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Transcrição

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Revista Santa Cruz - 1
2 - Revista Santa Cruz
EDITORIAL
Eu fico com a pureza
da resposta das crianças.
É a vida, é bonita e é bonita!
(Gonzaguinha)
E
mbalados pelos versos do saudoso poeta,
iniciamos o ano de 2012, trazendo o primeiro número da
Revista Santa Cruz! Com alegria, registramos a presença amiga
do Visitador Geral frei Wanderley Gomes de Figueiredo que
nos ajudará na preparação e celebração de mais um Capítulo
Provincial, em outubro.
“É a vida, é bonita e é bonita!” Este número da Revista Santa
Cruz é, na verdade, um espelho que reproduz um pouco da vida
de nossa querida Província: desde os relatos de celebrações
de Profissão Solene, até os “in memoriam” de confrades que já
habitam na “Morada do Altíssimo” e desfrutam da plena vida,
“diante do trono e do Cordeiro”.
Instigados pela Campanha da Fraternidade deste ano que, mais
uma vez, retoma a temática da saúde pública, mais forte se faz o
nosso canto em favor da “vida em abundância” para todos.
Preparemo-nos para a Páscoa, a festa da vida!
Uma boa leitura a todos!
Revista Santa Cruz - 1
2 - Revista Santa Cruz
SUMÁRIO
EDITORIAL.................................................................................................... 01
RECADO DO LEITOR ................................................................................04
DOCUMENTAÇÃO
- Da Cúria Provincial: Mensagem do Visitador Geral da PSC, frei
Wanderley Gomes de Figueiredo ......................................................... 05
VIDA DA PROVÍNCIA
1. Profissões solenes
(Freis Arlaton de Oliveira e Luís Fernando N. Leite) ............................ 08
2. III Encontro Internacional de Comissários da Terra Santa
(Frei Francisco Alexandre Viana) ............................................................. 13
3. Entrevista com os freis Ronaldo Zwinkels e Cornélio van Velzen
(Freis Júnio Fernando e Arlaton de Oliveira) ........................................ 15
REFLEXÃO
1. Saúde na perspectiva da ecologia integral
(Ana Maria Vidigal Ribeiro e José Luiz Ribeiro de Carvalho) ............ 30
2. Resistência popular implícita
(Frei Francisco van der Poel, OFM) .......................................................... 33
MEMÓRIA
1. “In memoriam” de frei Frederico Voorvelt
(Frei Celso Márcio Teixeira) ...................................................................... 35
2. “In memoriam” de frei Estanislau Bartholdi
(Frei Hilton Farias) ...................................................................................... 44
UMAS E OUTRAS
- Humor franciscano .................................................................................. 57
Revista Santa Cruz - 3
RECADO DO LEITOR
“Eu canto e danço com prazer;
Tu me curaste, me fizeste reviver! (Is 38)
Graças a Deus, no dia 08 de novembro do ano passado, após ter ficado
três semanas sedado e entubado, no CTI cardiológico do Hospital Felício
Rocho, acordei vivo, graças também aos intermediários, mediante os quais
Deus me socorreu. Entre outros, o meu guardião frei Gabriel, que não
demorou em me levar para Belo Horizonte, o meu cardiologista doutor
Pedro Roberto Guimarães e outros médicos e enfermeiros do Hospital, a
Sra. Maria do Socorro, mãe de duas enfermeiras de nossa casa, em Carlos
Prates, que me fez companhia, no hospital, durante 15 dias. Muito grato
sou também aos confrades de Carlos Prates que, sob a atenta coordenação
de seu guardião, frei Fabiano, me acolheram durante o longo período de
convalescença, desde o dia 22 de novembro, festa de Santa Cecília.
Muito especialmente quero aqui agradecer as inúmeras e perseverantes
orações com que muitas pessoas, dentro e fora de Santos Dumont, rezaram
pela minha recuperação. Como me valeram essas constantes rezas! O meu
“muito obrigado!” por tudo isto!
Voltando para Santos Dumont, espero poder trabalhar mais uns tempos
a serviço do Reino, se Deus quiser!
Santos Dumont, 15/02/2012
Frei Joel Postma, OFM
4 - Revista Santa Cruz
DOCUMENTAÇÃO
- DA CÚRIA PROVINCIAL
CARTA DE SAUDAÇÃO À
FRATERNIDADE PROVINCIAL
DO VISITADOR GERAL DA PSC,
FREI WANDERLEY GOMES DE
FIGUEIREDO
Caros confrades,
O Senhor vos dê a Paz!
Com satisfação, damos início à
Visita Canônica nesta Província
Santa Cruz, entidade querida pela
Revista Santa Cruz - 5
Ordem, tão importante para o povo
de Deus no estado de Minas Gerais
e Sul do estado da Bahia.
Estou aqui em nome do Governo da
Ordem e transmito a cada frade e a
cada fraternidade a saudação desse mesmo Governo. De um modo
especial, transmito a saudação fraterna do nosso Ministro Geral.
A Visita Canônica é um momento
fraterno e tem como principais
finalidades saudar a cada um dos
irmãos com benignidade e familiaridade, confortar e admoestar
com humildade e caridade (cf.
EE.PP - da Visita Canônica, 3). Enfim,
é um momento kairótico, momento
de graça para o fortalecimento
da fraternidade local, provincial e
universal.
Espero conhecer a situação em
que se encontram a Província,
as fraternidades e cada frade
em especial, além de estimular
a todos nos diferentes aspectos
da nossa vocação: vida fraterna,
evangelização e missão, formação
e sustento econômico. Faço votos
que consigamos reforçar em nós a
comunhão com a Ordem e com a
Igreja, além de alicerçar a presença
franciscana comprometida com
as exigências do mundo atual (cf.
EPVC, 26-31).
Os guardiães preparem este
momento de encontro e tomem as
seguintes providências:
6 - Revista Santa Cruz
1. organizem uma celebração de
início da Visita Canônica;
2. apresentem os seguintes livros:
visita canônica, crônicas, ata de
capítulo local, missas celebradas e contabilidade; no caso das
paróquias, apresentar, também, os
livros de crônicas e de tombo;
3. agendem uma visita ao bispo
diocesano;
4. organizem um encontro com os
irmãos e irmãs da OFS, JUFRA e
OSC;
5. agendem um encontro com o
Conselho Paroquial;
6. organizem um Capítulo local
e um recreio para o encerramento da Visita Canônica em cada
fraternidade.
Segundo os Estatutos Particulares
para a Visita Canônica e Presidência
do Capítulo Provincial, o Visitador
Geral tem como elementos importantes para a avaliação da vida
fraterna na fraternidade Provincial
e local (cf. EPVC, 26):
a. a participação na vida fraterna,
particularmente no Capítulo local;
b. o cultivo da oração e devoção;
c. a postura de menores e de construtores da justiça e da paz;
d. a fidelidade e o devotamento ao
trabalho;
e. a vida em pobreza;
f. a promoção do carisma franciscano.
abaixo. Fiquem inteiramente à
vontade para entrar em contato.
Com o objetivo de possibilitar uma
boa visita às fraternidades, foi feita
uma programação com o tempo
reservado para cada fraternidade,
garantindo, assim, que este seja
um momento de revigoramento,
celebração do dom da vocação e
revisão sincera e esperançosa da
nossa vida e missão.
Agradeço a acolhida carinhosa e
confiante de todos. Vou me esforçar para realizar bem o trabalho
fraterno da visitação. Com certeza,
será uma experiência de renovação e de enriquecimento para a
minha vida pessoal. Deus abençoe
a todos.
O Capítulo Provincial terá início
com o jantar do dia 19/10/2012,
em Santos Dumont. Encerrar-se-á
com o almoço do dia 25/10/2012. A
Comissão Preparatória do Capítulo
(CPC) - formada por fr. Gabriel de
Lima Neto, fr. Adilson Corrêa da
Silva, fr. Joaquim Fonseca de Souza
e fr. Jaime Eduardo Ribeiro - esteve
reunida no dia 7/2/2012 comigo e
com o Ministro Provincial para dar
início ao trabalho pré-capitular,
conforme os EEPP da PSC (Art. 83
e 84).
Um abraço fraterno.
Belo Horizonte, 07/02/ 2012
Frei Wanderley Gomes de
Figueiredo, OFM
Visitador Geral
Rua 14 de Julho, 4213
São Francisco
79010-470 Campo Grande – MS
Email: [email protected]
(67) 3356-4509/9644-0348
Peço com carinho que cada irmão
dê atenção especial a tudo aquilo
que for solicitado pela CPC, para
que a celebração do Capítulo seja
expressão sincera da fraternidade
provincial. Que cada um se empenhe da melhor forma possível,
pois será o envolvimento pessoal
que garantirá a consolidação do
bem maior da fraternidade.
Estou à disposição de todos. Meu
endereço postal e eletrônico está
Revista Santa Cruz - 7
VIDA DA
PROVÍNCIA
Nesta seção, encontram-se dois breves relatos sobre a profissão
solene de cinco confrades da PSC e de um da Fundação Nossa
Senhora de Fátima. Na sequência, uma crônica sobre o “III
Encontro Internacional dos Comissários da Terra Santa” e
uma entrevista com os confrades jubilares Ronaldo Zwinkels e
Cornélio van Velzen.
1. PROFISSÕES SOLENES
1.1. NA PROVÍNCIA SANTA CRUZ
Frei Arlaton de Oliveira, OFM
Na solenidade da Apresentação
do Senhor, no dia 2 de fevereiro, na igreja São Francisco das
Chagas, em Belo Horizonte, professaram solenemente os freis
Irwin Couto Silva, Robério Antunes Ruas, Rogério Rodrigues, Júnio Fernandes Marques e Luciano
Lopes.
8 - Revista Santa Cruz
Da direita para a esquerda: Irwin, Júnio, Luciano, Robério e Rogério.
A celebração foi presidida pelo
ministro provincial frei Francisco
Carvalho Neto e concelebrada
por frei Adilson Corrêa da Silva,
pároco da referida Igreja. Estiveram
presentes confrades de várias
fraternidades da Província Santa
Cruz, postulantes, familiares e
amigos dos frades professandos.
Em sua reflexão, o ministro provincial ressaltou a importância
de se escolher esse dia para a
realização das profissões solenes,
na Província. Ele fez a relação
entre a festa da Apresentação do
menino Jesus no Templo com a
consagração religiosa. Segundo
ele, a consagração é, na realidade,
uma “apresentação”, uma entrega total ao Senhor. Buscando
estabelecer um paralelo entre os
pais de Jesus, que o trouxeram ao
Templo para ser consagrado ao
Senhor, frei Francisco se referiu aos
pais dos professandos, num tom de
agradecimento, dizendo que, de
alguma forma, eles também, hoje,
entregam seus filhos aos cuidados
de Deus, da Igreja e da Ordem.
Em seguida, discorreu sobre a
vocação do papel do religioso
no mundo atual: por meio dos
conselhos evangélicos, o frade
menor torna-se sinal e presença
de Deus e, por isso mesmo, deve
se posicionar e testemunhar o
Evangelho na oração e no serviço
ao reino de Deus.
O Provincial ainda recordou aquilo
que é próprio da Ordem dos
Frades Menores: reconhecer-se
Revista Santa Cruz - 9
como irmão menor que se coloca
disponível para o serviço do Reino,
com humildade e simplicidade.
“Somos uma fraternidade. Somos
irmãos e atuamos em conjunto,
atentos àquilo que o Senhor quer
de nós!”- enfatizou.
Terminada a homilia, procedeu-se o
rito da Profissão. Diante do ministro
provincial, os frades afirmaram
seu desejo de se consagrarem
definitivamente na Ordem dos
Frades Menores. Logo após o
canto da “Ladainha dos santos”,
cada um se ajoelhou diante de frei
Francisco e, nas mãos dele, emitiu
seus votos de pobreza, castidade
e obediência. Depois de terem
recebido um exemplar da “Regra
da Ordem dos Frades Menores” e
a bênção, os neoprofessos foram
calorosamente acolhidos pelos
frades e parentes mais próximos
com o abraço da paz.
No final da celebração, frei Luciano
Lopes fez os agradecimentos em
10 - Revista Santa Cruz
nome dos colegas neoprofessos.
Recordou do período de formação
inicial e agradeceu a todos que, de
algum modo, estiveram envolvidos
nessa etapa, especialmente os
confrades formadores e os irmãos
de caminhada. Agradeceu, de
modo especial, a seus familiares
e amigos, bem como a todas as
pessoas que os acolheram em
suas comunidades de origem,
onde foram realizados os “tríduos
vocacionais”. Por fim, agradeceu a
presença de todos.
Após a celebração, toda a
comunidade se dirigiu ao salão
paroquial para o jantar de
confraternização, preparado pelos
leigos da paróquia São Francisco
das Chagas.
Aos confrades neoprofessos, o
desejo sincero de perseverança,
saúde, ânimo. Possam, a exemplo
do Seráfico Pai São Francisco, ser
instrumentos da paz e do bem.
1.2. NA FUNDAÇÃO NOSSA
SENHORA DE FÁTIMA
(TRIÂNGULO MINEIRO)
Frei Luís Fernando N. Leite,
OFM
A Fundação Franciscana de Nossa
Senhora de Fátima do Brasil, no
Triângulo Mineiro, esteve em festa
entre os dias 08 a 11 de dezembro
de 2011, em vista da profissão
solene na Ordem dos Frades Menores do confrade frei Emanuel
Fernandes Pereira. Durante esses
dias, recebemos, em nossa região,
os confrades do Convento Santa
Maria dos Anjos, de Betim, e outros
freis da Província Santa Cruz.
Também esteve presente frei Pedro
Silva, de Guaratinguetá (SP), da
Província da Imaculada Conceição,
além de religiosas e leigos que,
com alegria e disponibilidade, colaboraram na preparação do povo
de Deus para essa grande festa,
durante o tríduo vocacional.
O primeiro dia do tríduo (8/12) foi
celebrado na cidade de Araguari,
na comunidade “Nossa Senhora
Desatadora dos Nós”, dia da festa da
padroeira. Festa bonita, igreja cheia
e muita alegria. Nessa paróquia,
frei Emanuel fez a experiência de
seu “ano franciscano”, em 2010.
Durante o dia, foram visitadas as
escolas do Bairro de Fátima e os
doentes; à noite, a celebração.
