Visualizar/Abrir - Portal Barcos do Brasil

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I
Conferencia realizada
PELO
Contra..-Almirante Gago Coutinho
DA
MARINHA Of GUfRRA PORTUGUEIA
RIO DE JANEIRO
J:::MPR.ENS.A N .A V .AL
19~~
Conferencia realizada
PELO
Contra~ Almirante Gago
Coutinho
DA
MARINHA Ot GUtRRA PORTUGUHA
HIO DE JANEIRO
IMPRENSA
1922
N .A V .A L
aJ
({)..
c
CONFERENCIA
'Realizada pelo eontra-Almirante Gago eoutinho
da Marinba de Guerra Portugueza
O raiei Lisbôa-Rio foi caracterisado pela necessidade de
viajarmos entre pontos, que se não avistavam uns elos outros,
pontos separados por largos troços de mar, entre os quaes não
havia referencias, para nos dirigirmos, como seriam ilhas ou
navios ele comboio.
V ou, em poucas palavras, tentar dar uma icleia ao alcance
elas pessôas, mesmo extranhas aos estudos ela navegação, sobre
os meios, c!~ que nos servimos, para fazermos as nossas étapes,
sem nos perdermos no mar. Mas, está claro, não pretendo em
duas horas fazer um curso ele navegação aérea.
Foi este o problema, cuja resolução me estava mais especialmente destinada. E, em resumo, começarei por dizer que
nos servimos ele meios simples, que não inventamos, mas apenas
adaptamos ela navegação marítima. Tivemos só a originalidade de os empregar no ar; e tivemos a confiança, quasi certeza,
ele que levavamos na mão os meios ele irmos aos portos, que eram,
por assim dizer, étap cs obrigratórias, sem hesitações, que a escassez do combustível nos não permitia. A experiencia provou
que esta necessidade da naYegação aérea era possível, e até
facil, de conseguir.
*
*
*
Os antigos portuguezes, por parentesco de raça com os
classicos navegadores f~nícios e árabes, sempre manifestaram
grande curiosidade pelo estudo da 1zaz•cgação, que foi a alma
das grandes descobertas elo século XV. Esse exemplo tem sido
seguido pelos seus descendentes, e nos esforços modernos para
simplificação dos cálculos astronómicos figuram nomes portuguezes e brasileiros, como o de Aquino, e o de João Capello.
-4atu~almente, por esse mesmo atavismo, era ele esperar que
nos entusiasmassem os estudos ela fascinante naverração aérea
astronómica, á qual se não ligára ainda muita imp;rtancia nos
grandes raids aéreos.
A esse estudo me dediquei com o meu companheiro de
trabalhos geodésicos em África, Commandante Sacadura - E,
para que taes estudos não ficassem no papel, fizemos em Março
de 1922 uma viagem aérea, em que nos propuzemos ir, por navegação a~tronómica, demandar a ilha da l\Iacleira. Nessa viajem
consegu~mos passar no alto mar por cima elos tres vapores de
passageiros, que naquella tarde navegavam na carreira LisbôaFunchal. Ficára assim demonstrado que os nossos processos,
que eram apenas a adaptação dos instrumentos e processos
empregados na navegação marítima, eram os snfficientes para
demandar com exatidão uma ilha pequena muito afastada de
terra, recurso este que se tornava muito essencial em uma projectada viajem aérea de Lisbôa ao Brasil.
. Primeiramente, era preciso coptar com o coeficient~ pessoal,
pms o navegador aéreo deve abstrahir dos cuidados tios parentes
e amigos, elos perigos da aviação, que podem ser fataes, e da
impressão ele isolamento por se saber voando sobre o mar, sem
terra á vista, arriscado a perder-se, se os recursos ele navegantes
falharem, e não indicarem a posição geográfica.
Por outr? lado, o avião, correndo a grande velocidade,
geralmente mms de uma milha por minuto, não dá tempo a pensar,
e a navegação tem que ser transformada, ele modo a só exiair
operações materiaes e automáticas .
::>
De resto, como o avião tem facilidade em elo alto reconhecer
a terra: pode aproveitar indicações mais grosseiras; e é tambem
convemente tornar a navegação astronómica simples, visto que,
por emquanto, as viajens aéreas ele longo curso, são raras, e
não ha, portanto, observadores suficientemente treinados.
Os elementos essenciaes com que se pode contar, para satisfazer a estas condições fundamentaes, são os seguintes:
O Badin, que pela resistencia elo ar ao movimento elo avião,
indica imediatamente em um mostrador a velocidade própria
elo avião, referida ao ar em que êle vae correndo.
A bússola, instrumento vulgar, conhecido da mais remota
antiguidade, e que dá a direção a que o avião aponta, funcionando
.
-5por vezes mal, por causa elas vibrações. E' máu, mas é o mais
prático instrumento conhecido para tal fim.
O taquímetro, que, colocado exteriormente, permite referir
o rzmw do avião ao sol, ou astros, e determinar assim o erro
ela bússola, devido ao ferro elo avião, ou á sua colocação a bordo.
Como o vento leva o avião com a sua velocidade integral,
seja êle leve como uma pena, ou pesado como o mais colossal
Zepelin, é preciso conhetermos quanto o vento nos faz clescahir
elo rumo indicado pela bússola. Sobre a terra basta observar
os pontos sobre os quaes passamos; no mar é preciso crear
referencias artificiaes, que são baias que se lançam ele cima,
incendiando-se por meio de fosforeto ele cálcio ao tocar na agua,
onde ficam a marcar um ponto, por cima do qual se passou.
Esse descahimento, chama-se abatimento, e é medido pelo angulo
que de cima se vê fazerem os objectos, por cima dos quaes
passamos, com a nossa clirecção elo eixo elo aéroplano; e esse
angulo pode ser determinado pelo taquímentro a que já me
referi, ou por uma graduação especial, seja nas azas, seja na
c
D
cauda, cómo fazíamos no Santa Cnt:::; observando esse abatimento em vários rumos cruzados, conclue-se a velocidade e
'direção do vento que leva o avião, na altitude em que êle vae
voando .
-6Na figura acima, se o avião, pelo seu esforço próprio voar
em uma hora de A para B, e, no mesmo espaço de tempo, o
vento tiver a velocidade BC, o avião terá realmente percorrido
em uma hora o caminho AC; mas o seu rumo será sempre parallelo a AB, e, em qualquer ponto do seu percurso, veremos de
cima, os pontos sobre os quaes passámos, fazerem com a nossa
direção longitudinal o angulo A O D, que é o abatimento.
Do conhecimento d'este angulo não poderemos, evidentemente, concluir qual seja o vento reinante, que sopra na altitude
em que vae voando o avião, porque qualquer vento que, em
uma hora, tenha uma velocidade representada por uma linha
partindo do ponto B, e terminando em qualquer ponto da linha
A C, ou do seu prolongamento, produz o mesmo abatimento a..
Mas, se observarmos o abatimento em dois rumos cruzados
a um angulo bastante sensível, 45 graus por exemplo, teremos
duas linhas análogas á linha A C, e que se podem traçar, apenas
pelo conhecimento da velocidade propria do avião AB, e pelo
-7Efetivamente se a velocidade AB for ele 70 milhas por hora,
o vento será 'ele 74 graus a contar da prôa AB, e terá a velocidade de 28 milhas por hora.
Na figura 3 estuda-se um pouco mais este caso: tracemos
a linha C'F', parallela a AB, distando cl'ela ~ mesmo que o
ponto C; e elo ponto A, como centro, e com o ra10 AB, tracemos
o arco ele circumferencia BC', até encontrar a linha C'F'. De
C' tracemos uma parallela C'B', a BC, a qual terá o mesmo
F
Fig 3
Fig 2
conhecimento do abatimento a.. O cruzamento cl'essas linhas
dar-nos-á, evidentemente, em granclesa e direção, a velocidade
do vento BC, como se conclue ela figura 2, á sua simples inspeção.
comprimento, e representará tambem a velocidade horária do
vento. De modo que, se alterarmos o nosso rumo do angulo
BAC, e em uma hora percorrermos o caminho AC', o vento
na mesma hora correrá de C' para B', e nós realmente teremos
seguido de A para B', na direção primitiva AB, e portanto com
a nossa velocidade afetada pela direção e velocidade do vento.
-8O angulo C' AB' será portanto o abatimento final ; e é
evidente que a sua grandeza é determinada pela distancia do
ponto C á linha BA; logo, os ventos cLJja velocidade seja representada por uma linha partindo do ponto B para a reta CF,
exigir-nos-ão uma alteração de rumo do mesmo angulo C' A B;
mas a nossa velocidade util AB', variará com a força e direção
elo vento.
Marquemos de B' na direção B' B, um comprimento B'N
egual á nossa velocidade AB; como o comprimento BC' é uma
linha parallela e cgual a B'C, o triangulo ABC' é egual ao
triangulo N B' C, e portanto o comprimento N C é egual a A C' ;
logo um arco traçado do centro N, com o raio NB', passa pelo
ponto C.
Se o vento, em lugar de ser representado pela linha BC,
fosse representado pela linha BD, a sua paralela B'D' egual a
BD, terminaria tambem no arco do circulo BC' - . N ésta
hypótese, em uma hora o avião teria percorrido o comprimento
AD', egual a AB, e, desviado pelo vento BD, ou D'B', teria
ido ficar em E'. A velocidade util final seria pois a mesma
do que no primeiro caso. D'aqui conclue-se que o arco E' C
representa um lugar comum onde terminam as velocidades dos
ventos partindo do ponto B, os quaes, combinados com a velocidade final AB', na direção AB.
Se pois dividirmos o comprimento AB em :dez partes
eguaes, e por cada um dos pontos de divisão traçarmos arcos
ele circulo com o mesmo raio AB, concluiremos por simples
inspeção qual será a velocidade util de um avião, em décimos
da sua velocidade própria para cada um dos ventos que, em
direção e velocidade, podermos imaginar.
Conforme já, se deduziu, as linhas paralelas á linha AB, e
distantes d'elas os senos dos angulos, por exemplo ele 5 em 5
graus, inclicar-nos-ão, tambem, qual será o abatimento a corrigir,
orçando do rumo desejado, para se conseguir que o avião navegue realmente a esse rumo, contando com a ação lateral do
vento.
