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Revista Santa Cruz - 1 2 - Revista Santa Cruz EDITORIAL Eu fico com a pureza da resposta das crianças. É a vida, é bonita e é bonita! (Gonzaguinha) E mbalados pelos versos do saudoso poeta, iniciamos o ano de 2012, trazendo o primeiro número da Revista Santa Cruz! Com alegria, registramos a presença amiga do Visitador Geral frei Wanderley Gomes de Figueiredo que nos ajudará na preparação e celebração de mais um Capítulo Provincial, em outubro. “É a vida, é bonita e é bonita!” Este número da Revista Santa Cruz é, na verdade, um espelho que reproduz um pouco da vida de nossa querida Província: desde os relatos de celebrações de Profissão Solene, até os “in memoriam” de confrades que já habitam na “Morada do Altíssimo” e desfrutam da plena vida, “diante do trono e do Cordeiro”. Instigados pela Campanha da Fraternidade deste ano que, mais uma vez, retoma a temática da saúde pública, mais forte se faz o nosso canto em favor da “vida em abundância” para todos. Preparemo-nos para a Páscoa, a festa da vida! Uma boa leitura a todos! Revista Santa Cruz - 1 2 - Revista Santa Cruz SUMÁRIO EDITORIAL.................................................................................................... 01 RECADO DO LEITOR ................................................................................04 DOCUMENTAÇÃO - Da Cúria Provincial: Mensagem do Visitador Geral da PSC, frei Wanderley Gomes de Figueiredo ......................................................... 05 VIDA DA PROVÍNCIA 1. Profissões solenes (Freis Arlaton de Oliveira e Luís Fernando N. Leite) ............................ 08 2. III Encontro Internacional de Comissários da Terra Santa (Frei Francisco Alexandre Viana) ............................................................. 13 3. Entrevista com os freis Ronaldo Zwinkels e Cornélio van Velzen (Freis Júnio Fernando e Arlaton de Oliveira) ........................................ 15 REFLEXÃO 1. Saúde na perspectiva da ecologia integral (Ana Maria Vidigal Ribeiro e José Luiz Ribeiro de Carvalho) ............ 30 2. Resistência popular implícita (Frei Francisco van der Poel, OFM) .......................................................... 33 MEMÓRIA 1. “In memoriam” de frei Frederico Voorvelt (Frei Celso Márcio Teixeira) ...................................................................... 35 2. “In memoriam” de frei Estanislau Bartholdi (Frei Hilton Farias) ...................................................................................... 44 UMAS E OUTRAS - Humor franciscano .................................................................................. 57 Revista Santa Cruz - 3 RECADO DO LEITOR “Eu canto e danço com prazer; Tu me curaste, me fizeste reviver! (Is 38) Graças a Deus, no dia 08 de novembro do ano passado, após ter ficado três semanas sedado e entubado, no CTI cardiológico do Hospital Felício Rocho, acordei vivo, graças também aos intermediários, mediante os quais Deus me socorreu. Entre outros, o meu guardião frei Gabriel, que não demorou em me levar para Belo Horizonte, o meu cardiologista doutor Pedro Roberto Guimarães e outros médicos e enfermeiros do Hospital, a Sra. Maria do Socorro, mãe de duas enfermeiras de nossa casa, em Carlos Prates, que me fez companhia, no hospital, durante 15 dias. Muito grato sou também aos confrades de Carlos Prates que, sob a atenta coordenação de seu guardião, frei Fabiano, me acolheram durante o longo período de convalescença, desde o dia 22 de novembro, festa de Santa Cecília. Muito especialmente quero aqui agradecer as inúmeras e perseverantes orações com que muitas pessoas, dentro e fora de Santos Dumont, rezaram pela minha recuperação. Como me valeram essas constantes rezas! O meu “muito obrigado!” por tudo isto! Voltando para Santos Dumont, espero poder trabalhar mais uns tempos a serviço do Reino, se Deus quiser! Santos Dumont, 15/02/2012 Frei Joel Postma, OFM 4 - Revista Santa Cruz DOCUMENTAÇÃO - DA CÚRIA PROVINCIAL CARTA DE SAUDAÇÃO À FRATERNIDADE PROVINCIAL DO VISITADOR GERAL DA PSC, FREI WANDERLEY GOMES DE FIGUEIREDO Caros confrades, O Senhor vos dê a Paz! Com satisfação, damos início à Visita Canônica nesta Província Santa Cruz, entidade querida pela Revista Santa Cruz - 5 Ordem, tão importante para o povo de Deus no estado de Minas Gerais e Sul do estado da Bahia. Estou aqui em nome do Governo da Ordem e transmito a cada frade e a cada fraternidade a saudação desse mesmo Governo. De um modo especial, transmito a saudação fraterna do nosso Ministro Geral. A Visita Canônica é um momento fraterno e tem como principais finalidades saudar a cada um dos irmãos com benignidade e familiaridade, confortar e admoestar com humildade e caridade (cf. EE.PP - da Visita Canônica, 3). Enfim, é um momento kairótico, momento de graça para o fortalecimento da fraternidade local, provincial e universal. Espero conhecer a situação em que se encontram a Província, as fraternidades e cada frade em especial, além de estimular a todos nos diferentes aspectos da nossa vocação: vida fraterna, evangelização e missão, formação e sustento econômico. Faço votos que consigamos reforçar em nós a comunhão com a Ordem e com a Igreja, além de alicerçar a presença franciscana comprometida com as exigências do mundo atual (cf. EPVC, 26-31). Os guardiães preparem este momento de encontro e tomem as seguintes providências: 6 - Revista Santa Cruz 1. organizem uma celebração de início da Visita Canônica; 2. apresentem os seguintes livros: visita canônica, crônicas, ata de capítulo local, missas celebradas e contabilidade; no caso das paróquias, apresentar, também, os livros de crônicas e de tombo; 3. agendem uma visita ao bispo diocesano; 4. organizem um encontro com os irmãos e irmãs da OFS, JUFRA e OSC; 5. agendem um encontro com o Conselho Paroquial; 6. organizem um Capítulo local e um recreio para o encerramento da Visita Canônica em cada fraternidade. Segundo os Estatutos Particulares para a Visita Canônica e Presidência do Capítulo Provincial, o Visitador Geral tem como elementos importantes para a avaliação da vida fraterna na fraternidade Provincial e local (cf. EPVC, 26): a. a participação na vida fraterna, particularmente no Capítulo local; b. o cultivo da oração e devoção; c. a postura de menores e de construtores da justiça e da paz; d. a fidelidade e o devotamento ao trabalho; e. a vida em pobreza; f. a promoção do carisma franciscano. abaixo. Fiquem inteiramente à vontade para entrar em contato. Com o objetivo de possibilitar uma boa visita às fraternidades, foi feita uma programação com o tempo reservado para cada fraternidade, garantindo, assim, que este seja um momento de revigoramento, celebração do dom da vocação e revisão sincera e esperançosa da nossa vida e missão. Agradeço a acolhida carinhosa e confiante de todos. Vou me esforçar para realizar bem o trabalho fraterno da visitação. Com certeza, será uma experiência de renovação e de enriquecimento para a minha vida pessoal. Deus abençoe a todos. O Capítulo Provincial terá início com o jantar do dia 19/10/2012, em Santos Dumont. Encerrar-se-á com o almoço do dia 25/10/2012. A Comissão Preparatória do Capítulo (CPC) - formada por fr. Gabriel de Lima Neto, fr. Adilson Corrêa da Silva, fr. Joaquim Fonseca de Souza e fr. Jaime Eduardo Ribeiro - esteve reunida no dia 7/2/2012 comigo e com o Ministro Provincial para dar início ao trabalho pré-capitular, conforme os EEPP da PSC (Art. 83 e 84). Um abraço fraterno. Belo Horizonte, 07/02/ 2012 Frei Wanderley Gomes de Figueiredo, OFM Visitador Geral Rua 14 de Julho, 4213 São Francisco 79010-470 Campo Grande – MS Email: [email protected] (67) 3356-4509/9644-0348 Peço com carinho que cada irmão dê atenção especial a tudo aquilo que for solicitado pela CPC, para que a celebração do Capítulo seja expressão sincera da fraternidade provincial. Que cada um se empenhe da melhor forma possível, pois será o envolvimento pessoal que garantirá a consolidação do bem maior da fraternidade. Estou à disposição de todos. Meu endereço postal e eletrônico está Revista Santa Cruz - 7 VIDA DA PROVÍNCIA Nesta seção, encontram-se dois breves relatos sobre a profissão solene de cinco confrades da PSC e de um da Fundação Nossa Senhora de Fátima. Na sequência, uma crônica sobre o “III Encontro Internacional dos Comissários da Terra Santa” e uma entrevista com os confrades jubilares Ronaldo Zwinkels e Cornélio van Velzen. 1. PROFISSÕES SOLENES 1.1. NA PROVÍNCIA SANTA CRUZ Frei Arlaton de Oliveira, OFM Na solenidade da Apresentação do Senhor, no dia 2 de fevereiro, na igreja São Francisco das Chagas, em Belo Horizonte, professaram solenemente os freis Irwin Couto Silva, Robério Antunes Ruas, Rogério Rodrigues, Júnio Fernandes Marques e Luciano Lopes. 8 - Revista Santa Cruz Da direita para a esquerda: Irwin, Júnio, Luciano, Robério e Rogério. A celebração foi presidida pelo ministro provincial frei Francisco Carvalho Neto e concelebrada por frei Adilson Corrêa da Silva, pároco da referida Igreja. Estiveram presentes confrades de várias fraternidades da Província Santa Cruz, postulantes, familiares e amigos dos frades professandos. Em sua reflexão, o ministro provincial ressaltou a importância de se escolher esse dia para a realização das profissões solenes, na Província. Ele fez a relação entre a festa da Apresentação do menino Jesus no Templo com a consagração religiosa. Segundo ele, a consagração é, na realidade, uma “apresentação”, uma entrega total ao Senhor. Buscando estabelecer um paralelo entre os pais de Jesus, que o trouxeram ao Templo para ser consagrado ao Senhor, frei Francisco se referiu aos pais dos professandos, num tom de agradecimento, dizendo que, de alguma forma, eles também, hoje, entregam seus filhos aos cuidados de Deus, da Igreja e da Ordem. Em seguida, discorreu sobre a vocação do papel do religioso no mundo atual: por meio dos conselhos evangélicos, o frade menor torna-se sinal e presença de Deus e, por isso mesmo, deve se posicionar e testemunhar o Evangelho na oração e no serviço ao reino de Deus. O Provincial ainda recordou aquilo que é próprio da Ordem dos Frades Menores: reconhecer-se Revista Santa Cruz - 9 como irmão menor que se coloca disponível para o serviço do Reino, com humildade e simplicidade. “Somos uma fraternidade. Somos irmãos e atuamos em conjunto, atentos àquilo que o Senhor quer de nós!”- enfatizou. Terminada a homilia, procedeu-se o rito da Profissão. Diante do ministro provincial, os frades afirmaram seu desejo de se consagrarem definitivamente na Ordem dos Frades Menores. Logo após o canto da “Ladainha dos santos”, cada um se ajoelhou diante de frei Francisco e, nas mãos dele, emitiu seus votos de pobreza, castidade e obediência. Depois de terem recebido um exemplar da “Regra da Ordem dos Frades Menores” e a bênção, os neoprofessos foram calorosamente acolhidos pelos frades e parentes mais próximos com o abraço da paz. No final da celebração, frei Luciano Lopes fez os agradecimentos em 10 - Revista Santa Cruz nome dos colegas neoprofessos. Recordou do período de formação inicial e agradeceu a todos que, de algum modo, estiveram envolvidos nessa etapa, especialmente os confrades formadores e os irmãos de caminhada. Agradeceu, de modo especial, a seus familiares e amigos, bem como a todas as pessoas que os acolheram em suas comunidades de origem, onde foram realizados os “tríduos vocacionais”. Por fim, agradeceu a presença de todos. Após a celebração, toda a comunidade se dirigiu ao salão paroquial para o jantar de confraternização, preparado pelos leigos da paróquia São Francisco das Chagas. Aos confrades neoprofessos, o desejo sincero de perseverança, saúde, ânimo. Possam, a exemplo do Seráfico Pai São Francisco, ser instrumentos da paz e do bem. 1.2. NA FUNDAÇÃO NOSSA SENHORA DE FÁTIMA (TRIÂNGULO MINEIRO) Frei Luís Fernando N. Leite, OFM A Fundação Franciscana de Nossa Senhora de Fátima do Brasil, no Triângulo Mineiro, esteve em festa entre os dias 08 a 11 de dezembro de 2011, em vista da profissão solene na Ordem dos Frades Menores do confrade frei Emanuel Fernandes Pereira. Durante esses dias, recebemos, em nossa região, os confrades do Convento Santa Maria dos Anjos, de Betim, e outros freis da Província Santa Cruz. Também esteve presente frei Pedro Silva, de Guaratinguetá (SP), da Província da Imaculada Conceição, além de religiosas e leigos que, com alegria e disponibilidade, colaboraram na preparação do povo de Deus para essa grande festa, durante o tríduo vocacional. O primeiro dia do tríduo (8/12) foi celebrado na cidade de Araguari, na comunidade “Nossa Senhora Desatadora dos Nós”, dia da festa da padroeira. Festa bonita, igreja cheia e muita alegria. Nessa paróquia, frei Emanuel fez a experiência de seu “ano franciscano”, em 2010. Durante o dia, foram visitadas as escolas do Bairro de Fátima e os doentes; à noite, a celebração. No dia seguinte, a equipe missionária se dirigiu para a cidade de Uberlândia para o segundo e o terceiro dia do tríduo, na Paróquia Nossa Senhora de Fátima. À noite, a comunidade se reuniu para a