.
Por outro, subjacente a todo este contexto, está espelhada a possibilidade de, qualquer indivíduo,
poder modificar padrões de vida e comportamentos.
A modificação comportamental implica
alterar um conjunto de crenças e avaliações
que as pessoas fazem, que as motivam para agir
e que influenciam as suas decisões e acções.
Nomeadamente, para emitirmos um comportamento positivo que nos permita ter um bom
resultado de saúde é importante, entre outros
aspectos, acreditarmos que aquela acção nos
levará a um resultado pretendido, e que a acção
requerida passa pelo nosso controlo e é importante para nós. Os comportamentos de saúde
são assim influenciados pelo processamento da
informação sobre saúde que a pessoa faz.
As variáveis de saúde estão relacionadas com
variáveis mais gerais ou mais específicas. De
entre essas variáveis gerais, variáveis psicológicas
como o coping, o auto-conceito e o locus de
controlo são factores que influenciam a forma
como lidamos com a saúde e a doença.
Antonovsky (1987) abordou a temática do
coping, salientando a importância dos estilos
de significação. Desenvolveu o «modelo salutogénico» que considera o estado de saúde
ao longo de um contínuo (em que um pólo,
negativo, representa a doença, e o outro pólo,
positivo, a saúde) tentando perceber sobretudo
porque há pessoas que se encontram no pólo
positivo ou se movem para ele. Para este autor,
é o que denomina de «sentido interno de
coerência» que determina o controlo pessoal
de estados de tensão e que acaba por constituir
um «escudo protector» contra as doenças.
Antonovsky (1987) definiu sentido interno
de coerência como uma orientação global
que expressa a extensão em que a pessoa tem
um sentimento de confiança generalizado e
estável, embora dinâmico, e que se traduz nos
seguintes aspectos:
1) O estímulo que deriva dos seus ambientes
externos e internos, no decurso da sua vida, é
percepcionado como sendo estruturado, previsível e explicável;
2) A pessoa percebe a existência de recursos
para fazer face às exigências colocadas por esse
estímulo;
Neste enquadramento teórico
e de pesquisa, poderemos
afirmar que a finalidade
da presente investigação
poderá situar-se na procura
de uma melhor compreensão
destes estudantes. Com
efeito, se forem encontradas
relações entre as dimensões
estudadas, haverá que
tê-las em conta quando
planearmos intervenções para
promover o desenvolvimento
psicossocial dos jovens. Por
outro lado, a falta de estudos
empíricos nesta área levanos a considerar a presente
investigação como uma
pesquisa piloto.
3) Estas exigências constituem desafios, merecedores de investimento e empenho.
Trata-se da pessoa dar um sentido ou uma
ordem à sua experiência ou existência, e da sua
convicção de que tem capacidades ou recursos para fazer frente aos desafios da vida. O
sentimento de coerência é, para Antonovsky
(1987), um determinante importante do estado de saúde e inclui três componentes:
1) Compreensibilidade – medida em que
a pessoa percebe o estímulo que deriva dos
seus ambientes externo e interno como
fazendo sentido, que tem uma ordem, que é
consistente, estruturado e claro, em oposição
a algo percebido como desordenado, caótico,
aleatório, acidental e inexplicável. Uma pessoa
com um grau elevado neste componente
espera que os estímulos futuros sejam previsíveis ou, pelo menos, tenham ordem e sejam
explicáveis. A pessoa consegue dar um sentido
mesmo aos estímulos indesejáveis.
2) Manejabilidade (controlo) – medida em
que a pessoa percebe que existem recursos
adequados para fazer face à adversidade ou
aos estímulos com que se defronta. São recursos que são percebidos como estando sob o
controlo pessoal ou sob o controlo de outras
pessoas que nos podem ajudar – por exemplo,
cônjuge, amigos, colegas e terapeutas. Uma
pessoa com um grau elevado neste componente não se sente vítima dos acontecimentos.
Ao contrário, sente que tem controlo sobre
muitos desses acontecimentos.
109
110
3) Significabilidade (significação generalizada)
- representa o elemento motivacional e referese à extensão em que a pessoa sente que a sua
vida faz sentido, não apenas a nível cognitivo
como a nível emocional. Para a pessoa com
um grau elevado neste componente, vale
a pena investir nos problemas e exigências
do dia-a-dia; são desafios bem-vindos e não
ameaças que devem ser evitadas. Quando uma
experiência negativa acontece a esta pessoa, ela
aceita a experiência que lhe sucedeu, mas tenta
dar-lhe um sentido e fará o seu melhor para a
ultrapassar.
Segundo Antonovsky (1987) estes três
componentes estão intrinsecamente inter-relacionados. Contudo, podem existir pessoas com
um grau elevado num determinado componente e baixo noutro.
Outra variável associada ao comportamento
é o auto-conceito, o qual é um constructo
multifacetado e hierárquico, que pode ser
definido como a globalidade de percepções
que cada indivíduo tem acerca de si próprio
(Byrne e Shavelson,1986).
Vaz Serra (1986) salientou a importância do
auto-conceito físico (aptidões e aparência física), emocional (estados emocionais particulares
do indivíduo) e social (que é ainda subdividido
em áreas específicas variando de acordo com
as pessoas significativas para o indivíduo).
Para Vaz Serra (1988b), no constructo do
auto-conceito há ainda que considerar múltiplos constituintes como a auto-estima e a
auto-eficácia.
A auto-estima é entendida como o processo
avaliativo que o indivíduo faz das suas qualidades ou dos seus desempenhos (Vaz Serra,
1988).
A auto-eficácia refere-se a auto-percepções:
o indivíduo acredita e confia na sua capacidade
e eficácia para enfrentar o meio ambiente com
êxito, levando assim a consequências desejadas
(Palenzuela,1982).
Mischel (1977), no seu estudo da personalidade, refere-se à auto-eficácia percebida como
sendo um constructo cognitivo motivacional
em que o indivíduo se auto-avalia como
eficaz para enfrentar o meio ambiente.