Para resolver este problema geométrico sem necessidade
de desenhar, o que não seria muito prático no ar, construiu-se
um pequeno aparelho o corretor do rumo, o qual prevê observações de abatimentos em dois rumos, um dos quaes é aquele
--9a que se pretende navegar, e o outt:o um r~mo orça~o 45 graus
para o yento reinante no alto. D01s pontetros movet,s em ~orno
de dois pontos, que correspondem aos pontos A e A da_ ftgura
2, permitem marcar, nas respectivas graduações, os abatnne~tos
observados e com os respectivos sinaes, pois os angulos medtdos
pela direit~ do avião são ~narcados con~ ? sinal mais, visto que
êles nos indicam a necesstdade de corngtr o rumo, que se pretende seguir somando-lhe o abatimento, para se obter o rumo
a que se d~ve navegar. Por uma aná~oga consideração os
abatimentos medidos pela esquerda tem smal menos.
Este instrumento, que já serviu na viagem ele Lisbôa á
Madeira, em Março ele 1921, foi apresentado no Congresso Internacional de Navegação Aérea, de novembro de 1921, e vem
descrito no tomo 2°, dos relato rios do mesmo Congresso.
*
*
*
Este conjunto ele processos constitue a navegação por estima.
l\1as, quando nos afastamos centenas ele n2ilhas de terra, e ~
perdemos ele vista, surgem erros que se vao acumulando,. e_ a
chegada ao porto de destino, ha uma incer~eza na nossa postçao,
que pode ser dominada navegando em ztg-zag. . Este recurso
não é elegante, e, de resto, nem sempre ao avtador, chegam,
a luz do dia ôu a gazolina, para o pôr em execução. Torna~se
então indispensavel recorrer, como tambem fazem os naviOs
no alto mar á navegação astronómica, isto é, ás observações de
astros, e em especial do sol.
Começa-se por medir a altura dos astros sobr~, o horizont:
ele mar, por meio do sextante, instrum~n~o q_ue Ja tem quas1
dois séculos de edade e que poucas mochftcaçoes sofreu, desde
que começou a ser e1~1pregado no mar. l\Ias, .devido á pouca
nitidez do horizonte, quando observado nas grandes altttudes
a que vôa o avião, nem sempre a linha do horizo~te do m~r. pode
ser aproveitada por êle; e o sextante ~em s1do .modtftcaclo.
adaptando-lhe, como nós fizemos, um mvel ele bolha ele ar_.
As observações são assim menos precisas do qu: as do honzonte ele mar mas são suficientes para as necessidades usuaes
da aviação. '
d
..D
11-
-10
O defeito, comum aos instrumentos de horizonte artificial
está em que todos elles se bazeiam na vertical aparente a bord~
do avião (como a bordo de qualquer outro movei, seja navio
ou carr_o). Esta vertical é t1ma direção dynâmica, desviada
da vertical real pela força centrífuga, devida aos movimentos
de rotação elo avião, e em especial á irregularidade do aoverno,
não em linha reta mas em curvas, inevitavel por causao das pequenas dimensões ela búsola, do pequeno comprimento elo avião,
e até dos esforços exercidos pelo aviador sobre os ailérons, para
manter o equilíbrio transversal.
vavelmente virão com desvios acidentaes de sinaes contrários,
os quaes se compensarão na média. Tal reiteração será feita
recorrendo ao critério do observador, cuja prática lhe permite
escolher o momento em que a vertical está sendo menos afetada
pela força centrífuga.
A experiencia tem provado que é possível construir instrumentos ele uma utilidade real para as obs·ervações astronómicas
em horizonte artificial a bordo elo avião. Ha instrumentos
francezes, baseados no gyroscopio; alemães, no pendulo, inglezes
e americanos em nivel ele bôlha ele ar.
Tal desvio é definido pela conhecida fórmula geral
vz
tg
~
sen
a---
gr
na qual a é o angulo entre o rumo do movei e o azimute do
astro observado, V a velocidade, T o raio instantaneo ele rot~ção em torno ele um eixo vertical, e g á intensidade da gravidade, 9.m8.
Admitindo que, na prática, esses raios instantâneos de
rotação podem descer até á milha maritima, a fórmula diz-nos
que o desvio da vertical é maximo com o astro no travéz, e
atinge os seguintes valores:
nav1o a 10 milhas por hora ..........
" " 20
"
"
avião " 60
"
" "
•••••••
o
••
•••••
o
••
o.
5'
19'
3 graus
Não ha perfeição de instrumento que possa dominar ésta
extraordina:ia causa de erros enormes, porque ela afeta o plano
ele referencm fundamental para a medição elas alturas dos astros,
a bordo elo avião, que é independente da perfeição d'esses instrumentos empregados, embóra se observe mesmo com um
instrumento idéal que meça alturas absolutamente certas.
Para obviar a esta clificulclacle, está naturalmente indicado
o procurarmos governar com todo o cuidado sobre uma referencia longincua, o alterar o rumo na direção elo astro a observar, e finalmente reiterar as observações em grupos, que pro-
Antes ela nossa viajem, e desde junho ele 1919, ocupámos-nos
em estudar e aperfeiçoar um sextante especial de nivel de bôlha
ele ar, o qual, em principio, consiste em um sextantc, como os
sextantes usuaes ele bordo, no qual, sem prejudicar o seu emprego
como sextante usual para observações em horizonte de mar,
se adaptou um pequeno nivel de bôlha ele ar, cuja imagem,
por meio ele um pequeno espelho, se chamou a uma parte limpa
elo espelho horizontal, á direita da parte espelhada onde se
continuam a ver, como sempre, as imagens refletidas dos astros
·a observar. Essa imagem elo astro traz-se sobre a imagem
refletida ela bôlha do nivel ; e como a distancia elo furo da
pínula (por onct'e se observa~ á imâgem refletida ela bôlha é
cgual ao raio do nivel, a coincidencia elas imagens observa-se
em qualquer posição do sextante e portanto da bôlha, principio
este fundamental do sextante, que era essencial respeitar.
Um pequeno nivel, perpendicular ao plano elo limbo elo
sextante, permite chamar as observações a um plano aproximadamente vertical, á semelhança elo que se consegue com o balanceamento das imagens sobre o horizonte de mar.
Experiencias reiteradas, feitas durante muitas horas de
vôo sobre pontos ele posição geográfica conhecida, confirmaram
que este sextante, em condições favoraveis, como são as que
se encontram na atmosfera menos agitada do alto mar, e com
um observador treinado, permite observações astronómicas, cujo
erro provavel, por altura isolada é de cerca ele
10',
-12sendo portanto o erro provavel de uma média de dez alturas
de cerca de
3',
!liÚmero este plenamente suficiente para as necessidades da
navegação aérea.
Mas o remédio mais eficaz, quando se pretendam observações de mais confiança, será baixar o aeroplano até tornar
suficientemente nítida a linha do horizonte ele mar, e observar
sobre ella, sujeitando-nos aos erros, menos importantes, da
depressão, por causa da incerteza ela nossa altitude.
Ouando se observa em horizonte de mar, torna-se necessário
conh~er a nossa altitude, que influe na posição aparente da linha
Jo horizonte, ou depressão. Essa altitude é determinada por
barômetros altimétricos, ou por meio da observação angular
da sombra do avião sobre a superfície do mar.
Não basta comtudo observar a altura do sol; é necessário
fixar o momento da observação, o que o navegador faz lendo
um cronômetro a hora de um meridiano conhecido, agora, por.
uma convenção internacional, o de Greenvich.
Destas .duas observações simultâneas, altura de um astro
c hora, não se conclue ainda precisamente a posição geográfica ·
onde nos encontramos, mas uma linha que passa por todos os
pontos que ao mesmo tempo podem observar a mesma altura
do mesmo astro ; pois, é conhecido que, por exemplo, em meiados
ele Abril, no Rio ele Janeiro, ás 11 horas da manhã, o sol tem
a mesma altura que em Lisbôa nessa mesma occasião.
Para resolver o problema seria preciso observar ao mesmo
tempo dois astros, como o sol e a lua, em posição diferente no
céu. Mas, na prática, de uma só observação já se conclue uma
informação interessante, a qual, aproveitada por um navegador
experimentado, nos permite, em geral ir retificando a nossa
posição, e ir demandar um ponto, por mais pequeno que êle
seja, comtanto que se lhe conheça a sua posição geográfica,
isto é, a sua latitude e a sua longitude.
Mas n5.o acabam aqui as dificuldades elo problema; para
passarmos ela altura do astro, que facilmente se lê no sextante,
para a posição geográfica, é preciso proceder a um cálculo ari-
-:- 13 thmético, que exige alguns conhecimentos, prática, e tempo.
E' preciso que o aviador possa saber aonde está, poucos minutos, tres ou quatro, depois de ter observado. E se esse cálculo
levar muito tempo, nunca se saberá onde se está mas, por exemplo, onde se estava ha meia hora; tarde portanto se aproveitaria
a indicação tirada da altura do sol.
No estudo prévio da nossa viajem procuramos modificar
e simplificar taes cálculos, conseguindo conclui-los em· menos
ele tres minutos, pondo-os ao alcance dos observadores de
a viação, que não estão práticos, como nós· estavamos, na navegação astronómica, tanto no alto mar como no sertão africano,
uma especie ele deserto, como o mar. N'alguns casos especiaes
o cálculo levava-nos menos de um minuto.
Nos cálculos, tanto da latitude como ela longitude, os quaes,
como se sabe, no ar se reduzem sempre ao cálculo ele retas de
altura, será necessario começar por passar ela hora elo çronómetro para o angulo horário do astro. Dada a pequena duração
elas viajens aéreas, será elementar prever, pela combinação do
erro do cronómetro, com a eqüação elo tempo, e com várias
longitudes, a hóra que marcará o cronómetro quando o astro
passe no meridiano correspondente a cada uma d'essas longitudes. A comparação d'esta hora meridiana com a hora lida
no cronómetro, dar-no-á immediatamente o angulo horário elo
astro, correspondente a cada uma das longitudes de referencia
previstas.
