23112009 - Seminário - 3º Seminário Latino

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23112009 - Seminário - 3º Seminário Latino
CÂMARA DOS DEPUTADOS
DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO
NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES
TEXTO COM REDAÇÃO FINAL
COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS E MINORIAS
EVENTO: Seminário
N°: 2150/09
DATA: 23/11/2009
INÍCIO: 09h41min
TÉRMINO: 18h57min
DURAÇÃO: 09h13min
TEMPO DE GRAVAÇÃO: 09h13min
PÁGINAS: 140
QUARTOS: 111
DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃO
MARTÍN ALMADA LAUREADO – Prêmio Nobel da Paz de 2002 e advogado do Paraguai.
VIVIEN ISHAQ – Coordenadora-Geral Substituta do Arquivo Nacional no Distrito Federal –
COREG/DF.
JACKSON LAGO – Participante.
MANOEL DA CONCEIÇÃO – Participante.
MODESTO DA SILVEIRA – Advogado.
JARBAS MARQUES – Participante.
RAIMUNDO PEREIRA – Participante.
CARLOS MARIGHELLA FILHO – Sindicalista.
ALEINALDO BATISTA SILVA – Participante.
AUGUSTO PORTUGAL – Representante do Fórum Permanente de Ex-Presos e Perseguidos
Políticos de São Paulo.
MARINA DOS SANTOS – Representante do MST.
SHIRLEY OROZCO RAMIREZ – Cônsul Geral da República da Bolívia no Rio de Janeiro.
FRANCISCO SORIANO – Representante do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria do
Petróleo no Estado do Rio de Janeiro – SINDIPETRO-RJ.
PETER CORDENONSI – Cineasta.
FERNANDO SIQUEIRA – Presidente da Associação dos Engenheiros da PETROBRAS (AEPET).
DULCE MARIA PARRA FUENTES – Ministra Conselheira da Embaixada da Venezuela,
representando o Petróleos de Venezuela S.A. – PDVSA.
PAULO ABRÃO PIRES JÚNIOR – Presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça.
MARLON ALBERTO WEICHERT – Procurador da República, em São Paulo.
BEATRIZ STELLA DE AZEVEDO AFFONSO – Representante do Centro pela Justiça e Direito
Internacional – CEJIL.
PAULO CANABRAVA – Representante da Associação Brasileira dos Anistiados Políticos –
ABAP.
KHATCHINK DERGHOUKASSIAN – Professor e Assistente do Departamento dos Estudos
Internacionais da Universidade de Miami, nos Estados Unidos, e da Universidade de Santo
Andrés, Buenos Aires, Argentina.
ROSE NOGUEIRA – Representante do Grupo Tortura Nunca Mais, de São Paulo.
SANTO DIAS – Participante.
SUMÁRIO: Abertura Oficial do III Seminário Latino-Americano de Anistia e Direitos Humanos.
OBSERVAÇÕES
Houve exibição de vídeos.
Houve exibição de imagens.
Houve intervenções fora do microfone. Inaudíveis.
Houve exposição em espanhol com tradução simultânea.
Há falha na gravação.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ
Outros Eventos - Seminário
Número: 2150/09
COM REDAÇÃO FINAL
Data: 23/11/2009
O SR. COORDENADOR (Paulo Otaran) - Bom dia a todos.
Senhoras e senhores, damos início à abertura oficial do 3º Seminário
Latino-Americano de Anistia e Direitos Humanos — Manoel da Conceição, evento
promovido pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos
Deputados, em parceria com diversas entidades da sociedade civil e órgãos
públicos.
Este evento tem transmissão ao vivo pela TV Câmara e pelo sistema
WebCâmara.
Neste seminário, prestamos homenagem ao líder camponês Manoel da
Conceição e a outros líderes de diferentes segmentos da sociedade que lutaram
pelos direitos humanos no Brasil.
Neste ano, dentre os temas abordados, estão a anistia política e trabalhista, a
criminalização dos movimentos sociais e as implicações que a descoberta do pré-sal
poderá gerar para as políticas de promoção e proteção dos direitos humanos no
Brasil.
Neste momento, temos a honra de convidar para compor a Mesa o Exmo. Sr.
Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, Deputado Luiz Couto
(palmas); o Prêmio Nobel Alternativo da Paz de 2002 e advogado no Paraguai, Sr.
Martín Almada (palmas); a coordenadora-geral substituta do Arquivo Nacional no
Distrito Federal, Sra. Vivien Ishaq (palmas).
Tão logo chegue a este ambiente, será conduzido à Mesa o Magnífico
Vice-Reitor da Universidade Federal de Goiás, Dr. Benedito Ferreira Marques, que
está a caminho.
Composta a Mesa, tenho a honra de passar a palavra ao Sr. Presidente da
Comissão de Direitos Humanos e Minorias, Deputado Luiz Couto, que coordenará
os trabalhos neste seminário.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Bom dia para todos e para
todas. Declaro abertos os trabalhos deste III Seminário Latino-Americano de Anistia
e Direitos Humanos, uma realização não apenas da Comissão de Direitos Humanos
mas de várias entidades que trabalham em favor da anistia, pelos direitos humanos,
em favor do Projeto Memórias Reveladas, do direito à memória e à verdade.
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Nós queremos dar as boas-vindas a todos os presentes, e que nós
possamos, como dizia ao companheiro Modesto, neste seminário, avançar muito
mais na luta pela anistia, na luta para que os arquivos da repressão sejam abertos,
para que sejam levados ao conhecimento da sociedade, para que os torturadores
possam ser punidos.
Para que possamos ter a reconciliação da Nação brasileira com o passado,
com o que aconteceu na nossa história, nós queremos a verdade, porque a verdade
pode até fazer alguém sofrer, mas a verdade nos liberta. Nesse sentido, damos as
boas-vindas a todos os presentes, e que possamos aproveitar bem este seminário;
que as conclusões tiradas daqui possam trazer-nos um avanço significativo na luta
pela anistia.
Para uma saudação aos presentes (depois ela vai participar da Mesa, mas
agora é o momento de saudar) eu concedo a palavra à Sra. Vivien Ishaq,
coordenadora-geral substituta do Arquivo Nacional no Distrito Federal —
COREG/DF. (Palmas.)
A SRA. VIVIEN ISHAQ - Em primeiro lugar, gostaria de saudar todos os
presentes, senhoras e senhores, na pessoa do Deputado Luiz Couto. Tenho a honra
de representar aqui o Diretor-Geral do Arquivo Nacional, que está em viagem ao
exterior; por isso, estou aqui falando em seu nome.
Estou só aguardando o rapaz que vai... Sim?
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Não. Agora, Vivien Ishaq, é só
uma saudação. Depois ouviremos a Mesa.
A SRA. VIVIEN ISHAQ - Uma saudação? Ah! Está bom. (Risos.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Agora faremos uma saudação
geral aqui, e depois ouviremos a Mesa para os nossos trabalhos. Certo?
Eu
registro
a
presença
também
da
Sra.
Alexandrina
Cristensen,
vice-presidente da Associação Brasileira de Anistiados Políticos, de líderes sindicais
e das associações de anistiados políticos e agricultores do Araguaia, e também
cumprimento os demais presentes.
Para uma saudação inicial — depois ele vai participar da primeira Mesa —,
concedo a palavra ao Sr. Martín Almada, advogado paraguaio e Prêmio Nobel
Alternativo de 2002.
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O SR. MARTÍN ALMADA LAUREADO (Exposição em espanhol. Tradução
simultânea.) - Estou muito agradecido de estar nesta mesma sala onde estive no
ano passado, onde pude, no ano passado, ouvir mensagens muito bonitas, quando
nos disseram: “queremos a abertura total do arquivo da repressão; a anistia não
será completa sem punição dos torturadores”.
Agrada-me isso, porque acredito que a palavra é a arma da revolução.
Minha intervenção hoje vai ser em homenagem a nossos companheiros de
utopia. Em especial, renderei homenagens ao Capitão José Wilson da Silva, ao
Capitão João Guimarães, a D. José Alípio Ribeiro e a Paulo Roberto Manes. A
esses próceres eu rendo minha homenagem.
Minha palestra vai ser em torno da repressão, da Operação Condor,
sobretudo para reclamar justiça, porque a impunidade gera mais corrupção e mais
repressão.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Para que possamos aproveitar
bem a primeira Mesa de trabalhos, em que trataremos do tema Arquivos Nacionais,
nós encerramos esta Mesa de abertura.
Passamos agora à primeira Mesa, em que, como eu disse, trataremos do
tema Arquivos Nacionais.
Para compor esta Mesa já estão presentes a Sra. Vivien Ishaq, coordenadora
substituta do Arquivo Nacional, e o Sr. Martín Almada, advogado paraguaio e Prêmio
Nobel Alternativo de 2002. Ainda não chegou o Prof. Benedito Ferreira Marques,
Vice-Reitor da Universidade Federal de Goiás, que falará do Projeto Memórias
Reveladas. No momento em que ele chegar nós vamos dar-lhe a palavra.
Concedo a palavra à Sra. Vivien Ishaq, coordenadora substituta do
COREG/DF.
A SRA. VIVIEN ISHAQ - Bem, agora é para valer; então, gostaria de
apresentar aos senhores e às senhoras o estado atual do desenvolvimento dos
trabalhos do Arquivo Nacional, em conjunto com a Casa Civil da Presidência da
República, no que se refere à localização, ao recolhimento e à disseminação das
informações dos órgãos de repressão do Governo militar.
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Eu gostaria de lhes apresentar um powerpoint, para os senhores irem
acompanhando o desenvolvimento do nosso trabalho.
(Segue-se exibição de imagens.)
Bem, aqui estou apresentando aos senhores, talvez pela primeira vez, o
centro de referência das lutas políticas no Brasil do período de 1964 a 1985,
chamado Memórias Reveladas. Esse projeto, esse centro de referência é
coordenado pelo Arquivo Nacional e institui uma rede de parceria com os arquivos
estaduais, municipais e outros centros de documentação de todo o País e no
exterior.
Essa é a sede do Arquivo Nacional no Rio de Janeiro. Esse centro de
referência, depois de muitas elaborações e discussões, foi criado em 13 de maio de
2009 pela Ministra de Estado Chefe da Casa Civil, em cerimônia no Palácio do
Itamaraty, com a presença do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, onde então foi
apresentado o projeto do Centro Memórias Reveladas.
A definição desse centro de referência: é o resultado visível do esforço de
conjugação das diversas ações do Governo voltadas ao fortalecimento de uma
política pública de valorização do patrimônio histórico documental para consolidação
da cidadania e da democracia do País — porque nós sabemos que hoje o acesso a
informação é uma questão de direito de cidadania, é uma questão de direito
humano, é uma questão de direito à verdade, à memória e à justiça.
O papel do Arquivo Nacional nesse sistema: ele é o órgão do Sistema
Nacional de Arquivos e gestor desse centro, catalisando as várias iniciativas de
tratamento arquivista, de organização, de disseminação, de difusão dessas
informações para um público amplo, porque todas essas informações vão estar
contidas na rede mundial de computadores.
Como é feita essa integração, como é que essa rede foi pensada? Essa
integração é realizada por intermédio do Portal Memórias Reveladas, que está na
Internet, onde fontes primárias e secundárias são gerenciadas e colocadas à
disposição do público em um banco de dados; é um banco de dados comum,
alimentado por todos os parceiros, que tem, é claro, em vista fazer a disseminação
dessa informação, realizar estudos e pesquisas, fazendo o fomento do
conhecimento sobre a História do Brasil também.
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Os objetivos desse centro: promover o reencontro do País com sua história
recente, estimulando o debate político e a conscientização democrática; estimular
pesquisas sobre o período de interesse, na perspectiva da história, da ciência
política, do direito, da antropologia, da sociologia; permitir o acesso às fontes de
informação e de conhecimento por meio de uma rede virtual de ampla abrangência,
como direito fundamental de cidadania; estabelecer o Memórias Reveladas como
projeto piloto da Rede Nacional de Cooperação e Informações Arquivísticas; e
valorizar a memória nacional, por meio da divulgação de projetos, exposições,
multimídia, concurso monográfico e outros produtos que venham a disseminar a
informação sobre o período.
Os recursos, no momento, são recursos próprios, orçamentários e financeiros,
dos parceiros do Projeto Memórias Reveladas e do próprio Arquivo Nacional. Foram
captados recursos também por intermédio da Lei Rouanet, na modalidade
mecenato, por meio da ACAN, que é a Associação Cultural do Arquivo Nacional, em
ações em nove Estados, recursos esses que foram utilizados para aquisição de
equipamentos, material de consumo e contratação de serviços. Então, a
PETROBRAS apoiou os arquivos estaduais do Espírito Santo, do Paraná e de São
Paulo; o Banco do Brasil os de Minas Gerais, Alagoas, Ceará, Sergipe e Rio Grande
do Norte; a ELETROBRAS o Arquivo Público do Rio de Janeiro; a Caixa Econômica
o Arquivo Público do Maranhão e o de São Paulo; e o BNDES, por fim, os de
Pernambuco, Rio Grande do Sul e Goiás.
Então, esses recursos estão sendo alocados nessas instituições para a
contratação de serviços e de equipamentos; os serviços referem-se a pessoas que
vão organizar e tratar essa documentação seguindo a orientação técnica do Arquivo
Nacional, e os equipamentos são scanners, computadores, enfim, todos os recursos
de informática e de mídia para que essa documentação, depois de organizada,
possa ser acessada por todos os cidadãos.
Um outro desafio, entre os muitos desafios que temos nesse campo, entre a
questão de localização, abertura dos acervos e disseminação dessas informações,
foi o edital de chamamento público de acervos, que foi feito a partir da criação do
centro. Aqui, a questão é sensibilizar portadores de acervos, portadores privados de
acervos, porque, no nosso caso, nós da área federal já temos a previsão legal de
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que todo o acervo dos órgãos de repressão já extintos, não mais vigentes, vai para o
Arquivo Nacional depois de identificado e localizado.
Aqui temos um outro braço do mesmo trabalho de localização e identificação
de acervos, que é a mobilização da sociedade, a sensibilização de pessoas que
ainda detêm acervos, até mesmo públicos, porque muitas pessoas têm acervos
públicos em seu poder e fazem doação. Foi o caso, por exemplo, de uma jornalista
que nos entregou mil páginas de documentação sobre a Guerrilha do Araguaia,
documentação essa produzida pelo Exército. Então, com esse chamamento, que vai
vigorar por mais um ano, tentamos buscar novos acervos em mãos privadas sobre o
assunto para compor o Centro Memórias Reveladas.
E também, na mesma ocasião da criação do Centro Memórias Reveladas, em
13 de maio, o Presidente apresentou projeto de lei que será examinado no
Congresso Nacional, que está em tramitação no Congresso para ser analisado,
melhorado, incrementado, o Projeto de Lei nº 5.228, de 2009, que tenta organizar e
legislar sobre a questão do acesso à informação, diminuindo o prazo de sigilo,
definindo as autoridades que possam classificar essa documentação e sobretudo
trabalhando para a transparência do Estado brasileiro, para que a informação que
não seja sigilosa, que não seja de caráter pessoal, esteja disponível a todos os
cidadãos interessados.
Então, os acervos de interesse do Memórias Reveladas são arquivos
acumulados pelo Poder Público e por entidades privadas, podendo a documentação
ser desde publicações, vídeos, documentos mesmo, produção científica literária —
tudo que envolve o período é objeto do Centro Memórias Reveladas.
Na concepção do centro, os parceiros do Memórias Reveladas vão preservar
a custódia dos documentos atualmente sob sua guarda. Cada instituição indica um
supervisor e uma equipe, que fica em interlocução com o Memórias Reveladas,
fazendo todo esse trabalho de organização e disseminação da informação. A
integração entre as instituições e entidades parceiras por intermédio da Rede
Nacional
de
Cooperação
e
Informações
Arquivísticas
e
a
alimentação
descentralizada de um mesmo banco de dados são os conceitos-chave do centro,
que já conta hoje com 40 parceiros, instituições brasileiras e estrangeiras.
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Aqui damos só uma visão dos parceiros que já têm um protocolo com o
Arquivo Nacional assinado e os pontos no País. Nós sabemos que a malha de
arquivos no País é imensa. Temos arquivos estaduais e municipais. Muitas
universidades também detêm documentação pública. Há centros de documentação
com documentação privada e pública sobre o período. E a melhor maneira de se
conseguir uma comunicação de todas as informações é a partir dessa rede, em que
os parceiros vão trabalhar em conjunto com o Memórias Reveladas, alimentando,
preservando e tendo o controle de sua própria documentação.
Esses primeiros slides e a minha primeira fala foram para mostrar a face
externa do Arquivo Nacional, com todos os outros parceiros e as outras instituições
arquivísticas do País. E internamente, qual é o trabalho que vem sendo feito pelo
Arquivo Nacional, como detentor dos arquivos governamentais, sobre o período?
Em 2005, como os senhores e as senhoras sabem, foi feito o decreto
determinando o recolhimento do acervo do SNI, do Conselho de Segurança
Nacional e da Comissão Geral de Investigações. Então, de lá para cá, de 2005 até
hoje, foram recolhidos 39 acervos. Nós temos os Atos Institucionais, parte da Polícia
Federal, cartas-denúncias endereçadas ao Ministro da Justiça à época; recolhemos
recentemente o acervo da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos
Políticos da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República
sobre a Comissão Geral de Inquérito Policial Militar, que funcionava junto à
Presidência da República durante os Governos militares, e a Coordenação de
Pesquisa do Arquivo Nacional, aqui em Brasília, realizou um importante trabalho, o
de localizar todos os braços do SNI na Administração Pública Federal.
Os senhores devem saber que as divisões de segurança em informações e as
assessorias de segurança em informações povoaram a Administração Pública.
Foram esses organismos, dentro da Administração Pública, nas empresas públicas
e nas autarquias, que controlaram a atividade de todos os funcionários e as
atividades-fim de cada órgão. Nós fizemos uma pesquisa no acervo do SNI, sob
nossa guarda, e identificamos, com comprovação documental, 249 estruturas de
divisão de segurança e informações e assessorias de segurança e informações. De
posse dessas informações, todos esses documentos foram encaminhados aos
Ministros das respectivas pastas para que eles, de posse dessa comprovação e
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dessa documentação, orientassem em seus Ministérios a localização e a entrega
desses acervos ao Arquivo Nacional. Então, esses são os resultados destes dois
anos de identificação em vários Ministérios.
Nós conseguimos localizar, para que fosse recolhido, um importante acervo,
bem grande; é um dos maiores acervos que nós temos, o da Divisão de Segurança
e Informações do Ministério das Relações Exteriores. E no meio dessa
documentação nós encontramos um fundo completo, um outro acervo, muito
importante também, que fazia todo o monitoramento dos exilados e brasileiros no
exterior, que é o Centro de Informações do Exterior no Ministério das Relações
Exteriores, em que os diplomatas brasileiros sediados nas embaixadas faziam o
trabalho que era necessário para o SNI. Então, toda essa documentação já está
recolhida ao Arquivo Nacional, como comprovação de todo o monitoramento, o
controle sobre a população brasileira que se opunha ao regime.
Todos os núcleos do SNI nos Ministérios da Saúde, da Fazenda, da
Agricultura, todos os núcleos do SNI em todas estas empresas: na SUDEPE, no
BNDES, na TELEBRÁS, na FUNAI, nas universidades, na UnB, em Furnas, na
Fiocruz, na Energética do Piauí, na ELETROBRÁS, todos eles foram localizados a
partir do nosso trabalho de identificação, e nós podemos comprovar que eles
existiram. E todos esses acervos já estão no Arquivo Nacional; 90% deles já estão
disponíveis para atendimento, tanto para as certidões probatórias da Comissão de
Anistia como para a certidão declaratória de qualquer pessoa física.
Temos ainda aqui a Divisão de Censura de Diversões Públicas, a Companhia
Docas, o Conselho Nacional de Energia Nuclear, a Rede Ferroviária, a Comissão
Especial de Investigação do Banco do Brasil, uma parte do DASP e da Medicina da
Universidade Federal de São Paulo.
Bom, o que podemos dizer hoje? Já demos uns dois passos, talvez, num
universo que cada vez se mostra maior. A teia de órgãos secretos de informação e
de repressão, principalmente de coleta de informações, que eram subordinados ao
SNI, era muito grande. Nós conseguimos identificar 250, mas não conseguimos
identificar, localizar e recolher ao Arquivo Nacional cerca de 10%. E alguns desses
acervos são conjuntos pequenos de documentação. Quer dizer, fica um grande
desafio para o Governo, para o Arquivo Nacional e sobretudo para a sociedade: que
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novos acervos sejam identificados e recolhidos, sem contar os três grandes acervos
dos serviços secretos das Forças Armadas, que ainda não foram identificados e
recolhidos ao Arquivo Nacional.
Num balanço, foram recolhidos aqui a Brasília 39 acervos. Nós já atingimos
16 milhões de páginas de textos de documentos abrangendo o período militar,
acervos governamentais produzidos pelos órgãos de repressão do regime militar.
Nós temos também um papel muito importante, que é o de atender ao
público, seja em uma questão mais temática, fornecendo informações via rede
virtual ou via Memórias, seja no Arquivo Nacional, aqui em Brasília, onde fazemos
um atendimento de comprovação de direitos, porque toda essa documentação que
foi gerada para negar direitos hoje é uma documentação que, para nós, atesta e
resguarda direitos que foram perdidos. Então, essa é uma maneira de resgatar
esses direitos. Essa mesma documentação que negou os direitos, essa mesma
documentação agora serve a direitos, com a comprovação de perdas, de danos, de
vítimas, de mortes, de assassinatos.
Então, nós atendemos a mais de 7.300 pessoas de janeiro de 2006 até agora
em outubro, fornecemos 148 mil cópias de documentos originais às pessoas, e nós
temos esse perfil de atendimento: jornalistas, um número pequeno; pessoas
jurídicas; pesquisadores acadêmicos, também uma parte pequena; mas o grosso do
nosso atendimento são as próprias pessoas, em 40%, 41% dos casos na Comissão
de Anistia — porque as nossas certidões são comprovatórias e atestam a
perseguição política, sofrida —, e pessoas físicas, 53%, que na verdade se somam
aos 90% de todas as pessoas vítimas do regime que buscam o Arquivo Nacional
para atestar direitos e para a comprovação de perseguição política ocorrida durante
a ditadura militar brasileira.
Nós também temos o importante trabalho de fornecer ao Ministério Público e
à Justiça documentos sobre vários temas. Estamos atendendo vários procuradores,
além da sentença da 1ª Vara Federal da Seção Judiciária, da Juíza Solange, sobre a
Guerrilha do Araguaia. Então, nós fizemos um trabalho de atendimento a essa
sentença, no qual nós conseguimos definir, dentro da base de dados do SNI, todos
os dossiês que eram citados, os 24 mortos e desaparecidos, os autores da
sentença. Estendeu-se a pesquisa para mais 31 mortos e desaparecidos, e nós
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chegamos ao fornecimento de 695 dossiês do SNI, que são bastante documentados
e geram 21.319 páginas de documentos. Então, o que nós temos recolhido hoje no
Arquivo Nacional foi mapeado, foi levantado, foi copiado e entregue à Justiça, além
do que todos os familiares já têm de posse os documentos do seu próprio familiar,
os documentos a ele referentes.
A minha intenção hoje, neste evento, era apresentar aos senhores e às
senhoras o estado atual, realmente, dos trabalhos desenvolvidos, as questões que
ficam, e sobretudo um ponto muito importante para nós: há ainda muito trabalho a
fazer, muito a avançar. Muitas discussões e trabalho mesmo têm de ser feitos para
que realmente se chegue ao ponto — como se clama e como todos os senhores
precisam, querem, e a sociedade toda também quer — em que os acervos sejam
localizados e abertos à sociedade brasileira, porque além do direito à memória, à
verdade, também há a questão do direito à justiça, e a construção da História
brasileira passa por esses três pilares.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Registro a presença da
Deputada Janete Capiberibe, do PSB do Amapá, que também é integrante da nossa
Comissão; e também o Deputado Domingos Dutra, do PT do Maranhão, está
representado aqui por sua assessoria.
Apresento também o nosso Governador do Maranhão, que foi cassado,
Deputado Jackson Lago, e do seu irmão, também nosso companheiro aqui (palmas).
Sejam bem-vindos a este nosso seminário.
Não sei se o Sr. Benedito Ferreira Marques já chegou. Não? Então, vamos
passar a palavra ao Sr. Martín Almada, advogado paraguaio e Prêmio Nobel
Alternativo da Paz de 2002. (Palmas.)
O SR. MARTÍN ALMADA LAUREADO (Exposição em espanhol. Tradução
simultânea.) - Enquanto as Forças Armadas da América Latina não reconhecerem
publicamente os seus erros, não se fecharão nossas feridas. Repito: enquanto as
Forças Armadas da América Latina não pedirem perdão, não reconhecerem
publicamente os seus erros, não se fecharão nossas feridas. (Palmas.)
Reclamamos justiça. Tanto a tortura como o genocídio são o fracasso da
condição humana, são o fracasso da inteligência e do amor. A tortura é um atentado
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contra a própria vida. Ela tem o poder não somente de atormentar as pessoas para
conseguir informações, não! Serve também para destruir a pessoa.
No Paraguai, em Assunção, eu fui torturado durante 30 dias. Em novembro de
1974 fui torturado pelos agregados militares da Argentina, do Brasil, da Bolívia, do
Chile, do Uruguai, e por militares paraguaios. Tratava-se de uma Operação
chamada Condor. Em novembro de 1994.
Aprende-se a torturar. Meus torturadores, a maioria dos meus torturadores
fizeram cursos especializados na Zona do Canal do Panamá. E no Brasil havia um
centro de tortura, um centro secreto, em Manaus, e os paraguaios e os chilenos
vinham para cá para aprender a nos torturar lá no Paraguai.
A tortura é o ingresso no inferno, e ninguém, ninguém regressa íntegro do
inferno. (Palmas.) A tortura gera uma cadeia de vítimas que se estende às famílias,
à comunidade. A tortura afeta toda a sociedade. A ação de torturar é uma grave
violação do direito à vida e à segurança, e produz um conjunto de violações aos
direitos sociais e econômicos. A impunidade gera mais corrupção e mais repressão.
Nossa luta tem de ser contra a impunidade exatamente porque a impunidade gera
mais corrupção e mais repressão.
E na América Latina há ainda milhões de famílias destruídas que ainda não
podem elaborar suas dores. As causas que se abriram em tribunais estrangeiros
contra os militares do Cone Sul mostram a falta de coragem. Nós chilenos,
argentinos e brasileiros tivemos que recorrer a juízes estrangeiros, a juízes
espanhóis, porque aqui na América Latina não havia juízes que tivessem coragem
de processar esses criminosos. Aos nossos juízes, faltou-lhes coragem! Não tiveram
coragem!
Neste tempo em que vivemos, é pouco frequente a notícia de que a justiça
existe realmente. Então, eu deixo aqui uma mensagem: os petroleiros desde 1964
estão reclamando justiça, e os juízes não os escutam, não decidem em favor dos
petroleiros, que estão aqui presentes. O que está acontecendo com a nossa
Justiça? Em nosso tempo é pouco frequente a notícia de que existe justiça.
A impunidade é o reflexo da ausência de uma autêntica democracia. Aqui a
democracia existe somente de faixada, é uma democracia de baixa intensidade.
Esta é a democracia da América: a democracia de baixa intensidade.
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Temos de identificar os responsáveis, temos de encontrar os restos dos
presos desaparecidos e fazer a reparação econômica, social, política e jurídica das
vítimas e de seus familiares. Também se impõe essa necessidade em relação aos
milhões de casos de presos políticos, exilados, torturados e despedidos do seu
trabalho. Resulta-nos, no Paraguai, difícil de entender que os repressores do
passado hoje usem de privilégios, e que a grande maioria de nós que lutamos pela
liberdade continuemos sendo discriminados e excluídos da vida social e política. Nós
que lutamos por esta liberdade continuamos sendo discriminados!
A Lei de Autoanistia que se impuseram os comandantes militares na década
de 80 continua em vigor. Hoje o aparelho de Justiça nos países do Cone Sul permite
à Corte Suprema deixar em liberdade os torturadores, os cúmplices, os
encobridores. E eu pergunto: que tipo de sociedade é esta nossa, esta em que
estamos vivendo hoje, em que se tira a vida de um cidadão e não há um político,
não há um juiz que diga: vamos procurar os nossos presos desaparecidos?
Ninguém! Os responsáveis têm nome e sobrenome, mas não respondem pelos seus
crimes.
Quero lembrar aqui uma mensagem muito bonita, muito forte, de um promotor
público alemão que resistiu ao nazismo. Em 1961, disse Fritz Bauer: “Todo aquele
que comete um crime de lesa-humanidade não pode amparar-se debaixo do slogan:
“Eu só cumpri as ordens dos meus superiores”. Disse o promotor alemão: “Há de ter
a nobreza de vir à justiça descobrir todos os crimes oficiais que se ordenaram, de
sentir espanto diante da barbárie, para que a própria dor desemboque na fúria que
lhe outorgue a força liberadora e a coragem de deixar desnudos os culpados. Temos
de dar nome e sobrenome aos criminosos, deixar que encarem o seu crime, porque
esse é o único modo de honrar as vítimas e salvá-las do esquecimento”.
Esse é um convite para que mantenhamos viva a memória, porque a memória
é um espaço de luta política. Por isso queremos a abertura total dos arquivos,
queremos liberdade, queremos justiça. Isto é a memória: a memória é um espaço de
luta política.
Muitos dos civis e dos militares apropriaram-se do patrimônio de suas vítimas.
E até hoje os militares do Paraguai estão preocupados com suas responsabilidades,
em vez de contribuírem para o reencontro desta sociedade latino-americana. A mim
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me detiveram, torturam-me, mandaram-me embora do país durante 15 anos, e
confiscaram todos os meus bens. Quem ficou com meus bens? Juízes, fiscais,
militares e policiais. Isso que aconteceu comigo aconteceu a muitos dos senhores e
na América Latina. Por isso reclamamos justiça.
A justiça na América Latina pede a gritos uma revisão total, para coibir a
corrupção generalizada na qual ela está imersa, nas mãos de políticos
inescrupulosos, fiscais e juízes imorais, juízes e fiscais com medo e corruptos,
advogados corruptos que não se importam com a justiça. É evidente que alguns
juízes são simplesmente apêndices dos poderes políticos. Qual é a obrigação de um
juiz? É escutar aquele sistema econômico-político exclusivamente, perseguir sua
missão de brindá-lo com o devido amparo! Os juízes na América Latina
convertem-se em verdugos dos mesmos a quem devem resguardar e proteger.
Nossos juízes são nossos verdugos! Por isso não há justiça na América Latina.
Não é o passado o que nos divide, a nós paraguaios, argentinos e brasileiros.
Não é o passado! O que nos divide é a falta de justiça. Temos sede de justiça.
Lamentavelmente, muitos funcionários públicos do Estado repressor de ontem
passam hoje a ser, sem problemas, funcionários da democracia. Há muitos
funcionários que foram repressores ontem. Para esse efeito, os poderes
supostamente democráticos surgidos depois da Operação Condor — como os
Congressos — e os poderes policiais continuam ocultando todo o passado, como se
nada tivesse acontecido. Quem são os cúmplices dos nossos repressores? Os
Congressos, os juízes e os Poderes Executivos.
Destacamos que a repressão selvagem foi utilizada por alguns grupos
econômicos e financeiros pela força armada para neutralizar qualquer tipo de
oposição popular ao programa neoliberal de ajuste, ao programa neoliberal
selvagem e criminoso. A América Latina está à margem da lei. A Justiça no Cone
Sul funciona muito lentamente. Por isso Pinochet, Videla, Massera, Figueiredo,
Stroessner e seus sócios militares na região cometeram seus crimes de
lesa-humanidade na década de 70.
No Brasil, chamou-nos a atenção o fato de que um funcionário da própria
ONU, em 14 de novembro de 2009, tenha questionado a impunidade que o Estado
brasileiro concedeu aos atores de violação dos direitos humanos durante a ditadura
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militar. A investigação e a punição dos delitos durante a ditadura de 1964 a 1985 é
um tema muito sensível, mas não há maneira de tratá-lo evitando-se reabrir o
passado, disse esse alto funcionário da Comissão das Nações Unidas para os
Direitos Humanos. O enviado da ONU sustentou que o Brasil é o único país
latino-americano que não revisou os crimes do regime militar.
Os países do Cone Sul têm um denominador comum: nós temos, no Brasil,
na Argentina, no Uruguai e no Paraguai, Constituições progressistas e defensoras
dos direitos humanos; porém, na prática não há correspondência entre as
declarações e as ações consumadas. Nossa Constituição é muito declarativa, não
defende os direitos humanos.
Há uma crise aguda que atravessa o Cone Sul, a América Latina, em
particular o Paraguai, onde há uma forte campanha de desprestígio, com o fim de
desestabilizar o Presidente Lugo, simplesmente porque ele declarou que a justiça
participativa tem que ser política ao Estado, porque a injustiça já gerou muita
pobreza, e neste momento há uma grande conspiração contra o Presidente Lugo.
Isso que ocorreu em Honduras os Estados Unidos querem repetir no Paraguai.
Vivemos debaixo de governos constitucionais; repito: na América Latina,
vivemos debaixo de governos constitucionais, mas não vivemos numa democracia.
Isto não é uma democracia! Obama recebeu o Prêmio Nobel da Paz, e as bases
estabelecidas para a entrega de tão importante prêmio são claras: dizem que se
outorgará o Prêmio Nobel somente à pessoa que tenha trabalhado mais ou melhor
em favor da fraternidade entre as nações, com a abolição ou a redução do
armamentismo existente e a promoção do processo de paz. Esse é o regulamento
para o Prêmio Nobel. Ora, o golpe militar contra o governo constitucional de Zelaya
foi provocado pelo governo norte-americano no período já de Obama, que a partir de
então se declara desestabilizador tardio da América Latina.
Nesse sentido, na América Latina rendemos homenagens ao Governo
brasileiro, ao povo brasileiro, pela solidariedade do Brasil com Honduras. Um
aplauso para vocês! (Palmas.)
Existem mais de 100 bases militares norte-americanas no mundo; agora
Obama quer instalar sete novas bases na Colômbia, para aguçar o conflito na
região, a fim de instalar a guerra, e não a paz. E agrava-se a situação ao se
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premiá-lo com o Nobel, porque se legitima a presença ameaçadora no Atlântico da
Quarta Frota. Da Quarta Frota! Dessas sete bases militares na Colômbia, três são
para controlar e monitorar o Brasil, três; e a Quarta Frota, convenhamos, para
desafiar o Governo e o povo brasileiro, a Quarta Frota está posicionada sobre o
pré-sal. Fiquem de olho: a Quarta Frota é para controlar o pré-sal! E isso nós não
vamos permitir na América Latina! (Palmas.)
O condor continua voando. A partir do ano de 1984, vem funcionando a
“Escola de Assassinos” no Fort Benning, no Estado da Georgia, Estados Unidos,
uma réplica da Escola das Américas. Até esta data graduaram-se mais de 64 mil
soldados latino-americanos. Esses egressos da escola são os que articulam,
organizam e realizam golpes de estado na América Latina. No caso de Honduras, foi
um egresso da Escola das Américas que deu o golpe contra Zelaya. Estes são os
países que continuam enviando militares, policiais e civis à “Escola de Assassinos”:
Colômbia, Chile, Peru, Nicarágua, República Dominicana, Equador, Panamá,
Honduras, El Salvador, Guatemala, Costa Rica, Paraguai, México, Jamaica, Belize,
Brasil, Canadá, Barbados e Granada.
Por que continuamos enviando nossos soldados à “Escola de Assassinos” se
estamos numa democracia? Agora o mais grave é o caso do Chile. O Chile não
somente envia seus militares, ele envia até os estudantes da Academia Militar. É tão
fanático o país Chile — "socialista", entre aspas — que manda soldados, policiais
militares e estudantes da academia também. É uma vergonha o caso do Chile.
Quem envia soldados, tropas para a escola de assassinos? Argentina, Venezuela,
Bolívia e Uruguai. Não se justifica por enviar nossas forças para uma escola de
assassinos. Nós pedimos ao Presidente Obama, quando assumiu, que fechasse
essas escolas de assassinos porque estão sendo sustentadas com os impostos do
povo norte-americano. E essas escolas de assassinos até se convertem em uma
escola das Américas para os direitos humanos, para a defesa da nossa ecologia,
para a educação popular, continuando o método de Paulo Freire. O silêncio foi a
resposta do Presidente Obama, que diz ser Prêmio Nobel da Paz, mas que para nós
é o Prêmio Nobel da guerra. (Palmas.)
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Sou advogado, e o que mais me dói é a injustiça. Por isso eu insisto em que,
entre os males da democracia, a implementação da injustiça é o pior inimigo dos
direitos humanos.
Durante a ditadura, nós nos queixávamos de que no Paraguai não se sabia
ler ou escrever, que lá era proibido pensar. Agora, na democracia, no Paraguai,
também não lemos, não escrevemos nem pensamos; estamos piores em
democracia.
Existe uma sociedade velha que não quer morrer e uma sociedade nova que
não pode nascer. O grande desafio é a custódia permanente desses tempos, o
varrimento de golpe de Estado no Paraguai.
Existe uma grande crise profunda. Os parteiros dessa nova sociedade já não serão
os políticos, os militares oportunistas, mas os atores sociais democráticos. E
Fernando Lugo, nosso Presidente, na cabeça disso, lidera a corrente da Teoria da
Libertação. Por isso é urgente alentar os pobres a constituir suas próprias
organizações, porque possam assim tomar consciência de seus direitos coletivos.
Nesse sentido, cabe também como modelo a Jesus Cristo, o Cristo
deliberador, o Cristo herege contra a doutrina, contra a lei, contra o dogma no seu
tempo, o Cristo revolucionário, assim como Ernesto Che Guevara.
Enquanto as Forças Armadas não reconheçam seus erros, seus equívocos,
não se fecharão nossas feridas.
Descobrimos que a Operação Condor foi um pacto criminal e que a polícia
Interpol fez um trabalho sujo. Depois de 80 anos de silêncio, acreditamos que agora
seja hora de estabelecer todos os fatos da família latino-americana.
Esses militares da América Latina, em vez de defender seus territórios tal
como nos manda a Constituição nacional, arremeteram contra o seu próprio povo.
A gloriosa Força Armada do Paraguai se converteu em um baixo governo de
Stroessner, em um governo militar, em um bando armado, em uma legião de
assassinos impunes. Não há castigo para eles.
Esse bando de assassinos generais, coronéis e capitães deixaram a morte se
impor sem terra e sem repouso, e em um país que se declara católico.
Novembro de 2009 — são 61 anos da Declaração dos Direitos Humanos, e
não há nada para celebrar. Faz já 61 anos que continuamos com a hipócrita
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celebração. É hipócrita essa celebração porque esse documento é somente uma
declaração; não tem força legal.
Hoje, nós, na América Latina, em particular no Congresso Nacional, devemos
falar mais de urgentes necessidades humanas, não de direitos humanos, mas de
urgentes necessidades humanas. Deveria ser convertido em lei o asseguramento à
alimentação, à saúde, à educação, à habitação, ao salário justo, ao abrigo, à
proteção contra a tortura, à organização, à participação.
O Paraguai está em perigo. Toda a região corre perigo. O Congresso
paraguaio se converteu num centro de manobras contra o Presidente Lugo.
Pode-se sentir, todos os dias, a resistência da oligarquia à vacina. Sente-se
isso nos meios de comunicação do Paraguai.