Segundo Vaz Serra (1986), o auto-conceito,
como constructo hipotético, é construído
sobre os acontecimentos pessoais e é necessário para a descrição, explicação e predição
do comportamento humano, além disso é
importante ter conhecimento de como a
pessoa se percepciona a si própria.
Este autor, citando Fitts (1972), refere que
«o conceito que o indivíduo tem de si próprio
atravessa, condensa, ou captura a essência de
muitas outras variáveis», permitindo assim
lidar com uma variável central e simples.
Segundo Shavelson e Bolus (1982), o
auto-conceito é diferenciável, isto é, o
auto‑conceito pode facilmente diferenciar-se
de outras variáveis (por exemplo, estado de
saúde) permitindo compará-las entre si, de
forma a averiguar possíveis relações.
O auto-conceito funciona também como
impulsionador da motivação. Gecas (1982),
ao referir-se ao auto-conceito como fonte de
motivação, indica três motivos que lhe estão
ligados: o motivo de auto-estima, o motivo de
auto-consistência e motivo de auto-eficácia.
O motivo de auto-estima é universal, na
medida em que os aspectos positivos de cada
indivíduo são geralmente realçados (Vaz
Serra, 1986). Segundo Gecas (1982), este
motivo apresenta-se sob uma perspectiva
de «auto-saliência», tendo como objectivo o
melhoramento da auto-estima e uma perspectiva de «auto-manutenção», virado para a
preservação do que a pessoa possui. Estas duas
perspectivas determinam as seguintes estratégias comportamentais: disputa pelo êxito e
medo do fracasso. Daí que, geralmente, pessoas
com auto-estima pobre se identifiquem mais
com estratégias de auto-manutenção do que
de auto-saliência.
No que se refere ao motivo de consistência, Markus e Wurf (1986) apresentam
o auto-conceito como um conjunto de
«generalizações cognitivas» que estruturam
a forma como se elabora a informação para
o indivíduo. «Estes esquemas tornam-se
progressivamente resistentes à informação que
lhes é inconsistente. Há assim uma espécie de
conservadorismo cognitivo, organizador de
percepções, memórias e esquemas pessoais»
(Vaz Serra, 1986, p. 65).
O motivo de auto-eficácia foi estudado
por vários autores, como Bandura (1977),
Seligman e Altenor (1980) e Rotter (1975).
Bandura (1977), na sua teoria da aprendizagem social, mencionou que os indivíduos
com boas expectativas de auto-eficácia têm
crenças de que são capazes de realizar com
êxito o comportamento requerido e consequentemente obter resultados positivos. Deu
um relevo especial à mudança de expectativas:
é importante a pessoa passar a acreditar que
um comportamento irá permitir obter uma
consequência desejada e que ela tem a capacidade para atingir o fim em vista.
Seligman, na sua teoria do desespero aprendido, referiu a importância da percepção
de ineficácia ou de fracasso pessoal, devida
ao facto do indivíduo perceber que o seu
comportamento não tem influência nas
consequências do meio em que se insere.
Rotter (1975), relativamente ao Locus de
controlo interno e externo, defendeu que o
indivíduo eficaz é aquele que percepciona o
seu comportamento como sendo influenciado por si e não por factores externos.
Rotter (1966) refere-se deste modo ao
controlo interno e externo:
«Quando o reforço é percebido pelo sujeito
como seguindo-se a alguma acção sua, mas
não estando completamente dependente dessa
acção (not being entirely contingent upon his
action), então, na nossa cultura é tipicamente
percebido como resultado da sorte, do acaso,
do destino ou sob o controlo de outros poderosos, ou como imprevisível, dada a grande
complexidade de forças que o rodeiam.
Quando o acontecimento é interpretado deste
111
modo por um indivíduo, trata-se de uma crença no controlo externo. Se a pessoa percebe
que o acontecimento depende (is contingent)
do seu próprio comportamento ou das suas
características relativamente permanentes,
trata-se de uma crença no controlo interno».
112
Por conseguinte, designa-se um indivíduo
como «interno» quando ele tem a percepção
ou a crença de que controla a situação ou o
reforço e por isso tende a percebê-lo como
resultante das suas próprias acções, enquanto o «externo» sente que não controla os
acontecimentos ou que os resultados não são
dependentes do seu comportamento e, por
isso, tende a percebê-los como resultantes
de factores alheios a si mesmo, como outros
poderosos, sorte ou acaso. Deste modo, o
interno normalmente aceita o louvor pelos
sucessos e as (auto) críticas pelo fracasso,
enquanto o externo não aceita nem uma nem
outra coisa (Barros et al., 1992).
A forma como cada pessoa percepciona
as capacidades de auto-controlo que possui
designa-se, como vimos, por locus de controlo. Este é a percepção da relação causal entre
o comportamento e as suas consequências, ou
em termos mais técnicos, o locus de controlo
é a percepção pelo indivíduo da relação de
contingência entre os comportamentos e as
suas consequências (Dubois, 1987). Em suma,
resume-se a duas questões com que o indivíduo é confrontado:
1) «Sou capaz de controlar o meio?»;
2) «É o meio que se me impõe e me controla?» (ibidem).
Numa perspectiva mais cognitivista podemos considerar o constructo de locus de
controlo como uma crença ou expectativa do
controlo percebido, crença que representa um
importante papel mediacional; ou seja, o indivíduo ver-se como um agente activo causal,
ou ver-se como um «recipiente» passivo das
influências do meio, influencia a forma como
ele avalia e responde às situações com que se
confronta no quotidiano (Mahoney, 1985).
Por isso, ele é antes de mais uma expectativa
generalizada, aprendida num contexto social
que se mantém actuante em variadas circunstâncias, condicionando o modo de actuar
(ibidem). Podemos também dizer que a internalidade e a externalidade representam uma
tendência, dentro de um continuum (Barros
et al, 1992).
Neste enquadramento teórico e de pesquisa, poderemos afirmar que a finalidade da
presente investigação poderá situar-se na
procura de uma melhor compreensão destes
estudantes. Com efeito, se forem encontradas
relações entre as dimensões estudadas, haverá
que tê-las em conta quando planearmos
intervenções para promover o desenvolvimento psicossocial dos jovens. Por outro lado,
a falta de estudos empíricos nesta área levanos a considerar a presente investigação como
uma pesquisa piloto.