celebração. Era visível a alegria e a surpresa do povo ao ver tantos frades reunidos, animados, celebrando a vida e a vocação, na paz e no bem. Revista Santa Cruz - 11 Na manhã do dia 10, às 6h20min, os frades já estavam na rua, em frente à casa da fraternidade franciscana para se dirigirem ao Mosteiro Monte Alverne das Irmãs Clarissas. Ali, na alegria e na simplicidade, com as irmãs, iniciamos o terceiro dia do tríduo com a celebração da eucaristia. Rendemos graças a Deus por Francisco e Clara de Assis, pela vocação do frei Emanuel e também pela vida do frei Pedro, que celebrava seu dia natalício. Depois da celebração, ganhamos um delicioso café da manhã, oferecido pelas irmãs. No início da noite, às 18h, na Matriz de Fátima, celebramos junto àquela comunidade. Depois da celebração, nos reunimos para um recreio fraterno na comunidade franciscana, com todos os frades, inclusive o ministro provincial frei Emanuelle que chegara da Itália, no período da tarde, junto do secretário provincial frei Martino. Chegado o grande dia (11/12), às 10h, deu-se início à celebração. Uma celebração pautada no anúncio da vinda do Salvador feito homem que veio morar no meio de nós, do Deus que põe em prática o seu projeto de salvação dos humildes. Essa humildade expressa na vida de Francisco que abraçou o Cristo pobre humilde e crucificado. Durante a celebração, o ministro Provincial expressava 12 - Revista Santa Cruz em palavras com ajuda e tradução do frei Rodrigo de Castro, a alegria de presidir esse momento tão importante para a Ordem Franciscana, para a Igreja e a todos que amamos Francisco de Assis. A celebração durou três horas, mas não nos cansou. O momento mais emocionante foi quando frei Emanuel pronunciou a fórmula da Profissão, entregando a Deus Pai sua vida, fazendo o bom propósito de viver mais de perto o Santo Evangelho, à luz dos conselhos evangélicos de Obediência, Nada Próprio e Castidade. Ao final da celebração, feitos todos os agradecimentos e homenagens da parte de familiares e dos confrades do convento Santa Maria dos Anjos, frei Emanuel agradeceu a todos aqueles que, de uma maneira ou de outra, fizeram e fazem parte de sua formação. Depois de participarmos do banquete eucarístico, todos foram convidados para um delicioso almoço nesse dia de alegria. Que o Deus da vida ajude e dê força ao frei Emanuel nesse encargo que ele abraçou com toda a alegria do coração. 2. III CONGRESSO INTERNACIONAL DE COMISSÁRIOS DA TERRA SANTA Frei Francisco Alexandre Viana, OFM Aconteceu, do dia 30 de janeiro a 05 de fevereiro de 2012, no convento São Salvador, sede da Custódia da Terra Santa, em Jerusalém, o III Congresso Internacional de Comissários da Terra Santa. Éramos 116 participantes, entre comissários da Terra Santa, vice-comissários, amigos e auxiliadores dos frades neste serviço. Iniciamos com a eucaristia presidida por nosso ministro Geral, frei José Rodrigues Carbalho. Na sua homilia, ele destacou a importância do encontro com o Senhor, que nestas terras viveu, anunciou a sua boa-nova, morreu e ressuscitou. Este mesmo encontro motivou Francisco de Assis a enviar seus frades, em 1217, à Terra Santa e, ele mesmo, fazendo esse caminho, em 1219. Desde esse momento em diante, a presença franciscana nos “lugares santos” nunca se interrompeu. Em 1432, foi concedida aos frades a tarefa de custodiar esses lugares, em nome da Igreja. Cada dia do Congresso começava com a celebração da eucaristia. Depois tínhamos as reflexões feitas em plenária para, em outro momento, refletirmos em grupos os diversos assuntos apresentados. Os temas principais desse nosso Congresso foram: a elaboração de um Vade mecum que sirva de instrumento de trabalho e orientação entre comissários e a custódia; a relação dos comissariados com as dioceses, províncias e custódias; uma apresentação dos diversos trabalhos realizados pela Custódia; a Revista Santa Cruz - 13 criação de uma revista Terra Santa em português; a importância do serviço da Terra Santa como um campo privilegiado da Ordem dos Frades Menores; uma prestação de contas referente à contribuição dos comissariados e os novos desafios frente à diminuição dos comissariados na Europa. da Ressurreição como a palavra de força transformadora de vida. Palavra capaz de mudar situações e de transformá-las em situações de ressurreição. Sendo também palavra de encorajamento para nós, no anúncio do evangelho e do serviço ao povo de Deus nestas terras. Foram momentos fortes de vivência da fraternidade universal, como desejava nosso Pai São Francisco. Também foram fortes os momentos celebrativos. Destaco aqui a celebração da eucaristia diária, a celebração de vésperas na Basílica da Natividade, em Belém, a Via-Sacra e a eucaristia na Basílica do Santo Sepulcro. Por fim, desejamos que esta mesma palavra ajude a cada um de nós frades a viver e praticar o evangelho no nosso dia a dia. E que possamos descobrir a importância deste “quinto evangelho”, a Terra Santa, com seu valor histórico de salvação e a sua beleza na diversidade de povos, mesmo diante dos desafios. Que possamos, como Francisco de Assis, sermos anunciadores deste serviço confiado à nossa Ordem. Desta última, chamou-me a atenção a homilia de nosso Custódio, frei Pierbattista Pizaballa, que enfatizou o acontecimento 14 - Revista Santa Cruz 3. ENTREVISTA COM OS FREIS RONALDO ZWINKELS E CORNÉLIO VAN VELZEN Neste ano de 2012, os freis Ronaldo Zwinkels e Cornélio van Velzen celebram 60 anos de vida consagrada. Nas páginas que se seguem, dentre outras coisas, eles nos falam de sua vocação e missão. nasceram inesperadamente dois filhos: Johannes Paulus e Adrianus Petrus, a minha pessoa, na garupa. Surpresa geral e trabalho dobrado para nos manter aquecidos. 3.1. FREI RONALDO ZWINKELS RSC: Frei Ronaldo, fale um pouco sobre você, sua origem e sua família. Frei Ronaldo: Minha mãe entrou em trabalho de parto dia 14 de fevereiro de 1929, durante um dos invernos mais rigorosos e severos dos últimos 50 anos. A parteira não conseguia resultado e meu pai foi, de bicicleta, buscar o médico da família, de madrugada, pedalando 2 km sobre gelo e neve, com uma temperatura de muitos graus abaixo do zero. O motor do carro Ford 29 do médico estava congelado. Eles foram então à garagem da Vios, empresa de viação, que mantinha dois ônibus de motor ligado durante a noite inteira. A empresa colocou um ônibus à disposição e os dois encontraram minha mãe em situação crítica. O médico foi competente e logo Nasci e fui criado no município de Wateringen, na Holanda do Sul, na região Westland, hoje conhecida como “A Cidade de Vidro”, assim chamada por causa de um seriado na TV sobre aquela região típica que concentra o cultivo de flores, verduras e frutas em sistemas de estufas de vidro. Região situada entre as cidades de Haia e Rotterdam. Sou de uma família numerosa, de 14 filhos, cinco homens e nove mulheres. Com meu irmão gêmeo, Revista Santa Cruz - 15 somos o segundo e o terceiro. Meu pai era horticultor de estufa. Em apenas dois hectares de terra, (tamanho médio na época), em grande parte coberta de estufas, cultivávamos uvas de mesa como produto principal, e pêssego, tomate, pera e maçã, e toda a espécie de hortaliça que os campos abertos só conseguiam produzir em tempo de verão. Desde cedo, nós, os filhos homens, ajudávamos o pai e os empregados. Vizinhos davam uma mão extra em dias de colheita, assim como nós os ajudávamos também na hora do aperto. Desta maneira, atravessavamos o difícil período da crise econômica que tinha estourado em 1929, em nível mundial, afetando também gravemente a horta e granjacultura. Apesar das dificuldades financeiras, nós tivemos uma infância muito boa. Sem maiores dificuldades na escola primária. Muita opção para brincar, apesar das constantes brigas entre os alunos da escola protestante e da católica. Havia dois canais navegáveis para pescar diversos tipos de peixe. Quando pegávamos peixe demais, minha mãe mandava jogar tudo para os porcos ou galinhas. A criançada da vizinhança frequentava muito nossa casa. 16 - Revista Santa Cruz No dia 10 de maio de 1940, Alemanha declarou a guerra à Holanda. Eu estava com 11 anos de idade. Acordamos às quatro horas da manhã. Olhamos pela janela do segundo andar da nossa casa e ficamos perplexos pelo cenário que se desenrolava diante dos olhos: combate aéreo entre aviões holandeses e ingleses contra os aviões alemães. Descida de milhares de paraquedistas alemães, saltando aos montes de grandes aviões, aviões atacados e em chamas. Era um cenário infernal. Os alemães ocuparam, de surpresa, o campo de aviação militar Ypenburg, perto da nossa casa. A família ficou abrigada na adega da casa. As estufas tiveram grande prejuízo, pois ficaram com muitos vidros estilhaçados. Os militares alemães ocuparam a nossa escola e a vida mudou. O vigário da nossa paróquia, que participava de nossas brincadeiras, foi levado para o campo de concentração em Dachau. Foi libertado no final da guerra. O pároco da paróquia vizinha, amigo da família, foi prisioneiro e morto no campo de concentração em Dachau. Os móveis e outros bens particulares do padre ficaram guardados em nossa casa até o final da guerra. Um foguete V2 caiu num orfanato a 1 km de distância, matando uns vinte meninos e alguns irmãos de alguma congregação religiosa. Um irmão sobrevivente do instituto ficou hospedado conosco durante uns quatro meses. Chegou só com a roupa do corpo. A escola protestante passou a ser a nossa escola também. Tivemos aulas em turnos diferentes, dividindo os “bodes” das “ovelhas”. Um foguete V1 pegou a ponta do telhado de uma estufa nossa e matou um amigo e colega de escola. A fome agravou-se, recebíamos crianças em turno para o almoço. Muitos moradores da Haia vinham buscar verduras ou frutas às escondidas. Vender para o povo era severamente proibido e castigado quando descoberto. Eu tinha que assumir muitas vezes a responsabilidade, para meu pai não sofrer as consequências. Toda a produção tinha que ter a Alemanha como destino. Entre eles havia dois judeus que, no final da guerra, sumiram. Após a guerra, reapareceram e vieram nos agradecer. Uma rara foto da família feita durante a guerra foi tirada por eles. Com 15 anos de idade tive que fazer trabalho forçado, com toda a população masculina disponível para construir diques nos pólderes. Estes pólderes foram depois inundados sem dó ou piedade pelos alemães, servindo de defesa contra uma eventual invasão dos ingleses. Um alemão frequentava nossa casa a pedido do pároco. Era um padre da congregação dos Crúzios, padre Fischer. Este foi forçado a servir exército como enfermeiro e celebrava a sua missa, às escondidas, na Casa Paroquial. Vinha com o pároco ou sozinho “tirar prosa”. RSC: Como surgiu a vocação franciscana? Frei Ronaldo: Minha vocação era ser missionário, desde criança. A religiosidade da família, as pregações de missionários na paróquia, a frequência dos padres da paróquia à nossa casa influenciaram a minha vocação. A guerra parecia ter matado minha vocação, mas com o término da guerra, meu antigo desejo de me tornar um religioso retornou com mais força. Aspirava ser missionário em Nova Guiné. Os franciscanos tinham missões em Nova Guiné. Daí a vontade de ser franciscano. Eu os conhecia pelas pregações que faziam em nossa Paróquia. Lutei durante um bom tempo contra. Tinha que Revista Santa Cruz - 17 decidir entre o seminário ou a escola técnica agrícola. Gostava do trabalho nas estufas e o ideal de muitos filhos de cultivadores em estufas era seguir a tradição familiar. Meus irmãos e cunhados todos escolheram de fato o mesmo ramo. Depois de muita hesitação e fervorosa oração, finalmente decidi e isto me causou uma grande alegria. Falei com meus pais. Estes, surpresos, acolheram, de bom grado, a minha decisão. Quem teve dificuldade de aceitá-la foi meu irmão gêmeo. RSC: E sua vinda para o Brasil? Frei Ronaldo: Cheguei ao Brasil no dia 1o de novembro de 1955. O Brasil não era minha primeira opção. Quando, em Venraay, chegou um pedido para que a Província da Holanada enviasse dois frades para fazer a teologia no Paquistão, nosso mestre de Filosofia conseguiu convencerme a aceitar a missão. Hans Baars, o caçula da nossa turma, também foi convidado. E aceitou também. Seríamos, portanto, dois missionários enviados para a Missão de Paquistão. Nesse ínterim, houve uma decisão tomada em Paquistão de unir 18 - Revista Santa Cruz a formação superior dos frades do Paquistão e da Índia, além de introduzir um terceiro ano de Filosofia. Esta decisão tornou inviável mandar estudantes da Holanda para lá sem antes terem estudado teologia. Logo depois chegou um pedido do Brasil para mandar dois estudantes. Nós dois fomos procurados pelo vice-provincial. Hans Baars, o caçula, preferiu terminar seus estudos na Holanda e depois de ordenado ir ao Paquistão. O que de fato aconteceu, enquanto que eu aceitei vir para o Brasil, junto com Ângelo van Heiningen e Heleno Smits. E me preparei com muito entusiasmo. A chegada de navio ao Rio de Janeiro de madrugada foi deslumbrante. Um novo mundo abriu-se diante dos olhos, país tropical. Fui