No dia seguinte, a equipe missionária se dirigiu para a cidade
de Uberlândia para o segundo e o
terceiro dia do tríduo, na Paróquia
Nossa Senhora de Fátima. À noite,
a comunidade se reuniu para a
celebração. Era visível a alegria
e a surpresa do povo ao ver tantos frades reunidos, animados,
celebrando a vida e a vocação, na
paz e no bem.
Revista Santa Cruz - 11
Na manhã do dia 10, às 6h20min, os
frades já estavam na rua, em frente
à casa da fraternidade franciscana para se dirigirem ao Mosteiro
Monte Alverne das Irmãs Clarissas.
Ali, na alegria e na simplicidade,
com as irmãs, iniciamos o terceiro
dia do tríduo com a celebração
da eucaristia. Rendemos graças
a Deus por Francisco e Clara de
Assis, pela vocação do frei Emanuel
e também pela vida do frei Pedro,
que celebrava seu dia natalício.
Depois da celebração, ganhamos
um delicioso café da manhã,
oferecido pelas irmãs. No início
da noite, às 18h, na Matriz de
Fátima, celebramos junto àquela comunidade. Depois da celebração, nos reunimos para um
recreio fraterno na comunidade
franciscana, com todos os frades,
inclusive o ministro provincial frei
Emanuelle que chegara da Itália,
no período da tarde, junto do secretário provincial frei Martino.
Chegado o grande dia (11/12),
às 10h, deu-se início à celebração.
Uma celebração pautada no anúncio da vinda do Salvador feito
homem que veio morar no meio
de nós, do Deus que põe em prática o seu projeto de salvação
dos humildes. Essa humildade
expressa na vida de Francisco que
abraçou o Cristo pobre humilde e
crucificado. Durante a celebração,
o ministro Provincial expressava
12 - Revista Santa Cruz
em palavras com ajuda e tradução
do frei Rodrigo de Castro, a
alegria de presidir esse momento
tão importante para a Ordem
Franciscana, para a Igreja e a todos
que amamos Francisco de Assis.
A celebração durou três horas,
mas não nos cansou. O momento
mais emocionante foi quando frei
Emanuel pronunciou a fórmula da
Profissão, entregando a Deus Pai
sua vida, fazendo o bom propósito
de viver mais de perto o Santo
Evangelho, à luz dos conselhos
evangélicos de Obediência, Nada
Próprio e Castidade.
Ao final da celebração, feitos
todos os agradecimentos e homenagens da parte de familiares
e dos confrades do convento Santa Maria dos Anjos, frei Emanuel
agradeceu a todos aqueles que, de
uma maneira ou de outra, fizeram
e fazem parte de sua formação.
Depois de participarmos do banquete eucarístico, todos foram convidados para um delicioso almoço nesse dia de alegria.
Que o Deus da vida ajude e dê força
ao frei Emanuel nesse encargo que
ele abraçou com toda a alegria do
coração.
2. III CONGRESSO INTERNACIONAL
DE COMISSÁRIOS DA TERRA
SANTA
Frei Francisco Alexandre Viana,
OFM
Aconteceu, do dia 30 de janeiro a 05 de fevereiro de 2012, no
convento São Salvador, sede
da Custódia da Terra Santa, em
Jerusalém, o III Congresso Internacional de Comissários da Terra Santa. Éramos 116 participantes,
entre comissários da Terra Santa,
vice-comissários, amigos e auxiliadores dos frades neste serviço.
Iniciamos com a eucaristia presidida por nosso ministro Geral, frei José Rodrigues Carbalho.
Na sua homilia, ele destacou a
importância do encontro com o
Senhor, que nestas terras viveu,
anunciou a sua boa-nova, morreu e
ressuscitou. Este mesmo encontro
motivou Francisco de Assis a
enviar seus frades, em 1217, à
Terra Santa e, ele mesmo, fazendo esse caminho, em 1219.
Desde esse momento em diante, a presença franciscana nos
“lugares santos” nunca se interrompeu. Em 1432, foi concedida
aos frades a tarefa de custodiar
esses lugares, em nome da Igreja.
Cada dia do Congresso começava com a celebração da
eucaristia. Depois tínhamos as
reflexões feitas em plenária para,
em outro momento, refletirmos
em grupos os diversos assuntos
apresentados. Os temas principais
desse nosso Congresso foram: a
elaboração de um Vade mecum
que sirva de instrumento de
trabalho e orientação entre comissários e a custódia; a relação
dos comissariados com as dioceses, províncias e custódias; uma
apresentação dos diversos trabalhos realizados pela Custódia; a
Revista Santa Cruz - 13
criação de uma revista Terra Santa
em português; a importância do
serviço da Terra Santa como um
campo privilegiado da Ordem dos
Frades Menores; uma prestação
de contas referente à contribuição
dos comissariados e os novos
desafios frente à diminuição dos
comissariados na Europa.
da Ressurreição como a palavra
de força transformadora de vida.
Palavra capaz de mudar situações
e de transformá-las em situações
de ressurreição. Sendo também
palavra de encorajamento para
nós, no anúncio do evangelho e
do serviço ao povo de Deus nestas
terras.
Foram momentos fortes de vivência da fraternidade universal,
como desejava nosso Pai São
Francisco. Também foram fortes os
momentos celebrativos. Destaco
aqui a celebração da eucaristia
diária, a celebração de vésperas na
Basílica da Natividade, em Belém,
a Via-Sacra e a eucaristia na Basílica do Santo Sepulcro.
Por fim, desejamos que esta
mesma palavra ajude a cada um
de nós frades a viver e praticar
o evangelho no nosso dia a dia.
E que possamos descobrir a importância deste “quinto evangelho”, a Terra Santa, com seu valor histórico de salvação e a sua
beleza na diversidade de povos,
mesmo diante dos desafios. Que
possamos, como Francisco de Assis,
sermos anunciadores deste serviço
confiado à nossa Ordem.
Desta última, chamou-me a
atenção a homilia de nosso Custódio, frei Pierbattista Pizaballa,
que enfatizou o acontecimento
14 - Revista Santa Cruz
3. ENTREVISTA COM OS FREIS
RONALDO ZWINKELS E CORNÉLIO
VAN VELZEN
Neste ano de 2012, os freis Ronaldo Zwinkels e Cornélio van
Velzen celebram 60 anos de vida
consagrada. Nas páginas que se
seguem, dentre outras coisas, eles
nos falam de sua vocação e missão.
nasceram inesperadamente dois
filhos: Johannes Paulus e Adrianus
Petrus, a minha pessoa, na garupa.
Surpresa geral e trabalho dobrado
para nos manter aquecidos.
3.1. FREI RONALDO ZWINKELS
RSC: Frei Ronaldo, fale um pouco
sobre você, sua origem e sua família.
Frei Ronaldo: Minha mãe entrou
em trabalho de parto dia 14 de
fevereiro de 1929, durante um dos
invernos mais rigorosos e severos
dos últimos 50 anos. A parteira não
conseguia resultado e meu pai foi,
de bicicleta, buscar o médico da
família, de madrugada, pedalando
2 km sobre gelo e neve, com uma
temperatura de muitos graus
abaixo do zero.
O motor do carro Ford 29 do
médico estava congelado. Eles
foram então à garagem da Vios,
empresa de viação, que mantinha dois ônibus de motor ligado
durante a noite inteira. A empresa colocou um ônibus à disposição e os dois encontraram
minha mãe em situação crítica.
O médico foi competente e logo
Nasci e fui criado no município de
Wateringen, na Holanda do Sul, na
região Westland, hoje conhecida
como “A Cidade de Vidro”, assim
chamada por causa de um seriado
na TV sobre aquela região típica
que concentra o cultivo de flores,
verduras e frutas em sistemas
de estufas de vidro. Região situada entre as cidades de Haia e
Rotterdam.
Sou de uma família numerosa, de
14 filhos, cinco homens e nove
mulheres. Com meu irmão gêmeo,
Revista Santa Cruz - 15
somos o segundo e o terceiro.
Meu pai era horticultor de estufa.
Em apenas dois hectares de terra,
(tamanho médio na época), em
grande parte coberta de estufas,
cultivávamos uvas de mesa como
produto principal, e pêssego, tomate, pera e maçã, e toda a espécie de hortaliça que os campos
abertos só conseguiam produzir
em tempo de verão.
Desde cedo, nós, os filhos homens, ajudávamos o pai e os empregados. Vizinhos davam uma
mão extra em dias de colheita,
assim como nós os ajudávamos
também na hora do aperto. Desta
maneira, atravessavamos o difícil
período da crise econômica que
tinha estourado em 1929, em
nível mundial, afetando também
gravemente a horta e granjacultura.
Apesar das dificuldades financeiras, nós tivemos uma infância muito boa. Sem maiores dificuldades
na escola primária. Muita opção para brincar, apesar das constantes
brigas entre os alunos da escola
protestante e da católica. Havia
dois canais navegáveis para pescar
diversos tipos de peixe. Quando
pegávamos peixe demais, minha
mãe mandava jogar tudo para os
porcos ou galinhas. A criançada
da vizinhança frequentava muito
nossa casa.
16 - Revista Santa Cruz
No dia 10 de maio de 1940,
Alemanha declarou a guerra à
Holanda. Eu estava com 11 anos
de idade. Acordamos às quatro
horas da manhã. Olhamos pela
janela do segundo andar da
nossa casa e ficamos perplexos
pelo cenário que se desenrolava
diante dos olhos: combate aéreo
entre aviões holandeses e ingleses
contra os aviões alemães. Descida de milhares de paraquedistas alemães, saltando aos montes
de grandes aviões, aviões atacados e em chamas. Era um cenário
infernal. Os alemães ocuparam,
de surpresa, o campo de aviação
militar Ypenburg, perto da nossa
casa. A família ficou abrigada na
adega da casa. As estufas tiveram
grande prejuízo, pois ficaram com
muitos vidros estilhaçados.
Os militares alemães ocuparam a nossa escola e a vida
mudou. O vigário da nossa paróquia, que participava de nossas brincadeiras, foi levado para
o campo de concentração em
Dachau. Foi libertado no final da
guerra. O pároco da paróquia vizinha, amigo da família, foi prisioneiro e morto no campo de
concentração em Dachau. Os móveis e outros bens particulares do
padre ficaram guardados em nossa
casa até o final da guerra.
Um foguete V2 caiu num orfanato
a 1 km de distância, matando uns
vinte meninos e alguns irmãos de
alguma congregação religiosa. Um
irmão sobrevivente do instituto
ficou hospedado conosco durante uns quatro meses. Chegou só
com a roupa do corpo. A escola
protestante passou a ser a nossa
escola também. Tivemos aulas em
turnos diferentes, dividindo os
“bodes” das “ovelhas”. Um foguete
V1 pegou a ponta do telhado de
uma estufa nossa e matou um
amigo e colega de escola.
A fome agravou-se, recebíamos
crianças em turno para o almoço. Muitos moradores da Haia
vinham buscar verduras ou frutas
às escondidas. Vender para o
povo era severamente proibido e
castigado quando descoberto. Eu
tinha que assumir muitas vezes
a responsabilidade, para meu
pai não sofrer as consequências.
Toda a produção tinha que ter a
Alemanha como destino. Entre
eles havia dois judeus que, no
final da guerra, sumiram. Após a
guerra, reapareceram e vieram nos
agradecer. Uma rara foto da família
feita durante a guerra foi tirada por
eles.
Com 15 anos de idade tive que
fazer trabalho forçado, com toda
a população masculina disponível
para construir diques nos pólderes. Estes pólderes foram depois
inundados sem dó ou piedade
pelos alemães, servindo de defesa
contra uma eventual invasão dos
ingleses.
Um alemão frequentava nossa
casa a pedido do pároco. Era um
padre da congregação dos Crúzios, padre Fischer. Este foi forçado a servir exército como enfermeiro e celebrava a sua missa,
às escondidas, na Casa Paroquial.
Vinha com o pároco ou sozinho
“tirar prosa”.
RSC: Como surgiu a vocação franciscana?
Frei Ronaldo: Minha vocação era
ser missionário, desde criança. A
religiosidade da família, as pregações de missionários na paróquia, a frequência dos padres da
paróquia à nossa casa influenciaram a minha vocação. A guerra
parecia ter matado minha vocação,
mas com o término da guerra, meu
antigo desejo de me tornar um
religioso retornou com mais força.
Aspirava ser missionário em Nova
Guiné.
Os franciscanos tinham missões
em Nova Guiné. Daí a vontade de
ser franciscano. Eu os conhecia
pelas pregações que faziam em
nossa Paróquia. Lutei durante um
bom tempo contra. Tinha que
Revista Santa Cruz - 17
decidir entre o seminário ou a
escola técnica agrícola. Gostava
do trabalho nas estufas e o ideal
de muitos filhos de cultivadores
em estufas era seguir a tradição
familiar. Meus irmãos e cunhados
todos escolheram de fato o mesmo
ramo.
Depois de muita hesitação e
fervorosa oração, finalmente decidi
e isto me causou uma grande
alegria. Falei com meus pais. Estes,
surpresos, acolheram, de bom
grado, a minha decisão. Quem teve
dificuldade de aceitá-la foi meu
irmão gêmeo.
RSC: E sua vinda para o Brasil?
Frei Ronaldo: Cheguei ao Brasil
no dia 1o de novembro de 1955.
O Brasil não era minha primeira
opção. Quando, em Venraay,
chegou um pedido para que a
Província da Holanada enviasse
dois frades para fazer a teologia
no Paquistão, nosso mestre de
Filosofia conseguiu convencerme a aceitar a missão. Hans Baars,
o caçula da nossa turma, também foi convidado. E aceitou também. Seríamos, portanto, dois
missionários enviados para a Missão de Paquistão.
Nesse ínterim, houve uma decisão
tomada em Paquistão de unir
18 - Revista Santa Cruz
a formação superior dos frades
do Paquistão e da Índia, além
de introduzir um terceiro ano
de Filosofia. Esta decisão tornou
inviável mandar estudantes da
Holanda para lá sem antes terem
estudado teologia.
Logo depois chegou um pedido do
Brasil para mandar dois estudantes.
Nós dois fomos procurados pelo
vice-provincial. Hans Baars, o
caçula, preferiu terminar seus
estudos na Holanda e depois de
ordenado ir ao Paquistão. O que de
fato aconteceu, enquanto que eu
aceitei vir para o Brasil, junto com
Ângelo van Heiningen e Heleno
Smits. E me preparei com muito
entusiasmo.