Método
Amostra
A amostra foi constituída por um grupo
de estudantes a frequentar o Curso Superior
de Enfermagem (Grupo de Estudantes do
Curso de Enfermagem, GECE), isto é com
formação na área da saúde, e um grupo de
controlo, constituído por estudantes provenientes de cursos superiores não relacionados
com a área da saúde. Este grupo de controlo,
que na investigação foi designado por Grupo
de Estudantes de Outros Cursos (GEOC), era
constituído por estudantes provenientes dos
cursos de Português/Inglês, de Secretariado
e Administração e de Gestão. Os dois grupos
são homogéneos em relação a variáveis
demográficas.
Fazem parte da amostra 948 indivíduos (621
pertencentes ao GECE e 327 ao GEOC).
A média de idades é de 19.95 (Dp=2.18).
Existe um predomínio do número de mulheres sobre o de homens (724 mulheres e 224
homens), o que corresponde a uma tendência
natural nestes cursos. A análise comparativa
entre grupos permite constatar que o GECE
e GEOC são equivalentes nas variáveis: idade
(t=-.812, p=.416), estado civil (χ2 =0.340,
g.l.=1, p=.559), ano lectivo (χ2 =0.331,
g.l.=1, p=.564), área de residência (χ2
=0.666, g.l.=1, p=.414) e camada social (2)
(χ2 =1.057, g.l.=3, p=.787). No que respeita à distribuição por sexo, constatamos que,
embora seja predominante o sexo feminino
em ambos os grupos, eles se diferenciam de
forma ligeiramente significativa (χ2 =4.530,
g.l.=1, p=.043).
Procedimentos
Os instrumentos de colheita de dados
foram administrados nos tempos lectivos dos
estudantes a quem propusemos participar no
estudo; o tempo necessário ao seu preenchimento foi cerca de 60 minutos. Antes da
administração dos instrumentos foi explicitado
o objectivo do estudo e o carácter voluntário e anónimo da participação, podendo os
sujeitos preencher ou não os questionários,
não devendo contudo escrever o nome em
nenhuma das partes do mesmo.
Os resultados obtidos no
estudo da relação entre a
área de formação e sexo dos
estudantes e as notas globais
das variáveis psicológica
em estudo sugerem que
os estudantes do curso de
Enfermagem (com formação
em saúde) apresentam valores
mais elevados de Locus de
Controlo de Saúde e Sentido
Interno de Coerência, que se
traduzem, respectivamente,
por uma maior internalidade
e por uma aptidão para
percepcionar, interpretar e
dar significado às experiências
stressantes da vida.
113
114
Instrumentos
• Sense of Coherence Questionaire (SOC)
(Antonovsky, 1987; versão adaptada para a
população portuguesa por Geada, 1990). O
SOC permite avaliar os recursos individuais
de coping definidos pelo autor como uma
aptidão interna, global, para percepcionar,
interpretar e dar significado às experiências
stressantes da vida, que posiciona o indivíduo
numa orientação de saúde, física e psicológica. Constituído por 29 itens (numa escala de
likert com 7 categorias de resposta) compreende três factores/dimensões principais,
consideradas como fazendo parte do «sentido
interno de coerência»: compreensibilidade
(11 itens – por ex.: «Quando fala com outras
pessoas, tem o sentimento de que elas não o
compreendem?»); manejabilidade (10 itens
– por ex.: «Já lhe aconteceu terem-no desapontado pessoas com quem você contava?»);
e significabilidade (8 itens – por ex.: «Tem o
sentimento de que não se interessa realmente
pelo que se passa à sua volta?»). O SOC apresenta boa consistência interna. Os valores de
alpha, para a escala total, têm oscilado entre
.82 e .95 (Antonovsky, 1987, 1993), valores
ligeiramente superiores aos apresentados para
a versão portuguesa, entre .79 e .90 (Geada,
1996,1997).
• Inventário Clínico de Auto-conceito
(ICAC) (De Vaz Serra, 1986). É um instrumento que avalia os aspectos emocionais e
sociais do auto-conceito; é fiável (coeficiente
de Spearman-Brown de .79 para uma amostra
de 920 indivíduos, e uma correlação teste-reteste de .83, para um intervalo de 4 semanas)
e tem sido extensamente utilizado e validado
(Vaz Serra, 1995). Os 20 itens (num formato
tipo likert com 5 categorias de resposta) que o
constituem estão agrupados em quatro factores (cujo indicador de fiabilidade apresentado
é o alpha de Cronbach).
Factor 1
Aceitação/rejeição (por ex.:«sou uma usualmente bem aceite pelos outros») – (alpha = .76);
Factor 2
Auto-eficácia (por ex.: «tenho por hábito
desistir das minhas tarefas quando encontro
dificuldades») – (alpha = .70);
Factor 3
Maturidade psicológica (por ex.: «costumo
ser franco e exprimir as minhas opiniões») –
(alpha = .72);
Factor 4
Impulsividade/actividade (por ex.: «sou uma
pessoa que gosto muito de fazer o que me
apetece») – (alpha = .71).
• Inventário de Auto-Conceito Físico
(IACF) (De Vaz Serra, 1988). O IACF tem
por objectivo medir os aspectos físicos do
auto-conceito, mostrando ter uma boa fiabilidade; o seu autor obteve um coeficiente de
Spearman-Brown de .68, valor particularmente alto, considerando o quantitativo da
amostra – 760 indivíduos. É composto por 40
itens (numa escala de likert com 5 categorias
de resposta) que se agrupam em cinco factores, com raízes latentes superiores a 1, que
contribuem com 61,21% para a percentagem
cumulativa da variância, a saber:
Factor 1
As questões que o constituem revelam uma
dimensão tradutora de boa ou má impressão
física, produzida nos outros (por ex.: «considero-me uma pessoas fisicamente atraente»)
– (alpha = .74);
Factor 2
Traduz facilidade ou dificuldade no contacto dos olhos, que tem um inegável valor no
contexto das mensagens não-verbais (por
ex.: «quando falo com outra pessoa, custa-me
olhá-lo bem nos olhos») – (alpha = .69);
Factor 3
É tradutor de uma boa ou má vitalidade
física (por ex.: «considero-me, de modo geral,
uma pessoa com energia») – (alpha = .72);
Factor 4
Salienta a forma como o indivíduo fala,
pelo que é outra dimensão relacionada com
comportamento não verbal (por ex.: «a minha
voz causa boa impressão nas outras pessoas’) –
(alpha = .70);
Factor 5
Traduz a apreciação da morfologia corporal
(por ex.: «quando me comparo com os outros
reconheço que tenho usualmente uma postura mais rígida») – (alpha = .73);
Factor 6
Os itens que o constituem revelam uma
dimensão tradutora de satisfação ou insatisfação sexual (por ex.: «gostava de ser
sexualmente mais activo do que realmente
sou») – (alpha = .69).