encaminhado para Divinópolis, viajando de trem de segunda classe (experiência única!) e iniciei o curso de teologia, em 1956. Quanto à adaptação, esta se deu naturalmente. A comida era pouco variada nas últimas mesas, as mesas dos novatos. Pelo costume hierárquico que reinava no convento o melhor nos pratos era consumido nas mesas mais acima. RSC: Dentre os diversos lugares por onde o senhor passou, há algum que mais marcou sua vida? Frei Ronaldo: Fora os lugares onde estive por curto período, como em Teófilo Otoni, Nanuque, Salinas e Taiobeiras, a minha vida pastoral desenvolveu-se basicamente nos seguintes lugares: Pirapora (7 anos), Medeiros Neto (15 anos), Teixeira de Freitas (9 anos), Nova Viçosa, Itabatan e Abaeté-Paineiras (6 anos), Divinópolis (a partir de janeiro 2001). Os lugares mais marcantes foram: A convivência entre mineiros e gaúchos (de origem alemã ou italiana) e holandeses tinha também suas dificuldades. Na aprendizagem da língua não tive professor, fui aprendendo por conta própria, aos poucos. Às vezes me sentia um minus habens, por não conseguir me expressar direito. A religiosidade popular continha forte expressão devocional e era um elemento novo para assimilar. Mas o povo aceitava a gente com grande espontaneidade, o que facilitava muito o processo de adaptação. - Pirapora: Em especial, a fundação do Colégio Estadual Luiz Balbino, no Serradinho, periferia da cidade. Esta escola proporcionou o desenvolvimento de um bairro distante e de extrema pobreza. Destaco também a construção do Santuário Santo Antônio, os longos giros a cavalo pelo interior de Pirapora, Buritizeiro, Várzea da Palma e Lassance; as aulas noturnas e gostosas dadas à primeira turma do recém-criado 2o grau no Ginásio São João Batista, tendo o prefeito municipal e o pastor da Igreja Batista entre os alunos e muitos outros da “alta” da cidade. Revista Santa Cruz - 19 quele município que mais crescia na Bahia. Outros desafios: conciliar as diversas tendências e linhas de pastoral; coordenar a pastoral diocesana, além de contornar, durante as assembleias, tentativas de manipulação da parte de grupos de linhas de pastoral divergentes, nas decisões finais; acompanhar o crescimento deFrei Ronaldo junto com o povo no sul da Bahia sordenado da cidade - Medeiros Neto: O espírito do formando, a cada ano, novas coVaticano II trouxe novos métodos munidades, novas lideranças e e ação como, por exemplo: a construindo centros de pastoral ou criação de comunidades urbanas igrejas nos bairros novos; realizar, e rurais; a formação de lideranças; junto com o bispo dom Antônio, a renovação da Catequese. O o complicado e demorado procesreligioso e o social se misturaram: so da formação da diocese de Registro civil das crianças; alfa- Eunápolis. betização de adultos; fundação do sindicato rural; construção Itabatan: É um capítulo à parte. de centros comunitários; igreja e Trata-se de um pequeno distrito agrovilas; lar dos idosos; cerâmica de 1.000 habitantes que, dentro de e filtros de água. Guardo boas pouco tempo, atingiu a casa dos recordações das viagens longas e 10.000. Isto devido à implantação difíceis, de jipe, por estradas mui- da megaindústria de papel e tas vezes quase intransitáveis e o celulose Baía Sul. Itabatan não tinha condições de administrar o contato gostoso com o povo rural. - Teixeira de Freitas: Foi um tempo caótico crescimento em nenhum de desafios: o maior deles foi setor público. O bispo e o administrador do atender ao pedido do bispo dom Antônio Zuqueto para que distrito pediram minha colaboorganizasse duas paróquias na- ração nessa fase explosiva de 20 - Revista Santa Cruz expansão do lugar. Ajudei a amenizar a falta de infraestrutura na formação de um novo bairro, no planejamento de um hospital diocesano, na construção da igreja, na formação da paróquia e na projeção de um colégio diocesano. Todo esse serviço tinha que ser feito em paralelo com os serviços existentes na paróquia em Teixeira de Freitas. sem olhar no espelho ou fazê-la a partir da memória benevolente de um idoso. Deus tem sido bom e misericordioso comigo, também nos momentos de crise. Se fui um instrumento útil, agradeço a Deus. Quando não pude corresponder plenamente a minha vocação, me cabe, agora, pedir perdão a Deus e às pessoas que tenho decepcionado. RSC: Celebrando 60 anos de vida religiosa, como o senhor avalia sua vocação e missão? RSC: Finalizando nossa conversa, o senhor gostaria ainda de relatar algo que não foi dito acima, mesmo que seja um fato pitoresco? Frei Ronaldo: A minha vida de 83 anos completos é mais abrangente que a vida religiosa. As experiências vividas antes dela mantiveram forte influência. Elas continuam enraizadas na minha vida. Fui muito abençoado por Deus por ter nascido e vivido numa família numerosa que soube trabalhar e partilhar. A vida religiosa sustentou-me e me incentivou na realização da vocação missionária, daquele espírito pioneiro que sentia. O governo provincial me deu oportunidade de trabalhar em terras pioneiras da nossa Província. E neste sentido me sinto realizado na vocação. Avaliar minha vida é avaliar a mim próprio, nas diversas fases da vida. É inevitável fazer uma avaliação Frei Ronaldo: Aí vai um episódio curioso, acontecido numa fazenda do Extremo Sul da Bahia. Todos os anos, acontecia uma grande festa de batizado, organizada pelo gerente de uma fazenda situada na divisa dos municípios de Medeiros Neto e Lagedão. Os agregados e as famílias vizinhas traziam seus filhos para se tornarem cristãos. O proprietário, dono de uma usina de açúcar, em Pernambuco, também se fazia presente. O ambiente era bem grosseiro. Depois da celebração da missa e do batismo, era servido um banquete. Mesa copiosa de comida gostosa. O prato principal dessa Revista Santa Cruz - 21 vez foi um grande leitão assado, trazido pelo gerente com muita pompa e circunstância. O prato foi colocado no centro da mesa comprida com uma salva de palmas! Os convidados esperavam pelo segundo ato daquela “liturgia do leitão”, ou seja, degustar a saborosa iguaria. Mal o gerente se afastara da mesa, chegou um homem baixinho e bêbado. Este pegou o suculento prato e se dirigiu, às pressas, até o chiqueiro e jogou o bicho para os porcos! Entre gritos e exclamações dos comensais diante daquela inusitada cena, apareceu o gerente que agarrou o infrator e lhe deu 22 - Revista Santa Cruz uma surra, na presença de todos. A violência foi tamanha que o pobre coitado mal podia levantar-se. O vaqueiro pegou-o, arrastou-o e trancou-o no depósito das selas e dos arreios dos cavalos. Não faltaram comentários da parte dos presentes que, por um lado, questionavam o fato em si e, por outro, ponderavam que o “baixinho bêbado” costumava aprontar poucas e boas em ocasiões como esta. E ainda: o comentário mais pertinente era o de que aquele pobre coitado “sabia demais”. Apesar de tudo, a festa terminou em paz, ninguém passou fome, comida não faltou. 3.2. FREI CORNÉLIO VAN VELZEN RSC: Frei Cornélio, fale-nos sobre sua origem e vocação. Frei Cornélio: Não é aconselhável pincelar em poucas palavras um tempo de 60 anos. Quem projeta uma ponte sobre um rio com pilares gasta muito tempo, calculando, desenhando. O rio da vida está cheio de imprevistos. Quem é capaz de superá-los? Lá se foram 60 anos de vida consagrada. Tudo começou quando eu tinha 21 anos de idade, em Hoogcrutz, no sul da Holanda. Além de Hoogcrutz havia mais um noviciado em Stoutenburg, no centro da Holanda. O número dois significa um número expressivo de candidatos para a vida religiosa. Muitos jovens se sentiram atraídos por esse tipo de vida naquele tempo. Depois entrou em declínio e diminuiu o número de candidatos. A aventura para mim começou em 1952. seminaristas. Em cada casa morava um certo número de estudantes. A gente frequentava o ginásio para ter aulas, participar das Missas (em latim), e estudar no salão. Uma grande parte da vida se passava ao redor do colégio. Nas casas, a gente morava, comia, dormia e, de noite, estudava um pouco. Era um sistema interessante porque uma parte da vida ficava por conta de um grupo de jovens responsáveis pelo bom atendimento em casa. Os freis, morando perto do ginásio, no convento, tiveram como tarefa acompanhar os estudantes nas casas espalhadas na cidade. Essa vigilância não era severa. O mais idoso do grupo de estudantes era, em geral, responsável pela boa ordem da turma. Este sistema possibilitou-nos desenvolver o senso de responsabilidade. Além de missas diárias, em latim, havia também o costume de confissão frequente. Tudo isso se passou entre os anos 1946 até 1952. Antes de entrar naquela ponte de uma vida nova, houve a preparação. Passei seis anos no seminário me-nor, em Megen, na Brabantia, à beira do rio que corta Holanda em dois. Megen não era um seminário comum. Tinha como especialida-de o sistema de casas separadas, onde moravam os Revista Santa Cruz - 23 A guerra mundial terminou em 1945. Marcou a vida de muita gente. Começou em 1940. Sem mais nem menos, os alemães invadiram o pequeno país sob o motivo de proteger a gente contra os ingleses. Começou o tempo de mentira, a opressão. Acabou a nossa liberdade. Nesse tempo foi semeada dentro de mim a semente da resistência. situação com uma certa ajuda. A lição de meu pai foi esta: não quero para meus filhos o que está acontecendo comigo. Os pais faziam de tudo para que os filhos estudassem na escola. Fora disso, a gente trabalhava no sustento da família. O trabalho fazia parte da vida. Não havia outra saída. Foi nesse tempo que surgiu, na família, a minha vocação. O tempo de seminário parece um passo para trás, mas na entrada de uma ponte a entrada é muito importante. Quem olha bem vai notar que chove muito a água começa a mexer com essas partes. A entrada é a preparação para o resto como acontece também na vida da gente. Por isso é útil essa comparação. Nesse tempo de guerra, manifestei a vontade de estudar. O número de candidatos foi tão grande que devia esperar um ano para entrar no seminário. Minha mãe me acompanhava de perto, dando tudo de si para realizar o seu sonho. “Seminário” significa ficar um certo tempo fora da convivência da família, voltando na época de férias. Quanta mudança na vida da gente! A gente entrava aos poucos nesse novo ambiente completamente diferente. Era o preço que a gente pagava nesta nova vida. Senti a dificuldade nos estudos. A pessoa aceita em vista do ideal que abraçou. Gostava de estudar as matérias, a formação acadêmica no ginásio. Um segundo passo para trás é o tempo na família. Quero descrevêlo em poucas palavras. Antes da guerra, a Europa passou por uma grande crise. A Alemanha nunca aceitou as condições de paz depois de 1914 a 1918. Ficou encolhida, mas era um tempo de alimentar a reação. Nasci numa família numerosa de nove, ficando no meio, enquanto mamãe cuidava dos filhos, em casa, conforme o costume daquele tempo. Meu pai caçava serviço sem encontrálo. Era o tempo de desemprego que atingia a população em geral. O governo procurava sanar tal 24 - Revista Santa Cruz No mês de setembro, entramos no noviciado em Hoogcrutz (22) e Stoutenburg (20) e em Weert (4), para ser irmão. Um total de 46. Era um mundo totalmente diferente de oração, estudos, trabalhos manuais e aulas sobre a vida religiosa. Tínhamos a oração à meia-noite e fui convidado para acordar o pessoal na hora certa. Não tinha contato com as pessoas de fora. No dia de domingo, vinha gente da região participar da Missa solene em que cantávamos em latim. Poucas vezes a gente saía para caminhar e conhecer o ambiente de Limbúrgia. Era mais uma vida voltada para dentro. Na época dos estudos de Filosofia e Teologia - nos outros conventos de Wychen, Alverna e Wert - tínhamos um pouco mais de liberdade. No período pós-guerra, fomos convidados a trabalhar na reconstrução da Europa. Era um trabalho iniciado por frei Werenfried Verstraten. Trabalhamos no período das férias em vários países como França, Áustria e Holanda. Foram três anos seguidos. Uma experiência que ajudou a abrir um pouco mais a nossa mente. O centro de tudo era a formação religiosa e intelectual. A gente não saía para outras coisas, foi muito mais na teoria sem entrar na prática. Criou-se a impressão de que tudo aquilo bastasse para o futuro. Fomos, em certo sentido, preparados para entrar em qualquer parte do mundo. Entre nós havia a separação dos irmãos leigos dos outros freis. Eles ficavam em Weert, um grupo pequeno, reduzido. A formação deles era outra. RSC: Como foi sua nomeação para o Brasil? Frei Cornélio: No ano de 1959, terminamos os estudos e fomos ordenados em Weert. O número de sacerdotes era tão grande que uma parte era destinada para trabalhar na terra das missões. Senti-me mais atraído para as missões sem saber ao certo em qual país. No meu caso, tudo ficou no ar. Havia três possibilidades: Brasil, Nova Guiné e Paquistão. Não sabia de nada sobre os três. Na última hora (um colega foi com atestado médico declarado apto para Nova Guiné), recebi a notícia de minha nomeação: Brasil... Tinha um conhecimento geral a respeito. A língua não sabia. O jeito era embarcar