Devemos também abordar neste seminário a necessidade que propõe
Marcelo Fabián Monges, um escritor argentino. Temos nós mesmos que resolver
neste Congresso que os golpes de Estado sejam penalizados como crime contra a
humanidade. Portanto, proponho que os golpes de Estado na América Latina sejam
declarados crimes contra a humanidade.
Qual é o papel das Forças Armadas? O verdadeiro inimigo do nosso povo é a
injusta distribuição da riqueza, que gera pobreza, que gera miséria. E a nossa Força
Armada é preparada unicamente para defender o seu povo, defender seus direitos
humanos, seus territórios, seus recursos naturais e as autoridades surgidas de
forma democrática. Existe a necessidade do controle civil sobre as Forças Armadas.
Esse é o nosso direito no Brasil e na América Latina: o controle civil sobre as Forças
Armadas, para se superar as práticas originais impostas pela doutrina da segurança
nacional, da tortura e do genocídio. Coloca-se a necessidade de um estrito controle
civil da sociedade, partindo-se da base de que a soberania vem do povo, habita no
povo.
O Poder Executivo da América Latina deve submeter à consideração da
sociedade civil e à consideração da Organização dos Direitos Humanos nome e
sobrenome dos militares e policiais que vão ascender. E todos aqueles policiais
militares que têm as mãos manchadas com sangue do povo devem ser expulsos das
fileiras das Forças Armadas.
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Ouvi com atenção a exposição da senhora sobre os arquivos, sobre os
museus no Brasil. Estou impressionado, de forma grata, com a maneira como estão
fazendo esse trabalho. Parabéns pelo seu trabalho!
Nós temos encontrado no Paraguai vários arquivos. Recentemente,
revolvemos uma tonelada de documentos no sótão do Ministério da Defesa. Uma
tonelada de documentos da Operação Condor. Por exemplo, eu trouxe aqui uma
folha para mostrar a vocês. Diz: “12 de novembro de 1981”. Que governo existia no
Brasil? Democrático, na verdade, ou não? Em 1981.
O que diz o relatório secreto paraguaio Stroessner? Bom, tem segredos
ultrassecretos, atividades subversivas, comandos de segunda divisão. Em 31 de
outubro de 1981 foram apreendidos em Porto Meira — vocês conhecem Porto
Meira? —, Brasil, por funcionários da fronteira e da Polícia Federal, vários livros e
folhetos escritos por paraguaios opositores ao governo de Stroessner. Os livros e
folhetos foram sequestrados. Pode ter sido paraguaio o cidadão que queria
introduzir livros no Paraguai e no Brasil.
O que fizeram as autoridades brasileiras? Vejam o livro Paraguai, Educação e
Dependência de Martin Almada. A Polícia Federal brasileira sequestrou esse livro.
Isso foi no ano de 1981.
O General Figueiredo, pelos artigos secretos, foi várias vezes dar palestras
contra a insurgência no Paraguai, quando era diretor do SNI ou alguma coisa nesse
sentido. Várias vezes foi lá formar militares paraguaios.
O que existia no sótão do Ministério da Defesa? Estavam ali os documentos
secretos, anos 1960/70, em que o império de Washington ordena, nos diz que as
Forças Armadas do Paraguai têm de criar serviços de inteligência; que o Primeiro
Corpo do Exército, o Segundo Corpo do Exército, todos os Corpos do Exército
teriam de ter serviço de inteligência para controlar o nosso povo.
Encontramos todas as implicações de Washington com a repressão no
Paraguai e na América Latina.
Em 6 de março de 2008 foi o Presidente da Alemanha ao Paraguai. E ali,
como parte do protocolo, visitou o Museu das Memórias do Paraguai. Sou um dos
diretores desse museu.
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Nos perguntou o Presidente alemão: “Do que vocês precisam?” Nós lhe
dissemos: “Precisamos de um museólogo e que a Alemanha abra os seus arquivos
de relações exteriores e forças armadas.”
O Presidente alemão enviou um museólogo imediatamente. Agora temos uma
carta do Governo alemão que nos diz que o arquivo está à disposição da América
Latina. Nos diz uma parte da carta que ali existe um material sobre repressão
política no Paraguai e em outras ditaduras sul-americanas.
Somente no primeiro ano da Operação Condor (1976), há três tomos com
fatos individuais sobre refugiados chilenos.
Então, a Alemanha abre os seus arquivos.
Por isso, Sra. Representante do Arquivo no Brasil, coloco essa Carta à
disposição do Brasil para que nós possamos recuperar os arquivos da Alemanha,
França, Espanha e mostrar que todas as ordens vinham de Washington e que a
reparação econômica deve vir também de Washington. (Palmas.)
Estamos juntando toda a documentação para ir à Corte Internacional de Haia
para requerer dos Estados Unidos uma indenização. Temos de ser indenizados
pelos golpistas norte-americanos!
Finalmente, termino com isso, convocamos a todos os militares da América
Latina que conheçam delitos de violação dos direitos humanos. Não falamos, mas
convocamos a todos os militares que façam isto pela saúde da nossa incipiente
democracia na região, por motivo da celebração do Bicentenário da Independência
Nacional. Então, que os militares façam isto, que peçam desculpas, que peçam
perdão.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Muito obrigado, Martin Amada,
pela sua contribuição. Nós, brasileiros, precisamos, além de revelar os arquivos da
repressão, fazer a Comissão da Verdade, como outros países fizeram. Infelizmente,
no nosso País ainda não se conseguiu instalar essa comissão, mas lutamos para
que isso ocorra.
Pois não, Martin.
O SR. MARTIN ALMADA LAUREADO (Exposição em espanhol. Tradução
simultânea.) - Esqueci de falar, sem querer, pela emoção natural, duas coisas que
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Data: 23/11/2009
gostaria de dizer. A Escola das Américas na Zona do Canal e aquele Forte foram os
que organizaram o Golpe Militar contra o Presidente Chávez, na Venezuela.
Segundo: digo à senhora representante do Arquivo do Brasil que o Paraguai
coloca à disposição do Brasil todos os seus arquivos sobre a Operação Condor.
Colocamos à disposição do Brasil todos os nossos arquivos. E gostaria de pedir ao
Brasil justiça. Peço justiça!
O Presidente Lula sempre fala da integração regional, e não pode haver
integração regional quando o Brasil se apoderou da nossa memória. Aqui no Rio de
Janeiro estão os arquivos da Guerra de 1870. Nós entregamos os nossos arquivos,
e agora peço ao Brasil que entregue os nossos arquivos de 1870. É injusta a
posição brasileira de esperar 50 anos mais. Não se podem consultar esses arquivos
do Paraguai. Por que isso? Eles perguntam por quê? (Palmas.)
A Inglaterra ordenou ao Império do Brasil, naquela época, não ao povo
brasileiro, que destruísse aquela experiência paraguaia, a mais revolucionária, um
socialismo de Estado em 1870. Naquela época, no Brasil existiam 90% de
analfabetos, a Argentina tinha 80%, enquanto o Paraguai tinha 10% de
analfabetismo somente. (Palmas.)
Então, peço neste congresso que seja feita uma resolução, neste Seminário
Latino-Americano, para que o Brasil devolva ao Paraguai os seus arquivos.
(Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Quando anunciei a presença do
ex-governador do Maranhão, cometi um erro. Acho que porque o irmão é Wagner e
o outro é Jackson. Mas o outro que anunciei, o Jaques Wagner, é um lutador pela
democracia, e também militou contra a ditadura militar.
Quero registrar que o nosso Governador foi injustamente cassado.
Consideramos que o povo do Maranhão o elegeu de forma soberana, e teve retirado
o seu Governador do Palácio por um grupo que se acha dono do Maranhão. Mas a
democracia será vitoriosa!
Quero registrar a presença do companheiro Jackson Lago, histórico militante
da luta pela democracia no Maranhão e no Brasil. (Palmas.)
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Quero também registrar a presença do nosso companheiro, ex-Deputado
Federal e irmão de Jackson Lago, Wagner Lago, e a presença do Deputado Chico
Lopes.
Convido o Relator desta Mesa, o Sr. Aleinaldo Batista, para que faça uso da
palavra. (Pausa.)
Ele não se encontra presente.
Dando continuidade ao nosso seminário, faremos agora uma homenagem às
personalidades que atuaram contra o regime de exceção e pelo retorno à
democracia, contra o regime de ditadura que tivemos em nosso País.
Para entregar a placa ao nosso grande lutador, representando todos os
camponeses que sofreram repressão e tortura, que foram assassinados, que
lutaram contra a ditadura, em favor da liberdade e da democracia, e que lutam hoje
em favor do direito à verdade, à memória e à justiça, convido o ex-governador
Jackson Lago, que vai entregar a placa comemorativa ao nosso grande lutador,
Manoel da Conceição. (Palmas.)
Tanto a pessoa que entrega como o homenageado podem usar da palavra
para agradecimento ou para realçar algo acerca do homenageado. (Palmas.)
Pode ler a mensagem, Jackson, para que todo mundo tome conhecimento.
O SR. JACKSON LAGO - “Aqueles que lutam toda a vida; esses são
imprescindíveis.” Brecht.
Manoel da Conceição, o 3º Seminário Latino-Americano de Anistia e Direitos
Humanos Manoel da Conceição, promovido pela Comissão de Direitos Humanos e
Minorias, da Câmara dos Deputados, e por anistiados e ex-perseguidos políticos do
Brasil lhe confere o título de “imprescindível” por sua luta a favor dos direitos
humanos.
Brasília, 25 de novembro de 2009
(Palmas.)
Eu gostaria de dizer que para mim é muito gratificante e honroso entregar
esta placa ao Manoel da Conceição, cuja vida acompanho desde a segunda metade
da década de 1960. Temos estado muito próximos. Para mim é profundamente
honroso entregar esta placa ao Manoel da Conceição. (Palmas.)
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Data: 23/11/2009
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Quer falar, Manoel?
O SR. MANOEL DA CONCEIÇÃO - Primeiramente, em nome desta
Comissão de Direitos Humanos, do Grupo Tortura Nunca Mais e de todos os
companheiros que, ao longo da história, estão nessa luta contra as ditaduras não só
no Brasil, mas também na América Latina, dessas pessoas que lutaram, que deram
a vida — alguns ainda estão vivos por aí, talvez muito machucados —, eu gostaria
de agradecer de coração e alma a todos os que estão neste plenário e nesta Mesa,
participando deste evento.
Quero dizer a vocês que não sei se tenho o merecimento de ser
homenageado nesta Casa por causa dessa luta da qual participei. Nós somos
centenas, nós somos milhares de pessoas. Muitos até já morreram, alguns porque
os mataram, enquanto outros desapareceram. Não posso testemunhar que os
mataram; só sei que desapareceram. Mas eles estão aí. Para mim, estão vivos
ainda, em algum lugar, mesmo que seja em um lugar aonde não se possa ir. Mas
eles sabem de tudo o que eu falei sobre o que aconteceu com o Manoel da
Conceição nos porões da ditadura, por onde passei.
Mas eu gostaria que todos estivessem vivos, porque eu tenho certeza de que
alguns deles também passaram por lá, para testemunharem o que nós passamos,
não eu apenas, mas centenas de outros companheiros e companheiras. Eu ainda
hoje choro. Lamento que tantos companheiros e companheiras, que eu tanto amava,
pelo trabalho que fazíamos durante todo esse período, tenham de repente
desaparecido, simplesmente. E os que os levaram nunca disseram onde eles estão
— se jazem no mar, ou se na floresta, debaixo do chão. (Palmas.) Nunca eles
tiveram a coragem de dizer onde os botaram.
Eu gostaria que um dia essas injustiças fossem julgadas, não para se fazer o
que eles fizeram, mas para se fazer justiça em relação a todos nós.
Quero parar por aqui e pedir desculpas porque estou me alongando bastante.
Eu agradeço de coração e alma, e digo aos companheiros que vou continuar nessa
batalha.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Agradeço ao Manoel da
Conceição. Inclusive, este Seminário recebe o seu nome.
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Número: 2150/09
COM REDAÇÃO FINAL
Data: 23/11/2009
Convido agora o Deputado Chico Lopes a fazer a entrega da Comenda ao Sr.
Modesto da Silveira, que representa neste momento todos os advogados que
lutaram contra a ditadura, pela liberdade e pela democracia. (Palmas.)
O Deputado Chico Lopes e também o nosso ex-Deputado e advogado
Modesto da Silveira poderão usar a palavra, se quiserem.
O SR. DEPUTADO CHICO LOPES - Vou ler a Comenda:
“Há aqueles que lutam toda a vida, e esses são imprescindíveis — Brecht.
MODESTO DA SILVEIRA,
o III Seminário Latino-Americano de Anistia e Direitos Humanos Manoel da
Conceição, promovido pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara
dos Deputados, e anistiados e ex-perseguidos políticos do Brasil conferem-lhe o
Título de Imprescindível, por sua luta em favor dos direitos humanos.
Brasília, 23 de novembro de 2009. (Palmas.)
Bom dia a todas as mulheres presentes. Bom dia a todos os homens.
Quero falar da alegria da Comissão de Direitos Humanos, que está
promovendo este seminário, e dizer algumas palavras.
Essa luta pela anistia parece-me que vai ter que continuar com muito mais
força. Quero fazer uma solicitação ao Padre Couto, ao mesmo tempo em que lhe
faço uma homenagem, no sentido de que forme uma comissão para pedir uma
audiência ao Ministério da Justiça ou ao Ministério da Defesa, para se resolver, de
uma vez por todas, quem é que manda: o Ministério da Justiça ou o Ministério da
Defesa? (Muito bem!) Em um governo popular como o do Lula — o Brasil melhorou
muito depois dele, ninguém pode negar — não podemos ficar ainda sob o tacão de
algum oficial que acha que o regime militar ainda não passou. Não podemos aceitar
isso de maneira nenhuma! (Palmas.)
E não podemos aceitar a imposição de uma justiça de maioria conservadora,
que acha que deve decidir quem é terrorista e quem não é. Por isso nós já
passamos, num passado bem recente, quando nosso retrato era apresentado como
de terrorista — e o terrorismo que nós fazíamos era contra o regime militar, contra a
imposição norte-americana a este País. Nunca fomos terroristas; sempre fomos
lutadores pelas causas populares e pela democracia. (Palmas.) Se hoje nós temos
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Data: 23/11/2009
um operário no poder, isso foi fruto do esforço de todos os brasileiros que fizeram
com que chegássemos a este ponto.
Portanto, quero a minha amizade particular, mas quero pedir ao Deputado e
Padre Luiz Couto, Presidente desta Comissão, que não dobra caminho nem tem
medo de cara feia, que peça uma audiência para dizer que nós somos contra isso.
Mas tem que dizer mesmo, porque, se não disser, nem sei para onde eu vou.
Eu quero estar presente, porque já estive no tribunal, já fiz o possível. No
Ceará, a Deputada Maria Luiza, também lutadora, sabe do nosso compromisso.
Sem estrelismo, sem querer aparecer, se faço isto é porque é minha obrigação.
Quero homenagear os guerrilheiros, as pessoas que, no Araguaia, junto com
o meu partido, fizeram uma luta; não só do meu partido, mas de diversos.
Portanto, Deputado Luiz Couto, o Modesto, o Padre Barroso, a Wanda Sidou
e tantos advogados representam... Não tínhamos dinheiro, mas eles estavam lá para
defender os nossos direitos. (Palmas.)
E mais: precisamos continuar a nossa luta pelo pré-sal, para unificar o povo
brasileiro e desenvolver o País, e não ficar nessa lenga-lenga sobre quem pode
mais e quem pode menos. Nós temos obrigação de participar disso porque nós
continuamos amando este País, respeitando e brigando pela democracia e por uma
sociedade mais justa, para aqueles que não acreditam, com bem-estar social, que
não é esta em que nós estamos vivendo.
Obrigado. Até logo. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Muito obrigado, Deputado.
Nós já pedimos essa audiência ao Presidente Lula. Inclusive, a audiência foi
encaminhada. O Senador Nery pediu àquelas pessoas que também estiveram
presentes à Papuda e ao Conselho Nacional de Justiça, e nós mandamos um
documento solicitando essa audiência.
Com a palavra o Modesto.
O SR. MODESTO DA SILVEIRA - Todos nós já sabemos que todos os dias
são históricos no Brasil e no mundo. Para nós, este dia é dos mais históricos, e não
só, no meu caso, pela honra de estar aqui como convidado, sendo homenageado
em nome de tantos brilhantes advogados que sofreram por e com vocês todos e
milhares de outras pessoas, como no de Manoel da Conceição, que é um ícone de
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COM REDAÇÃO FINAL
Data: 23/11/2009
sofrimento, ao lado de tantos outros, no de Raimundo, jornalista, todos sabem do
seu sofrimento. Enfim, Honestino Guimarães e Carlos Marighella. Este mês
completam-se 40 anos desde que Marighella foi assassinado, um homem que foi,
dentre tantas coisas, Deputado Constituinte de 1946.
Quando morto — assassinado, segundo os dados oficiais, pelo famigerado
assassino Fleury —, eu disse aqui, enquanto Deputado, que outro corréu confesso
foi o famoso Harry Shibata, que, parece, não só chibateava, mas assassinava na
mesa em que ele recebia para fazer autópsias. Digo isso porque ele confessou. Há
documentos da época à vontade. Ele disse: “Dei extrema-unção ao Marighella”.
Todos sabem que “extrema-unção” — entre aspas — significa que o cidadão está
em risco de vida, mas que ainda está vivo. Ele, médico legista, recebeu na sua mesa
de autópsia Marighella ainda vivo. Em vez de dele cuidar, como médico que era, o
que ele fez? Deu-lhe a "extrema-unção", talvez uma futucação, como dizem os
médicos legistas; aliás, os médicos, em geral, que forem cirurgiões.
Eu afirmei aqui, enquanto Deputado, que Shibata matou o Marighella. É
coassassino, junto com o Fleury. E disse: Shibata, seguramente, também matou o
Marighella, dando-lhe a "extrema-unção", ao invés de lhe dar assistência médica,
que era o seu dever precípuo como médico.
Estou dizendo essas coisas apenas por dever de breve lembrança. Quando vi a cara
do Marighella, de quem me lembrei... Quando solicitado para conversar sobre essa
problemática na época, eu dizia a seu filho que o Marighella era tão cauteloso e
tinha tais prioridades que, quando acabava de jantar, pegava o miolo de pão e
limpava o prato, de maneira que a dona da casa não teria nenhum trabalho em laválo, porque ficava limpinho! Era um hábito do Marighella.
É claro que isso é apenas uma das cachoeiras de histórias que correm pela
minha cabeça abaixo. Se eu pudesse contá-las, não faria um livro de história, mas
uma enciclopédia do terror que ocorreu neste País durante os 21 anos de terror de
Estado. Não é terrorismo; é terror de Estado
Enquanto nós éramos simples ousados em defendê-los, Sobral Pinto, nosso
decano, Heleno Fragoso, Evaristo de Morais, Vivaldo Vasconcelos, Jorge Tavares,
Augusto Sussekind, esses nossos companheiros tentavam salvar vidas, minimizar
as torturas. (Palmas.) E por essa ousadia todos nós também fomos sequestrados e
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sofremos formas de tortura, que poderiam também entrar na enciclopédia do terror
brasileiro de 1964 a 1985, como descrito muito bem aqui pelo amigo Martin Almada,
em todo aquele dominó de quedas sucessivas pela América Latina, comandada pelo
mesmo generalíssimo império do Norte.
Cachoeiras de histórias eu poderia contar, a partir desses advogados e de
tantos outros –– do Manoel, que era lá do Maranhão, ou dos clientes da Ronilda, dos
clientes do Eloá Guazelli, em Porto Alegre, ou do Paulo Cavalcanti, de Recife, e
tantos outros; e de toda a parte do Brasil, onde todos passavam pela mesma
democracia do terror.
Todo dia é histórico e hoje são muitas histórias, inclusive algumas nos
envolvendo. Aliás, algumas estão acontecendo.
Por exemplo, dizia o Chico, dizia a Maria Luiza: o Cesare Battisti algum
político vai entregar? É possível que alguém ouse, é possível que um líder operário,
Presidente da República, ouse entregá-lo a um outro assassino, que tenta reviver o
fascismo italiano? É possível isso, entregar um assassino para mais um assassino
que cometeu e continuará cometendo crimes pela Itália afora, tentando reviver o
fascismo mussoliniano? (Muito bem!)
Eu nem sei que história contar. Posso contar histórias trágicas, cômicas.
Aliás, cômicas raras. Quase toda a comicidade está inserida na tragicomédia do
período. Não vou contar, porque vocês foram testemunhas, vítimas de todo esse
processo, tanto quanto eu, e tanto quanto as centenas que não conseguiram
sobreviver.
Em debate com um Almirante, nos 30 anos da Lei da Anistia, na Rádio Band,
ele dizia: “Faixa livre”. Havia um general debatendo comigo e que disse quase o que
o outro dizia, porque eles falam em carimbo de mentiras. Eles diziam: “As vítimas
não foram 300”. E eu dizia a ele: “O senhor tem razão, não foram 300, não foram 3
mil nem 30 mil; nem sequer foram 300 mil vítimas no Brasil, de forma direta ou
indireta. Se quiser, podemos fazer uma aritmética simples aqui e agora”. Ele não
quis, eles não quiseram. E, de fato, só neste plenário vejo aqui algumas dezenas de
ex-clientes meus e dezenas de outros advogados que tiveram, como eu, centenas
de clientes. Só aqui, seguramente, eu tenho mais de 300 vítimas.
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Para encerrar esta conversa, levante a mão quem foi vítima, direta ou indireta,
para ver se talvez aqui tenhamos 300. (Pausa.)
Só aqui o general teria uma resposta, como nós temos agora.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Obrigado, Dr. Modesto da
Silveira, que representa todos os advogados e advogadas que também sofreram as
consequências da ditadura militar.
Convido agora o jornalista Jarbas Marques, para que possa fazer a entrega
ao também jornalista Raimundo Pereira, que representa neste momento todos os
jornalistas que não se submeteram às pressões, que denunciaram os desmandos da
ditadura militar e que continuam hoje lutando pela liberdade, pelo direito à memória,
pela verdade e justiça. (Palmas.)
O SR. JARBAS MARQUES - Vou ler a Comenda:
"Aqueles que lutam toda a vida, esses são imprescindíveis — Brecht.
RAIMUNDO RIBEIRO,
o III Seminário Latino-Americano de Anistia e Direitos Humanos, Manoel da
Conceição, promovido pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias, da Câmara
dos Deputados, e anistiados e ex-perseguidos políticos do Brasil conferem-lhe o
Título de Imprescindível, por sua luta em favor dos direitos humanos.
Brasília, 23 de novembro de 2009." (Palmas.)
A organização do 3º Seminário Latino-Americano me deu a honra, como
jornalista, de passar este Título ao grande jornalista da resistência, o Raimundo. Nós
estávamos presos, e passávamos entre nós documentos clandestinos na cadeia. Eu
fui um artesão, porque botei no calcanhar de muitas mães de presos políticos
documentos que chegaram a ele.
E ele, como editor do movimento em outros jornais, por exemplo, publicou o
ofício do Figueiredo ao Contreiras, dizendo que iria aplicar o Código 12, no
Juscelino, que foi o assassinato do Juscelino Kubitschek de Oliveira. E, pelas
minhas pesquisas, a mesma equipe que matou o Juscelino matou também o
Presidente João Goulart.
O que acontece? Esse mesmo que desempatou a favor do fascismo, está
sentado há 9 meses em cima do processo que a D. Maria Teresa, o João Vicente e
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a Denise iniciaram. Eles entraram com um processo para responsabilizar o Governo
dos Estados Unidos pelo Golpe de Estado de 1964. (Palmas.)
Esses sabujos que usam o poder com toda a falsidade aparente, e a sua
corrupção moral inerente, para a história terão um contestador, que é o editor dos
jornais da resistência. Nós estávamos na cadeia, e ele correndo o risco de ir para a
cadeia conosco! (Palmas.)
O SR. RAIMUNDO PEREIRA - Agradeço enormemente por esta honra de
representar os jornalistas que lutaram pela democratização no País, numa cerimônia
tão comovente como esta, que não é só de nós, brasileiros, mas é também dos
companheiros da América Latina.
Eu me considero, com orgulho, representante da imprensa popular, que,
muitas vezes, aqui no Brasil, é chamada de alternativa. Houve dezenas de
publicações, e elas continuam na luta viva. Mas eu precisava destacar essa
imprensa que viveu na legalidade precária da ditadura. Além dela, há outra
imprensa. Pois quero destacar aqui dois aspectos dessa outra imprensa que a
ditadura reprimiu, violentou.
Existia a imprensa do empresariado progressista, hoje absolutamente raro no
País. Queria homenagear Fernando Gasparian (palmas), que morreu no começo do
ano passado. Fundador do Opinião, ele foi, se não me engano, um dos raros, senão
o único, empresários cassados como lideranças sindicais. (Palmas.) Ele mobilizou
os seus amigos no Brasil e no exterior, exilados, e fez o Opinião, um grande jornal,
do qual fui editor. No final, nos desentendemos. Recentemente, fez 30 anos O
Movimento, jornal que fundamos depois do Opinião, e nós o homenageamos como
um dos combatentes da imprensa de defesa dos interesses democráticos e
nacionais.
Então, queria deixar registrada aqui uma homenagem ao Gasparian.
Também, com profundo agradecimento, porque foram companheiros no
período em que trabalhei nesse tipo de imprensa, de resistência legal, dentro dos
limites da legalidade existente... Muitos companheiros estavam na imprensa
clandestina. Foram cassados e mortos. Desde 1964, o trabalho de repressão à
imprensa não foi de cortes de palavras ou de textos, mas de perseguição e de morte
de companheiros que em gráficas clandestinas lutaram e deram exemplo. Aqui, sem
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destacar qualquer um deles, quero dizer que foram dezenas, centenas de
companheiros da imprensa clandestina que lutaram e deram exemplo. (Palmas.)
Então, eu recebo este prêmio em nome deles também. (Palmas.)
Como está evidente, sou dos velhinhos. Já cheguei aos 70. Mas tenho ainda
alguma disposição. Não costumo fazer planos, mas estou fazendo um, meio
extravagante, de 10 anos para a frente. Acho que podíamos considerar que a luta
continua. É preciso haver no Brasil uma imprensa popular de alcance amplo. A
despeito das vitórias parciais que tivemos, não conseguimos uma coisa desse tipo.
Algo que seja melhor do que foi o Última Hora, que seja de uma união das forças
populares, que querem para este País um futuro melhor. A despeito de tudo que
conquistamos, das melhorias, estamos vendo, como disse o Modesto, nos grandes
tribunais do País, pessoas proferindo sentenças que podemos, do ponto de vista
formal, respeitar, mas, do ponto de vista das nossas convicções, não respeitamos.
Querer entregar o Battisti ao Berlusconi é um absurdo sem fundamento.
(Palmas.) É preciso haver então uma imprensa que esclareça essas questões, e ela
só pode surgir da unidade das forças populares, pela construção de um Brasil novo.
Muita gente compara o nosso Presidente, uma pessoa extremamente sagaz,
esperta, com Presidentes anteriores, ora com Juscelino, ora com Vargas.
Precisamos de um Governo que seja melhor que o de Vargas, que morreu
defendendo as causas nacionais. Especialmente em momentos como este, quando
companheiros estão aqui para discutir a situação do petróleo. E é preciso estar
atento às questões colocadas. O nosso Presidente foi recebido em Nova Iorque e
em Londres pelos representantes das grandes petroleiras — algumas se
apresentaram até como nacionais, como a do Eike Batista. Parece que, em Nova
Iorque, a Shell pagou 200 mil dólares pelo jantar, e o Eike Batista, mais 200 mil
dólares. Em Londres, o homem da British Petroleum disse que, quando pensa nos
investimentos dele no Brasil — e está achando que vai duplicar esses investimentos,
pelas oportunidades criadas — dorme tranquilo. Se ele dorme tranquilo, nós não
devemos ficar tranquilos (palmas), porque a tradição das petroleiras é... Elas estão
lutando quase sem reserva de petróleo. Tinham quase tudo 40 anos atrás e agora
só têm 7% das reservas. Estão vendo a possibilidade de terem reservas e tentam
fazer este Congresso votar a toque de caixa, sem propósito, uma mudança nas leis
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que garanta novos leilões e que áreas passem também para as petroleiras que
estão sem petróleo.
É por isso que precisamos de uma imprensa popular. Os que escrevem, os
que a distribuem, pensando no povo que precisa lê-la. É este, para mim, o
significado maior desta homenagem.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Muito obrigado, Raimundo
Pereira.
O SR. JARBAS MARQUES - Quero, em 2 minutos, resgatar uma
homenagem.
Todos nós que fomos torturados e os companheiros mortos... Hoje, mudou-se
de tática. Se formos somar todos os líderes camponeses, veremos que já morreram
mais de mil a bala. É uma estratégia nova de eliminar lideranças populares.
Saí 2 anos antes da cadeira — tirei 10 anos de cadeia — e participei da
organização das homenagens ao Manoel da Conceição. Mas quero prestar
homenagem a três figuras que me tornaram militante social (foi no Estado de Goiás
que foi fundada a primeira organização nacional dos trabalhadores, a UTAB, que
depois gerou a CONTAG): Geraldo Tibúrcio, Sebastião Bailão e José Porfírio, de
quem tive a honra de fazer a segurança pessoal, o primeiro camponês da história
deste País a se eleger Deputado Estadual em Goiás. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Obrigado, Jarbas Marques.
A pessoa que iria receber a homenagem em nome do companheiro Honestino
Guimarães não pôde estar presente. Nós faremos chegar aos familiares.
Convido para receber a comenda o filho de Carlos Marighella, Carlos
Marighella Filho. (Palmas.)
Convido a Deputada Janete Capiberibe para fazer a entrega.
A SRA. DEPUTADA JANETE CAPIBERIBE “A Carlos Marighella, in memoriam.
Àqueles que tombaram pelo retorno do Brasil à democracia toda a gratidão
dos brasileiros que continuaram sua luta pelo respeito aos direitos humanos.
Terceiro Seminário Latino-Americano de Anistia e
Direitos Humanos Manoel Conceição.
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Brasília, 23 de novembro de 2009”
(É entregue a comenda. Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Com a palavra a Deputada
Janete Capiberibe. Em seguida, em nome da família do homenageado, Carlos
Marighella Filho também terá a palavra.
A SRA. DEPUTADA JANETE CAPIBERIBE - Sr. Presidente da Comissão de
Direitos Humanos, Deputado Padre Luiz Couto; Sr. Martin Almada — bem-vindo a
este Seminário realizado em nosso País; Sra. Vivien Ishaq — é muito importante o
seu trabalho, vou recorrer à senhora para obter as informações que a ditadura militar
tem a meu respeito, da minha militância e da militância do meu esposo, João Alberto
Capiberibe, é uma emoção muito grande estar aqui identificada, totalmente
identificada com rostos que eu desconheço, mas que conheço e reconheço que
somos iguais. Somos iguais nas lutas e nos ideais.
Quero, Sr. Presidente, ser porta-voz de Maria Luiza Fontenele e de Rosa
Fonseca, que participam do 3º Seminário Latino-Americano de Direitos Humanos, no
sentido de que hoje, após as homenagens, possamos organizar uma comissão
representativa do seminário — uma questão é o grupo parlamentar, outra é o
seminário, que trata dos direitos humanos — para ir à sede do Governo brasileiro no
CCBB, no Banco do Brasil, para solicitar ao Presidente Lula um gesto humanitário,
que falta para a liberdade já de Cesare Battisti. (Palmas.)
Cesare Battisti está em greve de fome desde 13 de novembro, após a
audiência em que foi configurada a decisão do STF de extraditá-lo. Parece-me que
estão colocados 12 dias para a decisão do Presidente Lula. Ele enviou uma carta
aberta ao Presidente Lula e ao povo brasileiro colocando sua vida em nossas mãos.
A referida proposta foi aprovada no Grupo Temático V, Tortura e Genocídio, e
na plenária realizada ontem, 22/11, no auditório. Quer dizer, já há o
encaminhamento, falta uma decisão final que pode ser tomada nesta manhã.
Sr. Presidente Luiz Couto, Carlos Marighella, estamos aprendendo a celebrar
nossas datas significativas, as verdadeiras datas da história do povo brasileiro. Não
sofremos mais pela obrigatoriedade do esquecimento determinado pelo calendário
oficial ou pelo patrulhamento ou pela repressão, seja ela qual for. Ainda precisamos,
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no entanto, enfrentar o debate ideológico que insistentemente tenta fazê-las menos
significativas ou menos importantes para a história do Brasil.
Para dizer de outro modo, estamos rescrevendo a verdadeira história do
Brasil. A história de quem resistiu contra a ditadura, que usurpou nossa democracia,
nossos direitos e 20 anos de vida da maioria da sociedade brasileira, ainda que uma
parte dela não se tenha dado conta. Estamos rescrevendo a história da resistência
contra um sistema elitista, oligárquico, injusto, imoral e desumano, que tentou
sufocar nossa liberdade e nossos ideais, que continua arrancando da maioria do
povo brasileiro a possibilidade iminente de uma sociedade com equidade de direitos
e deveres, justiça social, respeito às diferenças e democracia.
Fizemos e fazemos parte dessa história com nossa coragem, nosso ideal e
nosso desapego; com nosso sacrifício, nossa vida e a da nossa família; com nossa
ideologia e nossa militância. Muitos fizeram história aqui no Brasil, outros fomos
obrigados a buscar refúgio de país em país, enquanto, sucessivamente, as ditaduras
militares orquestradas e subservientes aos Estados Unidos se abatiam sobre povos
que lutavam para ser livres e soberanos. Enquanto nós tínhamos de ser
clandestinos em nosso próprio País.
Pessoalmente, com meu companheiro Capi, temos mais de 40 anos de
militância política, e assumimos, com orgulho, que foram inspirados em pessoas de
grande dignidade, absolutamente coerentes na sua ação política. Espelhamo-nos no
sindicalista Chaguinha, inspiramo-nos no revolucionário Carlos Marighella. (Palmas.)
E com ele assumimos as consequências.
Naquela época, éramos jovens idealistas. Eu tinha 16 anos. Mas tinha a plena
consciência de que um senhor, como víamos Marighella, com seus 50 anos, sabia
exatamente o que estava fazendo. E sabia exatamente quais seriam as
consequências reais de cada um dos seus atos. Por isso, esgotou todas as vias
institucionais. E no regime de exceção, em que não havia regras, não havia direitos,
não havia democracia, propôs meios alternativos com motivos inquestionavelmente
mais nobres do que os que sustentavam a ditadura militar.
Nós o entendemos, admiramos, respeitamos, e construímos junto com ele
uma luta de resistência à ditadura e de busca pela democracia e pela justiça social,
que se estendia para todo o País.
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Por isso, deixamos de lado o movimento estudantil nos engajando na ALN.
Passamos a seguir seus passos, desafiando o poder constituído, a apatia e o medo
da sociedade, que deixava se perderem seus direitos e sua vida.
Houve acertos e erros, sabemos. Houve incompreensão, preconceito,
omissão, sentimos na nossa pele, mas não nos arrependemos do nosso
compromisso, do nosso ideal, da nossa utopia, que continuamos a construir
diariamente, pelos lentos e demorados meios institucionais, que ainda não
permitiram sequer que se consolidasse uma democracia de fato. Mas que hoje
reconhecemos como a única via possível. Nossas transições entre regimes são
negociações que permitem a perpetuação das elites, dos ranços das benesses e
das desigualdades, que tentamos vencer diariamente.
Essa, talvez, seja a cotidiana inspiração em Carlos Marighella, que cativava
com seu exemplo, sua coerência, seu bom humor, seu idealismo, seu compromisso,
sua dedicação, sua incansável e inabalável vontade de justiça, de democracia e de
respeito ao ser humano. A coragem em Marighella era um atributo visceral, como
demonstrou diante de seus verdugos no Estado Novo, quando, barbaramente
torturado, derrotou os homens de Vargas e de Filinto Müller. Em maio de 1964,
dentro de um cinema, reagiu. Foi baleado e preso por agentes da ditadura no Rio de
Janeiro. Prometeu a si próprio que nunca mais seria preso. Foi morto numa
emboscada na Alameda Casa Branca, em São Paulo, tramada pelo facínora Sérgio
Paranhos Fleury. (Palmas.)
O reconhecimento da responsabilidade do Estado brasileiro por sua morte
resgata sua imagem para a história. É bom lembrar que esse reconhecimento se
deu em função da luta de anos de sua família, de Carlos Marighella, seu filho, de
sua companheira de vida e de luta, Clara Charf. Acredito que você, Carlos Augusto
Marighella, conheceu isso do seu pai com muita intensidade. E soube aprender com
o seu exemplo. Hoje, fazemos esta homenagem a seu pai, a você e a todos os que
lutaram contra a ditadura militar.
E não tenho dúvida de que você sabe dividir com todos aqueles que
continuam firmes nos seus ideais, firmes na sua luta, como você e sua família
compartilharam seu pai com todo o povo brasileiro. Vamos continuar instigados no
objetivo da democracia, da justiça social e do socialismo com o mesmo vigor e a
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mesma força que tivemos na juventude, acrescidos da experiência, da serenidade e
da impetuosidade com que Carlos Marighella nos conquistou, nos motivou e nos
levou para dentro da guerrilha.
Termino minhas palavras recitando um belo poema de Carlos Marighella,
composição de 1964/1965, Rondó da Liberdade:
“É preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer.
Há os que tem vocação para escravo
mas há os escravos que se revoltam contra a escravidão.
Não ficar de joelhos,
já não é racional renunciar a ser livre.
Mesmo os escravos por vocação
devem ser obrigados a ser livres,
quando as algemas forem quebradas.
É preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer.
O homem deve ser livre...
O amor não se detém ante nenhum obstáculo,
e pode mesmo existir até quando não se é livre.
E no entanto ele é em si mesmo
a expressão mais elevada do que houver de mais livre
em todas as gamas do humano sentimento.
É preciso não ter medo,
é preciso ter coragem de dizer.”
Viva Carlos Marighella. Carlos Marighella vive aqui entre nós. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Com a palavra Carlos
Marighella Filho, que agradecerá a homenagem feita ao combativo Carlos
Marighella.
O SR. CARLOS MARIGHELLA FILHO - Sr. Presidente, Deputado Luiz
Couto; Dr. Almada; Dra. Vivien; meus prezados companheiros e companheiras, é
sempre muito emocionante participar de solenidades como esta, e elas cada vez
mais se multiplicam.
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Já este ano, meu pai recebeu da Câmara de São Paulo um título de cidadão
paulistano, que, por todo o seu simbolismo e pela importância daquela instituição,
que representa o povo, a municipalidade de São Paulo, é extremamente
significativo.
E a esse evento se somam outros acontecidos e que acontecerão. Já houve
um ato semelhante na Câmara de Fortaleza, do qual participei recentemente. Vamos
ter agora, no dia 26, uma exposição com documentos pessoais, material que a
família recolheu e que pode efetivamente, digamos assim, dar ao público, sobretudo
aos jovens brasileiros, que não tiveram a possibilidade de conhecer meu pai, um
pouco do perfil pessoal humano que a turma da velha guarda registra como uma das
suas características mais importantes, ou seja, a humanidade que transparece no
sorriso, na atenção, na cordialidade, no humor, que eram características dele, um
revolucionário sempre terno, como, pregava Che Guevara, deveriam ser os
revolucionários.
E vamos ter finalmente no dia 10 de dezembro, data em que meu pai teve os
seus restos mortais trasladados de São Paulo para Salvador, um ato no cemitério,
ao pé de lápide concebida por Niemeyer, com uma frase belíssima e inspiradora. Na
lápide de meu pai está escrito: “Não tive tempo de ter medo”.
