Pares
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Maria de Fátima Almeida Baia Livia Oushiro Ivanete Belém do Nascimento (organizadoras) Anais do XII e XIII Encontros dos Alunos de Pós-Graduação em Linguı́stica da USP Anais dos XII e XIII Encontros dos Alunos de Pós-Graduação em Linguı́stica da USP. São Paulo: Paulistana, 2012, p. 41–52. Pares Antônimos e Prefixos de Negação em Português Brasileiro Sonia Lindblom∗ Resumo O meu foco neste trabalho é discutir o processo de formação de palavras em português. Mais especificamente, eu discuto as propriedades dos prefixos de negação e as diferentes formas antonı́micas relacionadas a eles. Eu examino três prefixos de negação: in-, des- e a-. Os três prefixos são operadores de negação padrão, e, como tal, discuto o que está sob o escopo desses operadores e, consequentemente, o significado das palavras em que eles aparecem. Para explicar as diferentes relações antonı́micas com esses prefixos, eu baseio minha análise basicamente no modelo teórico da Morfologia Distribuı́da (MD). Assim, assumo que palavras, assim como unidades maiores, são formadas na sintaxe (Halle & Marantz 1993). Além do aparato teórico da MD, eu trabalho com as noções de antonı́mia presentes em Lyons (1968). Ao fim da discussão, argumento que o prefixo in- forma pares contrários (antônimos) com sua base, ao passo que os prefixos a- e des- aparecem em diferentes contextos. Quando em contexto nominal, o prefixo a- forma pares complementares com a palavra base, e pares contrários (antônimos), quando em contexto verbal. O prefixo des-, por sua vez, apresenta antonı́mia do tipo recı́procra quando em contexto verbal do tipo de desligar, e contraditória quando em contextos verbais do tipo de desobedecer, em que, argumento, o prefixo se anexa à base antes da categorização. Palavras-chave: Afixos de negação; formação de palavras; morfossitaxe; antonı́mia. Introdução O objetivo geral deste trabalho, como parte da pesquisa de doutorado, é investigar o processo de formação de palavras em português brasileiro para discutir a natureza e função dos afixos nessa lı́ngua. A discussão que farei no decorrer deste trabalho está pautada nos prefixos de negação, mais especificamente na relação desses prefixos com a formação de antônimos nessa lı́ngua. ∗ Trabalho suportado pela Bolsa Capes PDEE (2009/2010). E-mail: [email protected]. 42 Sonia Lindblom Os prefixos a-, in- e des- são prefixos que, segundo a tradição gramatical, agregam significado de negação às palavras da lı́ngua. É possivel dizer que uma das consequências da produção de negação é que palavras com tais afixos podem, com facilidade, formar pares antônimos com a palavra que forma base para a prefixação. Como os pares abaixo mostram: (1) normal : a; feliz: in; humano : des Há, entretanto, casos em que a formação de antonı́mia através da prefixação não é possı́vel. A palavra negativa acéfalo, por exemplo, não corresponde à versão negativa da base *céfalo, uma vez que essa não é uma palavra livre possı́vel (ou correntemente existente) na lı́ngua portuguesa.1 A partir da observação e dos dados iniciais, as questões que norteiam este trabalho se referem às propriedades negativas dos citados prefixos, assim como a relação destes com a formação de antônimos, quando este é o caso. Para investigar tais pontos de discussão, apresento a seguir uma descrição dos prefixos de negação do português brasileiro. O objetivo final será, dessa forma, propor uma análise inicial para os processos de prefixação na lı́ngua com os prefixos de negação. A proposta de análise apresentada neste trabalho se baseia no quadro teórico da Morfologia Distribuı́da (MD) (Halle & Marantz 1993, entre outros). Dentro desse modelo, é possı́vel analisar a formação de palavras como se analisam estruturas frasais maiores. Essa abordagem será particularmente relevante na medida em que a hipótese inicial deste trabalho é a de que cada afixo tem escopo sobre uma parte diferente da estrutura do predicado, originando diferentes significados de acordo com sua posição na estrutura. Este trabalho está organizado da seguinte forma: na próxima seção, apresento a definição de antonı́mia que norteia esta discussão, assim como apresento os pares antônimos do português brasileiro. Apresento em seguida a proposta de formação de antônimos na sintaxe, trazida por Heim (2008) e, logo após, a minha análise para antônimos formados a partir de prefixação. As considerações finais, com um resumo da discussão trazida neste trabalho, trago na seção final. 