e entrar na jogada. Viajamos de navio e no fim do mês de setembro, após umas duas semanas de viagem, avistamos o Rio de Janeiro. Durante a viagem, pude, aos poucos, me dar conta do que seria um missionário. RSC: E sua adaptação em nossas terras? Frei Cornélio: Lembro-me da chegada ao Rio. Quem estava lá era o nosso frei Antônio. Um homem Revista Santa Cruz - 25 tarimbado para esse trabalho. Fazia amizade com a alfândega, o que facilitava a nossa entrada com tantas malas. Um outro frei holandês tinha dificuldade com tanto material. De fato, o número era muito alto. Aqui descobri a importância do jeitinho brasileiro. O que para um era uma impossibilidade, para o outro um excesso de confiança. Tudo entrou com tranquilidade. Era o fruto de duas culturas. Esses fatos chamavam a atenção. Passei em várias cidades para aprender o português. Descobri muito mais. O povo, aos poucos, começou a mudar completamente a minha vida. A primeira experiência na pastoral se deu em Corinto e Pirapora. Eram as paróquias para aprender a língua. Custou. Assim mesmo celebrei Missas em latim e o primeiro sermão fiz em Corinto, no dia de Nossa Senhora da Conceição. Era curtinho... O vigário estava no fundo da Igreja. Falei duas vezes o mesmo. A munição era pouca. O que fazer? Em Pirapora fui chamado para atender uma senhora doente. O jeito era ungir e rezar, em holandês. Uma professora ofereceu o pão e me lembrando que negar ia incomodá-la, respondi “sim”. Outros colegas devem se lembrar destas histórias. Lembro-me de frei Heleno entrando no ônibus com guardachuva, atingindo uma senhora, 26 - Revista Santa Cruz dizendo e “com licença”. A gente ainda não entendia o sentido das palavras. Não havia outro caminho do que entrar na vida diária. A primeira nomeação foi para a paróquia de Muzambinho. Fiquei pouco tempo lá. Cheirei os primeiros passos no interior. Andava com um Fordinho de 1929. Um colosso para dar dor de cabeça. Visitava as comunidades rurais. O batismo verdadeiro foi em Teófilo Otoni, no tempo de dom Filipe e frei Aquino. A roça ficou por minha conta. Andei de carro (candango) com o vigário um quarteirão e logo em seguida acrescentou: “a paróquia de Topázio está à sua disposição”. No início era assim: dois trabalhavam na cidade e um na roça. Esse último sobrou para mim. Era o batismo de fogo. Senti vontade de trabalhar de dois, neste caso, com frei Luciano e frei Teipel. Surgiu o nome a “Equipe Rural”. Começamos a experimentar. Em Salinas demorei para levantar voo. Frei Venâncio animou a turma, introduzindo o Culto Dominical. Fiquei mais na retaguarda, na cidade, acompanhando os casais no bairro de São Geraldo. Tudo consistia em “experimentar” e crescer com o nosso povo. Os primeiros contatos com o povo de Teófilo Otoni foram aprofundados em Salinas. O contato com o povo virou diálogo, quebrando o gelo da distância. Parti contando com os leigos, aqueles e aquelas que fazem parte constante do povo. O povo foi preparado para realizar o Culto no domingo, através de cursos. Aprendia a falar, ler e preparar os encontros semanais. Caratinga se tornou um ponto de referência com cursos, grupos de reflexão, de liderança. Essa caminhada marcou profundamente o nosso povo. Sou testemunha disso e essa história está gravada na caminhada do povo. Natal e Quaresma tiveram cursos de três dias. Perguntas e respostas possibilitavam o aprofundamento de certos temas que eram depois utilizados nas comunidades. Depois a gente recebia cartinhas de agradecimentos. A satisfação era dos dois lados. Num certo momento, o número de comunidades aumentou, chegando até a cinquenta. As lideranças assumiam a sua responsabilidade. A gente cobrava e eles aceitavam. O encontro com os irmãos, em Araçuaí, nos colocou em contato direto com a equipe de Caratinga. Quem se esquece do trabalho de Alypio e João Resende? Nossos líderes descobriram o seu potencial, dando cursos em muitas comunidades nossas e de paróquias vizinhas. Os leigos andavam ao lado dos freis e a gente se entendia muito bem. Era um ambiente de gente adulta e ponderada. Juntei o material daquele tempo como memória viva da paróquia. O leigo fica e o padre passa. Sem padre ou frei, mas o leigo está presente. Os freis, os padres são outros, mas eles ficaram, estão à disposição. Sem dúvida, o leigo acordou, descobriu o seu valor. O padre também começou a enxergar a realidade, sobretudo depois do Concílio Vaticano com as mudanças. Puebla, Medellín e Santo Domingo fortaleceram essa caminhada. A paróquia de Pirapora, situada na Arquidiocese de Diamantina, era constituída de um povo diversificado. Muitos paroquianos vieram do estado da Bahia por causa da seca, do desemprego e outros motivos. Desde o ano de 1915, os franciscanos estiveram por lá. Eu fazia parte de um grupo de quatro franciscanos. Frei Teodoro (pároco), Fortunato, Jerônimo e Nicolau. Era uma paróquia só, incluindo a cidade de Buritizeiro. Eu tomava conta de Buritizeiro, quero dizer, da cidade. Fiquei 13 anos e procurei adaptar-me a essa nova realidade. Lembro-me mais da introdução da pastoral do Dízimo, tirando uma dor de cabeça do pároco por causa de finanças. Essa mudança deslocou a preocupação para outras áreas mais importantes. O povo ajuda e Revista Santa Cruz - 27 precisa de esclarecimentos. Poucos dias atrás, por ocasião da visita à cidade (Dom Célio foi indicado para ser cidadão honorário), alguém da comunidade de “Santa Cruz” (perto de Bom Jesus) me procurou e me comunicou que estão construindo a Capela na comunidade, no terreno comprado com uma parte do dinheiro daquele tempo. A comunidade, na sua generosidade em devolver o Dízimo, viu os seus esforços contemplados com a compra de um terreno. Um segundo elemento no trabalho na paróquia foi, sem dúvida, o número de capelas e construções nas duas cidades. Havia entrosamento com as lideranças. São apenas observações a respeito daquele tempo interessante. 28 - Revista Santa Cruz RSC: Depois de muitas andanças, o senhor agora se encontra em Divinópolis e comemora 60 anos de consagração religiosa... Frei Cornélio: Quero finalizar estas observações com uma resposta sobre os 60 anos de Vida Religiosa Franciscana. Fui transferido de Salinas para Divinópolis, há dois anos. Na ocasião da nomeação, falei claramente que não me encontrava mais em condições de trabalhar na área rural. Por isso me dediquei (era um desafio para mim) à área urbana. Gostei tanto da liberdade que ganhei da parte dos confrades como os trabalhos desenvolvidos pelos leigos em várias áreas. Os leigos têm capacidades de entrar nas pastorais como no dízimo, pastoral da criança, pastoral da segunda união de casais, pastoral da saúde, pastoral carcerária e formação bíblica. Mais do que nós eles estão a par dos problemas. Quando bem acompanhados e ouvidos, indicam o caminho da saída. Esta última transferência mexeu comigo. A grande pergunta para mim era esta: “quando e como terminam os trabalhos da gente na área da pas- toral? Quem vai marcar o momento”? Por mim mesmo podia ter demorado mais tempo. Senti dentro de mim esta jogada. Depois resolvi o seguinte: no primeiro ano, tratar de minha saúde e depois analisar o resto com calma. Surgiu a oportunidade de poder viver como franciscano, mais para dentro, seguindo os passos de São Francisco. Cheguei aqui como sacerdote a pedido dos bispos e agora queria, livre disso, viver mais como franciscano dentro da fraternidade. Agradeço a oportunidade de ter trabalhado no norte de Minas. Foi uma experiência muito válida. Recuado no convento de Divinópolis, me sinto bem como membro da província Santa Cruz. Nas férias do ano passado, na Holanda, aceitei o convite de um confrade holandês para passar a tirar férias de um modo diferente, no convento da paróquia de São Nicolau. Fiquei com os franciscanos daquela comunidade. Foi uma revelação positiva. Apreciei a tranquilidade deles. Nada de pressa, pelo fato de que o número de irmãos diminuiu bastante, o “espírito de oração” criou um ambiente de paz e de boa convivência. Para mim foi uma revelação de que nem tudo depende da gente. É importante saber colocar uma boa parte nas mãos de Deus. Chega de trabalho! Está na hora de saber desfrutar a experiência da vida franciscana! Revista Santa Cruz - 29 REFLEXÃO Contemplando a temática da Campanha da Fraternidade deste ano de 2012: “Fraternidade e saúde pública”, nossa “reflexão” se abrirá com um interessante texto sobre esse assunto. Na sequência, frei Francisco van der Poel partilhará mais um verbete de seu “Abecedário da religiosidade popular”. 1. SAÚDE NA PERSPECTIVA DA ECOLOGIA INTEGRAL Ana Maria Vidigal Ribeiro e José Luiz Ribeiro de Carvalho (Fundadores e diretores do Centro de Ecologia Integral e da Revista Ecologia Integral) É muito comum, atualmente, ouvirmos nos noticiários os termos saúde ou sistema de saúde como sendo, principalmente, os conhecimentos, as práticas, os profissionais ou as instituições que atuam buscando resgatar, no caso de uma pessoa doente, sua condição de vida saudável. 30 - Revista Santa Cruz No entanto, é importante lembrarmos que, segundo a Organização Mundial de Saúde – OMS, saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doenças ou enfermidades. De maneira semelhante, na proposta da ecologia integral, que tem como pressuposto fundamental a interligação e a interdependência de tudo que existe, e onde nós, seres humanos, influenciamos e somos influenciados por tudo que nos cerca, a saúde é entendida também, de forma ampla, abrangendo três dimensões inseparáveis: a pessoal, a social e a ambiental. A dimensão pessoal se refere ao cuidado que devemos ter com o nosso corpo (como a alimentação saudável, a respiração correta, a atividade física, o descanso necessário e o sono reconfortante), com as nossas emoções (procurando conhecer e entender os nossos estados emocionais para que eles se tornem cada vez mais harmoniosos), com a nossa mente (a atenção que se deve dar aos nossos pensamentos e às informações que os “alimentam”) e com a nossa espiritualidade (buscando uma verdadeira conexão interna, com as outras pessoas, com o planeta, com o universo e com tudo que ainda não conseguimos compreender). Mas, como não vivemos sozinhos, para sermos saudáveis, num sentido pleno, devemos contribuir para que o ambiente à nossa volta seja propício à saúde. Bons relacionamentos, a prática do diálogo, a solução pacífica dos conflitos, o respeito às diferenças, a solidariedade, entre tantos outros aspectos, favorecem uma vida social harmoniosa que reflete na nossa saúde. É o que se busca na dimensão social. E com relação à natureza? O ar, a água, o solo, a energia do sol, as plantas, os minerais, os animais são imprescindíveis para a nossa vida. A dimensão ambiental nos propõe a união profunda com a natureza, fazendo-nos entender que sem ela não há possibilidade da existência humana. Cuidar do planeta é cuidar de cada um de nós. Revista Santa Cruz - 31 nesta forma ampliada, por mais que possa parecer utópico, pode e deve orientar as nossas práticas cotidianas, o nosso estilo de vida, bem como a ação dos governantes, das instituições e dos cidadãos, com o objetivo maior de se conquistar a saúde integral para todos. Como essas dimensões da ecologia e da saúde são intrinsecamente inseparáveis, toda ação nossa vai repercutir na teia da vida de diversas formas. Tomemos como exemplo a alimentação. Quando optamos por uma alimentação saudável, consumindo produtos produzidos de forma ambientalmente correta, socialmente justa, e que sejam também benéficos para nosso corpo, estamos contribuindo para nossa saúde pessoal, de modo a prevenir muitas doenças decorrentes de práticas alimentares inadequadas, para uma melhor distribuição de renda e justiça social, ao adquirirmos alimentos produzidos por pequenos produtores e da própria região, e para um meio ambiente mais saudável, ao preferirmos alimentos produzidos sem a utilização dos “venenos” muito comumente utilizados na produção convencional. O conceito de saúde, considerado 32 - Revista Santa Cruz Para isso, a principal transformação necessária é a mudança da visão de mundo, que nos faz compreender que fazemos parte de uma teia intricada de relações, onde tudo tem a ver com tudo. Isto implica uma ampliação de consciência do que devemos considerar, de fato, como a saúde integral e possibilita que cada um de nós cuide verdadeiramente de si mesmo, dos outros e do planeta, para que possamos, de fato, viver uma vida plena e harmoniosa. 