Essa mesma exposição, que corre o País, vai ficar em exibição num dos
principais pontos da cultura da Bahia, o Teatro Castro Alves, em Salvador.
Tudo isso demonstra que, cada vez mais, todo o manto de maldição e silêncio
que os inimigos do povo, da poesia, da democracia, da liberdade tentaram impingir a
Marighella, para que não tivéssemos a possibilidade de conhecer a grandeza desse
homem, tudo isso está ruindo, está caindo por terra, porque cada vez mais o País
busca em homens como Marighella inspiração para prosseguir nos seus novos e
ambiciosos objetivos, porque uma sociedade se move pelos valores que vai
construindo a cada momento. E Marighella é a bandeira da justiça social, é a
bandeira da liberdade, é a bandeira da soberania deste País e é a coragem de lutar.
Existiria coisa mais importante para a nossa juventude e para a nossa
sociedade do que ser inspirada por esse desejo, por essa vontade de lutar e
construir seu próprio destino e o seu futuro? É uma bela bandeira, é muita
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inspiração, e Marighella serve para isso, e é esse reconhecimento que estamos
vendo no País e presenciando exatamente agora.
No meu caso particular, como filho e convidado para participar desses
eventos, acho importante dar um depoimento que transmita como minha emoção é
multiplicada por mil. Lamento que meus filhos não possam estar aqui para ouvir de
todos vocês essas palavras de reconhecimento, palavras de carinho, que
efetivamente nos enchem de orgulho. É pena que Clara não tenha podido vir aqui,
ela que é lutadora incansável. Já tendo ultrapassado os 80 anos, ainda se emociona
e luta muito, como muitos lutam, para que esse reconhecimento se opere.
Meus companheiros, estou muito contente e orgulhoso. Há 40 anos, ao saber
da morte de meu pai, a família toda procurou as autoridades militares da Bahia.
Exigimos que fosse concedido à família o direito de sepultar meu pai. Era um direito
que entendíamos importante e queríamos exercer. Mas Marighella, mesmo morto,
ainda intimidava essa camarilha. (Palmas.) Eles invejavam esse tempo todo a
amizade e o reconhecimento que o povo brasileiro tinha a homens como Marighella.
E não queriam permitir que esse sentimento se manifestasse no sepultamento. Meu
pai foi sepultado como indigente em São Paulo. Como havíamos demonstrado a
vontade de sepultá-lo, eles nos ameaçaram. Disseram que Marighella havia
participado, com um grupo de seguranças, do assassinato de uma policial, naquele
episódio se noticiou que uma policial havia morrido, e que também nesse entrevero
havia sido ferido um policial muito querido do DOPS, segundo eles, e que haveria
retaliação e eles não poderiam garantir a nossa segurança se insistíssemos em ir a
São Paulo para o sepultamento.
Nós fomos, com muito receio, mas fomos. Isso apenas fez apressar o
sepultamento na calada da noite. Mas ficou a difamação, ficou a infâmia, ficou a
notícia amplamente difundida nos jornais de que meu pai teria participado do
assassinato de uma pessoa. Isso era a culminância de toda uma campanha
difamatória que acompanhou meu pai desde o momento em que ele decidiu ficar no
Brasil, lutar contra a ditadura e organizar o povo nessa direção, porque, como vocês
sabem, meu pai decidiu em 1964 que deveria ficar no Brasil, deveria organizar a
população e resistir contra um golpe que, ele sabia, não era uma quartelada, mas
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um golpe de inspiração fascista que queria se impor pela força, sem se deter diante
de nada, nem do direito à vida de cada brasileiro.
E foi isso exatamente que determinou a decisão de assassinar meu pai. Eles
não queriam que, na prisão, um homem como Marighella pudesse inspirar a
resistência ao golpe militar, como aconteceu, por exemplo, com Mandela, que,
preso, reuniu toda a sociedade africana contra o apartheid.
Pois bem, meus amigos, eu estive em São Paulo e vi difundida nos jornais
essa infamante acusação contra o meu pai. Durante todos esses anos e com a
ajuda de muitos, se não de todos vocês, lutamos para que a dignidade de um lutador
fosse restabelecida. E é com muito orgulho que vejo aqui e em outros eventos a
negação cabal da acusação. Estamos reunidos hoje para homenagear um brasileiro
valoroso, um brasileiro — e ele escreveu isto em muitos de seus artigos e
declarações — que queria apenas ser um entre milhares que lutavam pela liberdade
e contra a ditadura.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Obrigado, Carlos Marighella
Filho.
Santo Dias da Silva Filho atrasou, por conta do voo. A homenagem a Santo
Dias da Silva, representando os sindicalistas e movimentos sociais, será prestada à
tarde.
Registro a presença de 42 camponeses do Araguaia. (Palmas.)
Peço que fiquem de pé para receberem a nossa homenagem. (Palmas.)
Agradecemos ao movimento da anistia e a todas as entidades que
contribuíram
para
que
eles
se
fizessem
presentes
neste
3º
Seminário
Latino-Americano de Anistia e Direitos Humanos.
Um abraço, sejam bem-vindos ao nosso seminário. (Palmas.)
Concedo a palavra ao Relator desta Mesa, Sr. Aleinaldo Batista. (Palmas.)
Informo que, depois da fala do Aleinaldo e do Portugal, vamos nos libertar da
fome, faremos uma pausa para o café. Não fiquem desesperados, porque daqui a
pouco será servido um lanche.
O SR. ALEINALDO BATISTA - Senhoras e senhores participantes do 3º
Seminário Latino-Americano de Anistia e Direitos Humanos, bom dia.
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O tema de que vou tratar diz respeito ao Arquivo Nacional. Pela minha
experiência na procura de informações no Arquivo Nacional e nas reuniões que
tivemos, o que tenho a dizer é que o Arquivo Nacional tem feito um trabalho muito
bom, com muita eficiência, e tem atendido cada um de nós no momento em que lá
chegamos e procuramos informações. Gostaria de parabenizar todos os
trabalhadores do Arquivo Nacional pelo bom trabalho.
Não posso dizer a mesma coisa em relação às empresas estatais, que estão
dificultando o trabalho do Arquivo Nacional, não estão mandando os seus arquivos,
para que o Arquivo Nacional possa ser mais completo. E aos Estados brasileiros que
ainda não abriram os seus arquivos. Em especial, eu chamo a atenção, o Estado da
Bahia, cujo Governador hoje é do PT. A pergunta é: por que não abre esses
arquivos? Em especial, eu chamaria a atenção para o Estado da Bahia, cujo
Governador hoje é do PT.
A pergunta que se faz é a seguinte: por que esses arquivos não são abertos?
Estou encaminhando a este seminário pedido de abertura de todos os arquivos e
que seja enviada ao Arquivo Nacional toda a documentação para que ele possa
fazer melhor o seu trabalho. E para que o Arquivo Nacional complete a sua obra,
estamos aqui apresentando o relatório...
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Vamos ouvir o nosso
companheiro Aleinaldo. O barulho está grande e nós pedimos silêncio para que o
companheiro seja ouvido. É importante sabermos ouvir.
Tem V.Sa. a palavra, para continuar sua exposição
O Sr. ALEINALDO BATISTA - Encaminhamos o nosso relatório. Creio que
todos queremos que o Arquivo Nacional seja completo; queremos que nossa história
seja contada no mais longínquo lugar do Brasil. Toda a história das pessoas que
foram perseguidas, mortas e torturadas neste País pela ditadura tem de vir à tona.
Nós, brasileiros, temos esse direito.
Nesse sentido, estamos encaminhando relatório com o seguinte tema:
“Arquivo da história viva”. A ideia é coletar o depoimento de pessoas que
vivenciaram e testemunharam os fatos na época.
Eu passo à leitura, que é curta. Serei breve.
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A finalidade deste relatório é apresentar resumidamente alguns depoimentos
de testemunhas que vivenciaram de alguma forma as lutas do povo do Araguaia.
Apresentamos alguns relatos resumidos que foram coletados neste seminário.
Primeiro, o do Sr. Juraci Bezerra Costa, que à época contava com 6 anos e
foi utilizado pelo Exército brasileiro como isca para capturar um guerrilheiro com o
nome de Osvaldão. Essa criança ficou durante 30 dias na mata e presa num quartel
por 6 meses.
O segundo depoimento é de Pedro Manoel Nascimento, que tem 70 anos
atualmente. Ele foi preso na base de Marabá por 45 dias, em 1972. Qual o motivo?
A ditadura entendia que ele tinha envolvimento com a Guerrilha do Araguaia, por
isso o prendeu etc.
O próximo depoimento é de Basílio Constâncio Silva, de 82 anos. Ele foi
obrigado pela Polícia Militar a participar de uma patrulha que tinha a finalidade de
capturar e matar guerrilheiros. Essa ação culminou com a tentativa de assassinato
do atual Deputado José Genoíno e teve como consequência a captura e a prisão do
mesmo.
O penúltimo depoimento é de Maria Helena Feitosa, de 50 anos. Ela era
esposa do guerrilheiro Josias Gonçalves, filho de José Gonçalves de Sousa, que era
camponês, foi preso e torturado barbaramente pelo Exército brasileiro, tendo
chegado a óbito totalmente inválido. A testemunha cuidou dos ferimentos desse
cidadão, que não era um guerrilheiro, até sua morte.
O último depoimento é de Lauro Rodrigues dos Santos, de 52 anos. Ele foi
mutilado. Perdeu o antebraço esquerdo após a explosão de uma granada de
propriedade do Exército brasileiro, que foi deixada na vizinhança de onde o
depoente morava, e que ainda teve com consequência a morte de Sabino Alves
Silva, também camponês.
Estamos aqui trazendo esses relatos que parecem não ter muita importância,
mas queremos que tudo isso seja registrado na História do Brasil. Eu creio que cada
brasileiro que participou desse evento tem alguma coisa a contar e nós precisamos
que essas pessoas se manifestem.
Tendo em vista a dificuldade de coleta de centenas de depoimentos, através
deste 3º Seminário, e pedimos o apoio dos senhores, encaminhamos o pedido para
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que o Arquivo Nacional conclua os demais depoimentos, a fim de que eles façam
parte dos anais dos arquivos brasileiros sobre a história do Araguaia. Acho que é o
mínimo que podemos fazer.
Também defendemos a prorrogação do mandato da CIANIST, porque
entendemos que só com a Comissão funcionando é possível que a Lei de Anistia
seja respeitada.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Obrigado, Aleinaldo.
Além dos depoimentos, na proposição consta a solicitação para que o Arquivo
Nacional possa ouvir os que não foram ouvidos ainda — então, gravando na TV
Câmara já — e a segunda é solicitar ao Presidente da Casa a prorrogação da
duração da Comissão de Anistia.
Alguém é contrário a essas duas proposições? Então, se forem favoráveis a
elas, por favor, uma salva de palmas. (Palmas.)
A Deputada Janete Capiberibe, na sua fala, a partir do movimento que luta
pela libertação e pela não extradição do Cesare Battisti, fez uma solicitação para
que aqui fosse criada uma comissão para ir ao Palácio solicitar do Presidente que
possa decidir pela não extradição do Cesare Battisti para que ele saia da cadeia e
pare com a greve de fome. Nós o queremos vivo aqui no Brasil.
Então, se as pessoas que estão aqui são favoráveis a essa proposição —
depois a Maria Luísa e a Rosa, com o pessoal, farão a sua composição —, também,
por meio de palmas, que aprovem essa comissão. (Palmas.) Muito obrigado.
Agora vamos ouvir o Sr. Augusto Portugal, que vai fazer a leitura do manifesto
do Fórum Permanente dos Ex-Presos e Perseguidos Políticos.
O SR. AUGUSTO PORTUGAL - Bom dia, companheiros e companheiras.
Estou aqui representando o Fórum Permanente de Ex-Presos e Perseguidos
Políticos de São Paulo, e também a Associação dos Metalúrgicos Anistiados do
ABC, associações irmãs que lutam, como vocês podem ver nas nossas faixas, pelo
integral cumprimento do temário que estamos debatendo aqui.
O Deputado Luiz Couto simboliza a nossa luta ainda atual, pois é um
companheiro que, à frente da Mesa e Presidente da nossa Comissão, representa
alguém que luta pelos direitos humanos e é perseguido por causa dessa luta. Então,
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peço uma salva de palmas ao companheiro pelo valor que tem tido em toda a sua
trajetória política e ainda neste momento, simbolizando a nossa luta. (Palmas.)
Vou ler a mensagem do nosso Fórum Permanente de Ex-Presos e
Perseguidos Políticos, dizendo:
Companheiras e companheiros!
É com orgulho e preocupação que o Fórum Permanente de Ex-Presos e
Perseguidos Políticos de SP participa deste 3º Seminário Latino Americano de
Anistia e Direitos Humanos.
Orgulho porque nós, aqui presentes, representamos muitas histórias de luta de
quem não se dobrou à violência e às perseguições que o regime de 64 implantou
contra o povo brasileiro, reprimindo durante 21 anos nossas lutas pela liberdade e
pelos direitos humanos.
Nós resistimos à Ditadura de 64. Nós resistimos à violência, à tortura e aos
assassinatos. Nós resistimos à repressão e à perseguição política. Nós resistimos à
censura e ao AI-5. E nós lutamos pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita, que mesmo
não conquistada na sua totalidade, impôs ao regime uma realidade que transformouse na Lei 6683/79. E este momento glorioso que foi a luta pela Anistia, deu início ao
fim do regime que tanto mal fez ao nosso país e ao nosso povo.
Temos orgulho porque este 3º Seminário homenageia alguns de nossos
símbolos como Manoel da Conceição, combatente revolucionário e liderança do
movimento camponês e dos trabalhadores rurais. E também homenageia o
revolucionário e deputado federal constituinte de 1946, Carlos Marighella e o líder
operário metalúrgico de São Paulo, Santo Dias da Silva, ambos assassinados pela
ditadura, mortos em combate lutando pelos direitos do povo.
Em seus nomes, queremos lembrar e homenagear alguns daqueles que o
nosso Fórum de Ex-Presos e Perseguidos Políticos homenageou em 2009: Olavo
Hansen, Luiz Hirata, Devanir José de Carvalho e Eduardo Leite, o Bacuri. E saudar a
memória de Manoel Fiel Filho, Vladimir Herzog, David Capistrano e Luiz Maranhão.
De Mario Alves, Joaquim Câmara Ferreira, Carlos Lamarca e Zequinha Barreto. De
Helenira Rezende, Virgilio Gomes da Silva; Pedro Pomar e Ângelo Arroio. De Ana
Rosa Kucinski Silva, Padre Henrique, Isis Dias de Oliveira. E Paulo Wright e João
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Batista Drummond. E tantas outras pessoas que doaram suas vidas à causa da
liberdade e dos direitos dos trabalhadores e do povo.
Mas apesar de nosso orgulho, temos motivos para preocupação. Ainda que
nossa luta pela Verdade, Justiça e Reparação tenha mais visibilidade e acolhida hoje
do que há alguns anos, graves ameaças pairam sobre estas bandeiras. É certo que
o Brasil mudou muito desde 1979, ano da promulgação da Lei 6683. Mas de certa
forma permanece o mesmo, com muita violência e perseguição policial contra a
população pobre, negra e jovem e contra aqueles que vivem nos bairros pobres das
periferias brasileiras. E a impunidade daqueles que torturaram e perseguiram
durante a ditadura, alimenta a violência nos dias atuais nas prisões e delegacias
brasileiras, como vimos recentemente em Santa Catarina e em tantos outros
lugares.
Mas também são perseguidos os movimentos que lutam por direitos e
dignidade para o nosso povo. São muitos os exemplos de assassinatos, prisão e
torturas aos que lutam, no campo e nas cidades, por melhores condições de vida. A
criminalização dos movimentos sociais é um fato e repete, nos dias de hoje, a
mesma prática de repressão e perseguição que existiram durante a ditadura de 64.
Por isso tudo, estamos preocupados. Defendemos, na verdade, uma
comissão de justiça e não uma comissão que passa ao largo da identificação e
responsabilização dos torturadores.
É por tudo isto que se temos orgulho de ter lutado, temos preocupação de
que nossa luta não seja traída. Muitos sofreram, muitos morreram. E muitos foram
perseguidos, banidos e exilados, para que o Brasil viva hoje numa democracia que
precisa, ainda, de muita luta para atender aos direitos de quem é marginalizado e
perseguido.
Saudamos a realização deste 3º Seminário Latino Americano de Anistia e
Direitos Humanos e reafirmamos que “A Luta Continua”. Queremos destacar que,
como disse um escritor francês, esquecer, é também perdoar o que não seria
perdoado, se a justiça e a liberdade prevalecessem. Esquecer o sofrimento passado
é perdoar as forças que o causaram — sem derrotar essas forças.
Pela Comissão da Verdade e Justiça!
Pela abertura dos arquivos secretos da ditadura militar!
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Que o Supremo Tribunal Federal não anistie os torturadores, sequestradores
e assassinos, pela aceitação de descumprimento da ADPF 153, que mantém a
condenação do torturador Ustra!
Que a Lei 10.559/02 seja integralmente cumprida!
Queremos, então, saudar a todos os companheiros em nome da nossa
Associação dos Metalúrgicos Anistiados do ABC, associação irmã do Fórum de ExPresos e Perseguidos Políticos de São Paulo. Reafirmo que daqui para frente, por
todo o tempo que restarem as nossas forças que a luta continua, companheiros.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Obrigado, Augusto Portugal,
pelo manifesto do Fórum dos Ex-Presos e Perseguidos Políticos de São Paulo.
Agora faremos um intervalo de 10 minutos para o cafezinho. Depois daremos
início à outra mesa. (Pausa.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Convido companheiros e
companheiras para que possam adentrar o nosso plenário para iniciarmos a próxima
mesa que tratará do tema “Criminalização dos Movimentos Sociais” e a luta pelo
combate a essa criminalização sobre a temática “Descriminalização dos Movimentos
Sociais”.
Convido para tomar assento à Mesa os expositores Dr. Modesto da Silveira,
representante do SINDPETRO/RJ; Sra. Marina dos Santos, representante do MST;
representando o Presidente da OAB Federal, Cezar Britto, a Dra. Herilda Balduíno; o
Presidente da OAB do Rio de Janeiro, Sr. Wadih Damous; e a Consulesa Shirley
Orozco, do Consulado Geral da Bolívia no Rio de Janeiro.
A Dra. Herilda Balduíno está presente? (Pausa.)
Vamos conceder a palavra ao nosso primeiro expositor, o Dr. Modesto da
Silveira, representante do SINDIPETRO, Rio de Janeiro.
O SR. MODESTO DA SILVEIRA - O tema é “Descriminalização dos
Movimentos Sociais”. Pois bem, todos nós sabemos, até eu sei, que todas as
ditaduras perseguem os movimentos sociais. Essa é uma experiência que todos
temos
da
ditadura
brasileira
e
das
outras
ditaduras
latino-americanas.
Supostamente, as democracias, ao contrário, estimulam a organização social e a
deixa livre, como, aliás, figura em todas as constituições livres e democráticas..
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Aos companheiros que têm interesse nesse assunto, na última vez em que
falei aqui, dizia que esta Mesa não fala para peixes; esta Mesa fala para
companheiros democráticos, que querem saber como enfrentar a luta pela
democracia ainda não concluída. (Palmas.)
Já que esta Mesa não vai falar para peixes e sim para companheiros, eu volto
a dizer que as ditaduras perseguem, impedem, punem os movimentos sociais. As
democracias, ao contrário, procuram estimular esses movimentos com liberdade. No
entanto, hoje estamos constatando que os resíduos, isto é, aqueles que
conseguiram penetrar no processo democratizante, continuam tentando perseguir e
até inviabilizar os movimentos sociais. Hoje, infelizmente, apesar de toda a luta
pelos direitos humanos, a luta pelos direitos sociais continua esbarrando naqueles
saudosistas que conseguiram implantar-se dentro de um processo democratizador.
Por isso, nós temos hoje ainda, infelizmente, inúmeros exemplos de como os
movimentos sociais continuam sendo dificultados, impedidos e até perseguidos, de
todas as formas. E observem, regionalmente, a tendência ditatorial de alguns
Governos, de alguns setores de Governos estaduais, municipais e também federais,
que dificultam ou inviabilizam a ação livre desses movimentos.,
Vou dar apenas alguns exemplos. Eu sou do Rio de Janeiro, mas não sei só
do Rio. No Rio de Janeiro, sabemos que algumas entidades, como, por exemplo, a
Associação dos Engenheiros da PETROBRAS, AEPET, sofreram inúmeras pressões
no passado e algum resíduo dessas pressões continua, no sentido ameaçador.
Vamos a outro exemplo pior. No SINDIPETRO e nas organizações de
petroleiros em geral são muitos os exemplos de perseguição, sugestões de pressão,
sugestões até de chantagem e atos concretos de perseguição criminosa. Temos
enfrentado inúmeras. E são perseguições que nos convencem de que são de
brasileiros a serviço de estrangeiros.
O tempo é curto e eu prometi encurtá-lo mais ainda para ajudar no bom
andamento do seminário, mas vou dar um exemplo. Vejam bem, como dizia o Martin
Almada, a 4ª Frota passeou sobre o nosso pré-sal ao mesmo tempo em que
interesses estrangeiros vinham pressionar para conquistar os leilões do petróleo
brasileiro — ao mesmo tempo em que isso ocorria! A interpretação é fácil: claro, a 4ª
Frota recuperada veio passear ao longo das nossas águas territoriais, dando o
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recado: “Entreguem às nossas multinacionais nos leilões, ou então entregarão por
aqui, pelos nossos canhões.” Recado evidente.
O que aconteceu? Vamos agora à análise da pressão local. Enquanto os
petroleiros se manifestavam livremente, como lhes garante a Constituição,
mostrando que o petróleo é nosso, tem que ser nosso, e não estrangeiro, houve
ações policiais e houve tolerância ou estímulos de Governos estaduais no sentido de
reprimir. E que forma de pressão e repressão? Uma forma mais violenta, ao ponto
de quebrar o braço de um dos maiores dirigentes dos petroleiros do Rio de Janeiro,
o Manoel Cancela. Não só lhe quebraram o braço, mas aquele que quebrou orgulhase ainda de estar dizendo; “Por enquanto quebrei o braço, que é a sua asa; amanhã
posso quebrar o seu corpo”, vale dizer, é uma ameaça de morte.
Pois bem, e se ele se orgulha disso... Capitão Moreira. O Capitão Moreira foi
boa comparação, porque o Capitão Guimarães era aquele que quebrava o corpo e a
alma das pessoas na condição de torturador do DOI-CODI. O Capitão Moreira,
provavelmente, como paralelo ao Capitão Guimarães, ameaça a fazer o mesmo com
a liderança dos petroleiros. E a responsabilidade é de quem, se foi no Rio de
Janeiro?
É direito de qualquer sindicalista, de qualquer sindicato não pedir para fazer
qualquer manifestação, apenas informar às autoridades policiais ou governamentais
locais e até pedir que eles dêem proteção a qualquer manifestação pública que seja
legal, como garante à Constituição. Não tem de pedir; basta informar e pedir
proteção, e mais: informar a eles que, se alguma provocação houver, a
responsabilidade da providência será, ou a culpa será, da própria polícia dos
Governos Estaduais.
Há indícios de cooperação também de polícias federais de determinados
lugares. Aí já passa a ser a responsabilidade pública do Governo Federal. Mas o
que tem ocorrido com os petroleiros do Rio de Janeiro e de outros lugares? O que
tem ocorrido com os sem-terra do MST, sobretudo no Rio Grande do Sul? É preciso
ver Governo que tenha polícia do Estado, assim como de outros Estados também. O
movimento dos sem-teto igualmente tem sofrido essas pressões em várias partes,
não só do Rio, mas em outros Estados.
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Pois bem, assim estão os movimentos sociais. Se queremos alguma coisa
parecida com democracia, democracia verdadeira, democracia em que “demos”
signifique povo e “cracia” o governo desse povo; se é verdade o que diz a
Constituição, que todo poder emana desse povo, ele tem o direito e até o dever de
defender o seu poder popular, democraticamente.
Essas são notícias que chegam de toda a parte do Brasil, de tal maneira que
penso que pelo menos, ainda que um pouco desfigurada a figura que fiz num dos
discursos no Congresso Nacional, quando olhei para o Plenário e disse: “Este
Plenário, eleito pelo povo, não representa o povo brasileiro, porque o povo brasileiro
é composto de 51% a 52% de mulheres. Onde estão as mulheres? Está aqui apenas
1% dos 51% que elas representam na população. O povo brasileiro é
majoritariamente pobre. Não vejo pobre aqui. O único pobre que eu conheço neste
Plenário é um ex-pobre, que sou eu, ex-pobre que agora é classe média, porque
recebe muito bem como Deputado Federal. O povo brasileiro é policrômico, como
este plenário. Ele é negro, é amarelo, é branco, é mestiço. Aqui eu só vejo brancos,
com rara exceção do único negro típico, e que, infelizmente, vota contra o interesse
negro. O povo brasileiro é pobre. E quem eu vejo neste plenário, senão banqueiros,
industriais, latifundiários, grandes comerciantes ou seus representantes alacaiados.”
Enquanto o Plenário for como aquele, e em grande parte isso é ainda verdadeiro
hoje, não teremos um processo democrático. É preciso examinar as bases desse
processo democrático eleitoral para corrigi-lo até que esse Plenário se torne
realmente um Plenário do povo brasileiro, em que haja gente com cara de
Maracanã, com cara de Mineirão, Mineirinho, com cara de gente brasileira, que aqui
não tem. Era assim, e não é tão diferente ainda hoje.
Por isso é que os movimentos sociais, os movimentos do povo do Maracanã,
o movimento que tem essa cara de povo aqui, continuarão perseguidos enquanto
não encontrarmos um processo democrático real, autêntico, verdadeiro, como estão
encontrando alguns países vizinhos nossos, inclusive a Bolívia, da minha querida
Shirley, aqui a minha direita, e de outros companheiros que vieram e que virão
passar por esta Mesa.
Eu lhes agradeço muito. Muito obrigado pela tolerância. (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Muito obrigado, Dr. Modesto da
Silveira.
Concedo a palavra a nossa expositora Sra. Marina dos Santos, representante
do MST. (Palmas.)
A SRA. MARINA DOS SANTOS - Bom dia, Sr. Presidente Deputado Luiz
Couto; companheiros da Mesa, todas as participantes e todos os participantes deste
3º seminário internacional.
Desde já, agradeço o convite em nome de todo o conjunto do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra. Achamos importantíssimo neste momento que nós
estamos vivendo da sociedade brasileira, e também do conjunto da América Latina,
termos a realização de seminário dessa dimensão, com essa qualidade, com esse
nível de participação, de representação dos povos da cidade e do campo do Brasil e
também de outros países do nosso continente. Desde já o nosso agradecimento
pelo convite e pela possibilidade de participação, troca e experiência vivida aqui com
vocês.
Queremos agradecer por todas as homenagens que foram feitas hoje aqui e
dizer que nos sentimos, como camponeses, representados e homenageados
também pela belíssima homenagem ao grande companheiro Manoel da Conceição,
que tem seu legado para toda a nossa militância como exemplo de vida, de militante,
de luta contra o latifúndio e pela realização da reforma agrária neste País.
Gostaria de iniciar ressaltar que, do nosso ponto de vista, nesse momento
que nós estamos vivendo no Brasil e especialmente na América Latina, há uma
articulação de um pequeno setor da América Latina, porém muito forte. Eles são
poucos, mas eles têm dinheiro, dominam o capital e estão se articulando com os
vários setores mais reacionários que existem em todas as sociedades do nosso
continente, seja através da parte reacionária dos Executivos, seja dos Legislativos,
seja do Poder Judiciário, seja de toda a grande mídia, dos grandes meios de
comunicação. Esse setor, mesmo que pequeno, mas forte, conservador, reacionário,
está no processo dessa articulação para fazer a ideologização de todos os
processos de luta dos movimentos sociais, dos lutadores e das lutadoras em todo o
nosso continente, em todos os países da América Latina.
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Nós vemos que, independente da onda de vitórias eleitorais das forças de
esquerda que houve no nosso continente, e alguns muito progressistas como
Bolívia, Venezuela, El Salvador, Nicarágua, Paraguai e também com os governos do
campo popular como Brasil, a própria Argentina, Uruguai, enfim... Essas eleições na
América Latina fizeram com que houvesse um avanço considerável das conquistas
de direitos das populações. Agora, esse grupo pequeno, mas reacionário e
conservador, que não gosta, ao contrário, tem medo de pobre, pensa que não pode
haver pobre, muito menos se mobilizando e fazendo gestões em torno de conquistas
de seus direitos, ele vai fazer tudo para impedir esses avanços e também para voltar
aos seus cargos, com o grande objetivo de criminalizar, incriminar e desmoralizar a
pobreza, os lutadores e os movimentos sociais. Quando falamos desses elementos,
ressaltamos que são tanto do campo quanto das cidades. Essas forças estão agindo
no sentindo de incriminar, criminalizar e desmoralizar os movimentos sociais do
campo e da cidade em todos os países já citados que tiveram avanços em nosso
continente.
Vemos o golpe de Honduras, abordado aqui pela manhã, de 28 de junho e
não resolvido até agora, como uma parte da estratégia desse setor mais
conservador, que logicamente está ligado à escola das Américas, ligado ao
comando maior da grande potência dominadora da América do Norte. Vemos esse
golpe contra Zelaya como um recado aos outros países para agir no sentido de
impedir que haja de fato esses avanços do ponto de vista social e político-eleitoral.
No campo brasileiro, falando mais especificamente da nossa área do campo,
o que percebemos é que há claramente um avanço desenfreado do capital com as
empresas transnacionais, com os bancos, com o capital financeiro por meio do
modelo do agronegócio, que é articulado em conjunto com o latifúndio mais atrasado
e improdutivo para disputa pelo controle dos bens naturais, seja da terra, seja da
água, das sementes, da energia, da biodiversidade. O grande objetivo deles com
isso é avançar na produção dos monocultivos, especialmente cana-de-açúcar,
pínus, eucalipto e soja para exportação. No modelo com esse objetivo de produção,
de fato, não há lugar para quilombolas, nem para indígenas, nem para agricultura
familiar. Então, quando há um processo de mobilização, de organização desses
setores, há logicamente um processo de incriminar, criminalizar e desmoralizar o
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conjunto de organizações que estão lutando por seus direitos. Com isso, o que
temos visto é que há aumento da concentração da terra no País, com a atuação do
agronegócio e, logicamente, do “latifúndio improdutivo mais atrasado”, entre aspas.
Os senhores devem ter acompanhado, recentemente, os dados do Censo
agropecuário que revelam que no Brasil 1% de proprietários detém 46% das terras
agricultáveis. Nós somos o segundo país no mundo que mais concentra terra.
Perdemos apenas para o Paraguai, sendo que naquele país um grande contingente
de detentores da terra é formado de brasileiros. Se pegarmos o exemplo de quem
domina terra no Paraguai e compararmos com o Estado do Maranhão, veremos que
o Brasil leva a taça de país mais concentrador de terra do mundo.
Por outro lado, também nos revelou o Censo, existem 4,5 milhões de famílias
sem terra, fruto do êxodo rural, das políticas, enfim, da falta de implementação de
políticas públicas para a pequena agricultura e o campo brasileiro.
Para nós, é clara a necessidade de um projeto de reforma agrária amplo,
massivo, democrático, que garanta a distribuição da terra improdutiva, de modo a
cumprir-se, inclusive, a própria Constituição Federal, que determina que a terra tem
função social e aquela que não a cumpre deve ser destinada à reforma agrária. A
função social, segundo a Constituição, está baseada em três fatores: produtividade,
respeito ambiental e legislação trabalhista.
Nunca tivemos neste País uma fazenda, uma área, uma terra em que,
detectado trabalho escravo, por exemplo, fosse destinada para a reforma agrária.
Isso está na Constituição Federal, mas não se cumpre. O que se cumpre é o poder
de criminalizar os movimentos sociais que lutam pela terra e para que se cumpra e
se garanta, conforme a Constituição Federal estabelece, a realização da reforma
agrária neste País.
Quando falamos em processo de distribuição de terra, de a reforma agrária
ser ampla, massiva, democrática, ela deve cumprir os objetivos da distribuição da
terra, dos meios de produção, da riqueza no meio rural e também da produção de
alimentos fartos, baratos, de qualidade, para que cheguem à mesa de todos os
trabalhadores brasileiros sem o uso de químicos e agrotóxicos, como fazem o
grande latifúndio e o agronegócio neste País.
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Os senhores devem ter acompanhado também os dados que a ANVISA,
ligada ao Ministério da Saúde, tem nos revelado nos últimos dias. O Brasil é o maior
consumidor de agrotóxico do mundo. Esse agrotóxico é usado na produção dos
alimentos que vão para a nossa mesa, o nosso prato, que vão parar no estômago e
vão trazer sérias consequências para a saúde da população brasileira. Aliás, é o que
mais tem acontecido.
Também foi detectado pela ANVISA aumento no número e em mortes
causadas por câncer na população brasileira. Isso é fruto dos produtos alimentícios
produzidos com agrotóxicos.
Para nós, a reforma agrária tem que cumprir também o objetivo de produção
de alimentos com qualidade, com fartura, a custo baixo, para atender às
necessidades de toda a população, seja do campo, seja da cidade. Uma reforma
agrária que recupere e preserve o meio ambiente, porque o latifúndio deste País
destruiu e continua destruindo o nosso meio ambiente nas várias regiões. Uma
reforma agrária que cumpra o objetivo da geração de empregos no meio rural.
O Censo ainda nos revelou que 80% do emprego no campo hoje está na
agricultura familiar, ou seja, nas pequenas e médias propriedades. Não está nas
grandes propriedades, como ditam os setores do agronegócio. Diz ainda que 75%
dos alimentos saudáveis que vão para a mesa da população brasileira são
produzidos pela pequena agricultura.
Nós acreditamos que é importante esse processo do conjunto de lutas dos
movimentos sociais para que se cumpra, de fato, a Constituição Federal e se
garanta a realização da reforma agrária no País, com esses objetivos.
Fruto dessas contradições, o que percebemos é que há esse processo de
criminalização dos movimentos sociais no Brasil. Agora, nós podemos citar como
exemplo a CPMI da Reforma Agrária, que estão chamando de CPI do MST. Nós não
temos nenhum problema com investigações. Aliás, essa será a terceira CPI da qual
o MST vai fazer parte, em 7 anos. O que nos preocupa de fato são os objetivos que
estão por trás dessa CPI.
Para nós fica claro que o primeiro objetivo dessa CPI é impedir a atualização
dos índices de produtividade. Os movimentos do campo, todas as entidades, todos
os movimentos que fazem parte do Fórum Nacional pela Reforma Agrária não
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conseguem entender por que o latifúndio, por que o agronegócio, por que a bancada
ruralista deste Parlamento não aceita e tem medo de que o Executivo cumpra uma
lei, pois é seu dever atualizar os índices de produtividade, que, aliás, estão
defasados há mais de 30 anos. Não entendemos qual é o medo que eles têm.
O segundo objetivo desta CPI é fazer palco para a direita, para esse setor
mais reacionário, para os Parlamentares reacionários e conservadores fazerem
palco para as eleições do ano que vem e fazerem disputa eleitoral. Acreditamos que
isso também está como pano de fundo dessa CPI.
O terceiro objetivo é, de fato, criminalizar e desmoralizar os lutadores da
reforma agrária, as lutadoras e os movimentos sociais do campo. Nós estamos
entendendo que esse processo da criminalização, hoje, o qual o companheiro que
me antecedeu ressaltou, não se dá somente com a prisão, com a tortura ou com a
morte dos trabalhadores. Eles estão evoluindo nas táticas de criminar, incriminar e
desmoralizar os movimentos sociais e os lutadores dos movimentos sociais. A
comissão de inquérito, a utilização dos grandes meios de comunicação e tantos
outros meios têm sido uma forma de desmoralizar os movimentos sociais.
Quero só dar um exemplo: nos últimos 20 anos, neste País, foram
assassinados mais de 1.600 trabalhadores e lideranças do campo. Poucos foram a
julgamento e responsabilizados por esses crimes, muito menos ainda foram
condenados e responsabilizados e muito menos ainda estão pagando, estão nas
prisões. Muito, muito pouco! Dos 1.600 trabalhadores assassinados, nem cinco
responsáveis estão na prisão. O grande exemplo que podemos dar é o massacre do
Eldorado dos Carajás, em 1996, no Pará. Até hoje não houve julgamento definitivo,
nem responsabilidades pelos assassinatos.
Há duas semanas, os senhores devem ter acompanhado, no Estado do Pará,
dois militantes dirigentes do MST receberam decreto de prisão. Os nossos
advogados verificaram em que se baseava o pedido de prisão. Os senhores devem
ter ouvido falar na Maria Raimunda e no Charles Trocate. Eles receberam decreto
de prisão porque são coordenadores do MST. Quero trazer isso como exemplo,
porque faz uma ponte muito importante com todo esse debate que está acontecendo
aqui.
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Não se pode ser militante, nem dirigente, nem coordenador de um movimento
social hoje? Por ocupar essa função ele tem de ser preso? Que regime — como
dizia o companheiro Martin Almada, do Paraguai, pela manhã —, que democracia de
fachada é esta que nós estamos vivendo neste País e no nosso continente
latino-americano? (Muito bem. Palmas.)
Como disse inicialmente, não estamos preocupados com mais uma comissão
de inquérito, com mais uma investigação, mas gostaríamos muito — acho importante
que todos os presentes possam de alguma forma se manifestar sobre essa questão
— que essa CPI não fosse apenas do MST, porque já passamos por outras duas,
recentemente. Aliás, uma está em aberto ainda, não terminou, e até agora não se
conseguiu
comprovar
nada,
porque
as
teses
da
bancada
ruralista,
dos
representantes do latifúndio improdutivo, escravagista do País e do agronegócio são
as mais reacionárias, são de dar medo em qualquer pessoa.
O que gostaríamos é que essa CPI pudesse ser, de fato, do campo. Uma CPI
do campo que traga a reforma agrária para o debate, para o centro da discussão, a
fim de que o Estado brasileiro investigue também os crimes que o latifúndio
cometeu, historicamente, neste País.
Nós queremos que a CPI vá ao campo investigar o assassinato das mais de
1.600 lideranças do meio rural. Nós queremos que a CPI vá investigar o
desmatamento no meio rural. Também queremos que quebrem os sigilos fiscal e
bancário do MST. Não há problema. Mas que quebrem também o do Sistema S.
Nós queremos saber onde e como estão sendo aplicados os recursos do
SENAR, do SESCOOP, e assim por diante. (Palmas.)
Nós queremos saber também as questões do trabalho escravo deste País.
Segundo a Organização Internacional do Trabalho, no Brasil existem mais de 25 mil
trabalhadores em regime análogo ao de trabalho escravo. Vinte e cinco mil para um
contingente como o Brasil, de quase 200 milhões de habitantes, parece que não é
muito. Mas se houvesse um trabalhador em situação de escravidão neste País já
seria uma vergonha! Não podemos admitir que em um país como o Brasil nós
tenhamos quase 30 mil trabalhadores em regime de escravidão! Por que essa CPI
não vai investigar esse tipo de coisa também?
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Companheiros e companheiras, nós acreditamos que este é um momento
muito importante. Alguém disse hoje pela manhã que todos os dias da história são
muito importantes. Neste momento, também todos os dias da nossa história, da
história do Brasil, está sendo muito importante.
Portanto, cremos que, neste momento, são muito importantes a articulação e
unidade entre os trabalhadores, entre os movimentos sociais, entre os lutadores e as
lutadoras do campo e da cidade.