A chegada de navio ao Rio de Janeiro de madrugada foi deslumbrante. Um novo mundo abriu-se
diante dos olhos, país tropical. Fui
encaminhado para Divinópolis,
viajando de trem de segunda classe
(experiência única!) e iniciei o curso
de teologia, em 1956.
Quanto à adaptação, esta se deu
naturalmente. A comida era pouco
variada nas últimas mesas, as
mesas dos novatos. Pelo costume
hierárquico que reinava no convento o melhor nos pratos era
consumido nas mesas mais acima.
RSC: Dentre os diversos lugares por
onde o senhor passou, há algum que
mais marcou sua vida?
Frei Ronaldo: Fora os lugares onde
estive por curto período, como em
Teófilo Otoni, Nanuque, Salinas e
Taiobeiras, a minha vida pastoral
desenvolveu-se basicamente nos
seguintes lugares: Pirapora (7
anos), Medeiros Neto (15 anos),
Teixeira de Freitas (9 anos), Nova
Viçosa, Itabatan e Abaeté-Paineiras
(6 anos), Divinópolis (a partir de
janeiro 2001).
Os lugares mais marcantes foram:
A convivência entre mineiros
e gaúchos (de origem alemã
ou italiana) e holandeses tinha
também suas dificuldades. Na
aprendizagem da língua não tive professor, fui aprendendo por
conta própria, aos poucos. Às vezes me sentia um minus habens,
por não conseguir me expressar
direito.
A religiosidade popular continha
forte expressão devocional e era
um elemento novo para assimilar.
Mas o povo aceitava a gente com
grande espontaneidade, o que
facilitava muito o processo de
adaptação.
- Pirapora: Em especial, a fundação
do Colégio Estadual Luiz Balbino,
no Serradinho, periferia da cidade. Esta escola proporcionou o
desenvolvimento de um bairro
distante e de extrema pobreza.
Destaco também a construção
do Santuário Santo Antônio, os
longos giros a cavalo pelo interior
de Pirapora, Buritizeiro, Várzea da
Palma e Lassance; as aulas noturnas e gostosas dadas à primeira
turma do recém-criado 2o grau no
Ginásio São João Batista, tendo
o prefeito municipal e o pastor
da Igreja Batista entre os alunos e
muitos outros da “alta” da cidade.
Revista Santa Cruz - 19
quele município que
mais crescia na Bahia. Outros desafios:
conciliar as diversas
tendências e linhas de
pastoral; coordenar
a pastoral diocesana,
além de contornar,
durante as assembleias, tentativas de
manipulação da parte de grupos de linhas
de pastoral divergentes, nas decisões
finais; acompanhar
o crescimento deFrei Ronaldo junto com o povo no sul da Bahia
sordenado da cidade
- Medeiros Neto: O espírito do formando, a cada ano, novas coVaticano II trouxe novos métodos munidades, novas lideranças e
e ação como, por exemplo: a construindo centros de pastoral ou
criação de comunidades urbanas igrejas nos bairros novos; realizar,
e rurais; a formação de lideranças; junto com o bispo dom Antônio,
a renovação da Catequese. O o complicado e demorado procesreligioso e o social se misturaram: so da formação da diocese de
Registro civil das crianças; alfa- Eunápolis.
betização de adultos; fundação
do sindicato rural; construção Itabatan: É um capítulo à parte.
de centros comunitários; igreja e Trata-se de um pequeno distrito
agrovilas; lar dos idosos; cerâmica de 1.000 habitantes que, dentro de
e filtros de água. Guardo boas pouco tempo, atingiu a casa dos
recordações das viagens longas e 10.000. Isto devido à implantação
difíceis, de jipe, por estradas mui- da megaindústria de papel e
tas vezes quase intransitáveis e o celulose Baía Sul. Itabatan não
tinha condições de administrar o
contato gostoso com o povo rural.
- Teixeira de Freitas: Foi um tempo caótico crescimento em nenhum
de desafios: o maior deles foi setor público.
O bispo e o administrador do
atender ao pedido do bispo
dom Antônio Zuqueto para que distrito pediram minha colaboorganizasse duas paróquias na- ração nessa fase explosiva de
20 - Revista Santa Cruz
expansão do lugar. Ajudei a amenizar a falta de infraestrutura na
formação de um novo bairro, no
planejamento de um hospital diocesano, na construção da igreja,
na formação da paróquia e na
projeção de um colégio diocesano.
Todo esse serviço tinha que ser
feito em paralelo com os serviços
existentes na paróquia em Teixeira
de Freitas.
sem olhar no espelho ou fazê-la
a partir da memória benevolente
de um idoso. Deus tem sido bom
e misericordioso comigo, também
nos momentos de crise. Se fui um
instrumento útil, agradeço a Deus.
Quando não pude corresponder
plenamente a minha vocação,
me cabe, agora, pedir perdão
a Deus e às pessoas que tenho
decepcionado.
RSC: Celebrando 60 anos de vida
religiosa, como o senhor avalia sua
vocação e missão?
RSC: Finalizando nossa conversa,
o senhor gostaria ainda de relatar
algo que não foi dito acima, mesmo
que seja um fato pitoresco?
Frei Ronaldo: A minha vida de 83
anos completos é mais abrangente
que a vida religiosa. As experiências vividas antes dela mantiveram forte influência. Elas continuam enraizadas na minha vida. Fui
muito abençoado por Deus por
ter nascido e vivido numa família
numerosa que soube trabalhar e
partilhar.
A vida religiosa sustentou-me e me
incentivou na realização da vocação missionária, daquele espírito
pioneiro que sentia. O governo
provincial me deu oportunidade
de trabalhar em terras pioneiras da
nossa Província. E neste sentido me
sinto realizado na vocação.
Avaliar minha vida é avaliar a mim
próprio, nas diversas fases da vida.
É inevitável fazer uma avaliação
Frei Ronaldo: Aí vai um episódio
curioso, acontecido numa fazenda
do Extremo Sul da Bahia.
Todos os anos, acontecia uma
grande festa de batizado, organizada pelo gerente de uma
fazenda situada na divisa dos
municípios de Medeiros Neto e
Lagedão. Os agregados e as famílias vizinhas traziam seus filhos
para se tornarem cristãos. O proprietário, dono de uma usina de
açúcar, em Pernambuco, também
se fazia presente. O ambiente era
bem grosseiro.
Depois da celebração da missa
e do batismo, era servido um
banquete. Mesa copiosa de comida
gostosa. O prato principal dessa
Revista Santa Cruz - 21
vez foi um grande leitão assado,
trazido pelo gerente com muita
pompa e circunstância. O prato
foi colocado no centro da mesa
comprida com uma salva de
palmas! Os convidados esperavam
pelo segundo ato daquela “liturgia do leitão”, ou seja, degustar a
saborosa iguaria.
Mal o gerente se afastara da mesa,
chegou um homem baixinho e
bêbado. Este pegou o suculento
prato e se dirigiu, às pressas, até o
chiqueiro e jogou o bicho para os
porcos!
Entre gritos e exclamações dos
comensais diante daquela inusitada cena, apareceu o gerente
que agarrou o infrator e lhe deu
22 - Revista Santa Cruz
uma surra, na presença de todos. A
violência foi tamanha que o pobre
coitado mal podia levantar-se. O
vaqueiro pegou-o, arrastou-o e
trancou-o no depósito das selas e
dos arreios dos cavalos.
Não faltaram comentários da parte
dos presentes que, por um lado,
questionavam o fato em si e, por
outro, ponderavam que o “baixinho bêbado” costumava aprontar
poucas e boas em ocasiões como
esta. E ainda: o comentário mais
pertinente era o de que aquele
pobre coitado “sabia demais”. Apesar de tudo, a festa terminou em
paz, ninguém passou fome, comida
não faltou.
3.2. FREI CORNÉLIO VAN VELZEN
RSC: Frei Cornélio, fale-nos sobre sua
origem e vocação.
Frei Cornélio: Não é aconselhável
pincelar em poucas palavras
um tempo de 60 anos. Quem
projeta uma ponte sobre um rio
com pilares gasta muito tempo,
calculando, desenhando. O rio da
vida está cheio de imprevistos.
Quem é capaz de superá-los?
Lá se foram 60 anos de vida
consagrada. Tudo começou quando eu tinha 21 anos de idade, em
Hoogcrutz, no sul da Holanda.
Além de Hoogcrutz havia mais
um noviciado em Stoutenburg, no
centro da Holanda. O número dois
significa um número expressivo de
candidatos para a vida religiosa.
Muitos jovens se sentiram atraídos
por esse tipo de vida naquele
tempo. Depois entrou em declínio e
diminuiu o número de candidatos.
A aventura para mim começou em
1952.
seminaristas. Em cada casa morava
um certo número de estudantes. A
gente frequentava o ginásio para
ter aulas, participar das Missas (em
latim), e estudar no salão. Uma
grande parte da vida se passava
ao redor do colégio. Nas casas, a
gente morava, comia, dormia e, de
noite, estudava um pouco. Era um
sistema interessante porque uma
parte da vida ficava por conta de
um grupo de jovens responsáveis
pelo bom atendimento em casa.
Os freis, morando perto do ginásio,
no convento, tiveram como tarefa
acompanhar os estudantes nas
casas espalhadas na cidade. Essa
vigilância não era severa. O mais
idoso do grupo de estudantes
era, em geral, responsável pela
boa ordem da turma. Este sistema
possibilitou-nos desenvolver o
senso de responsabilidade. Além
de missas diárias, em latim, havia
também o costume de confissão
frequente. Tudo isso se passou
entre os anos 1946 até 1952.
Antes de entrar naquela ponte
de uma vida nova, houve a
preparação. Passei seis anos no
seminário me-nor, em Megen, na
Brabantia, à beira do rio que corta
Holanda em dois. Megen não era
um seminário comum. Tinha como
especialida-de o sistema de casas
separadas, onde moravam os
Revista Santa Cruz - 23
A guerra mundial terminou em
1945. Marcou a vida de muita
gente. Começou em 1940. Sem
mais nem menos, os alemães
invadiram o pequeno país sob o
motivo de proteger a gente contra
os ingleses. Começou o tempo
de mentira, a opressão. Acabou a
nossa liberdade. Nesse tempo foi
semeada dentro de mim a semente
da resistência.
situação com uma certa ajuda.
A lição de meu pai foi esta: não
quero para meus filhos o que está
acontecendo comigo. Os pais
faziam de tudo para que os filhos
estudassem na escola. Fora disso,
a gente trabalhava no sustento
da família. O trabalho fazia parte
da vida. Não havia outra saída. Foi
nesse tempo que surgiu, na família,
a minha vocação.
O tempo de seminário parece um
passo para trás, mas na entrada
de uma ponte a entrada é muito
importante. Quem olha bem vai
notar que chove muito a água
começa a mexer com essas partes.
A entrada é a preparação para o
resto como acontece também na
vida da gente. Por isso é útil essa
comparação.
Nesse tempo de guerra, manifestei
a vontade de estudar. O número
de candidatos foi tão grande que
devia esperar um ano para entrar
no seminário. Minha mãe me
acompanhava de perto, dando
tudo de si para realizar o seu sonho.
“Seminário” significa ficar um
certo tempo fora da convivência
da família, voltando na época de
férias. Quanta mudança na vida
da gente! A gente entrava aos
poucos nesse novo ambiente
completamente diferente. Era o
preço que a gente pagava nesta
nova vida. Senti a dificuldade nos
estudos. A pessoa aceita em vista
do ideal que abraçou. Gostava de
estudar as matérias, a formação
acadêmica no ginásio.
Um segundo passo para trás é o
tempo na família. Quero descrevêlo em poucas palavras. Antes da
guerra, a Europa passou por uma
grande crise. A Alemanha nunca
aceitou as condições de paz depois
de 1914 a 1918. Ficou encolhida,
mas era um tempo de alimentar a reação. Nasci numa família
numerosa de nove, ficando no
meio, enquanto mamãe cuidava
dos filhos, em casa, conforme o
costume daquele tempo. Meu
pai caçava serviço sem encontrálo. Era o tempo de desemprego
que atingia a população em geral.
O governo procurava sanar tal
24 - Revista Santa Cruz
No mês de setembro, entramos
no noviciado em Hoogcrutz (22) e
Stoutenburg (20) e em Weert (4),
para ser irmão. Um total de 46. Era
um mundo totalmente diferente
de oração, estudos, trabalhos manuais e aulas sobre a vida religiosa.
Tínhamos a oração à meia-noite
e fui convidado para acordar o
pessoal na hora certa. Não tinha
contato com as pessoas de fora.
No dia de domingo, vinha gente da
região participar da Missa solene
em que cantávamos em latim.
Poucas vezes a gente saía para
caminhar e conhecer o ambiente
de Limbúrgia. Era mais uma vida
voltada para dentro.
Na época dos estudos de Filosofia e Teologia - nos outros
conventos de Wychen, Alverna
e Wert - tínhamos um pouco
mais de liberdade. No período
pós-guerra, fomos convidados
a trabalhar na reconstrução da
Europa. Era um trabalho iniciado
por frei Werenfried Verstraten.
Trabalhamos no período das férias
em vários países como França,
Áustria e Holanda. Foram três anos
seguidos. Uma experiência que
ajudou a abrir um pouco mais a
nossa mente.
O centro de tudo era a formação
religiosa e intelectual. A gente
não saía para outras coisas, foi
muito mais na teoria sem entrar
na prática. Criou-se a impressão
de que tudo aquilo bastasse
para o futuro. Fomos, em certo
sentido, preparados para entrar em
qualquer parte do mundo. Entre
nós havia a separação dos irmãos
leigos dos outros freis. Eles ficavam
em Weert, um grupo pequeno,
reduzido. A formação deles era
outra.
RSC: Como foi sua nomeação para o
Brasil?
Frei Cornélio: No ano de 1959,
terminamos os estudos e fomos
ordenados em Weert. O número de
sacerdotes era tão grande que uma
parte era destinada para trabalhar
na terra das missões. Senti-me mais
atraído para as missões sem saber
ao certo em qual país. No meu
caso, tudo ficou no ar. Havia três
possibilidades: Brasil, Nova Guiné e
Paquistão. Não sabia de nada sobre
os três. Na última hora (um colega
foi com atestado médico declarado
apto para Nova Guiné), recebi a
notícia de minha nomeação: Brasil...
Tinha um conhecimento geral a
respeito. A língua não sabia. O jeito
era embarcar e entrar na jogada.
Viajamos de navio e no fim do
mês de setembro, após umas duas
semanas de viagem, avistamos o
Rio de Janeiro. Durante a viagem,
pude, aos poucos, me dar conta do
que seria um missionário.
