O BICHO-PAU NA SALA DE AULA: CONSTRUINDO UMA

Transcrição

O BICHO-PAU NA SALA DE AULA: CONSTRUINDO UMA
Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014
V Enebio e II Erebio Regional 1
O BICHO-PAU NA SALA DE AULA: CONSTRUINDO UMA PROPOSTA
INVESTIGATIVA COM CRIANÇAS DE SEIS ANOS.
Samantha Maia Meireles (Faculdade de Educação/UFMG – Estudante de Graduação)
Danusa Munford (Faculdade de Educação/UFMG)
Tatiana Cristina Cândido Camargos (Faculdade de Educação/UFMG – Mestranda do
Programa de pós-graduação da Faculdade de Educação)
Cláudia Starling (Faculdade de Educação/UFMG – doutoranda do Programa de pósgraduação da Faculdade de Educação)
Kely Cristina Nogueira Souto (Escola de Educação Básica e Profissional da UFMG – Centro
Pedagógico)
RESUMO
A perspectiva de ensino de ciências por investigação defende que alunos dos anos iniciais
devem ter oportunidades de construir e apresentar explicações baseadas em evidências bem
como discutir encaminhamentos para investigações. Nesse trabalho, relatamos aspectos do
desenvolvimento de uma proposta investigativa sobre o bicho-pau em turma de alunos dos
anos iniciais do ensino fundamental. Apontamos para algumas relações entre atividades
“cotidianas” dessa turma e práticas investigativas, destacando as oportunidades criadas pela
integração de atividades de leitura e atividades de ensino por investigação. Concluímos que o
processo de investigação nessa faixa etária é heterogêneo e se desenvolve de formas variadas
ao longo do processo de aprendizagem.
Palavras-chave: Anos iniciais do Ensino Fundamental, ensino de ciências da natureza,
ensino de ciências por investigação, práticas de leitura e escrita.
INTRODUÇÃO
Frequentemente, em vários componentes curriculares desenvolvidos nos anos iniciais
do Ensino Fundamental, como Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, História, Geografia,
Artes e Educação Física, as crianças demonstram vários conhecimentos construídos em
situações práticas da vida cotidiana. Geralmente o ensino privilegia apenas a formalização,
buscando teorizar e oferecer explicações já prontas para as crianças. (MUNFORD et. al.,
2011). Dessa maneira, elas não conseguem se apropriar dos conceitos, pois são colocadas de
6735
SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia
Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014
V Enebio e II Erebio Regional 1
frente ao saber científico sistematizado, considerado como “pronto e acabado”, pois “ao
ensinar ciência (...) não queremos que os alunos simplesmente repitam as palavras como
papagaios. Queremos que sejam capazes de construir significados essenciais com suas
próprias palavras”. (LEMKE, 1997 apud CARVALHO, 2013, p.7). A abordagem do ensino
de ciências por investigação busca contribuir para avanços nesse sentido.
Além disso, uma visão tradicional do ensino de ciência enfatizou ao longo do tempo a
aprendizagem individualizada. Atualmente vários estudos destacam a importância da
interação social na sala de aula, tendo a linguagem como elemento fundamental,
possibilitando ao aluno a inserção em práticas culturais da ciência. (DRIVER et al., 1999;
JIMÉNEZ-ALEIXANDRE & ERDURAN, 2007; MORTIMER, 1998). Nos anos iniciais do
Ensino Fundamental, em geral, textos escritos narrativos de ficção tem sido predominantes.
Assim, alguns autores têm demonstrado preocupação com a ausência de gêneros científicos
que melhor representariam essas práticas culturais (HALLIDAY & MARTIN, 1993; PRAIN
& HAND, 1996).
Como o processo de alfabetização é iniciado no primeiro ciclo do ensino fundamental,
espera-se que propostas pedagógicas desse nível de ensino estimulem a apropriação da
linguagem formal pelas crianças. Nesse sentido, atividades que engajam os estudantes em
práticas de leitura e de escrita são enfatizadas nesse nível de ensino e práticas de leitura e
escrita estão bastante presentes no cotidiano de salas de aula. Entretanto, em aulas de ciências,
essas práticas geralmente são conduzidas de maneira paralela a outras atividades típicas do
ensino dessa disciplina. Essa desconexão pode contribuir para que nesse nível de ensino a
importância da leitura seja deslocada para aulas de “português”, subestimando o seu papel em
aulas de ciências ou ainda que, em outras situações, a leitura ocorra em aulas sem estimular a
apropriação de conhecimentos científicos, levando a interpretação literal de textos. Em outras
palavras, essa desconexão pode contribuir para construir visões estereotipadas sobre o ensino,
que interpretam como necessário ensinar a ler e escrever apenas nas aulas de “português”
enquanto que nas aulas de ciências, os estudantes devem aprender por meio de “atividades
práticas” ou “investigações”.
