O Trabalho da Mulher no Brasil nos Últimos 40 Anos

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O Trabalho da Mulher no Brasil nos Últimos 40 Anos
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O Trabalho da Mulher no Brasil nos Últimos 40 Anos
The woman’s work in Brazil in the last 40 years
Raquel Quirino
Doutoranda da Faculdade de Educação da UFMG - [email protected]
Antônia Vitória Soares Aranha
Professora Doutora Associada da Faculdade de Educação da UFMG - [email protected]
RESUMO
Tendo como referências as estatísticas das Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios –
PNAD e as Pesquisas Mensais de Emprego – PME do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística – IBGE; a Relação Anual de Informações Sociais – RAIS do Ministério do
Trabalho e Emprego – MTE e alguns dados do Ministério da Educação – MEC e os estudos
de algumas autores/as Bruschini e Lombardi, 2008; Bruschini, Lombardi e Unbehaum, 2006;
Tossato, 2009; Lombardi, 2010, entre outros/as, este artigo traça um panorama evolutivo da
mulher no mercado de trabalho brasileiro a partir da década de 1970 até os dias atuais.
Evidenciam-se mudanças e deslocamentos, permanências e continuidades na situação da
mulher no mundo do trabalho. Destacam-se a maior escolaridade feminina, a redução das
diferenças salariais entre as mulheres e os homens, o elevado número de domicílios chefiados
por mulheres, entre outros aspectos.
Palavras-Chave: Trabalho da mulher; Mercado de Trabalho Feminino; Mulher no mundo do
Trabalho.
ABSTRACT
Based on statistics data from Government Research (PNAD and PME from IBGE); on
Annual Relationship of Social Information (RAIS/MTE); data from Educational Agency
(MEC) and some studies coming from Bruschini & Lombardi, 2008; Bruschini, Lombardi and
Unbehaum, 2006; Tossato, 2009; Lombardi, 2010, among others, this article give us one
evolutionary overview of woman and the Brazilian market jobs since 1970 till now. It is easy
to see changes and replacement, permanent and unchangeable conditions of woman situation
in the world of jobs in Brazil. On relief we can consider one up grade on woman school age,
one reduction in salary differences between female and male and one high number of homes
that are supported by woman among others aspects.
Key-Words: Woman´s Work, Woman´s Job, Brazilian market job for woman.
INTRODUÇÃO
A grande mudança que afetou a classe operária, e também a maioria dos outros setores
das sociedades desenvolvidas no “Breve Século XX”, conforme Eric Hobsbawm (2002, p.
304-313), foi o papel impressionante desempenhado pelas mulheres; sobretudo, as mulheres
casadas. A partir do fim do século XIX, o trabalho em escritórios, lojas, em centrais
telefônicas e profissões assistenciais, estava fortemente feminizado e essas ocupações
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terciárias se expandiram à custa dos setores primários e secundários, agricultura e indústria.
Nos velhos países industriais as indústrias de trabalho intensivo em que as mulheres
costumeiramente se concentravam como as de tecidos e de roupas, se achavam em declínio e
o mesmo acontecia com as indústrias pesadas e mecânicas, com sua composição
esmagadoramente masculina.
Somadas as duas principais mudanças - a entrada em massa de mulheres casadas no
mercado de trabalho e a expansão da educação superior - tem-se o pano de fundo, pelo menos
nos países ocidentais típicos, do impressionante movimento da “feminização do mundo do
trabalho”. (NOGUEIRA, 2004).
Sem a pretensão de desenvolver uma discussão exaustiva da temática, este artigo trata
das questões da evolução da mulher no mercado de trabalho brasileiro nos últimos 40 anos.
Procura-se atualizar um panorama evolutivo do trabalho e da ocupação das brasileiras nas
últimas 4 décadas e, à luz das análises produzidas pela bibliografia consultada e das
estatísticas disponíveis, evidenciar e compreender as principais transformações pelas quais
passaram as trabalhadoras brasileiras.