• Questionário «O Que Penso da Saúde»
(OQPS) (De Ribeiro,1993,1994).Constituído
por 14 itens (seleccionados das seguintes escalas: Health Locus of Control Scale – Wallston
e cols., 1976; Multidimensional Health Locus
of Control Scales – Wallston, Wallston &
DeVellis, 1978; e Health-Specific Locus of
Control - Lau & Ware, 1981) permite efectuar a avaliação do locus de controlo de saúde.
Numa amostra de 609 indivíduos portugueses, que serviu para a sua construção, o autor
obteve, para os dois factores que a integram,
os seguintes valores de consistência interna, a
saber: «locus de controlo» - que reflecte o grau
pelo qual o indivíduo espera que determinados resultados relacionados com a saúde sejam
contigentes com o seu comportamento ou
atribuídos à sorte ou acaso (por ex.: «se uma
pessoa tiver cuidado com o que faz consegue evitar muitas doenças» - (alpha = .75); e
«outros poderosos» - que reflecte o grau pelo
qual o indivíduo espera que determinados
resultados relacionados com a saúde sejam
contigentes com acções de outras pessoas (por
ex.: «procurar o médico para fazer check-ups
regulares é um factor chave para se manter
saudável») – (alpha = .74), sendo que este
factor é interpretado no sentido de que escores mais altos significam menor crença nos
outros poderosos para controlar a saúde.
115
Isto significa que os estudantes do primeiro ano do curso de
frequentam o primeiro ano dos cursos sem formação em saúde,
de terceiros para manterem a saúde; mais convictos de que a vida
são merecedores do seu empenho e energia; com uma maior
quer pessoais quer sociais, para fazer face às exigências das suas
116
Análise dos resultados
O objectivo do presente estudo era investigar em que medida a área de formação
académica dos estudantes estava relacionada
com determinadas variáveis psicológicas:
locus de controlo de saúde, sentido interno de
coerência e auto-conceito.
Colocámos a seguinte hipótese de trabalho:
os estudantes que frequentam o curso de
enfermagem diferenciam-se dos estudantes
que frequentam os cursos superiores sem
formação na área da saúde ao nível do seu
locus de controlo de saúde, auto-conceito e
sentido interno de coerência.
Relação entre a área de formação
e os índices globais das variáveis
psicológicas
Para o estudo desta relação realizámos uma
MANOVA de 2 por 2 por 4 (sexo e área
de formação sobre os quatro índices: Total
Auto-Conceito (Social e Emocional) (1),
Total Auto-Conceito Físico (2), Total Locus
de Controlo de Saúde (3) e Total Sentido
Interno de Coerência (4).
O sexo foi incluído nesta análise como
variável independente, dado que num estudo
prévio, aplicando o teste-t para amostras independentes, tínhamos chegado à conclusão de
que os dois sexos diferiam significativamente
quanto ao Total do Auto-Conceito – Social
e Emocional – (t=2,56; p= .010), quanto
ao Total do Auto-Conceito Físico (t=2,91;
p =.004) e quanto ao Total Sentido Interno
de Coerência (t=2,94; p=.003). Apenas não
detectámos a existência de diferenças significativas ao nível do Total Locus de Controlo de
Saúde (t=-1,61; p=.108).
A análise dos resultados da MANOVA
(Quadro 1) mostra existir um efeito principal
muito significativo da Área de Formação sobre
os índices globais das variáveis psicológicas
(Lambda de Wilks(4;941)=.946, p=.000),
como também um efeito muito significativo
do Sexo (Lambda de Wilks (4;941)=.979,
p=.000), não existindo contudo um efeito de
interacção Sexo x Área de Formação (Lambda
de Wilks (4;941)=.993, p=.183).
A análise do efeito Área de Formação sobre
as variáveis psicológicas em estudo, revela que
os dois grupos de estudantes (com formação e sem formação na área da saúde) não
diferem significativamente nas notas globais
do Auto-Conceito - Social e Emocional (F(1;944)=3.073, p=.079) e Auto-Conceito
Físico (F(1;944)=2.658, p=.103), mas diferenciam-se no Locus de Controlo de Saúde
(F(1;944)=35.962, p=.000) e no Sentido
Interno de Coerência (F(1;944)=23.448,
p=.000).
(1) Avaliado pelo «Inventário Clínico de Auto-Conceito» - ICAC
(2) Avaliado pelo «Inventário de Auto-Conceito Físico» - IACF
(3) Avaliado pelo questionário «O Que Penso da Saúde» - OQPS
(4) Avaliado pelo «Sense of Coherence Questionaire» - SOC
Enfermagem quando comparados com os estudantes que
se revelam: mais internos, sugestivo de uma maior independência
faz sentido e como tal, as experiências e os problemas da vida
percepção de si mesmos como possuindo os recursos suficientes
situações de vida; e menos «impulsivos/activos».
Quadro 1
MANOVA do Sexo e da Área de Formação sobre os índices de Total Auto-Conceito (Social e Emocional),Total AutoConceito Físico,Total Locus de Controlo de Saúde e Total Sentido Interno de Coerência.