Ao contrário dessa visão que pode estar presente nos anos iniciais, pesquisas tem
apontado para a importância de engajar crianças em práticas de leitura em aulas de ciências.
(PAPPAS et al., 2003). A esse respeito, estes mesmos autores afirmam que “[o uso de] livros
de literatura informativos que informam e complementam atividades práticas é criticamente
importante para desenvolver a compreensão científica de crianças e ajudá-las a explicar essas
ideias em registros científicos”. Em relação ao papel de textos para o ensino de ciências,
6736
SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia
Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014
V Enebio e II Erebio Regional 1
Norris e Phillips (2003) chamam atenção para o potencial da leitura e escrita no ensino de
ciências, quando envolvem “inferir significados a partir do texto”. A leitura, nesse caso,
envolve dar sentido ao que está sendo lido e não apenas decodificar palavras.
RELATO DE EXPERIÊNCIA
Este relato de experiência revela a forma com que a professora desenvolve práticas de
leitura durante o desenvolvimento de uma proposta investigativa sobre o bicho-pau e como
ela contribui para a aprendizagem. Esse trabalho está inserido em um projeto longitudinal que
tem como objetivo compreender o processo de escolarização de uma turma ao longo do
primeiro ciclo do ensino fundamental. Essa pesquisa fundamenta-se na abordagem teóricometodológica da perspectiva etnográfica em educação (CASTANHEIRA, 2004; GREEN et
al., 2005) e adotou ferramentas da etnografia. Os estudantes que participaram da escrita desse
relato conduziram uma observação participante em sala de aula, produzindo um caderno de
campo com registros sobre atividades da turma, gravações em vídeo e áudio das aulas e
realizando a coleta de artefatos produzidos na sala de aula. A sala de aula participante tinha,
no momento do desenvolvimento da proposta investigativa, vinte e cinco alunos de cerca de
seis anos matriculados no primeiro ano do ensino fundamental. Anteriormente ao projeto do
Bicho-pau outras propostas investigativas já haviam sido desenvolvidas nessa turma. O
conjunto de atividades está sistematizado na Tabela 01.
Para os participantes observadores, a oportunidade de vivenciar o cotidiano de um
turma de crianças foi importante para sensibilizar o olhar para particularidades desse público.
A medida em que os acontecimentos se desenvolveram ao longo das aulas de ciências, o
interesse pelas práticas cotidianas de leitura dessa turma aumentou. Chamava atenção a forma
com que a professora desenvolvia atividades de leitura e escrita nas aulas de ciências, que ia
além da codificação do texto escrito. Nessas práticas de leitura, a professora estimulava os
alunos a elaboração de perguntas, observação, de registros e reflexão. Ao longo do tempo, foi
possível perceber importantes desdobramentos dessas práticas de leitura para o ensino de
ciências nessa sala de aula.
Tabela 01: Cronologia de atividades desenvolvidas durante aulas de ciências.
PROJETO
DESCRIÇÃO DE ATIVIDADES
Projeto Verde
Investigação sobre diversidade de plantas e fatores do meio
6737
SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia
Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014
(Primeiro semestre de 2012)
V Enebio e II Erebio Regional 1
ambiente
Projeto Bicho-pau
Visita à mata da escola Sistematização de atividades
(Segundo semestre de 2012)
para coleta de vestígios como vivem os animais da
de animais
mata e do que precisam para
viver
Início da leitura do livro Levantamento
“O dilema do bicho-pau”
de
perguntas
sobre bicho-pau
Leitura da segunda parte Registro em desenho e texto
do livro
dos estudantes sobre como é o
bicho-pau.
Leitura da terceira
última parte do livro
e Levantamento do que o bichopau precisa para viver
Atividade de observação Registro das observações feitas
no laboratório da escola
com instrumentos que ampliam
objetos
Chegada do bicho-pau na Atividades de observação e
sala de aula
registro de aspectos da biologia
do
bicho-pau:
partes
do
alimentação,
corpo,
muda,
diferença entre fezes e ovos de
bicho-pau e entre macho e
fêmea.