Nós somos muitos, mas não podemos permanecer cada um fazendo o que
achar certo e não termos, num determinado momento, um sentido de ação conjunta
e unitária entre os trabalhadores e os movimentos sociais.
Também achamos importantes esses debates e um espaço como este.
Devemos repeti-los nos Estados, nas escolas, nas universidades, nas associações
de trabalhadores do campo, da cidade, nas comunidades urbanas, enfim, devemos
estar, de fato, onde está o povo organizado e fazermos este debate em conjunto.
Finalmente, queremos dizer que acreditamos. Não vai ser por conta de mais
uma CPI ou uma ou duas prisões de militantes nossos — podemos dizer que são
prisões políticas, porque são coordenadores do movimento social — ou um e outro
grande noticiário de impressionista da população brasileira, ao dizer que o MST é
um movimento terrorista, que vamos deixar de organizar os trabalhadores rurais sem
terra, que vamos deixar de lutar contra o latifúndio improdutivo deste País. Vamos,
sim, lutar para a realização da reforma agrária.
Nós acreditamos que a luta, que a organização dos trabalhadores e a
mobilização social são a única forma de avançarmos nas conquistas e garantir
justiça social, soberania popular e dignidade para toda a população brasileira.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Obrigado companheira Marina.
Passo a palavra à Sra. Shirley Orozco, Cônsul Geral da Bolívia no Rio de
Janeiro.
A SRA. SHIRLEY OROZCO RAMIREZ - Muito obrigada à Comissão de
Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados e ao Deputado Luiz Couto
pelo convite e aos demais pela presença.
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Hoje, eu vou falar um pouco da experiência da Bolívia na luta dos movimentos
sociais em democratizar tanto a sociedade como o Estado, assim como a ampliação
dos direitos.
(Segue-se exibição de imagens.)
Acho importante contextualizar um pouco e dar certas informações, a fim de
que possam entender como foi a luta dos povos indígenas em meu país.
Bolívia tem uma superfície de 1.098.531 quilômetros quadrados, uma
população estimada, no ano de 2006, em 9.627.266 habitantes, uma população
urbana majoritária. A maior população está concentrada na área urbana, com
64,23%, com densidade de 8,7 habitantes por quilômetro quadrado. A divisão
política e administrativa se divide em nove departamentos, que no Brasil se chama
de Estados.
Bolívia está dividida geograficamente em duas regiões. Em âmbito
internacional se conhece mais meu país pela serra, pelo Altiplano, mas mais da
metade do território são terras baixas, que chamamos de chiquitania, amazônia,
chaco e parte do chaco americano. São dois terços do território que têm alturas
menores.
A Bolívia está constituída com 36 povos e nações. Alguns grupos étnicos se
autoidentificam só como povos e outros só como nações. Destes, os quechuas,
acho que já ouviram falar deles, são 95,5% da população, os aymaras são 40%. Há
outros grupos minoritários como os chiquitanos, guarayos, yurucares, etc. O meu
país tem uma diversidade cultural muito forte.
A maior população indígena fica na parte da serra do país, na parte do
altiplano. Segundo dados do censo, 66,2% da população se autoidentifica como
indígena, tem uma identidade indígena.
Na Bolívia, em meados da década de 80, aplicou-se o modelo neoliberal e se
viveu uma forte característica de esvaziamento social e perda de direitos
conquistados em décadas passadas pelo movimento trabalhador e mineiro. Foi uma
época muito terrível e complicada para as lutas sociais e para os setores de
esquerda do país.
Sem dúvida, no final da década de 90, começa a ter uma emergência social
do movimento indígena e popular. O povo começa a organizar-se e a lutar, mas com
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muitas características. Há organizações sindicais, há organizações camponesas,
comunidades indígenas com suas próprias formas de organização, com suas
próprias autoridades, suas próprias formas deliberativas, assembleias, juntas, suas
próprias autoridades. Essa é uma característica muito interessante da realidade
boliviana.
Houve um ciclo de mobilizações de 2000 a 2005. Acho que vocês escutaram
muito das guerras pelos recursos naturais. Foram muitos levantamentos. Por
exemplo, em 2003, houve a Guerra do Gás, quando morreu mais gente que na
ditadura mais longa que teve meu país, que foi o Governo de Hugo Banzer Suárez
de 1971 a 1978. Em 2003, o governo exerceu uma violência muito forte contra a
população e morreram 800 pessoas na Guerra do Gás, em uma época democrática.
Que ideias, que crenças mobilizaram o povo boliviano? Uma crítica muito
forte à condição neoliberal. Começamos a nos mobilizar contra a privatização de
empresas públicas, a questionar uma conformação histórica muito antiga, que foi a
condição colonial do Estado, ou seja, um Estado que excluiu a maioria da população
boliviana, que a marginalizou, e também um desejo muito forte de recuperar nossos
recursos naturais. Os recursos naturais têm que ser do povo, tem que ser utilizados
em benefício da maioria da população. Temos que nos beneficiar todos desses
recursos naturais e não só alguns setores sociais, como acontecia no país.
(Palmas.)
Outra característica dos movimentos sociais da Bolívia é que eles não lutam
apenas por melhorias salariais, não lutam apenas por temas setoriais como, por
exemplo, só reforma agrária ou só o aumento do salário mínimo. Eles lutam por
temas da agenda nacional que atingem a maioria da população, e isso foi muito
importante na hora de aglutinar os diferentes movimentos sociais. O interessante foi
que todas a organizações sociais se respeitaram e, ao mesmo tempo, tinham uma
bandeira única de defesa nacional.
Historicamente, são muito conhecidos os métodos de luta que utilizaram os
movimentos sociais da região — as insurgências, a luta armada —, mas o
interessante desses novos processos na América do Sul é que eles têm outras
formas de transformação social. Na Bolívia, essas duas formas foram paralelamente
acompanhadas de maneira gradual, ambas por meio de protestos, de mobilizações
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e participação na arena eleitoral como estratégia de poder. Por meios democráticos,
pacíficos, pelo voto universal, os povos tentaram mudar a realidade participando das
eleições. Eles tinham um lema, que era “votemos em nós mesmos”. Antes o povo
votava em outros setoriais minoritários, era a tradição do país, mas depois de 2002
começaram a votar em seus próprios líderes, o que culminou na eleição de Evo
Morales à Presidência.
Eu quis que vocês vissem através de imagens o que aconteceu. Estas são as
primeiras lutas do movimento indígena.
(Segue-se exibição de imagens.)
Aqui as organizações. Estas são as passeatas que as organizações realizam.
Cortar as estradas foi uma estratégia de luta utilizada.
Estas fotos foram antes da queda de Gonzalo Sanchez de Lozada na Guerra
do Gás.
Estas também foram da conjuntura da Guerra do Gás.
Esta é a violência exercida nesses tempos pelo poder estatal contra a luta do
povo.
Isso é o que se conhece como octubre negro, outubro preto, que é a Guerra
do Gás.
Esta é a participação eleitoral, que ocorreu gradualmente, através de
mobilização, de se apresentar em eleições.
Aí está o símbolo do movimento indígena popular na Bolívia, que é a Wipala:
uma bandeira de luta, um símbolo do movimento indígena.
Como meio de transformação, também se pensou que isso tinha de ser não
só legitimado, mas legalizado no país. Assim, houve o processo da assembleia
constituinte na Bolívia, e o resultado disso foi a nova constituição, com a qual os
bolivianos contam desde ano passado. Todas essas ideias de transformação foram
traduzidas e trabalhadas pelas organizações sociais e agora se encontram nessa
nova constituição política do Estado.
Agora vou entrar no tema que nos interessa: o que defendemos como direitos
humanos nessa época. Por exemplo, direitos fundamentais, civis, foram resultado de
lutas da Revolução Francesa e de diferentes povos a nível mundial. Entretanto, há
novas lutas em termos de direitos humanos. Por exemplo, um tema muito importante
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é que os movimentos sociais agora não só defendem essas demandas setoriais de
que falávamos, mas defendem a humanidade, defendem inclusive a mãe terra. Foi
assim que, ante uma conjuntura de crises — alimentar, energética, aquecimento
global, de decadência do planeta, praticamente — se estão incorporando novos
critérios.
No caso, na Bolívia, muito interessante é o que estão fazendo as
organizações sociais. Por exemplo, nessa conjuntura desfavorável de crises que
estamos vivendo, como as crises alimentar e energética, os movimentos sociais
fizeram com que na Bolívia se garantisse como um direito fundamental que toda
pessoa tem direito a água e alimentação (palmas); que o Estado tem a obrigação de
garantir a segurança alimentar através de uma alimentação sadia, adequada e
suficiente para toda a população. Isso está constitucionalizado e garante que não só
em tempos de crises as pessoas que não têm recursos possam ter acesso a esses
recursos naturais.
Outro tema que está constitucionalizado é o direito ao acesso universal à
água e a uma rede de esgoto. É fundamental que as pessoas tenham a garantia
desse acesso.
Também muito importante é o tema dos direitos políticos, de que nosso
companheiro falava. A nova constituição boliviana foi redigida pensando numa
presidenta mulher e numa vice-presidenta mulher. Todo o texto está redigido em
ambos os gêneros, e se reconhece uma participação política igualitária de mulheres
e homens na constituição. (Palmas.)
Finalmente, um tema também muito importante: a constituição reconhece não
só a democracia representativa, através do voto universal, mas também a
democracia participativa, através de consultas populares e de referendos
revogatórios. O povo não só tem o direito de eleger seu representante, mas também
de decidir sobre o seu mandato, inclusive revogando-o. Se um governante não está
correspondendo à linha política a que se comprometeu, o povo pode se organizar e
pedir, através de consulta, a mudança da autoridade. (Palmas.)
Finalmente, em tempos muito complicados no âmbito internacional, a Bolívia
se define como um Estado pacifista que proíbe a instalação de bases militares em
seu território, tema também constitucionalizado. (Palmas.)
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Eu vou deixar isto aqui. Agradeço a atenção de todos. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Muito obrigado, Sra. Shirley
Orozco.
Passo agora a palavra ao Sr. Carlão, Relator desta Mesa. Carlão está
presente? (Pausa.) Não está.
Teremos agora um intervalo para almoço.
A SRA. FABÍOLA - Participei, com o Carlão e o Fenelon, da discussão sobre
a criminalização. Já que eles não estão presentes, gostaria de pelo menos três
minutos para fazer considerações a respeito do que nós debatemos.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - A coordenação tem um Relator
para fazer a síntese.
A SRA. FABÍOLA - Fiz parte do grupo.
PARTICIPANTE - Mas foi escolhido um Relator.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Quando aqui estiver presente o
Sr. Carlão, nós lhe daremos um tempo para não prejudicá-lo, uma vez que foi
indicado Relator.
Ainda antes do intervalo, a próxima Mesa debaterá o tema “O Pré-sal e os
Direitos Humanos”, sob a coordenação da Deputada Janete Capiberibe. (Palmas.)
Esperamos que as pessoas estejam presentes no momento, senão vamos
atrasar cada vez mais.
Está desfeita a presente Mesa, para que seja composta a próxima. (Palmas.)
Passo a palavra à Deputada Janete Capiberibe.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Janete Capiberibe) - Concedo a palavra à
Sra. Fabíola, do SINDIPETRO, para ler o relatório, pelo tempo de 5 minutos.
A SRA. FABÍOLA - Agradeço a oportunidade.
Como disse, fiz parte desse grupo, junto com o Carlão e o Fenelon, e gostaria
de ler para vocês o que conseguimos redigir sobre a criminalização dos movimentos
sociais e da pobreza.
Há necessidade de um amplo debate em toda a sociedade e nos meios
políticos, acadêmicos, de representação de classe, jurídicos sobre a questão da
criminalização dos movimentos sociais e da pobreza.
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Apesar da democracia hoje existente, são perseguidos os movimentos que
lutam por direitos e dignidade para o nosso povo. São muitos os exemplos de
assassinatos, prisões e torturas dos que lutam, no campo e nas cidades, por
melhores condições de vida.
A criminalização dos movimentos sociais é um fato e repete, nos dias de hoje,
a mesma prática da repressão e perseguição que existiram durante a ditadura de 64
(Fórum de Ex-Presos e Perseguidos Políticos do Estado de São Paulo).
A nova “posição” — entre aspas — de setores que desejam manter inalterado
o status quo das oligarquias, com o fim dos regimes autoritários e o início da
democracia, tem sido a criminalização dos movimentos sociais e da pobreza. A
criminalização tem por objetivo paralisar os movimentos sociais, destruir sua
organização e impedir que a luta social tenha uma dimensão política.
É necessário lembrar que a criminalização vem a partir, muitas vezes, de uma
visão legalista, sem tomar em conta se a lei é justa ou não. Por exemplo, no tempo
da escravidão, quem lutava contra e desrespeitava as leis da época podia ser
considerado criminoso. Hoje em dia, os movimentos sociais, como os movimentos
por terra, moradia e outros, veem-se amarrados por leis que já deveriam ser revistas
e, em alguns casos, mais bem interpretadas.
A crise de identidade e de iniciativa que paralisa os movimentos sociais em
grande parte é resultado da política que criminaliza as justas lutas da população,
somada à política de desinformação e manipulação efetuada pela ditadura da mídia.
Não é à toa que nós agora estamos em plena conferência nacional pela
democratização da mídia. Essa foi uma grande vitória dos movimentos sociais pela
democratização da mídia. Estamos nesse processo porque, sem democratizar a
mídia, o povo vai continuar enganado e manipulado.
A ditadura da mídia é um forte instrumento a favor da manutenção da
criminalização dos movimentos sociais. Por meio dessa ditadura midiática o povo é
manipulado, enganado e fica a favor daqueles que nos oprimem.
Existem propostas, tais como: levantar a questão da sociedade sobre essa
criminalização; promover amplos debates para conceituar o problema; identificar as
práticas de criminalização; registrar os movimentos e pessoas que são vítimas dessa
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prática; e registar os fatos concretos ocorridos num só banco de dados, para termos
a real dimensão do problema.
Precisamos também fazer um levantamento das leis que estão sendo
utilizadas até hoje para criminalizar os movimentos; avaliar se essas leis estão
sendo interpretadas corretamente ou se são injustas em sua essência, como era a
lei da escravidão; e articular com os movimentos sociais ampla realização de
denúncia e apuração dos fatos.
É isso aí, pessoal. Obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Janete Capiberibe) - Obrigada, Sra.
Fabíola.
Dando continuidade ao nosso seminário, teremos agora a terceira Mesa: O
Pré-Sal e os Direitos Humanos.
Convido para compor a Mesa o Sr. Francisco Soriano, do SINDIPETRO-RJ; o
Sr. Fernando Siqueira, da AEPET-RJ; a Sra. Dulce Maria Barra Fuentes,
Ministra-Conselheira da Embaixada Venezuelana, representante da PDVSA.
Convido também o cineasta Peter Cordenonsi para a apresentação do
documentário O Petróleo é nosso. (Pausa.)
Convido o Sr. Francisco Soriano, do SINDIPETRO-RJ, para comentar o
documentário O Petróleo é Nosso.
O SR. FRANCISCO SORIANO - Saúdo a Deputada Janete Capiberibe, em
nome de quem cumprimento todos os demais componentes da Mesa e sobretudo os
companheiros presentes.
O Peter já chegou. Ele mesmo falará sem mais delongas.
O SR. PETER CORDENONSI - Boa tarde. Estou muito honrado de poder
passar este filme aqui. Veremos uma versão curta, de 15 minutos — o filme é quase
um longa-metragem —, que discute o pré-sal.
Temos tanta dificuldade de saber o que é essa riqueza porque, infelizmente, a
nossa imprensa mostra apenas o lado neoliberal. Este filme tenta trazer outras
opiniões e, sobretudo, uma visão geral, para que nós venhamos a defender o que é
nosso. Várias riquezas nossas já se foram. As coisas vão passando, e o Brasil vai
sendo dividido.
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Este filme traz opiniões fantásticas de pessoas maravilhosas, entre elas uma
senhora genial, Maria Augusta Tibiriçá, de 92 anos, que desde o movimento O
Petróleo é Nosso, na década de 50, até hoje ainda luta para que o Brasil tenha a
responsabilidade de ser dono de seus passos. Espero que vocês gostem.
Depois do debate do pré-sal, durante o almoço, o filme será exibido na sua
íntegra.
Muito obrigado, Sr. Presidente. (Palmas.)
(Exibição de vídeo.)
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Janete Capiberibe) - Concedo a palavra,
imediatamente, ao Sr. Francisco Soriano, do SINDIPETRO do Rio de Janeiro.
(Palmas.)
O SR. FRANCISCO SORIANO - Obrigado, Deputada.
A minha oração não poderia começar sem antes, com a permissão da
Presidente da Mesa, fazer homenagem a um companheiro meu da ALN.
Vocês viram no filme a presença de todas as correntes que formam a opinião
pública brasileira –– militares, civis, bispos, MST, petroleiros, professores, atores.
Tudo isso foi muito importante. E ali estão todas as correntes políticas também. Há
representantes de todas as centrais e também de partidos nacionalistas.
O companheiro a quem homenageio é o Paulo César Botelho Massa. Trago
isso para fazermos uma grande reflexão e para trazermos ao nosso coração de
cristão um sentimento também de irmandade.
Esse companheiro, o Paulo César Botelho Massa, era filho de um general do
Exército, que tinha outros quatro irmãos generais. O pai dele havia sido, inclusive,
lacerdista e fora Secretário de Segurança do Carlos Lacerda.
Quando houve o golpe, começou a haver também dissensões naqueles que
sentiram que aquela Marcha da Família com Deus pela Liberdade, era, na verdade,
a marcha da família do adeus à liberdade. E um dos que vieram para a luta de peito
aberto foi Paulo César, que era meu colega de faculdade e, também por meu
intermédio, ingressou na Ação Libertadora Nacional, do nosso Carlos Marighella.
Pois bem, esse companheiro foi sequestrado e morto. Hoje é desaparecido
político. Devido à patente, o pai conseguiu que se explicasse o que houve com
Paulo César. A primeira explicação foi de que ele estaria vivo, em Cuba. Mentira do
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General Figueiredo. Depois ele disse: “O General Cristóvão já está velhinho. A gente
não vai passar a ele uma informação que pode levar mais ainda ao desespero”.
Constatada a mentira, os outros irmãos militares conseguiram que se
dissesse o que realmente acontecera com Paulo César. Esse depoimento está em
nosso livro, Deputada. E eles mostraram finalmente a Laís Sanches, esposa do
General Cristóvão Massa, o Paulo César sendo preso junto com Ísis e depois sendo
levado.
A informação dura é que Paulo César havia sido, num interrogatório depois,
levado ao suplício, assassinado. Esquartejaram o seu corpo. Ele foi morto tendo
pedaços do seu corpo arrancados com alicate. E o corpo foi lançado em alto-mar.
Isso é só para termos ideia do que houve no seio dos originários formadores do
golpe e as contradições que logo despertaram.
Esses generais chegaram à conclusão de que estavam criando realmente um
monstro: os aparelhos de repressão que não reconheciam, como a GESTAPO, as
chamadas patentes. No seio, das Forças Armadas, como o Modesto sempre diz,
havia pessoas decentes, dignas, só que os torturadores eram mais ousados. No
final, a máscara caiu totalmente, fruto da ação dos movimentos sociais, dos irmãos
que aqui estão, que deram a vida em sacrifício, e derrubamos a ditadura.
É com esse ânimo, em tributo a Paulo César, ex-funcionário do Banco do
Brasil, que entro no nosso tema, o pré-sal.
Marque o tempo para mim, professora. Quando faltarem 3 minutos, avise-me.
Quero saudar mais uma vez os presentes e também a nossa querida Dulce
Maria Fuentes e dizer a ela que o meu nacionalismo é internacionalista. As
contradições que o Brasil vive são as mesmas contradições dos povos oprimidos.
Como podemos imaginar a Venezuela, que chegou a ser o segundo país exportador
de petróleo, endividada, ela que abasteceu o mundo com energia?
O nosso inimigo é comum. Quem são os inimigos do povo brasileiro? Quem
quer tomar o nosso pré-sal? É preciso que se diga que são três, sobretudo: os
Estados Unidos da América, que temem a nossa concorrência e não têm petróleo;
as nações desenvolvidas, que precisam ter acesso a essa riqueza, porque a sua
matriz energética tem como principal elemento o petróleo; e as multinacionais, as
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Sete Irmãs, que continuam com outros nomes, travestidas com outras siglas. Então,
é preciso identificar bem os inimigos.
Outros companheiros falaram aqui da IV Frota. Pois eu quero anunciar aos
companheiros que existe a V Frota, como existiu também a Quinta Coluna. São
pessoas que estão muitas vezes travestidas e usam um discurso de que estão nos
defendendo. Conseguem até usar um pouco da nossa terminologia para depois nos
levar para a entrega do petróleo por meio de outros mecanismos legais, já que eles
não podem manter mais a legislação de FHC.
Temos hoje em discussão três projetos, mas eles querem dizer que só há
dois: ou ficamos com o projeto do FHC, ou aceitamos os quatro projetos do
companheiro Lula. Tudo o que pudesse ser colocado de diferente do que o Lula fez
já seria avanço.
Nossa honestidade pessoal impõe que eu diga que foi importante o Lula ter
apresentado os quatro projetos, sim. Mas isso não nos deve enganar, porque
também Getúlio Vargas, quando mandou a mensagem do petróleo, não era a Lei nº
2.004. Ela foi fruto da pressão do povo na rua. Essa senhora conta como foi a
conquista do monopólio estatal do petróleo. (Palmas.)
Companheiros, sobre o histórico da nossa luta, quero dizer que, em novembro
de 2007, 200 militantes companheiros, representando dezenas de organizações
sociais e populares, realizaram um ato público na ABI, promovido pelo SINDIPETRO
e pela AEPET, que também patrocinou esse filme do pré-sal, que necessitou de 1
ano de estudos, entrevistas e lapidação, para protestar contra o nono leilão, que
havia sido anunciado. Esse ato na ABI resultou num documento que fizemos ao
Presidente Lula, que foi sensível à opinião pública — mais uma vez, temos de ter a
honestidade de reconhecer isso — e retirou do leilão 41 blocos da camada pré-sal
possuidores de petróleo em grande quantidade e de melhor qualidade.
Tenho de denunciar que Lula foi enganado. É preciso que os amigos dele
desdigam isso. Precisamos de CPI para apurar os leilões, como precisamos para a
UDR, e não para os companheiros do MST.
Foram “esquecidos” — entre aspas — 11 blocos da camada pré-sal. Por isso
o ex-diretor denunciou que foram leiloados, sim, apesar da proibição do
companheiro Lula, outros 11 blocos — podem anotar que ficam no Arco de Cabo
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Frio, na franja do pré-sal, e fazem parte da área estratégica, assim definida no
projeto do Governo. Esses blocos foram arrematados e comprados pelo cidadão
Eike Batista.
Essa denúncia do companheiro Ildo Sauer está em Caros Amigos e na Carta
Capital, entre outras publicações. Na hora que a Câmara dos Deputados quiser, ele
vem aqui e presta um depoimento.
Três meses depois dessa retirada, em 15 de março de 2008, com a presença
de 60 entidades nacionais, criamos um fórum nacional que unificou a luta. Ele se
reúne principalmente em São Paulo, na cidade de Guararema.
Houve ainda a retirada de uma série de itens, um deles a reestatização da
PETROBRAS, nos moldes que vigoravam na época da Lei 2.004.
Também pregamos a retomada das áreas entregues. Não há outro termo,
companheiros. As “leiloatas” eram uma mistura de leilão com negociata. Um dos
itens era o fim da criminalização dos movimentos sociais. Vocês não imaginam
quantos inquéritos o SINDIPETRO responde por essa luta, na Polícia Federal e na
Polícia Civil no Rio de Janeiro. E outras entidades centrais também estão
respondendo a inquéritos. Isso até nos faz lembrar do Kafka e seu fantástico livro O
Processo.
Agora vou falar em ações, companheiros. Em meio à reflexão sobre este
tema, surgiu o desejo e a consumação desse filme, que foi lançado como o maior
espetáculo já levado a efeito no Cine Odeon, na Cinelândia, no Rio de Janeiro.
Abro um parêntese para registrar o que é a aspiração popular. Na Cinelândia,
na Praça Floriano Peixoto, um grupo glorioso, não identificado, construiu uma placa
com a mesma forma, com o nome Carlos Marighella — claro que foi retirada depois.
Vejam o que é a ira sagrada de um povo e a sua memória gloriosa.
Na Cinelândia, na Praça Floriano Peixoto, no cinema Odeon, cabiam 594
pessoas, mas colocamos 800 pessoas, e outras 800 não puderam assistir ao filme.
O povo quer o monopólio estatal do petróleo; o povo quer o projeto social que
apresentamos com o aval de 22 assinaturas.
A mídia diz que não existe um projeto alternativo que realmente responda a
todos esses itens que estão no filme. No Senado Federal, que dizemos ser mais
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conservador, obtivemos o apoio de 10 Senadores, dentre eles Cristovam Buarque,
Paulo Paim, Marcelo Crivella. Este tema tem surpresas as mais inesperadas.
Neste mesmo dia em que lançamos o livro, lançamos uma cartilha, com
tiragem de 200 mil unidades. Para quem quiser formar comitês, forneceremos essa
cartilha, que ensina como formar comitês.
Louvamos aqui o projeto do Governo, mas é acanhado e fala em quatro
temas: capitalização da PETROBRAS, por meio da cessão... Ora, a PETROBRAS
descobriu quase 340 bilhões de barris de petróleo, e o Governo vai dar a ela 5
bilhões de barris. É preciso que se tenha noção de dimensão, para não sermos
enganados.
O projeto do Fundo Social do Governo é um avanço? É. Mas ele não diz que
o dinheiro do pré-sal é para resolver problemas como os da Previdência, moradia,
reforma agrária, que são chagas sociais existentes em nosso País.
Leremos a seguir o relatório do Grupo Pré-sal, Direitos Humanos e Anistia,
que considera que os recursos do pré-sal são para resolver problemas seculares no
Brasil, como o débito social que temos com os negros, com os índios e com as
camadas sempre desfavorecidas e alijadas socialmente.
Depois o relator do nosso grupo também fará um apelo às Sras. e Srs.
Deputados, para que isso vire uma emenda a ser apresentada tanto ao projeto do
Governo quanto ao nosso, do Deputado Fernando Marroni, para que essa
destinação do Fundo Social seja para bancar demissões ilegais e outras coisas que
já estão devidamente colocadas no nosso relatório.
Finalmente, mesmo que o meu tempo sobre, com a máxima tranquilidade e
prazer, gostaria de dizer aos irmãos aqui presentes que venceremos, porque à
semelhança de uma companheira como a Marisa, a quem homenageio aqui,
mentora e principal articuladora desse congresso... Como dizia Ernesto Che Gevara,
na sua candura, na sua ternura: “Um militante vale por 200 mercenários”.
É por isso que venceremos, companheiros. Muito obrigado. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Janete Capiberibe) - Concedo a palavra ao
Sr. Fernando Siqueira, da AEPET-RJ. (Palmas.)
O SR. FERNANDO SIQUEIRA - Muito boa tarde a todos e a todas.
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Ilustríssima representante da Venezuela; cara Deputada Janete Capiberibe,
grande brasileira que sofreu junto com o seu marido uma cassação que foi uma das
maiores injustiças que já houve neste País — esperamos vê-los, V.Exa. e seu
marido, no Congresso Nacional novamente (palmas) —; companheiro Soriano;
companheiro Adelino Ribeiro Chaves, também anistiado e Presidente da Federação
Nacional das Associações de Aposentados, Pensionistas e Anistiados do Sistema
Petrobras e Petros — FENASPE, que representa mais de 60 mil trabalhadores
aposentados, é uma alegria muito grande falar sobre este assunto com vocês, heróis
nacionais de resistência, de luta, de coragem, símbolos do brasileiro, representados
pela figura da Maria Augusta Tibiriçá, o ídolo da nossa campanha pelo petróleo.
(Palmas.)
(Segue-se exibição de imagens.)
O petróleo não é fácil de ser substituído. Ele é matéria-prima para mais de 3
mil produtos ou 80% do que usamos no nosso dia a dia — computadores, remédios,
fertilizantes vêm do petróleo. Para substituí-lo, o Brasil tem a melhor condição entre
todos os países: a biomassa. O perigo é que um de seus componentes, a água
doce, está na Amazônia, por isso ela é tão cobiçada, juntamente com aos seus
minerais estratégicos e a sua biodiversidade.
A partir dos anos 90, o consumo de petróleo começou a superar o
descobrimento. Hoje, para cada barril descoberto, quatro são consumidos.
Como foi mostrado pelo geólogo João Vitor, há 200 milhões de anos, o globo
terrestre era uma massa compacta de continentes que se chamava Pangeia, que
significa todas as terras. Depois, esses continentes foram se separando e, na divisa
entre a América do Sul e a África, como era a parte mais baixa, foram se formando
grandes lagos com depósitos de material orgânico da melhor qualidade para a
formação de petróleo. Ao longo dessa fronteira, esse material foi se acumulando. É
o que chamamos de pré-sal.
Os continentes começaram a se abrir. Primeiro, separou-se a parte norte,
chamada Laurásia. Depois, a sul, Gondwana, onde estavam juntas América do Sul e
África. E, como dizem os geólogos, a abertura se deu de sul para norte. Aqueles
grandes lagos que tinham material orgânico acumulado nessa fronteira foram para o
fundo dessa fenda. E, como o mar penetrou nessa fenda e ficou confinado, não
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havendo movimento de correntes e ondas, a água do mar se concentrou, e a
camada de sal concentrada se depositou em cima daquele material orgânico que
estava inicialmente nos grandes lagos. É por isso que se chama pré-sal. Depois, o
sal se depositou em cima e então formou-se o pós-sal, com os sedimentos que
vieram depois.
Aqui fizemos uma composição de figuras para mostrar a diferença entre o
reservatório convencional e o pré-sal. Aqui está a camada de sal de 2 quilômetros,
em cima daquele material orgânico depositado na forma de areia, pedras, bichos,
folhas etc. Aqui também há esse material orgânico. Isso forma a chamada rocha
geradora de petróleo. Durante milhões de anos, esse material é cozido a uma
temperatura de 80 graus, vai se fermentando e, quando forma o petróleo, a pressão
aumenta de 5 mil a 10 mil libras, a rocha geradora se rompe, e o petróleo migra,
tendendo a ir para superfície e se biodegradar. Ele chega a percorrer, pelos veios do
terreno, até 140 quilômetros. Mas se aparecer uma rocha esponjosa que capture
uma parte desse petróleo, forma-se uma reservatório convencional. A primeira
desvantagem é que 90% do petróleo passa por fora dela. Ficam apenas de 5% a
10% retidos.
No caso do pré-sal, o mecanismo é o mesmo: material orgânico trazido pelos
rios, fermentado, etc. Só que quando o petróleo amadureceu, houve um rompimento
menor da rocha. E mesmo que a rocha geradora tenha-se rompido, o petróleo não
migrou para superfície, porque a camada de sal o segurou. Ela selou e reteve esse
petróleo. A diferença fundamental é que 90% do petróleo da rocha geradora se
perde, e, no caso do pré-sal, 100% do petróleo gerado está lá. Por isso que, durante
30 anos, os geólogos da PETROBRAS pesquisaram essa alternativa, mas o sal
atrapalhava o levantamento sísmico. Quando a tecnologia permitiu, eles perfuraram
com precisão e acharam toda a confirmação daquela teoria que tinham.
Aqui está o núcleo central do pré-sal. O poço descobridor está no Bloco de
Tupi. Depois, a PETROBRAS furou mais 12 poços em blocos diferentes e achou
petróleo no total de 13 poços. Quando falaram com o Presidente Lula sobre a
magnitude dessa descoberta, S.Exa., corretamente, retirou esses blocos, em laranja,
que estavam incluídos no leilão.
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Como o Soriano mencionou, infelizmente, 11 blocos da franja do pré-sal, no
Arco de Cabo Frio, não foram retirados, e o Eike Batista, que se suspeita seja testa
de ferro do Grupo Morgan Stanley, comprou esses blocos. Levou o pessoal da
PETROBRAS e achou petróleo nessa franja do pré-sal.
Mas o Presidente retirou isso daqui e abriu um grupo de trabalho
interministerial para reestudar a lei. Por que reestudar da Lei? Conforme o Prof.
Pinguelli Rosa disse no filme, a Lei nº 9.478, em vigor, foi feita no auge do
neoliberalismo pelo Governo Fernando Henrique, e o argumento era de que era
preciso trazer capital de risco para correr grande risco, com perspectiva de baixo
retorno. E o pré-sal é exatamente o contrário disso. Os senhores veem que se
furaram 13 poços e se achou petróleo nos 13. Então, não há risco! É um bilhete
premiado que seria entregue no nono leilão. (Palmas.)
O Presidente Lula agiu corretamente. Essa riqueza pertence à Nação,
conforme reza a Constituição! E a Lei nº 9.478 é uma lei entreguista, indevida e tem
que ser mudada.
Essa é a perspectiva, hoje, dessa província que vai de Santa Catarina até o
Espírito Santo, que os gaúchos chamam de picanha azul e os baianos, de baleia
azul. O fato é que aqui está o núcleo central do pré-sal. E há possibilidade de ele
chegar até Alagoas. Aí é possível que haja de 40 bilhões a 340 bilhões de barris.
Mas há geólogos — inclusive o Diretor Guilherme Estrella, da PETROBRAS, disse
isso no mês passado — que falam em 100 bilhões de barris. Vamos raciocinar com
100 bilhões de barris, para podermos nos situar melhor.
Aqui está um detalhamento do Bloco de Tupi. Esse poço é o descobridor.
Entrou em produção em 1º de maio e está produzindo 15 mil barris por dia. Portanto,
um retorno alto. O segundo poço foi testado agora e tem perspectiva de produzir 50
mil barris por dia. Retorno absolutamente fora daquilo que a lei atual previu, muito
acima do esperado.
Aí está o Campo de Tupi, que vai produzir para o Mexilhão e, depois, o óleo
vai para as refinarias.
Essa imagem mostra o número de equipamentos só de 2009 a 2013. É um
número fantástico.
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Em resumo, o pré-sal, no seu auge, deverá abrir 250 mil empregos diretos e
500 mil em fornecedores de equipamentos e serviços, que são os empregos
indiretos.
Eis o primeiro problema de pré-sal. As grandes reservas de petróleo estão no
Oriente Médio: Arábia Saudita, Irã, Iraque, Kuaite, Emirados Árabes Unidos. E o
Brasil, que tinha 14 bilhões de barris, de repente, descobre uma reserva de 100
bilhões de barris, que ainda é um número conservador, e passa para junto do
Iraque, tendo, praticamente, a terceira ou quarta reserva mundial. É um Iraque na
América Latina. E os Estados Unidos, que têm 30 bilhões de barris apenas e
consomem 10 bilhões por ano, 8 bilhões internamente e 2 bilhões nas suas bases
militares e corporações pelo mundo, quando souberam do pré-sal, imediatamente
reativaram a IV Frota.
A IV Frota seria para “proteger” — entre aspas — o Atlântico Sul. Quem está
no Atlântico Sul? Brasil e Argentina. A Argentina já desnacionalizou o petróleo.
Então, a IV Frota se destina a “proteger” — entre aspas — o pré-sal. Na melhor das
hipóteses, seria para fazer uma enorme pressão psicológica para o Brasil não mudar
a legislação feita no Governo Fernando Henrique.
E a segunda fonte de pressão são as antigas Sete Irmãs, hoje chamadas Big
Oil, que já tiveram 90% das reservas mundiais sob controle e hoje têm 3%. E nessa
condição estão fadadas a desaparecer, como disse o Financial Times, em abril do
ano passado.
Qual a primeira coisa que elas fizeram para não morrer? Começaram a se
fundir. A Chevron se fundiu com a Texaco, junto com a Gulf Oil; a British Petroleum
se fundiu com a Amoco e com a Atlantic Richfield Company, dos Estados Unidos; a
Exxon se fundiu com a Mobil, e formaram a maior empresa do mundo hoje; a Total
Petrochemicals e a FINAELF, da Bélgica, se fundiram; a Repsol comprou a YPF
Argentina e se fundiu com a ENI, da Itália. Então, para não morrerem, estão se
fundindo.
E aí elas estão no Instituto Brasileiro do Petróleo, fazendo um lobby
fantástico aqui no Congresso Nacional. Só no Senado, neste ano, fizeram cinco
audiências públicas, cada uma com cinco Mesas, cada Mesa com dois lobistas do
tipo daquele de camisa preta que aparece no filme, o Adriano Pires, contratado da
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Shell, pelo Instituto Liberal, para fazer o lobby pela quebra do monopólio. Eles estão
aí cada um falando em duas Mesas. São 25 Mesas, então são 50 palestras de 30
minutos. Nós pedimos o direito de contraponto. Sabem quanto nos deram? Cinco
minutos numa Mesa. Então, fica difícil.
Por outro lado, nós temos hoje 78% das reservas nas mãos dessas estatais.
E, somando todas as estatais, chega-se a 90% da propriedade do petróleo com
empresas estatais. Isso ocorre porque os países se deram conta de que o petróleo é
um bem absolutamente estratégico.
Nós tivemos dois choques do petróleo, que passaram, e estamos caminhando
para um terceiro, que é um choque, infelizmente, irreversível, porque é um choque
de demanda. Pusemos aqui os 3 países principais: Estados Unidos, China — que é
a segunda consumidora mundial, mas que, com empresas pouco eficientes, tende a
consumir mais do que os outros — e Índia.
O preocupante é que, como aponta esse gráfico, as grandes descobertas já
aconteceram até o ano de 2000. O pré-sal estaria nessa daqui. Representa 9% das
reservas mundiais. Então, não faz muita diferença.
E aí nós chegamos no ponto crucial da questão do petróleo. Todas as
produções mundiais estão passando pelo pico: Estados Unidos, na década de 70;
Oriente Médio, 2000. Ou seja, somando as produções de todos os países, nós
estamos, hoje, com 82 milhões de barris por dia sendo produzidos e 82 milhões
sendo consumidos. E haverá uma queda forte, acentuada, da oferta. Prevê-se que
no ano de 2030, passaremos de 82 milhões de barris por dia para 30 milhões de
barris por dia, enquanto a demanda chegará a 120 milhões de barris. Então, nós
vamos ter uma defasagem de 90 milhões de barris por dia, significando que vai
haver aumento de guerra por petróleo, e o preço vai subir de forma irreversível.
Por isso, os Estados Unidos, a Europa e a Ásia, principalmente, os países
desenvolvidos, estão numa insegurança energética brutal, e o pré-sal seria uma
solução momentânea para eles.
Tivemos a mudança da legislação, como eu já disse, com uma lei
absolutamente entreguista do Governo Fernando Henrique. Na Constituinte de
1987-1988, a AEPET fez uma campanha, liderada por Barbosa Lima Sobrinho, e
conseguiu trazer o conteúdo da Lei 2.004 para o âmbito da Constituição e colocar
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uma salvaguarda para que o Brasil não desse petróleo como garantia de dívida,
como fez o México, que, em 5 anos, de 1998 a 2003, passou de 50 bilhões barris
para 12 bilhões de barris apenas em reservas.
Foi exatamente aí que o Fernando Henrique atirou. Retirou essa salvaguarda
e colocou, em troca, um parágrafo que diz que a União poderá contratar essas
atividades do monopólio com empresas estatais ou privadas. E aí colocou David
Zylbersztajn na ANP. A primeira coisa que ele fez foi fazer leilões com áreas 220
vezes maiores do que as áreas licitadas no Golfo do México, tal a sede entreguista
do genro do Fernando Henrique.