117
Sumário de todos os efeitos:
1 – Sexo 2 – Área de Formação
Efeito
Lambda Wilks
R de Rao
G.L. 1
G.L. 2
p
1
0.979
4.965
4
941
.000
2
0.946
13.279
4
941
.000
1x2
0.993
1.558
4
941
.183
Efeito Principal: Sexo
Média
Quadrática
Erro da Média
Quadrática
F(g.l. 1,2)
1;944
P
Total Sentido Int. Coerência
5446.790
430.626
12.648
.000
Total Auto-Conceito
441.921
56.598
7.807
.005
Total Auto-Conceito Físico
1586.078
169.472
9.358
.002
Total Locus de Controlo
185.056
66.514
2.782
.095
Variáveis Dependentes
Efeito Principal: Área de Formação
Média
Quadrática
Erro da Média
Quadrática
F(g.l. 1,2)
1;944
P
Total Sentido Int. Coerência
10097.69
430.626
23.448
.000
Total Auto-Conceito
173.94
56.598
3.073
.079
Total Auto-Conceito Físico
450.57
169.472
2.658
.103
Total Locus de Controlo
2392.04
66.514
35.962
.000
Variáveis Dependentes
Os resultados, ilustrados pela figura 1, revelam que o grupo de estudantes que frequenta
o curso de Enfermagem apresentou um
Sentido Interno de Coerência significativamente mais elevado ( x=137,00)
que os
estudantes dos cursos superiores sem formação
na área da saúde (=129,09). Situação idêntica
foi registada quanto ao índice de Locus de
Controlo de Saúde, no qual os estudantes de
Enfermagem (=63,40) apresentam um resultado mais elevado que os estudantes dos outros
Cursos Superiores (=59,55), sugestivo de que
os primeiros mostram ser mais internos que os
segundos.
A análise do efeito Sexo sobre os índices
totais do Sentido Interno de Coerência,
Auto-Conceito (Social e Emocional), AutoConceito Físico e Locus de Controlo de
Saúde, revela que o grupo feminino de estudantes não se diferencia do grupo masculino
apenas no índice Locus de Controlo de Saúde
(F1,944)=2.782, p=.095) (Quadro 1).
Figura 1
Efeito principal da área de formação sobre os índices de
Total Auto-Conceito (Social e Emocional),Total AutoConceito Físico,Total Locus de Controlo de Saúde e Total
118
Sentido Interno de Coerência.
EFEITO PRINCIPAL
ÁREA DE FORMAÇÃO
140
130
120
110
VARIÁVEIS DEPENDENTES
100
90
80
70
60
50
Saúde
Não Saúde
ÁREA DE FORMAÇÃO
Sentido I. Coerência
Auto Conceito
Auto Conceito Físico
Locus de Controlo
No índice do Sentido Interno de Coerência
os resultados revelam que os Homens
(x=135.95)
se distinguem das Mulheres
(x=130.14),
revelando os primeiros valores
mais elevados neste índice.
No índice de Auto-Conceito (Social/
Emocional) são novamente os Homens
(x=77.70)
que revelam apresentar um AutoConceito mais elevado, quando comparados
com as Mulheres (x=76.05).
No índice de Auto-Conceito Físico os resultados revelam que uma vez mais os Homens
se diferenciam das Mulheres no mesmo sentido do anteriormente descrito. Isto é, o Grupo
Masculino (x=131.24)
distingue-se do Grupo
Feminino (x=128.10),
apresentando valores
mais elevados de Auto-Conceito Físico.
Resumindo, os resultados obtidos no
estudo da relação entre a área de formação
e sexo dos estudantes e as notas globais das
Figura 2
Efeito principal do sexo sobre os índices de Total AutoConceito (Social e Emocional),Total Auto-Conceito Físico,
Total Locus de Controlo de Saúde e Total Sentido Interno
119
de Coerência.
EFEITO PRINCIPAL
SEXO
140
130
120
110
VARIÁVEIS DEPENDENTES
100
90
80
70
60
50
Masculino
Feminino
SEXO
Sentido I. Coerência
Auto Conceito
Auto Conceito Físico
Locus de Controlo
variáveis psicológica em estudo sugerem
que os estudantes do curso de Enfermagem
(com formação em saúde) apresentam valores mais elevados de Locus de Controlo
de Saúde e Sentido Interno de Coerência,
que se traduzem, respectivamente, por uma
maior internalidade e por uma aptidão para
percepcionar, interpretar e dar significado às
experiências stressantes da vida. Em relação ao
sexo, só o índice de Total Locus de Controlo
de Saúde não se mostra relacionado com ele.
Nos outros três índices, os homens apresentam
valores mais elevados do que as mulheres. Em
relação à interacção Sexo x Área de Formação
é de salientar que nenhum dos índices totais
das variáveis psicológicas estudadas se relaciona com ela.
Relação entre a área de formação e
os factores das escalas que avaliam
o auto-conceito, o locus de controlo
de saúde e o sentido interno de
coerência
A MANOVA anteriormente efectuada
revelou diferenças ao nível das notas globais
das escalas que avaliam as variáveis psicológicas, entre os grupos de estudantes em estudo.
No sentido de se conhecer o conjunto dos
diversos factores destas escalas que melhor
discriminavam o grupo de estudantes que
frequentam o curso de Enfermagem do
grupo de estudantes que frequentam os cursos
superiores sem formação na área da saúde
em estudo, utilizou-se a Análise da Função
Discriminante.
Face a estes resultados confirmamos a nossa
hipótese no que se refere às diferenças entre
os estudantes do curso de Enfermagem e os
estudantes dos cursos sem formação na área
da saúde ao nível do Locus de Controlo
de Saúde e Sentido Interno de Coerência,
mas não a confirmamos ao nível do AutoConceito (físico, emocional e social).
De forma a contornarmos o problema da
multicolinearidade existente entre os factores
e os totais das escalas que avaliam as variáveis psicológicas, notória através das elevadas
correlações encontradas entre eles, utilizámos
como variáveis independentes neste modelo
discriminante apenas as pontuações referentes
aos factores das escalas.
