44 - Opinião.cdr

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OPINIÃO
CENÁRIO ECONÔMICO
Alta volatilidade
Marcelo Correa
Antonio Delfim Netto
Professor Emérito da Faculdade de Economia, Administração
e Contabilidade (FEA-USP).
Ex-ministro da Fazenda, da Agricultura e do Planejamento.
C
oisa rara, neste final de 2011 as diversas “tribos” de economistas chegaram praticamente
a um consenso sobre o fato de o mundo caminhar para alguns anos de alta volatilidade e
baixo crescimento econômico. Não apenas
porque os Bancos Centrais não sabem bem o que fazer,
mas porque há uma “conjugação desfavorável” dos astros!
De um lado temos nos EUA uma disfuncionalidade
política que nunca foi tão evidente e que não será resolvida
antes das eleições de 2012. Mesmo que o último apelo de
Obama (Living Within Our Means and Investing on the Future:
The President's Plan for Economic Growth and Deficit Reduction)
que inclui o The American Jobs Act seja compreendido pela
oposição, talvez não venha a tempo para reduzir, antes da
eleição, o dramático desemprego e subemprego; não será
suficiente para alterar o desconforto dos 16% da população sem assistência à saúde ou melhorar a renda das residências americanas (no menor nível desde 1996) e compensar mais de US$ 6 trilhões de redução dos ativos que
elas sofreram desde 2007. Por último, mas não menos complicado: 47% dos cidadãos são hoje dependentes, de uma
forma ou de outra, de alguma ajuda do governo, o nível
mais alto registrado na história dos EUA. Não podemos
esquecer que Obama sequer conseguiu nomear os dois
membros faltantes do conselho do FED, enquanto cresce
o barulho dos enragées ocupando Wall Street exigindo seus
empregos de volta e “de quebra” o fechamento do Banco
Central americano, por suspeita de cumplicidade com as
patifarias dos mercados financeiros.
Simultaneamente, continuam crescendo as já enormes
dificuldades na Comunidade Econômica Europeia, onde
também o Banco Central não revela que sabe muito mais
do que o FED. A situação não melhorará enquanto não se
completar a substituição de Jean-Claude Trichet pelo novo
escolhido, o competente, experiente e pragmático Mario
Draghi. Sua posse estava prevista para o mês de novembro
e ele já assume sob a suspeita dos puristas monetários do
Bundesbank que têm abandonado, oportunisticamente, a
direção do Banco Central europeu, depois das sucessivas
derrotas de Angela Merkel a cada eleição regional. Draghi
deve dizer a que veio, porque na opinião de economistas alemães, “para os italianos, a inflação é uma forma de viver,
como o molho de tomate no espaguete”.
Merkel perdeu muito prestígio porque custou a perceber que “a Política domina a Economia”, esquecendo talvez a principal lição de seu antigo mentor, o chanceler da
unificação alemã, Helmut Kohl. Foi ele quem passou como
um trator sobre as dúvidas dos economistas quanto à sustentação do sistema do euro, mostrando que a introdução
da moeda única, sem discriminar nenhum dos países do
continente, não devia buscar vantagens econômicas nem
efeitos políticos. Trata-se – dizia Kohl – de algo muito maior: dar oportunidade à construção da paz, num continente
sangrado por mil anos de guerras.
O país que mais ganhou com a introdução do euro foi a
Alemanha e agora, pelo menos no curto prazo, é o que
mais tem a perder com a eventual destruição da moeda única. Basta pensar quem estaria hoje na posição do franco suíço se o Deutschemark ainda existisse. E o que seria da prosperidade da Alemanha se as suas exportações não tivessem
se beneficiado da disciplina germânica que “desvalorizou”
o Deutschemark dentro do euro, aumentando a produtividade da mão de obra ao mesmo tempo em que, de acordo
com os sindicatos, controlava o aumento dos salários. Em
outras palavras, a civilizada política alemã de trocar a “estabilidade” no emprego pela “moderação” salarial foi induzida pelo euro.
Com a visível escassez de “estadistas” que se abate
sobre o mundo desenvolvido, o “tempo” da recuperação é
absolutamente incerto. Não se trata apenas de um problema econômico, que os economistas talvez soubessem
resolver, mas de um problema político que os economistas,
mesmo que soubessem o que fazer, não poderiam fazê-lo.
Falta-lhes a legitimidade do poder. Trata-se, pois, de uma
questão de liderança capaz de devolver à sociedade a confiança e a esperança sem as quais não se vê solução razoável
antes das próximas eleições a serem realizdas nos Estados
Unidos e na Eurolândia.
n
RUMOS - 44 – Setembro/Outubro 2011