Matéria premiada

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Matéria premiada
capa
NOSSOS PRESÍDIOS EST
PRODUZINDO MONSTR
4
AFP
DOMINGO, 19 DE JANEIRO DE 2014
Acontece de novo. A foto
mostra agentes penitenciários
recolhendo duas cabeças
em 2011. Na ocasião, 14
presos foram decapitados
no Estado. A diferença do
acontecimento deste ano
é que o mundo parou para
olhar o futuro país da Copa
mais de perto
Veja o vídeo.
Cenas fortes:
Vídeo gravado dentro
de cela no Maranhão
choca ao mostrar
detentos decapitados.
Em pleno ano da Copa,
o Maranhão chama
atenção do mundo
e pede socorro
Amanda Aron [email protected]
Compartilhe: universal.org/28423
O
que
acontece
quando o homem
é privado de sua
humanidade? O
resultado é um vídeo com
cerca de 2 minutos e meio
produzido pelos detentos
do Complexo de Pedrinhas,
em São Luís, no Maranhão.
As cenas são fortes o suficiente para chocar até os
fãs dos mais violentos filmes
de terror, incluindo cabeças
decepadas exibidas como
troféus. Não dá para ver o
rosto dos presos que participaram da filmagem, apenas
se ouve o riso e o sarcasmo
deles enquanto chutam e pisam nos corpos degolados.
Não é novidade para ninguém a degradante situação
em que se encontram os presídios no Brasil. Com a quarta maior população carcerária do mundo, as celas estão
superlotadas. Faltam camas,
falta água, falta comida e,
por fim, falta o mínimo para
um ser humano sobreviver
como gente. Quem está lá
perdeu a liberdade porque
não soube lidar com ela e
precisa pagar pelo que fez.
Contudo, erramos em priválos também da dignidade,
afinal, um dia essas pessoas
retomarão o convívio social
e, com certeza, sairão piores
do que entraram. Dizer que
o sistema prisional brasileiro
é falho é lugar comum. Vai
além. Viramos mestres na
arte de produzir monstros.
Falta dignidade
Não é por acaso que o vídeo foi feito em Pedrinhas.
DOMINGO, 19 DE JANEIRO DE 2014 –
PLANO EMERGENCIAL
Foi levantada pela ProcuradoriaGeral da República a hipótese
de intervenção federal para
resolver o problema nas prisões
do Maranhão, mas, para isso
acontecer, o Supremo Tribunal
Federal precisa autorizar.
Somente no ano passado,
foram registradas 60 mortes
de detentos em unidades
prisionais do Estado. Roseana
deve renunciar ao cargo de
governadora em 2014 para
tentar se eleger senadora, mas,
antes disso, precisa “limpar” a
bagunça no Maranhão.
ART
E: ED
ER S
ANT
OS
1,46
bilhões
A escalada da
violência fez o Conselho Nacional de
Justiça elaborar um relatório onde revela que as celas “estão superlotadas e já
não há mais condições de
manter a integridade física
dos presos, seus familiares e
de quem mais frequenta os
presídios de Pedrinhas”. Há
também relatos de estupros
de esposas de presos durante o período de visita.
A Organização dos Esta-
dos Americanos recomendou medidas ao Brasil, entre elas garantir a segurança
em Pedrinhas, reduzir a
superlotação prisional e investigar imediatamente os
assassinatos. Do outro lado,
a ONU também pressiona.
O Comissariado de Direitos
Humanos exigiu apuração
“imediata e imparcial” do
é o total de pessoas
obesas no mundo,
o que corresponde
a um em cada três
adultos, segundo
relatório britânico The
Overseas Development.
Só nos países em
desenvolvimento, são
904 milhões de pessoas
acima do peso
entre os muque aconteceu entr
ros de Pedrinhas.
aos
Foram enviados
e
presídios de São Luís homens da Força Nacional e
do Batalhão de Choque da
PM, o que teria irritado os
líderes de facções lá presos. De dentro da prisão,
eles comandaram ataques
a ônibus, à Polícia Militar e também ao corpo de
Bombeiros nas ruas da capital como resposta. Foram
incendiados cinco ônibus.