Nos quadros seguintes apresentam-se os
resultados das análises discriminantes levadas a efeito. Foram efectuadas duas análises
da função discriminante, porque foi nosso
objectivo efectuar o estudo das variáveis psicológicas em momentos distintos dos cursos.
Isto é, efectuámos uma primeira análise com
os estudantes do terceiro ano e uma posterior
com os do primeiro ano. Assim, pretendíamos
investigar, por um lado, se os estudantes com e
sem formação na área da saúde se diferenciavam ou não, entre si, quer no ano inicial quer
no ano terminal do curso; e, por outro, se os
factores psicológicos que os diferenciam no
primeiro ano são eventualmente os mesmos
que os diferenciam no terceiro ano.
Resultados da análise da Função
Discriminante passo a passo para os
grupos de estudantes a frequentarem
o 3º ano do curso de Enfermagem
versus 3º ano dos cursos superiores
sem formação em saúde
Como pode ser observado no Quadro 2,
os resultados evidenciam que a Análise da
Função Discriminante é estatisticamente
significativa como um todo ((F4;397)= 16.28,
p=.000), existindo diferenças multivariadas
entres os dois grupos de estudantes (com vs
sem formação na área da saúde).
O valor de Lambda de Wilks, que permite igualmente testar a relevância da função
discriminante, revelou-nos que a percentagem
de variância dos valores discriminantes explicada pela pertença ao grupo é de 17.10%.
Quadro 2
Análise da Função Discriminante passo a passo entre os
grupos de estudantes a frequentar o 3º ano do curso de
Enfermagem vs 3º ano dos cursos sem formação na área
da saúde.
Variável
F
p
Significabilidade – SOC
44.87
.000
Outros Poderosos – OQPS
10.96
.001
Factor 6 – IACF
10.43
.001
Manejabilidade – SOC
6.44
.032
Lambda de Wilks =.829
G.L.= 4;397
F= 16.28
p= .000
Face a estes resultados, podemos concluir
que, apesar dos estudantes deferirem significativamente, a percentagem de variância
explicada pela função é baixa.
Relativamente à eficiência classificativa
obtida com a função, podemos afirmar que
o conjunto das variáveis que entraram no
modelo permitiu uma classificação correcta
de 72.39% dos estudantes, com 89.55% de
acertos no grupo de estudantes do curso de
Enfermagem e apenas 38.06% no grupo de
estudantes que frequentam os cursos sem
formação na área da saúde (Quadro 3).
Quadro 3
Análise da Função Discriminante entre os grupos de estudantes a frequentar o 3º ano do curso de Enfermagem vs
estudantes a frequentar o 3º ano dos cursos sem formação
na área da saúde: eficácia da classificação.
Grupo observado
Estudantes
Enfermagem
Estudantes Enfermagem (n=268)
240
Grupo predito
Estudantes
Outros Cursos
28
Estudantes Outros Cursos (n=134)
83
51
38.06
Total
323
79
72.39
% Classificação
correcta
89.55
121
A análise da importância relativa das
dimensões psicológicas para a diferenciação
dos grupos mostra que quatro dos factores
contribuem significativamente para a diferenciação entre eles (Quadro 2). O maior
contributo para a diferença entre os grupos é
dado pelo factor – significabilidade – do SOC,
seguido dos factores – outros poderosos – do
questionário OQPS, Factor 6 – satisfação ou
Quadro 4
Médias e desvio padrões das variáveis psicológicas no
grupo de estudantes a frequentar o 3º ano do curso de
Enfermagem vs 3º ano dos cursos sem formação na área
da saúde.
GRUPOS
3º Ano Enfermagem
3º Ano Outros Cursos
VARIÁVEIS
Média
Dp
Média
Dp
Significabilidade
44.25
7.04
39.26
7.07
Manejabilidade
50.82
8.15
45.45
7.77
21.43
4.13
19.80
4.04
7.10
2.07
7.35
2.12
Sentido Interno Coerência
122
Locus de Controlo de Saúde
Outros Poderosos
Auto-Conceito Físico
Factor 6
insatisfação sexual – do IACF e por último
do factor – manejabilidade – do SOC. Neste
modelo de discriminação não entrou nenhum
dos factores do ICAC.
Recorrendo às médias destas variáveis
discriminadoras, averiguámos em que sentidos iam as diferenças entre os grupos (Quadro
4). Assim, verificamos que os estudantes do
terceiro ano do curso de Enfermagem, por
comparação com os do terceiro ano dos
cursos sem formação na área da saúde:
a) Apresentam valores mais elevados na
dimensão significabilidade, sugestivo de
que sentem, mais convictamente, que a vida
faz sentido e como tal, as experiências e os
problemas da vida são merecedores do seu
empenho e energia;
b) Revelam valores mais elevados na dimensão outros poderosos, demonstrando-se mais
internos e por isso reflectindo uma maior
independência de terceiros para manterem a
saúde;
c) Apresentam médias menos elevadas no
factor 6 do auto-conceito físico, revelando-se
mais insatisfeitos sexualmente;
d) Evidenciam valores mais elevados na
dimensão manejabilidade, demonstrando uma
maior percepção de si mesmos como possuindo os recursos suficientes, quer pessoais quer
sociais, para fazer face às exigências das suas
situações de vida.
Resultados da análise da Função
Discriminante passo a passo para os
grupos de estudantes a frequentarem
o 1º ano do curso de Enfermagem
versus 1º ano dos cursos superiores
sem formação em saúde
Com o mesmo objectivo da análise anterior
e na tentativa de verificarmos se os estudantes
se diferenciavam no primeiro ano, ao nível
dos factores dos instrumentos que avaliam as
variáveis psicológicas em estudo, efectuámos
de novo uma análise da função discriminante
passo a passo.
Quadro 5
Análise da Função Discriminante passo a passo dos
grupos de estudantes a frequentar o 1º ano do curso de
Enfermagem vs 1º ano dos cursos sem formação na área
da saúde.