Para a simplificação elos cálculos logarítmicos necessários
para o traçado elas retas de altura, será conveniente levar ele
terra já adiantado todo o cálculo que não depender essencialmente da variavel angulo horário. Várias maneiras se podem
imaginar para conseguir este resultado, seja recorrendo ás taboas
de Fontoura, seja ás ele Aqui no, ou a outras.
Começaremos por prever, ao longo ela linha que pretendemos navegar, alguns pontos de referencia, ele latitude e longitude conhecidas, e afastados entre si ele cerca ele cem milhas.
E, para a hora provavel ela nossa passagem na proximidade ele
cada um desses pontos, aceitaremos nma ascensão reta e declinação elo astro, que, mesmo no caso elo só!, poderá ser suficientemente aproximada.
-
l-t --
-15-
Uma simplificação elo processo poderia, para os casos usuaes,
ser a seguinte :
A fórmula usual
sen A =
+
f
sen L sen c!
cos L cos d cos P
ou
sen A
= cos L cos c!
( + tg L tg c!
+ cos P),
fazendo
cl'onde resultará que o cálculo da altura estimada A, se tornaria
extremamente simples, pois bastará somar a uma constante os
senos de dois angulos, faceis ele deduzir por duas pequenas
p
operações aritméticas com metade do angulo horário, - - .
2
E, para o cálculo logarítmico seriam suficientes as vulgares
táboas ele senos. No final, comtuclo, seriam necessários, como
em todos os processos conhecidos, tres entradas em táboas ..
Iclentica simplificação poderia fazer-se, por exemplo, para
o proccesso ele Aqui no. Bastaria levar de terra previstas e
tabeladas as constantes
c
cos L cos c!
tg L tg c!
1
- - log sec L
2
T.
transforma-se em
sen A = C (
+
T
+ cos
T
= ::t:
cos X
sendo X maior ou menor que 90 graus, conforme convenha
para se poder escrever sempre
sen A
=
C ( - cos X
+ cos
P)
O emprego prático cl'esta fórmula far-se-ia levando calculadas,
para cada um dos pontos de referencia acima citados, as constantes
2CeX
DC)
e
sen A
p
X
sen A = 2 C sen - - - - sen - - - 2
2
log sec DC
2
Mas, atendendo á nossa anterior prática de muitos ânos
com o antigo processo Saint-Hilaire, pelas tábuas francezas a
cinco clécimaes de Hoüel, preferimos recorrer a este processo,
que para nós era absolutamente material.
Efetivamente, a fórmula usual, transforma-se, no caso de
L e d serem elo mesmo nome, como era o nosso caso emquanto
navegamos no hemisfério Norte, em
ou seja
X+P
1
Sen verso (L -
P) .
Nos casos usuaes elo sol e latitudes baixas, c no caso ele muitas
estrelas poderemos fazer
+
sen L sen d (I
+ ctg L
D
ctg - - )
sec P
ou, fazendo
sen L sen d
ctg L ctg c!
em
Sen A
s
c
G
S (I+--).
sec P
--17-
-- 16 -As constantes S e C foram previstas para pontos ao longo
da nossa linha ele navegação, afastados entre si dois graus de
latitude e um grau de longitude_ Assim, por exemplo, á sahida
Lisbôa, em 30 de Março ele 1922, o ponto, marcado na nossa
carta com a letra A, tinha as seguintes constantes :
A ______ .latitude 37° N ; longitude.- ..
Passagem meridiana .. - . - . - ....... - .
c ............................... .
s .............................. ..
secante DC (para o azimute) .... - .. .
11° W. Gr.
12h 49m 01'
1.33353
8.568
,001
O azimute era calculado pelas mesmas tábuas de Houel,
e pela fórmula conhecipa
cosec az = sec DC cosec P cos alt"
servindo estas f uncções só com tres casas, e não exigindo o
trabalho de folhear as tábuas, poi-s são funcções de grandezas
que entram no cálculo logarítmico da altura estimada. Mesmo,
a cosecante elo azimute era tabelada, de grau em grau, e a
tabela ia pregada na frente do calculador.
O cálculo não exi"e como disse, folhear tábuas: as entradas,
que são os angulos e
logaritmos de somar ou subtrahit> vinham
indicados nas margens recortadas elas folhas, como e de uso
nos índices dos livros commerciaes.
De resto as operações são simples- Começa-se por escrever o logaritmo C. A seguir extrahe-se das táb~as de
Houel o logaritmo da secante de P, e escreve-se por batxo de
C subtrahindo-se d'este número_ Entre-se com o resultado nas
tibuas de somar, e o lagaritmo correspondente, é escripto ainda
por baixo, juntamente com a constante S. A soma dos tres
últimos números é ja o logaritmo do seno da altura.
O cálculo do azimute é concluído a seguir, pela formula
indicada.
Nos quadros juntos apresento as constantes que fo~·am p~e·
vistas para a nossa viajem de Lisbôa para a Grã-Canana, asstm
como identica previsão vae apresentada, pelas tábuas menores
de Aqui no. E vão quatro cálculos, que foram efetivamente utilisados, tambem apresentados pelos dois processos.
De uma maneira geral, é intuitivo que o processo deve ser
praticado pelo calculador em terra, de modo a não haver hesitações no ar. Por isso, no fundo, todos os processos serão
bons, desde que o calculador os manipule materialmente.
Por isso, ao pronunciar-me pelo processo que segui, e de
Saint Hilaire, não tive comtuc!o razão para afirmar que se devem
pôr de parte os outros processos de cálculo, seja o chamado
processo japonez, seja o mecânico de João Capello, sejam os
processos de diagramas ou o da regua logarítmica em helice,
que emprega a A viação Ingleza.
Talvez mesmo que, á semelhança do que fizeram os inglezes ha -sua geodésia continental, seja perfeitamente exequivel
confiar os cálculos ela navegação a officiaes-inferiores observadores, sem preparação alguma de estudos astronómicos, ficando
assim ao piloto a iniciativa da decisão sobre o rumo a seguir.
*
*
*
o;
Tambem na preparação da nossa viajem tivemos que estudar os ventos reinantes, com o mesmo cuidado com que os costumam estudar os navios de vela, em que eu navegara na minha
primeira mocidade. Só pelo esforço do nosso motor, que não
conseguia levantar gazolina para voarmos mais de 12 horas a
70 milhas por hora, ou seja um total de 840 milhas no máximo;
nunca teríamos vindo ao Brasil pelo ar_
Do estudo dessas cartas de ventos tiravam-se as seguintes
conclusões :
La - Não era possível vir de Lisbôa á costa do Brasil em
viajem directa, sem escalas, pois seria preciso voar mais de 40
horas de fio.
C\"'
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2.a - Não convinha largar de Lisbôa para as Canárias
com vento contrário .
N
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Os restantes troços da viajem, por Fernando Noronha,
Recife, Bahia, etc. não exigiam e,studos especiaes, por ser navegação de pequenos troços, e quási toda ao longo da costa.
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3."- Entre as Canár.ias e as ilhas de Cabo Verde podíamos
contar com vento favoravel, o alisado do Nordeste, que ahi sopra
todo o ano.
4.a - Para vencermos a étape maior, as 1250 milhas de
Cabo Verde e Fernando ele Noronha, havia uma época mais
própria, que era a elos mezes ele Fevereiro a Abril, durante a
qual os ventos provaveis eram favoraveis até ao Equador, e
nos não contrariavam na viajem elo Equador e Fernando de
Noronha. Mesmo nesta época mais favoravel, a viajem exigia-nos 16 horas de vôo segu ido, que tinha sido garantidas pelo
construtor do Lusitania, e que teriam ele ser feitas em uma tarde,
uma noite, e uma parta ela manhã seguinte, clepenclenclo assim
a nossa clirecção, ele observações astronómicas ele astros durante
a noite. A preparação dos cálculos, referentes a essa noite,
consumiu-nos algum tempo. Mas foi tudo trabalho perdido,
porque, durante a primeira parte ela nossa viajem, concluiu-se que
o nosso Lusitania, cujos flutuaclores metiam agua, nunca conseguiria levantar vôo elos mares de Cabo Vercle, com gazolina para
mais ele 12 horas ele viajem seguida.
Contrariava-se assim o plano primeiro: mas o entusiasmo
que a nossa viajem clespertára na opinião pública, não nos deixou
tomar a única resolução poncleracla, que seria o desistirmos e
voltarmos para Lisbôa; e decidimo-nos a correr o risco ele irmos
poisar no Penedo ele S. Pedro, para abastecimento de gazolina. Não ignoravamos que o Penedo é mar aberto, embora
em uma zona de calmas e ventos bonançosos; afrontava-se assim
um perigo novo, o de partirmos o avião, se á nossa chegada ahi
não corresse muito bom tempo. Mas, tambem, surgia assim
um aspécto mais interessante e original da viajem: O Penedo
de S. Pedro é um ponto ínfimo, perdido ao pé do Equadro, e
o facto de o demandarmos com confiança ia demonstrar, como
se não tinha ainda feito, que a navegação aérea astronómica
permite levar um avião onde se queira, exatamente como se faz
com um navio, e por meios egualmente simples.
<n
<n
...... "' r-o"':-"?
\0---<t"
1.1")
~
M
ó
...
--- -- -- -
N"'
0--<t- ao
<n
N.f
li")
o
.O
<n
...
("il
(.)
--<t"\00
0--<t"...-'\0
oo..+
-T
C::
ci
<n
c;
...
1'-..--<t".-< M
1'-.. 0\ 1'-.. <n
J!;2§5;õ.O
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0~~ ....
--··---0\t"?N
00001'-..
NOt"?
N.-<M
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o~_.;
bJJ
~
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..
0\001'-..00
'""""" 00
t--..00\010
1'-.. 1'-.. l/") <n
o\oooooci
"'o
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8
"'....o
N
o
~
u
o
N
N
C'/
" ' l/") ......
-~
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~
......
M
<n
M
M
"'
E
::s
t::
o
I
<
E-<
o
z
EXEMPLOS fiRADOS NA VIAGEM
LISBOA -
LAS PALMAS
30 Março 1922
Sen A= sen L scn D (1 +ctgLitg D + llsec P)
Pelos log de add. e subt:-. {
12 49 01
H. chr. pass.
=
Pt
Po
lg (ctgi,Itg D)
1g II sec P
=
+
.002
85" SE
z
H. chr .
. Ae (.')