2. RESISTÊNCIA POPULAR IMPLÍCITA Frei Francisco van der Poel, OFM Quem é chamado de “pobre” defende-se, dizendo: Não! Pobre é o diabo que ficou sem as graças de Deus. Sou, sim, um homem fraco. Isso nós já ouvimos muitas vezes. Ora, fraco é o oposto de poderoso. Disso o pobre revela ter consciência. Pensando bem, as músicas dos movimentos populares e das CEBs não precisam necessariamente ser uma espécie de arte engajada; no estilo do conhecido batuque: Samba nêgo, branco não vem cá. Se vier pau é de levar. Isto existe! No entanto, a resistência popular, muitas das vezes, é implícita. Ela está no próprio fato de a cultura persistir em existir: festas, benditos, folias, terreiros, rezadeiras, raizeiros, panelas de barro. Enquanto o rádio toca música em inglês, o povo continua dançando a roda de samba ou de batuque. Enquanto a farmácia está cheia de remédios sintéticos, o povo toma chá de quebra-pedra. As comunidades ‘fracas’ resistem à opressão com uma “paciência histórica”. Nesta perspectiva, é importante perceber que, ao ninar uma criança recém-nascida, a mãe poderá cantar um acalanto aprendido em casa: Topei com a Senhora na beira do rio, lavando os paninhos de seu bento filho. Maria lavava, José estendia, o menino chorava do frio que fazia. Não chores menino, calai meu amor que a faca que corta dá o golpe sem dor. No monte Calvário avistei uma cruz é cama e travesseiro do meu bom Jesus. Os filhos dos ricos em berço dourado e vós, meu menino, em palha deitado. Revista Santa Cruz - 33 Este canto medieval (séc. XIII ou XIV) veio de Portugal. Pertencia à tradição oral dos pobres de lá. No Brasil, a população ‘fraca’ não simplesmente copiava tudo do colonizador. Livremente, ela criava coisas e adotava outras que combinavam com sua vida sofrida. O canto acima, registrado na área rural de Araçuaí (MG), fala mesmo é dos filhos dos ricos. É impressionante que, depois de tantos séculos, o povo não deixa a peteca cair. Oh cultura forte! Haja resistência assim em todas as mães do Jequitinhonha e de todos os Estados da Federação! 34 - Revista Santa Cruz MEMÓRIA Esta seção traz os “in memoriam” dos saudosos confrades frei Frederico Voorvelt e frei Estanislau Bartholdy 1. “IN MEMORIAM” DE FREI FREDERICO VOORVELT (1916-2009) Frei Celso Márcio Teixeira, OFM Dados biográficos e itinerário formativo A casa do Sr. Johannes Cornelius Christianus Voorvelt e de Da. Maria Witsiers, em Schoten Haarlem – Holanda, no dia 19 de março de 1916, transbordou de alegria. Causa: o nascimento de uma criança tipicamente holandesa, de olhos azuis e cabelos louros, do sexo masculino, que na pia batismal recebeu o nome de Petrus Johannes Voorvelt. Revista Santa Cruz - 35 Não consta em nossos arquivos, mas provavelmente ele tenha feito em sua terra natal os primeiros estudos da infância e juventude. Também não se sabe como surgiu para o jovem Petrus a vocação à vida franciscana. Sem dúvida, deve ter recebido de sua família uma sólida formação cristã. O certo é que, aos 07 de setembro de 1937, com 21 anos de idade, ingressou no Noviciado em Bleyerheide – Holanda, recebendo o nome religioso de Frederico Voorvelt. Frei Federico e familiares. Transcorrido o ano de noviciado, ele fez a profissão temporária aos 08 de setembro de 1938, no Convento de Venray – Holanda. Neste mesmo convento, iniciou e concluiu satisfatoriamente o curso 36 - Revista Santa Cruz de filosofia (de setembro de 1938 a julho de 1940, pois o ano letivo na Europa é diferente do ano letivo no Brasil), obtendo em vários quesitos o conceito “bom”. Concluído o curso de filosofia, transferiu-se para o Convento de Alverna, onde cursou os dois primeiros anos de teologia. No início do segundo ano de teologia, aos 08 de setembro de 1941, fez sua profissão solene na Ordem dos Frades Menores, mostrando maior empenho, obtendo na maioria dos quesitos o conceito “muito bom”. Os dois anos seguintes do estudo de teologia (de setembro de 1942 a julho de 1944) foram transcorridos em Weert. Aí recebeu as ordens do subdiaconato (03 de abril de 1943) e do diaconato (09 de setembro de 1943). A ordenação sacerdotal foi celebrada aos 19 de março de 1944, em Weert, poucos meses antes do término do quarto ano de teologia. O quinto ano de teologia foi transcorrido em Bleyerheide, de setembro de 1944 a julho de 1945. Não se encontram nos arquivos referências ao período de julho de 1945 a julho de 1946. Encontra- se uma declaração sem data da Província franciscana da Holanda com os seguintes dizeres: “Irá com mais preferência hoje do que amanhã ao Brasil”. Deste modo, aos 03 de julho de 1946, frei Frederico recebe sua transferência da Província da Holanda para o Brasil, mais precisamente para São João del-Rei, para exercer a função de professor no Colégio Santo Antônio. No Brasil, uma presença apostólica pendular entre escola e paróquia A deduzir de uma carta de frei Abel a frei Frederico datada de 19 de fevereiro de 1974, frei Frederico não teria gostado muito de São João del-Rei. No entanto, aí permaneceu até a data de 1o de janeiro de 1953, quando foi transferido para Belo Horizonte (Convento São Bernardino) como professor e prefeito de disciplina no Colégio Santo Antônio. Ficou, porém, pouco tempo, pois, aos 15 de dezembro do mesmo ano, recebia nova transferência para Nanuque, para exercer a função de coadjutor. Aos 18 de fevereiro de 1956, foi transferido para Carlos Chagas, ainda na qualidade de coadjutor da paróquia. E no dia 1o de janeiro de 1959, além da nomeação anterior, acumulou o cargo de Diretor do Colégio. Três anos mais tarde, aos 22 de janeiro de 1962, frei Frederico está novamente destinado à escola, pois recebe transferência para São João del-Rei, como professor do colégio e assistente da Ordem III. Ficou pouco tempo, recebendo nomeação, em dezembro deste mesmo ano, de substituto do pároco de Machacalis, função que ele exerceu até o dia 1o de maio de 1963, quando foi transferido para Águas Formosas, com a nomeação de pároco. Frei Frederico ficou durante nove anos à frente da paróquia de Águas Formosas. Dos arquivos podese deduzir que sua preocupação pastoral não se limitava ao atendimento espiritual de suas ovelhas, mas se estendia ao bemestar social do povo de Deus a ele confiado. De fato, em várias cartas escritas a frei Abel encontramse referências constantes ao seu trabalho e tentativa de equipar adequadamente o hospital da cidade. Assim, em carta de 04/06/70 a frei Abel, ele fala de aparelho de Rio X, de jeep e de ambulância que está tentando adquirir para o hospital São Vicente de Paulo, de Águas Formosas. Em outra carta, de 20/07/70, fala de dinheiro para pagar material do hospital. Em Revista Santa Cruz - 37 outra ainda, de 23/08/70, mostra grande alegria, porque Águas Formosas tem ambulância nova, jeep novo e ainda sobrou dinheiro. Comentando sua volta das férias na Holanda (carta de 02/01/72), frei Frederico diz que queria voltar de navio para trazer máquinas de costura para mães pobres em Águas Formosas. E, mesmo depois de ter sido transferido (carta de 02/03/74), ele pede a frei Abel para enviar 300 florins que tinha recebido da sua paróquia na Holanda para os clubes de mães de Águas Formosas. Sua transferência de Águas Formosas se deu com sua nomeação, no dia 1o de fevereiro de 1974, de pároco da paróquia São José Operário, em Nanuque. Permaneceu exatos três anos à frente desta paróquia, recebendo (a 1o/02/1977) sua transferência para Ibirapuã, como praeses e pároco. Igualmente, em Ibirapuã, frei Frederico mostrou-se sensível à realidade social do povo. Lá, iniciou uma obra social destinada à integração e fixação dos jovens na sociedade local. Em carta de 24 de maio de 1980, frei Patrício, na qualidade de Provincial, redige uma carta de apresentação para o Projeto “Formação de mão de obra”, uma experiência “fábricaescola”, orientada por frei Frederico com a finalidade de “formar mão 38 - Revista Santa Cruz de obra entre os jovens dentro do município (Ibirapuã), a fim de diminuir a evasão da população para outros lugares, como está acontecendo no momento”. De uma carta de frei José Verstappen (10/11/80), da Missionszentrale der Franziskaner, ficamos sabendo que este conseguiu 15.000 marcos para uma carpintaria em Ibirapuã. E em carta de 07/03/1981 a frei Geraldo, frei Frederico agradece por dois cheques recebidos da Holanda em prol da paróquia de Ibirapuã. Escrevendo a frei Odilon, (16/4/82), ele fala de 4.000 florins para a carpintaria-escola. No período em que esteve em Ibirapuã, foi convidado para participar do curso do CERNE no Rio de Janeiro. Deste modo, de 1o/05/79 a 16/06/79, frei Frederico esteve ausente de Ibirapuã para esse momento de formação permanente. Após um período de oito anos como pároco em Ibirapuã, frei Frederico, em seu movimento pendular, voltou às salas de aula. Recebeu sua transferência para Santos Dumont (1o/02/1985) como professor da CJF. Lecionou inglês (para uma turma) e matemática. Importante foi sua presença entre os jovens formandos que queriam desenvolver seus dons artísticos. Frei Frederico introduzia-os na arte da cerâmica. Uma nota pitoresca provém de suas aulas de inglês: levava para a sala de aula o toca-disco e iniciava suas aulas com a música Yesterday, dos Beatles. Pode ser que os alunos não tenham aprendido a falar inglês, mas, pelo menos, aprenderam a cantar a música. casa aparecia amassado dos dois lados. Esperando que o carro se encolhesse, à maneira dos carros de desenho animado, frei Frederico resolvia passar entre um carro em movimento e outro estacionado, sem que houvesse espaço suficiente. No início de 1989, frei Frederico percebeu que podia conciliar sua tarefa de professor com sua experiência de pároco. Recebeu, então, a nomeação de pároco em Ewbank da Câmara, cidade próxima a Santos Dumont, à beira da estrada BR 040. Encantou-se com a paróquia. O interessante é que uns dois meses depois de ter assumido a paróquia de Dores, interrogado pelo guardião sobre como se sentia na nova paróquia, ele mostrava o maior entusiasmo pela troca, esquecendo-se definitivamente dos veementes protestos anteriores, dizendo que a troca deveria ter sido feita muito antes. Mais tarde, em data que este que escreve (guardião naquela época) não consegue precisar, mas depois de 1991 (pois em janeiro de 1991 ainda recebeu a provisão de pároco de Ewbank e de Paula Lima), deixou a paróquia de Ewbank para assumir, sob os mais veementes protestos, a paróquia de Dores do Paraibuna. O motivo da troca foi a dificuldade que ele tinha para dirigir o carro até Ewbank. O perigo era real, pois de Santos Dumont a Ewbank, apesar da curta distância (entre 12 a 15 km), a estrada é muito movimentada, o que constituía um constante risco de vida. E frei Frederico, a bem da verdade, não era dos melhores motoristas da Província. De vez em quando, o fusquinha da Aos 06 de fevereiro de 1995, frei Frederico foi transferido de Santos Dumont para Pará de Minas, na qualidade de vigário paroquial, aí permanecendo até 04 de abril de 1997, quando assumiu a função de pároco em Cabo Verde. A permanência nesta cidade não chegou a completar um ano, visto que aos 20 de março de 1998 recebeu nova transferência, desta vez para Divinópolis, como vigário paroquial e residente. Na lista de transferências de 15 de janeiro de 2001 seu nome aparece apenas como residente em Divinópolis, possivelmente devido à sua idade. Revista Santa Cruz - 39 A pessoa, o franciscano Falar da pessoa de frei Frederico é falar do franciscano que ele foi. Como em espaço exíguo não se podem tratar muitas coisas, abordaremos três pontos de sua personalidade (e de seu modo franciscano). 1. O senso de humor. Frei Frederico, além de estar sempre sorridente, transpirando alegria e otimismo, tinha senso de humor. Colhemo-lo de sua correspondência com frei Abel, que também tinha sua veia humorística. Um exemplo se pode ver no que poderíamos chamar de “novela dos charutos”. Novela, porque o tema dos charutos perpassa inúmeras cartas (todas bemhumoradas) de ambas as partes. Frei Frederico encomendava a frei Abel charutos para frei Peregrino. Frei Abel mandava-os com a devida cobrança dos custos e, às vezes, com uma jocosa ameaça: “na próxima encomenda vou riscar os charutos caros e mandar palhas”. Assim, à maneira de exemplo, pinçamos o seguinte diálogo epistolar: Frei Abel diz (em carta de 1o/05/73) que o depósito para os charutos acabou, e agora existe um débito. Se frei Frederico quiser mandar mais dinheiro, pode, pois, mesmo que em Águas Formosas não haja 40 - Revista Santa Cruz indústria, uma chaminé continuará soltando fumaça. Ao que frei Frederico respondeu (08/05/73): Os charutos vieram na hora certa. O último charuto tinha sido fumado dentro do horário marcado, e surgiu um vácuo. Mas, então, alguns homens fortes colocaram um pacote dentro de casa, e num instante se formou uma cortina de fumaça. Nesta novela, uma coisa fica patente: a preocupação, o cuidado para que não faltasse o charuto para o confrade já idoso. 