Em dois, não esperaram
nem os passageiros descerem. Resultado: duas crianças foram atingidas pelas
chamas e uma morreu com
95% do corpo queima-
57%
FOTOS: FOLHAPRESS
Entenda o caso
No ano de 2013, os conflitos dentro de prisões resultaram em 60 mortes no
Maranhão. Mas foi em janeiro deste ano que o problema ganhou atenção internacional, após o vídeo
feito pelos presos exibindo
as cabeças de três detentos
ter sido divulgado na internet. A repercussão foi imediata, aqui e lá fora.
5
você
sabia?
TÃO
ROS?
O Maranhão carrega hojee
um título que Estado ne-nhum deveria se orgulhar::
o da miséria. Existem cida-des que sequer têm crechess
públicas. O Estado concen-tra hoje o maior número dee
pobres do País. Há municí-pios em que a maior partee
da população depende do
o
Bolsa Família para sobrevi-ver. A seca castiga. No finall
de 2013, 70 cidades ficaram
m
em situação de emergênciaa
porque choveu metade do
o
previsto naquele ano. Em
m
pleno século 21 e com a tec-nologia avançada na área daa
agricultura, é um sofrimento injustificável, ainda mais
para um país que brinda a
ascensão econômica.
capa
é o aumento das
infecções hospitalares
no verão, segundo
estudo da Unesp.
Pesquisa mostrou
que bactérias gram
negativas, principais
causadoras de infecção
hospitalar, têm
comportamento sazonal
Roraima
é o Estado com maior
taxa de estupro do Brasil:
são 52,2 a cada 100 mil
habitantes. Os dados
foram divulgados durante
o 7º Anuário Brasileiro de
Segurança Pública
capa
– DOMINGO, 19 DE JANEIRO DE 2014
AFP
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A Universal segue
realizando seu
trabalho dentro
do Complexo
de Pedrinhas
As pessoas que estão
lá erraram, mas
têm que ter direito
a outra chance,
e os governantes
não ligam; apenas
jogam lá dentro e se
esquecem que somos
seres humanos
Diones Sales Pires, de 30 anos
pinteiro e conta que chegou
a ficar preso em Pedrinhas
enquanto aguardava remoção para outro presídio. “A
pessoa fica lá jogada, ninguém liga, o Estado não dá
atenção. É muito triste, prefiro nem lembrar”, conta
o jovem, que foi preso em
2005 por assalto. “A comida
é muito ruim, não é preparada para um ser humano.
A carne vinha crua, o arroz
é azedo, duro, sem gosto.
Ficar ali 24 horas enlouquece qualquer um. É um
verdadeiro inferno, não é
um lugar para ser humano
não”, relata.
Douglas Delfort Carvalho,
de 30 anos, trabalha como
vulcanizador
nizador em uma grande
mineradora
radora e passou 1 ano
atrás das grades. “Logo que
entrei fui ameaçado pelos
presos.
s. Por isso, tive que conquistar
ar meu espaço lá dentro
usando
o a intuição. Às vezes,
arrumam
mam briga com você
simplesmente
esmente por não
ir com
m a sua cara”,
lembraa ele.
Na foto, presidiários das rebeliões de 2011
Ambos concordam que o
sistema contribui para devolver à sociedade pessoas
traumatizadas e violentas.
“Cada dia lá me fazia sentir
um ser humano pior, porque a gente fica em contato
direto com quem sabe direitinho como fazer o mal.
O sistema não te ajuda, só
afunda mais”, explica Dou-
glas. “Quando cheguei, as
celas estavam lotadas. Tinham capacidade para oito
e haviam 18 em cada uma.
Eu nem cabia lá dentro e fiquei só no banho de sol. À
noite, é claro, não tinha
Quem nasce no meio do
lixo se contamina se não
tiver quem o tire daquele
meio. No lugar de
criar escola constroem
presídio. Eles já vêm com
a mentalidade de que
a criminalidade
vai crescer
Douglas Delfort Carvalho, de 30 ano
anos
há pessoas que recriminam
dizendo que bandido tem
que ser maltratado”, declarou em entrevista.
Das celas no Maranhão
para uma nova vida
Nossa equipe de reportagem entrou em contato com
dois ex-presidiários de São
Luís. Diones Sales Pires, de
30 anos, trabalha como car-
CEDIDA
do: Ana Clara Santos Sousa, de apenas 6 anos. Até o
fechamento desta edição, a
mãe dela e a irmã de apenas 1 ano estavam internadas em estado grave.