. H. chr. pass.
lg (ctgLitg D)
lg. add.
1g (senL senD)
1g sen A
A
Av
Ll
11 49 20.
12 56 58
lg (ctgLitg D)
1g 1lsecP
Pt
Po
1.39075
1917
lg sen A
lg. add.
lg (ctgLitg D)
1.37158
1808
8.532
alt.
(ponto D)
L= 31• N
Pt
Po
1.42021
1620
8512
z
62"i8'
Dep: 600'
112 D
- 24'
+ 16'
8
62•10'
·Av
9.94841
62"37'
62"10'
o· s
---
27'
56"49'
Dep: 800'
-28
- 1'
+ 16'
H. chr. pass.
56•36'
1g (ctgLitgD)
lg li sec P
(ponto C)
L= 33" N
Ref~.
1 07 ~8
16"54'
112 D
Av
1gsc D
1gcosec P
1gcos A
9.92166
56°37'
Só 36
1'
z
8
--
=
14h m2Qs .
H. chr.
. A._Q
1gosec Z
.1. alt.
1
15
9.986
Cosec. Z = sec D X cos P X cos A
44'
1
1g sen A
A
Av
14"58'
1gosec Z
H. chr.
=
8
lgsc D
1gcosec P
lgcos A
9.39090
14"14'
14 58
1g sen A
A
Av
.1. alt
Av
0.75214
7076
8.56800
15 13'
.r
74"48'
1.33353
58139
=
Dp : 800' = - 28'
Ref.
=li2D
+ 16'
(ponto A)
L= 37" N
4 59 11
---
lg. add.
+
lg (senL senD)
H. chr. pass.
. A,P,
7h49m5Qs.
H. chr.
8
(ponto E)
L= 29" N
Pt
Po
1.45194
2941
-
1
537
9.741
.279
32" SE
1.42253
lg. add.
l g (senL sen D)
lgscn A
A Av
.1. alt.
.A,(.)
1611
8.489
9.92764
57" 50'
57 44
-
6'
Dp: 700
Refr.
1j2 D
3 25
0"51'
Av
8
-
57"55'
-
26'
1'
+ 16'
-
57"44'
1gsec
lgcosec
lgcos A
1gcosec Z
z
1
449
9.726
.176
42"
sw
I
,VIAGEM DE LISBOA PARA GRA- CANARIA
CALCULO PREPARATORIO -PROCESSO D 'AQUINO
A
30 MARÇO 1922
I
= 37o N
Iong = 11° NE
350
\ lat
PONTOS DE REFERENCIA
Longitude
Eq. Tenipo
Estado cron°. .
Hora da pass. mer. na
I
II
I
c
B
O.h44.mO
4.m46
15•
12.h4gmo1s
I
16590
1\2 Iog sec DC
NOTA -
I
290
1.30
140
O.h48.0
4.44
16
12.52,60
O.h52.0
4.42
16
12. 56.58
O.h56.0
4.41
16
13.0·57
1h.O.O
4.39
16
13·4·55
3820
43
3863
3347
43
3390
2909
44
2953
I
150
I
I
I
- --
120
4332
4883
41
4924
42
4374
I
.
310
-
+
+
: Lat DC
E
330
I
DC sol: Iat
3°31',3 a : DC
3°39"
D
I
I
14687
I
0,4
0,4
v
12890
I
0,4
Il204
0,4
I
9629
0,4
Os numeros pretos são copiados na tabella das constantes.
Formula deste azimute 1/ sec (90 - az
-
(90- P)
se c D sec se c alt.
para aproveitar as tabuas de -}- log. secante
de Aquíno.
-~--......__r ~
- -
..... ~
·- ·--=--~
TABOAS DE RADLER
EXEMPLOS TIRADOS DA VIAGEM 7h49m5Qs
·-
Hchron
Hchrnon pass
12 49 OI
=
Pt Po =
.A,_B_
Dep : 800'
(ponto A)
L= 37• N
IJ2 lg
se~
D
lg cosec Oj2
D . . . . . . 0,4
90•-P,. . . . 7,7
8,1
tr+1e~ t:b~a)
A . . . . . . 6,8
i
12 56 58
1J2 1gsec D
1gcosec OJ2
D ..... .
0,4
90• P,.. . 268,3
269.
+(
sen. vers. (90- A)
A
Av
75404
14°14'
14'58'
..z
)
+
L
Dep : 600' 24'
+ 16'
IJ2 D
o 00
=
=
33
Av
s•os·
Po
ll_g cosec PJ2
Ij2 lgsecL
(ponto D)
L
31• N
8
ti2"J8'
=
62•to'
-
57•55'
2.93421
3390
lj2 lgsec D
2.96811 sen . vers. 8
O
sen. vers (L + D) 11204
=
o•
A
Av
S'
A)
11204
= 62•37'
-"" 62•10'
Ll alt.
14'
.A, (o)
(ponto C)
L= 33• N
=
Dep : 800'
Refr.
IJ2 D
56"49'
-
28'
-
+
8
-
I4h28m2Qs.
Hshron.
27'
Hchrnon pass
13 04 55
1'
16'
Pt. =
Po =
3615
12890
lg cosec 8j2
sen. vers. (90 -
16505
56•37'
56°36'
D . . . . . o,4
90• Po
224,3
Ll alt. =
58•. . . . . . . . . . . . . . Z = 32, SE
1'
A. . .
+r
--+1
74245
2953
ss .... L
1'
+ 16'
8
sen. vers.
26'
57•44'
D)
5715
9629
sen. vers. (90- A)
A Av =
15344
57" 50'
5744
+
225
1• taboa )
Ll :tlt..
137 - . ( L c D
---1
-
Refr.
1J2 D
77198
sen. vers (L
+I
-
Dp : 700'
1 23 25
20"51'
1J2 lgsec D
87147 sen vers. O
sen. vers (L + D)
=
=
(ponto E)
L= 29" N
Av
lgcosec PJ2
lj2 lgsecL
A)
.A,(.)
56•36'
83284
3863
A..... . 130. -1
139....
.A,(.)
l3 00 57
84•SE
Av
+i ([ :~a
Pt
=
13hOim30s. . .
sen. vers. (90 -
Ll alt =
A
+i
Hchron.
PALMAS
lgcosec Oj2
Av
cosec PJ2
1J2 lgsecL
1lP:
LA
Hchrnon pass
3'
16'
=. 14'58'
58814
16590
1 07 38
16'54'
Pt.
Po
8
26578 sen vers. ()
sen. vers. (L + D)
11h49m20s
Hchrnon pass
+
21654
4924
1,3.... L 6•. . . . . . . . . . . .
Hchron
28'
-
Refr
lj2 D
4 59 11
74•48'
Av
lg cosec Pj2
IJ2 lgsec L
t5•t3'
=
LISBOA -
48• . . . . . . . .
z=
8
6'
42'
sw
-
l<) --'
Tambem me ocupou pessoalmente a installação do meu posto
de observação, a bordo do avião, onde vivia muito acanhado de
espaço, á esquerda e para ré do piloto. Era preciso tornar
mais cómoda a minha vida como navegador, evitando que, com
a vibração ou com o balanço, houvesse objetos a reboque.
Eu vivia sentado em uma caixa de 25 cent. X 35c X 4Sc,
que permitia assim tres alturas de assento.
Na antepara de ré foram feitas chaleiras para 30 boias
de fumo. Sobre elas havia uma prateleira, onde se arrumava
a caixa do cronômetro, a do sextante, e a dos livros e cartas,
almanak nautico, tábuas de navegação, etc. A estibordo havia
uma mesa de dobrar, com fios, que seguravam o diário da navegação e cálculos: por cima d'ela havia um grupo de 4 microlampadas, para iluminação intensa durante os cálculos de noite, e
das tabelas constantes, depressão, azimutes, etc., que serviam
para aumentar a rapidez dos cálculos.
A ré fôra montada uma pequena agulha de liquido, com
a respetiva tabela de desvios. Semelhante tabela tinha sido
colocada sob a agulha de governo, com desvio muito sensíveis,
apezar da ação compensadora de uma pequena barra magnética.
E, por ser esta agulha do homem do leme, não deixamos de lhe
pôr por baixo a tradicional legenda :
"A Pátria honrae, que a Pátria vos contempla" .
'I
:
.
\
A nossa aguada limitava-se a um pequeno tanque de dois
galões, com torneira na frente do piloto. Por baixo do seu
banco havia uma caixa, onde se guardavam os mantimentos,
4 kilos de chocolate simples e um de bolacha. N'esta mesma
caixa iam alguns sobresalentes, como a lanterna elétrica de
mão, e os cartuchos da pistola de sinaes.
Na minha frente uma caixa maior levava a ferramenta e
a ambulancia, os nossos casacos e bonés do uniforme, e uma
garrafa de vinho do Porto, que em Lisbôa nos fôra gentilmente
oferecida para uma emergencia, e que nunca foi utilisada.
Finalmente, duas pequenas malas de mão, cujo peso total
não passava de 8 kilos, levavam alguns artigos pessoaes, roupa
branca, correspondencia, e o livro da bibliotéca de bordo, os
Ltisiadas, da edição de 1670, que assim iam pela primeira vez
atravessar o Atlantico pelo ar.
-20Tudo o que se ia passando, tanto da navegação, como elo
motor e elos tanques, navios e terra á vista cálculos naúticos
etc. era ~scrito em ut11 caderno seguro á· mes~; o lapis, como e r~
natural, 1a seguro por um fiel.
Para troca ele impressões, havia um pequeno caderno especial, com o respectivo lapis, o caderno dos recados, que anelava
ela mão do observador para a do piloto, porque o ruído do motor
~os ab~fava as vozes, e nos não deixava conversar.
Nem por
1sso ~e1xamos al~umas vezes de trocar observações humorísticas,
as pwdas, que vmham a propósito, e que agora lá lemos com
satisfação.
Finalmente, atraz ele mim e á minha esquerda no canto
ele bombordo, ia ferracla uma pequena ancora flutuante de saco
do modelo usado em aviação, com o seu competente cabo, recurs~
com ~ue contávamos par~ nos diminuir o abatimento, se alguma
vez tlvessemos que amanssar durante as travessias.