Variável
F
p
Outros Poderosos – OQPS 13.08
.000
Significabilidade – SOC
10.99
.000
Factor 4 – ICAC
10.93
.001
Manejabilidade – SOC
5.58
.021
Lambda de Wilks =.919
G.L.= 4;541
F= 9.45
p= .000
Os resultados mostram (Quadro 5) que
apesar da função obtida ser significativa
(F(4;541)=9.45, p=.000), a percentagem de
variância explicada pela mesma, que é traduzida pelo valor de Lambda de Wilks (.919), é
reduzida (8.10%).
Relativamente à eficácia classificativa da
Função Discriminante avaliada através da
matriz de classificação obtida (Quadro 6),
podemos constatar que esta permite uma
percentagem de 67.03% de acertos totais, ou
seja, em 546 estudantes, 366 são classificados
correctamente. Em relação aos dois grupos
a eficiência classificativa mostra-se maior
para o grupo de estudantes que frequenta o
primeiro ano do curso de Enfermagem, com
90.65% de acertos correctos neste grupo, o
que corresponde a 320 estudantes classificados correctamente contra 33 estudantes
mal classificados. Para o grupo de estudantes
que frequentam o primeiro ano dos cursos
Quadro 6
Análise da Função Discriminante dos estudantes a
frequentar o 1º ano do curso de Enfermagem vs estudantes
a frequentar o 1º ano dos cursos sem formação na área da
saúde: eficácia da classificação.
Grupo observado
Estudantes
Enfermagem
Estudantes Enfermagem (n=353)
320
Grupo predito
Estudantes
Outros Cursos
33
Estudantes Outros Cursos (n=193)
147
46
23.83
Total
467
79
67.03
% Classificação
correcta
90.65
123
sem formação na área da saúde, a eficiência
classificativa é muito reduzida, 23.83%, a que
corresponde a 147 estudantes mal classificados
contra apenas 46 classificados correctamente.
124
Observando os passos seguidos pela análise
passo a passo (Quadro 5) constatamos que das
quatro variáveis aceites pelo modelo, a primeira
e mais importante é o factor – outros poderosos – do questionário OQPS. Em segundo
lugar entrou o factor – significabilidade – do
SOC, seguida do factor 4 – impulsividade/
actividade – do ICAC. Aparece depois, ainda
com valores de p bastante significativos, o
factor – manejabilidade – do SOC. É de
salientar que nenhum dos factores relativos ao
Inventário de Auto-Conceito Físico contribuiu para a diferenciação destes grupos de
estudantes.
A comparação das médias das variáveis
que melhor discriminam os grupos (Quadro
7) permite-nos verificar que os estudantes
que frequentam o primeiro ano do curso de
Enfermagem se diferenciam dos estudantes
que frequentam o primeiro ano dos cursos
sem formação na área da saúde em virtude de
apresentarem valores mais elevados relativos
aos factores outros poderosos, significabilidade e manejabilidade, como também por
revelarem valores menos elevados no factor
4 – impulsividade/actividade – do AutoConceito (Social e Emocional). Isto significa
que os estudantes do primeiro ano do curso
de Enfermagem quando comparados com os
estudantes que frequentam o primeiro ano
dos cursos sem formação em saúde, se revelam: mais internos, sugestivo de uma maior
independência de terceiros para manterem a
saúde; mais convictos de que a vida faz sentido e como tal, as experiências e os problemas
da vida são merecedores do seu empenho
e energia; com uma maior percepção de si
mesmos como possuindo os recursos suficientes quer pessoais quer sociais, para fazer
face às exigências das suas situações de vida; e
menos «impulsivos/activos».
Quadro 7
Médias e desvio padrões das variáveis psicológicas no grupo
de estudantes a frequentar o 1º ano curso de Enfermagem vs
1º ano dos cursos sem formação na área da saúde.
GRUPOS
1º Ano Enfermagem
1º Ano Outros Cursos
VARIÁVEIS
Média
Dp
Média
Dp
20.44
3.90
19.12
4.43
Significabilidade
43.87
6.52
41.87
8.39
Manejabilidade
49.44
7.81
48.76
8.73
12.18
1.58
12.87
1.73
Locus de controlo de Saúde
Outros Poderosos
Sentido Interno de Coerência
Auto-Conceito (Social/Emocional)
F4 “«mpulsividade/actividade»
Reportando-nos aos resultados
obtidos na nossa investigação,
numa tentativa de elaborar
o perfil dos estudantes
com formação académica
superior na área da saúde
(comparativamente com os
que não a têm) podemos dizer
que, duma forma geral, se
caracterizam por serem jovens
para quem a vida faz sentido
a nível cognitivo e emocional,
que aceitam e dão sentido às
experiências negativas tentando
ultrapassá-las, que acham
que vale a pena investir nos
problemas e exigências do dia
a dia (que são desafios bem
vindos e não ameaças a ser
evitadas) e que acreditam que
os resultados relacionados com
a saúde não são contingentes
à acção de outras pessoas mas
que dependem sobretudo
deles próprios, revelandose mais autónomos e mais
independentes de terceiros
(familiares, amigos, etc.) na
manutenção da sua saúde.
Discussão dos resultados
O efeito da área de formação sobre as
notas globais das varáveis psicológicas fez-se
sentir de modo significativo sobre o Sentido
Interno de Coerência e o Locus de Controlo
de Saúde. Na nossa amostra os estudantes de
Enfermagem apresentam um Sentido Interno
de Coerência mais elevado e mostram-se
mais internos do que os estudantes dos cursos
superiores sem formação na área da saúde.
Com a análise da função discriminante
identificámos do conjunto dos factores dos
instrumentos que avaliam as variáveis psicológicas, os que melhor discriminavam os
grupos de estudantes em estudo. Os resultados obtidos, em concordância com os
anteriormente descritos, revelaram que eram
os factores «significabilidade» (Sentido Interno
de Coerência) e «outros poderosos» (Locus de
Controlo de Saúde) que se mostravam como
especialmente importantes na discriminação
dos grupos de estudantes, respectivamente, no
terceiro e primeiro anos dos cursos.