A FORÇA DE TRABALHO FEMININA NO BRASIL
De acordo com o Censo Demográfico 2000, havia no Brasil um contingente de
86.223.155 mulheres. Em números absolutos havia mais 2.647.140 mulheres do que homens.
Os resultados parciais do Censo de 2010 revelam que este cenário continua o mesmo, pois
51,04% da população brasileira é formada por mulheres, sendo 97.342.162 mulheres e
93.390.532 homens totalizando 3.951.630 mulheres a mais do que homens. Nas últimas três
décadas, a proporção de homens vem se reduzindo muito discretamente. Se em 1980 havia
98,7 homens para cada 100 mulheres, em 1991 essa proporção caiu para 97,5; 96,9 em 2000 e
em 2009 havia, para cada 100 mulheres, 94,8 homens. Em relação à População em Idade
Ativa – PIA e a População Economicamente Ativa – PEA as mulheres também continuam a
ser maioria na população brasileira.
A partir da década de 70 até os dias de hoje, a participação das mulheres no mercado
de trabalho tem apresentado uma espantosa progressão. Dados do IBGE apontam um
acréscimo de mais de 10 milhões de trabalhadoras entre 1976 e 2010.
A Fundação Carlos Chagas (2007), ao analisar o comportamento da força de trabalho
feminina no Brasil no último quarto de século verifica o vigor e a persistência do seu
crescimento. Nos últimos 40 anos as mulheres desempenharam um papel muito mais
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relevante do que os homens no crescimento da PEA. Enquanto as taxas de atividade1
masculina mantiveram-se em patamares semelhantes, entre 73 e 76% em praticamente todo o
período, as das mulheres se ampliaram significativamente. Se em 1976, 29% das mulheres
trabalhavam, adentramos 2010 com 46,2% delas trabalhando ou procurando emprego (ou
seja, a PEA, que inclui para o IBGE, os/as ocupados/as e os/as que estão á procura de
trabalho). Entre as mais de 10 milhões de brasileiras economicamente ativas, mais de 90%
delas estavam em franca atividade em 2010, desempenhando um papel muito mais relevante
do que os homens no crescimento da população economicamente ativa do Brasil.
Tabela 1
Mulheres no mercado de trabalho: Indicadores de participação econômica
Brasil - 2002 a 2010
PIA / PEA
Anos
PIA
Milhões
2002
2004
2006
2008
2010
19.319
20.032
20.766
21.562
22.257
% na
PIA
53,1
53,2
53,3
53,6
53,8
PEA
Milhões
8.820
9.668
10.000
10.488
10.910
Ocupadas
% na
PEA
Milhões
Taxa
Atividade
48,78
44,91
41,10
45,73
46,20
7.592
8.275
8.777
9.435
9.984
45,6
48,3
48,2
48,6
49,0
Desocupadas
% entre Milhões % entre
os ocupaos desocudos
pados
42,7
43,4
44,0
44,7
45,3
1.228
1.393
1.223
1.053
929
52,4
56,3
55,3
60,1
58,4
Fonte: Elaborado pela autora com base nos dados do IBGE, Disponível em:
<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/trabalhoerendimento/pme_nova/defaulttab_hist.shtm>
Acesso em 04 abr. 2011.
Indicadores para o Brasil revelam que, no período de 1976 a 2010, a população
economicamente ativa feminina passou de 11,4 milhões para 22,4 milhões, a taxa de atividade
aumentou de 28,8% para 49,0 e a porcentagem de mulheres no conjunto de trabalhadores foi
de 30,3% para 45,3%. Isto significa que mais da metade da população feminina em idade
ativa trabalhava em 2010 e que mais de quarenta e cinco em cada cem trabalhadores era do
sexo feminino na mesma data. (IBGE, 2010).