Ao mexer na Constituição, era preciso regulamentá-la. Tentamos que fosse
por lei complementar, mas acabou sendo por lei ordinária. E é ordinária em todos os
sentidos, porque ela tem artigos que conflitam entre si e com a Constituição.
Por exemplo, o art. 3º diz que pertencem à União os depósitos de petróleo, ou
seja, as jazidas existentes no território nacional. O art. 21 diz que todos os direitos
de exploração e produção pertencem à União. Então, as jazidas pertencem à União,
o produto da lavra pertence à União. Aí, vem o artigo, produto do lobby internacional,
das sete irmãs dos Estados Unidos, que diz que o petróleo é de quem o produz.
Isso não é aceitável, porque a propriedade é poder. Cada vez mais que o
petróleo está em escassez, em defasagem em termos de oferta e consumo, mais
poder se tem de barganha com a exportação para os demais países. Então, o Brasil
jamais pode abrir mão desse direito. O povo brasileiro tem que ter os benefícios
dessa riqueza que Deus nos deu.
Outro absurdo dessa legislação é que o Decreto nº 2.705, que regulamenta
essa lei ordinária, fez com que a participação brasileira fosse de zero a 40%, com
5% de royalties em águas profundas e, no máximo, 45%. Essa é a percentagem
com que, hoje, a União fica. Sabem qual é a média mundial dos países
exportadores? Eles participam com 84%; os países da OPEP, da Organização dos
Países Exportadores, Arábia Saudita, Irã e Iraque, 90%, e Venezuela, também.
Então, nós estamos hoje recebendo, no máximo, a metade do que os países
maiores exportadores recebem. Isso pode ficar? Não pode, nem a questão da
propriedade nem esse absurdo aqui podem permanecer.
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Um exemplo de soberania: o Congresso americano vetou a venda da
UNOCAL, empresa da Califórnia, para a China. Então, os Estados Unidos têm a
consciência da importância estratégica do petróleo.
Os lobistas, dentre eles aquele de camisa preta, Adriano Pires, dizem uma
série de falácias nessas palestras que eles fazem. Ainda bem que eles são
repetitivos. Primeiro, dizem que a PETROBRAS não tem recursos para o pré-sal;
que precisa de 600 bilhões de dólares. Eu pergunto: de onde saíram esses 600
bilhões de dólares? Saiu da cabeça do UBS, que é um banco do Grupo
Rockefeller/Rothschild.
Tanto isso é verdade que o Goldman Sachs fez um relatório em que situa a
PETROBRAS e a Vale do Rio Doce entre as 10 empresas mais viáveis do planeta, e
ainda diz o seguinte: a PETROBRAS tem a seu favor o pré-sal e será a mais bem
posicionada entre as petroleiras.
Então, meus amigos, ela é a mais bem posicionada; é a que tem chance de
receber mais recursos do sistema financeiro internacional, porque quem tem
petróleo tem lucro, crédito farto e barato.
O Sérgio Gabrielli disse, nessa semana, que foi pegar 4 bilhões no mercado
internacional e ofereceram 12 bilhões. Queriam que ele trouxesse 12 bilhões. “Mas
eu preciso só de quatro”, disse ele. “Não, mas leva 12, porque você tem garantia
demais”, disseram.
Outra falácia importante é que, se houver leilão, vem tecnologia de outras
direções, com novas tecnologias. Tremenda falácia.
Quanto aos três gargalos da produção em águas profundas, a perfuração, a
completação dos poços e a linha de fluxo flexível, a PETROBRAS foi a primeira
demandar perfuração nesse nível de profundidade. Desenvolveu junto com as
perfuradoras essa tecnologia. Mas ela não faz perfuração, ela contrata, assim como
fazem as outras petroleiras não fazem perfuração.
Esse sistema foi praticamente projetado no Centro de Pesquisas da
PETROBRAS, mas isso foi repassado para empresas internacionais que fabricam
isso e vendem para todas. Vendem para Shell, para a Esso e PEBROBRAS. A
PETROBRAS é a que mais conhece esse sistema, mais sabe utilizar, mas compra
dos mesmos fabricantes.
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Da mesma forma, a linha flexível, que tem um isolamento especial, porque dá
4 graus de temperatura, tem uma armação especial, um sistema de flutuação etc.,
tudo isso desenvolvido com a PETROBRAS, mas também vendido para todas elas.
Então, não há novidade tecnológica alguma. Portanto, não há sentido leilão
para trazer empresa estrangeira. Nós estaremos contratando intermediários e
tecnologia. Em termos de intermediários e tecnologia, a PETROBRAS é o melhor de
todos.
Outra falácia é dizer que a lei atual ajudou a PETROBRAS. Vamos
restabelecer a verdade. Durante 25 anos, a PETROBRAS foi obrigada a comprar
petróleo por 25 dólares o barril e revender no Brasil por 14. Perdia 11 dólares por
barril. Vocês se lembram que havia uma conta petróleo onde seria depositada essa
diferença no futuro? Só que isso nunca ocorreu. Houve um “beiço” contábil e a
PETROBRAS não recebeu isso do governo.
Em 1999, Fernando Henrique Cardoso queria desnacionalizar a empresa e,
então, acabou com essa absurda obrigação de ter prejuízo para torná-la lucrativa e
vendê-la. Inclusive todos se lembram que houve a mudança do nome de
PETROBRAS para PETROBRAX, para facilitar a pronúncia de seus adquirentes.
Isso fez com que a PETROBRAS deixasse de perder 11 dólares por barril importado
e ganhasse uma grana alta com barril produzido, porque produzia por 3 dólares o
barril e vendia por 25.
Então, a Lei nº 9.478 não teve nada a ver com o sucesso da PETROBRAS.
Da mesma forma que Haroldo Lima, que de nacionalista virou lobista, o setor
petróleo, que participava com 3% do PIB, agora participa com 12%. É espantoso um
engenheiro falar isso, porque o petróleo era 15 dólares o barril e passou para 70.
Então, não foi a lei coisa nenhuma, mas o preço que subiu e a produção da
PETROBRAS que aumentou, dando essa alavancagem ao preço do petróleo.
Tendo em vista que a lei era inadequada, o Governo apresentou 4 projetos
com 3 pontos altamente positivos: primeiro, retoma a propriedade do petróleo e o
contrato de partilha, em lugar da concessão, retoma o controle do petróleo para o
povo brasileiro, que pode tirar inúmeras vantagens disso; segundo, coloca a
PETROBRAS como operadora de todos os campos e, portanto, vai investir em mão
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de obra nacional, comprar equipamentos no Brasil e desenvolver tecnologias no
País tem também o fundo social além de capitalização da PETROBRAS.
Agora, tem uma desvantagem grande nesse projeto: o Governo não teve
cacife político para mudar isso. E eu vou conclamar a vocês, que são heróis
nacionais, para nos ajudar a pressionar o Governo a mudar, acabando com os
leilões. Como eu mostrei, não há nenhuma vantagem para o Brasil fazer leilão
(palmas), e esses leilões só acabam se nós pressionarmos o Governo.
Vamos fazer como diz a menina da Bolívia: vamos votar para nós nas
próximas eleições, fazer uma revolução pelo voto e tirar esses políticos corruptos do
Congresso Nacional. (Palmas.)
Ontem um estudante disse assim: “Tio, se ficar a PETROBRAS com o
Governo, e a corrupção?” Eu respondi: “Meu filho, nós não podemos transigir com a
corrupção! Não podemos aceitar que temos que dar um jeitinho para conviver com a
corrupção. Não! Temos que banir os corruptos deste País!”
Vamos começar a eleger pessoas como o casal Capiberibe, que é
nacionalista e sério. (Palmas.) Vamos eleger um Sérgio Miranda, que foi expulso do
PCdoB porque votou pelo estatuto do partido contra a reforma da Previdência.
(Palmas.) Vamos eleger pessoas sérias e íntegras. Vamos principalmente escolher a
dedo os Senadores, ponto fundamental nessa reforma que vem para o Senado.
Vamos eleger aqueles que têm um passado nacionalista, de integridade, de defesa
da soberania nacional.
Não vamos deixar de votar nos Senadores não. Votamos, no voto majoritário,
para Presidente e Governador, e esquecemos da importância que têm a Câmara
dos Deputados e o Senado Federal. É importantíssimo que essas pessoas sejam
defensoras da soberania nacional e não dos direitos de seus grupos ou pessoais.
Então, vamos começar a revolução pelo voto, vamos pressionar o Congresso
Nacional, porque ainda há tempo de pressionarmos contra os leilões.
Estou fazendo esta campanha na Câmara dos Deputados e estou aqui para
conversar com os Senadores. Os leilões não têm nenhuma vantagem para o País. É
preciso que essa riqueza que Deus nos deu seja distribuída a todos os brasileiros,
porque é uma riqueza do país todo; ela não é do Rio, de São Paulo e do Espírito
Santo, mas de todos os brasileiros. E é preciso que essa riqueza seja utilizada para
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banir a pobreza, porque é uma vergonha o país mais potencialmente viável do
mundo ter de conviver com 50 milhões de miseráveis.
Eu quero terminar dizendo que, na década de 50, quando o petróleo era
apenas um sonho — e muitos dos senhores devem se lembrar disso —, tivemos o
maior movimento da história do nosso País, inclusive com a liderança da Maria
Augusta. O petróleo era um sonho. Hoje ele é uma realidade que superou todas as
nossas expectativas. Então, nós temos a motivação, o direito e sobretudo o dever de
defender essa riqueza que nos pertence.
Muito obrigado. (Palmas.)
(Manifestação das galerias.) (O petróleo é nosso! O petróleo é nosso!)
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Janete Capiberibe) - Muito obrigada ao Sr.
Fernando Siqueira pela exposição cristalina e pelos alertas que faz nesta Casa para
nós, que representamos o povo brasileiro.
Concedo a palavra à Sra. Dulce Maria Parra Fuentes, Ministra Conselheira da
Embaixada da Venezuela, representando o PDVSA.
A SRA. DULCE MARIA PARRA FUENTES (Exposição em espanhol.
Tradução simultânea.) - Agradeço à Presidente da Mesa e aos meus colegas
brasileiros por essas magníficas exposições.
Eu gostaria de falar da nossa indústria petroleira, da responsabilidade social
que corresponde à empresa com o fim de fortalecer o processo revolucionário
venezuelano do Presidente Hugo Chávez e de todo o povo da Venezuela.
(Segue-se exibição de imagens.)
Minha exposição será sobre a situação da indústria venezuelana em âmbito
nacional e internacional. Posteriormente, falarei aos senhores como essa indústria
fortaleceu os planos e as ambições do Estado venezuelano com a finalidade de
incluir a grande parte da população que tem estado excluída dos planos sociais, da
saúde, da educação, da alimentação, da identidade nacional e da moradia. Graças à
participação do petróleo da Venezuela, fortalecendo missões sociais, tem-se
conseguido a inclusão de parte da população venezuelana que permanecia à
margem de tudo aquilo que era o lucro petroleiro, do bem-estar comum e do bemestar nacional.
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Bom, como vemos, a Venezuela está situada na América do Sul, onde tem
uma posição bastante privilegiada, porque está na entrada do Continente. Temos 27
milhões de habitantes e um território de 916.445 quilômetros quadrados. É formada
por 23 Estados, um Distrito Federal e 72 ilhas ao redor da fronteira norte, da
fronteira marítima.
As características da Venezuela são várias: é um país andino, é um país
amazônico, é um país caribenho, como vemos aqui, e, também, por sua vez,
atlântico. Isso nos dá formulações de política interior diferente. A formulação de
política interior andina é uma formulação de política amazônica, uma formulação de
política exterior caribenha e atlântica. Bom, esse é um dos elementos.
Sempre se fala que a Venezuela produz muitas Misses Universo, mas
também produz muita gente maravilhosa e temos uma grande vulnerabilidade.
Como estava comentando, parte da população venezuelana se encontrou numa
margem — nesses últimos 50 anos de democracia que havia antes —
representativa, hoje em dia, é participativa. Essa população se prestava à imagem
de todos os recursos do Estado, tanto a nível educativo, como a nível hospitalar:
trabalho, moradia, alimentação. Hoje em dia, estamos tratando de mudar essa
situação, através do processo revolucionário do Presidente Hugo Chávez. É isso
que aconteceu.
Bom, eu vou mais ou menos comentar a vocês o que aconteceu à indústria
petroleira venezuelana. O Presidente Hugo Chávez, depois de haver encontrado
com muita oposição — porque a oligarquia venezuelana, a oligarquia petroleira
estava acostumada à sua indústria petroleira, que era uma questão de um Estado,
outro Estado: sai um Estado, entra outro Estado —, começou a fazer mudanças, ao
nível da lei de hidrocarbonetos, ao nível da lei de pescas, ao nível da lei de terras.
Isso bateu muito contra o grupo dominante. No ano de 2002, houve a tentativa de
golpe de Estado, que, graças às Forças Armadas, ao Governo e ao povo, pôde
resgatar mais uma vez o poder.
Depois, posteriormente, em 2003, houve uma greve petroleira de quatro
meses, onde a situação venezuelana se viu... Bom, vocês podem imaginar se isso
houvesse acontecido em outro país, quantos presos haveria, mas lá o Estado o que
fez foi tirá-los dos seus postos de trabalho, buscou ajuda, tanto internacional como
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técnica de outros países para tratarem de ocupar esses países ao nível da indústria
petroleira. E mais: buscou novos funcionários para tratar de preencher esses
desafios que a antiga oligarquia petroleira abandonou, deixou na sua hora para
haver como estava o nosso país: vindo abaixo. Mas o Estado não veio abaixo, não
caiu. As pessoas tiveram consciência, paciência, esperou um pouco. Os países
viram que não poderíamos vender a eles petróleo. Então, eles esperaram.
Então, houve uma crise de verdade de petróleo de quase quatro meses na
Venezuela. O que acontece? A partir de 2003, quando o Estado venezuelano,
através da sua indústria petroleira, mexe em todos os quadros, então pensa em
todas as pessoas que estão sofrendo. Eram milhões de pessoas que não têm
acesso a nenhum dos serviços públicos de educação, saúde etc. Então, você cria
uma nova PDVSA, que vai ter uma responsabilidade social muito grande para com
os preços do petróleo, contribuir com o orçamento para fortalecer todas essas
missões. Essas missões são, ao longo de 20 missões, educativas, de saúde, de
caráter alimentar; de caráter energético, de alfabetização, que já as vemos mais aqui
à medida que vou avançando.
Quanto à indústria petroleira, nós temos uma colocação mundial muito
importante. Somos o quarto país em negócio petroleiro mundial. De reservas
registradas, a Venezuela é o terceiro país do mundo em reservas de petróleo cru e
está em processo de certificação. Como empresa nacional, a Petróleos de
Venezuela está em posição exclusiva para desenvolver tais reservas com
participação de 60% e, por parte de uma empresa estrangeira, pode ser de 40% em
qualquer associação de negócio.
Aqui podemos ver que somos mais que tudo produtores de cru, com receitas
comprovadas de 162 milhões de barris por, segundo previsões, 142 anos de
produção de petróleo.
Das reservas venezuelanas, estas estão em processo de quantificação e
certificação, o que nos converteria na maior reserva petroleira do mundo.
Aqui estão nossos planos e metas para os próximos 5 anos na exploração de
gás no refino nacional e internacional. Isto é o que a Venezuela pretende investir nos
próximos 5 anos: mais ou menos 25 milhões de dólares anuais nesse processo. A
Venezuela seria 74% da PDVSA e 26% de terceiros, parceiros, como dissemos.
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Esta seria a que aspiramos chegar de produção para o ano 2013: 4 milhões
936 mil barris diários em refino, exportação e produção de gás natural. Esses são
nossos planos em curto prazo.
Aqui vemos nossa capacidade de refino, que não é somente na Venezuela,
como vocês podem ver. Temos refinarias tanto nos Estados Unidos, com 100% de
participação venezuelana da PDVSA em Savannah, em Corpus Christi, em Lake
Charles. Aqui, por exemplo, temos 50% e vemos quantos barris diários se podem
refinar nessa parte dos Estados Unidos. Na Europa, estamos também na Inglaterra,
na Suécia; na Alemanha temos uma refinaria e vemos que são 50%-50%: 2
refinarias na Suécia, 2 refinarias no Reino Unido e 4 refinarias na Alemanha.
Estes são os nossos planos com cooperação na América Latina. No Brasil,
com a refinaria Abreu de Lima, Pernambuco, onde esperamos possam ser refinados
230 mil barris diários. Isso seria, com a vontade de Deus, a partir do ano de 2013.
No Equador, temos um acordo comercial de refino; também na Nicarágua, em Cuba,
a Refinaria Cienfuegos, na Dominica, e temos previsão de acordos com China,
Vietnã e Síria com o objetivo de diversificar nosso mercado de forma a que não
sejamos dependentes dos produtos dos Estados Unidos e diversificar nossa
economia e nossos produtos em relação ao mercado internacional.
Competindo com as maiores companhias petroleiras, como a Chevron, a
PETROBRAS, a Pemex, a Shell, a Total, a ExxonMobil, a PDVSA, como se pode
ver, encontra-se tanto em reservas em uma posição bastante privilegiada igualmente
na produção de gás e petróleo. Aqui, como vocês podem notar, também na
capacidade de refino igualmente nas reservas comprovadas.
Isso fortalece a nossa empresa, fazendo um resumo dela, é uma das quatro
maiores companhias estatais do mundo de petróleo e gás maiores integrada
verticalmente. Diz-se verticalmente porque lida com exploração, produção,
comercialização, transporte, exportação e venda do petróleo.
Logo, temos as reservas provadas para 142 anos. Isso é de alta importância
estratégica para a economia venezuelana, porque dependemos totalmente dos
recursos que dela se obtêm.
Já vimos que está integrada verticalmente com o refino, o mercado, o
transporte e filiais. É o quarto exportador para os Estados Unidos com valor
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competitivo de produto. Temos tratado de diversificar geograficamente para evitar
riscos de negócios, em mercados como a América Latina, Europa e Ásia, para
neutralizar um pouco a nossa dependência dos Estados Unidos.
Logo, temos que 83% da produção se exporta com 96% dos recursos
denominados em moeda forte, que são o dólar, o euro e o yen.
Temos um perfil financeiro forte, com baixas dívidas e alta capacidade de
geração de fluxo de caixa.
Esses são os pontos fortes da indústria petroleira venezuelana.
Podemos ver como, nesses 5 anos do golpe petroleiro — foi bom que em 4
meses houve uma greve petroleira —, o Estado venezuelano, conforme comentei, o
Governo do Presidente Chávez, decidiu tomar toda a indústria, remover todos os
quadros e postos de trabalho que se mantinham contrários a todo processo
revolucionário.
Temos aqui a greve petroleira. Vejam como baixaram os níveis da qualidade
de vida, porque a população não tinha acesso a gás nem à comida. Com a greve
petroleira, eles não tinham o que comer, pois somos quase que importadores de
comida e igualmente de serviços.
Vocês podem ver nessa faixa como estava baixo o coeficiente de
desenvolvimento humano. Então, a partir de 2003, à frente com a Missão Robinson,
que visa a alfabetização; a Missão Ribas, que visa o término dos estudos primários e
secundários; a Missão Sucre, que visa os estudos universitários, a Missão Mercal e
a Missão Saúde; o Índice de Desenvolvimento Humano passa de 77 a 84, o máximo
já medido.
O IDH é aquele índice que mede as desigualdades socioeconômicas em uma
população. E as tabelas usadas para medir são a esperança de vida, a saúde, a
educação e a renda. Na Venezuela, o Índice de Desenvolvimento Humano esteve
mais influenciado pela educação porque, graças a esse processo revolucionário e às
Missões Ribas, Sucre e Robinson, entraram na educação pessoas que estavam na
escuridão total. Quase 2 milhões de pessoas pobres, carentes, aprenderam a ler e a
escrever, começaram o primário, o secundário, a universidade.
Então, o que aconteceu foi que a pobreza foi descendo, tanto a pobreza geral
como a pobreza extrema, ambas baixaram, e, graças à qualidade dessas pessoas,
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isso tem sido superado porque tem havido maior educação, acesso à saúde e à
alimentação. Ao ter acesso à alimentação, a mentalidade e o coeficiente intelectual
das pessoas entram em um sistema de progresso, elas vão-se ajudando, o Estado
vai fornecendo bolsas às pessoas que não podem pagar ou não têm acesso ao
mínimo que se pode pedir por uma matrícula. Então, a educação é gratuita.
Igualmente, nos refeitórios escolares, 3 milhões de crianças são beneficiadas, e isso
melhora o rendimento do cidadão venezuelano.
Temos, então, na educação, a matrícula universitária em setembro de 2009,
que é quando começa o período de estudos. Estavam inscritos até então 2 milhões
e 625 alunos. Então, de acordo com a UNESCO, a Venezuela é o segundo país da
América Latina com matrícula em educação superior mais alta, com 83%,
precedendo Cuba, que ocupa o primeiro lugar. Depois vêm a República Dominicana
e a Grécia. Isso se fez graças ao fato de o Governo ter instalado 2 mil centros de
informática em todo o país e ter criado 515 aldeias universitárias. Assim, 108 mil e
700 alunos foram inscritos em 2009. Segundo o Instituto de Estatística da UNESCO,
a Finlândia tem 92%, a Grécia tem 90% e a Venezuela tem 83%.
Aqui podemos ver a diferença entre 1991 e 2000: 81 de cada mil habitantes
cursavam universidade, representando um aumento de 189,28%, graças às Missões
Ribas, da escola secundária; Robinson, da alfabetização, que começa tanto com
adultos como com crianças; depois a Missão Robinson II, da escola primária, e a
Missão Sucre, que é a universitária.
Podemos ver aqui que a renda na Venezuela tem melhorado, está mais ou
menos em 350 dólares. As pessoas saíram do emprego informal para entrarem no
formal; a taxa de mortalidade infantil é baixa, e aspiramos a que, em 2015,
possamos cobrir a Meta do Milênio, mas ela tem se mantido baixa desde o ano de
2007.
Em matéria de saúde e segurança, temos a Missão Barrio Adentro. Vimos
aquela imagem das favelas nos montes, onde hoje em dia há módulos de atenção
médica graças a um acordo também firmado com Cuba, onde há médicos cubanos
que estão sendo pouco a pouco substituídos por médicos venezuelanos. Em Cuba
também há muitos estudantes venezuelanos. Assim como do Brasil, muitos vão se
formar na Universidade de Medicina de Havana.
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Estamos desenvolvendo também uma universidade latino-americana de
Medicina para que venham todos para cá e possamos cumprir a meta de termos um
continente forte, que possa competir com a União Europeia, com a Ásia, com os
grandes blocos e com os Estados Unidos. Graças a essa Missão Barrio Adentro,
estamos mais ou menos cobrindo essas metas.
Em matéria de infraestrutura, nossa indústria petroleira também tem investido
nas centrais hidrelétricas, na ponte sobre o Orinoco. Graças à Odebrecht e à
Venezuela que puderam fazer a segunda ponte sobre o rio Orinoco. A nossa
indústria tem apostado em poderio militar, no metrô de Caracas, no cardiológico
infantil, em estradas, em ferrovias, em estádios de beisebol, no estádio olímpico, no
nosso satélite Simón Bolívar, no metrô de Valência, no metrô para subir a Merida,
onde está o pico mais alto, no centro oftalmológico gratuito, no aeroporto
internacional e no viaduto Simon Bolívar.
Nessas circunstâncias, em 1917 foi quando se encontraram os primeiros
poços petroleiros, e, a partir de 1975, a empresa foi nacionalizada. Mas, como vocês
podem ver, essa riqueza nunca foi compartilhada. Realmente foi uma riqueza que
chegou a uma pequena elite e, graças ao processo revolucionário e àquela greve
terrível petroleira, nasceu uma empresa que se encarregou de dar impulso à
Venezuela — e esperamos que continuemos assim.
É bom acreditar nas pessoas, no povo, que não se aproveitou. Não é porque
eu tenho um copo de água que não vou estudar. Não, ele sabe que tem de se
preparar porque há um desafio pela frente. Mesmo que o Estado dê tudo a ele, ele
se prepara, se esforça, porque sabe que isso se estende à suas gerações e à
Venezuela.
Desculpem-me por ter falado muito rápido. Qualquer coisa, na Embaixada
estamos às ordens para dar um CD como este e material sobre o meu país.
Agradeço muito a todos vocês e aos organizadores por terem me escutado
hoje nesta tarde.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Janete Capiberibe) - Muito obrigada, Sra.
Dulce María Parra Fuentes, Conselheira da Embaixada da Venezuela.
Convido o Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos
Deputados, Deputado Luiz Couto, para a sequência dos trabalhos. (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Se não determinarmos o
tempo, vamos ficar a semana toda aqui. No máximo quinze minutos por exposição.
Que as pessoas se atenham aos quinze minutos para que possamos dar vazão à
nossa atuação hoje e amanhã.
Agora vamos para a quarta mesa, que tratará do tema Comissão, Memória e
Verdade.
Convido para compor a mesa os expositores Paulo Abrão Pires Júnior,
Presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça; Sr. Marlon Weichert,
Procurador Regional da República de São Paulo; e a Sra. Beatriz Stella de Azevedo
Affonso, representante do Centro pela Justiça e o Direito Internacional.
Concedo a palavra ao nosso expositor, Paulo Abrão Pires Júnior, Presidente
da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça.
O SR. PAULO ABRÃO PIRES JÚNIOR - Muito boa tarde a todos. Meus
cumprimentos, minha saudação a cada um e a cada uma que aqui está. Muito
prazer em rever muitos dos que aqui estão.
Eu quero também agradecer muitíssimo a organização do evento, que conta
com o apoio da Comissão de Anistia para realização deste 3.º Seminário, que
congraça e mobiliza politicamente os anistiandos e anistiados brasileiros.
Em primeiro lugar, é preciso que, independentemente das pessoas que
estejam à frente de instituição, organismos, associações, órgãos de governo ou da
sociedade civil, em determinados momentos, os espaços possam ser mantidos. Este
é um espaço conquistado por vocês, junto ao Congresso e à Câmara, com apoio de
Parlamentares que nunca deixaram de apoiar essa causa. Portanto, não se pode
perdê-lo em nenhuma hipótese.
Os meus cumprimentos pela organização, pela continuidade e pela
persistência que o movimento dos anistiandos e dos anistiados demonstra nos
diferentes aspectos que envolvem o tema da anistia no Brasil hoje.
Muitos dos que aqui estão já são interlocutores de diálogos que realizamos há
muito tempo. Nós temos muitos assuntos que envolvem a figura do Presidente da
Comissão de Anistia certamente, que envolve desde as anistias até cenários globais
do próximo período. Neste momento, nós vamos nos furtar de realizar um debate em
relação a isso, porque a nossa mesa tem um tema bem claro que nós temos de
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saber respeitar, um tema relevantíssimo que pela primeira vez chega a este
Congresso, a este seminário: a ideia da instituição de uma comissão da verdade.
Cumprimento cada um dos expositores da mesa.
Eu estou fazendo uma exposição mais rápida, porque tenho um compromisso
marcado, e nós estamos atrasados na programação em uma hora e meia.
O tema “Comissão da Verdade” sinaliza para nós um passo novo, um passo
de futuro para muitas das questões que vêm se desenrolando ao longo do tempo.
Trata-se, efetivamente, da constituição de uma proposta que, caso seja demandada
por parte da sociedade civil de forma intensa, organizada e forte, ou seja, de modo
incisivo, será um novo patamar em relação à história da anistia no Brasil.
Outros países constituíram comissões da verdade. Neste momento, não vou
entrar em muitos detalhes sobre as denominações que essa comissão poderá
assumir e o que outros países fizeram. Vamos ter de criar para nós, se isso se tornar
realidade e se essa for a demanda dos movimentos, uma comissão da verdade
intimamente relacionada à nossa realidade, à realidade brasileira, com os limites e
com toda uma história já colocada e de algum modo até truncada sobre o processo
de anistia no Brasil.
Se hoje o processo de reparação já é relativamente complexo, se hoje a
abertura dos arquivos da ditadura também se constitui em algo mal resolvido, se
hoje a localização dos corpos dos mortos e desaparecidos também é uma tarefa não
cumprida na sua inteireza — aliás, cumprida ainda em pequeníssima parcela — e se
hoje ainda temos dificuldade com a ruptura de uma série de legados de
autoritarismo, fruto de uma concepção de sociedade autoritária advinda desse
regime militar, quão mais será dificultoso e desafiador a criação de uma Comissão
da Verdade no Brasil. Ou seja, acabamos por criar uma pauta que não pode apontar
para um estado de expectativas frustradas.
Todos nós que aqui estamos, independentemente de eventuais divergências
que surgiram ao longo do tempo, somos realmente pessoas intimamente
comprometidas com a causa da anistia. Por isso, uma Comissão da Verdade tem de
constituir algo que agregue valor a esse processo de construção da luta pela anistia
no Brasil. E essa comissão só agregará valor se for constituída sob determinados
patamares e condições que lhe deem concretamente — e aqui vou enumerar
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algumas questões —, em primeiro lugar, um mandato com poderes suficientes para
ir atrás, para procurar toda e qualquer fonte de busca da verdade, seja pessoal, seja
documental, sejam fontes testemunhais, sigilosas ou não. Todas as questões têm de
ser abertas à discussão.
Temos de discutir, num cenário relativo à composição de uma Comissão da
Verdade, quem seriam seus membros, em que medida a participação da sociedade
civil estaria ou estará contemplada em sua composição e, evidentemente, como
elemento central da discussão, qual a sua competência e qual o seu objetivo final,
além de sua temporalidade, ou seja, por quanto tempo ela funcionará. Temos de
discutir ainda quais são os resultados que se pretende com essa comissão — e vou
me focar nessa questão agora, porque sei que os demais palestrantes desta Mesa,
até por suas experiências, têm muito mais a contribuir para este debate — e que
interlocuções uma eventual Comissão da Verdade a ser criada no Brasil terá com as
comissões de reparação já existentes, com os demais organismos da estrutura
judicial brasileiro, com o Ministério Público e também com o Sistema Interamericano
de Proteção aos Direitos Humanos.
Esses são pontos cruciais para um eventual sucesso na instalação de uma
Comissão da Verdade no Brasil.
Quero agora registrar alguns apontamentos como forma de contribuir para o
debate.
Em primeiro lugar, não podemos, e não seria prudente de nossa parte,
depositar numa Comissão da Verdade toda a responsabilidade pelo processo de
busca da verdade. Primeiro, porque esse processo da busca da verdade está em
implantação no Brasil. Quando a Comissão de Anistia, por exemplo, aprecia um
requerimento cuja finalidade é reparação, a instrução desse requerimento, os
depoimentos colhidos, as declarações juntadas, as instruções documentais
realizadas, o registro dos testemunhos orais na sessão de julgamento, tudo isso
constitui o material de construção de uma verdade não desvelada até então.
Quando a Comissão de Mortos e Desaparecidos aprecia requerimentos de
reparação dos familiares de mortos e desaparecidos, em cada uma dessas tarefas,
em cada um desses gestos de reconhecimento, está expresso um elemento de
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busca da verdade, para que o Estado possa ou não, ao final, reconhecer sua
responsabilidade nas mortes.
Cada uma das corajosas ações que o Ministério Público Federal tem
interposto junto ao sistema judicial brasileiro, concomitantemente, constitui uma
busca por justiça, uma busca por verdade. Cada vez que se organiza um seminário
como esse, a partir de iniciativas não oficiais, ou seja, não necessariamente estatais,
de busca da verdade, iniciativas de organização e mobilização da sociedade civil,
quando se fazem determinados testemunhos, também estamos construindo a busca
da verdade. Quando se projeta a construção do Memorial da Anistia, quando se
idealiza o Projeto Memórias Reveladas, quando se realizam sessões, como foram as
sessões temáticas da Comissão de Anistia, em que foram ouvidas cada uma das
classes operárias e trabalhadoras, no relato de suas greves, no relato da opressão
que sofreram, tudo é filmado e constituirá o acervo do Memorial da Anistia. Nessas
ações estamos trabalhando pela busca da verdade.
Então, do que se trata neste momento? Trata-se de se criar uma instituição
com determinada especialidade: a Comissão da Verdade. E, ao que tudo indica,
pelo menos aprovada no Plano Nacional de Direitos Humanos, por resultado da
realização da Conferência Nacional de Direitos Humanos. Então, o indicativo é de
assinatura e de publicização na sociedade brasileira do Plano Nacional de Direitos
Humanos, em dezembro. E lá estará indicada a criação de uma Comissão da
Verdade no Brasil.
É o primeiro passo. Porque uma coisa é a ratificação governamental, estatal,
do Presidente e de todos os Ministérios, do Plano Nacional de Direitos Humanos.
Quando isso acontecer, estará previsto, entre tantas ações para o próximo período
no Brasil em respeito aos diretos humanos, a instituição da Comissão da Verdade.
Isso é certo. Se será a Comissão da Verdade e da Justiça ou Comissão da Verdade
e Reconciliação é incerto. Mas que lá estará escrito “criação de uma Comissão da
Verdade”, estará. E esse ato não significará, em nenhuma hipótese, a instituição de
uma Comissão da Verdade.
O plano nacional é um documento planificador, é um documento de
proposições, de metas, que dependerão de ações governamentais para serem
implementadas. Aí é que entra a necessidade do envolvimento do movimento dos
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anistiandos e anistiados. É evidente que, a priori, não temos de ser contrários ou
criar qualquer objeção para a criação de uma Comissão da Verdade, mas, se for
para criar uma Comissão da Verdade que não tenha amplos poderes; que não tenha
inter-relação com as comissões de reparação existentes; que não tenha íntima
relação com o trabalho efetuado pelo Ministério Público Federal e que não tenha o
propósito de buscar elementos para comprovação das perseguições e dos danos
que as vítimas do regime sofreram, será uma comissão que realmente não servirá
para absolutamente nada. E, nesses termos, é melhor que nem se crie.
Então, meus amigos, um elemento que me parece muito relevante para a
discussão relativa à criação de uma Comissão da Verdade no Brasil seria o de que
essa comissão não tomasse para si as premissas de minha fala. Em primeiro lugar,
que realmente seja uma comissão com poderes explícitos de procurar, em quaisquer
locais, informações; que seja uma comissão com condição de convocar agentes
militares para prestarem depoimentos; uma comissão cuja composição contemple,
nas diversas esferas, todas as instituições, desde o Ministério Público Federal até as
outras comissões de verdade, como representação da sociedade civil e dos
familiares, que têm trabalhado na elucidação da verdade no Brasil.
Partindo-se dessas premissas, de uma concepção de comissão nesses
termos, hoje, particularmente, a única coisa que me preocupa é que essa comissão
não seja instituída num cenário — como já fiz referência anteriormente — de
salvação e que tome para si a tarefa de iniciar do zero essas atividades.
Lá em São Paulo — e já discutimos isso com alguns que aqui estão, a
exemplo do Dr. Marlon, que participou desse debate —, fiz referência a pelo menos
dois dispositivos legais aprovados por este Congresso Nacional e já existente: um,
na Lei nº 10.559, que cria a Comissão de Anistia, e, outro, na Lei nº 9.140, que cria a
Comissão Especial de Direitos Humanos, que já dão poderes a essas comissões
para a busca por verdade. Talvez esses dispositivos não tenham sido totalmente
utilizados na sua potencialidade, em termos de plenitude de utilização, mas já estão
postos.
Uma Comissão da Verdade que ignore os dispositivos legais já existentes e
traga para si, como tarefa inicial, um marco zero da busca da verdade no Brasil, a
meu juízo, seria um engodo, porque não partiria de um acúmulo já existente. Cá
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entre nós, todos aqui já estamos, ao longo da vida, com muitas lutas em relação a
essa matéria. Então, não se trata de iniciar do zero essa luta, neste momento. Essa
é uma questão que me parece crucial.
A segunda questão — e vou encerrar por aqui — é a relativa à criação de um
ambiente político propício para o funcionamento de uma Comissão da Verdade.
Partindo de um cenário ideal, podemos ter uma comissão com poderes, com
representação, que receba todo o acúmulo de informações já existente das
comissões de reparação, das ações do Ministério Público, das ações da sociedade
civil organizada. De que adiantaria uma Comissão da Verdade convocar agentes
estatais diretamente responsáveis por uma série de violações que ocorreram, e eles
não estarem dispostos a falar? Mesmo estando prevista uma cláusula de
obrigatoriedade de, se convocados, comparecerem, eles podem se utilizar de
instrumentos
constitucionais,
como
o
direito
ao
silêncio,
e
não
falarem
absolutamente nada. Então, é necessário também criar um ambiente favorável ao
funcionamento da comissão. E é possível, sim, construir esse ambiente favorável a
partir de mobilizações, de ações estatais e de ações governamentais.
A ideia que quero deixar aqui assentada é a de que talvez tivéssemos de
começar a pensar em ações estratégicas e táticas para inserir esse debate público
naquela que é a melhor das oportunidades para o aprofundamento de um debate
político no Brasil: as eleições presidenciais do ano que vem. (Palmas.)
Então, se soubermos, de algum modo, envidar movimentos que incluam no
debate das eleições presidenciais, o ano que vem, a temática dos direitos humanos,
da busca da verdade e da anistia, automaticamente — porque reverbera no debate
público entre os candidatos e a sociedade, os militantes —, independentemente da
vontade ou não dos meios de comunicação de realizarem esse debate, o debate
existirá. E ele alcançará milhões de ouvidos que hoje, em razão de nossas
limitações, organizando uma série de seminários, mobilizações, etc., tal qual os
movimentos responsáveis de anistiandos e anistiados têm realizado, não
alcançamos, pelas limitações que estão postas para todos nós.
São os recados que queria inicialmente deixar. Teria outra intervenção para
fazer, mas vou pedir perdão por não poder fazê-la, porque terei de sair em breve,
mas pretendo voltar amanhã, quando haverá um painel específico sobre a Lei nº
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10.559 e poderemos discutir as questões a ela pertinentes num diálogo frutífero e
saudável.
Muito obrigado a todos. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Passo a palavra ao Procurador
Regional da República de São Paulo, Dr. Marlon Alberto Weichert.
O SR. MARLON ALBERTO WEICHERT - Boa tarde, Sr. Presidente, estimado
Deputado Luiz Couto; Sras. e Srs. Deputados, mais uma vez, agradeço a V.Exas. o
convite para participar do Seminário Latino-Americano sobre Anistia e Direitos
Humanos.
Fui convidado para falar sobre a proposta ou ideia de criação de uma
Comissão da Verdade ou Comissão da Verdade e Memória.
Na esteira do que disse o Sr. Paulo Abraão, ressalto que temos um momento
ímpar de contextualização dessa proposta decorrente da aprovação, na Conferência
Nacional de Direitos Humanos, no ano passado — da qual várias das senhoras e
dos senhores tomaram parte —, de um eixo ou de uma proposta de criação de uma
Comissão da Verdade e Memória.
É hora, parece-me, de compreendermos o que significa ter uma Comissão da
Verdade; é hora de estudarmos um pouquinho as experiências internacionais
anteriores, sem que isso signifique que devemos copiá-las, mas, sim, aprender com
o que já foi feito antes; é hora de nos apoderarmos desse conteúdo do que significa
ter uma Comissão da Verdade e Memória, para que, inclusive possamos exercer
criticamente o nosso direito democrático de participar desse processo.