2. Gentileza. Frei Frederico era um franciscano gentil. Recebia as pessoas sempre com um sorriso, mostrando estar de bem com a vida. Em várias ocasiões, no período em que convivemos em Santos Dumont, pessoas que visitavam o seminário perguntavam-me, referindo-se a frei Frederico, pelo nome daquele frei de cabelos brancos que as havia cumprimentado com tanta simpatia e gentileza. Se algum visitante era levado ao refeitório para um cafezinho ou à sala de recreio, frei Frederico fazia perguntas, conversava com ele, dava-lhe a maior atenção, de modo que se sentisse em casa. Recordo-me que, depois que a sua memória começou a falhar, fui ao convento de Divinópolis para visitar os confrades. Ele me cumprimentou, perguntou meu nome, conversou comigo. Pude constatar com grande alegria que, conquanto a memória falhasse, a gentileza mantinha o mesmo vigor de sempre. de Santo Antônio (em madeira, tamanho natural) e a Via-Sacra da capela (em cerâmica). Recordo-me que o ex-frei Davi (também ligado à arte) ficou encantado com a ViaSacra, elogiando especialmente alguns quadros em que frei Frederico, em vez de apresentar toda a cena, apenas salientava algum detalhe do sofrimento de Cristo. Senso de pertença à Província Frei Frederico e seu “Santo Antônio” 3. A arte. Quando frei Frederico foi transferido para Santos Dumont, uma justificativa era: ele poderá ensinar um pouco de arte aos alunos da CJF. De fato, dedicou-se com empenho a essa tarefa. Era um dos frades do coetus formationis que mais presença marcava entre os estudantes. Ele próprio produzia suas obras de arte em cerâmica e acompanhava todas as iniciativas dos alunos, orientando-os, encorajando-os, pesquisando com eles. Sua produção não é tão numerosa. Dignas de menção são a estátua O senso de pertença à Província pode-se colher nas entrelinhas do bem-humorado epistolário que frei Frederico manteve com frei Abel. E somente pode ser percebido, quando o leitor não se detiver na linguagem carregada de ironia de ambas as partes. Frei Frederico, diante da Província, assumia a postura de “pobre missionário”, de “padre da roça”; a Província, ironicamente chamada de Mãe, era “rica”, “exigia contribuição”; Frei Abel representava na correspondência o papel da Mãe. Feita esta introdução à linguagem irônica, salientamos algumas frases cheias de humor: Em algumas cartas, frei Frederico afirma que está enviando dinheiro para a Mãe. A pitada de humor aparece ou num comentário sobre o uso que se faz do dinheiro (“a Revista Santa Cruz - 41 turma do Provincialado bebe cerveja à custa do dinheiro de um pobre missionário”), ou numa interrogação (“o que a Província afinal faz com tanto dinheiro arrecadado pelos padres da roça”?), ou quando se faz de vítima (“vou passar em BH e entregar dinheiro, ganho com muito trabalho e muito suor, à mãe província”). Em várias cartas, frei Frederico pede intenções de missas e afirma que as espórtulas são para a “mãe”. O acréscimo torna-se ora dramático (“o dinheiro pode ficar com “mãe”; então, vou comer mais mandioca e menos arroz e feijão, e o Provincialado poderá encomendar mais caviar”), ora cheia de falsa compaixão (“vou examinar a situação financeira para ver se sobra alguma coisa para a “mãe”, porque não quero que os confrades na casa materna estejam passando necessidade”). 42 - Revista Santa Cruz Frei Abel não deixa por menos e diz ter ficado comovido até às lagrimas, quando leu que podia depositar as espórtulas das missas na conta da Mãe Província. Outra vez, diz que não tem compaixão dos pobrezinhos vigários da roça, porque muitos têm a ficha de contribuição em branco. Ainda outra vez, diz que está aguardando uma doação para “mãe província”; a “mãe província” sempre cuida do bem-estar dos frades e espera que os frades de vez em quando esvaziem o seu pé-de-meia no colo da “mãe”. Finalmente, frei Abel diz que não entende “como há párocos de ricos fazendeiros que pensam que os confrades no Provincialado sempre têm caviar na mesa. Aqueles párocos de ricos fazendeiros recebem todo dia cabeças de porco e galinhas e ainda ficam descontentes quando não recebem ovos recém-botados. E quando chegam à BH ainda são mimados. Por que o bispo gosta de ficar em Águas Formosas? É isto mesmo, por causa daquelas cabeças de porco, principalmente quando vêm juntos com um pernil”. sico (comprometimento das funções renais), DPOC infectado (doença pulmonar) e senilidade. Foi sepultado no cemitério provincial em Rivotorto (Areias) – Ribeirão das Neves. Resumindo: Frei Frederico mostrava seu senso de pertença não apenas assumindo o trabalho apostólico da Província, mas contribuindo concretamente com as despesas. Frei Frederico, pela vida que compartilhou conosco, continua merecedor de nossa admiração, apreço e gratidão. Requiescat in pace! Últimos anos e falecimento Frei Frederico passou seus últimos onze anos em Divinópolis. Sempre gozara de boa saúde. No final de sua vida, já com a provecta idade de 93 anos, começou a sentir a falência do irmão corpo. Deste modo, às 6h do dia 06 de junho de 2009, nosso irmão entregava sua vida nas mãos do Pai das misericórdias. A certidão de óbito acusa como causa mortis: distúrbio hidroeletrolítico AC bá- Revista Santa Cruz - 43 2. “IN MEMORIAM” DE FREI ESTANISLAU BARTHOLDY (1928-2011) Frei Hilton Farias de Souza, OFM Dados biográficos Guilherme George Bartholdy nasceu no dia 19 de abril de 1928, na cidade de São Vicente de Minas. Filho de Paulo Middleton Bartholdy e Hercília de Menezes Bartholdy. Herdou o sobrenome do pai, um dinamarquês Luterano, fabricante de queijos. Fez os estudos fundamentais na sua cidade natal; cursou o ginasial como aluno interno do Colégio Santo Antônio de São João delRei, onde descobriu a sua vocação à vida franciscana, apesar da forte resistência paterna, certamente por ser o único filho homem. Ingressou no noviciado, no Convento São Boaventura, em Daltro Filho (RS), no dia 1o de fevereiro de 1948, recebendo o novo nome de Estanislau. Emitiu a primeira profissão religiosa no dia 02 de fevereiro de 1949; deu continuidade aos seus estudos de 44 - Revista Santa Cruz filosofia, em Daltro Filho, de onde foi transferido para Divinópolis, a fim de estudar Teologia. Professou solenemente no dia 02 de fevereiro de 1952. Foi ordenado diácono na capela do Seminário Maior do Coração Eucarístico, em Belo Horizonte, no dia 03 de abril de 1954, por dom Antônio dos Santos Cabral. No dia 22 de agosto de 1954, no Santuário Santo Antônio, na cidade de Divinópolis, juntamente com mais seis confrades, frei Estanislau foi ordenado presbítero. No ano de 1955, continua morando no Convento Santo Antônio de Divinópolis, com a função de assistente e encarregado de preparar a edição brasileira do Breviário dos Leigos (Klein Brevier). De Divinópolis, é transferido, no ano de 1956, para o Seminário Santo Antônio de Santos Dumont com a função de padre espiritual substituto. Estudos em Roma (1956-1959) No mês de setembro de 1956, frei Estanislau foi enviado à Roma para especializar-se em Teologia Dogmática, pelo Pontifício Ateneu Antoniano. No final de 1957, ele defendeu a sua dissertação de mestrado intitulada: Ritus baptis-mi et confirmationis secundum Ordines Romanos saec. VIII-IX; obtendo o grau de mestre em Sagrada Teologia, com a nota 8,50 (bene probatus). No seu trabalho para o doutorado, como consta no exemplar encontrado no meio de seus pertences, ele escolheu o seguinte argumento para a sua tese: Ritus essentialis initiationis christianae romana aetate carolingica; agora afrontado com mais rigor científico. Pode-se notar através da vasta bibliografia consultada praticamente toda em latim. Uma curiosidade: a tese fora escrita e defendida em latim! A defesa se deu no dia 24 de novembro de 1959, às 17h30min, obtendo o grau de doutor, com a nota 9,25 (Cum laude). Numa das suas cartas endereçadas ao ministro provincial, frei Jerônimo Jansen, antes da defesa da tese, ele partilhava um pouco a sua experiência e percepção dos estudos acadêmicos: “O senhor poderá imaginar o alívio com que escrevo esta carta. Passaram-se os exames e o curso terminou, graças a Deus, terminou tudo muito bem. Não tínhamos muita coisa neste último ano, mas, toda uma história do século XII bastante complicada é mais para ser decorada do que para ser compreendida: evolução da definição de sacramento, motivo da Encarnação, teólogos franciscanos com as obras au-tênticas e não autênticas de Duns Scottus. De muita coisa se tira proveito, mas, muita coisa também verdadeiramente inútil. Dos movimentos e tendências da moderna teologia, nada. Não se chega a ter uma visão geral da teologia, tudo muito especializado, mas, quem se especializa é o professor, devendo o aluno ouvir o resultado de suas pesquisas sem, no entanto por isso, se especializar. Parece que é assim que deve ser numa universidade. Positivamente se aprende também muita coisa, ao menos uma base para um trabalho pessoal, mas, saindo daqui se deve começar ab ovo. Nosso último exame foi a famosa aula magistral diante dos professores, não sei se é isto que nos capacitará para dar aulas mais tarde. Uma coisa que se faz uma vez no ano! E de didática não aprendemos nada, como apresentar um tratado de teologia, como dar a aula?” (01.07.1959). Revista Santa Cruz - 45 Ao final de sua estadia acadêmica em Roma, frei Estanislau pede ao ministro provincial para fazer um curso de liturgia, mas o seu pedido foi indeferido, ao mesmo tempo insistia que ele retornasse ao Brasil, onde ocuparia a cadeira de dogmática em Divinópolis: “Resolvi que você deve voltar para o Brasil, depois de ter defendido a sua tese. Isto quer dizer: acho melhor que você não continue mais os seus estudos em outro ramo. O seu futuro? Bem, não sou profeta, [...] mas suponho que será a cadeira de dogma em Divinópolis, uma vez que o frei Benedito irá para Lovaina, para estudar dogma também”. Ao retornar ao Brasil, frei Estanislau, como havia indicado o seu provincial, foi transferido para o Convento Santo Antônio de Divinópolis, como professor de dogmática; ocupando ali outras funções como: Mestre de irmãos Terceiros, Prefeito de estudos, Discreto; Sócio do Mestre dos Clérigos. No Capítulo provincial de 1962, no qual frei Jerônimo Jansen foi reeleito ministro provincial, frei Estanislau Bartholdy foi eleito Custódio Provincial; e em 1964, frei Estanislau foi reeleito Custódio, no governo de frei Erardo Veen. Evangelização: Betim, Pará de Minas, São João del-Rei e Divinópolis Quando foi transferido de Daltro Filho para Betim, como vigário, a partir do contato e da experiência iniciada por frei Xisto, na casa paroquial, de acolher crianças pobres para uma sopa comunitária, inicia-se aí o interesse de frei Estanislau pelos trabalhos sociais. Juntamente com a senhora Noemi dá um grande passo na criação do chamado “Salão do encontro”. Havia uma grande preocupação, sobretudo pelas crianças pobres que não tinham a escola, pelas mulheres desempregadas e pelos pobres em geral. Quando ele chegou a Betim, a região do Angola era mato, sem acesso a ônibus, sem luz; totalmente carente de assistência social. Nesta área, ele começou seu apostolado celebrando nas quartas e quintasfeiras, nas casas das famílias. Nessa experiência de contato com o povo de Deus, percebendo as diversas necessidades, ele assim se expressa: “Comecei a sentir a necessidade de fazer um salão que pudesse atender às famílias do bairro [...]. Eu sabia que a gente só atingiria as famílias se atingíssemos as crianças”. Dona Noemi que desenvolvia um trabalho social na Vila dos Mar- 46 - Revista Santa Cruz miteiros, em Belo Horizonte, se junta, em Betim, a frei Estanislau, nessa grande e ousada empreitada. Frei Estanislau partilha como foi a construção do primeiro galpão: “Me lembro que foram destruídas 14 casas na Barragem do Lago das Flores... E nós ganhamos os tijolos, as telhas... Eles nos telefonavam e a gente ia lá buscar... Aí, começamos a construção, primeiramente para ser um restaurante das crianças da região... Depois veio a parte do artesanato simples, no início, apenas um tear”... Com o passar dos anos, o salão do encontro foi crescendo cada vez mais, passando do simples tear ao artesanato em couro, em cerâmica, em madeira e a carpintaria. Tornou-se um espaço de aprendizagem de um oficio até a assistência odontológica. Vendo a evolução que passara o salão, frei Estanislau, em uma entrevista, dizia: “Foi com muita luta, muita dificuldade, foi pedindo e suando muito que a gente conseguiu levar o salão pra frente” [...]. “Graças a Deus, apesar da grande luta, de muita oposição e objeção de muitos políticos que quiseram destruir o Salão do Encontro, a Noemi ficou na direção e, com sua capacidade e sua criatividade, cultivou a semente que nós tínhamos plantado... O Salão é muito mais do que assistência social... É promoção humana [...]. Você pode ver as velhinhas enrolando linha, as crianças estudando, sendo alimentadas, os artesãos fazendo seus trabalhos maravilhosos [...]. O salão é um lugar onde as pessoas buscam e encontram crescimento [...]. Tira aquele povo da miséria, do submundo [...]. Ajuda as pessoas a conseguir andar com as próprias pernas”... Concluindo a entrevista, ele afirmara: “Eu senti muito quando saí de lá [...]