Embora as mulheres sejam maioria na população em idade ativa em dezembro de 2010
(53,8%) e representar 46,2% da população economicamente ativa, elas são minoria na
população ocupada (45,5%), mas estão em maioria entre os desocupados (58,4%).
Acrescenta-se ainda, que elas são maioria também na população não economicamente ativa.
1
Relação entre a População Economicamente Ativa (PEA) e a População em Idade Ativa (PIA). A PEA traduz a
oferta de trabalho efetiva, ou seja, o conjunto de indivíduos que trabalham e/ou está à procura sistemática de
trabalho. A PIA, por sua vez, reflete a oferta potencial de trabalho, na medida em que considera toda a população
com idade superior a dez anos.
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A INSERÇÃO DA MULHER NO MERCADO DE TRABALHO BRASILEIRO
Segundo o IBGE, na década de 1970, 69,3% das trabalhadoras concentravam-se no
mercado de trabalho no setor terciário, 38,8% no setor de serviços, 16,1% em atividades
sociais, 9,9% na indústria de transformação, 6% no comércio, 2,6% na administração pública,
0,4% nas indústrias da construção e outras atividades industriais e 4,9% em outros ramos de
atividades.
No ramo industrial, especificamente, a distribuição das mulheres nos setores de
produção concentrava-se, principalmente, nos setores alimentício e têxtil e, em cada dez
trabalhadoras qualificadas na indústria, oito ocupavam cargos em áreas administrativas, uma
na produção e uma em serviços de saúde e assistência. Nas áreas de produção, os setores
industriais que mais empregavam mulheres eram o farmacêutico e químico (respectivamente
22,8% e 18,9%) e os que menos utilizavam o trabalho feminino na produção eram os setores
metalúrgico, mecânico, elétrico e de transporte – áreas tradicionalmente masculinas. (IBGE,
1970).
Porém,
em meados da década de 1970, há uma revitalização do setor industrial
metalmecânico e de materiais elétricos, incorporando novos elementos aos seus
produtos finais, incrementos estes que contaram com a incorporação do trabalho
feminino em setores predominantemente masculinos da produção, como a
metalurgia. (TOSSATO, 2008, p. 291-292).
Para Bruschini e Lombardi (2003, p. 346) a partir das décadas de 1980 e 1990, a
estrutura ocupacional feminina se caracterizava de modo geral, por dois segmentos
diferenciados em termos de qualificação, prestígio e, consequentemente, remuneração, tais
como: ocupações em serviços administrativos e em serviços de turismo, serventia, higiene,
beleza e auxílio à saúde. Essas áreas representavam 50% dos empregos femininos com
carteira assinada. De outro lado, as ocupações de nível superior nas áreas jurídica, do ensino e
das artes, responsáveis pela oferta de 18% dos empregos femininos.
Mas, segundo as autoras, no contraponto das ocupações precárias, mulheres instruídas,
além de continuar marcando presença em tradicionais “guetos” femininos, como o magistério
e a enfermagem, têm adentrado também áreas profissionais de prestígio, como a medicina, a
advocacia, a arquitetura e até mesmo a engenharia, tradicional reduto masculino. Esta poderia
ser considerada uma das faces do progresso alcançado pelas mulheres, no que tange à sua
participação no mercado de trabalho.
5
Ainda que os postos de trabalho para essas profissionais tenham pequena
significação numérica no conjunto dos empregos de ambos os sexos, o que importa
aqui é a crescente participação feminina nesses nichos, ampliando as possibilidades
de uma inserção qualificada no mercado de trabalho. (BRUSCHINI e LOMBARDI,
2003, p. 346)
Os dados da média das estimativas mensais da PME de 2009 mostram as formas de
inserção das mulheres no mercado de trabalho. Aproximadamente 35,5% das trabalhadoras
estão inseridas como empregadas com carteira de trabalho assinada, percentual inferior ao
observado na distribuição masculina (43,9%). As mulheres empregadas sem carteira e
trabalhando por conta própria correspondem a 30,9%. Entre os homens este percentual era de
40%. O percentual de mulheres inseridas como empregadores era de 3,6% enquanto na
distribuição masculina era 7,0%.