. Não levávamos telegrafia sem fio. O seu peso equivalena a cerca de uma hora ele gazolina, a qual julgavamos mais
util, pois nos permitia ir máis longe.
*
*
*
F?i a~,ma~,os com estes recursos, que ~m 30 de Março de
as_ 7. '. O , T. M. G. nos fizemos ao mar, do porto de
L1sboa, m1c1ando a nossa viajem. Deixamos á nossa direita
a torre de Belém, e voando a passar por baixo de um Arco-iris
que parecia formar ponte entre as torres da entrada do Tejo'
passamos por cima elo Bugio, ás 711 5"'. Logo entrei na fain~
da navegação, a qual, á medida que a ia calculando a ré ia
tran~mittindo ao piloto pelo livro dos recados . O rumo ~er­
cladelro era 206°, o qual , contando com o desvio e com 0 abati·
mento de 5o para EB, por causa do vento fraco de Noroeste
'
ficava em 218° na agulha ele governo.
Ás 7,22"'. já se não via terra; e, com o vento que se ia fazendo a favor, pelo Norte, já corríamos a quasi 80 milhas por
hora. Poucos minutos depois, ás 711 37"' iniciava eu as obser~ações astronômicas pelo Sol, que, a ESE, nos dava apenas
mdicações sobre a certeza do nosso rumo.
1~22:
21
Ao meio dia o ponto foi N 31°27'; W. GR. 13°44'; indicando-nos que já tínhamos corrido 480 milhas, á velocidade de
81 milhas por hora, faltando-nos voar 220 milhas. Fizeram-se
n'esta singradura, 23 cálculos ele retas de altura, e, até ás 14
horas, 45"'., hora a que avistamos, muito longe, a oeste, a Selvagem grande, estivemos 6".53"'., sem ver terra.
O nosso rumo n'esta viajem resentiu-se do mau governo
do avião e da agulha, como do mau funccionamento das boias
de fumo, que quasi sempre se afundavam ao cahirem nagua;
por isso, ao avistarmos a Grã Canaria, estavamos cahidos cerca
de 10 milhas para oeste, desvio este que o sol, que de tarde
estivera ao sudoeste, era impotente para nos evitar.
Ás 15h 37"' poisavámos no porto exterior de La Luz, tendo
voado 8" 37"' desde Lisbôa, com a velocidade média de 82 milhas
por hora, por o vento ter sido No releste ele 15 milhas nas últimas
horas de viajem, tendo-se por isso alterado convenientemente
o nosso rllmo, orçado para BB. A vistáram-se bastantes navios,
passando até alguns desapercebidos, por causa da desagradavel
nuvem ele oleo, que nos vinha da descarga do motor, como sobras
ela lubrificação; dificultando as observações, pois cobria tudo,
embaciando os óculos, os vidros do sextante, e até os olhos !
Já quasi levavamos oleo de rícino na alma, e praguejavamos:
com mil barris de oleo ! Este inconveniente foi muito atenuado
nas outras viagens. Supprehendeu-nos aqui um pedido das
autoridades: a carta de saúde, que não leváramos, por esque.cimento. Mas contentaram-se em nos fazerem uma inspecção
médica.
Como era dificil descolar, carregado, em La Luz, em 2 de
abril, muito leves de gazolina, voamos em 21 minutos as 15
milhas que nos · separam da bahia ele Gando, na costa sueste da
Grã-Canaria, mais abrigada contra o vento dominante, do Nordeste. N'este ponto, como o avião tem que dormir na agua,
começamos a notar uma nova dificuldade; Não ha maneira de
levantarmos da agua sem levarmos alguma nos flutuadores,
que vedam mal ; e esse peso reduz-nos a carga de gazolina, e
portanto o raio de ação ! ...
A 5 de abril, ás 8h 35"' da manhã, descolamos finalmente
de Gando, e seguimos para o Sul, com 12 horas de gazolina.
Como soprava vento Nordeste fresco, íamos correndo sobre o
mar a mais de 90 milhas por hora - o nosso record - ; e sem
•
-22-
-23-
pensarmos em arribar ao ponto de partida, apesar de a agulha
d_e governo, nas primeiras duas horas de viagem, oscilar demastado e_ dar rotações completas, tornando-se inutil. Depois
consegum Sacadura parar-lhe as vibrações, evitando, por meio
de um trapo entalado, o sincronismo com as rotações do motor.
Mas dispuzemo-nos a continuar assim mesmo todo o dia, tanta
era a confiança que já depositávamos no sol e nas observações
astronómicas.
T. M. G. com mar excessivamente chão. Estivemos 911 5m
sem ver terra, até que avistamos o pico de S. Nicolau ás 1711 35m.
Duas horas antes tínhamos· avistado lá em baixo um camarada
pássaro, voando a mais de 150 milhas da terra mais próxima.
Reconhecido que o mar em S. Vicente nos não permittiria
levantar vôo com, pelo menos, 12 horas de gazolina, e tendo
desistido de ir a F. Noronha directamente, por o Lu:::itania não
poder ele maneira alguma cobrir em um só vôo essa di?tancia contra o que nos fôra promettido pelo construtor, mglez, resolvemos fazer uma pequena étape até S. Thiago do Cabo
V erd.e, o que nos economisava cem milhas na distancia a vencer
até ao Penedo de S. P edro, ponto da América que nos estava
mais próximo. Assim, éramos obrigados a alterar profundamente o nosso plano de viagem primitivo, correndo um risco
imprevisto, porque no Penedo ha mar e não ha porto de abrigo.
Contávamos ser lá abastecidos pelo Crusador República, que nos
esperava algumas milhas a Oeste, fora do embate do Penedo,
com os nossos mecânicos. Além d'isso o Crusador, pela estação
T. S. F. de Fernando Noronha, prevenir-nos-ia do estado do
tempo.
Na tarde de 17 de Abril cobrimos em 211 15m (das 17,35
ás 19,50) a pequena distancia, 170 milhas, de S. Vicente ao
porto de Praia, ilha de S . Thiago. Se o tempo estivesse claro
nunca deixaríamos de ter alguma das ilhas á vista . Mas como
os horizontes estavam muito enfumaçados perdemos de vista
S. Vicente ás 1811 O"' ; avistamos o Fogo, contra o sol, ás 1911 16m,
e S. Thiago, já em cima de nós, ás 19h 24m. No intervalo
ainda ás 18h 41"' observamos, para retificação da estima, uma
altura elo sol a Oeste , A nossa velocidade média foi de 75
milhas por hora, nada nos tendo ajudado o vento fresco, do
travez ele BB., que á partida de S. Vicente era de rajadas, e
nos causava violentos balanços no ar.
Recebidas as noticias telegráficas do crusador R epública,
dizendo-nos que havia bom tempo no Penedo de S. Pedro, ~a
madrugada de 18 de Abril, ás 711 55m T . M. G., pouco depms
do nascer do sol, de novo nos fizemos ao ar, para a nossa maior
travessia. Iamos muito escassos de gazolina, pois só conseguimos voar á terceira tentativa, e depois de termos hydroplanado mais de meia hora. Confiados nos nossos recursos de
navegação, já experimentados com sucesso, ~or este lado não
Só ás 8 11 30"', perdemos de vista o elevado pico de Teneriffe, por o horizonte estar muito enfumaçado, pois com bom
tempo ele distingue-se a muito mais de cem milhas. Pelo
mesmo mau horizonte, as observações astronómicas só começaram
as 1011 26"' com o sol a ESE, indicando-nos por emquanto apenas
se o nosso rumo ia correto, informação que o nosso mau governo bem necessaria tornava.
A altura do sol, tomada ás 11. 52, em 220 pés de altitude
poz-nos a 300 milhas do ponto de partida, mostrando-nos, assim:
como o vento continuava fresco e a favor, como já o fizera a
vaga grossa que víramos lá em baixo. O mesmo se concluiu
ao :'er como _balançava e lutava contra o mar pela prôa, o único
n~viO q?e avtsta~os n'e~ta travessa, ás 12 11 5m, um vapor, a quem
ca de Ctma acenet entustasmado.
Ao meio dia o ponto foi N. 22° 38', e W 200 22', mostrandoque a, ~ossa velocidade média andara até então por 90
mtlhas horanas, e lembrando-nos que havia já tres quartos de
hora que cortávamos o Trópico. O vento, que soprava fresco
da pôpa, começou ás 14 horas a abonanÇar francamente; rondando para o Noroeste, o que já nos fôra annunciado por
uma ondulação bastante larga, que de lá vinha, e que de cima
se notava perfeitamente marcada no mar.
n~s
•
. Esta mudança ele vento reduziu-nos rapidamente a veloctdacle, conforme nos indicavam, de resto, as alturas do sol,
ao Sudoeste. N'este dia foram observados 18 grupos de alturas do ~oi, o últii?o dos quaes marcando o sol a oeste, e já
com os ptcos das tlhas de Cabo Verde, entre S. Nicolau e
Santo Antão, á vista, por cima das nuvens.
A distancia total voada n'este dia, 849 milhas, foi percorrida
em 1011 43"', com. a velocidade média de 79 milhas por hora,
tendo poisado em S. Vicente, no Porto Grande, ás 1911 18"'
- 24tínhamos rece-io de não demandarmos sem hesitar o Penedo,
apesar de êle ter cerca de 200 metros de extensão e menos de
20 metros de altitude sobre o mar, sendo assim um alvo menos
visivel do que alguns dos maiores navios que vem ao Rio de
Janeiro.
Rapidamente, ás 811 10m, já se tinha perdido de vista a iiha
de S. Tiago; e, apesar de passarmos a 45 milhas da ilha do
Fogo, não avistamos esta ilha tão alta, por estar muito encizeirado o horizonte.
Logo, as 811 s4"' começei a longa série de observações do'
sol, o qual de manhã estava a Leste, sendo-nos portanto util
só como indicador do rumo e não da distancia. Foi esta â resposta que dei ao piloto, no inicio da nossa grave discussão sobre
a arribada; o excesso ele consumo ele gasolina e o facto de o
alisado de nordeste, com que contávamos, ir abonançando, faziam-nos temer o não conseguirmos chegar ao Penedo antes
elo pôr do sol, hora a que fatalmente se nos acabaria a essencia.
