TRABALHO E TRANSITORIEDADE TECNOLÓGICA

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TRABALHO E TRANSITORIEDADE TECNOLÓGICA
TRABALHO E TRANSITORIEDADE TECNOLÓGICA: AS COMPRESSÕES
DA MUDANÇA NUM CONTEXTO DE GLOBALIZAÇÃO
Renato Dias Baptista∗
RESUMO: A globalização e as tecnologias recompõem corporações de todos os setores
e inter-relacionam a aquisição de equipamentos com a exigência de padrões
comportamentais de alta flexibilidade. Há uma categórica interface entre tecnologia e
comportamento que foi estimulada pelo desenvolvimento da microinformática e da
automação e, neste ponto, como principio estratégico, as organizações arraigam a
exigência de trabalhadores que absorvam as novas técnicas gerenciais e métodos
ecléticos de execução das tarefas. Tornou-se um sacramento corporativo, e como tal,
pouco compreendido, mas impregnado de explicitas abordagens que engendram o
controle. A complexidade da pesquisa tem como suporte, o estudo da comunicação, da
cultura, da psicologia organizacional e do trabalho, dos sistemas de produção e redes
digitais, das políticas industriais de desenvolvimento tecnológico e da globalização para
poder comprovar que a comunicação e cultura organizacional são fatores determinantes
na compreensão dos impactos da transição tecnológica no trabalho e no trabalhador.
Para investigar os problemas apresentados utilizaremos além do levantamento,
fichamento e revisões bibliográficas, questionários de pesquisa qualitativa e quantitativa
em organizações de grande porte localizadas no Estado de São Paulo e entrevistas com
os executivos responsáveis pela gestão de pessoas e aquisição tecnológica.
Psicólogo, Mestre em Comunicação pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Doutorando em
Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo ( PUC/SP) Professor da
Universidade Paulista. Bolsista CAPES. E-mail: [email protected]
∗
2
Introdução
No ambiente corporativo a cultura é o ponto de conexão numa complexa relação
entre comunicação, tecnologias e pessoas. Tal qual um micromundo, a empresa é
concebida como um sistema que recebe entradas e insumos das variáveis externas –
stakeholders – e que Mattelart e Mattelart (2005) caracteriza como sociedade orgânica.
Para Hofstede (2003) há diferenças de cultura nas sociedades e organizações em
questões ligadas à tecnologia e a globalização, aos fenômenos do choque cultural, o
etnocentrismo, os estereótipos e as diferenças de linguagem e a comunicação
intercultural. Também estão submetidas nessa análise a subcultura, a socialização e
civilização nos conceitos de Geertz (1989) e Cuche (2002).
Essas transformações impõem novos paradigmas e conduz ao que Trivinho
(2001) define como dromoaptidão própria; a capacidade de sintonia com a velocidade
estrutural das mudanças; uma convergência na ênfase da relação entre cultura e
comportamento destacados por Kroeber (1993).
Para Deal e Kennedy (1997), Hofstede (2003) e Adler (2005), a mudança é
concebida como um conceito de controle fomentado pelas tecnologias e pela
globalização, que por sua vez, reconfiguram comportamentos e comunicações no
interior das empresas. A velocidade é imperativa e requer a flexibilização humana,
freqüentemente caracterizada como um recurso congênito, algo que deve adaptar-se a
“excelência microeletrônica” num ambiente on-line que “oblitera o espaço em prol da
primazia do intervalo” (Trivinho, 2001), que “caracteriza uma ditadura do tempo real ,
a sociedade do zapping e dos clips nos quais vivem intensamente sem duração na busca
3
de resultados de eficácia imediata” (Aubert, 2003), são tecnologias elevadas à
dignidade de um conceito (Chesneaux, 1996).
Reconfigura-se o ciclo de vida do produto num mundo que Trivinho (2001)
caracteriza como tecnosimbólico e que envolve uma tecnoaculturação.
A obsoleta “fabricação” manifesta elementos primordiais da criação tecnomental
(techno-mindfacture), que descansa basicamente no comando computadorizado e em
unidades produtivas non attended, das quais estão ausentes os operadores (Dreifuss,
1996).