Entre as mulheres jovens, de 16 a 24 anos de idade, 69,2% estão em trabalhos
informais. Outro grupo etário em que a participação é elevada é o das mulheres de 60 anos ou
mais, cuja proporção é de 82,2%. A alta participação desses dois segmentos etários em
trabalhos informais pode estar relacionada com a baixa escolaridade. Também pode estar
relacionada, no caso das mais jovens, com a dificuldade de acesso a um primeiro trabalho
formal onde possam conciliar emprego e estudo e, no caso das mais idosas, com o retorno de
aposentadas e pensionistas ao mercado de trabalho, especialmente, em trabalhos informais.
Tal como na população ocupada, as mulheres são também minoria dentre os
trabalhadores contribuintes da previdência social, representando apenas 43,9% dos
contribuintes em 2010. Embora em relação a 2003 tenham apresentado crescimento da
participação entre os ocupados contribuintes em comparação aos homens (nesses 8 anos, elas
passaram de 42,1% para 43,9%, enquanto os homens, de 57,9% para 56,1%), o trabalho
informal, sem as garantias do Estado, ainda faz parte da vida da mulher trabalhadora
brasileira.
O Ministério do Trabalho e Emprego – MTE, segundo a Relação Anual de
Informações Sociais – RAIS (MTE, 2009, p.8), aponta que a evolução do emprego segundo a
variável gênero apresentou um aumento de 5,34% no “estoque da mão de obra feminina”,
evidenciando uma vantagem comparativa em relação à elevação do contingente de
trabalhadores do gênero masculino (+3,87%). Esse resultado traduz-se no aumento da
participação da mulher no mercado de trabalho formal, de 41,1% em 2008 para 41,4% em
2009, dando seqüência à trajetória de elevação da representatividade da força de trabalho
feminina nos últimos anos.
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Tabela 2
Distribuição (em %) das mulheres ocupadas por áreas
Brasil 2002 a 2010
Área
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
Indústria
Construção
Comércio
Serviços
Educação
Serviços domésticos
Outros serviços
13.8
1.0
18.2
11.5
23.3
17.6
14.6
14.8
0.9
18.9
10.9
22.4
16.4
15.7
14.7
0.7
18.3
11.7
21.4
17.6
15.6
14.4
0.7
17.7
12.5
21.8
17.4
15.5
13.9
0.7
18.3
12.5
21.3
17.4
15.9
13.1
0.7
18.4
12.7
22.0
16.8
17.0
13.7
0.8
18.3
13.3
22.7
15.3
15.9
13.6
1.0
18.0
13.1
21.9
16.1
16.3
13.0
0.8
17.9
13.5
23.5
14.9
16.4
Fonte: IBGE. PME. Média dos meses. Adaptado pela autora. 2011.
Observa-se, pelas estatísticas oficiais do IBGE de 2002 a 2010, que a maior
concentração da força de trabalho feminina esteve, em sua maioria, concentrada nas áreas de
Educação, seguida do Comércio.
A ESCOLARIDADE DAS MULHERES BRASILEIRAS NO MERCADO DE TRABALHO
No Brasil, ao longo do século XX e nos dez primeiros anos do século XXI, o acesso à
escola foi sendo ampliado para os diferentes grupos populacionais antes excluídos do
processo educacional formal. Com isto, as mulheres passaram a ter a oportunidade de estudar,
o que hoje em dia se reflete na maior positividade dos indicadores educacionais, nos quais as
mulheres vêm superando os homens.