RSC: E sua adaptação em nossas
terras?
Frei Cornélio: Lembro-me da chegada ao Rio. Quem estava lá era
o nosso frei Antônio. Um homem
Revista Santa Cruz - 25
tarimbado para esse trabalho. Fazia
amizade com a alfândega, o que
facilitava a nossa entrada com tantas
malas. Um outro frei holandês tinha
dificuldade com tanto material.
De fato, o número era muito alto.
Aqui descobri a importância do
jeitinho brasileiro. O que para um
era uma impossibilidade, para o
outro um excesso de confiança.
Tudo entrou com tranquilidade.
Era o fruto de duas culturas. Esses
fatos chamavam a atenção. Passei
em várias cidades para aprender o
português. Descobri muito mais.
O povo, aos poucos, começou a
mudar completamente a minha
vida.
A primeira experiência na pastoral
se deu em Corinto e Pirapora.
Eram as paróquias para aprender
a língua. Custou. Assim mesmo
celebrei Missas em latim e o primeiro sermão fiz em Corinto, no dia
de Nossa Senhora da Conceição.
Era curtinho... O vigário estava no
fundo da Igreja. Falei duas vezes o
mesmo. A munição era pouca. O
que fazer? Em Pirapora fui chamado
para atender uma senhora doente.
O jeito era ungir e rezar, em holandês. Uma professora ofereceu o
pão e me lembrando que negar ia
incomodá-la, respondi “sim”. Outros
colegas devem se lembrar destas
histórias. Lembro-me de frei Heleno
entrando no ônibus com guardachuva, atingindo uma senhora,
26 - Revista Santa Cruz
dizendo e “com licença”. A gente
ainda não entendia o sentido das
palavras. Não havia outro caminho
do que entrar na vida diária.
A primeira nomeação foi para
a paróquia de Muzambinho. Fiquei pouco tempo lá. Cheirei os
primeiros passos no interior. Andava com um Fordinho de 1929.
Um colosso para dar dor de cabeça.
Visitava as comunidades rurais.
O batismo verdadeiro foi em Teófilo
Otoni, no tempo de dom Filipe e
frei Aquino. A roça ficou por minha
conta. Andei de carro (candango)
com o vigário um quarteirão e
logo em seguida acrescentou: “a
paróquia de Topázio está à sua
disposição”. No início era assim:
dois trabalhavam na cidade e um
na roça. Esse último sobrou para
mim. Era o batismo de fogo. Senti
vontade de trabalhar de dois, neste
caso, com frei Luciano e frei Teipel.
Surgiu o nome a “Equipe Rural”.
Começamos a experimentar.
Em Salinas demorei para levantar
voo. Frei Venâncio animou a turma, introduzindo o Culto Dominical. Fiquei mais na retaguarda, na
cidade, acompanhando os casais
no bairro de São Geraldo. Tudo consistia em “experimentar”
e crescer com o nosso povo. Os
primeiros contatos com o povo de
Teófilo Otoni foram aprofundados
em Salinas. O contato com o povo
virou diálogo, quebrando o gelo da
distância. Parti contando com os
leigos, aqueles e aquelas que fazem
parte constante do povo. O povo
foi preparado para realizar o Culto
no domingo, através de cursos.
Aprendia a falar, ler e preparar os
encontros semanais. Caratinga se
tornou um ponto de referência
com cursos, grupos de reflexão, de
liderança. Essa caminhada marcou
profundamente o nosso povo. Sou
testemunha disso e essa história
está gravada na caminhada do povo.
Natal e Quaresma tiveram cursos
de três dias. Perguntas e respostas
possibilitavam o aprofundamento
de certos temas que eram depois
utilizados nas comunidades. Depois a gente recebia cartinhas de
agradecimentos. A satisfação era
dos dois lados.
Num certo momento, o número
de comunidades aumentou, chegando até a cinquenta. As lideranças assumiam a sua responsabilidade. A gente cobrava e eles
aceitavam. O encontro com os
irmãos, em Araçuaí, nos colocou
em contato direto com a equipe
de Caratinga. Quem se esquece do
trabalho de Alypio e João Resende? Nossos líderes descobriram o
seu potencial, dando cursos em
muitas comunidades nossas e
de paróquias vizinhas. Os leigos
andavam ao lado dos freis e a
gente se entendia muito bem.
Era um ambiente de gente adulta
e ponderada. Juntei o material
daquele tempo como memória
viva da paróquia. O leigo fica e o
padre passa. Sem padre ou frei,
mas o leigo está presente. Os freis,
os padres são outros, mas eles
ficaram, estão à disposição.
Sem dúvida, o leigo acordou,
descobriu o seu valor. O padre
também começou a enxergar a
realidade, sobretudo depois do
Concílio Vaticano com as mudanças. Puebla, Medellín e Santo Domingo fortaleceram essa
caminhada.
A paróquia de Pirapora, situada
na Arquidiocese de Diamantina,
era constituída de um povo diversificado. Muitos paroquianos
vieram do estado da Bahia por
causa da seca, do desemprego e
outros motivos. Desde o ano de
1915, os franciscanos estiveram
por lá. Eu fazia parte de um grupo
de quatro franciscanos. Frei Teodoro (pároco), Fortunato, Jerônimo
e Nicolau. Era uma paróquia só,
incluindo a cidade de Buritizeiro.
Eu tomava conta de Buritizeiro,
quero dizer, da cidade. Fiquei 13
anos e procurei adaptar-me a essa
nova realidade.
Lembro-me mais da introdução da
pastoral do Dízimo, tirando uma dor
de cabeça do pároco por causa de
finanças. Essa mudança deslocou
a preocupação para outras áreas
mais importantes. O povo ajuda e
Revista Santa Cruz - 27
precisa de esclarecimentos. Poucos
dias atrás, por ocasião da visita à
cidade (Dom Célio foi indicado
para ser cidadão honorário), alguém da comunidade de “Santa
Cruz” (perto de Bom Jesus) me
procurou e me comunicou que
estão construindo a Capela na
comunidade, no terreno comprado com uma parte do dinheiro
daquele tempo. A comunidade,
na sua generosidade em devolver
o Dízimo, viu os seus esforços contemplados com a compra de um
terreno. Um segundo elemento
no trabalho na paróquia foi, sem
dúvida, o número de capelas e
construções nas duas cidades. Havia
entrosamento com as lideranças.
São apenas observações a respeito
daquele tempo interessante.
28 - Revista Santa Cruz
RSC: Depois de muitas andanças,
o senhor agora se encontra em
Divinópolis e comemora 60 anos de
consagração religiosa...
Frei Cornélio: Quero finalizar estas
observações com uma resposta
sobre os 60 anos de Vida Religiosa
Franciscana. Fui transferido de
Salinas para Divinópolis, há dois
anos. Na ocasião da nomeação,
falei claramente que não me
encontrava mais em condições
de trabalhar na área rural. Por isso
me dediquei (era um desafio para
mim) à área urbana. Gostei tanto
da liberdade que ganhei da parte
dos confrades como os trabalhos
desenvolvidos pelos leigos em
várias áreas. Os leigos têm capacidades de entrar nas pastorais
como no dízimo, pastoral da criança, pastoral
da segunda união de
casais, pastoral da saúde,
pastoral carcerária e formação bíblica. Mais do
que nós eles estão a par
dos problemas. Quando
bem acompanhados e
ouvidos, indicam o caminho da saída. Esta
última transferência mexeu comigo. A grande
pergunta para mim era
esta: “quando e como
terminam os trabalhos da
gente na área da pas-
toral? Quem vai marcar o momento”? Por mim mesmo podia
ter demorado mais tempo. Senti
dentro de mim esta jogada. Depois
resolvi o seguinte: no primeiro
ano, tratar de minha saúde e
depois analisar o resto com calma.
Surgiu a oportunidade de poder
viver como franciscano, mais para
dentro, seguindo os passos de
São Francisco. Cheguei aqui como
sacerdote a pedido dos bispos
e agora queria, livre disso, viver
mais como franciscano dentro da
fraternidade.
Agradeço a oportunidade de ter
trabalhado no norte de Minas.
Foi uma experiência muito válida. Recuado no convento de
Divinópolis, me sinto bem como
membro da província Santa Cruz.
Nas férias do ano passado, na
Holanda, aceitei o convite de um
confrade holandês para passar a
tirar férias de um modo diferente, no convento da paróquia de
São Nicolau. Fiquei com os franciscanos daquela comunidade.
Foi uma revelação positiva. Apreciei a tranquilidade deles. Nada
de pressa, pelo fato de que o
número de irmãos diminuiu bastante, o “espírito de oração” criou
um ambiente de paz e de boa
convivência. Para mim foi uma
revelação de que nem tudo depende da gente. É importante
saber colocar uma boa parte nas
mãos de Deus. Chega de trabalho!
Está na hora de saber desfrutar a
experiência da vida franciscana!
Revista Santa Cruz - 29
REFLEXÃO
Contemplando a temática da Campanha da Fraternidade deste
ano de 2012: “Fraternidade e saúde pública”, nossa “reflexão” se
abrirá com um interessante texto sobre esse assunto. Na sequência,
frei Francisco van der Poel partilhará mais um verbete de seu
“Abecedário da religiosidade popular”.
1. SAÚDE NA PERSPECTIVA DA
ECOLOGIA INTEGRAL
Ana Maria Vidigal Ribeiro e José
Luiz Ribeiro de Carvalho
(Fundadores e diretores do Centro de
Ecologia Integral
e da Revista Ecologia Integral)
É muito comum, atualmente,
ouvirmos nos noticiários os
termos saúde ou sistema de saúde
como sendo, principalmente, os
conhecimentos, as práticas, os
profissionais ou as instituições
que atuam buscando resgatar, no
caso de uma pessoa doente, sua
condição de vida saudável.
30 - Revista Santa Cruz
No entanto, é importante lembrarmos que, segundo a Organização Mundial de Saúde – OMS,
saúde é um estado de completo
bem-estar físico, mental e social e
não apenas a ausência de doenças
ou enfermidades.
De maneira semelhante, na proposta da ecologia integral, que
tem como pressuposto fundamental a interligação e a interdependência de tudo que existe,
e onde nós, seres humanos, influenciamos e somos influenciados por tudo que nos cerca, a
saúde é entendida também, de
forma ampla, abrangendo três
dimensões inseparáveis: a pessoal,
a social e a ambiental.
A dimensão pessoal se refere ao
cuidado que devemos ter com o
nosso corpo (como a alimentação
saudável, a respiração correta, a
atividade física, o descanso necessário e o sono reconfortante),
com as nossas emoções (procurando conhecer e entender os
nossos estados emocionais para que eles se tornem cada vez
mais harmoniosos), com a nossa
mente (a atenção que se deve
dar aos nossos pensamentos e às
informações que os “alimentam”)
e com a nossa espiritualidade
(buscando uma verdadeira conexão interna, com as outras pessoas, com o planeta, com o universo e com tudo que ainda não
conseguimos compreender).
Mas, como não vivemos sozinhos, para sermos saudáveis, num
sentido pleno, devemos contribuir
para que o ambiente à nossa
volta seja propício à saúde. Bons
relacionamentos, a prática do diálogo, a solução pacífica dos conflitos, o respeito às diferenças, a
solidariedade, entre tantos outros
aspectos, favorecem uma vida
social harmoniosa que reflete na
nossa saúde. É o que se busca na
dimensão social.
E com relação à natureza? O ar,
a água, o solo, a energia do sol, as
plantas, os minerais, os animais são
imprescindíveis para a nossa vida.
A dimensão ambiental nos propõe
a união profunda com a natureza,
fazendo-nos entender que sem ela
não há possibilidade da existência humana. Cuidar do planeta é
cuidar de cada um de nós.
Revista Santa Cruz - 31
nesta forma ampliada, por mais
que possa parecer utópico, pode
e deve orientar as nossas práticas
cotidianas, o nosso estilo de vida,
bem como a ação dos governantes,
das instituições e dos cidadãos, com
o objetivo maior de se conquistar a
saúde integral para todos.
Como essas dimensões da ecologia e da saúde são intrinsecamente inseparáveis, toda ação
nossa vai repercutir na teia da
vida de diversas formas. Tomemos como exemplo a alimentação.
Quando optamos por uma alimentação saudável, consumindo
produtos produzidos de forma
ambientalmente correta, socialmente justa, e que sejam também
benéficos para nosso corpo, estamos contribuindo para nossa
saúde pessoal, de modo a prevenir
muitas doenças decorrentes de
práticas alimentares inadequadas,
para uma melhor distribuição de
renda e justiça social, ao adquirirmos alimentos produzidos por pequenos produtores e da própria
região, e para um meio ambiente
mais saudável, ao preferirmos alimentos produzidos sem a utilização dos “venenos” muito comumente utilizados na produção convencional.
O conceito de saúde, considerado
32 - Revista Santa Cruz
Para isso, a principal transformação necessária é a mudança
da visão de mundo, que nos faz
compreender que fazemos parte
de uma teia intricada de relações,
onde tudo tem a ver com tudo.
Isto implica uma ampliação de
consciência do que devemos considerar, de fato, como a saúde
integral e possibilita que cada um
de nós cuide verdadeiramente de
si mesmo, dos outros e do planeta,
para que possamos, de fato, viver
uma vida plena e harmoniosa.
2. RESISTÊNCIA POPULAR
IMPLÍCITA
Frei Francisco van der Poel, OFM
Quem é chamado de “pobre”
defende-se, dizendo: Não! Pobre
é o diabo que ficou sem as graças
de Deus. Sou, sim, um homem
fraco. Isso nós já ouvimos muitas
vezes. Ora, fraco é o oposto de
poderoso. Disso o pobre revela
ter consciência. Pensando bem, as
músicas dos movimentos populares e das CEBs não precisam necessariamente ser uma espécie
de arte engajada; no estilo do conhecido batuque: Samba nêgo,
branco não vem cá. Se vier pau é de
levar. Isto existe!
No entanto, a resistência popular,
muitas das vezes, é implícita. Ela
está no próprio fato de a cultura
persistir em existir: festas, benditos, folias, terreiros, rezadeiras, raizeiros, panelas de barro. Enquanto
o rádio toca música em inglês, o
povo continua dançando a roda de
samba ou de batuque. Enquanto
a farmácia está cheia de remédios
sintéticos, o povo toma chá de
quebra-pedra.