Começo dizendo da importância da promoção da verdade. Promover a
verdade é importante, primeiro, em razão das vítimas. As vítimas da repressão, da
ditadura, têm o direito inalienável de saber o que, como, por que e por quem
aconteceu. É uma tradição do Direito brasileiro — e, acredito, uma tradição
extremamente negativa — imaginar que a vítima de uma violação a direitos
humanos ou de um crime não tem direito à promoção da verdade, seja judicial, seja
por qual outro meio for, no entendimento de que isso é um interesse estritamente do
Estado, de que a ação penal quem promove é o Estado por meio do Ministério
Público. De acordo com esse pensamento, a vítima teve o ônus apenas de suportar
o dano, a lesão, e agora não tem mais de se meter nisso, que é um problema do
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Estado. Esse discurso exclui aquele que é o primeiro e maior interessado na
apuração da verdade. Quem sofreu tem o direito inalienável de saber por que, como,
quais as motivações, quais as circunstâncias e quais foram os seus algozes.
Então, promover verdade é, primeiro, promover um direito das vítimas;
segundo, promover o interesse de toda a sociedade, de toda a coletividade. É
interesse meu, que não fui vítima de nenhuma violação a direitos humanos, seja em
qualquer época ou seja durante a ditadura, saber o que aconteceu. O que nossas
lideranças, nossas instituições estavam fazendo ou fizeram na história do País? Isso
é uma precondição para que possamos exercer a cidadania. Sem conhecer a nossa
história, sem saber o que se passou durante 21 anos da vida no Brasil, nós que não
fomos vítimas, as novas gerações e as gerações que vierem não teremos condições
de exercer de forma plena o direito democrático, o direito à participação, o direito à
cidadania. Então, em segundo lugar, além dos direitos das vítimas, conhecer a
verdade é um direito da sociedade; e, por fim, é também um direito das instituições.
Diria, Sr. Presidente, que há aqui um interesse institucional. É de interesse da
Câmara dos Deputados saber qual foi o seu papel durante a ditadura militar; é de
interesse do Ministério Público Federal saber que papel desempenhou durante a
ditadura militar, e assim vai. Todas as instituições, empresas públicas e instituições
da sociedade civil, todos os organismos que funcionam no País, têm o direito de
saber o que aconteceu, como aconteceu e por que aconteceu.
A primeira providência nesta nossa conversa, que é uma conversa política e
jurídica, é não deixar que haja um reducionismo no sentido de que saber a verdade
é um interesse de meia dúzia, um interesse apenas daqueles que foram vitimados.
Saber a verdade é um interesse de toda a sociedade brasileira e de todas as
instituições.
Por outro lado, precisamos perceber que não se trata de eventual concessão,
pelo Estado ou pelo Governo, de realização de uma Comissão da Verdade. Ao
contrário, existe um dever, uma obrigação do Estado brasileiro de promover e
revelar a verdade. É uma obrigação que decorre, antes de tudo, do princípio
republicano. Segundo nossa Constituição, somos uma República Federativa, um
Estado Democrático de direito. Ora, isso significa que o Estado é de todos, é do
povo brasileiro. Cada um de nós exerce uma parcela do poder estatal. E eu só
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posso exercer esse poder, de acordo com o princípio republicano, se tiver acesso à
informação, à história.
A Constituição prevê ainda um direito específico à verdade, de acesso às
informações sobre a vida do Estado; a Constituição brasileira prevê o direito à
transparência. O Estado brasileiro precisa ser transparente. A propósito, está em
trâmite na Câmara dos Deputados projeto de lei que regulamenta o direito de acesso
à informação pública.
Temos a Comissão da Verdade como uma expressão do próprio direito de
cidadania. E, mais: conforme a minha a Dra. Beatriz de Azevedo vai demonstrar
adiante, existe uma obrigação internacional de o Estado brasileiro promover a
verdade, uma responsabilidade em razão da qual ele poderá vir a ser chamado a
responder perante organismos internacionais, tais como a ONU, a OEA e a Corte
Interamericana de Direitos Humanos.
Então, primeiro, a verdade é interesse de todos e, segundo, não é uma
concessão, é um direito das vítimas e da sociedade civil a criação de uma Comissão
da Verdade. Então, já fixamos duas questões importantes.
Vamos tratar agora de uma terceira questão. Como podemos promover a
verdade? A instituição de uma Comissão da Verdade é o único caminho? Não. A
verdade, aqui com uma certa redundância proposital, é que temos caminhos
paralelos. O primeiro caminho, o caminho tradicional, é o do sistema de Justiça. Por
meio das ações judiciais, dos processos penais e dos processos civis, promovemos
a chamada verdade judicial. Mas precisamos compreender que o espaço de
promoção da verdade dentro do ambiente judicial segue muitas regras formais. O
processo tem uma série de normas processuais que, de certo modo, limitam a
apuração integral de um fato. Diria que o processo judicial vai fundo na produção de
uma prova, mas não vai de forma muito ampla, porque, primeiro, precisa definir que
provas vai aceitar, que provas são lícitas e legítimas, o que muitas vezes exclui a
compreensão de um processo dentro de um contexto histórico ou de um contexto
mais amplo.
Existe um segundo instrumento importantíssimo que o Brasil tem utilizado no
que diz respeito à promoção da verdade: as Comissões Parlamentares de Inquérito.
Uma Comissão Parlamentar de Inquérito extremamente relevante, embora no
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âmbito federativo bem menor, foi a Comissão Parlamentar de Inquérito do Município
de São Paulo sobre a abertura da vala de Perus, em 1990, um belo exemplo de
funcionamento de CPI que produziu muitos elementos que permitem a apuração da
verdade.
Temos também algumas comissões ou organizações estatais que produzem
material relacionado à verdade — e o Dr. Paulo Abrão já mencionou isso —, como a
Comissão de Anistia, a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos da
Lei nº 9.140, que produziram um acervo interessante, mas sempre voltado para
determinada finalidade específica: promover reparação, indenização patrimonial.
A própria sociedade produz suas pequenas comissões de verdade. Não
podemos esquecer a iniciativa de famílias que publicaram dossiês sobre mortos e
desaparecidos políticos, não podemos esquecer da iniciativa da Arquidiocese de
São Paulo que promoveu o Projeto Brasil Nunca Mais, talvez o primeiro relatório
consistente e isento sobre a ocorrência de graves violações a direitos humanos
durante a ditadura brasileira.
Mas, por fim, temos este instrumento fruto de experiências internacionais: as
chamadas comissões da verdade, que têm a característica muito interessante de
serem compartilhadas entre o Estado e a sociedade civil. É como se o Estado
delegasse ou transferisse à sociedade civil parcela da sua autoridade, do seu poder,
para que a sociedade civil produza a verdade, porque é uma verdade que tem de ser
produzida contra o próprio Estado. Portanto, se ficar na mão apenas do Estado a
produção dessa verdade, pode haver alguns conflitos de interesse, pode haver
alguns problemas de independência, de imparcialidade.
A Comissão da Verdade é algo muito interessante, porque é instituída pelo
Estado, mas para ser gerida pela sociedade civil. Trata-se de uma espécie de fusão
de esforços e de competências, algo muito peculiar. E precisamos tomar muito mais
cuidado para que isso não se transforme apenas num rótulo bonito ou em algo que
não tem consistência.
Então, com o que devemos tomar cuidado na hora de discutir com o Governo
a realização de uma Comissão da Verdade sobre a ditadura militar brasileira?
Primeiro, precisamos garantir a legitimidade dessa comissão. Ela precisa ter
poderes. E, em relação a esses poderes, seria ideal que fosse uma comissão
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instituída por meio de uma lei que regulamente os seus detalhes e seus poderes.
Mas sabemos que o processo legislativo não é propriamente célere e está sujeito a
outras vicissitudes. Assim, precisamos perguntar se é indispensável a existência de
uma lei. No caso brasileiro, a nossa avaliação é a de que, embora fosse ideal, não é
indispensável. Eventualmente, um decreto do Presidente da República poderia
formatar uma Comissão da Verdade, aproveitando o que já existe em diversos
outros diplomas normativos, talvez até reunindo algumas instituições estatais que já
têm suas respectivas competências e atribuições, entre as quais, a de produzir
provas, requisitar informações, realizar buscas, diligências e coisas semelhantes.
Mas uma Comissão da Verdade só será legítima, como já apontava o Dr.
Paulo Abrão, se houver mobilização social. É preciso que a sociedade queira essa
Comissão da Verdade para promover a apuração do que aconteceu. E ela também
precisa ser representativa — e, quando falo em representativa, não estou querendo
dizer que a Comissão da Verdade tem de ser composta por um mosaico das
instituições que representam as vítimas. Ela precisa ser representativa da sociedade
brasileira e não de uma parcela da sociedade brasileira que sofreu as
consequências da ditadura. Isso é um aspecto que às vezes impacta um pouco
negativamente a nossa fala, mas precisamos ter a sensibilidade e a segurança de
perceber que um trabalho dessa envergadura precisa ter todas as garantias de
isenção e de imparcialidade. Imagino que a Dra. Beatriz depois vai complementar
esse aspecto.
Ressalto
que
uma
Comissão
da
Verdade
não
pode
ser
imposta
unilateralmente pelo Governo ou na forma que o Governo quer, porque, se é para
ser um pacto entre Estado e sociedade, entre Governo e sociedade, ela precisa ser
negociada. Ela precisa ser construída de modo democrático e que possa ter futuro.
É importante destacar que a composição dessa comissão não pode ser feita por ato
unilateral do Presidente da República ou de um Ministro, seja ele qual for e por mais
legítimo que seja. (Palmas.) A composição dessa comissão tem de seguir o primeiro
passo do pleno exercício democrático.
As melhores experiências aqui — e vale a pena nos inspirarmos em outros
países — são as comissões constituídas por pessoas da sociedade civil que se
candidatam a participar, apresentando memoriais e currículos. E um comitê faz a
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seleção dos que vão atuar na apuração da verdade. A propósito, defendo a
existência de um comitê em que talvez seja importante a presença do Governo e
das vítimas para fazer a seleção desses comissionados.
É importante não confundir a composição da comissão com vítimas ou com o
Governo ou com perpetradores de violações. Essa combinação que sempre se
pensou como importante nas outras comissões, como a Comissão da Anistia e a
Comissão Especial para Desaparecidos Políticos, não necessariamente deve ser
reproduzida quando se trata de uma Comissão da Verdade, do contrário, corremos o
risco de ter uma Comissão da Verdade de mentira, uma Comissão da Verdade
pirotécnica, uma Comissão da Verdade de fachada.
Uma Comissão da Verdade não pode ser um factoide, não pode ser apenas
uma folha de papel para prestar contas a quem que seja. (Palmas.) Uma Comissão
da Verdade precisa ser de verdade, precisa ser uma comissão da sociedade civil.
Expostas essas questões relacionadas à legitimidade, quero falar um pouco
da competência. Precisamos decidir que delitos serão investigados pela Comissão.
Serão apenas delitos praticados pelos perpetradores? Será que não é o momento
de enfrentar esse argumento de que houve violência de ambas as partes? De que
houve terrorismo? É uma decisão que tem de ser tomada também pela sociedade.
Que períodos de tempo vamos investigar? Será que uma Comissão como essa não
deveria também investigar a destruição dos arquivos? Aliás, a meu ver, a Comissão
da Verdade no Brasil ganha muito mais importância, porque se diz que não há
arquivos. Então, vamos precisar, por meio de trabalho de pesquisa e de
testemunhos, reconstituir os arquivos que foram ilegalmente destruídos e apurar
inclusive a responsabilidade daqueles que destruíram esses arquivos.
Então, outra decisão importante — e vejam os senhores por que não pode ela
ser tomada em gabinete fechado — é sabermos até onde irá essa comissão. Ou
seja, será uma comissão com competência para investigar apenas crimes cometidos
no Brasil, ou investigará todo e qualquer crime de violação a direitos humanos
praticados por nossos agentes também no exterior? E aqui estamos falando
diretamente da participação brasileira na Operação Condor. Vamos deixar de
investigar esses acontecimentos?
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Por outro lado, uma comissão como essa precisa de garantias, subjetivas e
objetivas — e, quando falo em garantias subjetivas, reporto-me à proteção dos
comissionados. Eles precisam de um regime de imunidade e proteção pessoal, se
necessário for.
Por outro lado ainda, uma comissão precisa ter autonomia financeira e
administrativa. Ela não pode, a cada diligência a ser realizada, ficar esperando
durante semanas, de pires na mão, na antessala do ordenador de despesas.
Portanto, uma comissão precisa ter, de antemão, dotação orçamentária, autonomia
para ordenar despesas e apoio técnico, ou autonomia para constituir uma equipe
significativa de apoio técnico para realizar, seu trabalho.
A comissão, igualmente, necessita da garantia da transparência, ou seja, de
que pelo menos os meios de comunicação do Estado, televisões e rádios públicas,
transmitirão e acompanharão os seus trabalhos, para que toda a sociedade
brasileira possa tomar conhecimento e dela participar.
Precisa a comissão tomar muito cuidado para não “revitimizar”, ou seja, não
fazer com que as vítimas sejam novamente expostas e sujeitas às críticas que
comumente lhes são feitas. É tão delicado o assunto a ser tratado por essa
comissão, que um dos seus maiores problemas é o risco de fazer a vítima assumir
novamente tal condição.
Para concluir, até porque o tempo já se esgota — e eu teria alguns outros
assuntos para comentar —, levanto algumas outras questões.
Além dessas premissas que me parecem fundamentais, devemos tomar muito
cuidado para que uma proposta de criação de Comissão da Verdade não seja
elaborada a portas fechadas. Ela precisa ser construída a portas abertas, não só
com a participação das senhoras e senhores que são vítimas, mas da sociedade
civil, aí incluídos todos os movimentos da sociedade civil e o movimento nacional de
direitos humanos.
Outro aspecto: a Comissão da Verdade não substitui a promoção da justiça.
Ela trabalha com a dimensão da verdade histórica, mas não substitui a Justiça. O
Estado brasileiro não pode dizer que vai promover a Comissão da Verdade em troca
de manter a impunidade. Essa proposta não podemos aceitar em hipótese alguma.
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Só devemos aceitar a criação de uma Comissão da Verdade, a meu ver, se houver
garantias de que ela terá condições de exercer seu mandato com independência.
Não podemos correr o risco de queimar o cartucho ou aceitar, por outro lado,
que a Comissão da Verdade será, finalmente, a reconciliação nacional.
Reconciliação não é algo que se faz por decreto. Reconciliação é algo que se
constrói quando as condições estão presentes. O Estado brasileiro até hoje não
cumpriu com seus deveres de promover justiça, verdade, memória e a reforma de
seus aparatos de segurança, que continuam agindo como faziam há 40 anos.
Enquanto não for consolidado esse “caldo”, não podemos cobrar uma
reconciliação da sociedade com seu Estado e jamais podemos exigir que as vítimas
deem seu perdão. Essa é uma decisão individual de cada uma.
Perdão não se dá por decreto. (Palmas.) Não se trata de um culto ecumênico
onde um sacerdote pode dizer que todos estão perdoados em nome daqueles que
militam a sua fé. Isso, não! Aqui estamos no campo de uma relação intersubjetiva.
Ou seja, precisamos saber que tem medo de uma Comissão da Verdade que reúna
essas garantias e condições e possa contribuir para reconstituir essa fase da história
brasileira.
A propósito, ocorre-me neste momento frase de Platão, segundo a qual
podemos facilmente perdoar uma criança que tem medo do escuro, a real tragédia
da vida, porém, é quando os homens têm medo da luz.
Portanto, a Comissão da Verdade pode ser a nossa oportunidade de saber
para não repetir, saber para refletir, saber para não perpetrar, saber para mudar,
saber para consolidar a democracia brasileira.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Obrigado, Dr. Marlon,
Procurador da República em São Paulo, pela
clareza e consistência de sua
intervenção.
Dando continuidade aos trabalhos, concedo a palavra à Dra. Beatriz Stella de
Azevedo Affonso, representante do Centro pela Justiça e Direito Internacional —
CEJIL
A SRA. BEATRIZ STELLA DE AZEVEDO AFFONSO - Boa tarde a todos.
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Cumprimento os companheiros da Mesa em nome do Deputado Luiz Couto e
agradeço mais uma vez aos organizadores a oportunidade de estar neste Seminário,
que está de parabéns pela continuidade e pela qualidade com que se mantém. Tive
oportunidade de participar deste evento também no ano passado e, portanto, não
poderia deixar de aceitar tão importante convite.
O CEGIL, para quem não conhece, é uma organização não governamental
que atua no Sistema Interamericano. Encaminhamos denúncias de graves violações
de direitos humanos que aconteceram nos vários países do continente. Para isso,
temos quatro escritórios, sendo que o escritório situado no Brasil trabalha apenas
com ocorrências em nosso País.
Encaminhamos ao Sistema Interamericano os casos em que não existe uma
resposta interna, ou seja, quando a Justiça local não consegue resolver uma
situação que represente grave violação de direitos humanos, o que identificamos
conforme a Convenção Americana de Direitos Humanos.
Nesse sentido, o CEGIL atua no Brasil em vários casos. Para que os
senhores conheçam um pouco o nosso trabalho, ressalto que fomos nós que
levamos para o Sistema Interamericano o caso da Maria da Penha, que, ao final,
ajudou o grupo de organizações feministas do Brasil a fortalecer a então proposta da
hoje tão conhecida Lei Maria da Penha.
Há casos não tão exitosos, especialmente aqueles que envolvem a ação
direta de agentes públicos, como o do Carandiru. Existe um relatório final da
Comissão Interamericana, mas não conseguimos fazer que o Estado brasileiro
cumprisse as determinações.
Também é assim no caso de Eldorado de Carajás e em casos relacionados a
instituições de detenção de jovens e adolescentes, entre outros.
Talvez a ação mais importante no que diz respeito à História seja o
encaminhamento para a Comissão Interamericana, pelo CEGIL, junto com o Grupo
Tortura Nunca Mais, do Rio de Janeiro, e com a Comissão de Familiares de Mortos
e Desaparecidos, de São Paulo, do caso da Guerrilha do Araguaia. Esse caso
tramitou naquela Comissão ao longo de 12 anos.
Em relação a outros casos referentes a ditadura denunciados àquela
Comissão, consideramos que o relativo à Guerrilha do Araguaia foi o que mais
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demorou em termos de processamento e trâmite, apesar de todo o esforço da
instituição e dos peticionários e da pressão dos familiares das vítimas. E isso não
ocorreu por acaso. Atribuímos a vários fatores essa demora.
O que aconteceu? O Estado brasileiro — e, aí, me refiro aos vários Governos
desde a volta à democracia, mas o caso foi peticionado em 1996, no Governo
Fernando Henrique Cardoso —, por intermédio do Ministério das
Relações
Exteriores, que é quem, junto com a Secretaria Especial de Direitos Humanos,
responde no Sistema Interamericano sobre aos casos de violação no Brasil,
conseguiu fazer com que a Comissão Interamericano entendesse que o Brasil era
diferente, que o Brasil tinha feito a sua lição de casa e que existia no País uma
situação de conformidade, de aceitação e de reconciliação entre as vítimas, a
sociedade, os perpetradores e as mais recentes autoridades públicas responsáveis
por instituições que, como disse o Dr. Marlon, infelizmente continuam cometendo as
mesmas violências e violações dos direitos humanos herdadas do período da
ditadura.
Esse caso demorou muito tempo na Comissão e, em março deste ano, ele foi
enviado à Corte. No ano passado, quando estive aqui, eu tive a oportunidade de
esclarecer detalhadamente a todos como foi o trâmite desse processo e porque o
caso possivelmente chegaria à Corte.
O seminário foi em novembro do ano passado, o Estado Brasileiro já havia
recebido um relatório de fundo da Comissão Interamericana, ele tinha de cumprir
várias recomendações que, grosso modo, têm três eixos: o direito à verdade, o
direito à justiça e o direito à reparação integral. Infelizmente o Estado Brasileiro não
cumpriu esses requisitos a contento. No que diz respeito à justiça e à verdade
especialmente, não existe para o Sistema Interamericano... Na nossa visão, na
nossa experiência em relação aos outros países em que também litigamos casos
das ditaduras e dos conflitos armados, o que se realizou em relação à verdade é
questionável. Eu gostaria muito que o Dr. Paulo me ouvisse. Temos um diálogo
interessante, ele conhece a postura do CEJIL. Não há dúvida de que, dado tudo que
se recolheu pela Comissão da Anistia e pela Comissão de Mortos e Desaparecidos
Políticos, isso é verdade e existe muita informação importante. No entanto, nos dois
âmbitos, essa verdade teve de ser construída, recompilada pelas próprias vítimas ou
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pelos seus familiares. Então, hoje ainda temos uma verdade, acesso a uma
documentação em que o tratamento utilizado pelas autoridades daquela época,
daquele momento, era absolutamente discriminatório, preconceituoso, com termos
que, para o Sistema Internacional, não são razoáveis, como, por exemplo,
terroristas, subversivos. Ou seja, temos uma verdade parcial, uma verdade que
ainda é colocada por meio de uma linguagem do passado. (Palmas.)
Por que uma Comissão da Verdade é tão importante? A expectativa de uma
Comissão da Verdade no Brasil é a de que, por fim, depois de tantos anos, a
verdade seja apresentada à sociedade como um todo — a atual e a futura —, a
verdade do que realmente aconteceu, por que motivos as pessoas fizeram
resistência, o que, de fato, estava em jogo e quem, de fato, eram os perpetradores,
quem eram os terroristas. No nosso entendimento, terroristas eram os agentes do
Estado, que cometeram terrorismo contra a sociedade civil. (Palmas.)
Eu queria esclarecer aos senhores que o nosso trabalho não está diretamente
relacionado às Comissões de Verdade e Justiça. Eu sei que o Dr. Javier Ciurlizza,
do Centro de Justiça Transicional, infelizmente não pôde comparecer, apesar de ter
sido convidado pela organização, mas aconselho a todos que têm interesse em
conhecer um pouco sobre as Comissões de Verdade do mundo, todas que já
existiram, que acessem o site desta instituição, que posso compartilhar com os
senhores. Ele trabalha com esse tema e faz uma análise muito mais aprofundada da
situação.
Sabendo que o Sr. Javier não compareceria, tentei trazer para os senhores
algumas informações muito simples, que não vão poder ser aprofundadas como eu
gostaria, pois demandaria muito tempo. Então, seria só a título de exemplo.
Quero dizer aos senhores que as Comissões de Verdade e Justiça no
Continente Americano — eu nem vou ampliar o olhar para os outros continentes —
não é uma novidade para os nossos vizinhos, muito pelo contrário. Quero também
ressaltar para os senhores que a maior parte das Comissões de Verdade feitas no
nosso continente aconteceram logo depois da volta à democracia. Sem dúvida
alguma, isso faz uma enorme diferença. Por exemplo, no que diz respeito aos
documentos, de forma comparativa e analógica, muitas dessas sociedades não...
(falha na gravação) o nosso governo teve para queimar os arquivos. Isso aconteceu
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logo em seguida. Muitas Comissões contaram com documentação do Estado e
muitas não contaram.
Eu não tenho certeza, mas imagino que o Prof. Martín já tenha esclarecido a
todos os senhores, mas vou ser repetitiva pois considero importante a informação
que vou dar. O Paraguai recentemente abriu todos os arquivos da ditadura. Hoje, no
Continente Americano, especialmente na América do Sul, o Brasil está num patamar
extremamente atrasado no que diz respeito à verdade e à justiça.
Muito bem, eu vou fazer isso um pouquinho rápido porque não quero ser
cansativa e quero que sobre um pouquinho do tempo da minha apresentação para
passar, ao final, um vídeo de sete minutos, um vídeo bem pontual que é a filmagem
da sentença dada a um torturador importante, no momento em que foi proferida, em
um julgamento na Argentina em 2006. Eu quis compartilhar isso com os senhores
porque eu acho que é uma mensagem de esperança de que um dia nós no Brasil
possamos também passar por essa circunstância.
Existem muitas outras Comissões de Verdade, e eu só quis trazer alguns
itens. Quero chamar a atenção para itens básicos. Qualquer Comissão da Verdade
precisa refletir antes que aconteça algo pior.
Hoje, temos inúmeros exemplos, neste e em outros continentes, para não
precisar dar as mesmas cabeçadas. Temos muita experiência, com relação aos
países vizinhos, não para que façamos as mesma Comissões, mas para que não
precisemos incorrer em alguns erros que já aconteceram e que, na prática,
dificultaram um pouco a atuação da Comissão.
A Argentina criou, no Governo do Presidente Raul Alfonsin, uma Comissão
Nacional sobre desaparecimento de pessoas em dezembro de 1983, logo após o fim
da ditadura no País. O seu objetivo principal era investigar as violações aos direitos
humanos perpetradas pelo Estado durante o período de exceção — de 1976 a 1983.
O trabalho da Comissão resultou no relatório Nunca más e outras leis de
ressarcimento.
Segundo as informações da Comissão, 8.960 pessoas foram desaparecidas
no país, e foram identificados 1.315 perpetradores. Mais tarde, a própria sociedade
civil da Argentina declarou que esse número possivelmente era muito maior, quem
sabe o dobro, especialmente no que diz respeito aos desaparecimentos forçados.
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No entanto, naquele momento, foi a informação que se conseguiu. Esse passo na
Argentina foi muito importante. Outras iniciativas aconteceram depois, essa foi a
primeira. Essa Comissão foi um bom princípio para ajudar os processos que tinham
algumas provas a serem apresentadas à Justiça.
Aproveito, antes de me reportar ao Chile, para contar aos senhores que a
Argentina, diferente dos outros países da América do Sul, não precisou de uma
sentença na Corte Interamericana para fazer o processamento criminal dos
perpetradores de graves violações dos direitos humanos promovidas na ditadura. A
Argentina usou a sentença de um caso que o CEJIL litigou no Peru para que sua
Corte Suprema pudesse acabar com a Lei de Anistia e começar o julgamento
interno, ou seja, ela não precisou receber uma sentença, pois tinha casos do Estado
argentino no Sistema Interamericano, mas ela fez sua lição de casa, entre os países
em que nós atuamos, mais eficiente até o momento.
Muito bem, no caso do Chile, houve a Comissão Nacional de Verdade e
Reconciliação, que foi criada com o primeiro Presidente após a ditadura de Pinochet,
iniciou seus trabalhos em 1990, com o objetivo de contribuir para o esclarecimento e
a verdade sobre as graves violações dos direitos humanos cometidos durante o
regime ditatorial chileno, de 1973 a 1990. O trabalho da Comissão resultou no
relatório que reconheceu 3.400 vítimas de desaparecimentos e assassinatos. Em
1992, foi criada por lei a Corporação Nacional de Reparação e Reconciliação, para
executar as recomendações da Comissão da Verdade e Reconciliação.
Eu chamo a atenção dos senhores para o caso do Chile, sempre fazendo aqui
um contraponto. No final eu vou falar um pouquinho do que esperamos para o Brasil.
É muito importante sempre, numa Comissão, pensarmos como as suas
recomendações vão ser executadas, como vão ser implementadas. Então, é
importante fazer esse exercício desde o começo da criação da Comissão.
Muito bem. Outro exemplo que eu trouxe para é o caso de El Salvador, que
teve La Comisión de la Verdad, que foi criada por meio do Acordo do México em
abril de 1991, entre o Governo de El Salvador e a Frente Farabundo Martí para la
Libertação Nacional, com o patrocínio da ONU. No caso de El Salvador, era um
conflito armado, então, a intervenção da ONU foi importante para as negociações.
Os objetivos eram referentes à superação da impunidade e esclarecimento da
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verdade, com investigação de graves violações de direitos humanos ocorridas entre
1980 e 1991. Quando ela concluiu o seu trabalho, publicou relatório que se chamou
De la Locura a la Esperanza, com o reconhecimento das execuções sumárias, de
desaparecimentos forçados cometidos pelas Forças Armadas e esquadrões da
morte.
Suas
recomendações
incluíam
reparações,
mudanças
legislativas,
depurações no Exército e erradicação dos esquadrões da morte.
Na verdade, estou apresentando, de forma cronológica, conforme as
Comissões foram acontecendo.
A Comissão para o Esclarecimento Histórico foi criada em julho de 1994 pelo
Acordo de Oslo. O conflito na Guatemala também era considerado um conflito
armado e também houve a intervenção do patrocínio das negociações de mediação
da ONU. A composição da Comissão era bastante grande em relação à maioria das
comissões: 250 profissionais. Os seus objetivos englobavam investigar as violações
de direitos humanos perpetradas pelo Estado e a guerrilha após 34 anos de conflito
armado, de 1962 a 1994, mas sem individualizar seus responsáveis. No entanto,
mesmo sem individualizar os responsáveis, as informações recolhidas por essa
Comissão permitiram fortalecer provas para ações judiciais que vieram a seguir.
Em fevereiro de 1999, foi publicado o relatório Memória do Silêncio, livro
sobre a experiência do trabalho da Comissão. Suas conclusões incluíam violação de
direitos humanos contra indivíduos e povos indígenas, desaparecimentos forçados e
assassinatos de aproximadamente 200 mil pessoas. Suas recomendações
reforçaram a necessidade de mudanças legislativas e institucionais, depuração
militar, investigação judicial e reparações.
Prometo que vou apresentar só mais duas, vou ser mais breve. Eu só queria
trazer um pouco dessa informação, porque sabemos que, enfim, que as coisas estão
se consolidando. A ideia é que todos possam ter o máximo de informação para ter
sua opinião pessoal a respeito do que o Governo vai apresentar como Comissão da
Verdade no Brasil.
No Panamá, a Comisión de la Verdad foi criada em janeiro de 2001 por um
decreto do Poder Executivo e ainda se encontra em atuação. Sua composição
incluía representantes da Igreja Católica e outros da sociedade civil. Os
representantes da Igreja Católica assumiram a Presidência da Comissão. Os
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objetivos são esclarecer as violações de direitos humanos cometidas durante o
regime militar de 1968 a 1989. O trabalho ainda está em andamento, e o principal
foco, no caso do Panamá, onde a incidência dos desaparecimentos forçados
também é bastante alta se comparada à incidência de tortura de sobreviventes, que
foram torturados e presos...
Por fim, vou terminar com a Comissão do Peru. É uma comissão importante,
considerada pelos estudiosos de comissões do continente americano uma das mais
modernas. Ajudou bastante também a sua implementação depois da Comissão do
Paraguai, especialmente pelas experiências, como eu apresentei no começo,
daquilo que não estava funcionando bem. A Comissão da Verdade do Peru passou
por várias modificações, desde a sua metodologia até toda a sua ordem jurídica de
funcionamento, metodologia e estatuto.
Então, a Comissão da Verdade e Reconciliação foi criada em 2001 por
decreto do Presidente Paniagua, que era do governo de transição e depois do
Governo Fujimori. Seus trabalhos ajudaram a esclarecer as violações de direitos
humanos cometidas pelo Estado por grupos terroristas entre maio de 1980 e
novembro de 2000. Vários desses casos denunciados à Comissão do Peru foram
enviados ao Sistema Interamericano porque não estavam tendo o andamento devido
na Justiça interna do Estado peruano. Todos os dados propiciados na Comissão do
Peru foram muito importantes para que a Comissão Interamericana e a Corte
Interamericana pudessem ter subsídios que são considerados imparciais. Esse é um
aspecto muito importante, para o qual chamamos atenção, como disse o Dr. Marlon.
A imparcialidade da Comissão da Verdade garante que resultados de ações
criminais possam não gerar dúvidas no futuro. Nesse caso do Peru, devido a sua
atuação, a idoneidade que se atribuiu a ela foi tão importante, que dois casos
sentenciados na Corte Interamericana de Direitos Humanos subsidiaram o processo
e a condenação do Presidente Fujimori este ano. Acho que todos acompanhamos o
caso pelos jornais. Na Comissão da Verdade, todas as informações subsidiaram os
casos que foram para o Sistema Interamericano e dele tiveram a condenação do
Estado peruano. Hoje, o ex-Presidente Fujimori cumpre sentença criminal, o que é
bastante alentador, devido a nossa realidade continental. (Palmas.)
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Estou acabando, prometo. Vou ser bem pontual. Eu tinha trazido dados, mas
acho que são muito detalhados. Vou falar alguns nomes de alguns casos em que
essas Comissões da Verdade do continente puderam fortalecer casos no Sistema
Interamericano e que obtiveram resultados tão positivos como o caso do Peru.
O Sistema Interamericano, o que significa? A Comissão e a Corte
Interamericana de Direitos Humanos valorizam muito essas Comissões da Verdade.
Por quê? Porque se entende que, por intermédio delas, se trazem, por um lado,
informações que, por mais que aqueles que resistiram às ditaduras tenham, a
sociedade em geral não tem acesso e as futuras gerações, sem essas informações,
dificilmente teriam acesso, e, por outro lado, elas acabam por subsidiar esses
processos criminais.
Volto a reforçar: eu acho que é uma coisa muito importante, que todos vão
ouvir, quando o Estado brasileiro se disponibilizar, se é que vai de fato se
disponibilizar, a estabelecer uma Comissão da Verdade efetiva — nós brincamos:
uma Comissão da Verdade de verdade — que não seja pró-forma. É este o debate:
deve se chamar Comissão da Verdade e Justiça? Deve se chamar de Comissão da
Verdade e Reconciliação?
Muitos conheceram recentemente, por meio do jornal O Estado de S. Paulo,
que publicou esse debate, que, por meio da Conferência Nacional, como o Dr.
Marlon já explicitou, houve um grupo de direito à verdade e à memória. É importante
ressaltar que a Conferência Nacional passou a ter caráter deliberativo. Quer dizer,
com o Poder Legislativo, o Poder Executivo aceitou que as conferências passassem
a ter caráter deliberativo.
O grupo de trabalho que tratou do direito à verdade e à memória especificou
muito claramente que tipo de Comissão da Verdade e Justiça esses militantes, que
eram vítimas e familiares de vítimas e organizações que atuam sobre o tema,
desejavam. No entanto, já se tem conhecimento de que o Plano Nacional, que vai
ser lançado possivelmente em 10 de dezembro, as propostas de criação de
Comissões da Verdade estão diametralmente opostas àquilo que foi decidido na
Conferência Nacional.
Então, aqui já se apresenta um mal-estar. Se o próprio Governo aceitou que a
Conferência era deliberativa, como vai lançar uma proposta de criação da Comissão
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da Verdade totalmente diferente daquilo que foi proposto, na Conferência Nacional,
pelo Poder Legislativo? Essa é uma coisa que se apresenta.
Quem teve acesso ao rascunho do Plano Nacional — eu tive — sabe que
existe um grupo de entidades que o está discutindo. Infelizmente, o que se
apresenta de fato é que, se o Presidente da República o sancionar com as
propostas a que tivemos acesso, elas estarão muito aquém do que se deseja para
uma Comissão da Verdade que vai ser efetiva.
Eu concordo com o Dr. Paulo: nós não temos de começar da estaca zero. Já
existe muita informação fornecida pela Comissão de Anistia, pela Comissão de
Mortos e Desaparecidos, assim como pelo Brasil: Nunca Mais. Não há dúvida de
que esse seria o material inicial da Comissão. No entanto, só essa recompilação nos
deixa no mesmo lugar, não nos traz nada de novo.
Então, essa Comissão da Verdade deve ter poderes para conseguir os
arquivos. Não sei se sou minoria, mas eu realmente não estou convencida de que os
arquivos foram queimados no Brasil.
Nós, que trabalhamos com o caso Araguaia, tivemos acesso a alguns
documentos. Sabemos que esses documentos, naquela época, foram multiplicados
entre várias instâncias hierárquicas do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. E é
por isso que muitos desses documentos estão nos tais baús de parentes de
militares. Se eles estão nos baús dos militares, eu não acredito que eles não
estejam dentro do Ministério da Defesa. Eu posso estar errada, mas realmente
acredito que um passo inicial é que este Governo se comprometa a abrir os arquivos
que fazem parte da história do Ministério da Defesa. (Palmas.)
Vou passar rapidamente a outros casos. Vou pular muitos, porque senão
perderíamos toda a tarde, e o nosso voo sai daqui a pouco.
Temos o caso de El Salvador, que é o dos jesuítas, que foi à Comissão
Interamericana e que só pôde ter um andamento mais profundo, tanto na Comissão
interamericana, como na Justiça interna de El Salvador, a partir da Comissão de El
Salvador.
Quero só chamar a atenção para o que a Comissão Interamericana disse no
que diz respeito à legitimidade e idoneidade de uma Comissão da Verdade. No
relatório sobre esse caso dos jesuítas, a Comissão diz o seguinte:
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“Pela seriedade da metodologia utilizada pela
Comissão da Verdade e a garantia de imparcialidade e
boa-fé que deriva da forma de designação de seus
membros e da participação do próprio Estado, a
Comissão Interamericana entende que a investigação
sobre esse caso merece crédito e que tal caráter será
considerado em vinculação com os fatos alegados e as
outras provas apresentadas.”
O que significa? Que a Comissão reconheceu a legitimidade dessa Comissão
da Verdade de El Salvador, especialmente no que diz respeito aos integrantes dessa
comissão, que é um ponto para o qual o Dr. Marlon já chamou a atenção.
Vou para o caso La Cantuta, que é do Peru, um dos que exemplifiquei, que foi
ao Sistema Interamericano e tem uma sentença da Corte Interamericana — é um
dos dois casos e que permitiu o julgamento do ex-Presidente Fujimori na Justiça
interna do Peru.
Temos muito carinho por outro caso, porque o Estado brasileiro tem uma
dívida histórica com o Estado do Paraguai. É o caso Goiburú, cujas vítimas estão
inseridas na Operação Condor e que recebeu sentença da Corte Interamericana.
Por muitos anos, o Estado paraguaio e a Corte Interamericana solicitaram ao Estado
brasileiro a extradição do ditador Stroessner, que infelizmente faleceu em 2006, em
território brasileiro — em Brasília, para ser mais precisa. O Estado brasileiro não
concedeu a extradição. Então, existe uma dívida do Estado brasileiro por ter por
tantos anos acobertado o General Stroessner. Goiburú é um caso também muito
relevante, cujas informações depois facilitaram o trabalho da Comissão da Verdade.
O outro caso, La Cantuta, é a mesma coisa. Eu o separei, mas podemos
pular. É a mesma coisa do de El Salvador, em que a Corte explicita a seriedade da
Comissão da Verdade e afirma que por isso levou em conta as provas
apresentadas.
O caso Almonacid é o do Chile, em que a sentença da Corte foi proferida aqui
em Brasília, num julgamento extraordinário que a Corte fez em 2006 de vários
casos. Entre eles, foi julgado esse caso da ditadura do Chile, que também envolve a
Operação Condor.
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Muito bem, vou rapidamente compartilhar o que pensamos. Vamos
complementar os princípios mínimos apresentados pelo Dr. Marlon do que
esperamos que uma comissão no Brasil tenha. Se ela vai se chamar Comissão da
Justiça, Comissão da Verdade, nós não entendemos que isso é o principal. O
principal é que ela possa ter efetividade.
Entendemos que o principal é que ela possa ter efetividade. Entendemos que
a reconciliação, como disse o Dr. Marlon, é uma questão de trabalho ainda a ser
feito. Então, se essa Comissão, no seu princípio, no seu estabelecimento, não se
comprometer com alguns itens como este para o qual estamos chamando a
atenção, para que de fato venha a ser efetiva, não pode se chamar reconciliação de
jeito nenhum, porque a reconciliação só pode se dar depois que o Brasil fizer o seu
trabalho de casa. (Palmas.)
Chamamos a atenção nessa experiência de que as Comissões de Verdade
podem ou não ter muitos méritos, elas podem acabar de forma inoperante, sem
nenhum resultado prático e se somar às várias iniciativas que já tivemos no Brasil
sem conseguimos dar o salto qualitativo para trazer às futuras gerações a verdade
do que ocorreu.
Já existem no mundo mais de 30 Comissões de Verdade, que possibilitam
identificar
as
boas
práticas
e
padrões
básicos
e
garantir
os
direitos
internacionalmente reconhecidos das vítimas. Para satisfazer o direito à verdade,
que corresponde às vítimas e a toda a sociedade, uma Comissão da Verdade deve
ser efetiva, autônoma, independente e justa.