Tomamos então a resolução mais grave ele toda a viagem. Resolvemos ir para diante por cima de toda a folha. Mas a
fortuna mais uma vez protegeu o atrevimento, e o alisado tornou
a refrescar, ele modo que, pouco antes do meio dia, o sol, ao
Nordeste, indicáva-nos uma velocidade média de 80 milhas por
hora. A meridiana, já com o sol 3 graus ao Norte elo Zenite,
deu-nos para ponto observado N 7° 41'; W 26° 26'. Já tinhamos andado 466 milhas, o que era mais de meia distancia,
pois nos faltavam 442. Em todo o dia só avistamos um vapor,
ás- 9h 10"' que provavelmente ia da América do Sul para as
Canárias, e que deveria ter notado que já se estava tornando
a aviação tão banal, que se viam voar aeroplanos tanto ao largo
da costa da A f rica, entre o Trópico e o Equador ...
Depois do meio dia o sol saltou em azimute para WNW,
e assim se ,conservou o resto da tarde, não nos podendo dar
indicação alguma sobre a velocidade com que navegávamos ; comtudo, das baias de fumo e da nossa prática do aspeto do mar,
concluímos ir correndo a pouco menos de 80 milhas, porque o
alisado nos continuou sempre a acompanhar, apesar de um
ou outro aguaceiro Equatorial, que apanhamos, sem trovoada.
Como se tratava ele demandar o ponto diminuto, que era
o Penedo de S. Pedro, á. tarde reiteraram-se as observações
de alturas do sol, e o lançamento de . baias, as quaes já fun-
-25cionavam bem, depois de lhes termos aumentado a cortiça.
Das 5h e meia ele Greenwiche em diante, cleixámo-nos descahir
para Oeste ela linha do rumo direto, até ocuparmos a reta de
altura do sol (cujo azimute já praticamente não variava), que
passaya pelo Penedo ele S. P~dro; e seguimos por ela a 190
graus verdadeiros. N'este dia observaram~s~ 40 gru~o~ de
alturas do sol, mais decerto do que as necessanas. As ultimas
eram liquidadas rapidamente, pois foram calculacl~s _por um
processo extremamente expedito, que a nossa proxJmJ~acle do
Equador tornava possível; uma pequena tabella, previamente
calculada, indicava por simples inspecção a som_a do angulo
horário com a altura, deduzindo-se assim esta ultima por uma
elementar subtração.
As 711 10"', alguns minutos antes do que esperávamos, por
estimarmos uma distancia navegada inferior á verdade, demos
vista pela prôa das pedras amareladas do exiguo. Penedo de S.
Pedro, já terra da América do Sul, e elo B:~s1l, embora. despovoada, que nos aparecia muito abaixo elo honzonte . . Fm este
o momento ele mais entusiasmo de toda a viagem, e tmensa a
satisfação que sentimos; estava vencida a maior diflc~l?ade da
travessia, tanto em distancia a percorrer, como na dtftculdade
do ponto a demandar !
Estivéramos 1Il' om sem ver terra. Logo corremos para
sotavento, para o crusador República, que a segt~ir se avist~u
afastado do Penedo, na posição combinada, em vtsta do rec~10
que havia ele á tarde poder-nos faltar o sol. Mas, a_o amanssarmos ás 1911 16"' a calema cavada que se levantara desde
manhã,' começou a sua destruição do Lusitania, que p~la primeira
vez voava com este nome. O choque mal se sentlo, e somos
recebidos pelas embarcações do República, sem estarmos feridos
e nem ao menos molhados.
Salvaram-se do naufrágio os principaes instrumentos, as
roupas e bagagens e todos os livros, incluindo o Diario de N_avegação, pelo qual se concluía que tínhamos voado 908 mt~has
em 11 h 20m á velocidade media de 80 milhas por hora. Ftcou
sendo este o rccord da A viação Portugueza.
Os Penedos de S. Pedro assistiram assim á destruição do
nosso avião em que fundáramos tantas esperanças de voar até
passarmos ~ntre as Fortalezas de entrada da formosa bahia de
Guanabara. Lá deixamos cravada uma chapa de ferro com os
-27-
-26nomes do República, do Luzitania, e os nossos, a testemunhar
aos navios que ali passam este naufragio, com que os portuguezes iniciaram a sua primeira tentativa de, no seu clássico
palco do Oceano Atlantico, cortar o Equador pela via dos ares:Como é sabido, foi-nos enviado de Lisbôa, pelo paquete
brasileiro Bagé, um outro hydroavião, o Fairey 16, análogo ao
Lu:::itania, mas com menos azas e menor raio de acção. Este
avião não poude ser desembarcado no Penedo de S. Pedro, por
se ter rec_onhecido que já eram fracas as possibilidades de ali se
encontrar mar próprio para decolar, e o vapor Bagé veio entregar-noJo em Fernando Noronha.
Assim, em 11 de Maio, decolamos de Fernando Noronha
ás 11 11 01"' de Greenwich, para fazermos um raiei, ida e volta ao
Penedo de S. Pedro. Levávamos 9 horas de gazolina. O vento
era leste brando, o horizonte era bom, e o sol descoberto; logo
foi marcado o taximetro, para regulação da agulha e conferencia
elo rumo, o que não fôra possivel fazer no porto de S. Antonio.
Perdemos a terra ele vista ás 11 h 30"' e passo a observar o sol,
o qual, ao Nordeste, só nos indica a distancia navegada, ao passo
que as boias de fumo nos corrigem o rm1Jo. A nossa velocidade,
com· vento pouco avante do travez, reduz-se a 70 milhas por
hora. Só avistamos um vapor, perto das 12 horas, muito amaraclo umas 12 milhas a barlavento.
Além da navegação, ocupo-me desta vez ele um trabalho
novo para mim: o trasfegar para o tanque ele serviço a gasolina
de seis latas e elo tanque cylínclrico adaptado em Noronha;
esta faina não me aborrece tanto como seria ele esperar; a tudo
a gente se habitúa, até a voar cercado ele latas soltas de gasolina, como no caso presente! Essa faina de as abrir e despejar
dentro de um funil coberto com uma pele ele camurça, que servia
de filtro, levou-me até as 1311 40"'. O mar continua chão, com
pequena carneirada causada pelo vento leste fraco.
Ao meio dia verdadeiro, descemos a cem pés de altitude e
observamos a altura meridiana do sol - hábito que nos ficou
da viela do mar. O ponto pôe-nos em ()<>50' sul e 30° 18' W
G., ainda no hemisfério sul, tendo aproveitado a 70 milhas
por hora, e vencido 220 milhas. Faltam-nos menos de sessenta
milhas para cortar o Equador, o que fazemos ás 1411 50"',. No
hemisfério Norte o vento torna-se mais irregular, de salseiras.
As 15h 35m, estando á vista o Penedo de S. Pedro, a poucas
milhas do Norte, virâmos para sul, para evitar um aguaceiro.
Continúo observando o sol, que agora ao Noroeste, nos não
pode indicar distancias, mas só encaminhar-nos no rumo. Com
o vento Leste, que refrescou e está francamente para ré do travez,
calculamos ir correndo a 80 milhas por hora. O Equador é ele
novo cortado, e, pelo sol, preparamo-nos para ir demandar o crusaclor "República" , que nos esperava em rnidc:::-vous a 70 milhas
ao NNe ele Fernando Noronha. Era uma ocasião interessante de
mostrarmos que até eramos capazes ele ir demandar astronomicamente um escaler com náufragos, que tivessem indicado a sua
posição no alto mar. ~f as os náufragos, fomos afinal nós. Ás
1711 35m, tendo navegado já ele volta cerca ele 150 milhas, ou um
total ele 480 milhas em 6 horas e meia, comecei a ouvir ratés, sinal
de que a gasolina não chegava ao motor. Sacadura, ao mesmo
tempo quo picava e orçava para .bombordo, a aproar ao vento. ia
dando á bomba de comprimir ar no tanque grande - onde nos
restavam ainda perto de tres horas ele essencia - movimento que
imitei instintivamente na minha bomba.
Mas de nada isso serviu. O motor não pegou, e poucos segundos depois tocavamos ele leve na crista ele uma vaga, e iamos,
ele salto sem avaria ele maior, pousar na agua, no nosso elemento,
muito contentes por não termos partido os flutuadores, como
acontecera ao Luzitania.
De aviadores tinhamo-nos tornado marinheiros, embora náufragos, e assim tinhamos ele aceitar o nosso desastre com filosofia, apesar ele logo depois ele poisarmos terem aparecido dois
tubarões, em reconhecimento, mesmo entre os flutuaclores.
Analysada a nossa situação, verificámos que havia vento
bonançoso, e pequena carneiracla, onde o nossso avião, com a
muita madeira que tinha, e com os tanques veclaclos, poderia
talvez flutuar mais ele dois dias. Tinhamos 4 kilos ele mantimentos, bolacha e chocolate, que nos poderiam durar uma semana; isto é, que, em teoria, nos dariam ele comer até quando
já estivessemos poisados no fundo elo mar. Agua de beber não
faltava; na região chove bastante, e, ele resto, tinhamos cerca de
50 litros ele agua nos radiadores, que logo provei e achei excelente.
-
2S-
, A observação do sol, que fizemos depois de poisar, confirmara-nos o nosso ponto aéreo, garantindo-nos que estavamos
em uma zona frequentada pela navegação da America do Sul,
e algumas dezenas ele milhas a barlavento.
Emfim, as comoclidacles não eram tantas como no Palace
Hotel elo Rio ; mas, em bôa verdade, a nossa situação não nos
preocupava tanto, como a angústia elas pessôas, que bem sabiamos estarem com cuidado em nós, e sobre quem trocamos algumas
vezes impressões. Afligianos especialmente a lembrança elos
nossos amigos, officiaes e marinheiros do crusador República
que já tinham visto a facilidade com que o mar desfizera o L1;
:::itania, e ~ue portanto ~inham razões práticas para receiar que
o mesmo tivesse acontecido ao Fairey 16, acabando trágicamente
o raiei.