De 1995 a 2010 as mulheres passaram da média de 5,3 para 7,4 anos de estudo,
enquanto os homens passaram de 5 para 7 anos e, 40,63% das trabalhadoras tinham mais de
11 anos de estudo contra 35,2% dos trabalhadores. Entre a população ocupada e residente nas
áreas urbanas, a diferença entre homens e mulheres se amplifica: enquanto os primeiros
possuíam, em 2010, uma média de 8,3 anos de estudo, as mulheres ocupadas chegaram a 9,2,
ultrapassando o nível fundamental de ensino (cuja duração foi definida, a partir de 2006,
como sendo de 9 anos). (IBGE, 2010).
As mulheres são mais escolarizadas do que os homens e também apresentam taxas de
analfabetismo inferiores: em 2008, 9,8% das mulheres com 15 anos ou mais eram analfabetas
e 20,5% consideradas analfabetas funcionais. Entre os homens, esses percentuais eram de
10,2% e 21,6%, respectivamente. Em 2010, no entanto esse quadro se inverteu: a taxa de
analfabetismo funcional dos homens em idade ativa no Brasil era de 20,9 % e das mulheres
19,8%.
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Surpreendentemente, é nas regiões consideradas menos desenvolvidas que as mulheres
são dotadas de maior nível de alfabetização que os homens. A maior vantagem feminina está
no Nordeste, onde 16,1% das mulheres com mais de 15 anos eram analfabetas, contra 19,3%
dos homens na mesma faixa etária. Este fenômeno pode estar relacionado aos processos
migratórios mais intensos entre os homens com maior escolaridade, das regiões menos
desenvolvidas para as mais desenvolvidas.
De 2003 a 2010, a população feminina em idade ativa com 11 anos ou mais de estudo
passou de 51,69% para mais de 60% e aquelas sem instrução ou com menos de um ano de
estudo caiu para pouco mais de 1%. Também a proporção de mulheres de 25 a 64 anos de
idade que freqüentam a escola (6,6%) é maior do que a dos homens (4,8).
A defasagem e a evasão escolar também são menos frequentes entre as mulheres,
fazendo com que a distorção idade-série seja menor para elas do que para eles. Assim,
enquanto 44% dos meninos de 15 a 17 anos estavam frequentando o nível de ensino adequado
para sua idade (ensino médio), essa proporção era bem superior entre as meninas (56,8%).
Contribuem para conformar esse quadro os valores e convenções de gênero que acabam por
estimular mais os meninos a abandonarem os estudos para trabalhar e auxiliar no sustento
familiar, enquanto às meninas cabe o trabalho doméstico que, teoricamente, pode ser mais
facilmente conciliado com as atividades escolares. (BANDEIRA, MELO e PINHEIRO,
2010).
Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira INEP, a educação superior brasileira é predominantemente feminina. Entre os aspectos
selecionados pelo censo do ensino superior, tanto os cursos na modalidade presencial quanto à
distância, apresentam em comum a predominância de alunas do sexo feminino. Na graduação
presencial, as mulheres correspondem a 51,5 % do número total de matrículas e 58,8% do
número total de concluintes. Já na modalidade da Educação à Distância - EaD, 69,2% das
matrículas e 76,2 % dos concluintes são do sexo feminino.
A expansão da escolaridade, a que as brasileiras têm cada vez mais acesso, é um dos
fatores de maior impacto sobre o ingresso e ascensão das mulheres no mercado de trabalho.
As mulheres trabalhadoras têm uma escolaridade muito superior à dos trabalhadores,
diferencial de gênero que se verifica também na população em geral. (BRUSCHINI e
LOMBARDI, 2003, p. 20). Isso significa que as mulheres tendem a se qualificar ainda mais
para entrarem no mercado de trabalho, o que não se reverte em salários mais elevados ou em
ocupações mais qualificadas que as masculinas, assim como não significa a desobrigação das
responsabilidades domésticas e dos cuidados.