Aqui nós destacamos as funções mínimas que uma Comissão da Verdade
deve ter. O trabalho de uma Comissão da Verdade deve servir a três funções
fundamentais: ao esclarecimento dos fatos, ao reconhecimento moral e ético das
vítimas e à apresentação de recomendações de políticas que garantirão a não
repetição das violações de direitos humanos.
Quais são as competências mínimas que a Comissão da Verdade deve ter?
As competências devem estar claramente definidas, de forma ampla o
suficiente para refletir os direitos das vítimas. A Comissão da Verdade deve ter
competência material para analisar as mais graves violações aos direitos humanos,
de acordo com o Direito Internacional, assim como os crimes de ocultação e
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omissão dos fatos violatórios, como ocultação e destruição de arquivos, ocultação
de cadáver e outros.
Sobre sua estrutura. Constitui boa prática um processo consultivo permanente
e transparente, contribuindo com a legitimidade e êxito de uma Comissão da
Verdade desde o seu estabelecimento, desenho e implementação por meio de
consultas amplas à sociedade civil organizada e às vítimas.
O processo de escolha dos comissionados deve ser aberto, transparente e
consultivo, garantindo que eles sejam avaliados por sua trajetória, experiência,
independência e qualidades éticas. O processo de escolha deve ser público, tal
como em um concurso, no qual o candidato a membro da Comissão se apresente
por meio de um memorial e defenda sua candidatura perante uma banca formada
por pessoas de reconhecida formação e atuação na defesa dos direitos humanos.
A Comissão da Verdade deve ser assessorada por um comitê da sociedade
civil. As organizações da sociedade civil e das vítimas devem compor um comitê
formal e efetivo de observação, acompanhamento e assessoria da Comissão da
Verdade. Considerando que a ditadura militar brasileira produziu efeitos em todo o
País, o comitê deve refletir a diversidade nacional e sua pluralidade.
Esse é um ponto muito importante com o qual termino: as Comissões sobre
as quais fizemos uma avaliação científica da real efetividade demonstraram que
quando existe a participação de vítimas no próprio comitê, existe no mínimo, no
futuro, o questionamento de imparcialidade dos seus resultados. No entanto, não há
como fazer uma Comissão da Verdade sem a participação das vítimas e dos seus
familiares. Então, um modelo interessante, que tem dado frutos, é o modelo no qual
se compõe um comitê observador que vai auxiliar no trabalho da Comissão da
Verdade. Esse comitê vai estar sempre exposto à ideia que possa ter a maior
representação e participação de vítimas e familiares de vítimas e organizações não
governamentais que estão atuando nessa área.
Eu termino aqui, peço desculpas por haver me estendido demais, e peço
também que, ao final, os senhores assistam a esse vídeo de 7 minutos.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Concedo a palavra ao Sr. Paulo
Canabrava.
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O SR. PAULO CANABRAVA - Eu falo em representação da Associação
Brasileira dos Anistiados Políticos — ABAP e também como jornalista — mais antigo
que o Raimundo.
Concederam-me só 10 minutos, então, eu escrevi o texto para me orientar,
porque, quando olhamos para esse público, é pura emoção.
Quantos anos de cárcere deverá haver aqui? Muitos séculos, milênios.
Para alegria da Comissão, elaborei um texto de 10 minutos.
A expressão latino-americana na convocação deste seminário é por si mesma
um convite à reflexão. A presença de representantes do Paraguai, Bolívia e
Venezuela nos evoca a lembrança de quanto sofreram os povos dos países desta
nossa América sob a férula do colonialismo das oligarquias escravistas, das
ditaduras civis e militares ou cívico-militares submissas a interesses estrangeiros.
O Paraguai está aqui para não nos deixar esquecer o que foi o terror de
Stroessner; a Bolívia, para nos lembrar o quão nefasta foi a participação da ditadura
brasileira para a ascensão e manutenção da ditadura de Banzer; a Venezuela, para
testemunhar como um povo farto da opressão foi capaz de liquidar com a ditadura
de Pérez Jiménez. São países cujas histórias se assemelham à história de todos os
demais países da nossa América, que têm uma história comum e haverão de
construir um futuro comum. Melhor me expressando, esta nossa América só terá
futuro unida na pátria grande sonhada por Bolívar. (Palmas.)
Nossos povos entendem o significado desse destino comum. Quando, em
1964, aqui se deu o golpe cívico-militar, nossa diáspora política se dirigiu para
países latino-americanos, notadamente Bolívia, Uruguai, Chile, México e Cuba. A
solidariedade garantiu a sobrevivência dessa gente, não só da gente brasileira. A
essa diáspora foram se somando os uruguaios, argentinos, bolivianos e chilenos, na
medida em que nossos países, vivendo essa mesma e comum história, foram caindo
sobre as botas e casacas das ditaduras.
No Encontro Latino-Americano sobre Anistia e Direitos Humanos, não
podemos deixar de lembrar, como um grito de alerta, o que foi a Operação Condor.
Recomendo a todos o livro da jornalista argentina Stella Calloni, fartamente
documentado sobre o que foi essa operação engendrada por Pinochet, que
envolveu numa santa aliança as máquinas repressivas de todos os nosso países.
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Durante décadas, nossos povos amadureceram na vivência o conceito e a
compreensão da solidariedade como valor humano e fator de sobrevivência. Não
podemos permitir nunca que esses valores se arrefeçam. Solidários na luta de
libertação, solidários no confronto com a repressão, seguimos solidários na
construção da democracia e na conquista do respeito aos direitos humanos.
Os filhos desta nossa América foram recebidos solidariamente também na
Europa, notadamente na França, Itália e Bélgica, numa Europa que ainda não era
submetida ao poder dos monopólios como o é hoje. Tão grande foi a solidariedade
do povo italiano aos brasileiros num momento e ao povo chileno noutro, que a
ditadura cívico-militar brasileira chegou a ameaçar o Estado italiano com represálias
aos italianos residentes no Brasil.
O Tribunal Bertrand Russell, que havia julgado os crimes imperiais no Vietnã,
havia sido convocado pelo Senador Lélio Bastos para julgar os crimes praticados na
ditadura brasileira e teve de incorporar também o Chile após o golpe de Pinochet.
Como admitir que seja deportado agora um cidadão italiano condenado por
suas ideias, por suas denúncias? Que moral tem o Sr. Berlusconi para pedir o
repatriamento de Cesare Battisti? Menos por dívida moral para com o povo italiano
do que por princípio moral de solidariedade, temos o dever de ser solidários e de
proteger Battisti. Não bastasse isso, temos o dever de respeitar o inciso LII do art. 5º
da Constituição de 1988, que estabelece que “não será concedida extradição de
estrangeiro por crime político ou de opinião”. (Palmas.)
Da mesma forma, também por questão moral e de respeito à história, temos o
dever de abrir os arquivos e de revelar para a Nação aqueles que cometeram crimes
de lesa-humanidade, o inafiançável e abominável crime de torturar um semelhante.
E, para pasmo de toda a Nação, a tortura continua a ser praticada nos cárceres de
muitos países, inclusive nos do Brasil, notadamente sobre pessoas de setores
marginalizados por uma sociedade que insiste em ser excludente.
Meus caros, olhar e aprender com o passado é necessário para compreender
o presente e construir o futuro. Nesse mergulho sobre nossa história, seria
irresponsável ater-se unicamente a fatos. É preciso buscar incansavelmente as
causas, os porquês, os verdadeiros responsáveis. Somente assim se poderá evitar
que nossas tragédias continuem a reproduzir-se.
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Estamos aqui para refletir sobre memória e verdade. O que se pode constatar
da história de cada um dos aqui presentes é que memória é verdade. (Palmas.)
Essas histórias reveladas é que tornarão evidentes os verdadeiros dramas dos
perseguidos políticos.
Uma das constatações derivadas da análise dos fatos contra nossos povos
nos anos de chumbo é a presença dos agentes do Império; é a promiscuidade entre
oficiais e agentes do serviço de inteligência e de repressão do nosso País com
oficiais e agentes do serviço de inteligência de potências, particularmente, dos
Estados Unidos.
Oficiais latino-americanos submetem-se ao Estado-Maior estadunidense,
oficiais de nossos países seduzidos durante cursos nos Estados Unidos, agentes e
funcionários seduzidos durante cursos em que são submetidos a verdadeiras
lavagens cerebrais; onde aprenderam técnicas de tortura; onde aprendem as
técnicas de repressão a movimentos sociais.
Numa reflexão sobre os direitos humanos, não se pode deixar de dar, ainda
que rapidamente, uma olhada naquela que é uma das principais características da
conjuntura mundial. Em todo o mundo, o poder concentra-se a cada dia em um
número menor de mãos. As megacorporações transnacionais abarcam hoje toda a
gama de atividade humana, tanto na área da produção, quanto na de serviço. Como
polvos gigantescos, vão estendendo seus tentáculos, promovendo fusões,
comprando tudo. Informação, assim como os produtos de entretenimento, foram
transformadas em commodities. A informação deixou de ser entendida como serviço
para atender ao direito humano de ser informado; virou produto para ser
monopolizado e vendido para se obter lucro.
Os meios de comunicação deixam de ser serviço público e transformam-se
em poderosas máquinas de manipulação psicossocial colocadas a serviço dos
grandes conglomerados empresariais. Todos os dias vemos notícias sobre novas
fusões e aquisições por parte desses grandes conglomerados empresariais.
E aqui cabe destacar que, no afã de lucro, essas empresas estão
promovendo em nossos países uma ampla campanha pela desregulamentação total
de nossos Estados. Nossas leis atrapalham suas estratégias de maiores lucros.
Nossa legislação trabalhista, que garante conquistas dos trabalhadores, como a de
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jornada de 8 horas, licença-maternidade, décimo-terceiro, tudo isso é fator que
diminui o lucro e precisa ser abolido.
Aceitar as teses de que nossas leis e regulamentos impedem o
desenvolvimento é dobrar-se aos interesses das grandes corporações. Não nos
esqueçamos de que já tivemos taxas de desenvolvimento das mais altas do globo,
com todas essas leis em vigência.
Agora mesmo, setores da indústria estão trabalhando a plena capacidade,
mas elas querem mais lucro. Com ações espalhadas por todas as bolsas do mundo,
essas megaempresas sem pátria têm como prioridade tão somente lucros,
dividendos, royalties. Os direitos de cidadania constituem obstáculo à sanha
predadora, ao afã de lucro, de multiplicação do capital para saciar a fome por novas
aquisições e fusões.
Contra essa sanha desregulamentadora, precisamos de um esforço de toda a
Nação pelo império da lei. Nossas leis são boas, a começar pela Constituição cidadã
de 1988.
Vale lembrar que cidadania se constrói respeitando-se o direito dos outros,
que democracia se constrói por meio de regras de convivência, ou seja, democracia
se constrói respeitando-se as leis. É preciso, portanto, que se conheçam as leis e
que sejam respeitadas. Desrespeitar as leis é fazer o jogo da antipátria.
Com relação à nossa Lei de Anistia, todos aqui somos testemunhas de que
ela é fruto da árdua luta dos ex-presos e perseguidos políticos e da solidariedade do
nosso povo. Sem dúvida, é uma boa lei, apesar das críticas. O que falta é
unicamente seu estrito cumprimento. A busca de argumentos que tergiverse o
espírito da lei é o mesmo que descumpri-la. É preciso manter a mobilização para
garantir o estrito cumprimento da lei. A anistia não estará completa enquanto não se
fizer justiça a todos os injustiçados.
Para finalizar, resumindo ao extremo, os grandes obstáculos à plena vigência
dos direitos humanos: temos, de um lado, a ação predadora das empresas e das
oligarquias; de outro lado, a promiscuidade entre nossas Forças Militares, de
inteligência e civil, com os agentes das potências cujos governos estão submissos
aos interesses das megacorporações e dos senhores de todas as guerras. Em
muitos de nossos países, avançamos no resgate das populações excluídas e na
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construção da democracia. E, talvez, por isso mesmo, as ameaças ao Estado de
Direito continuem.
Não podemos baixar a guarda.
A luta continua! (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - O Prof. Khatchik precisar pegar
seu voo. Se ele não falar, seremos prejudicados.
Há um documentário. Vamos ouvir o Prof. Khatchik. Depois, passaremos o
documentário para os que estão na quinta Mesa, cujo tema é Tortura e genocídio.
Esse documentário sobre genocídio vai ser passado depois da palavra do Prof.
Khatchik Derghoukassian.
Convido para compor a Mesa o Professor Khatchik Derghoukassian,
Professor
e
Assistente
do
Departamento
dos
Estudos
Internacionais
da
Universidade de Miami, nos Estados Unidos, e da Universidade de Santo Andrés,
Buenos Aires, Argentina (palmas); a Sra. Rose Nogueira, representante do Grupo
Tortura Nunca Mais, de São Paulo; o Sr. Jarbas Marques, jornalista e torturado
político (Palmas.)
Concedo a palavra ao Professor Khatchik Derghoukassian.
O SR. KHATCHIK DERGHOUKASSIAN (Exposição em espanhol. Tradução
simultânea) - Muito obrigado por me convidarem para esta Conferência. É uma
grande honra para mim falar em Brasília. E, desde já, peço desculpas por não poder
dominar o idioma para falar em português com vocês, em Brasília, no Brasil. Mas
espero que algum dia o portunhol seja o idioma das nossas Américas, e aí nos
entenderemos como irmãos na luta.
Gostaria de começar agradecendo ao Deputado Luiz Couto, à Marisa por tudo
que têm feito para
tornar realidade essa questão. Agradeço também ao
companheiro Simão de Miriam, que fez o contato com o Deputado e D. Marisa.
A ditadura no Brasil, a ditadura na Argentina, no Chile, no Uruguai, no
Paraguai e demais países latino-americanos, nos anos 60 e 70, toda a repressão
que sofriam os nossos povos, forma parte de um século que foi caracterizado, por
historiadores, por analistas e lutadores dos direitos humanos, como o século dos
genocídios.
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O ciclo dos genocídios nos impõe um olhar globalizado para ver o sofrimento
de diferentes povos, para ver como esses sofrimentos nos têm que solidarizar, unir
para que o século XXI seja um século sem genocídios, sem violações de direitos
humanos, um século para o progresso verdadeiramente falando.
O longo episódio de genocídios no século XX começou em 1915, no exImpério Turco-Otomano, quando, na Primeira Guerra Mundial, entre 1915 e 1918,
1,5 milhão de armênios que viviam nas suas terras ancestrais foram massacrados,
deportados e exterminados.
Naquele momento, os aliados da Alemanha que combatiam na Turquia
caracterizaram o extermínio dos armênios como crime contra a humanidade. E, uma
vez que acabou a guerra, estabeleceram-se tribunais em Istambul para julgar os
responsáveis do governo dos jovens turcos que haviam caído em Istambul naquele
momento.
Lamentavelmente, esse processo judicial não chegou a sua conclusão pelas
circunstâncias geopolíticas, pelos interesses dos países colonizadores e dos países
imperialistas.
Além disso, quando em 1923, fundou-se a República da Turquia, continuou
toda uma engenharia social para “turquificar” o território, e foram vítimas outras
minorias, como gregos, judeus, sírios e até mesmo curdos.
As terras ancestrais dos armênios foram esvaziadas da sua população, de
seus habitantes, e anexadas ao que hoje forma a República da Turquia. Foi nessas
mesmas terras, ao longo do século XX, que se seguiu o genocídio, tratando de
eliminar todas as impressões culturais de uma civilização milenar para "aperfeiçoar",
entre aspas, o crime. Por outro lado, impuseram um silêncio sobre esse crime, não
se falava nele.
As circunstâncias das guerras, logo após a Guerra Fria, e, sobretudo, a
aliança da Turquia com OTAN, Estados Unidos e demais países fizeram com que o
genocídio dos armênios fosse um genocídio esquecido.
Recentemente, em 1944, o jurista polonês Raphael Lemkin, cuja família havia
sido exterminada em Auschwitz, fez uma reflexão sobre o destino trágico dos judeus
na Europa e sobre seu extermínio nos campos de concentração. Ele tomou para si o
conceito de genocídio para caracterizar um plano estatal que propõe como objetivo o
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extermínio de todo um grupo de populações. Nas palavras de Raphael Lemkin, o
extermínio dos armênios no Império Otomano, na Primeira Guerra Mundial, constitui
o primeiro genocídio do século XX.
Hoje sabemos que essa tem sido uma prática histórica de todos os tempos,
por distintas e diferentes motivações. Mas jamais o genocídio atingiu um grau de
barbárie e banalização como no século XX, quando a prática se racionalizou com
argumentos nacionalistas e racistas, e inventou-se a indústria do extermínio.
Marchas forçadas ao deserto para os armênios, campos de concentração,
câmaras de gás para os judeus, câmaras de tortura e, por fim, a limpeza étnica, tudo
isso foi concebido desde os Estados para extermínio de grupos inteiros e completos.
Sabemos também hoje que cada genocídio tem sua particularidade e
singularidade. Todos eles estão vinculados, e por duas razões. Primeira: porque os
verdugos, os genocidas aprendem uns com os outros. Segunda: porque todos os
genocídios têm consequências a longo prazo para toda a humanidade a para todos
os povos.
O genocídio dos armênios foi o elemento mais visível, mas não foram
somente os armênios vítimas da engenharia social dos turcos. Gregos, assírios,
árabes, judeus e curdos também foram vítimas. Oficiais alemães, na Primeira Guerra
Mundial, foram testemunhas deste genocídio. Logo, assessoraram Hitler, quando,
em 1939, Hitler ordenou às infames SS que exterminassem os judeus. Na sua
declaração, há uma frase histórica: “Quem hoje se lembra dos armênios?” Em outras
palavras: se um genocídio fica impune, esse genocídio abre espaço para outros
genocídios — e assim deu-se o holocausto.
O genocídio pode ser visto nos discursos, desde o genocídio dos armênios
até o holocausto, até Camboja, na década de 70, e todas as ditaduras na América
Latina. Vemos que todos justificam com as mesmas palavras, com os mesmos
conceitos e todos desumanizam as vítimas. As vítimas não são humanas, são
pessoas que têm que desaparecer, que temos de matar, que não têm direito de viver
para que realizem seus projetos e consolidem seus próprios interesses.
É claro que, quando falamos dessa aprendizagem dos verdugos, não
podemos deixar passar batido o que aconteceu com a nossa América Latina, nos
anos 60 e 70. Por acaso não foram os oficiais franceses dos tempos das colônias
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que torturaram na Indochina, na Argélia e vieram até aqui assessorar os militares
argentinos e brasileiros, ensiná-los as táticas da contrainsurgência e como fazer com
que as vítimas falassem? Não foi a infame Escola das Américas que preparou todos
aqueles que, voltando a esses países, iriam cometer violações dos direitos
humanos? Acaso a ditadura argentina não aprendeu de Pinochet e quis fazer tudo
em segredo, cinicamente fazer desaparecer para que o mundo não se desse conta,
não percebesse o que estava acontecendo na Argentina, durante o processo de
1976 até 1982?
Quanto às consequências a longo prazo para toda a humanidade, eu acredito
que o mais importante é que ainda não existe um consenso global, firme e concreto,
uma postura intransigente frente ao genocídio, para dizer “não, nunca mais, a essas
práticas”, nem internamente, nem internacionalmente.
Claro que, desde Nuremberg, desde a exemplar condenação e reparação do
holocausto, existe sim um progresso na luta contra a prática social do genocídio,
mas, mesmo assim, logo depois do holocausto o mundo foi testemunha de outros
genocídios no Camboja, do massacre dos palestinos nos campos de refugiados no
Líbano, em 1982, em Sabra and Shatila. Claro que, quanto a todas as ditaduras na
América Latina, ainda existem aqueles hoje que questionam, que não querem falar
de genocídio nesses países. Mas é claro que há gente que fala disto, da limpeza
étnica dos Bálcãs no momento em que a televisão a cabo mostrava ao mundo o que
acontecia, de Ruanda, em 1994, frente à indiferença do mundo todo. Por fim, neste
momento em que estou falando aqui agora, em Darfur, há um genocídio que está
acontecendo.
Sem um consenso global para isso nunca mais ocorrer, a ameaça do
genocídio vai estar sempre presente na humanidade. Seria bastante lamentável se
algum povo, alguma sociedade pensasse que isso aqui não pode acontecer, que
nós não somos capazes de fazer essas coisas. O genocídio é uma prática social
que, se não estivermos em alerta contra ela, se não estivermos conscientes de que
isso pode acontecer, pode nos abater também a qualquer momento.
Lembrem-se desse famoso poema que nos dizia:
“Um dia vieram e buscaram o meu vizinho. E o meu
vizinho era judeu, então, eu não fiz nada. Outro dia vieram
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buscar o meu outro vizinho que era comunista. Eu não era
comunista, então, também não fiz nada. E, assim, quando
me buscaram, não havia ninguém que fosse solidário
conosco.”
Os povos, as vítimas desses genocídios, os vulneráveis que somos nós,
temos que aprender muito para saber ser solidários e para lutar por um mundo
melhor, mais justo e mais igualitário.
Necessita-se, então, de uma grande solidariedade entre os povos vítimas do
genocídio, porque ainda existem duas práticas importantes. A primeira é a
impunidade. A segunda é a negação e o esquecimento. Impunidade. Há impunidade
quando se comete o genocídio e não há justiça, não há reconhecimento, não há
castigo aos genocidas. Então, esses genocidas algum dia vão voltar a cometer
essas torturas, essas violações dos direitos humanos. Negação é simplesmente a
política de dizer que isso não aconteceu, que foram assuntos isolados, que de toda
maneira não havia intenção. Em outras palavras, negar, mentir, relativizar, banalizar
os crimes de lesa-humanidade. Essas duas práticas não têm que acontecer. Essas
duas práticas não têm que ser políticas de Estado, mas lamentavelmente hoje em
dia essas políticas continuam.
Com certeza temos avançado muito. Isso é certo. Há uma convenção contra o
genocídio nas Nações Unidas; há uma Corte Penal Internacional nos Balcãs; em
Ruanda há tribunais que se estabeleceram; na África do Sul há uma Comissão de
Justiça e Verdade; na Argentina buscaram os genocidas e os julgamentos
continuam, a luta pela justiça continua. Vai haver uma Comissão de Justiça e
Verdade em todos os países latino-americanos. Mas não podemos nos esquecer
que, se não seguirmos nessa luta, se não estivermos firmes para criar um
mecanismo contra o genocídio, o genocídio vai voltar a golpear qualquer país,
qualquer sociedade, qualquer povo.
Não se esqueçam de que o Fiscal da Corte Penal Internacional, Luiz Moreno
Ocampo, lançou uma ordem de prisão contra o Presidente do Sudão, que comete
genocídio contra os povos de Darfur. E há muitas grandes potências que apoiam o
Sudão, começando pela Turquia, o que não é nenhuma casualidade. Um país que
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cometeu genocídio e que hoje nega o genocídio está protegendo, está defendendo
outro genocídio.
E mais: quando em Darfur se cometiam essas atrocidades, quando em Darfur
o genocídio começava, a administração de George Bush, em duas oportunidades,
publicamente disse que era um genocídio. Mas, logo que o Presidente do Sudão
lhes abriu o país para essa guerra chamada “guerra contra o terrorismo”, os Estados
Unidos se esqueceram de que havia um genocídio. Em outras palavras, falou-se em
genocídio, mas não houve uma postura firme para as consequências, para intervir,
para impedir que esse genocídio continuasse. E aqueles que banalizam o genocídio
são tão culpáveis quanto os que o cometem. (Palmas.)
Nessa circunstância, precisamos estar conscientes também quanto ao
negacionismo do genocídio. Necessitamos não somente de leis que reconheçam o
genocídio, mas também precisamos de leis que penalizem aqueles que negam o
genocídio. Vou trazer aqui o exemplo da França, da Suíça, de todos aqueles países
que têm nas suas leis o exemplo da Argentina e do Uruguai, que reconheceram por
lei o genocídio dos armênios, e que hoje fazem frente a uma onda de negacionismo
que vem da Turquia. Esperamos que um dia o Brasil se some a esses países, que
tenha leis de reconhecimento ao genocídio, de reconhecimento a todos os
genocídios, e penalize aqueles que negam o genocídio.
Quando falamos da luta contra o negacionismo, da luta contra a impunidade,
não estamos falando de alentar o ressentimento ou provocar revanchismo,
vinganças. Não, esse não é o espírito dos justos. Ao contrário, pedir perdão, reparar
os crimes de lesa-humanidade abre caminho à reconciliação na justiça e na
convivência, na paz entre os povos, e para uma mesma sociedade.
Nesse sentido, é muito importante o exemplo de Willy Brandt, ex-Conselheiro
da Alemanha, que ficou de joelhos em Auschwitz e pediu perdão. É exemplar a
Alemanha, cujo povo se arrependeu, e hoje em dia é um dos primeiros a lutar contra
o antisemitismo, é o primeiro a dizer "nunca mais ao holocausto", nunca mais um
genocídio pode ocorrer na Alemanha.
É muito alentador o exemplo de intelectuais turcos, como o Prêmio Nobel de
Literatura Orhan Pamuk, como o historiador Taner Akçam, que tiveram coragem, em
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seu país, apesar de serem perseguidos, de declarar que ali viviam 30 mil curdos e
1,5 milhão de armênios, que hoje não estão mais lá. O que aconteceu com eles?
Questionar essas práticas e exigir justiça. Somente a justiça, a realização da
justiça pode levar uma sociedade a pensar que vai progredir, que não se vão
cometer os mesmos equívocos que foram cometidos no passado. Essa lição
aprendemos muito bem na Argentina. Na Argentina, apesar das tentativas de
terminar com a justiça contra os repressores do processo de reorganização nacional,
esses processos continuaram, e a justiça continua com seu curso firmemente, e vai
continuar seu curso até as últimas consequências.
É tempo de se reconhecer internacionalmente o genocídio como a máxima
prática social que viola o primeiro e mais sagrado dos direitos humanos, o direito à
vida. E é o direito à vida de todo um grupo, de todo um povo, de toda uma nação.
Na nossa América do Sul, países como Argentina, Brasil, Uruguai e Chile,
desde que regressaram à democracia, têm mostrado uma admirável firmeza na
defesa dos direitos humanos. Eles têm realizado aportes intelectuais fenomenais
para as lutas pelos direitos humanos, como, por exemplo, o conceito do direito à
verdade, que foi uma criação argentina; como, por exemplo, a proposta de expandir
os direitos humanos para incluir direitos sociais e econômicos como direitos
humanos. Esses países podem e devem assumir um papel de liderança na
promoção de um universal “nunca mais ao genocídio”, para que, se o século XX foi o
século dos genocídios, o século XXI veja uma história que não seja escrita pelos
poderosos, que muitas vezes são genocidas, são negacionistas, para que tenhamos
uma história escrita pelos justos. Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Obrigado, Professor Khatchik
Derghoukassian. Sei que V.Sa. tem que partir, então está autorizado. Muito
obrigado.
Agora, vamos exibir um documentário sobre o genocídio. Sua duração é de
10 minutos. Mas antes convido a Sr. Rose Nogueira a compor a Mesa.
(Exibição de vídeo.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Bem, tivemos um problema
com o vídeo. Ele está travando. É um problema técnico.
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Em todo caso, temos amanhã o dia todo, então podemos verificar esse
problema. A questão agora é o tempo dos expositores, pois a Dra. Rose tem de
viajar também. O que ocorreu foi uma questão técnica, repito. Parece que o vídeo
tinha alguma problema. Vejam que houve momentos em que não se compreendia
mais aquilo que estava sendo dito.
Vou passar a palavra à Sra. Rose Nogueira, representante do Grupo Tortura
Nunca Mais, de São Paulo.
A SRA. ROSE NOGUEIRA - Boa tarde, companheiros. Ainda hoje, nós
ficamos chocados com o que aconteceu ao povo armênio na Turquia. Aquilo foi um
genocídio e um horror. Acho que todos devemos reverenciar esse povo. Aqui no
Brasil, pelo menos em São Paulo, temos uma colônia armênia. Eles estão na cidade
de Osasco, no bairro de Pirituba, perto do Tietê, no que já se chamou Ponte
Pequena. A comunidade armênia é da maior simpatia, trabalhadora, intelectual. Ela
é fantástica.
Mas temos que falar do Brasil também. Embora a ditadura faça 45 anos, de
1964 até hoje, ainda não podemos esquecer o que ela fez a quem resistiu a ela.
Também não podemos nos esquecer do que veio anteriormente.
Devemos lembrar, ainda, a primeira vez em que, desde 1500 até 2001 ou
2002, o Brasil colocou torturador na cadeia. Nós devemos isso à Juíza Kenarik, que
— vejam a história — é de família turca. Após 501 anos, ela foi quem colocou os
primeiros torturadores brasileiros na cadeia.
Não podemos nos esquecer do genocídio dos nossos índios, que também foi
um dos maiores da história da humanidade. Não podemos nos esquecer do que foi a
escravidão, outra mancha terrível na nossa história, um crime de lesa-humanidade.
Temos de lembrar da escravidão e do genocídio dos índios para falar da
cultura da tortura que, muitas vezes, acontece no Brasil, da tortura que aconteceu
ontem, em São Paulo, no Rio de Janeiro ou em qualquer lugar do País, porque
temos certeza de que ela aconteceu.
Por exemplo, existe um livro chamado História para Crianças, da Editora
Scipione, que agora foi comprada por uma das grandes, que não sei qual é. Ele
conta história do País, e são não historiazinhas. A ilustração da capa é um negro no
pau de arara; o mesmo pau de arara que pegamos no DOPS ou no DOI-CODI; o
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mesmo pau de arara que, no Estado Novo, foi usado contra os companheiros
resistentes da época; o mesmo pau de arara; o mesmo pau de arara que existe nas
delegacias comuns. Ele já era usado contra os negros, como mostra a capa de um
livro de história.
Nós vimos aqui falar de tortura. Eu sou do Grupo Tortura Nunca Mais, de São
Paulo, do qual fui presidenta por 4 anos e agora sou diretora. O nosso Presidente é
o Carlos Gilberto Pereira, o Carlão, que estava aqui, agora há pouco.
Lembrando aquela época, os tempos de agora e toda da história do Brasil, eu
marquei para começar a falar que o Grupo Tortura Nunca Mais foi fundado em
1976, depois da morte do Manoel Fiel Filho, seguida da morte de Vladimir Herzog,
que foi meu colega na TV Cultura — sou jornalista —, foi meu diretor e meu
professor de cinema. Dele até hoje sinto uma saudade terrível. Em 1969, também fui
presa política. Fui presa no dia em que assassinaram da maneira mais covarde e
sem vergonha o grande líder Carlos Marighella — e vejo que está aqui presente o
Carlinhos. (Palmas.)
Embora homenageie o Comandante Carlos Marighella, este seminário
recebeu o nome de outro herói brasileiro, o qual também tive a felicidade, a honra e
o privilégio de conhecer e de ser amiga: Manoel da Conceição, que está presente.
Ajudei a fazer seu processo de anistia. Sua história é uma das mais lindas do Brasil.
Nesta Comissão já foi dito, e é verdade — e o Dr. Paulo Abrão tem razão
quando o diz —, que já existe um caminho trilhado na Comissão de Anistia, que são
os históricos dos nossos processos. Nesses históricos, cada um apresenta a sua
história. Portanto, a história está lá, contada por nós, segundo o nosso lado. E
precisamos resgatar todo aquele trabalho; precisamos valorizá-lo. Os historiadores
precisam pesquisar o que já existe acumulado na Comissão de Anistia, porque isso
é a história contada do nosso lado, dentro de cada processo.
Quando se fala em Comissão da Verdade — e dirijo-me à Beca, Beatriz
Afonso, e ao Dr. Marlon, maravilhosos —, quero dizer que estamos juntos nessa
luta. Acabamos de fazer um curso no Rio de Janeiro sobre justiça de transição. Uma
comissão da verdade normalmente acontece no fim de um sistema. E ficamos
pensando sobre o que aconteceu no Brasil. Será que mais uma vez seremos
originais?
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Em 1985, quando Tancredo Neves foi eleito indiretamente e não pôde
assumir porque morreu, e assumiu o Sarney, de qualquer maneira assumiu um
Presidente civil. A primeira eleição é de 1989. Já fazia 10 anos da primeira Lei da
Anistia, datada de 1979, a tal lei que fala em crimes conexos. Infelizmente, de
maneira capciosa e desonesta, há pessoas que pensam que, ao se falar em crimes
conexos, refere-se aos torturadores. Isso é uma loucura! Deveria haver uma
conexão obrigatória entre as pessoas presas, torturadas, mortas, sequestradas e os
seus algozes? Defender essa ideia é uma loucura, não podemos aceitá-la de modo
algum.
Quero lembrar que existe no STF uma representação da OAB, por meio da
qual pergunta se os torturadores estão ou não anistiados naquela lei. Talvez isso
seja julgado ainda este ano. Não podemos deixar que sejam anistiados, temos de
nos mobilizar contra tal afronta. Os advogados que estão aqui sabem que, se o STF
se pronunciar daquela maneira, assim será para sempre.
Não podemos permitir que isso aconteça. Há pouco, fazendo-me uma
pequena advertência, um companheiro disse-me que estava surdo devido às
torturas. Eu gostaria até de pedir-lhe desculpas. Pensei até ser genocídio, pois a
Comissão da Verdade também trata de genocídio, companheiro Augusto Portugal.
Eu fiquei estéril. Outras pessoas tiveram outros problemas. Isso tem de ser
perdoado? Tem de ser anistiado? Nós estávamos em poder do Estado, assim como
continuam em poder do Estado os presos de hoje.
Os senhores devem ter assistido pela TV Globo, no programa Fantástico, de
domingo passado — até a TV Globo ficou muito indignada, como ficaram depois as
outras TVs —, um vídeo de Santa Catarina, dentro do Presídio de Tijucas, onde três
torturadores maltratam, quase mataram, três pessoas dentro de um banheiro,
enquanto três funcionários assistiam à cena. Creio que todos viram a reportagem —
estou vendo pessoas fazendo sinal positivo com a cabeça. O que aconteceu em
Santa Catarina? Nada. O Governador simplesmente afastou do trabalho um dos
torturadores. Os outros continuam trabalhando. Todos os funcionários do presídio
continuam trabalhando.
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Segundo a TV Record, uns dois dias depois, aquele vídeo passou a ser
utilizado como treinamento para os novos funcionários do presídio, no tratamento
dos presos. Isso significa que a tortura, bárbara e terrível, continua.
É essa cultura da tortura que temos de combater. Ela só vai acabar na hora
em que responsabilizarmos torturadores. Quando os torturadores da FEBEM foram
para a cadeia, o Governo do Estado de São Paulo mobilizou-se muito rapidamente:
montou a Fundação Casa e nos chamou, nós, defensores dos direitos humanos,
para mostrar até o projeto arquitetônico de cada casa, onde esses meninos iam
dormir, etc. e tal. Não se trata de uma mentalidade revanchista, vingativa, nada
disso. É uma mentalidade de justiça. Temos de lembrar que todas as comissões de
verdade têm que se chamar verdade, justiça e, depois, reconciliação. Não existe
reconciliação sem justiça.
Há pessoas que dizem: “A Alemanha se encontrou com uma comissão da
verdade e, depois, houve a reconciliação.” Não! Quem falou isso? A Alemanha
montou o Tribunal de Nuremberg. O mundo inteiro montou o Tribunal de Nuremberg.
O que seria da Alemanha sem o Tribunal de Nuremberg? Como a Alemanha se
encontrou? Todo mundo está até agora falando do muro, mais de vinte anos depois.
Como o país se encontrou?
Eu estava na Alemanha um mês antes da queda do muro. Eu me lembro de
que, na parte ocidental de Berlim, numa espécie de provocação, transformaram o
Teatro Schiller — um dos maiores poetas e dramaturgos da humanidade — em
supermercado. Era algo que atraía, como se fosse atrair o outro lado. Era como a
Coca-Cola, era como o chiclete. Era o espelhinho de índio. Eu não vou alongar-me
nisso, mas é preciso dizer que, para o povo alemão, a situação foi e ainda é muito
difícil. Sente-se muita vergonha. É muito complicada a situação.
A tortura é um crime de lesa-humanidade. Ela é imprescritível, não tem prazo.
Por exemplo, no processo do Manoel Fiel Filho, uma juíza disse: “Mas isso já faz
tanto tempo!” Assim como os armênios: “Mas isso já faz tanto tempo!” Também faz
tanto tempo a catequização dos índios, faz tanto tempo a escravidão: “O que nós
temos a ver com isso?” Nós temos tudo a ver com isso, porque nós temos tudo a ver
com os dias de hoje.
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Eu gostaria de falar rapidamente sobre o Estado terrorista da ditadura — era
um Estado terrorista — e da nossa parte. O que nós fizemos foi a resistência, a luta
pela resistência. Eu gostaria de dizer isto a todos, a quem participou de lutas
específicas, a quem participou de lutas ativas: quem fez a luta armada contra o povo
brasileiro foi a ditadura, e nós resistimos de todas as maneiras que pudemos.
Vou lembrar, também, que em 1964 foram perseguidos os antigos líderes.
Cito, por exemplo, lá em São Paulo, todos os líderes sindicais dos anos 40 e 50 que
estavam fichados no Estado Novo, mesmo aposentados, todos os chefes de
associações profissionais e os seus funcionários. Todos foram presos. Lembro-me
da D. Ivone, que ficou sete meses no porão do navio Raul Soares. Ela teve
problema de vista, depois de ter vivido sete meses na escuridão. D. Ivone era
somente secretária da Associação dos Bibliotecários.
Existia a luta ativa, sim, porque nós tínhamos que lutar, tínhamos que resistir
e queríamos resistir. Nós não aceitamos a ditadura. Por quê? Porque existe o direito
de resistência na humanidade. Esse direito é bíblico, é universal, está na lei
brasileira. Ele faz parte da Declaração dos Direitos Humanos de 1948. Ele está na
Bíblia, naquela história que todo mundo conhece desde criança, a história de Davi
contra Golias. É preciso resistir. E quem resiste vence.
Vou falar rapidamente sobre o tema, devido ao tempo.
Em 1964, como nós já vimos, todas as lideranças foram presas. Em 1967 e
em 1968, o movimento estudantil foi surgindo nos Estados, de maneira distinta em
cada Estado. No Estado de São Paulo houve algo muito interessante: a chegada da
primeira geração de filhos de imigrantes à Universidade de São Paulo, à
aristocrática USP, com o seu francesismo. Chegaram filhos de japoneses, italianos,
espanhóis, portugueses, armênios, alemães, franceses. Chegaram de todo o
mundo. São Paulo é composta de todas as nacionalidades. Era a primeira vez que
filho de operário chegava à universidade. Essa é a geração de 1968 em São Paulo,
a que foi para as ruas, e assim por diante.
Devido ao tempo, vou ser ainda mais sucinta.
Depois vamos chegar a várias outras lutas ao longo desse tempo. Em
seguida ao movimento estudantil, houve toda essa resistência. Uma grande parte
achou que era necessário, depois do Ato Institucional nº 5 ou um pouco antes,
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devido à maneira como a ditadura crescia, resistir com armas também. Por que não?
Eles estavam armados contra nós, eram eles que estavam armados. Cada um aqui
lembra o que é ter a casa invadida pelo Esquadrão da Morte. Eu me lembro disso
até hoje, não consigo esquecer um detalhe, a começar pelo Delegado Fleury, o
chefe do Esquadrão da Morte, que tirou do meu dedo a minha aliança de casamento
e pôs no bolsinho da calça dele. Era ladrão também, um ladrãozinho nojento.