Encerramento do projeto Escrita de um breve relatório
Bicho-pau
coletivo e debate coletivo sobre
aspectos da biologia do bichopau
É consenso entre pesquisadores a importância de estimular o engajamento de
estudantes dos anos iniciais em práticas investigativas. Na literatura, estudos empíricos e
6738
SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia
Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014
V Enebio e II Erebio Regional 1
teóricos apresentam um interesse explícito em como engajar estudantes em práticas
investigativas na sala de aula (JENNINGS & MILLS, 2009; MASKIEWICKS & WINTERS,
2012; MUNFORD & LIMA, 2007). O trabalho de MUNFORD & LIMA (2007) sugere um
conjunto de práticas investigativas que contemplam elementos essenciais do ensino de
ciência, tais como: engajar-se em perguntas de orientação científica , responder questMes com
base em evidências, formular explicações a partir de evidências; avaliar suas explicações à luz
de outras alternativas , em particular as que refletem o conhecimento científico e comunicar e
justificar explicações propostas.
Dessa forma, quando esse estudo começou, um movimento para estimular a
curiosidade dos alunos já havia sido iniciado. Geralmente nessa turma as atividades
investigativas eram iniciadas em situações-problemas em que os alunos são estimulados a
elaborar perguntas, a realizar exercícios de observação, posicionar-se sobre um tema e
esclarecer seu próprio ponto de vista em relação ao dos colegas.
Ao desenvolver uma proposta investigativa com a turma, consideramos que a
professora estaria estimulando a participação dos estudantes em práticas fundamentais na
construção do conhecimento científico por cientistas. Esse engajamento oferece
oportunidades para uma maior aproximação entre práticas da ciência escolar e práticas da
ciência acadêmica . Entretanto, essa proposta investigativa, em particular, teve início com a
leitura de um livro de que agrega elementos informativos a elementos de ficção, “O dilema do
bicho-pau” do autor Ângelo Machado.
Levando em consideração as diretrizes do ensino por investigação, mas ampliando o
olhar para as atividades cotidianas dessa sala de aula, foi possível perceber maneiras
particulares dessa professora engajar os estudantes em práticas investigativas, fazendo
conexões entre práticas cotidianas nessa sala e o ensino de ciências – em particular, práticas
de leitura já instauradas no grupo.
É através da leitura de um livro infantil onde o personagem principal tem família, fala,
tem sentimentos entre outros aspectos relacionados a fantasia e imaginação que os estudantes
iniciam um movimento de estudar aspectos da biologia do bicho-pau priorizando o exercício
de observação, registro e discussão de significados. A professora, nesse processo, introduz
novos “fazeres” em sala de aula, mas também se apropria desses elementos próprios da faixa
etária dos estudantes, para engajá-los na proposta investigativa. Essa forma de engajamento
dá luz a possibilidades de como esse ensino pode ser nos anos iniciais, mostrando que até
mesmo elementos de fantasia podem contribuir para o ensino de ciências nos anos iniciais.
6739
SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia
Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014
V Enebio e II Erebio Regional 1
Um aspecto interessante dessa proposta é o clima de “mistério” que estimula a
curiosidade dos estudantes antes da leitura. Ela faz isso de diversas formas. Ela esconde partes
do livro, estimula lembranças de situações relacionadas a leitura de outros livros e estudos
sobre animais e também faz perguntas. Como exemplo, ela inicia a aula mostrando uma caixa
verde para a sala, sem contar o que o livro estava escondido dentro dela. Ela mostra esse livro
aos poucos, tirando-o da caixa, mostrando a parte de trás e por último a capa. Ao observar o
bicho-pau ilustrado na capa, os estudantes falam sobre ele e a professora faz novas perguntas
aos alunos. Esses elementos: memória, perguntas e materiais disponíveis na sala são
combinados pela professora de diferentes formas para criar um ambiente de leitura que
desenvolve o interesse dos alunos sobre o livro e contribui para focar o olhar dos estudantes
para o bicho-pau. Esse clima de mistério iniciado pela professora é bem recebido pelos alunos
e culmina com os estudantes levantando perguntas sobre o bicho-pau. Isso indica que antes
mesmo da leitura do livro na íntegra, os estudantes engajam-se com o conteúdo do livro. Esse
engajamento consiste em principalmente levantar questões para aquele texto e mobilizar
conhecimentos que os alunos tem sobre o bicho-pau. As perguntas dos estudantes estão
sistematizadas na Tabela 02.