1 É sempre necessário atentar-se à questão de palavras existentes ou palavras possı́veis numa lı́ngua. Para o presente trabalho, essa questão não vai ser de alta relevância, assim vou considerar a existência da palavra documentada em dicionários ou textos, para considerá-la como válida. Pares Antônimos e Prefixos de Negação 43 Antônimos Para orientar a discussão que se seguirá, farei, primeiramente, uma breve apresentação da noção de antonı́mia adotada neste texto. Essa noção se baseia nomeadamente na discussão sobre relações lexicais presentes em Lyons 1968 (pp. 460ss). Ali, o autor define três tipos de antônimos, que apresento a seguir: No primeiro tipo, encontram-se as relações Complementares. Nesse grupo, estão as palavras, que quando justapostas, a negação de uma implica a afimação de outra. Este é o caso, por exemplo, do par morto : vivo, em que, ao se negar de um indivı́duo que ele não está morto, se afirma, por conseguinte, que ele está vivo. No segundo tipo de relação antonı́mica, definem-se as palavras antônimas. São consideradas antônimas duas palavras em que, quando em relação de oposição, a afirmação de uma implica na negação de outra, mas a negação de uma não implica na afirmação de outra. Nesse caso, encontram-se pares como quente : frio. Uma substância que está fria, não estará, ao mesmo tempo, quente. Mas, em não estando quente, não é verdade que esta esteja fria. O terceiro e último tipo de antônimos definido por Lyons (1968) é aquele que engloba palavras recı́procras. Pares do tipo de dar : receber são representativos desse último tipo, em que a afirmação de um termo implica a existência de outro, bidirecionalmente. Assim, ao se afirmar dar, implica-se a existência de receber, e vice-versa. A relação de reciprocidade unidirecional é também possı́vel, como no caso de pares do tipo vender : comprar, em que ao afirmar-se de um indivı́duo que ele vende algo, não há existência necessária de uma compra efetuada. Pares antônimos em português As formas antonı́micas do português podem ser expressas de duas maneiras diferentes: por dois radicais diferentes, como em pares como bonito : feio; ou por marcação afixal, com prefixos de negação, como em feliz : infeliz. Pares antonı́micos do último tipo é que serão de interesse direto para a presente discussão, uma vez que eles serão de relevância para o estudo da afixação na lı́ngua portuguesa. A seguir, apresento contextos mais detalhados de formação de antônimos agrupados segundo os três prefixos de negação, a começar pelo prefixo a-: 44 (2) Sonia Lindblom Antônimos com prefixo aAdjetivo: anormal : normal ; acrı́tico : crı́tico Nome: anormalidade : normalidade, Verbo: assexualizar : sexualizar A oposição existente entre assexual e sexual é nomeadamente uma oposição de complementariedade, em que, ao se dizer de um indivı́duo que ele é sexual, nega-se que ele seja assexual, e vice-versa. Essa relação, entretanto, não é observada no par verbal assexualizar : sexualizar. (3) Os psicanalistas sexualizam as brincadeiras infantis. (4) Os psicanalistas assexualizam as brincadeiras infantis. Ao passo que a afirmação de (3) implica a negação de (4), não é possı́vel dizer que a negação de (3) implica a afirmação presente em (4) nem o caminho contrário é possı́vel, com a negação de (4) implicando na afirmação de (3). Portanto, o par assexualizar : sexualizar não forma um par de complentares, mas sim um par de antônimos. Consideremos, agora, as palavras formadas com o prefixo des-: (5) Antônimos formados a partir do prefixo desAdjetivo: descontente : contente; desleal : leal ; desonesto : honesto; Nome: descontrole : controle; desamor : amor ; desafeto : afeto; Verbo: desligar : ligar ; desinchar : inchar ; descalçar : calçar. A observação das relações de oposição de des- em (5) mostra que as formações com esse prefixo podem ser de dois tipos: tanto complementares quanto antonı́micas. O primeiro tipo é observado em pares do tipo desobedecer : obedecer, mostrado em (6), o segundo é visto em pares do tipo desligar : ligar, em (7). (6) O chefe deu uma ordem, você obedece ou desobedece/ não obedece. (7) Se você ligar o rádio, eu vou desligar / # não ligar. Como pode ser visto