Pelo lado pessoal a situação não se nos afigurava pois como
clesesp~radora; e, tanto que, discutimos friamente a que horas
passana o crusaclor República á nossa procura, tanto na ida para
o norte, em rumo previamente combinado, como para o sul, lamentando Sacaclura não ter cigarros suficientes para durarem
tanto tempo. Este detalhe fôra descurado !
.Ao anoitecer observaram-se estrelas e planetaSj os quaes
confirmaram a nossa posição, com a novidade ele os cálculos
serem feitos a dois e quasi ás escuras. I amos clescahinclo pouco,
como concluíramos já, ao ver que os flutuaclores alagados nos
conservavam o avião meio atravessado ao vento; estavamos como
supunhamos a 170 milhas éle Fernando, e na linha desta. ilha
para o Penedo.
Mas este conhecimento ela nossa posição geográfica (lat.
1°25' Sul e Longitude 30°54' WG), não tendo nós T. S. F.
para pecl.ir soccorro,. era um recurso só de parada, que apenas
nos servm para, mais tarde, a bordo elo vapor inglez PARIS
CITY, mostrarmos ao captain Tamlyn, que não paráramos
por estarmos percliclos, pois bem sabíamos onde estavamos, e
que o homem do ar não se perde.
Ás 9 horas conseguimos pôr o motor a andar, mas êle ele
novo parou uma hora depois, porque se mantinha a mesma
rasão forte que impedia a essencia ele chegar ao carburador.
Ás 11 horas ela noite estava Sacadura a cavalo no motor
vigiando o horizonte pela popa, ao passo que eu vigiava a prôa:
-29sentado no banco do piloto. Já luta vamos com o sôno, apezar
elas pancadas que me dava o volante, tocado pelo embate elo mar
no leme de profundidade; sinal este de que não estavamos preocupados a sério com a situação, que até o luar tornava poética ...
Dormiríamos ele dia, quando a nossa vigilancia fosse menos util,
por não nos ser possivd fazer sinaes ; e melhor seria até não
vermos os navios, que passassem a distancia, sem notarem os
destroços do pobre Fairey 16 ...
Mas não foi preciso vigiarmos toda a noite. Pouco antes
da meia noite local, avistava eu pela prôa, ao Nordeste, e farol
de estay de um vapor. Disse-se que era o socorro fatal, com que
já contava Sacadura, mandado por uma madrinha de guerra de
grande poder, que ele tinha lá em Paris, o que bem se concluía
do seu nome, PARIS CITY . Mas, sem· blague, era afinal um
elos vapores que nos esperavamos, e que era natural que passasse
por aquelas paragens. Por isso o avistamos friamente, sem gritos
de entusiasmo, limitando-nos a saudai-o com dois tiros de pistola de sinaes V ery, de que iam os prevenidos para uma emergencia como esta.
Assim, depois de nove horas de naufragio no alto mar, fomos
recolhidos naquele vapor inglez, que vinha carregado de carvão
em viagem direta ele Carclff para o Rio, aceitando o nosso desastre como um acidente que, no fundo, serviria ·para mostrar
os riscos da nossa viagem, e a tornava mais interessante.
Quando o crusador Repúblcia apareceu ele madrugada, chamado pela T. S. F. do PARIS CITY, estavamos de facto a
duas horas e meia de Fernando Noronha, na linha do Penedo,
e certos ele não falharmos a Ilha, se tivessem os· podido aproveitar
a gasolina que nos restava no tanque grande, e tanto mais que
soprava vento favoravel.
Observán1os neste dia, 11 ele Maio, 12 grupos ele alturas
do sol. O destroyer brasileiro Pará tambem nos procurava, conforme fôra previamente combinado, nas 70 milhas entre o Repúblicae Fernando Noronha. Ficamos assim tambem reconhecidos á Marinha Brasileira, como tambem o ficámos ao director
do Presidia, o coronel Manoel Breyner, que julgando-nos perdidos, fizera o que poude, rezando-nos por alma!
Mas seis horas e meia, que nos mantivemos no ar, não conseguíramos voar, como projetavamos, a ida e volta entre Fernando
e J>enedo; mas tínhamos coberto quasi 500 milhas, em logar
'
i
-30das 335 da distancia simples, e por isso julgámos não ter deixado em claro esta solução de continuidade da nossa viagem,
interrompida por causa de força maior.
Tendo a opinião publica, tanto em Portugal como no Brasil,
manifestado um entusiástico desejo de que fosse continuada a
nossa viagem, concordando assim com a nossa ardente aspiração,
foi-nos enviado de Lisboa um novo hydroavião, o Fairey 17,
o qual chegou a Fernando Noronha na madrugada de 3 de Julho
a bordo do crusador Carmlho Araujo. Era um modelo de
série, semelhante ao F. 16, com o mesmo motor Rolls-Royce
de 350 cavallos, que tinha sido salvo do hydroavião F. 4018,
onde já naufragáramos, em 1921, na ilha de Porto Santo. Trazia
adaptado um tanque de sobresalente, para cerca ele 2 horas ele
vôo. No total o raio de ação não excedia 7 horas e meia de vôo,
ou cerca de 500 milhas. Em 4 de Junho fez -se um pequeno vôo
de experiencia e reconheceu-se que a disposição elo pau de carga
do crusador era perfeita, e permitia com segurança o embarque
e desembarque do hyclroavião, o qual passou assim a poder ser
atestado de gasolina nos portos, mesmo dentro do crusador.
Na manhã de 5 ele Junho, ás 8 y,i hs. deitou-se o aparelho
ao mar; e ás 1011 47m, T. ~1. G. estamos no ar, com facilidade,
levando só 6 horas de gasolina. Solta-se o rumo, 220° da agulha
de ré, a qual não pudera ser regulada em F. Noronha; e reconhece-se por marcações do sol que não ha desvio apreciavel nesta
prôa. Communico com o piloto pelo mesmo systema de telefone,
um fio com uma cortiça, que já dera ótimos resultados no F. 16.
O vento é ESE, de cerca de 10 milhas por hora, refrescando
e fazendo-se leste ás 12 horas; observamos 10 graus de abatimento.
Ás 11 11 15m perde-se a terra de vista; e observa-se pouco
depois a primeira altura do sol, que nos pôe, como esperavamos,
a 38 milhas de Noronha.
Ás 11 11 27m passa-nos um vapor pelo travez de estibordo;
e ás 11 11 51 passamos sobre um vapor hollandez. Observa-se
pouco, por não ser preciso e por voarmos altos, a 1700 pés. Ás
12. 50 descemos a 180 pés, e observo um bom grupo de alturas
do sol, que nos diz estarmos já a 80 milhas da costa do Brasil.
Depoi-s subimos muito alto. Ás 1311 40"' a 1600 metros, divisa-se
pela amura de EB uma linha branca muito fina, a rasar por
-31baixo das nuvens; era a linha de areia da costa, que avistávamos
alguns minutos antes de o esperarmos, por termos sofrido por
cima das nuvens um vento forte de Leste ou ENE.
Era finalmente o continente do Brasil, que ao primeiro
portuguez aparecera como um monte, e a nós, ao contrario, nos
aparecia como uma linha branca, a da rebentação na praia!
O tempo estava bom ; nuvens soltas, por vezes salseiras
sem importancia.
Ás 1411 12m, passamos sobre a barra do Rio Parahyba, e
continuamos navegação aérea de cabotagem, ao longo da costa,
notando-se os seus interessantes detalhes, as lagôas, os recifes,
as armações de pesca, barcos de vela e jangadas, etc. A costa
parece bôa para aviação e má para os navios, por estar cheia de
baixos, que de cima distinguimos perfeitamente.
Ás 1511 11m passamos sobre O linda, que nos saúda com morteiros, que não ouvimos, mas vemos rebentar, e ás 15 11 20m poi·samos finalmente no porto interior de Pernambuco. Tinham os
chegado ao Brasil, onde os relogios marcavam meio dia e vinte.
Terminou aqui a nossa navegação astronómica, e começou
outra mais penosa, a dos festejos, banquetes, e bailes; e as
nossas chegadas aos portos eram sempre tão agitadas, pela população, que se comprimia nos caes, que, dir-se-ia, nós eramos
dois indesejaveis, cujo desembarque se pretendia entusiásticamente evitar!
Em 8 de Junho. com vento sul fraco, descolamos do Lamarão, ás 811 Sm, hora legal do Brasil. Levamos pouco mais de
6 horas de essencia. O vento foi rondando por Leste para N ardeste brando. Vamos facilmente reconhecendo a terra, que se
vê muito longe, porque o tempo está ótimo, e os horizontes extensíssimos. Ás 10h 43m passamos sobre Maceió. demorandonos alguns minutos em evoluções. O mesmo fizemos sobre
Aracajú. Ás 1311 35m poisamos na Bahia, tendo voado 380
milhas em 5h 30ms.
Em 13 de Junho levantamos vôo da Bahia ás 711 30m locaes. Levamos, além dos tanques atestados, 4 latas de gazolina,
para assegurar 8 horas de vôo. No ar h a bastante balanço, e
vento sueste, contrario, que refresca até 18 milhas. Á medida
que vamos costeando a terra, o vento vae abonançando e fa-
-
'>'
;)3-
-32zendo-as leste. O celebre monte Pascoal. de Pedro Alvares
Cabral, foi avistado ás 10" 56m. Passamos sobre a sistórica villa
de Santa Cruz ás 11 n 17m,
e poisamos dentro do Reei f e de Porto Seguro ás 1 P 33m.
Tencionávamos meter aqui mais alguma gazolina, e continuar no mesmo dia para o Sul, com o explendido tempo que
está; mas, á sahida da Bahia, ao descolar, partimos dois cabos
das azas, e não é aconselhavel voar sem reparar a avaria, o que
se, faz com o pessoal do cruzador República, que aqui nos estava esperando, encalhando-se o avtão em terra.
Voamos neste dia 212 milhas em 4" 3m com a velocidade
média de 25 milhas por hora, por causa do vento contrário.
Em 15 de junho, levantamos de novo vôo ás 7h 55m com
vento leste fraco, que depois refrescou rondando para Norte.
Voamos a 1500 pés, com ceu lmpo, mar chão, quasi sem rebentação na praia. Horizontes muito extensos, vendo-se ainda
c monte Paschoal ás 9h 40m a cerca de 90 milhas. Os Abrolhos
tambem se avistaram longe, muito distinctos, a mais de 50
milhas, contra o sol.