Esse clima de mistério culminou de forma semelhante após a leitura do livro. A
professora havia construído com os alunos um viveiro de bichos-pau com os estudantes. Eles
estavam observando diariamente os bichos-pau quando encontram no viveiro um material não
identificado. A possibilidade de que um dos animais estivesse morto gerou grande expectativa
no grupo. Novamente, a professora
estimulou os alunos a dar sentido ao “corpo
desconhecido” através de muitas perguntas, conduzindo o olhar dos estudantes para o viveiro,
o “corpo” e ao que já conheciam sobre o bicho-pau. Nessa situação, fica evidente a
importância das perguntas em estimular o esclarecimento de ideias no coletivo e oportunizar
reflexões. Essa importância não está em uma resposta “única e verdadeira”, mas pelo
movimento que imprime os estudantes a buscar o conhecimento. Posteriormente, as
atividades de observação e registros diários do viveiro ajudou a produzir elementos para
esclarecer que o corpo não era decorrente da morte de um dos bichos-pau, nem do nascimento
de um outro, mas da “muda” do bicho-pau menor. Nessa discussão, os estudantes tem
oportunidades de discutir aspectos do crescimento e reprodução de bichos-pau através de um
movimento iniciado pela dúvida e que incorporou práticas investigativas no processo de
estudo.
6740
SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia
Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014
V Enebio e II Erebio Regional 1
Tabela 02: Perguntas elaboradas pelos estudantes durante a leitura do livro “O dilema do
bicho-pau”.
1. O que ele come?
2. O que ele bebe?
3. O que ele come de fruta?
4. O que ele faz?
5. Por que ele come folha?
6. Porque ele gosta de se esconder
dos outros?
7. Por que ele é marrom?
8. O que ele faz da vida?
9. Como ele toma banho?
10. Por que ele parece um palito?
11. Como ele se camufla?
12. Como ele caça?
13. Como ele dorme?
14. Ele pode ir na água?
15. Qual o tamanho dele?
16. Como ele corre?
17. Ele já nasce grande?
18. De quem ele nasce?
19. Onde ele vive?
20. Na vida real ele tem olho?
21. Por que ele tem tantas pernas?
22. Será que ele tem rabo?
23. Será que tem orelha?
24. Quantos anos ele tem?
25. Por que os olhos são amarelos?
26. Por que ele tem bigode?
Outro elemento presente durante o desenvolvimento da proposta investigativa, foram
aspectos de antropomorfismo e de dimensões afetivas dos alunos. Como exemplo, ao final da
primeira parte do livro, quando os estudantes são convidados a fazer perguntas sobre o bichopau, uma estudante quer saber se ele (o bicho) teria amigos. As perguntas elaboradas estão na
Tabela 02. Além desses elementos, a fantasia também está presente no discurso dos alunos e
contribui para dar sentido às informações do livro. Ao perguntar se na vida real, o bicho-pau
tinha olhos, esse aluno estimula a professora iniciar uma discussão com a turma sobre a
veracidade do livro que estavam lendo e como saber se esse livro contava mentiras ou
verdades sobre o bicho-pau.
Esse desafio de saber como o animal é “de fato” contribuiu para o desenvolvimento da
proposta investigativa quando a professora decidiu construir um viveiro com bichos-pau em
sala de aula e desenvolver observações sistemáticas desses animais com a turma. Quando o
viveiro chega em sala de aula, os estudantes estão muito interessados em observar a “família”
de bichos-pau e tem oportunidade de reparar diversos aspectos de sua biologia: as diferenças
entre eles, a forma como se locomovem, comem e a grande quantidade de cocô que se
6741
SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia
Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014
V Enebio e II Erebio Regional 1
acumula no viveiro. A professora solicita atividades de registro para sistematizar a observação
dos estudantes. Dessa forma, aspectos relacionados ao corpo desses bichos foram
esclarecidos. A professora contrasta os desenhos que eles fizeram antes de conhecer o bichopau e depois de observá-lo no viveiro. Os alunos usam desenhos, textos e mímicas para
explicar o que estão vendo no viveiro. Além de partes do corpo, atividades de observação, de
registros e compartilhamento e discussão de informações também possibilitaram apontar
diferenças que antes não eram percebidas entre fezes e ovos de bicho-pau.