As comunidades ‘fracas’ resistem
à opressão com uma “paciência
histórica”. Nesta perspectiva, é
importante perceber que, ao
ninar uma criança recém-nascida,
a mãe poderá cantar um acalanto
aprendido em casa:
Topei com a Senhora na beira
do rio,
lavando os paninhos de seu
bento filho.
Maria lavava, José estendia,
o menino chorava do frio que
fazia.
Não chores menino, calai meu
amor
que a faca que corta dá o golpe
sem dor.
No monte Calvário avistei uma
cruz
é cama e travesseiro do meu
bom Jesus.
Os filhos dos ricos em berço
dourado
e vós, meu menino, em palha
deitado.
Revista Santa Cruz - 33
Este canto medieval (séc. XIII ou
XIV) veio de Portugal. Pertencia
à tradição oral dos pobres de
lá. No Brasil, a população ‘fraca’
não simplesmente copiava tudo
do colonizador. Livremente, ela
criava coisas e adotava outras que
combinavam com sua vida sofrida.
O canto acima, registrado na área
rural de Araçuaí (MG), fala mesmo é
dos filhos dos ricos.
É impressionante que, depois de
tantos séculos, o povo não deixa a
peteca cair. Oh cultura forte! Haja
resistência assim em todas as mães
do Jequitinhonha e de todos os
Estados da Federação!
34 - Revista Santa Cruz
MEMÓRIA
Esta seção traz os “in memoriam” dos saudosos confrades
frei Frederico Voorvelt e frei Estanislau Bartholdy
1. “IN MEMORIAM” DE FREI
FREDERICO VOORVELT
(1916-2009)
Frei Celso Márcio Teixeira, OFM
Dados biográficos e itinerário
formativo
A casa do Sr. Johannes Cornelius
Christianus Voorvelt e de Da. Maria
Witsiers, em Schoten Haarlem
– Holanda, no dia 19 de março
de 1916, transbordou de alegria.
Causa: o nascimento de uma
criança tipicamente holandesa,
de olhos azuis e cabelos louros,
do sexo masculino, que na pia
batismal recebeu o nome de Petrus
Johannes Voorvelt.
Revista Santa Cruz - 35
Não consta em nossos arquivos,
mas provavelmente ele tenha feito
em sua terra natal os primeiros
estudos da infância e juventude.
Também não se sabe como surgiu
para o jovem Petrus a vocação à
vida franciscana. Sem dúvida, deve
ter recebido de sua família uma
sólida formação cristã. O certo é
que, aos 07 de setembro de 1937,
com 21 anos de idade, ingressou
no Noviciado em Bleyerheide
– Holanda, recebendo o nome
religioso de Frederico Voorvelt.
Frei Federico e familiares.
Transcorrido o ano de noviciado,
ele fez a profissão temporária
aos 08 de setembro de 1938, no
Convento de Venray – Holanda.
Neste mesmo convento, iniciou e
concluiu satisfatoriamente o curso
36 - Revista Santa Cruz
de filosofia (de setembro de 1938 a
julho de 1940, pois o ano letivo na
Europa é diferente do ano letivo no
Brasil), obtendo em vários quesitos
o conceito “bom”. Concluído o
curso de filosofia, transferiu-se
para o Convento de Alverna, onde
cursou os dois primeiros anos de
teologia. No início do segundo ano
de teologia, aos 08 de setembro
de 1941, fez sua profissão solene
na Ordem dos Frades Menores,
mostrando maior empenho, obtendo na maioria dos quesitos o
conceito “muito bom”.
Os dois anos seguintes
do estudo de teologia
(de setembro de
1942 a julho de 1944)
foram transcorridos
em Weert. Aí recebeu as ordens do
subdiaconato (03 de
abril de 1943) e do
diaconato (09 de setembro de 1943). A
ordenação sacerdotal
foi celebrada aos 19
de março de 1944, em
Weert, poucos meses
antes do término do
quarto ano de teologia. O quinto ano de teologia foi
transcorrido em Bleyerheide, de
setembro de 1944 a julho de 1945.
Não se encontram nos arquivos
referências ao período de julho de
1945 a julho de 1946. Encontra-
se uma declaração sem data da
Província franciscana da Holanda
com os seguintes dizeres: “Irá
com mais preferência hoje do que
amanhã ao Brasil”. Deste modo,
aos 03 de julho de 1946, frei
Frederico recebe sua transferência
da Província da Holanda para o
Brasil, mais precisamente para São
João del-Rei, para exercer a função
de professor no Colégio Santo
Antônio.
No Brasil, uma presença apostólica pendular entre escola e
paróquia
A deduzir de uma carta de frei
Abel a frei Frederico datada de
19 de fevereiro de 1974, frei
Frederico não teria gostado muito
de São João del-Rei. No entanto,
aí permaneceu até a data de 1o
de janeiro de 1953, quando foi
transferido para Belo Horizonte
(Convento São Bernardino) como
professor e prefeito de disciplina
no Colégio Santo Antônio. Ficou,
porém, pouco tempo, pois, aos
15 de dezembro do mesmo ano,
recebia nova transferência para
Nanuque, para exercer a função de
coadjutor.
Aos 18 de fevereiro de 1956, foi
transferido para Carlos Chagas,
ainda na qualidade de coadjutor da
paróquia. E no dia 1o de janeiro de
1959, além da nomeação anterior,
acumulou o cargo de Diretor do
Colégio.
Três anos mais tarde, aos 22 de
janeiro de 1962, frei Frederico está
novamente destinado à escola,
pois recebe transferência para São
João del-Rei, como professor do
colégio e assistente da Ordem III.
Ficou pouco tempo, recebendo
nomeação, em dezembro deste
mesmo ano, de substituto do
pároco de Machacalis, função que
ele exerceu até o dia 1o de maio de
1963, quando foi transferido para
Águas Formosas, com a nomeação
de pároco.
Frei Frederico ficou durante nove
anos à frente da paróquia de Águas
Formosas. Dos arquivos podese deduzir que sua preocupação
pastoral não se limitava ao
atendimento espiritual de suas
ovelhas, mas se estendia ao bemestar social do povo de Deus a ele
confiado. De fato, em várias cartas
escritas a frei Abel encontramse referências constantes ao seu
trabalho e tentativa de equipar
adequadamente o hospital da
cidade. Assim, em carta de 04/06/70
a frei Abel, ele fala de aparelho de
Rio X, de jeep e de ambulância
que está tentando adquirir para o
hospital São Vicente de Paulo, de
Águas Formosas. Em outra carta,
de 20/07/70, fala de dinheiro para
pagar material do hospital. Em
Revista Santa Cruz - 37
outra ainda, de 23/08/70, mostra
grande alegria, porque Águas
Formosas tem ambulância nova,
jeep novo e ainda sobrou dinheiro.
Comentando sua volta das férias
na Holanda (carta de 02/01/72),
frei Frederico diz que queria voltar
de navio para trazer máquinas
de costura para mães pobres em
Águas Formosas. E, mesmo depois
de ter sido transferido (carta de
02/03/74), ele pede a frei Abel
para enviar 300 florins que tinha
recebido da sua paróquia na Holanda para os clubes de mães de
Águas Formosas.
Sua transferência de Águas Formosas se deu com sua nomeação, no dia 1o de fevereiro de
1974, de pároco da paróquia São
José Operário, em Nanuque. Permaneceu exatos três anos à frente desta paróquia, recebendo (a
1o/02/1977) sua transferência para
Ibirapuã, como praeses e pároco.
Igualmente, em Ibirapuã, frei Frederico mostrou-se sensível à realidade social do povo. Lá, iniciou uma obra social destinada à
integração e fixação dos jovens
na sociedade local. Em carta de
24 de maio de 1980, frei Patrício,
na qualidade de Provincial, redige
uma carta de apresentação para
o Projeto “Formação de mão de
obra”, uma experiência “fábricaescola”, orientada por frei Frederico
com a finalidade de “formar mão
38 - Revista Santa Cruz
de obra entre os jovens dentro
do município (Ibirapuã), a fim de
diminuir a evasão da população
para outros lugares, como está
acontecendo no momento”. De
uma carta de frei José Verstappen
(10/11/80), da Missionszentrale der
Franziskaner, ficamos sabendo que
este conseguiu 15.000 marcos para
uma carpintaria em Ibirapuã. E em
carta de 07/03/1981 a frei Geraldo,
frei Frederico agradece por dois
cheques recebidos da Holanda
em prol da paróquia de Ibirapuã.
Escrevendo a frei Odilon, (16/4/82),
ele fala de 4.000 florins para a
carpintaria-escola.
No período em que esteve em
Ibirapuã, foi convidado para participar do curso do CERNE no
Rio de Janeiro. Deste modo, de
1o/05/79 a 16/06/79, frei Frederico
esteve ausente de Ibirapuã para
esse momento de formação permanente.
Após um período de oito anos
como pároco em Ibirapuã, frei
Frederico, em seu movimento
pendular, voltou às salas de aula.
Recebeu sua transferência para
Santos Dumont (1o/02/1985) como
professor da CJF. Lecionou inglês
(para uma turma) e matemática.
Importante foi sua presença entre
os jovens formandos que queriam
desenvolver seus dons artísticos.
Frei Frederico introduzia-os na arte
da cerâmica.
Uma nota pitoresca provém de suas
aulas de inglês: levava para a sala
de aula o toca-disco e iniciava suas
aulas com a música Yesterday, dos
Beatles. Pode ser que os alunos não
tenham aprendido a falar inglês,
mas, pelo menos, aprenderam a
cantar a música.
casa aparecia amassado dos dois
lados. Esperando que o carro se
encolhesse, à maneira dos carros
de desenho animado, frei Frederico
resolvia passar entre um carro em
movimento e outro estacionado, sem que houvesse espaço
suficiente.
No início de 1989, frei Frederico
percebeu que podia conciliar
sua tarefa de professor com sua
experiência de pároco. Recebeu,
então, a nomeação de pároco
em Ewbank da Câmara, cidade
próxima a Santos Dumont, à beira
da estrada BR 040. Encantou-se
com a paróquia.
O interessante é que uns dois
meses depois de ter assumido a
paróquia de Dores, interrogado
pelo guardião sobre como se sentia
na nova paróquia, ele mostrava
o maior entusiasmo pela troca,
esquecendo-se definitivamente
dos veementes protestos anteriores, dizendo que a troca deveria
ter sido feita muito antes.
Mais tarde, em data que este que
escreve (guardião naquela época)
não consegue precisar, mas depois
de 1991 (pois em janeiro de 1991
ainda recebeu a provisão de pároco
de Ewbank e de Paula Lima),
deixou a paróquia de Ewbank para
assumir, sob os mais veementes
protestos, a paróquia de Dores
do Paraibuna. O motivo da troca
foi a dificuldade que ele tinha
para dirigir o carro até Ewbank.
O perigo era real, pois de Santos
Dumont a Ewbank, apesar da
curta distância (entre 12 a 15 km),
a estrada é muito movimentada,
o que constituía um constante
risco de vida. E frei Frederico, a
bem da verdade, não era dos
melhores motoristas da Província.
De vez em quando, o fusquinha da
Aos 06 de fevereiro de 1995, frei
Frederico foi transferido de Santos
Dumont para Pará de Minas, na
qualidade de vigário paroquial, aí
permanecendo até 04 de abril de
1997, quando assumiu a função
de pároco em Cabo Verde. A
permanência nesta cidade não
chegou a completar um ano, visto
que aos 20 de março de 1998
recebeu nova transferência, desta
vez para Divinópolis, como vigário
paroquial e residente.
Na lista de transferências de 15
de janeiro de 2001 seu nome
aparece apenas como residente em
Divinópolis, possivelmente devido
à sua idade.
Revista Santa Cruz - 39
A pessoa, o franciscano
Falar da pessoa de frei Frederico
é falar do franciscano que ele
foi. Como em espaço exíguo não
se podem tratar muitas coisas,
abordaremos três pontos de sua
personalidade (e de seu modo
franciscano).
1. O senso de humor. Frei Frederico,
além de estar sempre sorridente,
transpirando alegria e otimismo,
tinha senso de humor. Colhemo-lo
de sua correspondência com frei
Abel, que também tinha sua veia
humorística.
Um exemplo se pode ver no que
poderíamos chamar de “novela
dos charutos”. Novela, porque
o tema dos charutos perpassa
inúmeras cartas (todas bemhumoradas) de ambas as partes.
Frei Frederico encomendava a frei
Abel charutos para frei Peregrino.
Frei Abel mandava-os com a devida
cobrança dos custos e, às vezes, com
uma jocosa ameaça: “na próxima
encomenda vou riscar os charutos
caros e mandar palhas”. Assim, à
maneira de exemplo, pinçamos o
seguinte diálogo epistolar:
Frei Abel diz (em carta de 1o/05/73)
que o depósito para os charutos
acabou, e agora existe um débito.
Se frei Frederico quiser mandar
mais dinheiro, pode, pois, mesmo
que em Águas Formosas não haja
40 - Revista Santa Cruz
indústria, uma chaminé continuará soltando fumaça. Ao que frei
Frederico respondeu (08/05/73):
Os charutos vieram na hora certa. O
último charuto tinha sido fumado
dentro do horário marcado, e
surgiu um vácuo. Mas, então,
alguns homens fortes colocaram
um pacote dentro de casa, e num
instante se formou uma cortina de
fumaça.
Nesta novela, uma coisa fica patente: a preocupação, o cuidado
para que não faltasse o charuto
para o confrade já idoso.
2. Gentileza. Frei Frederico era
um franciscano gentil. Recebia
as pessoas sempre com um
sorriso, mostrando estar de bem
com a vida. Em várias ocasiões,
no período em que convivemos
em Santos Dumont, pessoas
que visitavam o seminário perguntavam-me, referindo-se a frei
Frederico, pelo nome daquele
frei de cabelos brancos que as
havia cumprimentado com tanta
simpatia e gentileza. Se algum
visitante era levado ao refeitório
para um cafezinho ou à sala
de recreio, frei Frederico fazia
perguntas, conversava com ele,
dava-lhe a maior atenção, de modo
que se sentisse em casa.
Recordo-me que, depois que a
sua memória começou a falhar,
fui ao convento de Divinópolis
para visitar os confrades. Ele me
cumprimentou, perguntou meu
nome, conversou comigo. Pude
constatar com grande alegria que,
conquanto a memória falhasse, a
gentileza mantinha o mesmo vigor
de sempre.
de Santo Antônio (em madeira,
tamanho natural) e a Via-Sacra da
capela (em cerâmica). Recordo-me
que o ex-frei Davi (também ligado
à arte) ficou encantado com a ViaSacra, elogiando especialmente
alguns quadros em que frei
Frederico, em vez de apresentar
toda a cena, apenas salientava
algum detalhe do sofrimento de
Cristo.