Não encontrámos outros estudos que
tivessem investigado a relação entre estas
variáveis e a área de formação com os quais
pudéssemos comparar directamente os nossos
resultados. Os únicos dados a que tivemos
acesso são descritos por Ribeiro (1993), não
propriamente em função da área de formação,
mas sim em função de instituições escolares
(universidades/escolas secundárias) frequentadas por uma amostra de 639 estudantes jovens
da cidade do Porto. Relativamente ao locus
de controlo de saúde, o autor constatou que
eram os alunos da Escola de Nutrição (com
formação académica superior na área da
saúde) que apresentavam valores mais elevados na nota global da escala, correspondendo
por isso a indivíduos mais internos, e que os
valores mais baixos eram atribuídos aos alunos
de uma escola secundária. Para o factor outros
poderosos, o valor mais elevado, correspondendo à afirmação de maior independência
de terceiros para a conservação da saúde, era
igualmente atribuído aos alunos da Escola de
Nutrição.
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126
Reportando-nos aos resultados obtidos na
nossa investigação, numa tentativa de elaborar o
perfil dos estudantes com formação académica
superior na área da saúde (comparativamente
com os que não a têm) podemos dizer que,
duma forma geral, se caracterizam por serem
jovens para quem a vida faz sentido a nível
cognitivo e emocional, que aceitam e dão
sentido às experiências negativas tentando
ultrapassá-las, que acham que vale a pena
investir nos problemas e exigências do dia a dia
(que são desafios bem vindos e não ameaças a
ser evitadas) e que acreditam que os resultados
relacionados com a saúde não são contingentes
à acção de outras pessoas mas que dependem
sobretudo deles próprios, revelando-se mais
autónomos e mais independentes de terceiros
(familiares, amigos, etc.) na manutenção da sua
saúde. Para estas estratégias de coping, sobretudo a nível da saúde, podem ter contribuído
as experiências e os conhecimentos teóricos
adquiridos com a sua formação.
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Todavia, é importante referir que a amostra
que estamos a tratar é maioritariamente constituída por mulheres, pelo que este facto nos leva
a encarar alguns dos resultados obtidos como
preliminares, necessitando de confirmação
numa amostra mais equilibrada em termos
de género. Para além deste facto, este estudo
apresenta outras limitações, nomeadamente:
não devemos esquecer que se trata de um estudo retrospectivo, que apresenta as limitações
inerentes a este tipo de design; se por um lado
o número de sujeitos que constitui a amostra
total nos parece adequado para as análises
efectuadas, por outro lado, consideramos ser
uma limitação do estudo o facto do número
de sujeitos, do grupo de estudantes dos cursos
sem formação académica na área da saúde, ser
substancialmente menor; e por fim, apesar de
termos feito um esforço para realizar um estudo
integrador e compreensivo, não nos podemos
esquecer que outras variáveis também importantes (por ex.: influência dos pares) devem ser
estudadas em futuras investigações.
propósito, será legítimo entender, por exemplo,
o desenvolvimento positivo do auto-conceito
como uma das tarefas principais da Psicologia
e da Educação (Richman, 1985, conforme
citado por Dias, 2000;Veiga, 1989;Veiga, 1995),
e considerar o papel dos professores como
capaz de um importante impacto no autoconceito e na adequação comportamental dos
alunos (Purkey, 1984, conforme citado por
Dias, 2000;Veiga, 1995).
Sugere-se ainda a realização de investigações que testem e comparem programas de
promoção das variáveis em estudo que possam
ser aplicados nas escolas e com a colaboração
de professores, os quais representariam certamente um importante contributo para o
enriquecimento de alunos e professores. A este
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Maria do Céu de Madureira
Próxima edição
Delia Cerviño
A origem fetal da obesidade
Na verdade, o tratamento da obesidade
infantil é difícil, caro e tem índice de sucesso
relativamente baixo. Logo, a identificação
de estratégias para sua efectiva prevenção é
particularmente interessante. O sucesso é
visto como factor essencial para a saúde das
crianças e, assim, para futuras gerações de
adultos.
A biodiversidade e a
descoberta de novos
medicamentos
O uso tradicional de uma planta pode
ser um indicador da presença de produtos
químicos importantes para o progresso da
medicina. Seria extremamente difícil avaliar
sistematicamente as potencialidades químicas
das cerca de 500 mil espécies de plantas de
todo o mundo. Contudo, o conhecimento
indígena de plantas medicinais pode servir
para direccionar a pesquisa para as espécies
que possam realmente conter produtos
químicos relevantes.
128
Paula Carvalho, Natacha Gigante
Maria Celeste Bastos Almeida, José Luís Pais
Ribeiro
Internamento em Cuidados
Intensivos: aspectos
marcantes
Ao caracterizarmos as Unidades de
Cuidados Intensivos, temos uma imensidão
de aspectos emergem na experiência dos
doentes, para além da doença em si, razão
primeira do internamento. Nesta perspectiva,
não podemos isolar a experiência unicamente
na sua componente física e biológica.
Estar ou sentir-se doente é um todo, na
sua componente física, social e psicológica.
O internamento em cuidados intensivos
é fortemente marcado pela gravidade da
doença, pela componente tecnológica que
caracteriza o ambiente, pelas intervenções
terapêuticas e de monitorização invasiva, e
também pelo impacto psicológico.
A linguagem na Síndrome de
Asperger
Segundo os critérios de diagnóstico, não
é referido como critério a presença de um
atraso geral da linguagem clinicamente
significativo. No entanto, estudos na área
revelam que mais de 50% das crianças com
Síndroma de Asperger apresentam alterações
da linguagem. Apesar do ênfase dado à
componente social e comunicativa, e sendo
esta a área de maior comprometimento,
são sentidas, muitas vezes, alterações a
nível linguístico contrariamente ao que
é preconizado pelos actuais sistemas
classificativos e de diagnóstico.
Gilberto Alves, Nulita Lourenço, Amílcar Falcão
Tratamento Médico da
Epilepsia (parte II)
A Cirurgia
O tratamento cirúrgico da epilepsia é
hoje largamente aceite e reconhecido e
pode ser extremamente efectivo em alguns
doentes, mas pelos riscos que esta opção
terapêutica envolve só deverá ser considerada
para aqueles cuja ausência de resposta
ao tratamento farmacológico tenha sido
cuidadosamente demonstrada.

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