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Cabe ressaltar que, no ano de 2009, no caso do ensino médio completo, a taxa de
crescimento do emprego para os homens (+9,07%) superou a verificada para as mulheres
(+7,77%). Entretanto, no nível superior completo, o percentual de aumento para os vínculos
empregatícios femininos (+7,65%) foi maior que o obtido para os vínculos masculinos
(+7,38%). É importante registrar que, nesse nível de instrução, o contingente de mão-de-obra
feminina supera o contingente de mão-de-obra masculina (3,97 milhões e 2,769 milhões,
respectivamente). No nível superior incompleto, verifica-se também, mas em menor medida,
que o número de mulheres (912,5 mil postos) no mercado de trabalho formal situa-se num
patamar superior ao registrado para os homens (845,7 mil postos).
Esses resultados revelam uma maior inserção das mulheres com nível de escolaridade
mais elevado, corroborando os estudos de Bruschini e Lombardi (2003 e 2008), que também
apontam nesse sentido. Verifica-se que nos postos de trabalho com ensino médio completo
(incluindo o ensino técnico) o percentual de mulheres no total de trabalhadores empregados é
de 44,7% e com ensino superior mais da metade – 58,9% são mulheres.
Constata-se também que a escolaridade elevada tem impacto considerável sobre o
trabalho feminino, pois as taxas de atividade das mais instruídas são mais elevadas do que as
taxas gerais de atividade.
As informações do Relatório Anual de Informações Sociais – RAIS, de 2009, tomando
como referência o grau de instrução mostram uma queda na geração de empregos para os
níveis com menor grau de escolaridade, até o ensino fundamental incompleto, para ambos os
gêneros, e um aumento dos vínculos empregatícios para todos os níveis de instrução a partir
do ensino fundamental completo.
Tabela 3
Número de empregos formais segundo gênero e grau de instrução
Brasil 2009
Grau de instrução
Masculino
Feminino
Total
% Feminino
Analfabeto
4ª série do Ensino Fundamental
8ª série do Ensino Fundamental
Ensino Médio Completo
Superior Completo
185.430
1.508.254
3.878.520
9.117.654
2.763.724
42.774
536.390
1.821.758
7.385.220
3.970.358
228.204
2.044.644
5.700.278
16.502.874
6.734.082
18,7
26,2
31,9
44,7
58,9
Fonte: MTE. RAIS/2009. Adaptado pela autora. 2011.
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A REMUNERAÇÃO DA TRABALHADORA BRASILEIRA
Para Bruschini, Ricoldi e Mercado (2008) o nível de ganho dos brasileiros é
reconhecidamente baixo, e as brasileiras – como as trabalhadoras em todo o mundo – ganham
menos ainda do que os homens.
A PNAD revela que em 2008 a jornada de trabalho delas era de 40 horas semanais em
média, e recebiam, habitualmente, R$ 802,00 por mês. Esse rendimento correspondia a 71,0%
do rendimento dos homens. Observa-se ainda que as diferenças entre os rendimentos de
homens e de mulheres eram maiores entre os mais escolarizados. A remuneração das
mulheres com curso superior era, em média, 40% inferior a dos homens.
Segundo a PME2 mesmo com maior escolaridade, as mulheres têm rendimento médio
inferior ao dos homens. Em 2009, o total de mulheres ocupadas recebia R$ 1.029,60, cerca de
72,0 % do rendimento médio dos homens ocupados (R$ 1.430,00). No mercado formal essa
razão chega a 74,6%, enquanto no mercado informal o diferencial entre o rendimento de
homens e mulheres é ainda maior: as mulheres no mercado informal recebem somente 63,2%
do rendimento médio dos homens. Este diferencial no rendimento está certamente relacionado
com a maior qualificação das pessoas no trabalho formal e com a média de horas trabalhadas,
que é inferior para as mulheres em trabalhos informais.