(Palmas.) Aquela foi a primeira coisa que ele fez.
Todos se chamavam Luisinho, Nelsinho, Fininho: era tudo diminutivo, porque
eram homens pequenos, eram diminutivos mesmo! Grandes somos nós, que
estamos aqui até hoje. Grandes somos nós, que, com tudo isso, conquistamos a
democracia. (Palmas.)
Depois do Ato nº 5, já em 1969, começavam algumas ações armadas. A
repressão veio violentíssima. A história, todos nós a conhecemos. A repressão
causou tantas mortes, tantos sequestros... E eles sabiam que nós nem éramos
tanto.
É preciso levantar também, numa provável Comissão da Verdade, as
empresas que financiavam os torturadores. Nós sabíamos que eles ganhavam por
preso. Quanto mais presos, mais ganhavam. E ganhavam ainda mais, se os presos
fossem importantes. Se o preso não fosse importante, eles o faziam importante.
Nós fizemos a resistência que pudemos. Eu gostaria de lembrar isto: a
existência da resistência brasileira, da qual todos aqui fazem parte.
Nos anos 70, ainda vamos encontrar muita coisa. Houve o aparecimento de
vários movimentos sociais: movimentos contra a carestia, movimento do custo de
vida, movimento dos professores. Em 1969, com o Ato nº 5, o Coronel Jarbas
Passarinho, que assumiu a Pasta da Educação pedindo perdão por não entender
nada de educação, fez o seguinte, a mando dos seus chefes: “Vamos acabar com o
ensino crítico no Brasil.” Como resultado disso, assim como a tortura de hoje é
herança daquela época, há a educação de baixo nível. É por isso que um menino de
14 anos hoje não sabe ler. (Palmas.) Esta é uma herança horrível da ditadura:
transformar o estudo de filosofia, sociologia, história, geografia, tudo em OSPB. Foi
assim que as crianças estudaram, e até hoje essas disciplinas não são valorizadas.
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Lembro-me de que, quando eu estava na prisão, soube de alguns professores
do Colégio de Aplicação da USP que insistiram em dar a cadeira de História Geral.
Falaram de Catarina de Médici, da Idade Média, da Europa, dos feudos. Como
aprendemos! Contudo, eles foram presos por isso, foram processados.
Portanto, temos de combater também essa cultura. Assim como se combate a
tortura, temos que lutar por um nível melhor de educação. Não basta falar isto: “A
saída é a educação.” Não se trata somente disso. A saída é a educação? É claro
que sim, mas uma boa educação. Como estão os nossos jovens? Por exemplo,
agora que o nosso País está num momento interessante e bom, como está a nossa
mão de obra? Como é a qualificação em todos os sentidos? Como estão os
professores? Acho que temos de examinar essa questão bem profundamente, talvez
fazer outro seminário sobre heranças da ditadura, além de abrir os arquivos.
Estou sendo advertida quanto ao tempo. Desculpem-me delongar-me no
tempo.
Eu já falei do caso de Santa Catarina, mas ainda tenho que falar disto: saiu no
jornal desta semana, no dia 15, um depoimento do Coronel Ustra, que foi declarado
torturador pela Justiça. Por causa do nosso trabalho aqui, ele foi depor no Ministério
Público Militar. Ele negou tudo, disse que é tudo mentira nossa, que nós somos
loucos. Isso saiu no jornal. Nós temos que nos mobilizar também contra isso! Sabem
quantos morreram durante o período em que ele foi comandante do DOI-CODI de
São Paulo? Sessenta e sete, grande parte desaparecida até hoje.
No dia 5, em São Paulo, vamos homenagear o companheiro Bacuri, Eduardo
Leite. (Palmas.) Ele morreu no DOPS. Arrancaram os olhos dele porque — alguém
disse — ele tinha uma mira muito boa. Eduardo Leite era jovem, marido da Denise
Crispim, genro do José Maria Crispim, da grande encarnação Crispim, companheiros
do Partido Comunista Brasileiro. Como um homem como o Coronel Ustra chega lá e
diz que isso é mentira?
Certa vez, uma moça falou-me: “Conheço um general que disse que vocês
estão mentindo.” Respondi: “Diga-lhe que, se for homem, venha falar isso olhando
nos meus olhos”. Estou esperando-o até hoje, e isso já faz uns dois anos.
(Intervenção fora do microfone. Inaudível.)
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A SRA. ROSE NOGUEIRA - Exatamente, a morte do pai, o Ivan Seixas, que
é nosso companheiro de São Paulo. Preciso contar essa história. Ele já contou na
TV, mas é preciso repetir, repetir, repetir. Nós precisamos saber disto. O Ivan Seixas
tinha 16 anos. Ele era filho do Joaquim Seixas. Levaram o Ivan para dar uma volta
de carro, na rua — essas coisas que eles faziam — para que o Ivan visse um jornal.
Compraram um jornal, a Folha da Tarde, e deram-no para ele. O pai do Ivan fora
acusado de assassinar o empresário Henning Albert Boilensen, existe um filme
sobre isso. Qual era a capa do jornal? A manchete dizia: “Morto o assassino de
Boilensen”. E havia a foto do Joaquim Seixas. Deram o jornal para o filho dele, de 16
anos! Acontece que o pai dele estava vivo. Joaquim Seixas ainda ficou vivo mais um
dia. O Ivan Seixas soube da morte do pai pelo jornal. Assim ocorreu a morte de
Bacuri, que foi divulgada pelo jornal um ou dois dias antes de o matarem no DOPS.
O Joaquim Seixas foi preso na Operação Bandeirantes, no DOI-CODI. Sobre essas
coisas nós temos que falar. É sobre isso que trata a anistia.
Eu só falei das várias lutas, mas ainda não cheguei a 1978, na maravilha que
foi o levantamento, com as greves do ABC em todo o País.
(Palmas.)
Quero dizer aos companheiros sindicalistas que, mais do que sindicalistas,
mais do que anistiados, mais do que tudo, eles são nossos companheiros de
resistência, são uma peça fundamental na resistência brasileira contra a ditadura. É
assim que eles têm que se olhar no espelho. São heróis. É isto que eles têm que
dizer ao companheiro ao lado: “Nós fizemos parte da resistência, não estamos só
em uma luta sindical por 2%, naquele momento em que começava a inflação, ou
10%. Não é isso, nossa luta não foi essa. Nossa luta foi política dentro das greves.”
Digo isso porque também sou dirigente sindical, sou Diretora do Sindicato dos
Jornalistas, e era naquela época também. (Palmas.)
Como dirigente sindical, eu gostaria de dizer aos companheiros sindicalistas
que eles não são sindicalistas: eles são heróis da resistência. É assim que eles têm
que ser vistos, como todos os outros. E todas as vezes que discutirmos esse
assunto, é assim que temos que pensar de nós mesmos. Nós temos que levantar
nossa autoestima.
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Quero chegar à luta de massas. Nós fizemos todos os tipos de luta. A
resistência brasileira fez todos os tipos de luta e chegou à luta de massas, que foi a
Diretas Já. Nós conquistamos a democracia, não a perdemos. Quem fala que nós
perdemos é maluco. Nós ganhamos, basta olhar em volta. Ela ainda precisa ser
aperfeiçoada, com todos os seus problemas, mas é o melhor dos regimes
imperfeitos. Nós temos que estar todos os dias, no nosso cotidiano, na nossa vida,
na nossa casa, na nossa fábrica, no nosso trabalho, no nosso bairro, na nossa
comunidade, aperfeiçoando a democracia. A única maneira de fazermos isso é
defendendo o direito de todos, os direitos humanos.
Eu gostaria de terminar lembrando que a Folha de S.Paulo de hoje traz duas
notícias interessantes. Uma é sobre o Delfim Netto, que era o Ministro da Fazenda
da ditadura. Ele é considerado inteligente! Quem falou isso? Era inteligente porque
fez o milagre? O milagre se chamou dívida externa. Nós pagamos a dívida, o Lula
terminou de pagá-la há dois anos. (Palmas.) Isso é milagre.
Em uma Comissão da Verdade, Delfim Netto tem que se explicar, assim como
tem que explicar por que destruíram as ferrovias, por que destruíram a Marinha
Mercante. Nós temos direito à nossa riqueza, como explicou o companheiro da
PETROBRAS. E o que vemos é a aposta na pobreza. Isto é o que foi a ditadura: a
aposta na pobreza, porque jamais o Imperialismo permitiria que o crescimento de
um país como o Brasil, que tem a maior área tratorável do mundo, o maior nível de
insolação — que é energia — do mundo, o maior volume de água do mundo e um
povo lindo, ordeiro e não muito numeroso. Jamais permitiriam que crescêssemos,
porque nós os passaríamos!
Observem o que está acontecendo agora. Ocorre esta brincadeira: “A gente
não trabalha mais. Deixem os pobres trabalharem para nós.” Globalização é isso.
“Deixem os pobres trabalharem, deixem os chineses, deixem os brasileiros serem
escravizados. Deixem o pobre trabalhar para nós, e nós só importamos deles,
porque a nossa vocação são os serviços e o mercado de capitais.” Olhem o
mercado de capitais, que legal!
Aliás, assusta-me o que vi na TV esta semana de novo: “O mercado está
nervoso. O mercado está de mau humor. Já estão humanizando o mercado de
novo.” O que tem que ser humanizado é o nosso trabalho, é o trabalho de quem
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trabalha todos os dias, é a produção. (Palmas.) O mercado está de mau humor? Vai
tomar banho, então. Vai tomar um banho frio.
Se eu perder o voo, ficarei com os senhores. (Palmas.)
O Delfim Netto falou uma pérola. Prestem atenção sempre nessas coisas,
porque isso é sem-vergonhice, como a tortura. Ele está dizendo que está
preocupado com o inchaço de gastos públicos no Brasil. Olha o que ele considera
gastos públicos: “Para ele, o mais grave é a sustentação do Sistema de Seguridade
Social e da Previdência”. Não é legal? Está aqui na primeira página da Folha de
hoje. Ou seja, como ele é considerado pelos incríveis gurus não sei da onde um cara
incrivelmente inteligente, já está mandando recadinho aqui. Nesse momento os
aposentados estão brigando contra o fator previdenciário. Então uma palavrinha do
super-homem é: o Brasil não vai aguentar se continuar essa... Quem é que está
ganhando com isso? Isso é torturar os nossos idosos, condená-los à morte, à falta
de saúde. Nós sabemos o que acontece com a maioria dos aposentados.
A outra notícia da Folha é: “Escola que formou golpistas é alvo de protestos”.
Finalmente um grupo de sobreviventes de El Salvador foi protestar no Estado norteamericano da Geórgia na frente da Escola da Américas. Para quem não sabe, a
Escola das Américas funcionava na América Central, no Panamá, e formou 11
ditadores latino-americanos, inclusive brasileiros. O pessoal estava protestando
pelos 20 anos do massacre daqueles seis padres jesuítas espanhóis de El Salvador
 passo para o Deputado, porque ele sabe o que foi isso. Então, os latinos foram
protestar na frente da sucessora da Escola das Américas, que se chama Instituto de
Cooperação para Segurança Hemisférica, a sigla agora é WHINSEC. Ali se ensinou
tortura, os nossos torturadores estudaram lá, os argentinos estudaram lá. Também
passaram pela Escola das Américas aqueles caras de Abu Ghraib, prisão do Iraque.
Deputado, acho que poderíamos conversar com o governo norte-americano e
ver se essa escola vai continuar, se essa brincadeira vai continuar para formar
golpista, torturador. O pessoal de Honduras se formou lá. O Chefe do Estado-Maior
Conjunto das Forças Armadas de Honduras se chama Romeo Vásquez. Ele não
aceitava nenhuma reforma na Constituição, então Zelaya o afastou e houve o golpe
lá.
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Todo aluninho da Escola das Américas é premiado com golpe quando é
contrariado. Isso é algo que temos de tomar conhecimento.
Gostaria de falar aos companheiros que estejam atentos todos os dias. Eu
trouxe esse jornal com duas notícias de hoje, que li no avião e resolvi falar sobre
isso. Mas sabe por quê também? Aqui existe uma moção, que pedirei a todos que
assinem. O grupo Tortura Nunca Mais, há 1 ou 2 anos, também, nessa mesma
reunião, fez uma moção contra o Deputado Jair Bolsonaro. É uma ofensa, uma
infâmia (palmas); ofende a todos nós aquele cartaz que ele tem na porta, com o
desenho de um cachorro com osso na boca  o cachorro não tem nada com isso,
porque qualquer cachorro é genial, muito melhor do que ele , referindo-se aos
companheiros que lutam pela busca dos outros companheiros do Araguaia assim:
quem gosta de osso é cachorro.
Deputado, a nossa moção é também contra a Comissão de Ética da Câmara
dos Deputados, porque ela recebeu essa moção por duas vezes e não fez nada. O
cartaz continua lá; é só ir até o local para vocês verem, a não ser que ele tenha
tirado o cartaz hoje. A cada mês, todo mundo fotografa e manda.
Então, esse sujeito, Jair Bolsonaro, respondeu a um parente de um morto de
Goiás, se não me engano, na saída de um almoço no Clube Militar, que era uma
homenagem, um desagravo, ao Coronel Ustra, um torturador sem-vergonha.
Quando ele disse que o irmão havia morrido na tortura, o Deputado disse um
palavrão que eu não vou repetir. Foi um palavrão horrível, que representa dane-se,
azar seu. E falou a mesma coisa com relação aos outros familiares. Azar de vocês!
Danem-se! Então, ele é a favor da morte. E esse sujeito é um Deputado, está nesta
Casa. Ele deveria ser nosso funcionário, mas não o é. E nós pagamos os nossos
impostos para que ele também receba, mas é uma ofensa ao povo brasileiro, aqui,
em Brasília.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Muito obrigado, Rose. Está
aqui o filho do Santo Dias, que vai receber a comenda, na condição de
representante do pai. Ele representa Santo Dias, os sindicalistas e os movimentos
sociais.
Peço ao Sr. Manoel da Conceição que faça a entrega da placa. Ouviremos
agora o agradecimento do Sr. Santo Dias Filho, porque ele tem de pegar um avião,
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ou seja, ele e a Rose têm que partir agora. Nós gostaríamos muito de tê-los aqui,
mas compreendemos. (Palmas.)
O SR. MANOEL DA CONCEIÇÃO - Prezado Santo Dias Filho, tenho a honra
e o prazer de repassar esta homenagem ao filho de um grande companheiro que
tivemos em São Paulo. Quando morto, fomos prestar-lhe uma homenagem, e agora
entrego ao seu filho esta comenda que me foi passada pelos companheiros que
lutam em prol dos direitos humanos e da anistia para todos os brasileiros e
brasileiros que resistiram ao sistema ditatorial. (Palmas.)
O SR. SANTO DIAS - É com muito orgulho que recebo esta homenagem
porque sabemos o quanto o povo brasileiro sofreu e sofre até hoje por conta dos
direitos humanos. Não é fácil carregar essa bandeira de luta pela justiça, pela
dignidade, pelo caráter, pela honra e pelo direito mais importante de todos, o direito
à vida. Antes de tudo, estamos lutando pelo direito à vida.
Meu pai deu a vida por seus companheiros, tombando no dia 30 de outubro
de 1979, durante uma greve dos metalúrgicos. Este ano faz 30 anos que foi
assassinado e entrou para a história do povo brasileiro, como mártir, como herói,
como heróis são também todos vocês que participam deste seminário.
Muito obrigado. (Palmas.)
Para que a história seja mantida e vivida é preciso a nossa participação para
carregar essa bandeira. Força nesta luta, companheiros! (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Quero lembrar que depois da
palavra do Sr. Jarbas Marques e do Prof. Carlos Alberto Lungarzo, encerraremos
esta reunião, mas não saiam porque D. Marisa está avisando que haverá um lanche,
para o qual todos estão convidados.
Concedo a palavra ao companheiro jornalista que prestou um depoimento,
quando fizemos um seminário sobre a questão da tortura, que deixou cada um de
nós mais indignados com aquilo que ocorreu no período da ditadura, mas também,
ao mesmo tempo, em meio à nossa indignação, deu muito mais forças que o
companheiro que sofreu, e luta efetivamente para que os torturadores não fiquem na
impunidade.
Com a palavra o companheiro Jarbas Marques, jornalista e torturado político.
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O SR. JARBAS MARQUES - A primeira coisa que tenho a falar é que nos
acusam de revanchistas. O que seria revanchismo? Era fazermos com os
torturadores o mesmo que fizeram conosco. Prenderam-nos, torturaram-nos,
colocaram-nos na prisão por dezenas de anos e destruíram a nossa estrutura
familiar. Até hoje há famílias destruídas, porque muitos dos filhos são levados à
distorção de que o pai pensou mais na tal mãe pátria do que na família. E nós
somos testemunhas dessas desagregações na estrutura dos patriotas, na sua
estrutura física e na sua estrutura familiar.
Quando vinha para cá, ouvi na CBN uma coisa para a qual quero chamar a
atenção de todos os companheiros que aqui estão, como também por um outro fato
relacionado. A máquina de matar e torturar está pronta, azeitada e mais atualizada;
é só vocês lembrarem daquele episódio do MST, quando o helicóptero do Sr. José
Serra sabia a hora em que os provocadores, infiltrados no MST, derrubariam as
laranjas, e foram eles que divulgaram para a televisão.
Na CBN, agora, eu ouvi José Serra condenando o Presidente da República
porque está recebendo o Presidente do Irã. Há uma semana, ele recebeu o
Primeiro-Ministro de Israel; a imprensa ficou durante 20 dias chutando o osso do
Muro de Berlim. Eu quero ver o dia em que esta imprensa vai falar dos cortes de 458
quilômetros que os Estados Unidos fizeram nas terras que roubaram do México,
para que o mexicano, não vá aonde vai ancestralmente — Texas, Novo México e
todos aqueles Estados que têm nomes espanhóis.
Eu quero saber por que esse Presidente, essa autoridade executiva de Israel,
vem aqui para ditar e quebrar a soberania brasileira, para dizer ao Presidente Lula
não receber o Presidente do Irã.
Ele que fez, na terra palestina, um muro para que os palestinos fiquem com
fome e sem água. Então, eu quero ver o que vai dizer essa mesma imprensa que
durante 20 dias ficou celebrando a queda do Muro de Berlim.
Em 1965, eu entrevistei Plínio Salgado, aqui em Brasília, e ele fez uma
declaração a mim, que a marcha para o Oeste, feita pelo Getúlio em 1940, tinha o
componente ideológico nazifascista, porque o coordenador do comitê dos 40 dos
integralistas do fascismo brasileiro, Gustavo, descobriu que o movimento sionista no
início do século passado, amealhou 10 milhões de libras esterlinas para comprar
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terras ao norte da Argentina, e a segunda opção era em Uganda, para fazer o
Estado de Israel; então, os sionistas sabiam que não tinham legitimidade para
ocupar a Palestina.
Essa é uma verdade histórica, e hoje eles estão mais aperfeiçoados do que
os próprios nazistas; chegam diante da casa de um palestino, miram um canhão e
destroem tudo, e ninguém fala sobre isso — a imprensa não vê isso. (Palmas.)
A Rose falou sobre Delfim Netto. Todos devem se lembrar que o Delfim Netto
mais o General-Comandante e o Ernane, além de manipularem, lá em São Paulo
reuniram todos os empresários, a Ford deu aquelas F-100. O Hélio saiu transportado
nela. A Folha de S.Paulo é a mesma que usava os seus carros para transportar
morto ou torturado, e essa mesma Folha de S.Paulo abriu para os torturadores do
Terruma forjarem uma ficha da Dilma, dizendo que ela era assassina e torturadora, e
vejam, ela é a chefe do Gabinete do Presidente da República. Se, contra ela, eles
têm a ousadia de fazer isso, imaginem comigo. Quando eu estive aqui, com o
Presidente da Comissão de Direitos Humanos e dei o nome do General Reinaldo,
que me manteve num cárcere no Rio de Janeiro — e o limite humano é 1 mês — ele
disse aos familiares que foram reclamar que perdeu a oportunidade de me matar 3
vezes. Eu dei o nome do Delegado Romeu Tuma, dei o nome dos operários que ele
pessoalmente torturou.
Lá, no DOPS de São Paulo, era ele com uma sala, o Anselmo no meio, e o
Fleury na outra. Todas as ciladas feitas pelo Anselmo, e todas as mortes e as
torturas feitas pelo toxicômano Sérgio Fleury, os rádios, os aluguéis, tudo foi feito
estrategicamente pelo Delegado Romeu Tuma.
E assim como o Filinto Müller, torturador e assassino, expulso da Coluna
Prestes porque era ladrão e covarde, prendeu, torturou, e, na frente de Harry Berger,
ficou louco porque cortou os mamilos da mulher dele na sua frente. Esse chegou ao
Senado.
E um assassino e torturador como Romeu Tuma estar aí, como o Curió e o
Erasmo estiveram, é uma vergonha para esta Nação. E esse “Jim das Selvas”, que
desgraçadamente confessa que, embora tenha sido Presidente do STF, e sem
passar pelas torturas que nós passamos, estuprou a Constituição. Se ele tivesse
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conhecimento jurídico saberia que, desde 1914, o Marechal Hermes assinou as
convenções proibindo a tortura e o assassinato.
Então, nós estamos diante de quê? Da impunidade, e os militares pagam o
pato — mais de 100 mil militares, nós temos aqui companheiros. Os torturadores
não chegam a 1.200, contra 250 mil, que é a composição, e as instituições estão
pagando o pato. Por quê? Porque o Tuma agora, em toda oportunidade que tem,
esconde a sua participação pessoal em tortura. E o Ustra diz o quê? Diz que não
matou ninguém, coitadinho. Que a mulher dele ia lá na URBAN para ensinar as
meninas a fazer crochê. O Wilson Simonal era informante; ele ia treinar caratê com
os caras que me torturavam, com o Tenente Cordeiro e o Sargento Leite, no Leblon.
E o que aconteceu?
Tive uma programação, mas a companheira Rose, com toda a legitimidade,
estendeu o tempo, eu iria falar sobre a primeira manifestação de brasileiros na luta
pelo território nacional, que foi a Confederação dos Tamoios, exatamente há 555
anos. E tamoio, significa, em tupi, o mais velho, o dono da terra.
Só para vocês terem uma pálida ideia, o José de Anchieta era Quasímodo, e
mandava à tortura aqueles índios que não aceitavam a tal fé cristã. Ele não pode ser
canonizado porque matou pessoalmente, pulando sobre os ombros de um francês,
para lhe quebrar o pescoço.
Em 1965, o Diário Carioca deu uma tal de associação hispano-americana
pela canonização do José Anchieta. E, pasmem, quem era um dos subscritores era
o primeiro ditador de plantão, Humberto Alencar de Castello Branco.
Então, o primeiro genocídio em favor da terra foi a Confederação dos
Tamoios; era uma confederação porque, desde São Paulo até o Espírito Santo,
tribos participaram da luta contra os portugueses. Foi aí que inventaram que os
nossos índios eram antropófagos; que o Anchieta foi um propagador; que os nossos
índios eram atrasados porque não conheciam cozimento; que as carnes eram
moqueadas, coisa que, depois, os bandeirantes copiaram. O que era moquear?
Colocar a carne no pilão e socar. Eles não conheciam o cozimento; nem havia
panela para isso, as primeiras panelas foram os franceses que trouxeram em troca
de pau-brasil.
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O Hans Staden apresentou aquela alegoria. E quem era o Hans Staden? Era
o canhoneiro dos franceses que matavam os Tamoios, os Anhan Bebe e os
Aimberé, lá, na Baía de Guanabara, e eles conseguiram fazer a Confederação dos
Tamoios; então, a tortura vem de lá.
A Rose falou en passant sobre a escravidão. Os companheiros deveriam
saber que a origem do termo bóia-fria se refere a quando as barbas brancas do tão
endeusado Pedro II, aliado ao Gobineau, um genocída de 1848, de Paris, quando
mataram todos aqueles companheiros em boca de canhão, ele quis embranquecer a
escravidão. Foi quando eles trouxeram os italianos para trabalhar nas lavouras de
café, em São Paulo, que trouxeram os poloneses, que trazem os deserdados da
Europa para o Brasil; era uma tentativa inspirada pelo Gobineau, de desfazer. Nós
temos a vergonha de ser o último País das Américas a abolir a escravidão.
Não vou falar sobre a origem do pau-de-arara, assunto já citado pela Rose.
Quem vai a Sergipe procura chegar a Alcântara, onde está o Museu da Escravidão.
Vão ver algemas, troncos e tudo aquilo desde o manual da inquisição da Igreja
Católica, que benzia os chicotes da escravidão. E os nossos irmãos negros diziam
que não tinham alma, que estavam nivelados a animal, a cachorro e a cavalo.
E isso tudo veio num crescendo; basta lembrar do chamado exército negro,
que começou com os capoeiras, porque a Princesa Isabel assinou o decreto
tentando manter a família Orleans de Bragança no poder, e todos aqueles que
faziam comícios pela república eram espancados por essa banda, que era liberada
em jornal por José do Patrocínio. Todo mundo se esquece disso. Eles contam com
nosso esquecimento; isso precisa ser passado.
Com relação à origem da ditadura, da instrumentação da tortura, ela vem de
1945, na Itália, quando o Tenente-Coronel Humberto de Alencar Castello Branco se
liga a Vernon Valtes, que tem sob suas costas 2 milhões e 200 mil mortos, desde o
golpe no Irã até todas as ditaduras da América latina.
E o que aconteceu? Castello Branco veio para cá com a tarefa de
instrumentalizar o golpe e as ditaduras e fundar a Escola Superior de Guerra.
Golbery, antes do golpe, tinha 82 mil nomes de pessoas que deveriam ser
presas ou eliminadas fisicamente. Era lá no Edifício Central, na avenida Rio Branco
e ele montou o SNI com a lista que tinha dos que deveriam ser presos ou mortos.
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Então, a geratriz dessa tortura é todo um passado da estruturação da
escravidão junto dos latifundiários. Por exemplo, a partir de 1947, os dois primeiros
que chegaram ao generalato no Brasil fizeram curso na escola de preparar
torturadores e assassinos. Um deles, o Burnier, que todo mundo sabe quem é,
chegou a brigadeiro; outro, o General Hélio, foi presidente do Clube Militar no Rio de
Janeiro. Depois vieram as levas de torturadores preparados.
Eu fui interrogado em Juiz de Fora, por Davy Hazan, que era o homem mais
preparado da Polícia Civil, o único brasileiro que escrevia sobre técnicas policiais na
revista do FBI.
Quanto ao Fleury, ele tentou vender um arquivo seu para o General
Figueiredo, pelo qual pediu meio milhão. Todo mundo sabe a origem do dinheiro da
lancha na qual eles mataram o Fleury. Ela faz parte do butim que ele e o Almirante
Rademaker pegaram de Jorge Medeiros do Valle, o Bom Burguês, e que estava
depositado na Suíça. Todos aqueles que foram torturados sabiam que o Fleury era
toxicômano, mas se picava na barriga da perna, onde ninguém podia ver a veia
arroxeada.
Essa ditadura e esses Poderes fizeram a lei mais vergonhosa que persiste até
hoje: a Igreja filmou Fleury matando pessoas, mas criaram a chamada Lei Fleury,
para protegê-lo. Por ignomínia e imoralidade do Poder Judiciário brasileiro, essa lei
ainda permanece, como uma excrescência da ditadura.
As torturas que eles fizeram não era apenas uma herança colonial, elas foram
atualizadas em 1969, quando Rockefeller veio ao Brasil. Eu sou um dos
sobreviventes que viveram no corpo as evoluções técnicas das torturas. Fui
torturado aqui em Brasília, em tanques de água. Enquanto eu era afogado em urina
e fezes nos porões dos Dragões da Independência, eles diziam aos companheiros:
“Vocês vão comer merda igual a este comunista filho da puta.” Fui levado para o Rio
de Janeiro, onde me afogaram, primeiramente, com mangueira, em seguida, com
sabão em pó nos olhos. Depois o General Fayad inventou de me afogar com contagotas: tampavam minha boca com esparadrapo e me afogavam com conta-gotas,
enquanto eu estava no pau-de-arara.
O que aconteceu? Essa atualização que o Rockefeller veio fazer tem sua
origem na ignorância. Todo mundo endeusa o John Fitzgerald Kennedy, mas sua
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gênese é de contrabandistas. O pai dele ficou rico por ser o maior contrabandista de
bebidas, e depois foi embaixador em Paris. Todos aqueles que têm a minha idade e
são da minha geração lembram-se de que lutamos contra a Aliança para o
Progresso e as Forças da Paz, propostas por ele. Eles vinham ao Brasil para
levantar todas as condições psicossociais para um golpe de estado.
Naquela época o que acontecia? Para preparar a ditadura, oficiais do Exército
e das Forças Armadas eram mandados para a escola de assassinos nos Estados
Unidos; a Polícia Civil era preparada pelo Dam Mitrioni, que desceu toda a América
Latina. Como a articulação militar do golpe foi feita em Minas Gerais, com o
Governador Magalhães Pinto e os militares mineiros, Dam Mitrioni recolhia os
mendigos em Belo Horizonte e os levava para o DOPS, onde eram usados nas
aulas de tortura. Mas ele foi justiçado pelos Tupamaros, no Uruguai.
A evolução técnica da tortura teve a participação de Israel. Qual era a técnica
que Israel usava? A de isolar o preso e botá-lo pelado, para ele voltar à posição
uterina e perder a noção do tempo. Um general, que era adido militar da França no
Brasil, participou da maior atualização de técnicas de tortura na Argélia e dava curso
para torturador aqui.
Vejam os senhores o comprometimento dos ingleses e todos os sistemas. A
partir de 1969, houve brigas particulares na Marinha, no Exército e na Aeronáutica.
A Marinha queria perseguir somente marinheiros; a Aeronáutica, o pessoal dela;
então o Exército tomou conta.
Nessa atualização científica da tortura, Orlando Geisel criou o DOI-CODI com
assessoramento direto dos Estados Unidos. O que estamos vendo agora, a partir da
guerra do Iraque e do Afeganistão? O que ensinaram para seus sabujos, eles
mesmos foram fazer.
A origem desse Berlusconi é a máfia. No tempo em que eu estava na Itália,
como militante social, a máfia governava aquele país. Não tinha uma obra pública
italiana que não fosse dividida entre a máfia e os militantes fascistas da extrema
direita. Ele hoje é o homem mais rico da Itália porque a origem do seu dinheiro está
no crime.
Então, o que temos a dizer com relação à incrementação da tortura? Eles
estão voltando. Por exemplo, o Obama ganhou o Prêmio Nobel. Esse prêmio está
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desmoralizado desde que foi entregue a Henry Kissinger, um assassino que tem
mais de 1 milhão e 500 mil mortes nas costas. Foi Kissinger quem organizou os
golpes no Chile, na Bolívia, no Peru e na Argentina. O fato de ele receber o Prêmio
Nobel é um acinte à história mundial dos direitos humanos.
Obama, que também recebeu o Prêmio Nobel, está cercando o Brasil, está
cercando o pré-sal. Deixaram de utilizar uma base que tinham instalado no Paraguai
porque o Lula ganhou a eleição. Eles iriam usar essa base do Paraguai, que tem
uma pista de 4 mil metros e aceita o C-5 Galaxy, o avião cargueiro mais pesado do
mundo, que comporta dois tanques artilhados.
Estão fazendo isso, cercando o Brasil e a Amazônia, sob a desculpa de
combate à droga. Quem é o maior consumidor de drogas? Os Estados Unidos. Isso
começou da mesma forma como ocorreu com a Inglaterra, que tinha sua bandeira
em todas as partes do mundo e fez guerra contra a China porque pretendia ter o
privilégio de vender ópio aos chineses. Todos se lembram dos generais da Tailândia
e do Vietnã, os chefes da droga. Enquanto o soldado americano, de 2 metros de
largura, comia peru e outras coisas, o vietcongue comia uma buchinha de arroz, mas
antes fumava um charuto enorme de maconha. As autoridades militares americanas
não viam quem patrocinava isso?
(Intervenção fora do microfone. Inaudível.)
O SR. JARBAS MARQUES - Deixe-me terminar, Nilson, do contrário, quando
você fizer o aparte, acabará o meu tempo. Veja que o plenário foi esvaziado, os
companheiros sindicalistas já se foram e aqui só estou vendo gente que, há 25 anos,
luta pela anistia comigo.
A Operação Condor inicia-se quando? Operacionalmente, quando Ernesto
Geisel, então Presidente da PETROBRAS, manda seqüestrar o Coronel Jefferson
Cardim, que estava no Uruguai, com passaporte da ONU, e, ao ser avisado por um
cunhado, segue para Buenos Aires. O Embaixador do Brasil na Argentina também
participa do seqüestro e leva o Coronel Jefferson e o filho dele até a porta do avião
do Ministro da Aeronáutica, Marcio Mello. Tudo isso por uma vendeta do Geisel, que
achava que seu único filho morrera por culpa do Jefferson, na época o
Vice-Comandante do quartel. Vejam a cretinice dessa ditadura: matar uma criança
de 14 anos. Que perigo representava esse menino de 14 anos, chamado Marcos
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Antônio Dias? Sua mãe morreu a caminho de Goiânia, lutando para descobrir seus
restos mortais.
Essa é uma das histórias que conhecemos, mas que não é do conhecimento
do povo brasileiro. E o que eles fazem com essa ditadura? Atos como a Lei da
Anistia. Depois de terem sido cassados cento e tantos Deputados e Senadores, com
o Congresso de joelhos, apenas com rebotalhos da ditadura, aprovaram essa lei na
ilusão de que os tais crimes conexos perdoariam todos os torturadores. Isso não
existe. Desde Hermes da Fonseca, sobrinho do Proclamador da República, que o
Brasil assina tratados. E o "Jim das Selvas" não sabe disso porque não tem
conhecimento jurídico. Enquanto ele esteve no Supremo Tribunal Federal, violentou
as cláusulas pétreas e pediu vista de processos, para que perdessem o prazo de
julgamento. Isso é uma indecência, é uma vergonha.
O Brasil vai ser levado às barras dos tribunais internacionais. Na semana
passada, prenderam um alemão genocida com 93 anos. Quando eles encontram um
genocida, mesmo que ele esteja prestes a morrer e vá ficar apenas um dia na
cadeia, será apenado por ter cometido um crime contra a humanidade. (Palmas.)
A Alemanha é responsável pela morte de mais de 120 milhões de pessoas na
guerra, mas quantos brasileiros não morreram nessa guerra?
Houve coisas incríveis na minha vida. Eu era assessor parlamentar de Jamil
Amiden, um Major do Exército Brasileiro e mutilado de guerra. Foi a primeira vez que
eu vi um herói mutilado, que conheci os primeiros heróis, a exemplo de Sá Roriz,
que encontrei no apartamento de Jamil Amiden em Brasília.
Quando eu era o assessor parlamentar de Jamil Amiden, Castelo Branco
nomeou como Líder no Congresso o Raimundo Padilha, que transmitia, pelo rádio,
as posições dos navios brasileiros para que os submarinos alemães os afundassem.
Quando eu redigia um capítulo, eu lia um trecho para eles, que choravam. Foi
dramático.
Certo dia, Jamil Amiden levou 300 medalhas à tribuna, para todos aqueles
que estavam lutando pela liberdade no mundo. Enquanto isso, Castelo Branco,
nomeou para ser Líder de seu Governo um fascista, um nazista de 500 costados.
Jamil Amiden foi cassado por ter levado à tribuna essas medalhas de sangue
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dos brasileiros que lutaram pela democracia no mundo. E Castelo Branco nomeou
um “nazistóide” para ser Líder do seu Governo.
O Modesto tentou salvar a vida do Lucas Alves; eles furaram os olhos e
arrancaram as unhas do Lucas Alves. Não me esqueço do dia em que encontrei Sá
Roriz com uma cicatriz, no Rio de Janeiro. Ele sabia que estava sendo procurado,
então se apresentou ao Cordeiro de Farias, que fora seu comandante na Itália, e lhe
disse: “Marechal, a única coisa que quero é que garanta a minha vida.”
Naquela época, eu estava sendo torturado pelo Sizeno Sarmento. A tortura
somente parou durante 5 meses, quando ele ia comer na PE. Mas ele dizia: “Depois
a gente recomeça a brincadeira.” Cordeiro de Farias telefonou para Sizeno
Sarmento, que falou: Não, pode mandar seu sargento se apresentar. Sá Roriz se
apresentou confiado nas palavras de Sizeno Sarmento e do Cordeiro de Farias, mas
foi morto na tortura.
Esses são os homens, essa é a democracia. O sonho da ditadura foi fazer o
que ridicularizávamos: a Polícia Internacional e de Defesa do Estado – PIDE. Por
que a PIDE era uma estrutura policial perfeita? Porque, em cada lugar, havia 2
agentes dela, sendo que um não sabia quem era o outro. Então, se o primeiro não
apresentasse o relatório de delação, o segundo, que o primeiro não conhecia,
poderia delatá-lo. O sonho era esse.
Antes, falavam que os comunistas comiam criancinhas e que os filhos
deduravam o pai e a mãe. No entanto, a quantos milhares de exemplos assistimos?
Quantas foram as desgraças que esses torturadores e assassinos fizeram em nome
da liberdade? Que cinismo! Eles instalaram a corrupção.
Por que o Antonio Carlos Magalhães roncava grosso? Para que o Figueiredo
chegasse a general do Exército, as doze pessoas que estavam à sua frente foram
compradas com duas turbinas de Itaipu. Elas receberam suborno para calarem a
boca e não dizerem nada. O Antonio Carlos Magalhães roncava grosso porque ele
foi o articulador da operação para o Figueiredo chegar a general de Exército.
Estamos diante de quê? De uma impunidade que o povo não conhece. Esses
homens continuam no poder. Acho muito ruim quando alguém de nós fala em
ditadura militar. Eles sujaram as mãos dos militares, mas estão aí, os seus sabujos,
no Ministério de Minas e Energia.
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CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ
Outros Eventos - Seminário
Número: 2150/09
COM REDAÇÃO FINAL
Data: 23/11/2009
Durante 100 anos, soubemos que o Estado mais atrasado do Brasil era o
Piauí. Hoje, sob a tutela da família Sarney, o mais atrasado é o Maranhão. Então,
quem são essas figuras? Refiro-me não só a uma ditadura militar, mas a uma
ditadura civil e militar. Hoje é Senador o homem que entregou a Meira Mattos a
chave do Congresso Nacional. É uma vergonha, é uma indecência. Nós que
assistimos a isso não podemos nos calar.
Uma semana após o meu último depoimento na Comissão, Sr. Presidente,
quando dei os nomes de torturadores e dos torturados pelo Tuma, o Grupo
Terrorismo Nunca Mais – TERNUMA publicou um texto na Internet, elogiando o
Tuma, no qual botou a minha assinatura e falava das ações da esquerda. Eu estou
processando esses canalhas. Se eu ganhar a ação, o dinheiro vai para o Grupo
Tortura Nunca Mais/RJ, que está falido. (Palmas.)
Na semana passada, fizeram nova investida contra a Dilma. Então, se eles
ousam atacar a Ministra-Chefe da Casa Civil, são capazes de fazer muito mais
canalhices conosco, que somos apenas sobreviventes.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Muito obrigado, companheiro
Jarbas Marques. Quero dizer que nós estamos fazendo uma publicação do resultado
daquele seminário sobre a tortura.
Em decorrência do esvaziamento do plenário, o Sr. Carlos Alberto Lungarzo,
membro da Anistia Internacional e professor da UNICAMP, falará amanhã, às 9
horas, logo no início da reunião.
Agradecemos a todos a presença. Obrigado e até amanhã.
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