Os elementos de antropomorfismo, afeto e fantasia permaneceram presentes do
decorrer das atividades investigativas e são apropriadas pela professora para estimular o
interesse dos alunos em estudar o bicho-pau. Como exemplo, tão logo os estudantes terminam
de ler o livro, a professora ao introduzir a possibilidade de ter um viveiro com bicho-paus em
sala com uma pergunta: “Imaginem que eu trouxe um bicho-pau. O que precisamos ter em
sala para que o bicho-pau viva bem?”. As respostas dos alunos são apresentadas na Tabela 03.
Posteriormente os elementos de afeto e de antropomorfismo presentes nessas respostas são
usados para discutir as diferenças de tamanho dos animais. As crianças, ao observarem a
família de bichos-pau composta por dois adultos, um macho e uma fêmea, e um filhote jovem,
passam a se referir ao maior deles como o “pai” e ao de tamanho intermediário como “mãe”.
A professora usa essa forma de se referir aos animais para discutir o significado das
diferenças de tamanho entre eles. Por não existir um consenso na turma de porque esses
animais tinham tamanhos diferentes, esses termos passam a ter utilidade nas aulas de ciências
e são usados pela professora para conduzir discussões na sala e estimular os alunos a
opinarem, explicitando os motivos que os levaram classificar esses animais como “pai” e
“mãe”. Além do termo “pai” os estudantes também usam “mais velho” para se referir ao
indivíduo de maior tamanho.
Tabela 03: Elementos importantes para a sobrevivência do bicho-pau levantados pelos alunos.
1. Plantar árvores
2. Dar folhas para ele comer
3. Carinho
4. Trazer a mãe
5. Pegar árvore da matinha
6. Pai
6742
SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia
Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014
V Enebio e II Erebio Regional 1
7. Água, ar
8. Casa
9. Tomar banho e dormir
10. Lugar para fazer xixi e cocô
Outra discussão sobre as necessidades de seres vivos é trabalhada de forma estruturada
quando os estudantes investigam a alimentação do bicho-pau. A professora novamente usa
elementos da memória, relembrando passagens do livro e de situações cotidianas em que os
estudantes falam e fazem coisas no viveiros do bicho-pau para introduzir essa atividade por
meio de uma pergunta. Ela quer saber que outras folhas os estudantes acham que o bicho-pau
poderia comer e usa as sugestões dos alunos para fazer diferentes combinações de folhas no
viveiro. Os estudantes são convidados a observar diariamente as folhas e perceber se foram ou
não comidas pelos bicho-pau. Eles também realizam registros diários sobre o que o bicho-pau
comeu ou não. Essa experiência permitiu ampliar os conhecimentos dos alunos para além dos
conhecimentos do livro que informa que bicho-pau come folhas de goiabeira. Todavia, nosso
trabalho evidencia como a leitura do livro de ficção possibilitou uma “entrada” para a
investigação científica escolar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este relato de experiência aponta para algumas possibilidades de trabalho com
ciências em sala de aula dos anos iniciais
, como a importância construir posturas voltadas
para a investigação. Ao longo do desenvolvimento da proposta investigativa foi possível
perceber diversas transformações na rotina dos estudantes. Essas mudanças foram construídas
pela professora e os alunos através de situações que estimulavam a participação dos
estudantes nas perguntas, na observação, no registro e na reflexão.
A interação da professora com os estudantes em torno da leitura do livro teve um
papel fundamental em criar oportunidades de engajamento em práticas investigativas. A
professora faz isso de diversas formas ao longo do desenvolvimento da proposta investigativa.
Como exemplo, nessa turma, os estudantes frequentemente são convidados a fazerem
registros por meio de desenhos e textos e a compartilharem suas idéias oralmente ou no mural
da sala. Dessa forma, a professora desenvolve uma exercício com a turma de perceber
diferentes idéias e posicionamentos no mesmo grupo. Os registros dos alunos também
participam da definição de novas questões pela professora durante o processo investigativo.
6743
SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia
Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014
V Enebio e II Erebio Regional 1
Outra forma está relacionada a apropriação de conhecimentos e maneiras próprias dos
estudantes falarem sobre bicho-pau. A professora usa-os como recurso para, em alguns
momentos, estimular os estudantes a responderem perguntas e a refletirem sobre os motivos
que os levam a pensar de uma certa forma. Em outros momentos, a professora usa-os para
provocar interesse dos estudantes pelo bicho-pau, gerando expectativas que conduzem a
criação de um ambiente de estudo motivador. Acreditamos que a professora, ao interagir
dessa forma, estaria colaborando para aproximar a ciência escolar dos estudantes.