Senso de pertença à Província
Frei Frederico e seu “Santo Antônio”
3. A arte. Quando frei Frederico foi
transferido para Santos Dumont,
uma justificativa era: ele poderá
ensinar um pouco de arte aos
alunos da CJF. De fato, dedicou-se
com empenho a essa tarefa. Era um
dos frades do coetus formationis
que mais presença marcava entre
os estudantes. Ele próprio produzia
suas obras de arte em cerâmica e
acompanhava todas as iniciativas
dos alunos, orientando-os, encorajando-os, pesquisando com eles.
Sua produção não é tão numerosa.
Dignas de menção são a estátua
O senso de pertença à Província
pode-se colher nas entrelinhas do
bem-humorado epistolário que frei
Frederico manteve com frei Abel.
E somente pode ser percebido,
quando o leitor não se detiver na
linguagem carregada de ironia de
ambas as partes.
Frei Frederico, diante da Província,
assumia a postura de “pobre
missionário”, de “padre da roça”;
a Província, ironicamente chamada de Mãe, era “rica”, “exigia
contribuição”; Frei Abel representava na correspondência o papel
da Mãe. Feita esta introdução à
linguagem irônica, salientamos
algumas frases cheias de humor:
Em algumas cartas, frei Frederico
afirma que está enviando dinheiro
para a Mãe. A pitada de humor
aparece ou num comentário sobre
o uso que se faz do dinheiro (“a
Revista Santa Cruz - 41
turma do Provincialado bebe
cerveja à custa do dinheiro de
um pobre missionário”), ou numa
interrogação (“o que a Província
afinal faz com tanto dinheiro
arrecadado pelos padres da roça”?),
ou quando se faz de vítima (“vou
passar em BH e entregar dinheiro,
ganho com muito trabalho e muito
suor, à mãe província”).
Em várias cartas, frei Frederico
pede intenções de missas e afirma
que as espórtulas são para a
“mãe”. O acréscimo torna-se ora
dramático (“o dinheiro pode ficar
com “mãe”; então, vou comer
mais mandioca e menos arroz e
feijão, e o Provincialado poderá
encomendar mais caviar”), ora
cheia de falsa compaixão (“vou
examinar a situação financeira para
ver se sobra alguma coisa para a
“mãe”, porque não quero que os
confrades na casa materna estejam
passando necessidade”).
42 - Revista Santa Cruz
Frei Abel não deixa por menos
e diz ter ficado comovido até às
lagrimas, quando leu que podia
depositar as espórtulas das missas
na conta da Mãe Província. Outra
vez, diz que não tem compaixão
dos pobrezinhos vigários da roça,
porque muitos têm a ficha de
contribuição em branco. Ainda
outra vez, diz que está aguardando
uma doação para “mãe província”;
a “mãe província” sempre cuida
do bem-estar dos frades e espera
que os frades de vez em quando
esvaziem o seu pé-de-meia no
colo da “mãe”. Finalmente, frei
Abel diz que não entende “como
há párocos de ricos fazendeiros
que pensam que os confrades no
Provincialado sempre têm caviar
na mesa. Aqueles párocos de
ricos fazendeiros recebem todo
dia cabeças de porco e galinhas e
ainda ficam descontentes quando
não recebem ovos recém-botados.
E quando chegam à BH ainda são
mimados. Por que o bispo gosta
de ficar em Águas Formosas? É
isto mesmo, por causa daquelas
cabeças de porco, principalmente
quando vêm juntos com um pernil”.
sico (comprometimento das funções renais), DPOC infectado (doença pulmonar) e senilidade. Foi
sepultado no cemitério provincial
em Rivotorto (Areias) – Ribeirão das
Neves.
Resumindo: Frei Frederico mostrava seu senso de pertença não
apenas assumindo o trabalho apostólico da Província, mas contribuindo concretamente com as
despesas.
Frei Frederico, pela vida que
compartilhou conosco, continua
merecedor de nossa admiração,
apreço e gratidão. Requiescat in
pace!
Últimos anos e falecimento
Frei Frederico passou seus últimos
onze anos em Divinópolis. Sempre
gozara de boa saúde. No final de sua
vida, já com a provecta idade de 93
anos, começou a sentir a falência
do irmão corpo. Deste modo, às 6h
do dia 06 de junho de 2009, nosso
irmão entregava sua vida nas mãos
do Pai das misericórdias. A certidão
de óbito acusa como causa mortis:
distúrbio hidroeletrolítico AC bá-
Revista Santa Cruz - 43
2. “IN MEMORIAM” DE FREI
ESTANISLAU BARTHOLDY
(1928-2011)
Frei Hilton Farias de Souza,
OFM
Dados biográficos
Guilherme George Bartholdy
nasceu no dia 19 de abril de 1928,
na cidade de São Vicente de
Minas. Filho de Paulo Middleton
Bartholdy e Hercília de Menezes
Bartholdy. Herdou o sobrenome
do pai, um dinamarquês Luterano,
fabricante de queijos. Fez os
estudos fundamentais na sua
cidade natal; cursou o ginasial
como aluno interno do Colégio
Santo Antônio de São João delRei, onde descobriu a sua vocação
à vida franciscana, apesar da forte
resistência paterna, certamente
por ser o único filho homem.
Ingressou no noviciado, no
Convento São Boaventura, em
Daltro Filho (RS), no dia 1o de
fevereiro de 1948, recebendo o
novo nome de Estanislau. Emitiu
a primeira profissão religiosa no
dia 02 de fevereiro de 1949; deu
continuidade aos seus estudos de
44 - Revista Santa Cruz
filosofia, em Daltro Filho, de onde
foi transferido para Divinópolis, a
fim de estudar Teologia. Professou
solenemente no dia 02 de fevereiro
de 1952. Foi ordenado diácono
na capela do Seminário Maior
do Coração Eucarístico, em Belo
Horizonte, no dia 03 de abril de
1954, por dom Antônio dos Santos
Cabral. No dia 22 de agosto de 1954,
no Santuário Santo Antônio, na
cidade de Divinópolis, juntamente com mais seis confrades, frei
Estanislau foi ordenado presbítero.
No ano de 1955, continua morando no Convento Santo Antônio
de Divinópolis, com a função
de assistente e encarregado de
preparar a edição brasileira do
Breviário dos Leigos (Klein Brevier).
De Divinópolis, é transferido, no
ano de 1956, para o Seminário
Santo Antônio de Santos Dumont
com a função de padre espiritual
substituto.
Estudos em Roma (1956-1959)
No mês de setembro de 1956,
frei Estanislau foi enviado à Roma
para especializar-se em Teologia
Dogmática, pelo Pontifício Ateneu
Antoniano. No final de 1957, ele
defendeu a sua dissertação de
mestrado intitulada: Ritus baptis-mi
et confirmationis secundum Ordines
Romanos saec. VIII-IX; obtendo
o grau de mestre em Sagrada
Teologia, com a nota 8,50 (bene
probatus).
No seu trabalho para o doutorado,
como consta no exemplar encontrado no meio de seus pertences, ele escolheu o seguinte
argumento para a sua tese: Ritus
essentialis initiationis christianae
romana aetate carolingica; agora afrontado com mais rigor científico. Pode-se notar através
da vasta bibliografia consultada
praticamente toda em latim. Uma
curiosidade: a tese fora escrita e
defendida em latim! A defesa se
deu no dia 24 de novembro de
1959, às 17h30min, obtendo o grau
de doutor, com a nota 9,25 (Cum
laude).
Numa das suas cartas endereçadas ao ministro provincial, frei
Jerônimo Jansen, antes da defesa
da tese, ele partilhava um pouco
a sua experiência e percepção dos
estudos acadêmicos: “O senhor
poderá imaginar o alívio com que
escrevo esta carta. Passaram-se os
exames e o curso terminou, graças
a Deus, terminou tudo muito bem.
Não tínhamos muita coisa neste
último ano, mas, toda uma história
do século XII bastante complicada
é mais para ser decorada do que
para ser compreendida: evolução da definição de sacramento, motivo da Encarnação, teólogos franciscanos com as obras
au-tênticas e não autênticas de
Duns Scottus. De muita coisa se
tira proveito, mas, muita coisa
também verdadeiramente inútil.
Dos movimentos e tendências
da moderna teologia, nada. Não
se chega a ter uma visão geral da
teologia, tudo muito especializado,
mas, quem se especializa é o
professor, devendo o aluno ouvir
o resultado de suas pesquisas sem,
no entanto por isso, se especializar.
Parece que é assim que deve ser
numa universidade. Positivamente se aprende também muita coisa, ao menos uma base para um
trabalho pessoal, mas, saindo daqui
se deve começar ab ovo. Nosso
último exame foi a famosa aula
magistral diante dos professores,
não sei se é isto que nos capacitará
para dar aulas mais tarde. Uma
coisa que se faz uma vez no ano!
E de didática não aprendemos
nada, como apresentar um tratado
de teologia, como dar a aula?”
(01.07.1959).
Revista Santa Cruz - 45
Ao final de sua estadia acadêmica
em Roma, frei Estanislau pede ao
ministro provincial para fazer um
curso de liturgia, mas o seu pedido
foi indeferido, ao mesmo tempo
insistia que ele retornasse ao
Brasil, onde ocuparia a cadeira de
dogmática em Divinópolis: “Resolvi
que você deve voltar para o Brasil,
depois de ter defendido a sua tese.
Isto quer dizer: acho melhor que
você não continue mais os seus
estudos em outro ramo. O seu
futuro? Bem, não sou profeta, [...]
mas suponho que será a cadeira
de dogma em Divinópolis, uma vez
que o frei Benedito irá para Lovaina,
para estudar dogma também”.
Ao retornar ao Brasil, frei Estanislau, como havia indicado o seu
provincial, foi transferido para o
Convento Santo Antônio de Divinópolis, como professor de dogmática; ocupando ali outras funções como: Mestre de irmãos Terceiros, Prefeito de estudos, Discreto;
Sócio do Mestre dos Clérigos.
No Capítulo provincial de 1962,
no qual frei Jerônimo Jansen foi
reeleito ministro provincial, frei Estanislau Bartholdy foi eleito Custódio Provincial; e em 1964, frei
Estanislau foi reeleito Custódio, no
governo de frei Erardo Veen.
Evangelização: Betim, Pará
de Minas, São João del-Rei e
Divinópolis
Quando foi transferido de Daltro
Filho para Betim, como vigário, a
partir do contato e da experiência
iniciada por frei Xisto, na casa
paroquial, de acolher crianças pobres para uma sopa comunitária,
inicia-se aí o interesse de frei Estanislau pelos trabalhos sociais.
Juntamente com a senhora Noemi
dá um grande passo na criação
do chamado “Salão do encontro”.
Havia uma grande preocupação,
sobretudo pelas crianças pobres
que não tinham a escola, pelas
mulheres desempregadas e pelos
pobres em geral. Quando ele
chegou a Betim, a região do Angola
era mato, sem acesso a ônibus,
sem luz; totalmente carente de
assistência social. Nesta área, ele
começou seu apostolado celebrando nas quartas e quintasfeiras, nas casas das famílias.
Nessa experiência de contato com
o povo de Deus, percebendo as
diversas necessidades, ele assim
se expressa: “Comecei a sentir a
necessidade de fazer um salão que
pudesse atender às famílias do
bairro [...]. Eu sabia que a gente só
atingiria as famílias se atingíssemos
as crianças”.
Dona Noemi que desenvolvia um
trabalho social na Vila dos Mar-
46 - Revista Santa Cruz
miteiros, em Belo Horizonte, se
junta, em Betim, a frei Estanislau,
nessa grande e ousada empreitada.
Frei Estanislau partilha como foi a
construção do primeiro galpão:
“Me lembro que foram destruídas
14 casas na Barragem do Lago das
Flores... E nós ganhamos os tijolos,
as telhas... Eles nos telefonavam e a
gente ia lá buscar... Aí, começamos
a construção, primeiramente para
ser um restaurante das crianças
da região... Depois veio a parte
do artesanato simples, no início,
apenas um tear”... Com o passar
dos anos, o salão do encontro foi
crescendo cada vez mais, passando
do simples tear ao artesanato em
couro, em cerâmica, em madeira e
a carpintaria. Tornou-se um espaço
de aprendizagem de um oficio até
a assistência odontológica.
Vendo a evolução que passara
o salão, frei Estanislau, em uma
entrevista, dizia: “Foi com muita
luta, muita dificuldade, foi pedindo e suando muito que a
gente conseguiu levar o salão
pra frente” [...]. “Graças a Deus,
apesar da grande luta, de muita
oposição e objeção de muitos políticos que quiseram destruir o
Salão do Encontro, a Noemi ficou
na direção e, com sua capacidade e sua criatividade, cultivou
a semente que nós tínhamos
plantado... O Salão é muito mais
do que assistência social... É
promoção humana [...]. Você pode
ver as velhinhas enrolando linha,
as crianças estudando, sendo
alimentadas, os artesãos fazendo
seus trabalhos maravilhosos [...]. O
salão é um lugar onde as pessoas
buscam e encontram crescimento
[...]. Tira aquele povo da miséria, do
submundo [...]. Ajuda as pessoas a
conseguir andar com as próprias
pernas”... Concluindo a entrevista, ele afirmara: “Eu senti muito
quando saí de lá [...]. Realmente,
foi um tempo de muita graça,
de muita alegria... Foi um tempo
maravilhoso”.
Durante a sua longa estadia no
Convento Santa Maria dos Anjos
(até 1977), ele exerceu diversas funções: vigário conventual,
prefeito de formação, guardião,
mestre e vice-mestre de noviços e
coadjutor. Em uma carta de 1977,
enviada ao ministro provincial, frei
Estanislau deixa entender que a
sua presença no Convento Santa
Maria dos Anjos já não era bemvinda; o argumento era que ele
estava atrapalhando a formação
e, por isso, a transferência. Ele argumenta a favor do serviço pastoral que estava prestando: “Mas
me pergunto se a tentativa de
realizar um trabalho que para mim
como franciscano diz muito, não
entra em jogo; a única alternativa
é sair daqui? E só por esse motivo?