É uma corrida do mundo fugaz (Chesneaux, 1996), uma obsessão pela
automatização e pela racionalização organizacional (Lacoste, 2005), um novo
darwinismo (Kurz, 1998).
RESULTADOS PRELIMINARES
O downsizing fomentou um redesenho de códigos e significados da realidade
organizacional e impõe processos comunicacionais associados às novas tecnologias
cada vez mais velozes e ameaçadores de exclusão que, por sua vez, exigem um
repertório cognitivo antagônico aos modelos mecanicistas.
Nesse contexto, quanto maior o intervalo entre a tecnologia utilizada pela
empresa e o padrão tecnológico atual – gaps -, maiores são os impactos sobre os
trabalhadores.
Em uma das amostras pesquisadas, denominada aqui como Madex1, empresa de
grande porte que pertence ao setor moveleiro revelou-se um significativo gap
tecnológico. Havia uma alta resistência cultural-comportamental que interferia nos
níveis operacionais; a tecnologia era associada pelos operários como, perda do emprego
e como um oponente a ser eliminado. As sabotagens – danificação de equipamentos –
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morosidade na implantação e na absorção das informações, conflitos entre equipes e
desmotivação eram acentuados. Essas manifestações foram controladas por mecanismos
autoritários que deflagraram inúmeras demissões.
Os primeiros dados demonstram que esse gap incorpora comportamentos
condicionados aos modelos corporativos. A ruptura que impacta no trabalhador é
observável nas freqüentes pesquisas de clima organizacional; um mecanismo de
medição utilizado pelas empresas que é caracterizado, conforme Coda (1997) como um
instrumento de coleta de informações pelo qual é possível atender mais de perto às
necessidades da empresa e do quadro de funcionários a sua disposição, à medida que
caracteriza tendências de satisfação ou de insatisfação, tomando por base a consulta
generalizada aos funcionários. As informações desse tipo de pesquisa mapeiam estados
motivacionais e estratégia de controle.
A figura 01 caracteriza o distanciamento organizacional e a realidade externa
que é configurada por um sistema antagônico.
Contexto organizacional
Globalização e tecnologias
impõem mudanças na
cultura organizacional e novos
padrões de comportamento. Há
um maior distanciamento da
cultura externa.
Figura 01 - Os gaps entre empresa e ambiente.
Ambiente externo
antagônico, tanto
nos valores como
na capacidade
cognitiva. Cada
novo funcionário
precisa ser
intensamente
aculturado.
Extensão do gap é
variável conforme a
tecnologia da
empresa e a cultura
interna
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As empresas criam um mundo à parte, como uma dilatação do pressuposto
platônico; da caverna para a caverna; da manipulação ao controle. O indivíduo “deve”
entrar numa organização que cria um mundo antagônico que dá forma1 e ansiedade
através de uma velocidade mensurada pelas oscilações do mercado financeiro.
A preocupação com o “lado humano”, que é uma falácia de muitos
administradores, está diretamente relacionada com um retorno liquido e certo dos
investimentos em processos que fomentem mudanças de comportamento e adequações
em um sistema on-line de mudanças.
O custo humano (um elemento em processo de pesquisa) caracteriza-se
inicialmente como um fator de exclusão. “A mudança, explica um executivo de uma
grande corporação metalúrgica, transpõe qualquer obstáculo, mesmo que esses
obstáculos sejam pessoas”.
Há inúmeros dados para serem inter-relacionados na Tese, mas há um
pressuposto que remete a uma nova face da tortura no trabalho, a do immediatu2; aquilo
que não tem nada de permeio, ou numa acepção da palavra, o que não leva em conta o
permeio. E finamente, a ardileza do conceito de flexibilização do comportamento é um
recurso subserviente a um sistema em pressão continua e escorado pelo mercado global.
BIBLIOGRAFIA
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BERLO, D. K. O processo e comunicação: introdução à teoria e à prática. São Paulo:
Martins Fontes, 1985.
CASTRO, N.A. Trabalho e organização Industrial num contexto de crise e
reestruturação produtiva. São Paulo: Perspectiva, vol. 8, 1994.
1
2
Impor uma forma, como numa fôrma.
Imediato, do latim immediatu.
6
DEAL, T. E; KENNEDY, A. Corporate cultures, the rites and rituals of corporate life.
New York: Addison Wesley, 1992.
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