A diversidade de formas com que estudantes engajam em práticas investigativas e o
desenvolvimento de postura investigativa em uma situação onde alunos e professora
desconhecem o material da muda do bicho-pau aponta para a importância de sensibilizar o
olhar para a sala de aula como um espaço que oferece múltiplas oportunidades de desenvolver
aprendizados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARVALHO, A. M. P. (Org.) ; OLIVEIRA, Carla M Alvarenga de (Org.) ; SCARPA, D. L.
(Org.) ; SASSERON, L. H. (Org.) ; SOUZA, Luciana Sedano de (Org.) ; Bastitoni e Silva, M.
(Org.) ; ABIB, M. L. (Org.) ; Briccia, Viviane (Org.). Ensino de Ciências por Investigação.
São Paulo: Cengage Learning, 2013.
CASTANHEIRA, M. Aprendizagem contextualizada: discurso e inclusão na sala de aula.
Belo Horizonte: Ceale/Autêntica, 2004.
DRIVER, R; ASOKO, H.; LEACH, J.; MORTIMER, E. F.; SCOTT, P. Construindo o
conhecimento científico em sala de aula. Química Nova na Escola, n.9, p.31-40, 1999.
GREEN, J.; DIXON, C.; ZAHARLICK, A. A etnografia como uma lógica de investigação.
Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 42, p. 13-79, 2005.
HALLIDAY, M.; MARTIN, J. Literacy and discursive power. London: Falmer Press, 1993.
JENNINGS, L., MILLS, H. Constructing a discourse of inquiry: Findings from a five-year
ethnography at one elementary school. Teachers College Record, v.111, n.7, p. 1583-1618,
2009.
6744
SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia
Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014
V Enebio e II Erebio Regional 1
JIMÉNEZ-ALEIXANDRE, M.; ERDURAN, S. Argumentation in Science Education: An
Overview. In: Argumentation in Science Education: perspectives from classroom based
research. Springer, 2007.
MASKIEWICZ, A.; WINTERS, V. Understanding the Co-Construction of Inquiry Practices:
A Case Study of a Responsive Teaching Environment. Journal of Research In Science
Teaching, v.49, n.4, p.429-464, 2012.
MORTIMER, E. Sobre chamas e cristais: a linguagem cotidiana, a linguagem científica e o
ensino de ciências. In: CHASSOT, A.; OLIVEIRA, R.J. (Orgs.). Ciência, ética e cultura na
educação. São Leopoldo: Unisinos, 1998.
MUNFORD, D.; LIMA, M. Ensinar ciências por investigação: em quê estamos de acordo?
Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências. v.9, n.1, 2007.
MUNFORD, D.; SOUTO, K.; NEVES, V; BOSCO, C. A disciplina escolar Ciências nas
séries iniciais do Ensino Fundamental: reflexões a partir de uma experiência de colaboração
entre educadores e pesquisadores. Revista da SBEnBIO, v.4, p.10-14, 2011.
NORRIS, S., PHILLIPS, L. How literacy in its fundamental sense is central to scientific
literacy. Science Education, v. 87, p.224-240, 2003.
PAPPAS, C., VARELAS, M., BARRY, A.; RIFE, A. Dialogic inquiry around information
texts: The role of intertextuality in constructing scientific understandings in urban primary
classrooms. Linguistics and Education, v.13, n.4, p.435-482, 2003.
PRAIN, V.; HAND, B. Writing and learning in secondary science: Rethinking practices.
Teaching and Teacher Education, v.12, n.6, p.609-626, 1996.
6745
SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia

Documentos relacionados

Baixar PDF

Baixar PDF e criados pelo homem (político, social, econômico, científico-tecnológico e histórico). O ambiente deve ser estudado numa abordagem holística, do todo, considerandose todos os aspectos que afetam d...

Leia mais

PROPOSTA DE UM JOGO DE TABULEIRO SOBRE O TEMA

PROPOSTA DE UM JOGO DE TABULEIRO SOBRE O TEMA vida em grupo); e a motivação (envolvimento da ação, do desfio a aproximação dos alunos ao conhecimento científico), o que os possibilita uma vivência virtual de solução de problemas que são muitas...

Leia mais