Em meio à barbárie na
segurança pública de seu
Estado, a governadora Roseana Sarney foi duramente
criticada. Em matéria publicada na Folha de S. Paulo,
Roseana rebateu as críticas.
Ela admite que o sistema
carcerário em seu Estado é
falho, mas afirma que problemas desse tipo não são
exclusividade do Maranhão
e, sim, uma fraqueza de
todo o País.
O ministro da Justiça,
José Eduardo Cardozo, declarou que o governo Roseana Sarney tem plena
autonomia para resolver
os problemas de segurança no Maranhão. Para ele,
os casos de decapitação de
presos são encarados como
“medievais”, por isso, enxerga a urgência em uma
solução imediata, embora
não perceba vontade por
parte da população para
que isso aconteça. “Quando se fala em construir presídios ou tratar de presos,
CEDIDA
A voz de quem
viveu na pele
Um dos ônibus queimados em João Paulo, bairro de São Luís
AE
sol, passava frio”, relembra.
Diones sofria com a falta da família. “Não podia
estar com eles por causa de
uma besteira que cometi.
Quando meus pais me visitavam, eu chorava muito.
As pessoas que estão lá erraram, mas têm de ter direito a ter outra chance, e
os governantes não ligam;
apenas jogam lá dentro e se
esquecem que somos seres
humanos”, argumenta.
Diones saiu da prisão
e foi direto para as drogas. “Mas um dia conheci
dois voluntários da Universal. Fui apresentado
a grupos que recuperam
viciados. Pela primeira
vez senti que fui apoiado,
acreditado e ajudado verda-
FOLHAPRESS
DOMINGO, 19 DE JANEIRO DE 2014 –
Os ex-detentos
concordam: as
pessoas saem das
prisões pior do
que entraram
Inúmeras pessoas acompanharam o enterro da pequena Ana Clara.
A mãe e a irmã continuam internadas
CEDIDA
deiramente. Hoje sonho em
ter uma família, mas o meu
destino está nas mãos de
Deus”, confessa.
O pastor Antonio Leibniz Conceição, de São
Luís, conta que, mesmo
com as rebeliões, a Universal continua realizando seu trabalho dentro do
Complexo de Pedrinhas.
“É um absurdo, apenas
um muro divide as facções, por isso as rebeliões
são constantes, mas fazemos um trabalho espiritual
com os dois lados. Vamos
lá dentro, cela por cela.
Eu acredito neles, porque
temos com a gente pesso-
as que saíram dos crimes.
Jogamos futebol com eles,
os tratamos como seres humanos”, explica.
Douglas acredita na
omissão do Estado como
fator propulsor para as rebeliões que vêm ocorrendo.
“Parece que só querem criar
mais presídio, mas não procuram consertar o mal pela
raiz. Quem nasce no meio
do lixo se contamina se
não tiver alguém para tirálo daquele meio. No lugar
de criar escola, constroem
presídio. Eles já vêm com
essa mentalidade que a criminalidade vai crescer”, defende.
Douglas ainda conta que
saiu da cadeia muito pior.
“Mas comecei a frequentar
a Universal porque queria
mudar. Fiz amizades aqui
dentro com pessoas que
vieram da mesma situação
que eu e, se elas mudaram,
eu também poderia”, conta
ele, que hoje sonha em se
formar engenheiro mecânico. “Sou uma nova pessoa, quem me vê percebe.
E contra fatos não há argumentos”, finaliza.
UMA SEGUNDA CHANCE
A Universal realiza trabalho de
evangelização nos presídios
em praticamente todos os
Estados brasileiros, levando
atendimento espiritual,
psicológico e em alguns
casos, assistência jurídica. Os
presidiários recebem kit de
higiene, Bíblia, um exemplar
da Folha Universal e o mais
importante: palavras de apoio.
Nas penitenciárias femininas,
também são realizados
eventos para cuidar da
aparência, onde são levadas
manicures e cabelereiras.
capa
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você
sabia?
R$ 71,047
bilhões
foi o total de captação
dos depósitos em
poupança em 2013
no Brasil, resultado
recorde em toda a série
histórica iniciada em
1995. Os dados são do
Banco Central
Em 2017,
o volume de lixo
eletrônico no mundo
será o equivalente a 200
edifícios como o Empire
State de Nova York ou 11
construções como a Grande
Pirâmide de Giza, no Egito.
O volume aumentará
em 33%, segundo estudo
publicado pela Universidade
das Nações Unidas (UNU)