em (6), desobeder pode aparecer no mesmo contexto que não obedecer, o que significa, portanto, que ao negarmos obedecer, afirmamos desobedecer. A partir dessa observação, é possı́vel dizer que desobedecer está em relação de complementaridade com obedecer, seguindo a classificação de Pares Antônimos e Prefixos de Negação 45 Lyons (1968). Essa relação, contudo, não se observa entre desligar e ligar, em (7). Na sentença em questão, desligar não pode ser usado no mesmo contexto em que não ligar. Assim, é possı́vel dizer que a negação de ligar não implica a afirmação de desligar. Por outro lado, a afirmação deste implica a existência daquele, ou seja, ato de desligar só pode se dar a partir de algo que esteja ligado:2 (8) Se você desligar o rádio, eu vou ligar de novo. O tipo de relação entre desligar e ligar é, portanto, do tipo das relações que Lyons (1968) chamou de recı́procras. Essa não é uma relação do tipo da observada em (3) e (4), uma vez que, ali, para assexualizar algo, é preciso que tal seja sexual, e não que precise ser sexualizado primeiro. Finalmente, apresento o terceiro e último grupo de antônimos, que é aquele formado a partir do prefixo in-: (9) Antônimos com o prefixo inAdjetivo: infeliz : feliz ; incapaz : capaz ; insatisfeito : satisfeito Nome: incapacidade : capacidade; infelicidade : felicidade ; inexistência : existência. Verbo: invalidar : validar ; inadmitir : admitir ; incapacitar : capacitar. As palavras com o prefixo in-, em geral, formam oposição antônima com as palavras são base para a prefixação. Importante observar, como aponta Lyons (1968), que uma sentença contendo um membro de um par de antônimos está em relação de contrariedade - e não de contraditoriedade, portanto - com a sua contraparte. É o que se observa em (10) e (11), em que incapacitar tem significado diferente de não capacitar (10) O treino não capacitou o atleta porque foi insuficiente/ # porque ele se machucou. (11) O treino incapacitou o atleta porque ele se machucou/ #porque foi insuficiente É possı́vel dizer, a partir da sentença em (11), que incapacitar tem o significado de tornar incapaz. Relação antonı́mica, então, pode-se dizer que 2 A necessidade da existência de um ato de ligar anterior pode ser controversa ou diferenciada de acordo com o verbo prefixado. Para efeitos desta argumentação, entretato, vou assumir que para chegar a um estado s representado pelo particı́pio, o evento denotado pelo verbo precisa ter acontecido de alguma forma, em algum momento do passado. 46 Sonia Lindblom se dá entre os adjetivos incapaz e capaz, e não entre os verbos incapacitar e capacitar. Essa observação vai de encontro à proposição de Lehrer & Lehrer (1982) de que relações de antonı́mia puras se dão apenas entre adjetivos (Cf. Charles & Miller 1989). Antonı́mia e formação de palavras Trabalhos anteriores já propuseram tratar as relações antonı́micas para a investigação dos processos de formação de palavras. Entre eles, vale citar o trabalho de Heim (2006). A autora aponta a possibilidade de as especificações antonı́micas estarem codificadas no item lexical. Tais relações são determinadas por operações de negação (de predicado). Segundo tal perspectiva, tais relações não têm nenhuma relevância sintática. Essa proposta pode ser válida apenas ao se considerar as relações antonı́micas opacas e não dá conta das especifidades de cada prefixo de negação e suas consequências para a formação de antônimos. Posteriormente, e seguindo proposta presente anteriormente em Büring (2007), Heim (2008) propõe o que a ela chama de syntactical negation theory of antonymy (teoria da negação sintática da antonı́mia). Neste trabalho, assim como no trabalho de Büring (2007), a autora defende que a relação antonı́mica de pares de adjetivos graduáveis como slow (devagar) e fast (rápido) se daria composicionalmente a partir da associação da forma fast, considerada pela autora neutra, com um item abstrato little. Assim, o significado de slow se deriva de little + fast. (12) Pollyi needs [to i drive er little fast] than Larry needs to drive Polly precisa [dirigir comp.3 little rápido] que Larry precisa dirigir A sentença em (12) é considerada, pelos autores, como a base para formação tanto de (13) quanto de (14). (13) Polly needs to drive less fast than Larry needs to drive. ‘Polly precisa dirigir menos rápido que Larry’ (14) Polly needs to drive more slowly than Larry needs to drive. ‘Polly precisa dirigir mais devagar que Larry’ 3 COMP. = comparativo Pares Antônimos e Prefixos de Negação 47 A proposta de Heim (2008) funciona para adjetivos graduáveis opacos em contextos comparativos, mas não é muito atrativa para explicar sentenças com tais adjetivos em contextos atributivos simples, como (15): (15) Polly’s car is slow. O carro de Polly é devagar. Além de não ser atrativa para explicar (15), a proposta de Heim (2008) também não explica os casos de antonı́mia formados por meio de negação. Isso se dá por conta da natureza visivelmente negativa dos prefixos em português, pelo menos nos casos de contraditoriedade e antonı́mia, o que é incompatı́vel com o morfema abstrato little que tem caracterı́stica mais comparativa. Formação de antônimos na sintaxe a partir de prefixação Considerando o objetivo central deste trabalho de estudar as relações de oposição que se originam da prefixação com prefixos de negação, passo agora a discutir tal processo de formação de palavras. O processo de formação de palavras assumido nesta discussão se dá também sintaticamente e é norteado pelos mesmos princı́pios que regulam a formação de estruturas maiores (Marantz 1997). A negação expressa pelos prefixos a-, in- e des- será, assim, representada em estruturas sintáticas especı́ficas e, dessa forma, geram-se os diferentes tipos de antonı́mia observados na subseção “Pares antônimos”. O quadro teórico que norteia essa discussão, a MD, assume que as regras de formação de palavras são, na verdade, regras transformacionais e as mesmas estruturas hierárquicas para frases complexas se aplicam a palavras (Halle & Marantz 1993). Nesse modelo, apenas informações sintaticamente relevantes são encontradas na sintaxe. Isso é dizer que para um elemento aparecer na sintaxe, ele tem de ter traços e/ou requerimentos de importância para o componente sintático. Excluem-se da sintaxe, assim, sons e informações exclusivamente relativas à interpretação. Os sons são inseridos tardiamente, pelo processo chamado de Spell-out ou inserção de vocabulário, em que itens de vocabulário combinam os nós sintáticos aos sons que melhor os realizam. Nesta seção, primeiro apresento com mais detalhes as ferramentas 48 Sonia Lindblom desse modelo teórico que serão úteis para a discussão que se segue sobre as estruturas em que se inserem os prefixos de negação. Proposta Ao abrir este trabalho, duas questões foram colocadas. Em primeiro lugar, apontei o questionamento a respeito das formas antônimas com os prefixos de negação, a segunda, como se dá o processo de formação de palavras a partir desses prefixos de negação. À primeira delas, acredito, ter já uma resposta razoável, ao passo que a segunda questão será discutida no decorrer desta seção. Quanto à relação dos prefixos de negação com antonı́mia, primeiramente mostrei acima que o prefixo a- resulta em adjetivos complementares à forma não afixada, e em verbos antônimos à base. Em seguida, as formas com prefixo in- são antônimas às suas bases. Por último, as formas verbais com prefixo des- apresentam dois tipos de antonı́mia: formas complementares e formas recı́procras. O segundo questionamento, decorrente do tema discutido neste trabalho e do quadro teórico escolhido para a análise é: Como explicar negação interna a palavras numa proposta não-lexicalista como é a da MD? Duas afirmações são base para a resposta: (i) o prefixo de negação necessita entrar em relação hierárquica com outros componentes da palavra ou do predicado formado; (ii) diferentes estruturas e especificações resultam na inserção de itens de vocabulário diferentes, assim como em diferente interpretação para tais estruturas. Duas hipóteses podem apontar um caminho para explicação dos fatos observados até agora e para responder à segunda pergunta desta discussão. A primeira delas é a de que existem estruturas sintáticas para cada um dos contextos antonı́micos com prefixos de negação. A outra hipótese que vou seguir é a de que o prefixo des- é uma forma vaga, que não tem especificação para um ou outro tipo de antonı́mia (cf. Halle 1997 sobre o princı́pio do subconjunto). Ou seja, des- seria uma forma negativa menos especificada do que os prefixos a- e in-, e assim, pode ocorrer nos contextos de negação em que esses dois outros prefixos não se