A's llh 35m pousamos no porto de Victoria, no canal de
Oeste, para dentro dos fios e cabos da luz electrica, contra os
quae~ fôramos prevenidos por numerosas informações, e até
por telegrammas de amigos anónymos.
Voamos neste dia 260 milhas. em 3 11 4()m á velocidade média de 71 milhas por hora ; com mais algumas latas de gasolina teriam os facilmente deitado até ao Rio.
Em 17 de Junho de 19e2, ás 9 horas, tempo local, deitou-se
o avião ao mar, de bordo do crusador Carz,alho Araujo. Corremos no porto interor, de onde tínhamos pousado, e descolamos ás 9h 42 00 com quasi 7 horas de gasolina. O vento começa
sul, de cerca de 12 milhas, mas por vezes vae refrescando com
tempo sujo de aguaceiros; e vae contornando a costa, á medida
que vamos avançando, de modo a manter-se sempre contrário.
O ceu está carregado e h a por vezes violento balanço. O mar,
lá em baixo, tambem está muito agitado.
Ás 13" 16m damos uma volta sobre Porto Frio, não se
vendo o Cabo Frio, que nos ficava poucas milhas a leste, forrado com a neblina. Voamos sobre as lagôas interiores, com
vento co11trário, de oeste.
Ás 13" 57m passamos sobre Ponta Negra, e começa o neyoeiro intenso, não se vendo por vezes nem mesmo a linha rle
1 ebentação, apezar de voarmos muito baixos.
As 1411 171_11 passamos sobre o destroyer brasileiro Para11á,
que vae provavelmente para dentro. Damos algumas voltas
sobre êle, e seguimos para noroeste á tentar reconhecer a terra
que é alta, e portanto perigosa, coberta de névoa como está.
Êstamos receiando ter de amarissar, com 'risco de avariar o
avião, mesmo á chegada final ao porto de destino, exatamente
como aconteceu ha setenta ânos á nau portugueza V ASCO DA
GAMA, que desarvorou completamente em uma noite, fundeada á entrada do Rio .de Janeiro, ficando rasa como um
pontão.
Mas ás 14" 25m avista-se por baixo da névoa a Fortaleza
da Lage; passamos entre ela e Santa Cruz, damos uma volta
sobre a casaria de Botafogo, e ás 1411 32m temos o imenso
prazer de poisar na agua, ao Norte da ilha das Enxadas, na
bahia de Guanabara, onde salvamos á terra com 21 tiros da
mesma pistola de sinaes que, lá ao Norte, ao pé do Equador.
nos servira para chamar o PARIS CITY. A bandeira de seda,
que nos fôra enviada pelas Senhoras brasileiras de Lisbôa.
branca com a cruz de Cristo, já assistiu tambem áquele desastre,
e flutuava ao vento, que já a começara a rasgar.
Estava vencida a ultima étape. O nevoeiro, raro nas tardes
do Rio, viera afinal tornar mais sensacional a nosa chegada á
Capital do Brasil, pois entramos por baixo de um arco-iris,
como por baixo de um arco-iris tínhamos largado de Lisbôa.
A conclusão feliz da viagem não coroava só o nosso esforço: coroava tambem o esforço e a dedicação do pessoal
mecânico, que ficava nos navios, sem voar, mas be~ mais ansioso do que nós; e coroava tambem os bons deseJOS e o ~s­
forço dos commandantes, officiaes e marinheiros dos nav10s
de guerra, que nos esperavam nos portos.
.
A nossa viagem tinha sido uma viagem emprehendtdi1
pela Marinha Portugueza er:; honra ao B.r~sil, e para festejar,
com uma viagem de sensaçao, o Centenano da sua Inde~en­
dencia; em ambos os paizes se osultava com os nossos exltos,
como se sofrera, ainda mais de que nós, com os nossos desastres.
Mas, tudo é bom, quando acaba bem.
- jS-
-34-
Depois de ouvirem esta minha rápida expos1çao dos processos e instrumentos empregados por nós na navegação, que
fizemos durante o raid Lisbôa-Rio, perguntar-nos-ão naturalmente, 'em que consistiu afinal a inovação.
Numeras finaes do raid
]"'
"'b'"'b
"'
..c::
....
1922.
P-<
30 Março- Lisbôa :Las Palmas .
2 Abril
:Gando.
5
17
18
:S. Vicente.
:Praia.
:S. Pedro.
11 Maio-F. Noronha :Mar.
5 Junho- F. Noronha :Recife .
8
:Bahia.
13
:Porto Seguro.
15
:Victoria.
17
:Rio.
Responder-lhes-ei que em bem pouco. Recorremos á navegação astronómica, já conhecida e applicámol-a no ar, meio
que é caraterisado por maior perigo e maior velocidade.
o
v
'"'....'-"
u
o
"'
::l
7hOm ás lSb 37m 8hJ7m
11.13
11 34
0,21
8.35
19 18 10,43
17.35
19 50 2,15
7.55
19 16 11,21
70Jm 82m
15
849 79
170 77
908 80
11.01
10.48
11 .05
480
300
380
212
260
250
lOJO
10.55
12.42
17
15
16
14
14
17
35
20
35
33
35
32
6,34
4,32
5,30
4,03
3,40
4,50
72
67
69
52
71
52
Tudo horas médias de Greenwich e milhas naúticas.
TOTAL
4.527 milhas em 62" 26m
ou seja como velocidade média 72 Y, milhas naúticas por hora.
TEMPO QUE ESTIVEMOS SEM VER TERRA
30 Março.
6h 5Jm
5 Abril.
17 Abril.
18 Abril.
11 Maio.
5 Junho.
9"
osm
lh 16m
llh om
6b OSm
2h 25m
Total.
36" 44m sem ver terra.
36 11
Durante estas
44m, em que estivemos sem avistar terra, observamo!
96 grupos de alturas do sol, ou seja um grupo por cada 23 minutos.
Quando nos lançámos na viagem, iamos certos de que leváYamos na mão os meios suficientes para navegarmos e chegarmos.
Falharam-nos por vezes alguns dos meios, com que contavamos: contra o que nos fôra prometido, o nosso avião não
podia voar, de uma vez, e com vento regular a favor, mais de
mil milhas.
Tinhamos, assim, que vanar de recursos, e fazer viagen 3
directas, sem podermos hesitar ao demandarmos o porto do
destino: e nunca os falhámos.
Por isso. da nossa viagem aérea transatlântica, concluiu-se
que o problema da navegação aérea está resolvido. Está provado que é facil a outros aviadores, mesmo com menos experiencia do que nós, emprehenderem as grandes travessias sobre
o mar, fiando-se nas observações astronómicas: Basta servirem-se de processos e instrumentos identicos aos nossos, e dos
quaes. conforme já mostrei nesta conferencia técnica, não teriamos monopólio, ainda que o quisessemos. Nada é preciso
inventar de novo. Apenas, como não ha pessoal com prática
de grandes viagens aéreas, como o ha nos navios que navegam
no mar, é preciso adquirir tal prática voando e navegando
sobre lugares já conhecidos.
Se pois alguma descoberta nova fizemos durante a nossa
viagem, ella vos fica agora revelada: Navegar no ar é tão
si·m ples como navegar pelo mar!
- 36'As dificuldades que ainda encontram e encontrarão provavelmente durante bastantes annos, as carreiras aéreas comerciaes sobre o mar, são, portanto, só as dificuldades devidas ás
imperfeições dos aviões, os quaes nem, ao menos, ainda podem
carregar todo o combustível de que precisam nas viagens, mais
largas.
Taes imperfeições foram a causa dos nossos insuccessos ·
ellas nos impediram ele virmos de Lisbôa ao Rio em menos d~
uma semana, e com a mesma pontualidade matemática com
que os paquetes rápidos - rivaes por emquanto triunfantes
da aviação - cá trazem os seus passageiros e as suas malas
de correio.
Resta-me agradecer-lhes a paciencia com que suportaram
esta minha tão árida e desataviada Exposição: N'ela procurei
mostrar a parte, que me coube, na execução material da nossa
viagem ao Rio.
Quanto á parte sentimental, nenhum de . nós dois, tripulantes elos tres aviões, pode pretender a respm1sabiliclacle integral dos riscos que corremos, nem a do sucesso final. Lançados
uma vez na grande aventura, em breve perdemos o mérito
pessoal, porque, sem ignorancia do perigo, éramos impelidos
pelo vento de entusiasmo sugeSitivo .que dominava os dois
paizes, ramos do mesmo tronco..
Havia dificuldades de navegação, havia insuficiencia de
essencia, havia acidentes, houvesse um muro levantado a barrar
a passagem do Equador, como o antigo Cabo Não, nós tinhamos que continuar voando, sem olhar para traz, ainda que o
não quisessemos, até bater n'esse muro para provar que não se
podia fazer mais !
Se pois, houve honra ou mérito na viagem que fizemos,
êles pertencem principalmente aos brasileiros e portuguezes,
que, confiados em nós, nos acompanharam, voando em alma
comnosco, de Lisbôa ao Brasil !
-37SEXTANTE COM HORIZONTE ARTIFICIAL
Resultados observados a bordo de um aeroplano Breguet,
voando. sobre Lisbôa, com o piloto Beirs, em 29 de Janeiro
de 1921 ; comparação das alturas observadas com as alturas
rea1s, calculadas e referidas a grupos de 7 a 10 alturas:
+ 7'1'
11 alturas
12
10
O'
3'
+ 4'
+ 8'
+ 3'
+ 8'
+ 9'
+ 9'
+
BREGUET -
Piloto Beirs -
-22'
6'
- 18'
+
5'
+
-
+
1'
O'
12'
4'
20 de Março de 1922
J<·. 16 - Piloto Sacadura:
7'
12'
8'
10'
- 10'
9'
1'
- 16'
8'
-
+
+
+
+
+
+
7
7
7
"
"
6
10
10
9
"
"
"
12 de Março de 1921 :
10 alturas
11
10
8
7
11
7
7
"
"
"
"
"
"
Hydro-Avião F. 401, depois
8 alturas
3
"
9
"
8
"
8
"
7
6
"
8
5
"