. Realmente, foi um tempo de muita graça, de muita alegria... Foi um tempo maravilhoso”. Durante a sua longa estadia no Convento Santa Maria dos Anjos (até 1977), ele exerceu diversas funções: vigário conventual, prefeito de formação, guardião, mestre e vice-mestre de noviços e coadjutor. Em uma carta de 1977, enviada ao ministro provincial, frei Estanislau deixa entender que a sua presença no Convento Santa Maria dos Anjos já não era bemvinda; o argumento era que ele estava atrapalhando a formação e, por isso, a transferência. Ele argumenta a favor do serviço pastoral que estava prestando: “Mas me pergunto se a tentativa de realizar um trabalho que para mim como franciscano diz muito, não entra em jogo; a única alternativa é sair daqui? E só por esse motivo? Aqui está tudo por fazer? Poucas Revista Santa Cruz - 47 as estruturas existentes e a criatividade poderá ser exercitada em favor de toda uma população marginalizada. No momento isso significa para mim abandonar uma batalha iniciada para ser uma peça de um esquema já montado e que poderá sustentar-se. Estou aqui pronto para acolher qualquer decisão, desde que justificável para minha consciência. Muitas vezes na verdade é preciso falar”. Nesse mesmo ano de 1977, ele foi transferido para a Paróquia São Francisco de Assis de Pará de Minas. Aí ele vai, aos poucos, desenvolver um trabalho na área social. Aproveitando a entidade iniciada por frei Paciano, o SALEM – serviço assistencial laical de emancipação e maturidade. Essa estrutura abrigava jardim da infância e refeições diárias para crianças. Na parte de artesanato, havia trabalhos em cerâmica, escultura de madeiras, trabalhos em cisal, tear chileno etc. O objetivo era a promoção humana e retirar os meninos da rua. Na paróquia ainda funcionavam os clubes de mães, na cidade e na roça. Havia também um projeto chamado “Enfermagem do lar” que, basicamente, dava assistência aos doentes em casa através de acompanhamento de dietas e de medicamentos. A paróquia ajudou a formar mais de 260 enfermeiras. 48 - Revista Santa Cruz Na época, o território da paróquia abrangia mais ou menos a metade da cidade. Segundo testemunho, frei Estanislau tinha uma preocupação muito forte com os pobres: aquilo que ele ganhava ou pedia, ele sabia distribuir, era mão aberta. Ele incentivou na paróquia a catequese, cursos de liderança e apoiava muito os jovens. Era muito solicitado para atendimentos e aconselhamentos. Enquanto estava à frente da paróquia São Francisco de Assis, a casa paroquial foi, literalmente, aberta ao povo. No dia 04 de maio de 1983, através de um decreto da Cúria Geral dos Frades Menores, frei Estanislau fora nomeado visitador da Província São Francisco de Assis, do Rio Grande do Sul. Mestre de noviços em Visconde do Rio Branco (1986-1990) Depois de já ter trabalhado na formação como mestre de clérigos e de noviços, em Daltro Filho, Divinópolis e Betim, após um longo período à frente do trabalho paroquial, aceitou essa nova empreitada num “período provincial muito difícil”. No período em que permaneceu nessa etapa, frei Estanislau recebeu duras críticas a respeito do seu jeito de conduzir a vida do noviciado como: “noviciado monástico, fechado, fora da realidade...”. Aquilo que eu posso recordar como membro da “última turma” dele (1990) são boas lembranças: Um frade marcado pela vida de oração e de uma espiritualidade muito profunda. Um homem de muitas leituras e de uma capacidade intelectual apurada. Nas suas aulas, demonstrava um conhecimento profundo na área de franciscanismo, de liturgia, de Bíblia e de psicologia. Ficávamos extasiados quando, nas aulas de liturgia, discorria sobre a História da liturgia, ou do seu vasto conhecimento de psicologia, seguindo nas suas aulas o livro: Psicologia e Formação de Cencini e Manenti. No cotidiano, demonstrava muito senso de humor. Nos recreios, gostava de um jogo de buraco. Possuía, apesar das críticas, muito amor pela Província. Não era frade de guardar mágoas. Era sincero. Quando foi pedido para ele retornar à formação, ele colocou-se à disposição. Tinha uma personalidade muito forte! São João del-Rei – de volta à paróquia No início de 1991, frei Estanislau foi transferido para o Convento Nossa Senhora de Lourdes, em São João del-Rei, onde trabalhou por um ano como vigário paroquial e foi transferido, em seguida, para Divinópolis, como vigário paroquial onde atuou até 1997. Retornou a São João del-Rei como pároco. Iniciou um trabalho social na Comunidade do Rio Acima, onde montou uma creche, oficina de cerâmica e uma marcenaria. Nesse projeto não conseguiu alcançar os objetivos esperados. Hoje funcionam a capela e a creche. Nessas suas construções, tinha a fama de pidão; saía nos comércios e até mesmo na fila do banco pedia ajuda ou vendia rifas. Nesse tempo em São João del-Rei, frei Estanislau era muito solicitado para conversas, aconselhamentos, confissões e bênçãos. A procura era tanta que ele trabalhava com um sistema de senhas. A partir de 2004, ele deixa de atuar como Revista Santa Cruz - 49 pároco e passa a ajudar como vigário paroquial, diminuindo um pouco as suas atividades pastorais. Paixão pela liturgia Alguns elementos chamam a atenção desse seu amor, dedicação e gosto pela liturgia. Encontrei, no meio da sua correspondência, um pedido ao artista Cláudio Pastro de autorização para reproduzir um Pantocrator, de sua autoria, na capela do Guarda-Mor. Capela idealizada por ele, levando em consideração todo o espaço litúrgico. Presidia a eucaristia muito bem, gostava de cantar as partes da presidência. Tinha a preocupação de usar em cada celebração o pão novo, numa única patena, evitando excesso de reserva eucarística. Quem não se recorda da famosa música de apresentação das oferendas que ele apreciava tanto: “Prepara essa mesa do povo cristão”. No arquivo provincial encontrei um bilhete que ele havia enviado ao ministro provincial para que orientasse melhor os confrades na preparação litúrgica das profissões solenes: “Considerando os vinte anos de uma Constituição da Liturgia e o recente sínodo; considerando que calar-se é concordar: quero apresentar ao 50 - Revista Santa Cruz governo provincial e à equipe de formação o apelo: Orientar e olhar com mais atenção as celebrações de profissão religiosa de nossos irmãos a fim de que a simplicidade, o respeito à liturgia e, não por último, a comunhão fraterna e eclesial sejam salvaguardados”. Como já disse, frei Estanislau era um homem de muita leitura. Ao selecionar os seus livros e correspondências, pude constatar como gostava ler. Lia basicamente em três línguas: português, francês e italiano. Na sua biblioteca havia algumas áreas que se destacavam: Liturgia – muita literatura em francês e italiano; Espiritualidade geral e franciscana e Psicologia. Recebia muitas revistas em francês como: Paroisse et liturgie; Notes de pastorale liturgiques e assembleés du Signeur. Durante a minha estadia em Roma, enviei, a pedido dele, alguns livros em francês, um desses, era um comentário a todas as orações do dia, da celebração eucarística do tempo de Advento intitulado: La spiritualité de l’Avent à travers les collectes. Numa conversa, que tive recolhendo informações sobre o frei Estanislau, uma pessoa dava um testemunho sobre uma homilia feita por ele numa festa de Santo Antônio: “Ele se transformava no momento da pregação. Olhando para a imagem de Santo Antônio ele pregava e gesticulava com tanta veemência que não parecia o Estanislau, mas uma outra pessoa”. Um franciscano de coração e alma beneditina Quem conheceu frei Estanislau pôde perceber, por um lado, sua paixão pelo franciscanismo. Nas várias agendas encontradas no seu quarto, havia esquemas de retiros pregados, onde continha muitas meditações sobre os Escritos de São Francisco. Sempre portando o surrado burel franciscano, com a sua inseparável coroa franciscana. De outro lado, também era fascinado pela espiritualidade monástica beneditina. Considerando o grande número de cartas trocadas com a sua irmã Dorinha, que era monja beneditina, e conversando com ela pessoalmente, pude constatar que ela o havia influenciado bastante. São correspondências de trocas de experiências espirituais, de leituras partilhadas e de apoio na vocação religiosa. Frei Estanislau recebia também muitas revistas de espiritualidade monástica da Europa e mantinha muita correspondência com monjas dos mosteiros beneditinos de Belo Horizonte e de Caxambu. Apreciava muito o canto gregoriano. No seu quarto havia várias caixas de fitas cassetes. Fama de Cigano Frei Estanislau gostava de “ler” as mãos das pessoas. Na realidade, ele “jogava muito verde para colher maduro” e aí obtinha informações acerca da pessoa. Também aplicava um pouco dos seus conhecimentos de psicologia e, assim, acabava descobrindo informações da pessoa. Gostava também de horóscopo chinês. Vivia perguntando, sobretudo aos formandos, o ano do nascimento e, naturalmente, associava a pessoa com o animal do horóscopo chinês. Era muito querido, sobretudo nos bastidores dos capítulos e assembleias provinciais, onde, Revista Santa Cruz - 51 nos intervalos, fazia brincadeiras e comentários jocosos. Agravamento da saúde e falecimento Vocabulário “bartholdiano” Nos seus últimos anos, em São João del-Rei, frei Estanislau foi cada vez mais acometido por problemas de saúde. O coração já não funcionava muito bem. Foi perdendo também o seu estilo alegre e comunicativo de ser. Ficou cada vez mais silencioso. Apenas respondia ao que se lhe perguntava e a conversa não rendia muito. Comentávamos entre nós o fato de nosso frei Estanislau que outrora fora tão animado e, no entanto, agora, está num ‘reto tom’. Frei Estanislau dispunha de um vocabulário que lhe era peculiar, como, por exemplo: “Bom dia alegre!”. Quando queria enfatizar alguma coisa dizia “Nossa Senhora!”. Gostava de elogiar para, em seguida ao elogio, dizer a famosa conjunção adversativa: “mas...”. Quando encontrava algum jovem conhecido, olhava-o bem nos olhos e dizia: “Oh jovem! Força jovem!”. No noviciado, quando íamos pedir alguma coisa e se ele dissesse: “Frei, faz parte de seu projeto”? Podíamos dar meia-volta e retornar. Bom gosto pela comida Nosso saudoso confrade apreciava uma boa mesa. Era fascinado por alguns pratos específicos: um lombinho de porco, torresmo, chouriço e um bom “queijo com personalidade”. Até mesmo contrariando as dietas médicas, nos últimos anos de vida, ainda se aventurava e interrompia, sem maiores escrúpulos, sua dieta, em troca de algumas dessas delícias. 52 - Revista Santa Cruz Já bastante debilitado, participou da Semana Santa até a quintafeira, na comunidade onde ele acompanhava nos últimos tempos. Apesar dos limites do corpo, continuava lúcido. No sábado santo, dia 23 de abril de 2011, ele foi internado no Hospital Felício Rocho, em Belo Horizonte, com um quadro de estenose aórtica. Recebeu a visita de seus familiares de São Vicente de Minas e de confrades. No dia 07 de maio, quando o vigário provincial frei Vicente Ronaldo foi ungi-lo eu estava presente. Conversamos um pouco e ele estava muito lúcido. Testemunhos Transcrevo, a seguir, um relato de frei Fabiano Aguilar Satler: “Frei Estanislau estava consciente durante a última visita que fiz a ele, na tarde do dia 17 de maio, véspera do seu falecimento. Perguntei-lhe se ele se recordava do LP que frei Joel Postma gravara em Divinópolis, na década de 1960. Ele disse que eram os salmos do padre Gelineau. Cantei para ele o salmo 147 e o Cântico de Simeão, que ele acompanhou em algumas partes. Durante toda a noite da sua páscoa, ele cantou, segundo informação do médico plantonista”. Faleceu no dia 18 de maio de 2011, às 5h. A causa mortis: insuficiência de múltiplos órgãos e estenose aórtica crítica. O seu corpo foi levado para São João del-Rei, onde foi velado na Igreja Nossa Senhora de Lourdes e onde aconteceram as exéquias. Foi sepultado no Cemitério da Venerável Ordem Terceira de São Francisco. Requiescat in pace! “Era um homem sempre alegre, aberto, disponível, apesar de sensível às críticas que podia receber, não era excludente. Extremamente caridoso. Ligava muito ao estudo das Fontes Franciscanas. Não fazia do estudo algo de projeção, mas colocava tudo sobre o prisma de um projeto pessoal de vida, que ele conseguia realizar e que transparecia em suas atitudes. Apesar da propalada influência beneditina, foi um franciscano como poucos conseguiram ser” (Frei Márcio Cabral – Salinas, 16.09.2011). “Muito sincero e autêntico. Muito benquisto pelos formandos. Bernardino e Estanislau eram mais próximos dos alunos. Dava oportunidade para que os alunos levassem adiante sua reflexão. Na capela e na cela tinha espírito beneditino; no dia a dia, franciscano. Era muito carinhoso no relacionamento. Preocupava com a sinceridade da Província e possuía muita sintonia com a PSC e a OFM” (Frei Luciano Brod – Salinas, 16.09.2011). “Uma característica forte dele era promover as pessoas. Tinha sempre um sorriso alegre. A oração era outro ponto forte, estava presente Revista Santa Cruz - 53 em todas as horas rezadas em comunidade” (Frei João José de Jesus – Salinas, 16.09.2011). “Para mim, frei Estanislau foi e será um grande testemunho de dedicação e entrega a Deus. Um homem que estava em sintonia com Deus, em todos os momentos de sua vida. Um homem que soube viver e vencer os conflitos sem perder a paz e a serenidade. Sua proximidade com Deus era tão expressiva que todos se aproximavam dele, para sentir o carinho e a ternura do Criador” (Frei Vicente Ronaldo – Montes Claros, 27.01.2012). “De nossa convivência em Divinópolis, tenho que agradecer muito a Deus, pois ele foi um verdadeiro irmão, com quem compartilhei, de modo muito aberto e fraterno, nossa pesada jornada pastoral numa paróquia de grandes exigências para quem nela quer exercer seu ministério [...]