aplicam. Uma importante vantagem dessa solução é a de que as relações antonı́micas podem ser explicadas de Pares Antônimos e Prefixos de Negação 49 forma sistemática e as diferenças semânticas observadas para tais prefixos, incluindo-se as diferentes interpretações para des-, podem ser observadas na sintaxe. Posição Sintática Para explicar os dados apresentados acima, sigo um percurso diferente do de Heim (2008) e Büring (2007), em argumentando que as relações de antonı́mia, enquanto sintaticamente construı́das, são expressas a partir da combinação da base neutra a um nó neg (negação). A aplicabilidade dessa análise para antônimos sem prefixos deve ser alvo de outro estudo, já em andamento, no âmbito da tese que estou desenvolvendo. Por ora, basta-me a observação de que esse nó neg é realizado por um dos prefixos discutidos neste trabalho. A relação entre os diferentes tipos de antonı́mia relacionados aos prefixos de negação pode ser explicada pela identificação do elemento sobre o qual o prefixo de negação em questão tem escopo. Mioto & Silva (2009) argumentam que os prefixos de negação in- e des- fazem seleção da categoria à qual eles se anexam, estando a presença do prefixo in- condicionada a adjetivos; enquanto o prefixo des- aceita tanto adjetivos quanto verbos. Na mesma linha de raciocı́nio, Rocha (2009) mostra que a categorização da raiz, realizada durante a derivação sintática, tem efeito direto sobre o signficado do predicado e sobre a realização do prefixo de negação. Palavras formadas pela adição do prefixo a-, em geral, são adjetivos que significam privação da base. Em assexual, por exemplo, tem-se um atributo de ser sem sexo; em anormal, tem-se algo ou alguém que está fora da norma. O prefixo a-, portanto, nega um nome n. Como não é possı́vel haver meio termo entre a presença ou ausência de um nome, é natural que as relações antonı́micas com tais nomes sejam do tipo complementar, em que a negação de nome, significa a afirmação de a+nome (sem nome), e vice-versa. Não é mera coincidência que o prefixo in- forme geralmente antônimos com suas bases. Esse prefixo está relacionado a adjetivos e, como apontado por Lehrer & Lehrer (1982), os antônimos prototı́picos são adjetivos. Lehrer (1985) aponta a gradabilidade (caracterı́stica de certos adjetivos) como uma caracterı́stica forte desses antônimos que formam relações de contrariedade com o seu par positivo. Nos dados apresentados em (9), mostro o prefixo in- em relação com nomes, adjetivos, assim como verbos. O que acontece, 50 Sonia Lindblom entretanto, é que nomes e verbos, naquela lista, são formados a partir de bases adjetivais já contendo a negação. Observe, por exemplo, o caso do nome inacababilidade. Não é verdade que esse nome seja o par contrário (antônimo) de *acababilidade, uma vez que tal palavra não existe. A estrutura para palavras formadas com prefixo in- deve ser algo que preveja a afixação desse prefixo a uma estrutura adjetival, essa estrutura deve ser semelhante a (16): (16) inacababilidade: [N [NEG in[ [ã acab ]ADJ avel ] ]idade ] Na estrutura acima, o prefixo se adjunge a um adjetivo, antes da estrutura receber. Isso é dizer que o que o prefixo nega é, na verdade, as propriedades adjetivais da palavra. O prefixo des-, por outro lado, modifica/nega certas propriedades dos verbos, quando em contextos como desligar ; e propriedades da raiz, quando em contextos como desobedecer. Em pares como desligar : ligar, o membro prefixado sempre implicará a existência do membro sem prefixo ou o estado resultante desse membro. Assim, desligar pressupõe a existência de ligar ou do estado ligado, uma vez que não é possı́vel desligar algo que não esteja no estado ligado. Nesse sentido é que esta ocorrência do prefixo des- forma antônimos recı́procos com seu par não prefixado. A estrutura simplificada para uma palavra com esse prefixo seria algo como (17):4 (17) desligar: [NEG des[V [lig ] ar ] ] A segunda ocorrência de des-, como apontada acima, forma pares contraditórios, isto é, antônimos complementares, com a palavra base. Nesses contextos, o prefixo nega não um estado derivado de um evento, mas nega-se o conceito central do verbo ele mesmo. Em outras palavras, a negação se anexa direto à raiz, antes que esta seja categorizada: (18) desobedecer: [V [NEG des[obed ] ecer5 ] ] Essa solução permite ainda explicar a ocorrência desse sentido do prefixo 4 Em discussão mais detalhada, em Lindblom (a sair), sobre a estrutura de predicados com des-, demonstro que o nó que esse prefixo realiza é, na verdade, núcleo de uma projeção ResP, seguindo o modelo de Ramchand (2003). 