No entanto, para Bandeira, Melo e Pinheiro (2010, p. 114), é possível afirmar que há
uma tendência contínua de redução do hiato salarial entre homens e mulheres na economia
brasileira. Para as autoras, no caso brasileiro, a partir de 2003, observa-se uma alteração na
trajetória de queda dos rendimentos do trabalho, provavelmente devido à política de
valorização do salário mínimo e às políticas sociais de transferência de renda implementadas
pelo governo do presidente Luis Inácio Lula da Silva. Assim, enquanto para o período 2001 a
2004 houve uma queda de 19,2% nos rendimentos femininos, entre 2004 e 2008 verifica-se
um crescimento de 14,6% dos rendimentos reais femininos e de 12,4% dos masculinos.
A crise econômica de 2008 afetou os salários de todos os trabalhadores em geral, mas
as mulheres foram mais afetadas do que os homens. Enquanto as perdas salariais deles foram
de 2,74 % de 2007 para 2008, as perdas das mulheres foram em torno de 3, 5%, de R$ 831,00
para R$ 802,00 e os homens de R$ 1.161,00 para R$ 1.130,00.
Em 2010, comparando a média anual dos rendimentos dos homens e das mulheres,
verificou-se uma diminuição do espaço de desigualdade salarial: as mulheres ganharam em
torno de 72,3% do rendimento recebido pelos homens
2
Pela nova metodologia da PME iniciada a partir de 2002 só é investigado o rendimento proveniente de
trabalho, portanto, não estão arrolados nestes dados rendimentos provenientes de outras fontes.
10
Se comparados os aumentos dos rendimentos de homens e mulheres no período de
2008 a 2010, observa-se que os ganhos das mulheres continuam crescendo em relação aos dos
homens. Se para as mulheres houve um crescimento de 53,6 % nos rendimentos, para os
homens esse percentual foi de apenas 50,7.
A proporção dos rendimentos médios das mulheres em relação ao dos homens, por
grupos de anos de estudo, mostra que, em 2009, as mulheres com 12 anos ou mais de estudo
recebiam, em média, 58% do rendimento dos homens com esse mesmo nível de escolaridade.
Nas outras faixas de escolaridade, a razão é um pouco mais alta (61%). Uma possível
explicação para isso é que, para o grupo com escolaridade mais elevada, a formação
profissional das mulheres ainda se insere nos tradicionais nichos femininos, como as
atividades relacionadas ao serviço social, à saúde e à educação, que ainda são pouco
valorizados no mercado de trabalho. Outro aspecto relevante para a compreensão do
diferencial de rendimento entre homens e mulheres é o número de horas trabalhadas na
jornada semanal. Enquanto a média, em 2009, para as mulheres foi de 36,5 horas semanais
(em todos os trabalhos), para os homens foi de 43,9 horas. Além disso, percebe-se que, de
1999 a 2009, as disparidades pouco se reduziram.
Tabela 4
Percentual de rendimento médio das mulheres ocupadas, em relação ao rendimento
médio dos homens, segundo os grupos de anos de estudo
Anos
Até 8 anos
2001
2004
2009
58,0
59,0
61,0
Anos de Estudo
9 a 11 anos
12 anos ou mais
56,0
58,0
61,0
54,0
55,0
58,0
Total
69,0
70,0,
71,0
Fonte: IBGE, PNAD. 1999/2009. Adaptado pela autora, 2011.
Observa-se uma crescente redução do hiato salarial existente entre trabalhadores e
trabalhadoras nos últimos anos assim como a incorporação cada vez maior das mulheres no
mercado de trabalho e a elevação do seu nível de escolaridade a patamares superiores aos dos
homens. Baseando-se na tese na qual a “feminização” do mundo do trabalho leva pouco a
pouco a uma precarização de toda a classe trabalhadora em geral, pode-se questionar se a
tendência atual é, de fato, o aumento dos rendimentos reais das mulheres ou uma redução
acentuada dos salários dos homens.