. Frei Estanislau estava sempre de bem com a vida e isto me ajudava, pois seu bom humor temperava a minha seriedade em vários momentos de nossa atividade pastoral e na convivência fraterna que, às vezes, podia ser conflituosa. Sua preocupação com as pessoas mais carentes fez com que reabríssemos o restaurante popular do salão da comunidade São Geraldo, para cuidar de pessoas necessitadas. 54 - Revista Santa Cruz Qualidades humanitárias deste memorável frade: levar as pessoas mais favorecidas a ajudar os mais necessitados. Ele não se envergonhava de pedir aos ricos uma ajuda para os pobres [...]. Com ele sentamos muitas noites em alguns restaurantes em torno do santuário para saborear um gorduroso caldo de vaca atolada ou de um pezinho de porco. Dele aprendi a sinceridade e a franqueza no relacionamento fraterno de uma comunidade de vida” (Dom Célio de Oliveira Goulart – São João del-Rei, 02.02.2012). “Não há como não se lembrar do frei Estanislau. Guardo comigo, desse tempo (1985), seu senso de presença do Mistério e seu gosto e prazer pela liturgia celebrada com solenidade. Isto podíamos experimentar pelo incenso abundante, pelo canto litúrgico inclusive presidencial, pelas flores no presbitério, pela iluminação utilizada com critério, pela sua oratória (gestos, tom de voz...). [...] Quando morei em São João delRei e o tive como confrade, encontrei um frei Estanislau fragilizado. O ano de 2007 foi um ano difícil para ele e para nós que o acompanhávamos de perto. Houve diversas internações sem muito sucesso. O mais difícil foi quando tive que tomar a decisão de levá-lo para tratamento em Belo Horizonte, uma vez que os recursos médicos de São João del-Rei tinham-se esgotado. Mais difícil ainda foi, quando, em outra ocasião, ele esteve em Belo Horizonte por um período mais longo, por motivo de uma cirurgia no joelho, e, ao voltar, tivemos que mudá-lo de quarto também sem o seu consentimento. Ele resistiu no início, mas depois acabou aceitando devido à sua dificuldade de locomoção. Duas lembranças edificantes guardo deste segundo período. A primeira: seu envelhecimento não foi impedimento para sua formação e renovação litúrgica. Seu jeito de presidir não era o mesmo de 25 anos atrás, quando eu o conhecera em Pará de Minas. Sua biblioteca de liturgia também não era a mesma. A segunda: a passagem do homem falante para o homem do silêncio. Foram várias viagens para levá-lo a Belo Horizonte para consultas, todas em silêncio profundo. Frei Estanislau fez de sua enfermidade, durante os seus últimos cinco anos de sua vida, a oportunidade feliz de desligar-se e se despedir de tudo e de todos que ele muito amou nesta terra, para se encontrar com Aquele Mistério Absoluto que ele anunciara e diante do qual ele testemunhara estar durante sua vida” (Frei Gabriel José de Lima Neto – Santos Dumont, 03.02.2012). “Frei Estanislau era assim: um mestre que descobria no outro a beleza do sonhar e do amanhecer. Iluminou nossos caminhos longos e os atalhos nem sempre floridos e frios! Ensinounos como viver, como embaralhar e acertar todas as cartas – uma bela jogada! Foi maestro e compositor de muitos homens e mulheres. Como líder, sabia cuidar das pessoas e das coisas. Sabia que sua saúde mental e suas intuições dependiam de sua capacidade de deixar a alma repousar no silêncio. Líderes também meditam, sabia? Como mestre e líder nunca deu-nos o peixe, mas a melhor maneira de lançar todas as redes! Saudade, amado mestre!” (Frei Donizete Afonso da Silva – Belo Horizonte, 08.02.2012). “Um homem tão íntegro e tão bom. Aprendi dele: dar dignidade ao pobre” (Dona Noemi – Betim, 11.02.2011). “Foi um verdadeiro pastor. Possuía: zelo, cuidado e amor pelas suas ovelhas” (Maria Helena – São João del-Rei, 13.02.2012). “As características mais profundas dele que pude perceber eram o amor pela eucaristia e por nossa Senhora. Em alguns momentos da sua vida, nossa Senhora era a sua confidente. Transmitia algo de divino; passava aquilo que ele tinha no coração. Possuía uma personalidade muito forte” (Alice – São João del-Rei, 13.02.2012). Revista Santa Cruz - 55 “O que mais caracterizava frei Estanislau era a alegria” (Dorinha – São Vicente de Minas, 14.02.2012). “Cada segundo de sua vida foi uma oportunidade que Deus lhe deu para plantar o bem, para construir o amor, para assistir a todos que o procuravam para uma orientação espiritual frente às vicissitudes. Por isso, sempre imprimiu sentido profundo à sua existência tão cheia de méritos. Com seu labor apostólico, irradiava cotidianamente grande alegria, sabedoria e bondade, transmitidos principalmente em seus olhos azuis e expressivos. Ele procurava ver o rosto de Deus no espelho dos rostos humanos, através de seu nobre coração” (Cida Campos - São João del-Rei, 25.05.2011, missa de 7º dia). “Ele que tanto sorriu, tanto cantou, tanto amou, tão imensamente viveu o Evangelho, espalhando-o por onde passou, e, certamente tanto sofreu (sem o demonstrar), merece esta alegria, sim! Tenho certeza! Deus o acolheu em seus braços” (Maria Helena – São Vicente de Minas, 25.05.2011, Missa de 7o dia). “Ah, frei Estanislau, quanta saudade! Quantas semanas santas cantamos com o senhor! Quanto entusiasmo, quanta vibração! Toda vez que cantamos, e que cantarmos, daqui por diante, os belos salmos responsoriais do Sábado Santo, sua 56 - Revista Santa Cruz presença em nosso meio nos fará cantar com maior alegria: Entoou Moisés este canto ao Senhor, todo o povo se uniu em alegre louvor!” (Regina Coeli – São Vicente de Minas, 25.05.2011, Missa de 7º dia). “Posso afirmar, com certeza, que minha vida religiosa tem muita inspiração no seu modelo de vida, que testemunhou fortemente o carisma franciscano. Convivi com ele aqui quase um ano e meio. Nesse convívio, destaco alguns valores que para mim norteiam a vida religiosa: 1) Seu ardor pela vida de oração: sempre muito atuante e fiel na vida de contemplação, um contemplativo ativo. 2) Sua caridade: não sabia dizer não aos pobres e pedintes; ninguém saía daqui com as mãos vazias, não emitia julgamento algum, ajudava sempre. 3) Sua simplicidade e pobreza: sempre de hábito franciscano, vivia desapegadamente das coisas do mundo; sua riqueza eram os livros, nos quais se debruçava com gosto e esmero. 4) Seu caráter fraterno que muito valorizava, na vida diária da convivência: estava sempre nos recreios e nunca faltava a um capítulo local, acompanhava a PSC com seu olhar crítico e com amor fraterno. Um santo, a meu ver, pois suas qualidades superaram seus pecados” (Frei Jaime - São João delRei, 15.02.2012). UMAS E OUTRAS [...] E a pergunta roda e a cabeça agita. Eu fico com a pureza da resposta das crianças. É a vida, é bonita e é bonita... Que tal dar umas boas gargalhadas agora? Quem sabe, rir da própria vida! Então, vamos lá! Frade compra fazenda Calma, calma, antes de tirar conclusões! O que aconteceu foi que frei Chiquinho, de passagem por Roma, resolveu comprar alguns metros de panos para fazer hábitos para os confrades. É um pouco às avessas da conhecida anedota provincial de que determinado frade teria pedido autorização para comprar ‘fazenda’ e o provincial, pensando que se tratasse de ‘pano’, deu logo o consentimento. Dessa vez é pano mesmo, nada de vaquinhas e pomares. Revista Santa Cruz - 57 Triatlo da juventude Em preparação às Olimpíadas de 2016, frei Elias Hooij já criou uma nova categoria esportiva: o triatlo da juventude. Prestes a alcançar sua nona década, o jovem rapaz pode ser visto diariamente correndo e mergulhando na praia. A terceira parte do percurso ele completa girando as comunidades da paróquia. Alguém se habilita a desafiá-lo para um teste de resistência? Frei JJJ sem lenço e sem documento A memória de frei João José de Jesus não é mais a mesma. Agora deu para esquecer seus documentos e outras cositas más por onde anda. Sorte que tem confrades prestativos a ponto de o socorrerem em seus esquecimentos. Cuidado pra não esquecer a cabeça, frei João! irmãos de fraternidade tiveram de ajudá-lo: ele tinha invertido o remetente e o destinatário. Liga não, frei Fernando, sua carta é como o vento no Quarto Evangelho: “não se sabe de onde vem, nem pra onde vai”! Um frade com as calças molhadas Na ida para o estágio em Jequitinhonha, frei Luciano Lopes sentou-se embaixo da saída do ar condicionado, no meio do ônibus. Como estava chovendo, começou a gotejar bem nas pernas do frade capixaba, que não tardou em reclamar ao cobrador. Porém, ficou perplexo com a resposta, em voz alta: “Ó dó! Está muito frio?!”. O problema foi ao descer do ônibus com as calças molhadas e ser abordado pelas pessoas: “eu posso explicar” – se antecipava. Questão de gênero Correio eficiente Frei Fernando Rocha ficou impressionado com a rapidez com que os Correios têm entregado as correspondências. Mal tinha enviado sua carta e já recebera a resposta. Mas, quando reparou bem, notou que era a própria carta que tinha enviado. Mas como assim? Inquietou-se o frade. Seus 58 - Revista Santa Cruz O noviciado provincial viveu momentos insólitos durante a profissão de frei José Bandeira. Durante as homenagens finais, cantou-se uma linda canção que, se não fossem as adaptações necessárias, teria feito chorar a muitos. Para não nos alongar, vejamos a letra da música em homenagem a nosso neoprofesso: Aos olhos do Pai você é uma obra-prima que Ele planejou. Com suas próprias mãos pintou a cor de sua pele, os seus cabelos desenhou. Cada detalhe num toque de amor. Você é linda demais perfeita aos olhos do Pai. Alguém igual a você não vi jamais, princesa, linda demais. Perfeita aos olhos do Pai alguém igual a você não vi jamais. Parabéns, frei José Bandeiras! Ite missa est Enquanto os frades ainda almoçavam, dois irmãos do pósnoviciado se retiraram para lavar a louça. Frei Vicente Ronaldo, que outrora era chamado de “Cachorrão”, chega à cozinha e esbraveja com carinho: “Gente, vamos voltar para o refeitório, a missa ainda não acabou!”. Eis uma explicação prática da máxima: “toda vida é oração!”. Um frade atleta O filho de Almenara, frei Kauê, assim que chegou a Betim, descobriu as academias populares, em praça pública, e se tornou um fiel adepto. O detalhe inesperado é que faz seus exercícios com o burel franciscano - o que tem chamado a atenção de todo o quarteirão. Novos areópagos, tudo bem, mas... Missa às avessas Certo frade, residente no Norte de Minas, muito criativo e inovador, durante uma celebração dominical, fez algumas modificações no rito da missa: após a proclamação do Evangelho, convidou a assembleia para professar a fé. Um confrade que estava presente pensou com seus botões: “oba, hoje a missa vai acabar mais cedo”. Quando já estava terminando a apresentação das Oferendas, veio a surpresa: o reverendíssimo presidente começou a homilia. Parafraseando o ditado popular, “alegria de frade dura pouco”! O frade e a sexta-feira 13 Após um período na “Cidade Eterna”, frei Vicente Lopes retornou, há pouco, às terras tupiniquins. Seu desembarque se deu no dia 13 de fevereiro, sexta-feira. Tomara que a “sexta-feira 13” lhe traga sorte, e também a seus confrades, afinal, receber um novo morador nessa data não deixa de ser algo passível de apreensão. Revista Santa Cruz - 59 Um frade de apenas 9 aninhos Existem vocações precoces, mas frei Emanuel parece ter batido o recorde. Sua inscrição no encontro de Under Ten, no México, deu como data de nascimento o ano de 2003. Tendo em vista que o frade da Fundação Nossa Senhora de Fátima é professo solene, se vê que, quando Deus quer chamar a alguém, nem fraldas o impedem. Nota de falecimento Com pesar informamos o falecimento do mais doce, meigo, carinhoso, terno, cheiroso, dócil, amigo, companheiro animalzinho dos frades. Trata-se de Zangado, o “Zan” para os íntimos. Ele faleceu em Alcobaça, em decorrência de uma perfuração estomacal causada por um osso galináceo. Após anos de penosa agonia, foi levado aos Campos Elíseos. Expressamos nossa solidariedade, sobretudo a frei Moisés, que acompanhou a pobre criatura por longo tempo. GP da PSC Bem amigos, estamos aqui de novo dando notícias das peripécias de nossos confrades no trânsito. O Grande Prêmio da Província Santa Cruz teve fortes emoções nos últimos meses. A equipe Bocaiúva eletrizou os espectadores, 60 - Revista Santa Cruz demonstrando que está disposta a lutar pelo campeonato deste ano. Numa manobra arriscada, frei Waldelir foi atingido por um Monza 86, “zero bala”. O outro piloto, que tinha mais álcool que o próprio carro, saiu com cara de poucos amigos. Imediatamente, a equipe de frades se organizou a fim de prestar-lhe socorro e evitar atos mais violentos. O outro piloto da mesma equipe, frei Júnio Fernando, no autódromo de Uberlândia, nas retas do Triângulo Mineiro, fez a Kombi dos frades de Betim chegar a 150 km/h. A bichinha até gemeu para conseguir fazer a ultrapassagem de uma carreta, deixando os tripulantes com o coração na boca. Pelo visto, o ano começa com a equipe do Norte de Minas prometendo fortes emoções automobilísticas. São Cristóvão vai ter trabalho! Revista Santa Cruz - 61