5 Para esta discussão, não me atentarei às minúcias do sufixo -ecer, apenas assumo que ele é componente da forma verbalizada desobedecer. Pares Antônimos e Prefixos de Negação 51 des-, em nomes do tipo desamor, e adjetivos como descontente, uma vez que não se identifica (ao menos em primeira instância) nenhum sentido verbal nessas palavras. Explica ainda porque nos contextos nominais como desamor, o prefixo a- não é possı́vel, uma vez que não é o nome que está sob o escopo desse prefixo, e assim, des- e a-, ambos significando complementariedade não concorrem entre si para formação de palavras. Considerações Finais No decorrer do trabalho, duas questões foram discutidas: a formação de antônimos a partir de prefixos de negação em lı́ngua portuguesa e as consequências dessa relação para os estudos de prefixação. Como a descrição dos dados mostrou esses prefixos resultam em diferentes relações antonı́micas. O prefixo in-, tipicamente adjetival, forma antônimos contrários (antônimos propriamente ditos) com suas bases. Os prefixos a- e des-, por sua vez, podem aparecer em dois contextos. O primeiro forma antônimos complementares (contraditórios) com as bases em contexto de adjetivo (denominal), e antônimos contrários em contextos verbais (verbos deadjetivais). O último, por sua vez, prefixo des-, forma antônimos recı́procros com as bases em contextos verbais e antônimos complementares quando anexados a raı́zes. Os verbos, nesse último caso, devem ser eles todos formados a partir da anexação de des- à estrutura. As observações a partir da descrição dos dados permitiram suportar a hipótese aventada no inı́cio da discussão de que a diferença entre tais prefixos se explicaria sintaticamente. Cada prefixo, ou ocorrência deles, realiza o nó neg em uma posição diferente na estrutura sintática, como demonstrado na seção anterior. Alguns pontos não ficaram resolvidos nesta discussão. Eles estão sendo alvo de investigação no âmbito mais amplo da pesquisa de doutorado. É necessário explicar como se dá o fato de o prefixo a- formar adjetivos, a partir de sua prefixação a bases nominais. É necessário também analisar se a solução para formação de antônimos a partir de prefixação se aplica também a antônimos opacos do tipo alegre : triste. Abstract My focus in this paper is to discuss the word formation process in Brazilian Portuguese 52 Sonia Lindblom (BP). More specifically, I discuss the properties of negation affixes and examine three different negation affixes in BP: des- as in descansar ‘to rest,’ in- as in infeliz ‘unhappy,’ and a- as in anormal ‘abnormal.’ The three of them are standard negation operators and, as such, I discuss what is under the scope of such negation and, consequently, the meaning of the words in which they appear. In order to explain the different meanings triggered by these prefixes, this analysis is mainly based on the Distributed Morphology framework; I assume that words, as well as bigger units, are built in the syntax (Halle & Marantz 1993). I also work with the notions of antonymy as in Lyons (1968). I argue that the prefix in- forms antonyms (contrary pairs) with its base word, whereas the prefixes a- and des- appear in different contexts: a- has complementary meaning when attached to a noun and antonymic when in verbal contexts; des- forms reciprocal antonymy when in verbal contexts such as in desligar, and contradictory when in verbal contexts such as desobedecer ‘to disobey,’ in which the prefix is attached to the base before categorization. Keywords: negation affix; word formation; morphossyntax; antonymy. Referências Büring, D. More or Less. California: UCLA, 2007. (Manuscrito) Charles, W. G.; Miller, G. A. Contexts of antonymous adjectives. Applied Psycholinguistics 10, v. 3, 1989. Heim, I. Decomposing Antonyms? In: Grønn, Atle (ed.), Proceedings of SuB12, Oslo: ILOS, 2008 Lehrer, A. Markedness and Antonymy. Journal of Linguistics 21(2).Cambridge: Cambridge University Press, 1985. Lehrer, A.; Lehrer, K. Antonymy. Linguistics and Philosophy 5, 1982. Lyons, J. 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