Aqui está tudo por fazer? Poucas
Revista Santa Cruz - 47
as estruturas existentes e a criatividade poderá ser exercitada
em favor de toda uma população
marginalizada. No momento isso
significa para mim abandonar
uma batalha iniciada para ser uma
peça de um esquema já montado
e que poderá sustentar-se. Estou
aqui pronto para acolher qualquer
decisão, desde que justificável para
minha consciência. Muitas vezes na
verdade é preciso falar”.
Nesse mesmo ano de 1977, ele foi
transferido para a Paróquia São
Francisco de Assis de Pará de Minas.
Aí ele vai, aos poucos, desenvolver um trabalho na área social.
Aproveitando a entidade iniciada
por frei Paciano, o SALEM – serviço
assistencial laical de emancipação
e maturidade. Essa estrutura
abrigava jardim da infância e
refeições diárias para crianças.
Na parte de artesanato, havia
trabalhos em cerâmica, escultura
de madeiras, trabalhos em cisal,
tear chileno etc. O objetivo era
a promoção humana e retirar os
meninos da rua. Na paróquia ainda
funcionavam os clubes de mães,
na cidade e na roça. Havia também
um projeto chamado “Enfermagem
do lar” que, basicamente, dava
assistência aos doentes em casa
através de acompanhamento
de dietas e de medicamentos. A
paróquia ajudou a formar mais de
260 enfermeiras.
48 - Revista Santa Cruz
Na época, o território da paróquia
abrangia mais ou menos a metade
da cidade. Segundo testemunho,
frei Estanislau tinha uma preocupação muito forte com os
pobres: aquilo que ele ganhava ou
pedia, ele sabia distribuir, era mão
aberta. Ele incentivou na paróquia
a catequese, cursos de liderança e
apoiava muito os jovens. Era muito solicitado para atendimentos e
aconselhamentos. Enquanto estava à frente da paróquia São
Francisco de Assis, a casa paroquial
foi, literalmente, aberta ao povo.
No dia 04 de maio de 1983, através
de um decreto da Cúria Geral dos
Frades Menores, frei Estanislau fora
nomeado visitador da Província
São Francisco de Assis, do Rio
Grande do Sul.
Mestre de noviços em Visconde
do Rio Branco (1986-1990)
Depois de já ter trabalhado na
formação como mestre de clérigos e de noviços, em Daltro Filho,
Divinópolis e Betim, após um
longo período à frente do trabalho
paroquial, aceitou essa nova empreitada num “período provincial
muito difícil”. No período em que
permaneceu nessa etapa, frei Estanislau recebeu duras críticas a
respeito do seu jeito de conduzir a
vida do noviciado como: “noviciado
monástico, fechado, fora da
realidade...”.
Aquilo que eu posso recordar como
membro da “última turma” dele
(1990) são boas lembranças: Um
frade marcado pela vida de oração
e de uma espiritualidade muito
profunda. Um homem de muitas
leituras e de uma capacidade intelectual apurada. Nas suas aulas,
demonstrava um conhecimento
profundo na área de franciscanismo, de liturgia, de Bíblia e de
psicologia. Ficávamos extasiados
quando, nas aulas de liturgia, discorria sobre a História da liturgia,
ou do seu vasto conhecimento
de psicologia, seguindo nas suas
aulas o livro: Psicologia e Formação
de Cencini e Manenti. No cotidiano, demonstrava muito senso de
humor. Nos recreios, gostava de um
jogo de buraco. Possuía, apesar das
críticas, muito amor pela Província.
Não era frade de guardar mágoas.
Era sincero. Quando foi pedido
para ele retornar à formação, ele
colocou-se à disposição. Tinha uma
personalidade muito forte!
São João del-Rei – de volta à
paróquia
No início de 1991, frei Estanislau
foi transferido para o Convento
Nossa Senhora de Lourdes, em São
João del-Rei, onde trabalhou por
um ano como vigário paroquial e
foi transferido, em seguida, para
Divinópolis, como vigário paroquial onde atuou até 1997. Retornou
a São João del-Rei como pároco.
Iniciou um trabalho social na
Comunidade do Rio Acima, onde
montou uma creche, oficina de
cerâmica e uma marcenaria. Nesse
projeto não conseguiu alcançar
os objetivos esperados. Hoje funcionam a capela e a creche. Nessas
suas construções, tinha a fama de
pidão; saía nos comércios e até
mesmo na fila do banco pedia
ajuda ou vendia rifas.
Nesse tempo em São João del-Rei,
frei Estanislau era muito solicitado
para conversas, aconselhamentos,
confissões e bênçãos. A procura
era tanta que ele trabalhava com
um sistema de senhas. A partir
de 2004, ele deixa de atuar como
Revista Santa Cruz - 49
pároco e passa a ajudar como
vigário paroquial, diminuindo um
pouco as suas atividades pastorais.
Paixão pela liturgia
Alguns elementos chamam a
atenção desse seu amor, dedicação
e gosto pela liturgia. Encontrei, no
meio da sua correspondência, um
pedido ao artista Cláudio Pastro
de autorização para reproduzir
um Pantocrator, de sua autoria,
na capela do Guarda-Mor. Capela
idealizada por ele, levando em
consideração todo o espaço litúrgico. Presidia a eucaristia muito
bem, gostava de cantar as partes da
presidência. Tinha a preocupação
de usar em cada celebração o
pão novo, numa única patena,
evitando excesso de reserva eucarística. Quem não se recorda da
famosa música de apresentação
das oferendas que ele apreciava
tanto: “Prepara essa mesa do povo
cristão”.
No arquivo provincial encontrei
um bilhete que ele havia enviado
ao ministro provincial para que
orientasse melhor os confrades
na preparação litúrgica das profissões solenes: “Considerando
os vinte anos de uma Constituição da Liturgia e o recente sínodo; considerando que calar-se é
concordar: quero apresentar ao
50 - Revista Santa Cruz
governo provincial e à equipe de
formação o apelo: Orientar e olhar
com mais atenção as celebrações
de profissão religiosa de nossos
irmãos a fim de que a simplicidade,
o respeito à liturgia e, não por
último, a comunhão fraterna e
eclesial sejam salvaguardados”.
Como já disse, frei Estanislau era
um homem de muita leitura. Ao
selecionar os seus livros e correspondências, pude constatar como gostava ler. Lia basicamente
em três línguas: português, francês
e italiano. Na sua biblioteca havia
algumas áreas que se destacavam:
Liturgia – muita literatura em
francês e italiano; Espiritualidade
geral e franciscana e Psicologia.
Recebia muitas revistas em francês
como: Paroisse et liturgie; Notes de
pastorale liturgiques e assembleés
du Signeur. Durante a minha
estadia em Roma, enviei, a pedido
dele, alguns livros em francês, um
desses, era um comentário a todas
as orações do dia, da celebração
eucarística do tempo de Advento
intitulado: La spiritualité de l’Avent
à travers les collectes.
Numa conversa, que tive recolhendo informações sobre o frei
Estanislau, uma pessoa dava um
testemunho sobre uma homilia
feita por ele numa festa de Santo
Antônio: “Ele se transformava no
momento da pregação. Olhando
para a imagem de Santo Antônio
ele pregava e gesticulava com
tanta veemência que não parecia o
Estanislau, mas uma outra pessoa”.
Um franciscano de coração e
alma beneditina
Quem conheceu frei Estanislau
pôde perceber, por um lado, sua
paixão pelo franciscanismo. Nas
várias agendas encontradas no seu
quarto, havia esquemas de retiros
pregados, onde continha muitas
meditações sobre os Escritos de
São Francisco. Sempre portando o
surrado burel franciscano, com a sua
inseparável coroa franciscana. De
outro lado, também era fascinado
pela espiritualidade monástica
beneditina. Considerando o grande
número de cartas trocadas com a
sua irmã Dorinha, que era monja
beneditina, e conversando com ela
pessoalmente, pude constatar que
ela o havia influenciado bastante.
São correspondências de trocas
de experiências espirituais, de
leituras partilhadas e de apoio na
vocação religiosa. Frei Estanislau
recebia também muitas revistas
de espiritualidade monástica da
Europa e mantinha muita correspondência com monjas dos
mosteiros beneditinos de Belo
Horizonte e de Caxambu. Apreciava
muito o canto gregoriano. No seu
quarto havia várias caixas de fitas
cassetes.
Fama de Cigano
Frei Estanislau gostava de “ler” as
mãos das pessoas. Na realidade,
ele “jogava muito verde para
colher maduro” e aí obtinha informações acerca da pessoa. Também aplicava um pouco dos seus
conhecimentos de psicologia e,
assim, acabava descobrindo informações da pessoa. Gostava
também de horóscopo chinês.
Vivia perguntando, sobretudo aos
formandos, o ano do nascimento e,
naturalmente, associava a pessoa
com o animal do horóscopo chinês.
Era muito querido, sobretudo
nos bastidores dos capítulos e
assembleias provinciais, onde,
Revista Santa Cruz - 51
nos intervalos, fazia brincadeiras e
comentários jocosos.
Agravamento da saúde e falecimento
Vocabulário “bartholdiano”
Nos seus últimos anos, em São João
del-Rei, frei Estanislau foi cada vez
mais acometido por problemas de
saúde. O coração já não funcionava
muito bem. Foi perdendo também
o seu estilo alegre e comunicativo de ser. Ficou cada vez mais
silencioso. Apenas respondia ao
que se lhe perguntava e a conversa
não rendia muito. Comentávamos
entre nós o fato de nosso frei
Estanislau que outrora fora tão
animado e, no entanto, agora, está
num ‘reto tom’.
Frei Estanislau dispunha de um
vocabulário que lhe era peculiar,
como, por exemplo: “Bom dia
alegre!”. Quando queria enfatizar alguma coisa dizia “Nossa
Senhora!”. Gostava de elogiar para, em seguida ao elogio, dizer a
famosa conjunção adversativa:
“mas...”. Quando encontrava algum
jovem conhecido, olhava-o bem
nos olhos e dizia: “Oh jovem! Força
jovem!”. No noviciado, quando
íamos pedir alguma coisa e se ele
dissesse: “Frei, faz parte de seu
projeto”? Podíamos dar meia-volta
e retornar.
Bom gosto pela comida
Nosso saudoso confrade apreciava
uma boa mesa. Era fascinado por
alguns pratos específicos: um
lombinho de porco, torresmo,
chouriço e um bom “queijo com
personalidade”. Até mesmo contrariando as dietas médicas, nos
últimos anos de vida, ainda se
aventurava e interrompia, sem
maiores escrúpulos, sua dieta, em
troca de algumas dessas delícias.
52 - Revista Santa Cruz
Já bastante debilitado, participou
da Semana Santa até a quintafeira, na comunidade onde ele
acompanhava nos últimos tempos. Apesar dos limites do corpo,
continuava lúcido. No sábado
santo, dia 23 de abril de 2011,
ele foi internado no Hospital
Felício Rocho, em Belo Horizonte,
com um quadro de estenose aórtica. Recebeu a visita de seus
familiares de São Vicente de Minas
e de confrades. No dia 07 de maio,
quando o vigário provincial frei
Vicente Ronaldo foi ungi-lo eu
estava presente. Conversamos um
pouco e ele estava muito lúcido.
Testemunhos
Transcrevo, a seguir, um relato de
frei Fabiano Aguilar Satler: “Frei
Estanislau estava consciente durante a última visita que fiz a ele, na
tarde do dia 17 de maio, véspera do
seu falecimento. Perguntei-lhe se
ele se recordava do LP que frei Joel
Postma gravara em Divinópolis, na
década de 1960. Ele disse que eram
os salmos do padre Gelineau. Cantei
para ele o salmo 147 e o Cântico
de Simeão, que ele acompanhou
em algumas partes. Durante toda
a noite da sua páscoa, ele cantou,
segundo informação do médico
plantonista”.
Faleceu no dia 18 de maio de 2011,
às 5h. A causa mortis: insuficiência
de múltiplos órgãos e estenose
aórtica crítica. O seu corpo foi
levado para São João del-Rei, onde
foi velado na Igreja Nossa Senhora de Lourdes e onde aconteceram as exéquias. Foi sepultado
no Cemitério da Venerável Ordem Terceira de São Francisco.
Requiescat in pace!
“Era um homem sempre alegre,
aberto, disponível, apesar de
sensível às críticas que podia
receber, não era excludente.
Extremamente caridoso. Ligava muito ao estudo das Fontes
Franciscanas. Não fazia do estudo algo de projeção, mas
colocava tudo sobre o prisma
de um projeto pessoal de vida,
que ele conseguia realizar e que
transparecia em suas atitudes.
Apesar da propalada influência
beneditina, foi um franciscano como poucos conseguiram ser” (Frei
Márcio Cabral – Salinas, 16.09.2011).
“Muito sincero e autêntico. Muito benquisto pelos formandos.
Bernardino e Estanislau eram
mais próximos dos alunos. Dava
oportunidade para que os alunos levassem adiante sua reflexão. Na capela e na cela tinha
espírito beneditino; no dia a dia,
franciscano. Era muito carinhoso
no relacionamento. Preocupava
com a sinceridade da Província e
possuía muita sintonia com a PSC
e a OFM” (Frei Luciano Brod – Salinas, 16.09.2011).
“Uma característica forte dele era
promover as pessoas. Tinha sempre
um sorriso alegre. A oração era
outro ponto forte, estava presente
Revista Santa Cruz - 53
em todas as horas rezadas em
comunidade” (Frei João José de
Jesus – Salinas, 16.09.2011).
“Para mim, frei Estanislau foi e
será um grande testemunho de
dedicação e entrega a Deus. Um
homem que estava em sintonia com
Deus, em todos os momentos de sua
vida. Um homem que soube viver e
vencer os conflitos sem perder a paz
e a serenidade. Sua proximidade
com Deus era tão expressiva que
todos se aproximavam dele, para
sentir o carinho e a ternura do
Criador” (Frei Vicente Ronaldo –
Montes Claros, 27.01.2012).
“De nossa convivência em Divinópolis, tenho que agradecer
muito a Deus, pois ele foi um verdadeiro irmão, com quem compartilhei, de modo muito aberto e fraterno, nossa pesada jornada
pastoral numa paróquia de grandes exigências para quem nela
quer exercer seu ministério [...]. Frei
Estanislau estava sempre de bem
com a vida e isto me ajudava, pois
seu bom humor temperava a minha seriedade em vários momentos de nossa atividade pastoral e
na convivência fraterna que, às
vezes, podia ser conflituosa. Sua
preocupação com as pessoas mais
carentes fez com que reabríssemos
o restaurante popular do salão da
comunidade São Geraldo, para
cuidar de pessoas necessitadas.