Como lembra Cecília Toledo, referindo-se às análises de Marx em O Capital:
11
o capital se aproveita, sobretudo, da abundância de mão de obra disponível. (...) A
substituição cada vez mais intensa do trabalho masculino pelo trabalho feminino
aumentou muito o número de operários, e o capital conseguiu reduzir o nível salarial
de todos eles. (TOLEDO, 2008, p. 39)
Dessa forma o capitalismo usa a divisão sexual e as diferenças de gênero no mundo do
trabalho para estimular a competição entre os/as trabalhadores/as, baixar o nível de salários ou
não lhes dar os rendimentos devidos. A mulher é sinônimo de trabalho barato, e, como lembra
Marx, embora teoricamente o valor da força de trabalho seja, em média, o mesmo para todos
os trabalhadores, na prática a força de trabalho pode ter diferentes valores de troca.
CONCLUSÃO
As mulheres brasileiras, cada vez mais, se constituem em força política e produtiva
atuante, mas como residem em um país marcado pela desigualdade na distribuição da renda,
formam um dos grupos demográficos mais atingidos pelo revés proporcionado por este
contexto.
Quando o contexto é o mercado de trabalho, a maioria dos indicadores apresentados
pelo IBGE mostra a mulher em condição menos adequada que a dos homens. Entretanto, estas
estatísticas não são explicadas pela escolaridade, visto que, neste cenário, elas ocupam
posição de destaque. Em todos os países desenvolvidos, após a Segunda Guerra Mundial,
outro fenômeno marcante do século foi o número crescente das mulheres na educação
superior, considerada porta de acesso às profissões liberais. Algo que se repete no Brasil nos
dias atuais no qual mais 60 % das mulheres em idade ativa tem 11 anos ou mais de estudo.
Entre as causas para o aumento da participação da mulher no mercado de trabalho,
apontam-se: o aumento da escolaridade feminina, a queda da fecundidade, novas
oportunidade oferecidas pelo mercado devido ao desenvolvimento tecnológico e aos novos
modelos de organização e gestão da força de trabalho e, finalmente, as mudanças nos padrões
culturais, que alteraram os valores relativos aos papéis de homens e mulheres na sociedade.
Não obstante o crescimento da taxa de participação da mulher no trabalho assalariado,
por outro lado permanece a responsabilidade pelas atividades domésticas e pelos cuidados
com os filhos e demais parentes, dando continuidade aos modelos familiares tradicionais,
provocando sobrecarga para as novas trabalhadoras, que têm o seu “trabalho duplicado”.
(NOGUEIRA, 2006).
O trabalho doméstico, seja remunerado ou não, é culturalmente percebido como
atividade das mulheres, associado a atributos de cuidado, abnegação e reprodução, que
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compõem estereótipos de um determinado modelo de feminilidade vigente no país. Em sendo,
portanto, uma atividade de responsabilidade “natural” das mulheres, restrita à esfera do
doméstico, não tem o seu valor econômico nem social reconhecido, o que o torna
desprestigiado e desvalorizado.
Apesar da importância em termos numéricos (já representarem mais de 50% da
população – como mostram os dados mais recentes do IBGE), da maior escolaridade e da
crescente inserção no mercado de trabalho, as mulheres brasileiras além de receberem salários
inferiores aos dos homens, desempenharem atividades de menor status social, ainda têm uma
expressão consideravelmente menor que a dos homens em cargos de prestígio e poder, seja na
esfera política, seja à frente a grandes organizações e até mesmo na mídia.
Todavia, mesmo com o contínuo crescimento da presença feminina no mercado de
trabalho, o destaque da mulher na área de educação e o seu conseqüente acesso a ocupações e
profissões antes consideradas masculinas e de maior prestígio, com base nas estatísticas
oficiais mostradas, constata-se a participação das mulheres nos espaços de trabalho, poder e
decisão continua sendo um desafio para a sociedade brasileira.
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