54 - Revista Santa Cruz
Qualidades humanitárias deste
memorável frade: levar as pessoas mais favorecidas a ajudar os
mais necessitados. Ele não se
envergonhava de pedir aos ricos
uma ajuda para os pobres [...].
Com ele sentamos muitas noites
em alguns restaurantes em torno
do santuário para saborear um
gorduroso caldo de vaca atolada
ou de um pezinho de porco. Dele
aprendi a sinceridade e a franqueza no relacionamento fraterno de
uma comunidade de vida” (Dom
Célio de Oliveira Goulart – São João
del-Rei, 02.02.2012).
“Não há como não se lembrar do
frei Estanislau. Guardo comigo,
desse tempo (1985), seu senso de
presença do Mistério e seu gosto
e prazer pela liturgia celebrada
com solenidade. Isto podíamos
experimentar pelo incenso abundante, pelo canto litúrgico inclusive presidencial, pelas flores
no presbitério, pela iluminação
utilizada com critério, pela sua
oratória (gestos, tom de voz...).
[...] Quando morei em São João delRei e o tive como confrade, encontrei um frei Estanislau fragilizado. O ano de 2007 foi um ano difícil para ele e para nós que o acompanhávamos de perto. Houve
diversas internações sem muito
sucesso. O mais difícil foi quando
tive que tomar a decisão de levá-lo
para tratamento em Belo Horizonte,
uma vez que os recursos médicos
de São João del-Rei tinham-se
esgotado. Mais difícil ainda foi,
quando, em outra ocasião, ele
esteve em Belo Horizonte por um
período mais longo, por motivo de
uma cirurgia no joelho, e, ao voltar,
tivemos que mudá-lo de quarto
também sem o seu consentimento.
Ele resistiu no início, mas depois
acabou aceitando devido à sua
dificuldade de locomoção. Duas
lembranças edificantes guardo deste segundo período. A primeira:
seu envelhecimento não foi impedimento para sua formação e
renovação litúrgica. Seu jeito de
presidir não era o mesmo de 25
anos atrás, quando eu o conhecera
em Pará de Minas. Sua biblioteca de
liturgia também não era a mesma.
A segunda: a passagem do homem
falante para o homem do silêncio.
Foram várias viagens para levá-lo a
Belo Horizonte para consultas, todas
em silêncio profundo. Frei Estanislau fez de sua enfermidade, durante os seus últimos cinco anos de
sua vida, a oportunidade feliz de
desligar-se e se despedir de tudo e
de todos que ele muito amou nesta
terra, para se encontrar com Aquele
Mistério Absoluto que ele anunciara
e diante do qual ele testemunhara estar durante sua vida” (Frei
Gabriel José de Lima Neto – Santos
Dumont, 03.02.2012).
“Frei Estanislau era assim: um mestre que descobria no outro a beleza
do sonhar e do amanhecer. Iluminou
nossos caminhos longos e os atalhos
nem sempre floridos e frios! Ensinounos como viver, como embaralhar e
acertar todas as cartas – uma bela
jogada! Foi maestro e compositor de
muitos homens e mulheres. Como
líder, sabia cuidar das pessoas e
das coisas. Sabia que sua saúde
mental e suas intuições dependiam
de sua capacidade de deixar a alma
repousar no silêncio. Líderes também
meditam, sabia? Como mestre e
líder nunca deu-nos o peixe, mas
a melhor maneira de lançar todas
as redes! Saudade, amado mestre!”
(Frei Donizete Afonso da Silva –
Belo Horizonte, 08.02.2012).
“Um homem tão íntegro e tão
bom. Aprendi dele: dar dignidade
ao pobre” (Dona Noemi – Betim,
11.02.2011).
“Foi um verdadeiro pastor. Possuía: zelo, cuidado e amor pelas suas
ovelhas” (Maria Helena – São João
del-Rei, 13.02.2012).
“As características mais profundas
dele que pude perceber eram o amor
pela eucaristia e por nossa Senhora.
Em alguns momentos da sua vida,
nossa Senhora era a sua confidente.
Transmitia algo de divino; passava
aquilo que ele tinha no coração.
Possuía uma personalidade muito
forte” (Alice – São João del-Rei,
13.02.2012).
Revista Santa Cruz - 55
“O que mais caracterizava frei Estanislau era a alegria” (Dorinha –
São Vicente de Minas, 14.02.2012).
“Cada segundo de sua vida foi uma
oportunidade que Deus lhe deu
para plantar o bem, para construir
o amor, para assistir a todos que o
procuravam para uma orientação
espiritual frente às vicissitudes.
Por isso, sempre imprimiu sentido
profundo à sua existência tão cheia
de méritos. Com seu labor apostólico, irradiava cotidianamente grande alegria, sabedoria e bondade,
transmitidos principalmente em
seus olhos azuis e expressivos. Ele
procurava ver o rosto de Deus no
espelho dos rostos humanos, através
de seu nobre coração” (Cida Campos
- São João del-Rei, 25.05.2011,
missa de 7º dia).
“Ele que tanto sorriu, tanto cantou,
tanto amou, tão imensamente viveu
o Evangelho, espalhando-o por onde
passou, e, certamente tanto sofreu
(sem o demonstrar), merece esta
alegria, sim! Tenho certeza! Deus
o acolheu em seus braços” (Maria
Helena – São Vicente de Minas,
25.05.2011, Missa de 7o dia).
“Ah, frei Estanislau, quanta saudade! Quantas semanas santas
cantamos com o senhor! Quanto
entusiasmo, quanta vibração! Toda
vez que cantamos, e que cantarmos,
daqui por diante, os belos salmos
responsoriais do Sábado Santo, sua
56 - Revista Santa Cruz
presença em nosso meio nos fará
cantar com maior alegria: Entoou
Moisés este canto ao Senhor, todo
o povo se uniu em alegre louvor!”
(Regina Coeli – São Vicente de
Minas, 25.05.2011, Missa de 7º dia).
“Posso afirmar, com certeza, que
minha vida religiosa tem muita
inspiração no seu modelo de vida,
que testemunhou fortemente o
carisma franciscano. Convivi com
ele aqui quase um ano e meio. Nesse
convívio, destaco alguns valores que
para mim norteiam a vida religiosa:
1) Seu ardor pela vida de oração:
sempre muito atuante e fiel na vida
de contemplação, um contemplativo ativo. 2) Sua caridade: não sabia
dizer não aos pobres e pedintes;
ninguém saía daqui com as mãos
vazias, não emitia julgamento algum, ajudava sempre. 3) Sua simplicidade e pobreza: sempre de
hábito franciscano, vivia desapegadamente das coisas do mundo;
sua riqueza eram os livros, nos
quais se debruçava com gosto e
esmero. 4) Seu caráter fraterno que
muito valorizava, na vida diária
da convivência: estava sempre
nos recreios e nunca faltava a um
capítulo local, acompanhava a PSC
com seu olhar crítico e com amor
fraterno. Um santo, a meu ver, pois
suas qualidades superaram seus
pecados” (Frei Jaime - São João delRei, 15.02.2012).
UMAS E
OUTRAS
[...] E a pergunta roda
e a cabeça agita.
Eu fico com a pureza
da resposta das crianças.
É a vida, é bonita e é bonita...
Que tal dar umas boas gargalhadas agora?
Quem sabe, rir da própria vida! Então, vamos lá!
Frade compra fazenda
Calma, calma, antes de tirar conclusões! O que aconteceu foi que
frei Chiquinho, de passagem por
Roma, resolveu comprar alguns
metros de panos para fazer hábitos
para os confrades. É um pouco
às avessas da conhecida anedota
provincial de que determinado
frade teria pedido autorização para
comprar ‘fazenda’ e o provincial, pensando que se tratasse de
‘pano’, deu logo o consentimento.
Dessa vez é pano mesmo, nada de
vaquinhas e pomares.
Revista Santa Cruz - 57
Triatlo da juventude
Em preparação às Olimpíadas
de 2016, frei Elias Hooij já criou
uma nova categoria esportiva:
o triatlo da juventude. Prestes a
alcançar sua nona década, o jovem
rapaz pode ser visto diariamente
correndo e mergulhando na praia.
A terceira parte do percurso ele
completa girando as comunidades da paróquia. Alguém se habilita a desafiá-lo para um teste de
resistência?
Frei JJJ sem lenço e sem
documento
A memória de frei João José
de Jesus não é mais a mesma.
Agora deu para esquecer seus
documentos e outras cositas
más por onde anda. Sorte que
tem confrades prestativos a ponto de o socorrerem em seus
esquecimentos. Cuidado pra não
esquecer a cabeça, frei João!
irmãos de fraternidade tiveram
de ajudá-lo: ele tinha invertido o
remetente e o destinatário. Liga
não, frei Fernando, sua carta é
como o vento no Quarto Evangelho: “não se sabe de onde vem,
nem pra onde vai”!
Um frade com as calças
molhadas
Na ida para o estágio em Jequitinhonha, frei Luciano Lopes
sentou-se embaixo da saída do ar
condicionado, no meio do ônibus.
Como estava chovendo, começou
a gotejar bem nas pernas do
frade capixaba, que não tardou
em reclamar ao cobrador. Porém,
ficou perplexo com a resposta, em
voz alta: “Ó dó! Está muito frio?!”. O
problema foi ao descer do ônibus
com as calças molhadas e ser
abordado pelas pessoas: “eu posso
explicar” – se antecipava.
Questão de gênero
Correio eficiente
Frei Fernando Rocha ficou impressionado com a rapidez com
que os Correios têm entregado
as correspondências. Mal tinha
enviado sua carta e já recebera
a resposta. Mas, quando reparou
bem, notou que era a própria carta
que tinha enviado. Mas como
assim? Inquietou-se o frade. Seus
58 - Revista Santa Cruz
O noviciado provincial viveu
momentos insólitos durante a
profissão de frei José Bandeira.
Durante as homenagens finais,
cantou-se uma linda canção que,
se não fossem as adaptações
necessárias, teria feito chorar a
muitos. Para não nos alongar, vejamos a letra da música em homenagem a nosso neoprofesso:
Aos olhos do Pai
você é uma obra-prima
que Ele planejou.
Com suas próprias mãos pintou
a cor de sua pele,
os seus cabelos desenhou.
Cada detalhe
num toque de amor.
Você é linda demais
perfeita aos olhos do Pai.
Alguém igual a você não vi jamais,
princesa, linda demais.
Perfeita aos olhos do Pai
alguém igual a você não vi jamais.
Parabéns, frei José Bandeiras!
Ite missa est
Enquanto os frades ainda almoçavam, dois irmãos do pósnoviciado se retiraram para lavar
a louça. Frei Vicente Ronaldo,
que outrora era chamado de
“Cachorrão”, chega à cozinha e
esbraveja com carinho: “Gente,
vamos voltar para o refeitório, a
missa ainda não acabou!”. Eis uma
explicação prática da máxima:
“toda vida é oração!”.
Um frade atleta
O filho de Almenara, frei Kauê,
assim que chegou a Betim, descobriu as academias populares,
em praça pública, e se tornou um
fiel adepto. O detalhe inesperado é
que faz seus exercícios com o burel
franciscano - o que tem chamado
a atenção de todo o quarteirão.
Novos areópagos, tudo bem, mas...
Missa às avessas
Certo frade, residente no Norte de
Minas, muito criativo e inovador,
durante uma celebração dominical,
fez algumas modificações no rito
da missa: após a proclamação do
Evangelho, convidou a assembleia
para professar a fé. Um confrade
que estava presente pensou com
seus botões: “oba, hoje a missa
vai acabar mais cedo”. Quando já
estava terminando a apresentação
das Oferendas, veio a surpresa: o
reverendíssimo presidente começou a homilia. Parafraseando
o ditado popular, “alegria de frade
dura pouco”!
O frade e a sexta-feira 13
Após um período na “Cidade
Eterna”, frei Vicente Lopes retornou,
há pouco, às terras tupiniquins. Seu
desembarque se deu no dia 13 de
fevereiro, sexta-feira. Tomara que
a “sexta-feira 13” lhe traga sorte, e
também a seus confrades, afinal,
receber um novo morador nessa
data não deixa de ser algo passível
de apreensão.
Revista Santa Cruz - 59
Um frade de apenas 9 aninhos
Existem vocações precoces, mas
frei Emanuel parece ter batido o
recorde. Sua inscrição no encontro
de Under Ten, no México, deu
como data de nascimento o ano
de 2003. Tendo em vista que o
frade da Fundação Nossa Senhora
de Fátima é professo solene, se vê
que, quando Deus quer chamar a
alguém, nem fraldas o impedem.
Nota de falecimento
Com pesar informamos o falecimento do mais doce, meigo,
carinhoso, terno, cheiroso, dócil,
amigo, companheiro animalzinho
dos frades. Trata-se de Zangado, o
“Zan” para os íntimos. Ele faleceu
em Alcobaça, em decorrência de
uma perfuração estomacal causada por um osso galináceo. Após
anos de penosa agonia, foi levado
aos Campos Elíseos. Expressamos
nossa solidariedade, sobretudo a
frei Moisés, que acompanhou a
pobre criatura por longo tempo.
GP da PSC
Bem amigos, estamos aqui de
novo dando notícias das peripécias
de nossos confrades no trânsito. O
Grande Prêmio da Província Santa
Cruz teve fortes emoções nos
últimos meses. A equipe Bocaiúva eletrizou os espectadores,
60 - Revista Santa Cruz
demonstrando que está disposta
a lutar pelo campeonato deste
ano. Numa manobra arriscada, frei
Waldelir foi atingido por um Monza
86, “zero bala”. O outro piloto, que
tinha mais álcool que o próprio
carro, saiu com cara de poucos
amigos. Imediatamente, a equipe
de frades se organizou a fim de
prestar-lhe socorro e evitar atos
mais violentos.
O outro piloto da mesma equipe,
frei Júnio Fernando, no autódromo de Uberlândia, nas retas do
Triângulo Mineiro, fez a Kombi
dos frades de Betim chegar a
150 km/h. A bichinha até gemeu
para conseguir fazer a ultrapassagem de uma carreta, deixando os
tripulantes com o coração na boca.
Pelo visto, o ano começa com a
equipe do Norte de Minas prometendo fortes emoções automobilísticas. São Cristóvão vai ter
trabalho!
Revista Santa Cruz - 61

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